Entrelugares: notas críticas sobre o pós-mangue

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ENTRELUGARES

NOTAS CRÍTICAS SOBRE O PÓS-MANGUE

RICARDO MAIA JR.


Ricardo Maia Jr.

Entrelugares: notas críticas sobre o pós-mangue

1ª Edição

Recife - PE 2012 2


Edição José Juvino da Silva Júnior Organização Carlos Gomes Revisão Fernanda Maia e Carlos Gomes Diagramação e Capa Fernanda Maia Foto de Capa Hidden Colaboração Rodrigo Édipo Realização Outros Críticos

MAIA JR., Ricardo Entrelugares: notas críticas sobre o pós-mangue – Recife: José Juvino da Silva Júnior, 2012. 64 p. E-book ISBN 978-85-914545-2-5 1. Música - crítica. 2. Pós-mangue. I. Título.

Disponível para download gratuito no blogue Outros Críticos. Contatos: Autor: rmaiajr80@gmail.com Outros Críticos: outroscriticos@hotmail.com

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SUMÁRIO

Prefácio ‑ 5 Pós-mangue: to be or not to be?! ‑ 10 Um passeio pela sonoridade pós-mangue ‑ 17 Para além da sonoridade pós-mangue ‑ 28 Do Mangue pra casa ‑ 36 A falácia pós-mangue ‑ 46 É possível lutar pelo pós-mangue? ‑ 54

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PREFÁCIO

SOBRE CÂNONES INTOCÁVEIS, POLÍTICA, TECNOLOGIA E A ESTÉTICA DA MÚSICA PERNAMBUCANA “O intelectual existe para criar o desconforto, é o seu papel [...]” Milton Santos

A similaridade mais interessante nas funções de jornalista e pesquisador é o caráter, essencialmente, contestatório das duas profissões. E para tal, um bom profissional das duas áreas que, por vezes, se misturam em seus propósitos mais nobres, tem no artifício da pergunta uma utilidade bélica. Utilizando-a como arma de investigação que desbrava denúncias e postulações, sugerindo novas rotas de fuga para a sociedade, promovendo reflexões e debates que podem ou não desestabilizar o status quo vigente. Melhor, claro, quando desestabiliza. Foi transitando na interseção entre as duas profissões e, acredito, com esse propósito em mente, que Ricardo Maia Jr. encontrou um lugar para expor o que pensa. Conheci o autor no começo da década de 2000, através de uma grande amiga minha que estudou jornalismo com ele na UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco). A memória mais remota dessa época foi vê-lo em uma das etílicas ruas do Recife Antigo, sentado na calçada em uma roda de amigos, discutindo algum assunto que, para mim, era muito cabeçudo para o meu momento festivo da ocasião. Ricardo centralizava a conversa, 5


e provavelmente – tenho quase certeza – estava reclamando de algo que discordava. Provoco até minha memória e me arrisco a dizer que Marx & Engels estavam presentes em espírito no inflamado discurso de meio fio. Posso estar enganado. Anos depois, tomando cervejas com Ricardo no célebre Bar do Bigode, situado nas imediações da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), passo a ter uma relação mais estreita com ele a partir do interesse do mesmo em pesquisar academicamente o TV Primavera, coletivo anarquista e niilista de videoarte, do qual fiz parte no final da década passada. Lembro que, na época, fiquei surpreso: “Aonde esse cara quer chegar com isso?”. Conhecendo-o melhor, terminei por entender. Na verdade, Cacá (como também é conhecido na cidade) é um cara de personalidade provocadora, incomodado com o establishment das instituições e – como poucos na careta classe média recifense – guarda dentro de si um fascínio pela arte que é marginal. Ricardo se identifica com esses agentes de contestação porque também é um deles. Seja evidenciando artistas outsiders na – cada vez mais asséptica – academia, ou como mentor da banda Ex-exus, um dos grupos mais controversos surgidos na música pernambucana, desde o Textículos de Mary. E foi imbuído até o último fiapo de cabelo desta áurea abusada, que o jornalista, pesquisador & músico, pôs o dedo em uma ferida há muito exposta e escreveu as linhas que compõem o Entrelugares: notas críticas sobre o pós-mangue1. Admirador confesso do Manguebit, como todo pernambucano que não vê a música somente como trilha sonora para azaração e cachaça, Ricardo não está interessado em questionar o valor 1 Os textos que compõem o livro foram publicados, originalmente, em colunas mensais no blogue Outros Críticos, durante o primeiro semestre de 2012.

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da movimentação que aconteceu em Recife na década de 1990. Muito pelo contrário, reconhece a importância do mesmo, porém, critica veementemente a institucionalização do movimento como o principal referencial da música contemporânea do Estado. Como também questiona a supervalorização de outros cânones da nossa cultura, como o frevo e o maracatu, por exemplo. Para Ricardo, esta visão moderna e estática demais e, consequentemente, pouco fluida, pode estar sufocando uma nova gama de bons artistas que, apesar de estarem produzindo música de forma autônoma dentro dos próprios quartos, não encontram investimentos suficientes para um merecido escoamento da obra, a não ser a gratuita, porém desterritorializada internet. A partir disso, durante os seis ensaios aqui compilados, o autor nos provoca constantemente, metralhando questões em busca de respostas que não são respondidas tão facilmente. A música pernambucana perdeu mesmo a euforia da renovação? Os novos artistas são interditados pela sombra do Manguebit? Há mesmo uma concentração de investimentos públicos e privados nos medalhões? Nos falta um novo herói? Uma das soluções seria uma imprensa alternativa mais forte? A repaginação vem somente da transgressão? O pós-mangue é vítima da desmontada pósmodernidade? O pós-mangue é uma falácia? Ele é uma ressaca pós-efervescência ou uma evolução estética? Afinal, o que porra é o pós-mangue? Com esta coletânea de ensaios legitimada em livro, podemos dizer que Ricardo Maia Jr. é a primeira pessoa, pelo menos publicamente, a chamar atenção para este grande ponto de interrogação que, talvez por ser contemporâneo até demais, seja necessário um

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desenvolvimento de pesquisa mais apurado, para que – com o passar do tempo – o problema possa ser visualizado por todos de uma forma menos turva. Assim, nos seis textos que compõem esta obra, delineia-se uma linha de raciocínio que transparece certa inquietude e angústia de quem também é personagem de todo este processo e não está nada satisfeito com o rumo que as coisas estão tomando. Por outro lado, apesar do envolvimento direto com a causa, existe um cuidado a todo momento para não soar determinista e leviano, mesmo deixando bem claro o ponto de vista de uma construção lógica que é própria. As comparações entre estéticas, políticas e tecnologias de épocas diferentes estão sempre a serviço do pensamento do autor, que busca apoio nas experiências pessoais e referências teóricas para elaborar este arriscado exercício crítico do seu tempo. O debate está aberto. Rodrigo Édipo

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notas

ENTRELUGARES: criticas sobre o pos-mangue

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Pos-mangue: to be or not to be?!

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E

stabelecidos x outsiders? Mangueboys x indies? Fora do eixo x Pernambuco? O que essas rixas podem nos revelar é bastante limitador. O

cenário musical pernambucano merece um tratamento um tanto quanto relativista, não no sentido niilista, mas na noção metodológica da análise. Apesar dessas limitações, esses três duelos também explicam a situação atual da música em Pernambuco, de certa forma, como sintomas de um mal-estar. O embate entre estabelecidos e outsiders não é nenhuma novidade na cena musical pernambucana, mas é dissimulado, pouco percebido e debatido. E por que, em meio a essas interrogações, jogar com o conceito de pós-mangue? Porque ele compreende uma força simbólica significativa entranhada ainda 11


no Manguebeat, ou Manguebit, considerado último marco cultural representativo e aglutinador da arte pernambucana, mais especificamente da música. Assim como o conceito de pós-moderno, o pós-mangue carrega muitas dúvidas, e isso se reflete em vários sentidos no cenário musical pernambucano. Embora não se possa descarregar tudo no Mangue, pois outras vertentes que se tornaram instituições, como por exemplo: o frevo, o forró e o maracatu, também dizem bastante dessa posição outsider em que se encontra a música pernambucana contemporânea, até mesmo o indie conseguiu sua parcela estabelecida na cultura do Estado. O pós-mangue nos serve para entender melhor essa cena alternativa, a partir de um conceito mais plausível com o contexto atual. Através disso, uma série de problemáticas surgem, como: só o mito do Mangue – Chico Science – que conseguiu tencionar essa barreira com mais êxito, entre o alternativo e o popular? O que veio com o pós-mangue? Quais são suas referências, se for possível dizer isso? Mombojó foi a referência

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direta a esse conceito, e talvez por esse isolamento não tenha sido possível o desenvolvimento de uma estética coletiva e de uma decorrente política cultural. Então, toda a culpa seria do Mombojó? Não, pois os efeitos do Mangue na geração seguinte não podem se restringir a um único exemplo de carreira, por mais que tenha sido uma das bem-sucedidas dessa turma do pós-mangue, que também pode ser compreendida nos projetos solos dos remanescentes do Manguebeat: China, Siba, Otto, Karina Buhr e até de Lirinha (José Paes de Lira), do Cordel do Fogo Encantado. O que se percebe é a perda de uma certa euforia de renovação, carregada pelo Mangue, em seus primórdios, e também no auge do movimento, pois essa repaginação, enquanto proposta, ainda é proporcionada através dos mesmo agentes que, de certa forma, ganharam status institucionais na cultura pernambucana. Por conta disso, houve uma ofuscação, ou mesmo ostracismo, dos artistas que vieram depois e que, de certa forma, atuam, realmente, na cidade, e são eles que podem representar essa retomada expressiva da música pernambucana.

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Não quer dizer que esses músicos que já carregam um nome e um público significativo – apesar de morarem no Sudeste há bastante tempo – perderam a criatividade ou o poder simbólico com suas obras, mas sim que houve uma concentração dessa força criativa. A principal consequência disso é uma divisão mais evidente, e paradoxalmente mais dissimulada, entre os estabelecidos e os outsiders, pois a repaginação ficou interditada, apesar dos esforços multiculturais das instituições públicas a partir do projeto conceitual do Manguebeat e, também, da numerosa produção da música pernambucana atual. O que fazer perante esse panorama? Quem será o novo guia ou o herói da música pernambucana pós-mangue? Essas perguntas não podem nem devem ser respondidas em um artigo ou manifesto, ou em alguma previsão ou aposta, ou em uma fórmula qualquer de produção ou de emancipação, pois as soluções podem ser relativas e infindáveis. Com esse diagnóstico sintético, é relevante destacar a carência de como escoar a produção musical do Estado, que parece emperrar na distribuição de

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todo esse material. Daí vem os outsiders, de toda essa produção que não se organiza e que está fora da cultura oficial e dos circuitos de divulgação. Seria por conta do isolamento dos músicos, que acreditam somente no seu próprio trabalho gravado e divulgado na internet? Ou a causa seria a insuficiência de produtores para trabalhar com esse material? Ou seriam os meios de comunicação, que contribuem mais decididamente para essa estagnação? Ou seria o poder público que investe sempre nos mesmos artistas, que acabam se tornando, praticamente, funcionários públicos? Todas essas perguntas justificam a situação, mas não há só um problema ou uma solução. Com este artigo, é possível introduzir o debate sobre a atual conjuntura da música pernambucana, mas só os agentes desse cenário é que vão poder, de fato, dar essas respostas, e na prática. O que fica no ar é se ainda pode ser relevante a luta pelo novo, ou pelo ovo, ou mesmo pelo outro… ou pelo ouro?! A música, em seu potencial estético, não pode abdicar da política, nem o embate pode se limitar à destruição de uma cena 15


para surgir outra nova. A luta seria pela retomada da força de repaginação da contemporaneidade que se faz mais do que necessária para a cultura pernambucana escutar, de fato, novas vozes e experimentar novos sentidos, novos agentes na música!

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Um passeio pela sonoridade pos-mangue

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“Uma luta se anuncia, e ela avança na maior desordem de enunciados erráticos, de paródias, gritos, palavras de ordem, crenças desordenadas, tudo o que constitui uma enunciação coletiva… Porque se uma luta fala, ela não diz jamais eu”. Serge Daney

E

ssa noção da luta por Serge Daney – trecho extraído do livro A Rampa, em que o crítico faz uma análise contundente sobre o Cahiers

du Cinéma (1970-1982) –, vem a calhar muito bem com o que venho escrevendo a respeito do pós-mangue (contexto que se arrasta há mais de uma década). O pós-mangue não é uma fragmentação só de agora, da atualidade, do presente, ele vem se prolongando e se acumulando no cenário musical pernambucano, desde o começo dos anos 2000. O que torna a conceituação

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cada vez mais complexa. Como colocar num mesmo saco conceitual, só pra citar alguns exemplos bem distintos: Originais do Sample, Re:combo, Mombojó, Songo, Mellotrons, Volver, Johnny Hooker, Fiddy, D Mingus, AMP, Desalma, Team.Radio, Ex-exus, Matheus Mota, Profiterolis, Ahlev de Bossa, A Comuna, Tagore, Feiticeiro Julião, Bande Dessinée, Novanguarda, German Ra, Canivetes, Os Insights, A rua, Glauco & o Trem, Marditu Soundz, Nuda, Julia Says e Sem Perneira Pra Suco Sujo? Qualquer tentativa de enquadramento será frágil perante esse corpus de análise, que não se restringe a esses citados. Mas, mesmo assim, é por esse terreno escorregadio e movediço que a crítica deve instigar a sua abordagem para colaborar com a compreensão deste momento da música alternativa do estado: o que veio depois do Manguebeat. É através da sonoridade que pretendo discorrer a respeito, neste texto. Como dar conta de um panorama tão plural? É possível sintetizar? Quando você pensa sobre o Manguebeat, é possível visualizar algumas linhas estilísticas, apesar de saber que houve muitas

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extrapolações. Quando você se debruça sobre o pósmangue na tentativa de perceber tendências de estilo, é evidente que a fragmentação está gradativamente mais aguda. Mas não é nada que impeça esta crítica e também outras reflexões que surjam, de expandir ainda mais a explanação deste longo momento multifacetado. É possível verificar que, nesse contexto pós-mangue, uma forte movimentação indie tomou força, em Recife, além dos remanescentes e dos repaginadores do Mangue – que, talvez, tenham tido na tendência Olinda Original Style, lançada pela Eddie, a linha estética mais significativa –, e também do legado rocker e psicodélico, deixado por Lula Côrtes em Jaboatão dos Guararapes e na Zona Oeste do Recife. Há ainda os que estiveram transitando por mais de uma tendência dessas ou, de certa forma, procurando estar por fora disso tudo, como os metaleiros, a cena punk e HC. A grosso modo, esse seria o panorama dos quatro principais segmentos culturais da Região Metropolitana do Recife, do início dos anos 2000 até hoje. A tendência indie, em Recife, tem sido a mais 20


representativa no cenário alternativo pernambucano, como contraponto ao Manguebeat. Principalmente, por conta da mídia e dos festivais gerados pelo seu principal agente: o Coquetel Molotov. Não dá para esquecer que o site Reciferock e o concurso Microfonia, financiado pela Aeso/Barros Melo, também foram importantes atores para a promoção da estética indie. Esse perfil sempre foi marcado pela predominância das classes média e alta recifense, enquanto agentes culturais dessa movimentação. Grupos foram formados querendo mostrar a autossuficiência e a capacidade que cada um teria em gerir sua carreira, sem precisar se misturar. Na verdade, essa vertente surgiu concomitante com o Manguebeat, com bandas como Supersonics, River Raid, Amps & Lina e também com a paulistana Stela Campos – que morou na capital pernambucana, durante quase toda a década 1990, na efervescência do movimento Mangue –, mas essa tendência só tomou força e corpo, realmente, no início do século XXI. A sonoridade indie é tão ampla quanto o conceito pósmangue. Volver, Mellotrons, Rádio de Outono, Team.

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Radio, The Dead Superstars, Os Retrôvisores, Sweet Fanny Adams e Lulina são algumas referências de artistas do estado. Apesar da disparidade de propostas, onde eles se tocam sonoramente falando? A principal linha norteadora seria o desapego com qualquer enraizamento que seja da cultura local. Num tempo em que a novidade virou uma falácia, as propostas de mistura lançadas pelo Manguebeat foram confrontadas por uma sonoridade sem cacoetes regionais. O rock alternativo americano e britânico foram as principais fontes de inspiração desta turma, principalmente no que diz respeito ao som. A timbragem é diversa, pois passeia pelo pós-punk, dos anos 1970, pelo new wave, dos anos 1980, pelo shoegaze, dos anos 1990, até a repaginação rocker, proposta pelo The Strokes. Mas, o que há, de fato, em meio a todo esse panorama amplo, é o desprendimento com um compromisso de resgatar ou mesmo de repaginar as referências culturais tradicionais ou populares do estado. Não que essa internacionalização resuma a atuação sonora destes grupos, pois influências nacionais como Roberto Carlos, Mutantes e Clube da Esquina também refletem 22


algumas das nuances destas bandas. O fato é que essa referência ao rock alternativo internacional deu a tônica mais forte na sonoridade indie do estado, aliada ao desligamento de voltar-se aos sons regionais. Por outro lado, o legado do Manguebeat foi passado a grupos que imprimiram, ao seu modo, a ressignificação desses conceitos. Mombojó, Re:combo, Originais do Sample, Orquestra Contemporânea de Olinda, Academia da Berlinda, Bonsucesso Samba Clube, Songo e Zé Cafofinho e Suas Correntes são alguns dos projetos que, talvez, possam carregar com mais propriedade o real sentido do termo pós-mangue, pois, neles, é mais notável a repaginação da tendência conceitual proposta pelos mangueboys. A mistura entre os regionalismos e a música pop global, através dos preceitos lançados por Chico Science & Cia, deram e continuam a dar muito pano pra manga na música alternativa pernambucana. A abertura é o grande trunfo deixado pelo Mangue, pois é possível retomar o fôlego a partir de sonoridades mais contemporâneas – da música eletrônica (DJ Shadow, Daft Punk) ou

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da música alternativa mundial (Stereolab, Beck) –, ou mesmo através de novas tensões com a música caribenha, com a bossa nova, com o frevo, com o jazz, com o samba-rock, com o hip-hop etc. Enfim, há uma linha estilística que aproxima, de certa forma, esses artistas tão díspares, que é a repaginação do legado deixado pelo Manguebeat. Os descendentes da fase rocker e psicodélica de Lula Côrtes se espalharam geograficamente, de modo geral, por Jaboatão dos Guararapes – Johnny Hooker, Monomotores – e pela zona oeste do Recife – Canivetes, Os Insights, Jean Nicholas. Além da referência ao músico pernambucano, o The Stooges, talvez, seja uma aproximação analítica interessante para confrontar com as posturas dessas bandas. Pois, é no encontro do rock com o punk, no chamado pré ou proto-punk, que as sonoridades destes grupos se encontram. É óbvio que existem muitos mais apontamentos referenciais – como: Sérgio Sampaio, Raul Seixas, Bob Dylan, David Bowie etc. –, mas na busca por uma síntese, a tensão entre a fase rocker de Lula Côrtes e o The Stooges é

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bastante representativa para aqueles que comungaram mais diretamente com essa terceira tendência. Não há uma necessidade em reprocessar a música tradicional do estado com outras vertentes da música pop ou alternativa internacional, mas, ao mesmo tempo, não é expresso diretamente o desapego com os preceitos do Manguebeat, e isso também não significa que eles estejam num meio termo, entre essas duas tendências. É possível perceber, de fato, posturas à margem da música alternativa do estado – no sentido de terem pontos semelhantes com os dois primeiros grupos estéticos do pós-mangue, mas eles não se posicionam nem contra nem a favor, mesmo tendo um conjunto conceitual comum que tocam as bandas da terceira vertente, de uma forma peculiar. É isso que as lançam na marginalidade, tocando nesses dois eixos pelas bordas e propondo, dessa maneira, outras sonoridades! E os artistas citados como referências sonoras reforçam a tomada de postura estética destes músicos pernambucanos, que optaram – pegando o gancho do nome do principal festival desta terceira categoria do pós-mangue –, pelo Desbunde Elétrico. 25


Há ainda uma quarta movimentação nesse panorama fragmentado, que seriam os que estão fora e ao mesmo tempo circulando, muitas vezes, em mais de um segmento apresentado. Nuda, Ex-exus, D Mingus, Matheus Mota, A rua, Glauco & o Trem, Julia Says, Joseph Tourton, Feiticeiro Julião e Bande Dessinée não são diretamente associados a nenhuma das três tendências. Como o caráter é mais híbrido e, às vezes, obscuro, esses projetos radicalizam ainda mais, de certa forma, com a fragmentação da cena musical pernambucana. O que dificulta a tarefa de análise em sintetizar algumas tendências deste grupo, em especial, pois ele consegue ser mais plural do que os três segmentos anteriores. Do tropicalismo ao vanguardismo paulista, do psicodelismo à música francesa, da música eletrônica ao krautrock, do art-rock ao afrobeat, e por aí vão as referências, sem amarrar qualquer conceito. É na liquidez que esse grupo tem sentido. Não existem blocos conceituais comuns, cada grupo, praticamente, ou se envolve em uma movimentação própria, singular e autônoma ou se mistura por dentro e por fora dessas outras categorias, enfim, nas bordas de forma peculiar. 26


E extrapolando ainda mais essas tendências, ainda existem os metaleiros (Desalma), os stone rockers (AMP), os mpbistas (Paes) e os experimentais (Monstro Amor). O que veio depois do Manguebeat, a partir dos anos 2000, foi uma fragmentação devastadora, e as sonoridades das bandas de música alternativa do estado – apesar de grosseiramente enquadradas, por mim, em quatro categorias – refletem também essa pluralidade estética, de forma decisiva. Essa análise não quer incitar rixas ou facções, mas sim estimular o debate de um contexto, que já tem mais de 10 anos, e que vem sendo pouco agregado e discutido.

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Para alem da sonoridade pos-mangue

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T

irando um pouco a massa sonora da música, dando ênfase nas letras das canções, o que elas podem nos dizer? Quando selecionamos

alguns artistas pernambucanos no intuito de expandir um pouco mais a análise sobre a atual cena alternativa da

música

pernambucana,

principalmente

dos

outsiders do pós-mangue, o que isso pode nos revelar? Será que podemos perceber alguma ligação, ou mesmo tendência, entre esses músicos? Vou procurar responder sobre essas perguntas no decorrer do texto. Uma primeira questão que vem, ao observar as letras de artistas como: Glauco & O trem, Rua, Feiticeiro Julião, Nuda, Matheus Motta, D Mingus, Johnny Hooker, Ex-exus, Tagore, entre outros, é sobre a perda da necessidade de um vínculo direto com a cidade, não 29


que se tenha perdido a criticidade, mas não há uma relação espacial tão explícita nas letras como houve com as bandas provenientes do Manguebeat, que tinham um forte conceito aglutinador. Isso também não quer dizer que esses músicos não sejam urbanos, só que as letras das canções remetem a outras tentativas de explorar a poeticidade, além do vínculo citadino. Enfim, o contexto é outro, e esses artistas, na tentativa de repaginar a música pernambucana, usam a força das letras das canções com outros engajamentos. Os mangueboys tiveram o espaço urbano como principal elemento do conceito que uniu os artistas em torno da manifestação cultural do Manguebeat, nos anos 1990. Os músicos do pós-mangue fragmentaram essa união em forma de nichos de potência. Nas letras, é possível constatar essa tendência. Por isso, há um certo isolamento que impede tanto o diagnóstico quanto a força representativa de uma cena alternativa emergente. Para visualizar melhor toda essa conceitualização, vamos analisar alguns trechos de canções dos músicos pernambucanos citados acima, com a intenção de

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mostrar tanto a fragmentação da cena alternativa pós-mangue quanto os valores representativos das composições. Vamos começar com artistas que contrariam, de certa forma, o que coloquei sobre a falta de ligação com a cidade. Johnny Hooker, com a canção “Candeias Rock City”, tenta criar um elo com um bairro emblemático do litoral de Jaboatão dos Guararapes – local onde Lula Côrtes, ícone rocker do estado, se estabeleceu e virou referência do lugar. Johnny tenta personificar o bairro de Candeias a partir de uma postura rebelde contra um imaginário rival – que pode ser interpretado de diversos modos, como a luta do novo contra o velho, ou do outsider contra o estabelecido – como é proclamado no refrão pastiche, de uma maneira vingativa: “Estamos indo atrás de você/ Candeias rock city”. Na canção da Nuda, “Maruimstad”, a relação com a cidade também é evidente. Mas, diferentemente da música de Johnny, há uma crítica mais contundente sobre a realidade urbana, como é possível perceber neste trecho da letra: “Não se faz cartão postal no córrego do maruim/ Lá

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corre o boato que construíram um tribunal/ lado a lado do coque/ e o mote do roque é:/ Viaduto separa qualquer luxo de coqueluche”. Há também tentativas críticas mais diretas de uma nova cena musical contra a antiga, como é possível perceber na parceria entre Bruno Souto (Volver) e Tagore no projeto The New Folks, com a música “Mangue Beatle”. A letra inteira trata desse embate estético, temporal e até de classe social, com o Manguebeat: “Sou playboy tipo burguês/ Fui pra Londres canto em inglês, então/ Teu desprezo é maior/ E eu vou na contramão/ E essa lama nos teus dedos/ Não traduz o meu desejo, em vão/ Meu vício é bem maior/ Na minha solidão”. Numa tentativa de diferenciação com o momento anterior. Outro exemplo nos remete a uma realidade inventada, como é possível perceber no trabalho de Matheus Mota. Nas letras deste artista, os universos dos quadrinhos e até da linguagem publicitária são bastante recorrentes. Em “Madame na Avenida”, ele cria um clima lúdico a partir da realidade do flanelinha, como é perceptível no refrão da canção: “Ele guardou o meu carro com 32


carinho e apreço/ Um dia, ele tem saudades e vai partir/ Espera, ela vem roubar o seu coração/ Não, não”. Já nas canções de D Mingus, de Glauco & o Trem e da Rua, é bem latente a verve existencial e surrealista na poética. Em “Jardim Suburbano”, de D Mingus, é evidente a tendência existencialista, montando um retrato urbano em tom melancólico e clima surreal. O trecho inicial da canção é bem ilustrativo: “Recortes de um álbum etéreo/ Pedaços da minha alegria/ Pelas ruas vazias/ Vias respiratórias congestionadas pelo mofo da nostalgia”. Em Glauco & o Trem, a perspectiva existencial é retratada em frustrações de ser outsider, como podemos conferir em “Notícia popular”, onde a falta de reconhecimento no cenário musical é estampada na frase: “não saiu no jornal”, ou mesmo através das crises existenciais do compositor em “Medo-me”: “Tenho mãos estranhas, braços finos, um tremor nas pernas um olhar desconfiado/ Uma língua afiada, mas com medo de cantar”. Nas letras da Rua, o tom surrealista é mais escancarado do que nos outros dois artistas. Um bom exemplo é esse trecho da canção

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“Escorrego”: “Escorreu/ A gota salgou/ Os lábios de um deus/ Fez este mim cão/ Que pisa as horas em bemol”. O jogo de palavras é o artifício necessário para embaralhar os sentidos, criando um desapego espacial. Indo por outro viés, analisando as letras das músicas dos Ex-exus e do Feiticeiro Julião, além do caráter místico, é perceptível uma tentativa de ruptura em relação a comportamentos padrões, tabus e temas interditados, seja do universo do macho contemporâneo, ou do cidadão que busca novos espaços de liberdade dentro da sociedade. “Carne Humana”, dos Ex-exus, escancara essa condição masculina: “Você não vai querer morrer nos meus braços/ Eu como carne humana/ Há muito já perdeu o nexo/ Repete que me ama”. A transgressão é a tônica! Assim como no título-refrão “Vou tirar você da cara”, do Feiticeiro Julião, é possível perceber, de forma lúdica, a busca por uma condição mais livre de repressões do indivíduo na sociedade contemporânea. Os embates são travados em vários níveis. E essas canções nos mostram, um pouco mais, as possibilidades da fragmentação discursiva. Os conceitos apresentados 34


servem para nortear a análise, mas é preciso dizer que esses artistas se tocam e se misturam em vários desses pontos levantados, indo além dessas concepções, às vezes. Enfim, com todos esses exemplos, é possível constatar que a cidade e a urbanidade estão presentes nos discursos desses músicos, mas de uma forma diferente em relação ao momento Manguebeat: não sendo uma prerrogativa necessária enquanto tendência de uma movimentação cultural centralizadora. O que esses artistas querem, ao mesmo tempo, de uma forma plural e singular, é redefinir as facetas da música alternativa pernambucana pós-mangue, e as letras das canções, junto com a análise empreendida, nos mostram como isso pode ser possível. Por isso, temos que ser engajados: que venham os novos hinos!

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Do Mangue pra casa

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E

sse movimento vem marcando a atual cena musical pernambucana. São artistas que vieram depois da efervescência do

Manguebeat. O chamado pós-mangue caiu numa fragmentação muito maior do que poderiam prever os mangueboys. Além do clima de renovação da música alternativa deixado por Chico Science e companhia, o barateamento da tecnologia foi um dos principais agentes dessa movimentação do Mangue pra casa. Os nichos foram sendo criados através dos home studios e, dessa maneira, os músicos criaram micropoderes. Mas, quais seriam as características dessas produções caseiras? Primeiramente, uma estética de baixa qualidade, ou do low-fi, por necessidade. Não que isso não tenha acontecido na época do Manguebeat, ou 37


mesmo antes, na época do psicodelismo de Lula Côrtes, mas o número desse tipo de produção aumentou consideravelmente ao ponto de virar uma marca dessa geração. Concomitante à explosão de home studios, estúdios de ensaio e de gravação foram adquirindo melhores equipamentos, e, com isso, a produção de discos vem se tornando cada vez mais acessível e crescendo consideravelmente. Por conta dessa proliferação de possibilidades, fica difícil delimitar uma estética para este momento pós-mangue; há algumas tendências, mas nada que dê para generalizar demais. A partir destas tendências do pós-mangue, vários grupos existiram e acabaram, como: Rádio de Outono, Mula Manca e a Triste Figura, Pé-preto, A comuna, The Keith, Chocalhos & Badalos, Gigantesco Narval Elétrico, Nuda, The Insights, Canivetes, Retrovisores etc. Outros são uma incógnita, como: Mellotrons, Monodecks, Vamoz, Fiddy etc. Alguns permaneceram, como: Volver, AMP, Julia Says e Johnny Hooker, por exemplo. E outros apareceram, ou como remanescentes destes trabalhos anteriores, ou sendo novos nomes

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mesmo, assim como: Ex-exus, A rua, Glauco & o Trem, Bande Dessinée, Novanguarda, German Ra, D Mingus, Matheus Mota, Feiticeiro Julião, Marditu Soundz, Tagore, Team.Radio, entre outros. Com esses poucos exemplos, é mais do que notável a capacidade de proliferação da cena musical do estado, mas também fica evidente a falta de projeção que esses artistas acabam tendo pela fragmentação radical do pós-mangue. Mas, como aliar a estética, a política e a tecnologia? Essa é a grande questão que vem sendo colocada para esses novos artistas da música alternativa pernambucana, pois esse foi o grande êxito dos mangueboys. No entanto, é constatado que, em vez da aglomeração proposta pela manifestação do Manguebeat, foram criados nichos que almejam a autossuficiência; mas, na práxis, é percebido que essa geração vem se fragmentando tão fortemente, ao ponto de ficarem quase de fora do campo em disputa da cultura, tornando-se outsiders. O poder de influência desses músicos acabou sendo dizimado simbolicamente. Mas, como reverter essa situação? Isso nos impõe mais questões cruciais.

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Seria por conta da falta de casas de show de pequeno e de médio porte? Ou o público que não é fomentado e prefere shows de graça, proporcionados pelas instituições públicas? Ou o conceito do pós-mangue que deixa muitas dúvidas no ar? Ou seria o movimento radical do Mangue pra casa que trouxe essa situação de ostracismo geral? O grande desafio para a nova geração do pós-mangue seria tornar a atual cena sustentável e viável, sem precisar sair para morar no Sudeste, como forma de provar algum valor. Criando, dessa forma, uma rede de bandas no estado, como o Manguebeat fez em seus primórdios, que dialoguem de forma mais democrática com as produções que vêm de toda parte da Região Metropolitana do Recife. E o que está acontecendo na prática? Um fenômeno é interessante como sintoma desse momento pósmangue: a predominância atual de eventos com Djs tocando setlists na cena alternativa da cidade. As bandas quase que estão desistindo de tocar na cidade, preferindo somente gravar e divulgar na rede de computadores. São os próprios músicos que estão

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realizando esses eventos, o que mostra, com maior evidência, algumas das lacunas mais gritantes da produção musical do estado. Esse diagnóstico não é feito para crucificar ninguém, mas só para constatar uma tendência. Pegando esse gancho, a principal referência seria a de Belém, onde há as Aparelhagens, que são, de forma geral, Djs tocando as músicas produzidas na cidade, basicamente, o brega. Essas festas são importantes para fomentar a cena local. No final dos eventos, eles vendem o setlist para o público que quiser comprar. É uma postura mercadológica e política, aliando a estética do brega nessa luta franca pelo mercado independente. Além da Aparelhagem, os carrinhos que vendem CDs piratas são usados também como forma de fomentar e valorizar a nova safra musical da capital paraense. Convenhamos que eles tratam com um estilo popular, que é o brega, e o produto musical de Recife seria, no caso, a música alternativa. Mas também há a música regional do estado, que é popular, mas não sai das asas do poder público. Daí vem essa difícil encruzilhada

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que a música pernambucana quase sempre se encontra: como vender o nosso produto cultural sem virar um Axé Music? Com essa experiência do brega paraense, outra questão também pode ser levantada: como fomentar nossa cena independente? Contudo, a solução para essas questões também não seria usar as fórmulas do brega de Belém nem do Axé da Bahia como modelos salvadores. Deve haver algumas ações que possam funcionar aqui, claro, mas isso só dá para saber na prática mesmo, não formulando discursos. A fragmentação da cena é positiva pela democratização, mas não é viável, quando vira isolamento ou ostracismo. Os outsiders sempre são agentes interessantes para a renovação do cenário cultural, mas não devem ser perpetuados como malditos. Isso é perigoso! É curioso ver o esforço dos músicos, por conta das possibilidades dadas pela internet, em se comunicar com o mundo, principalmente com os grandes centros, leia-se: Europa e Estados Unidos. Mas, eles se esquecem da práxis de manter uma via mais do que aberta com a própria cidade, estado, região. Isso não é demonstrar fraqueza

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nem a abertura de cotas para os excluídos, e sim mostrar que a cena está viva e que precisa de movimentação, apesar dos gostos e dos nichos que possam existir. Com essa fragmentação, não é praticável cada grupo desses achar que sozinho dá para ser um movimento tão significativo e forte quanto foram o Manguebeat e o Tropicalismo. Onde estão esses outros artistas, hoje, que ficaram fragmentados? Estão produzindo ainda na cidade, mas geralmente na condição de outsiders. Esses músicos não são só os remanescentes de algum cenário anterior, pois há muitos novos artistas que estão trilhando o mesmo caminho, por não se enquadrarem nas condições dos estabelecidos ou por não encontrarem meios de propagar a música alternativa que está sendo feita no estado. Talvez, por insistirem numa fragmentação, isso enfraquece o potencial de ação criativa de uma cena musical que tem o seu poder na aglomeração, e precisa muito disso para sobreviver, isto é, da soma desses agentes criativos. A possibilidade da gravação caseira e a decorrente 43


democratização do acesso à produção fonográfica vêm proporcionando uma expansão significativa na música alternativa pernambucana, mas este movimento do Mangue pra casa não pode ser tão radical ao ponto de fazer os artistas esquecerem-se de atuar nas ruas das cidades, de fato. É preciso atuar na malha cultural de forma efetiva, com apresentações e estratégias de distribuição dessas gravações – que estão se tornando abundantes –, na perspectiva de fomentar o público da cena independente do estado. Para isso, os músicos precisam trabalhar juntos para dar visibilidade a todos, a partir do coletivo, e não apostar somente na individualidade de cada projeto. A música em seu potencial estético não pode abdicar da política, e o embate não pode se limitar à destruição de uma cena para surgir outra nova. O pós-mangue precisa, mais do que nunca, do fôlego dos outsiders, pois os seus principais agentes estão querendo mudar a cidade, não mudar de cidade. Os outsiders se encontram ainda entranhados nesses nichos, nos entrelugares dessas relações. Escorregadios e fragmentados! E

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isso é um sintoma importante para a criação, de fato, de um cenário renovado. Não dá para sufocar mais o Manguebeat. A cena de música alternativa pernambucana almeja reconhecimento e espaço, para agora! Não daqui a 5, 10, 15 anos, simplesmente para preencher alguma lacuna histórica.

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A falacia pos-mangue

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P

ós-mangue é uma falácia, assim como todas as tentativas de rótulo sob movimentações culturais, pois são sempre frágeis e não dão

conta da complexidade de uma contingência e de um contexto qualquer. E se isso está atrelado diretamente a um conceito pretérito, essa incapacidade se torna mais aguda. Apesar dessa constatação, a crítica e muitos artistas não deixam de tentar emplacar um direcionamento que busca definir o modo operante de um grupo ou o espírito de uma época. Quando a fragmentação é a tônica do instante, o melhor caminho é o pós ou o neo? Ou é a preguiça ou é a falta de criatividade que não deixam um conceito triunfar? Ou estamos falando de uma política enfraquecida aliada a uma estética fragmentada e individualista? Ou não

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sabemos mesmo é lidar com o caos e precisamos nos escorar em pilares conceituais? É fato que o peso representativo do Manguebeat caiu mais do que bem nos artistas que estavam envolvidos nessa causa. Está, também, muito claro que o pósmangue não decolou por não ter essa representatividade nem o poder de aglutinação, e precisa ser tratado apenas como uma denominação de um momento – temporalmente falando – depois do Mangue. Neste contexto hiperfragmentado e supersaturado pelas beiradas em que cada um deveria ser capaz de tornarse instituição, os artistas não se sentem atraídos nem querem ser referenciados como tais. Pode haver a potência para a autossuficiência, porém ainda há muitos entraves externos e internos para essa realidade ser concretizada. Já fiz quarto artigos sobre a temática na tentativa de refletir sobre o contexto em que me insiro, diretamente, mesmo sabendo que o conceito pós-mangue não daria conta desse panorama nem representaria, de fato, a cena contemporânea de música alternativa em Pernambuco.

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Os meus argumentos têm a pretensão de compreender e de, principalmente, problematizar, e não de delimitar ou de definir uma leitura final sobre o tema. Primeiramente, o que me moveu a escrever foi a falta de críticas que procurassem, mesmo generalizando, entender este momento pós-mangue, que se arrasta desde o começo dos anos 2000. O segundo motivo foi por estar envolvido e atuando neste contexto; e o terceiro, por toda essa fragmentação que me instigou a pensar a respeito e a tentar achar algumas linhas conceituais através deste recorte analítico. Seria a marca da atualidade da música alternativa pernambucana: não estar à procura de uma linha norteadora? Bem, até hoje, não existe um conceito-chave. Os artistas do pós-mangue não despontam aos holofotes da indústria cultural, nem um músico nem um grupo ou uma movimentação que represente, genericamente, todo um contexto. Talvez, futuramente, esse caos seja catalisado e convertido em um emblema representativo, que tenha a força de abarcar a contemporaneidade do porvir. Será que esta geração beira ao fracasso e está, simplesmente, preparando o terreno para uma cena 49


futura mais esclarecida? Fracasso da indústria, mas e o sucesso de nicho? É aquela história: o que é dar certo na “sociedade pós-massiva” (André Lemos) que a gente está vivendo? Não dá para trabalhar com previsões nem é possível resumir a importância de uma época ao ostracismo, pelo simples fato de ela não emplacar um hit ou uma movimentação conceitual; essa cena ainda não está morta, ao contrário, ela está se contorcendo em busca de novas possibilidades. Essa noção do pós é sempre um incômodo e dá uma certa sensação de instabilidade, pois, mesmos os movimentos que encontraram uma base conceitual consistente, como o Tropicalismo e o Manguebeat, e que tiveram na polivalência uma das mais fortes diretrizes de suas intenções de manifesto, não encontraram o cenário tão fragmentado e individualista como esse do pós-mangue. Apesar de essas marcas terem vingado, o que elas conseguiram foi forjar uma cena em torno de uma conceituação que, primeiramente, favorecem seus criadores e os que estão abarcados ao redor deles, e, por último, de tão repetidas como a identidade

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plausível de um momento cultural, acabam sendo, muitas vezes, a única interpretação de um contexto e, consequentemente, uma tendência. Mas o fato de terem forjado a cena não necessariamente é sinônimo de sucesso. Já houve várias cenas sendo forjadas e não dando em nada. Então, talvez, o caminho não seja só esse! A farsa pós-mangue não alcançou um status representativo e aglutinador e, talvez, a principal razão de seu fracasso seja a postura assumida pelos artistas e pelos críticos. Será que procuraram trilhar pelo individualismo em vez de somar e de dar força a um poder cultural de pressão coletiva? A potência dissimulada de que cada indivíduo poderia ser uma instituição (como bem observou Rodrigo Édipo, na coluna da revista Mi #1), por conta do caos encontrado após a falência da indústria fonográfica, que foi potencializado pelo barateamento da tecnologia de gravação e pela possibilidade de distribuição através da internet. Dessa forma, chegou-se a um novo estágio, em que o artista precisa, ainda, aprender a lidar com

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todas as fases de produção para poder gerir, de fato, sua carreira e, por fim, conseguir aliar de forma críticocriativa as novas tecnologias com uma nova forma de política e de estética, que possibilite o status de representação requerido por uma nova geração ávida por ser a cara de uma época caótica. Ou se faz isso, ou como disse H.D. Mabuse, em entrevista para a Mi #2: pega um empréstimo de 200 mil e paga jabá! Essa potencialidade é, muitas vezes, confundida com uma ilusão de democracia e de liberdade enquanto, cada vez mais, as instituições estabelecidas se cercam e interditam de uma forma mais eficaz e dissimulada, travestida, muitas vezes, de transgressão e vanguardismo, mas que, na realidade, dão uma falsa impressão de que tudo já foi feito e confrontado. As rupturas são domesticadas e financiadas para transparecer um momento “democrático”. Como proceder entre o paradoxo do anonimato das redes sociais e do financiamento adestrador? Ou como questionou Inès Champey, apresentando o livro de Pierre Bourdieu e Hans Haacke, Livre-troca (1995):

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“Como se pode afirmar a independência de artistas e intelectuais críticos quando confrontados pelos novos cruzados da cultura ocidental, pelos campeões neoconservadores da moralidade e do bom-gosto, pelos patrocínios de multinacionais e apoio do Estado, além da preocupação autoindulgente dos teóricos que perderam totalmente o contato com a realidade? Como salvaguardar o mundo da livre-troca?” Essas questões parecem que vão ficando mais complexas com o passar do tempo. E em meio ao contexto pós-mangue, esses problemas estão longe de serem solucionados. Acho que eles nunca chegarão a um fim, de fato. Mas, agindo de forma mais consciente, é viável que carreiras sejam sustentáveis, mesmo sem engatar qualquer falácia que seja de uma cena convincente.

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E possivel lutar pelo pos-mangue?

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C

hegamos ao sexto e último texto do que venho postulando sobre o momento pósmangue. Tentei abordar essa problemática

com a devida carga analítica merecida, a partir da bagagem crítica que venho acumulando por vir atuando enquanto músico, pesquisador e jornalista, justamente, durante o período em questão. Tratei de traçar um panorama sobre os embates entre estética e política aos modos de produção, das análises sonoras e das letras de alguns expoentes desta movimentação que veio após o Manguebeat, à problematização do próprio termo “pós-mangue”, enquanto ferramenta de aglutinação e de representação desta geração de artistas. Enfim, muito foi dito por mim e muito mais poderia ser debatido com outras 55


perspectivas e por outros críticos. Para finalizar essa empreitada, pretendo voltar a crítica para ela mesma, ou seja, vou falar, agora, do que entendo não só sobre a crítica especializada, encontrada em segmentos editoriais restritos, como revistas, jornais e blogues, mas também a respeito dos veículos de distribuição da música enquanto dispositivos críticos, a partir da perspectiva mais ampla da indústria cultural no embate entre arte, mercado e técnica. Por conta da autonomia subjetiva proporcionada pelo surgimento dos microuniversos produtivos, os artistas, que surgiram a partir da readaptação dos sistemas de produção das grandes gravadoras, ficaram deslumbrados com as possibilidades de independência profissional da carreira, mas acabaram sendo engolidos por toda essa potência criativa e tecnológica, sem saberem administrar, de fato, e lutar ativamente dentro dos novos paradigmas econômicos escancarados pelo barateamento da tecnologia e pelo uso das redes de computadores.

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Dentro desse panorama, o grande gargalo deixado pelas grandes gravadoras não está na produção fonográfica no que diz respeito à gravação, mixagem, masterização, enfim, à concepção do produto, e sim à distribuição efetiva desses trabalhos. Além das referências óbvias quando se fala em disseminação na indústria cultural da música, como rádio e televisão, a crítica especializada encontrada nos periódicos impressos e digitais também reflete essa carência mercadológica; espaços onde a procura de vanguardas deveria ser mais pela movimentação política do que pela novidade estética, aliando uma com a outra, contra o esvaziamento coletivo. Por essa e outras razões, é preciso pontuar o pós-mangue mais como momento que veio depois da era de monopólio das grandes gravadoras do que como um movimento estético aglutinador. Movidos pelos ideais estéticos de autonomia, de alteridade e de autenticidade, esses artistas negligenciam a política de circulação por meio dos dispositivos institucionalizados pela indústria cultural da música, por acharem que esses meios estão contaminados demais ou por não encontrarem a abertura esperada. 57


Os dispositivos de distribuição abertos para os mangueboys não são os mesmos encontrados hoje em dia, principalmente para Chico Science e Nação Zumbi, seguido pelo Mundo Livre S/A, que tiveram, no contexto, o surgimento de uma indústria cultural voltada para a música jovem, aparatada pelos selos especializados das grandes gravadoras, como o Chaos e o Banguela, da Sony e da Warner, respectivamente; pela crítica especializada da revista Bizz, que tinha surgido antes em 1985 e conseguia vender, nacionalmente, uma média de 60 a 70 mil exemplares, e pela chegada do primeiro canal de TV segmentado do país, a MTV Brasil, em 1990, que acolheu a movimentação do Manguebeat em sua grade de novidades e apostas. Anterior a esta movimentação, a capital pernambucana foi fomentada pela Rozenblit, de 1954 a 1977. A Fábrica de Discos Rozenblit dispunha, além da gravadora, de um moderno parque gráfico, o que dava à empresa pernambucana autossuficiência na cadeia produtiva. Entre a falência da Rozenblit e o começo do movimento Mangue, há um hiato que podemos denominar como

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pré-mangue (para dar uma certa afinidade com o nosso foco de análise). Apesar de distantes, o antes e o depois do Mangue se assemelham em bastantes aspectos e se distinguem em muitos outros, obviamente. O ponto mais relevante de aproximação para a análise entre o pré e o pós-mangue é o ostracismo. No período anterior, a obscuridade da cena local deu-se por conta do monopólio e do casting restrito da era áurea das grandes gravadoras nacionais. Na época atual, que se arrasta desde o início do século XXI, esse caráter existe devido à falta de engajamento por uma produção fonográfica sustentável, e a principal carência encontrase no segmento de distribuição. Aparentemente, tudo está ao alcance das mãos, mas, na prática, isso não é bem assim. Os discursos a respeito desse assunto são bem batidos já: falta espaço nas rádios, não há programas na televisão que veiculem esses artistas, os jornais não dão espaço crítico suficiente, não há um engajamento por parte da crítica etc. Há muito trabalho sendo feito na internet e por mídias alternativas, mas não é o suficiente para a promoção 59


de carreiras duradouras. Há tantas manifestações, atualmente, querendo ocupar espaços e interferir em políticas públicas - o que é bastante positivo para o debate social. O cinema em Pernambuco, por exemplo, vem tendo conquistas importantes dentro da indústria cultural, as quais se refletem em mais investimentos, reconhecimento crítico e circulação do material fílmico. Já a área da música no estado, apesar de ter excesso de produção, não consegue mostrar o que é feito, demonstrando que uma parte preciosa da produção fonográfica está ainda capengando: a de distribuição e circulação de artistas e de materiais, pois dependem, também, da ocupação dos dispositivos institucionais de financiamento e dos meios de comunicação tradicionais. Talvez seja o caso de recrutar profissionais para essa demanda, ou de quebrar os entraves que ainda existem com as rádios, as TVs e as instituições públicas e privadas. Como se organizar politicamente perante à arte, ao mercado e à técnica, atualmente, é ainda a grande questão para os artistas do pós-mangue, e vai além

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deles. Com essas reflexões e com minha atuação, enquanto agente na área da música em Pernambuco, espero contribuir para essa luta contínua ter mais êxitos e menos retrocessos. Há debates antigos que parecem ter se esgotado, mas que, na verdade, ainda precisam ser reforçados e conquistados, de fato, pois são essenciais para o funcionamento de uma cadeia produtiva sustentável na música alternativa do estado. É uma pena que o estado de espírito atual faça com que tudo esteja fora de moda constantemente, é como pontuou Bauman: “a modernidade atual é incapaz de manter sua forma. Tudo é permanentemente desmontado e reconstruído e, mesmo a reconstrução já é feita com a perspectiva da transitoriedade”, a desconfiança é uma coisa positiva e necessária para o pensamento crítico, mas é preciso também que seja combinada com uma práxis transformadora, pois, por mais clichê e anacrônico que pareça, o momento urge revoluções!

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Ricardo Maia Jr. Doutorando em Comunicação pela UFPE, músico da banda Ex-exus e repórter da MI – Música Independente em Pernambuco.

Carlos Gomes Escritor, editor do blogue Outros Críticos e curador do projeto Outros Críticos Convidam.

Rodrigo Edipo Mestrando em Comunicação pela UFPE, editor da MI – Música Independente em Pernambuco e do site Futebol de Bolso.

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Este e-book foi composto na tipologia Minion Pro e Bolton, em corpo 14/18/25,2 nas dimens천es 600px x 800px, em formato PDF (Portable Document Format). 63


“A modernidade

“O pós-mangue precisa, mais do

atual é incapaz

que nunca, do fôlego dos outsiders,

de manter sua

pois os seus principais agentes estão

forma. Tudo é

querendo mudar a cidade, não mudar

permanentemente

de cidade. Os outsiders se encontram

desmontado e

ainda entranhados nesses nichos,

reconstruído

nos

e, mesmo a

Escorregadios e fragmentados! E

reconstrução

isso é um sintoma importante para

já é feita com a

a criação, de fato, de um cenário

perspectiva da

renovado. Não dá para sufocar mais

transitoriedade.”

o Manguebeat. A cena de música

Bauman

entrelugares

alternativa

dessas

relações.

pernambucana

reconhecimento

e

espaço,

almeja para

agora! Não daqui a 5, 10, 15 anos, simplesmente para preencher alguma lacuna histórica.” Ricardo Maia Jr.

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