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No tempo do comboio Correio
por Luciano Castro
Ainda recordamos aquelas carruagens encarnadas, então denominadas Ambulâncias Postais, que circulavam no Comboio Correio que chegava a Durrães pelas 10:15 em direcção a Viana do Castelo, e regressava a partir das 18:00 para o Porto.
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Minutos antes da chegada, lá aparecia o homem da mala, transportando o saco com o correio, pousado sobre o ombro e ostentando ao peito uma placa oval de latão, onde se via um cavaleiro com uma corneta e por baixo a palavra Correio. Aguardava no apeadeiro, e mal se escutava o comboio, lá seguia pela gare em direcção ao local onde habitualmente parava a carruagem. Uma janela larga abria-se e o saco da correspondência era trocado por outro que já estava preparado na citada ambulância. Entabulavam conversa rápida, e após a partida do comboio a mala recebida ia para o posto local, onde após a verificação do selo do fecho era aberta e carimbada toda a correspondência, havendo especial cuidado com as cartas registadas que tinham que ser mencionadas em livro próprio para ser assinado pelo destinatário, aquando do levantamento.
Nos dias úteis, salvo alguma encomenda ou carta esperada, não havia grande procura de correspondência. Não raras vezes, ao passar no caminho pessoa da casa de que houvesse carta entretanto chegada, ou era entregue pelo encarregado do posto, ou feito o aviso para pessoa idónea a vir levantar. Porém, aos Domingos, uma multidão de pessoas ávidas de notícias de longe, lá seguia para o posto local, cheio até à porta, aguardando a maioria no exterior que fosse feita a chamada. E quando a sorte de ter recebido carta sorria, lá se viam as pessoas sair com ar de satisfação. Outros, menos felizes lá iam para casa ou até ao apeadeiro, local de concentração domingueira.
Houve em Durrães 4 locais onde funcionaram postos de correio: o primeiro na casa da família Maciel, no Campo do Forno. O segundo mesmo ao lado, no estabelecimento de João Rodrigues Barbosa dos Santos, ao tempo da esposa Albina. Passou depois para o edifício onde se encontra actualmente a Casa do Povo, da responsabilidade de António Gaspar Pereira Pinto (Corrilhão), e finalmente quando este estabelecimento encerrou, passou para a Casa Nova da Calçada, de Augusto de Castro. E foi a partir da entrada em funcionamento deste posto que passou a haver condutor da correspondência (assim se denominava a pessoa que levava o saco da correspondência à Ambulância Postal), pois só nessa condição o proprietário do estabelecimento aceitou ficar com o posto do correio.
Aberto concurso pelos Correios, o primeiro condutor foi Manuel José Gonçalves Cruz. Fez uma proposta de 1$00 por cada transporte, mas só lhe foram concedidos $70, a que correspondia 2$80 por dia. Após a sua morte, sucedeu-lhe a esposa, Rosa Bárbara Costa Faria, que com o adiantar dos anos, lá subia da sua casa na Fonte de Agra, e quando já estava a chegar ao Apeadeiro fazia uma pausa para acalmar os batimentos cardíacos. E lá continuava até ao posto do correio para receber o saco da correspondência.
Mais tarde, em novo concurso, passou a mala a ser transportada por António Passos, cujo concurso ganhou por saber ler e escrever. Quem não gostou, foi o Chefe dos Correios de Barcelos, pela simpatia que tinha pela Tia Rosa. No dia em que António Passos foi assinar o documento de condutor da mala, o Chefe procurou diminuí-lo, dizendo-lhe na frente das funcionárias: Você é um bocado pequeno. Ao que o Tio Passos prontamente respondeu: Sabe senhor chefe, também Napoleão era pequeno, e deu que coçar ao mundo inteiro. Perante risota geral das funcionárias, o chefe retirou-se humilhado. E quando mensalmente ia receber os cerca de 100$00 do seu trabalho, as mesmas funcionárias brincavam com ele, pela sua rápida resposta ao superior hierárquico. E ele, pela confiança que foi adquirindo, respondia com as graças de circunstância a que a conversa conduzia. Foi o último homem da mala do correio desta freguesia.
Era o tempo em que a ambulância postal seguia no comboio movido pelas máquinas a vapor. O volume de correspondência era menor indubitavelmente, mas uma carta que saísse de manhã de Lisboa, chegava cá no mesmo dia. Tenho em meu poder uma nota interna enviada pelo encarregado do posto do correio de Durrães, datada de 11-5-1950, com o seguinte texto:
“Ao Senhor C. dos CTT de Tomar. Tendo chegado a este Posto uma encomenda expedida dessa Estação em 10-5-50, verificou-se que a etiqueta modelo 184 vinha rasgada, tendo desaparecido a parte que devia conter o número. Pedia o favor de o mandar na volta do Correio. A Bem da Nação, Durrães, 11-5-50 O EC1”. Segue a assinatura. No dia seguinte, 12 de Maio, o chefe dos Correios de Tomar respondia o seguinte: “Ao Senhor EC1 de Durrães. Trata-se da encomenda registada sob o número 2523... Tomar, 12- 5-1950”. E no dia seguinte, 13 de Maio, o documento estava novamente em Durrães. Ou seja, saiu na tarde do dia 11, chegou no dia 12 a Tomar e a 13 de manhã estava na origem. O documento tem o carimbo – marca do dia – aposto em cada resposta. Isto leva-nos a perguntar: E hoje? Mesmo com o serviço expresso, chegaria tão rápido?
Antes de terminar, referir que inicialmente havia quatro comboios que transportavam o correio: além dos dois inicialmente mencionados: havia dois especiais, designados Ambulâncias Minho Misto, uma no último comboio que vinha do Porto, e outra no primeiro que seguia para a cidade invicta.
Não pode deixar de ser referido também, que foi graças à influência de Rafael Pires Estrela, funcionário dos Correios, casado com Amélia Deillot, desta freguesia, que o posto de Durrães passou a ter registos e mais tarde encomendas postais.
Depois vieram os carteiros. A correspondência passou a ser entregue nas nossas casas, assim continuando até aos nossos dias.