Manual de Cozinhas Lixo Zero

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Antonácio, Marina Ximenes, 1988 -

Manual de Cozinhas Lixo Zero / Marina Ximenes Antonácio; Pablo Pimentel Pessoa. 1a Ed., Fortaleza: Independente, 2019. 32p., Ils., 19 cm.

1. Gastronomia. 2. Gastronomia socioambiental 3. Gerenciamento de resíduos. I. Título.




Meu sonho é deixar um mundo melhor para os meus avós

Marina



Introdução

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alimento

lixo


? Como se faz uma cozinha Lixo Zero? Este manual foi pensado como um apoio àqueles que vivenciam o desperdício e a falta de cuidado com os alimentos em cozinhas de diferentes tipos (de residências, restaurantes, supermercados e de todos os negócios e serviços de alimentação) e que agora assumem sua responsabilidade na criação de outra cultura. Cozinhas geram muito lixo, porque são locais de mistura. Uma mistura principal, que faz a comida e outra que, por descuido, faz o lixo. A conveniência de preparar comidas cujos ingredientes são produzidos noutros lugares envolve o uso de embalagens e tecnologias de conservação que foram aos poucos desfazendo nossos vínculos cíclicos do comer com a Terra. onde é fora? de onde vem?

para onde vai?

O O que que éé ser ser Lixo Lixo Zero? Zero? Lixo Zero é tanto um conceito como uma prática transformadora que assume por meta o máximo desvio possível do lixo que iria parar nos aterros sanitários.

COSTUME DE CASA VAI À PRAÇA Aqui você encontra sugestões para

aproximar das metas Lixo Zero as cozinhas com as quais convive. Trazemos recomendações sobre a origem dos alimentos, compras, armazenamento e aproveitamento integral. De como reciclar, compostar ou destinar resíduos segundo princípios éticos, saudáveis e sustentáveis. 7



Apresentação

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cultura ALIMENTAR + cultura Lixo Zero AMBIENTAL

GASTRONOMIA SOCIAL

RESÍDUOS SÓLIDOS são materiais que, limpos e organizados, podem ser reutilizados ou encaminhados para a reciclagem.


A Escola de Gastronomia Social Uma pesquisa que nasceu do sonho de acabar com o desperdício de comida e contribuir com o trabalho dos catadores transformou-se na reformulação pedagógica e operacional de uma grande escola de gastronomia, que forma por volta de 5000 alunos por ano. Acredita-se que serão alunos reverberando o conceito de Cozinha Lixo Zero por onde passarão, contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura alimentar mais sustentável. O manual tem informações que possibilitam a criação de cozinhas no padrão Lixo Zero, apresentando uma metodologia para a gestão de resíduos sólidos, a partir da experiência de transformação da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco (EGSIDB) em uma instituição Lixo Zero. Esta sistematização foi elaborada para contribuir na mudança em torno do desperdício e do lixo de residências, restaurantes, supermercados e todos os negócios e serviços de alimentação. princípios éticos, saudáveis e sustentáveis. Vanessa Moreira e Lina Luz, Laboratório de Criação em Gastronomia

O Projeto EGSIDB Lixo Zero se propõe a ser uma referência em termos de responsabilidade cidadã, justiça social, sustentabilidade ambiental e aproveitamento máximo de resíduos e se integra aos princípios da Escola de combate ao desperdício com práticas inclusivas, transformadoras e economicamente viáveis. Selene Penaforte, superintendente EGSIDB

O Instituto Lixo Zero Brasil O conceito Lixo Zero diz muito mais sobre ética e estilo de vida do que sobre resíduos sólidos propriamente dito. Da mesma maneira, Cozinha Lixo Zero trata de honrar e valorizar o ciclo natural do alimento, além de, é claro, resultar na responsabilização pelos resíduos sólidos gerados no processo. Luíza Denardin Poletto, ILZB e mentora do projeto EGSIDB Lixo Zero

desfazendo os vínculos cíclicos do comer com a tpresidente do I 11


ORIGENS CUIDADOS USOS & DESUSOS RECICLAGENS


Rotinas Lixo Zero para Cozinhas

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ORIGENS De onde veio o alimento?

O alimento que chega em sua cozinha é resultado de um processo de produção, que pode envolver ou não o cuidado e o respeito com a terra/Terra e com as pessoas que o tornaram disponível para você. Cozinhas Lixo Zero consideram como foram produzidos, armazenados e transportados os alimentos. As técnicas de produção sustentável variam à medida que suas práticas incorporam respeitos e restauros aos trabalhadores e à Natureza. Nesse processo, a escolha de insumos não transgênicos, de cultivos diversos e livres de venenos, hormônios ou fertilizantes químicos têm como significado a valorização dos tempos naturais e humanos. PLANTE E CRIE O QUE PUDER A forma mais certa de se obter um alimento são** é quando você mesmo cuida, participa ou acompanha o seu cultivo e/ou criação COMÉRCIO JUSTO LOCAL Para tudo o mais, pesquise feiras agroecológicas mais próximas de você e que valorizem os insumos de sua região PLANEJAMENTO DE COMPRAS Fazer uma lista do que precisa ajuda você a comprar apenas o necessário, evitando futuros desperdícios SACOLAS E EMBALAGENS Levar suas próprias sacolas reutilizáveis para transporte (ou usar caixas de papelão) e sacos menores de tecido lavável para hortifrutis ALIMENTOS SÃOS Escolher bem seus fornecedores e dar prioridade a alimentos naturais produzidos por pequenos produtores locais *Alimento *Alimento saudável saudável natural natural ou ou resultante resultante de de sistemas sistemas produtivos produtivos que que respeitam respeitam os os tempos tempos ee as as capacidades capacidades da da Natureza. Natureza.

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QUADRO GUIA DE SAZONATURALIDADE “Minha terra tem carnaubeiras onde atenta o carcará”. O Brasil é um continente, minha gente. Um continente rico, diverso e autossuficiente, mesmo em regiões de relativa escassez. Comer sustentável é, para nós, comer do local e da época. Se as distâncias importam ao cálculo de sustentabilidade, então é preciso saber quais os “frutos” da sua época. O que o seu local ou região dá e é capaz de prover em cada período do ano? Que riscos e violências a produção fora de época representam? Se a naturalidade diz de onde nasceu cada um, a sazonaturalidade nos diz onde e quando tornam a nascer. Este saber tem sido pouco valorizado pelas possibilidades técnicas desenvolvidas nas últimas décadas, mas sua sistematização e acesso são as bases para um comportamento de consumo ético. PESQUISAR _

CSA COMUNIDADE QUE SUSTENTA A AGRICULTURA

ALIMENTOS ORGÂNICOS

AGROFLORESTAS

AGRICULTURA

PERMACULTURA

BIODINÂMICA SINTRÓPICA 15

Não faça compras com fome


CUIDADOS Como organizar a cozinha Lixo Zero?

Os cuidados praticados em Cozinhas Lixo Zero têm como primeira finalidade minimizar a geração de rejeitos. Rejeito é tudo aquilo que não tem mais uso, portanto, seu destino correto são os aterros sanitários. Quando misturamos restos de alimentos com embalagens e outros materiais recicláveis, produzimos rejeitos além do necessário. Assim como a reciclagem convencional, que reinsere materiais já utilizados como matérias-primas para novos produtos, as sobras não aproveitáveis de alimentos podem ser recicladas por processos de compostagem (decomposição da matéria orgânica). A cozinha é uma das principais fontes de materiais compostáveis e, por esse motivo, organizar o espaço de cada material é fundamental para que não haja misturas indesejadas. Os objetos aliados nessa função e que antes chamávamos por lixeiras ou lixo, aqui daremos o nome de residuários. DISPOSIÇÃO Nunca posicionar residuários sozinhos ou muito afastados, pois a falta de opção nos força à mistura. Devemos dispô-los no mínimo em pares (recicláveis e rejeitos), mas o ideal é aderir ao método das três frações DURANTE OS PREPAROS Pode-se usar uma vasilha ou um pote com tampa sobre a bancada para armazenar temporariamente as sobras REFRIGERAÇÃO O armazenamento de compostáveis em maior quantidade pode ser feito em câmaras frias ou em refrigeradores comuns COMPOSTEIRAS Cozinhas Lixo Zero devem ter espaços de compostagem próprios ou contar com soluções coletivas ou terceirizadas 16


SEPARAÇÃO EM TRÊS FRAÇÕES As três frações vieram para inovar. O rejeito é o que não tem jeito. E das reciclagens, isolando os compostáveis, tá feito.

COMPOSTÁVEIS RECICLÁVEIS

Quando trabalhamos com a compostagem, queremos um material de qualidade, sem plásticos ou etiquetas: apenas o que veio da terra, que para ela poderá voltar. Ao limpar e organizar os recicláveis ainda na cozinha, estamos contribuindo para fornecer um trabalho mais digno e de qualidade para os catadores. Com essas ações, minimizamos a mistura que gera lixo e conseguimos enviar para o aterro apenas o que é rejeito.

Lixo Zero = REJEITOS sem MISTURA 17


USOS & DESUSOS Como usar todo o alimento?

O descarte e o desperdício são marcas de uma mesma cultura esbanjadora de matérias-primas, tempo e energia e que, por outro lado, insiste na economia de tempo para os consumidores como solução dos problemas. Esta cultura alimentar linear (com começo e fim), além de não poupar recursos, prima pelo imediato. Muitas vezes, o alimentar-se não encontra mais tempo e lugar e nós acreditamos que isso deva ser repensado. Cozinhas Lixo Zero recriam práticas e comportamentos que transformam esta linearidade em curvas que retornam a um ciclo. O aproveitamento integral dos alimentos e a redução dos descartes são soluções que vão na contramão do desperdício. Cascas, talos e sementes fornecem uma variedade de nutrientes e aproveitá-los é uma maneira de valorizar o que a terra dá e o ciclo do alimento. DESCARTE DETOX O encaminhamento correto de recicláveis, compostáveis e rejeitos não basta, precisamos depender cada vez menos de praticidades geradoras de lixo KIT LIXO ZERO O hábito de recusar descartáveis vem junto com a alternativa sempre em mãos: aproveite utensílios de sua cozinha e monte seu kit PARA VIAGEM Embalar sobras para viagem não é feio, cafona é o desperdício. A comida mexida é o mexido de amanhã PANCS A natureza é diversa e podemos descolonizar nossos paladares para saboreá-la. O conhecimento sobre plantas alimentícias não convencionais resgata receitas que convertem desusos em usos 18


DESCARTÁVEIS E OUTROS VÍCIOS Canudos, guardanapos, copos, pratos, talheres, toucas e sacolas plásticas. Não haveria nada verdadeiramente problemático nessa lista, nem mesmo as sacolas plásticas, caso esses utensílios não tivessem se popularizado em suas versões descartáveis. Criamos estas versões práticas e acessíveis desses itens, geralmente produzidas em matériais plásticos de uso único. Então, o plástico não é um problema em si. Ele é, na verdade, solução para muitos desafios. Seu uso único, como descartável é que é. E quando esses materias são incorporados em nossas rotinas, atividades e serviços, daí criam-se as dependências. Se somos adictos de descartáveis, o descarte é um vício (assim como o desperdício). Temos desenvolvido boas alternativas aos plásticos de uso único a partir de materiais que podem ser compostados. Essas soluções são para fins nobres, para quando o uso de utensílios reutilizáveis se mostra impraticável. Quanto a outros vícios, você sabe explicar porque grande parte dos serviços de alimentos simplesmente joga fora a xepa do dia? PESQUISAR _

KITS LIXO ZERO SLOW FOOD PANCS

APROVEITAMENTO INTEGRAL DOS ALIMENTOS BIODEGRADÁVEL X COMPOSTÁVEL COMIDA INVISÍVEL 19


RECICLAGENS Como lidar com o que restou?

O encaminhamento correto dos resíduos que geramos é responsabilidade nossa. A responsabilidade é, na verdade, transversal a todo o ciclo do alimento. Ela nasce no cultivo e nos cuidados com a terra, passa pelo preparo, evitando ao máximo o desperdício e o descarte. A cultura Lixo Zero investe em processos que resultem em não geração, mas uma vez gerados, os esforços se voltam à valorização dos resíduos, ao seu retorno ao ciclo. Sua reciclagem. Ao separar suas embalagens você fornece a quem vai receber os resíduos, um material limpo, que se diferencia do lixo (responsabilidade social). Além da reciclagem industrial, podemos também compostar e fortalecer a economia circular, gerando um adubo de qualidade para cultivar plantinhas em casa. Usar temperos de plantação própria tem muito mais valor e sabor. TEM COLETA SELETIVA AÍ? Poucas cidades brasileiras contam com sistemas de coleta seletiva. Se sua área tem cobertura, por favor, usufrua deste serviço PEVs TRANSPARENTES Pontos de Entrega Voluntária públicos ou privados são opções para a destinação de resíduos desde que assumam transparência na gestão CATADORES Estes trabalhadores prestam um serviço ambiental que deve ser valorizado e remunerado para além da doação dos materiais GRANDES GERADORES Consulte a legislação de seu município a respeito dos critérios que qualificam grandes geradores, assim como suas reponsabilidades REJEITOS O encaminhamento de rejeitos para o aterro sanitário também acarreta custos, que representam um estímulo a mais para reduzir sua geração 20


MÉTODO LAGES Dentre os métodos de compostagem existentes, um nos chamou a atenção pela simplicidade e eficácia. O método Lages, desenvolvido pelo professor Germano Güttler da Universidade de Santa Catarina (UDESC), tem se mostrado uma opção vantajosa, barata e com grande potencial educativo. Ele atende tanto a cozinhas de residências, que comportem baldinhos, quanto áreas maiores que possuam canteiros. passo a passo 1 2 3 4 5 6 7

separe os resíduos orgânicos deposite os resíduos empilhados em seu canteiro, vaso ou baldinho cubra todo o resíduo com matérica seca (serragem ou folhagem) faça buracos para a aeração (a entrada de oxigênio é fundamental) repita a aeração sempre que alimentar a composteira dentro de dois meses, em média, você terá adubo pronto pode plantar suas mudas na própria composteira

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Tu te tornas eternamente responsável pelos resíduos que geras


ANTES

Cuidados

CO Z Origens


DURANTES

Usos

ZI NHAS

Desusos

Reciclagens

DEPOIS

Lixo Zero



Uma trilha sem migalhas

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Controle e acompanhamento acompanhamento do desvio Uma vez que a meta Lixo Zero nos coloca o desafio de desvio de 90% ou mais do lixo que iria para o aterro, precisamos nos valer de alguns métodos para garantir o acompanhamento da transição e o controle total da geração de resíduos compostáveis, recicláveis e rejeitos. A seguir sugerimos um desses métodos. Composição gravimétrica Técnica simples de separação e pesagem dos resíduos por tipos que permite calcular as porcentagens de cada grupo de materiais em amostras periódicas.

planilha para anotações DATA

REC/COMP/REJ

gráfico resumo

PESO (KG)

TOTAL

%

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Cultura ALIMENTAR circular - - do campo ao descarte - - - Esse era o lema da Escola de Gastronomia Social quando iniciamos nosso projeto de pesquisa junto ao Laboratório de Criação em Gastronomia e Cultura Alimentar. Ao invés de negar sua reveladora linearidade, achamos por bem partir dela para dela conectar tal linha de raciocínio às suas pontas soltas. Fazendo isso, entendemos que estamos ampliando ou redesenhando as noções de cultura alimentar modernas para que, num olhar mais abrangente, as linhas todas se percebam curvas e partes de um ciclo. Comer é consumar o desejo de vida, de continuidade. Não sabemos ao certo como isso se reduziu ao consumo. Nossa proposta recupera e recria técnicas, éticas e estéticas em torno das cozinhas e de nossa relação com os alimentos, para que não nos deixemos mais entregar as dignidades em promessas de futuro sem gosto, sem afeto, na pressa e sem chão. Referências ANVISA, 2018. Alimentação saudável: fique esperto! Agência Nacional de Vigilância Sanitária. GÜTLER, G. 2019. Metodologia da minicompostagem ecológica (MCE). Programa Lixo Orgânico Zero em Lages - SC. MMA, 2018. Biodiversidade Brasileira: sabores e aromas. Raquel de Andrade Cardoso Santiago, Lidio Coradin (Ed.); Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Biodiversidade. Brasília, DF. DENARDIN, L. P. 2019. Cartilha Lixo Zero Chapecó.


Formada em Turismo e Hotelaria, com MBA em Hospitalidade, trabalha com restaurantes há 10 anos e não se conforma com a quantidade de comida que é jogada no lixo.

cansei de salvar o mundo com minha barriga

Cientista-artista brincante, com mestrado em Política e Gestão da Sustentabilidade e doutorado em Arquitetura e Urbanismo. Pesquisa bem viveres urbanos como caminhos de construção de futuros periféricos justos, éticos e desejáveis.

~ se consome cidade nao

AUTORES


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Terra

Chico Buarque e Milton Nascimento


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