EDIÇÃO PDF Directora Graça Franco
Quarta-feira, 01-04-2015 Edição às 17h30
Editor Raul Santos
De Jesus a Judas, de Maria aos ladrões. As figuras da Páscoa Um filósofo e um físico na escola do sofrimento de Cristo
REPORTAGEM
Encontrar Deus atrás das grades
As mensagens de Quaresma dos bispos portugueses
VÍDEO
Via Sacra. Os passos de Jesus
Páscoa. Os mimos dos Renascença com voluntários fazem programação a diferença na Casa especial a partir de de Saúde do Telhal Quinta-feira Santa REPORTAGEM
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Um filósofo e um físico na escola do sofrimento de Cristo Haverá uma linha entre crentes e não crentes? Respondem José Luís Nunes Martins e Paulo Pereira da Silva.
Paulo Pereira da Silva (à esquerda) e José Luís Nunes Martins. Foto: DR Por Filipe d'Avillez
"Acontece-me muitas vezes estar a falar com aqueles que dão de comer a quem tem fome, dão de beber a quem tem sede, vão visitar os doentes e os que estão presos e que vão ser salvos e que muitas vezes não têm grande devoção, não têm grande fé em Jesus Cristo. E sou eu que tento aprender com eles, o que lhes move." É um católico que o diz, o filósofo José Luís Martins. Em contraposição, afirma à Renascença, existem demasiados católicos que se "fecham a sua religiosidade entre o Pai Nosso e o Ámen, que se fecham na Eucaristia dominical." Com Paulo Pereira da Silva, formado em Física Teórica, Martins escreveu o livro "Via Sacra para Crentes e Não crentes" (ed. Paulus, 2015). Que relação é que um ateu pode ter com a história da paixão, morte e ressurreição de Jesus? A resposta não é simples. Se a ressurreição apenas está ao alcance da fé, a paixão e morte de Cristo são realidades traduzíveis para a vida de qualquer pessoa, acredita José Luís Nunes Martins. Para Martins, a própria figura de Jesus crucificado é indissociável da universalidade da mensagem cristã: "No crucifixo, Jesus Cristo é um homem de braços abertos, prestes a abraçar quem o quiser. Foi condenado a essa posição. Vejo tantos sentidos que qualquer pessoa pode ver, mesmo sem ter ido à catequese, que acho que quem se reivindica ao direito de ter uma leitura exclusiva daquele gesto e desta vida é que está errado". "É fantástico este abrir das portas da Igreja de dentro para fora, para que as pessoas de fora possam ver todas as belezas e a luz que cá temos dentro. E a luz que cá temos dentro vai iluminar o que está lá fora." Esconder o sofrimento? "A paixão de Cristo é algo tremendamente rico e carrega em si uma verdade que chega a todas as pessoas, independentemente da sua fé neste ou naquele credo. Falamos aqui em traição, tortura, morte,
sofrimento, dor... Isto é comum a todas as vidas. O que está errado é chamá-la para uma leitura que só o cristão pode entender", diz José Luís Nunes Martins. Paulo Pereira da Silva, o outro autor do livro, acrescenta que o estar atento a este tipo de sofrimento é algo que faz falta e que choca com a mentalidade actual: "Vivemos numa sociedade em que celebramos muito o sucesso, as coisas que correm bem, a vitória, a celebridade, e esquecemos a parte difícil da vida." "A vida está intimamente ligada à morte", prossegue. "Todos nós passamos por esse aspecto, que é natural. São aspectos extremamente importantes na vida de todos nós e talvez os mais importantes, a razão pela qual existimos. Qual é a razão da nossa vida? Qual é a finalidade da vida?". "Acho que é importante reflectir sobre isso, relativizar o que não é importante, ver o que é essencial, o que é importante, e nesse aspecto a morte e o sofrimento podem relativizar muita coisa da nossa vida do dia-adia. O escondê-lo, fazer como se não existisse, deixanos todos um bocadinho alienados", diz o físico. Um dos objectivos deste livro é trazer a devoção antiga da Via Sacra para os tempos modernos, ajudar as pessoas a identificarem-se com ela e com a figura de Jesus. Cada uma das 14 estações da Via Sacra tem um texto para crentes e outro para não crentes, mas José Luís Martins, que se encarregou da parte dirigida a quem não acredita, explica que o objectivo imediato não é o proselitismo. Também esse percurso até à crença é como uma Via Sacra, diz o filósofo, e "este será talvez o primeiro dos 14 ou 15 passos que têm de ser dados até essa conversão. O primeiro dos passos é identificar o que se passou com Jesus Cristo e mostrar que isso pode ter um significado na vida comum de todas as pessoas e que as pessoas devem ser chamadas a reflectir e meditar um pouco sobre isso e sobre a sua própria vida." Independentemente de isso conduzir à fé, terá efeitos na vida das pessoas, afirma. "Isto é a Verdade. Quem consegue explorar estes episódios terá acesso a algo com um valor superior e esse algo com um valor superior logo agirá". Na ressurreição está a esperança Para estes autores, a linha entre crentes e não crentes não é clara, tanto que a mera crença não é necessariamente salvífica e a Igreja sempre se dirigiu a todos e não só a alguns. "Todas as coisas que aparecem escritas são dirigidas a crentes e a não crentes, todos os documentos papais são escritos para crentes e não crentes, dirigem-se a todos os homens de boa vontade. Se calhar nós, que estamos ligados aos sacramentos com maior frequência, somos é muito pouco crentes em relação àquela pessoa de Jesus e por isso não acolhemos como devíamos os outros, que nem deviam estar nas margens", diz Paulo Pereira da Silva. Apesar de esta sua obra focar muito o sofrimento a que foi sujeito Jesus, ambos os autores concordam que o sofrimento não é o cerne do cristianismo. O fundamental é, antes, o amor levado ao extremo e que conduziu a esse sofrimento. "Gosto de pensar que da felicidade faz parte a tristeza, porque quando amamos também entristecemos, temos
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medos e isso é sinal de que nos preocupamos e que o objecto do nosso amor tem algum valor e esse sofrimento tem valor, não é todo negativo", diz Martins. "Uma pessoa que está só daria tudo para ter algo pelo qual pudesse sofrer com sentido", conclui o filósofo. Pereira da Silva lamenta que haja quem associe o cristianismo ao sofrimento só por si. Se é verdade que às vezes são os fiéis que transmitem essa ideia, por outro lado, ela pode decorrer de uma certa confusão de conceitos, alerta. "O catolicismo é uma fé que é difícil, porque não é suficiente cumprir rituais, a salvação não vem de um cumprir de rituais todos os dias, todos os meses, todos os anos, mas vem de um examinar da consciência, cada dia a cada momento. Essa procura da fidelidade em cada momento, em cada dia, em cada momento da nossa vida, traz alguma preocupação." "Mas isso não é enaltecer o sofrimento. É o contrário: se formos tristes não somos cristãos, como disse o Papa", afirma. Os dois dizem que a Via Sacra só faz sentido porque a seguir existe a ressurreição. "É aí que está a esperança".
As mensagens de Quaresma dos bispos portugueses Com grande enfoque na importância da conversão e do combate contra a "globalização da indiferença", as mensagens dos bispos para a Quaresma e Páscoa de 2015 servem também para chamar a atenção para os mais necessitados das nossas sociedades.
Aveiro "A conversão exige mais penitência, jejum e partilha com as maiores necessidades dos irmãos e da Igreja. Neste ano, a nossa renúncia quaresmal terá como destino a nossa casa sacerdotal Santa Joana e os cristãos perseguidos do médio oriente, particularmente do Iraque e da Síria." D. António Manuel Moiteiro Ramos Beja "É em comunidade que acontece a conversão do coração à misericórdia, é na família de sangue e sobretudo na família de fé, na comunidade dos que acreditamos no amor de Deus manifestado em Jesus Cristo. Não se trata apenas de dizer que amamos a todos, trata-se de exprimir esse amor na realidade concreta das nossas relações, muito especialmente dando atenção aos necessitados e cuidando dos mais débeis. Espalhadas pelos espaços geográficos dos ambientes em que vivemos, há muitas pessoas esquecidas a precisar da nossa palavra amiga, da nossa companhia, da nossa oração e da nossa ajuda. Se somos cristãos, se o Espírito de Deus nos habita e dinamiza, não podemos ficar indiferentes!" D. António Vitalino, bispo de Beja, e D. João Marcos, bispo coadjutor Braga "A pureza da nossa alma é um bem tão essencial quanto a necessidade que temos de beber água pura. Em que sentido a nossa alma é pura? Podemos, é certo, remeter para a perfeita ausência do pecado. Creio, todavia, que a pureza deve aqui ser entendida como o constante dinamismo interior de conversão, como o desejo inflamado de sermos 'perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste' (Mt 5, 48). Pureza é ainda, nas palavras de Cristo, 'ser como as criancinhas' (Mt 18, 3), livres de maldade arquitectada, para assim entrarmos no Reino dos Céus." D. Jorge Ortiga Bragança - Miranda "A Quaresma tem o seu sentido na Páscoa de Cristo. Que as obras de Misericórdia que somos chamados a praticar nos consolidem na confiança de Deus e na Palavra da sua Graça. A sobriedade dos sinais exteriores nos enriqueçam interiormente para continuarmos a fazer o Bem, bem feito e que o nosso coração se converta na Palavra de Deus." D. José Cordeiro
Foto: Lusa Por Filipe d'Avillez
Na recta final da caminhada quaresmal, a Renascença reúne todas as mensagens quaresmais dos bispos das dioceses portuguesas. Leia alguns das passagens mais significativas das mensagens. Angra do Heroísmo "A Quaresma será tempo favorável da misericórdia divina, na medida, em que formos misericordiosos uns para com os outros. Começando por quem mais precisa, mesmo que menos mereça. É que a verdadeira misericórdia é gratuita. Vence o mal com o bem." D. António de Sousa Braga
Coimbra "Para superar a indiferença e as nossas pretensões de omnipotência, gostaria de pedir a todos para viverem este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração. Ter um coração misericordioso não significa ter um coração débil. Quem quer ser misericordioso precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador mas aberto a Deus; um coração que se deixe impregnar pelo Espírito e levar pelos caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo, um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro. Por isso, amados irmãos e irmãs, nesta Quaresma desejo rezar convosco a Cristo: 'Fazei o nosso coração semelhante ao vosso'." D. Virgílio do Nascimento Antunes
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Évora "Chegou a hora de pôr em prática as boas intenções do início do ano. A Quaresma, tempo especial de renovação interior, através da escuta da Palavra, da abertura do coração a Deus pela oração e pela ajuda generosa aos nossos irmãos, é o tempo propício para concretizarmos os bons desejos do nosso coração, iluminado pela fé e convertido ao Evangelho. Ora, por sugestão da Ajuda à Igreja que Sofre, que abriu uma delegação na cidade de Évora, o produto da nossa renúncia quaresmal este ano destina-se a ajudar os cristãos, perseguidos por causa da fé, nos países do Médio Oriente. São muitos milhares, de todas a idades incluindo crianças, e sofrem horrorosamente. Expulsos de suas casas, ficam privados de tudo. Reduzidos à miséria, morrem de fome e de frio, em situações verdadeiramente indignas de seres humanos. Porque somos seres humanos e porque somos cristãos, não podemos alhear-nos dessa realidade deplorável." D. José Alves Faro "A Quaresma vem recordar-nos, através dos insistentes apelos da Palavra de Deus, que somos chamados não só a experimentar e a celebrar a misericórdia de Deus, mas também a ser misericordiosos com os outros. A misericórdia, como resposta à misericórdia de Deus, é mais importante que os actos de culto. Transformar 'os lugares onde a Igreja se manifesta – as nossas paróquias e comunidades – em ilhas de amor e misericórdia no meio do mar da indiferença' é o desejo e apelo quaresmal do Papa Francisco na sua mensagem." D. Manuel Quintas Ordinariato Castrense – (Diocese das Forças Armadas) "Que ninguém se esqueça: só temos direito de usar o nome de cristãos se formos como Jesus Cristo é e se fizermos o que Ele faz." D. Manuel Linda Guarda "Jesus Cristo, desde a sua encarnação, é o braço estendido de Deus ao encontro de toda a humanidade; e a Igreja tem o encargo de o tornar bem visível, diante do mundo, para salvação de todos. Para cumprir este mandato, ela tem de aprender a viver menos para si própria e mais voltada para fora, ao encontro do mundo e das pessoas, a quem se destina a Boa Nova de Cristo." D. Manuel Felício Lamego "Façamos, amados irmãos e irmãs, do tempo da Quaresma um tempo de diferença, e não de indiferença. Dilatemos as cordas do nosso coração até às periferias do mundo, e que o nosso olhar seja de graça para os nossos irmãos de perto e de longe. Façamos um exercício de verdade. Despojemo-nos, não apenas do que nos sobra, mas também do que nos faz falta. Dar o que sobra não tem a marca de Deus. Jesus não nos deu coisas, algumas coisas para o efeito retiradas da algibeira, mas deu por nós a sua vida inteira. Dar-nos uns aos outros e dar com alegria deve ser, para os discípulos de Jesus, a forma, não excepcional, mas normal, quotidiana, de viver." D. António Couto Leiria-Fátima "Precisamos de estar atentos, para que o perigo da indiferença não atinja também a família. É grande a tentação de transformar a casa da família em pensão
ou residencial onde se tem cama, mesa, roupa lavada, repouso e conforto; ou viver todos juntos sob o mesmo tecto, mas indiferentes, não unidos em comunhão. Convido cada família a fazer um exame de consciência sobre quais os riscos e sinais de indiferença no seu ambiente familiar e o que melhorar na presença, na atenção e nas relações de uns com os outros. E ainda: como tornar a minha família aberta aos de fora e solidária com os necessitados. Será bom envidar os esforços necessários para fazer o retiro popular em família, mesmo adaptando-o porventura aos mais novos." D. António Marto Lisboa "Os crentes participam com os seus concidadãos 'nas alegrias e esperanças, nas tristezas e angústias' da sociedade que integram. Mas, exactamente por serem crentes, em tudo hão de estar com os sentimentos de Deus revelados em Cristo, isto é, com misericórdia que os aproxime de toda a pobreza e fragilidade, em comprovada presença e concreto apoio, correspondendo às multiplicadas carências dos outros. Pode haver, como legitimamente acontece, mesmo entre os discípulos de Cristo, diferenças na análise dos problemas e perspectivas distintas para a respectiva resolução. O que não pode haver é desistência ou atraso quanto ao essencial, que é responder com empenho às carências pontuais ou persistentes da sociedade que integram." D. Manuel Clemente Portalegre – Castelo Branco "Numa sociedade da indiferença, a hospitalidade pode mudar o mundo. De improviso ou preparada com antecedência, a hospitalidade valoriza a lógica do dom e antecipa-se, com generosidade e amor, às necessidades do outro. Desafia ao acolhimento das pessoas e disponibiliza-se para o caminho feito em comum. Valoriza o que une e torna efectiva a partilha de bens. Promove a troca de experiências e aprende com todas as situações. Dá a primazia e prioridade ao outro para que se sinta bem e cuida da fineza do trato e da fraternidade. Cria proximidade, responsabilidade e desafia à caridade." D. Antonino Dias Porto "Não deixemos de abrir a 'porta' do nosso coração! Só um coração forte, pobre e misericordioso, vigilante e generoso que se abre à oração, à conversão e à reconciliação compreende como é importante viver e ser Igreja de portas franqueadas a todos, aberta para a todos receber e por todos rezar, vencendo a indiferença com o amor. Mais do que lamentarmo-nos pelo declínio de uma civilização em fim de ciclo, que a violência, o terror, o medo e a pobreza indiciam, devemos ser capazes de iluminar o mundo com a luz transformadora que nos vem do amor misericordioso de Deus e renasce em cada Páscoa. Importa sentir que um futuro justo e solidário, de que a unidade dos cristãos e a comunhão da Igreja devem ser sinal e anúncio, não é um destino distante nem um caminho inacessível." D. António Francisco dos Santos Santarém "Ser cristão é ser discípulo missionário, é fazer caminho com o Senhor e irradiar a sua luz. Para nos tornarmos discípulos missionários, o primeiro e fundamental passo é o encontro pessoal com Cristo. De facto, o Senhor Jesus não é apenas uma pessoa do passado ou uma doutrina. É Alguém que está vivo e nos
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ama pessoalmente. Quando O encontramos a vida torna-se diferente. A partir desta experiência é que brota em nós a alegria e o desejo de nos aproximarmos mais d'Ele. No encontro descobrimos a presença invisível de Cristo que nos acompanha e a quem podemos recorrer com confiança. Como escreveu Bento XVI: 'No início do ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com uma pessoa que dá à vida um novo horizonte e desta forma o rumo decisivo'". D. Manuel Pelino Domingues Viana do Castelo "Na sua mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Francisco desafia-nos à luta contra a atitude egoísta da indiferença, que, segundo ele, 'atingiu uma dimensão mundial tal que podemos falar de uma globalização da indiferença' – um mal-estar em que qualquer um de nós pode cair: 'Encontrando-me relativamente confortável, esqueço-me dos que não estão bem'. É uma luta que se enraíza na nossa fé em Deus, a fé que somos convidados a aprofundar neste tempo favorável (2 Cor 6,2) da Quaresma e da Páscoa, em que Deus nos mostra como “não Lhe é indiferente o mundo, mas ama-o até ao ponto de entregar o seu Filho pela salvação de todo o homem." D. Anacleto Oliveira Vila Real "A fé em Cristo brilha, na vida renovada do crente e mostra que a encarnação do Filho de Deus, que, por nós, se entregou à morte, não foi em vão, pois, glorificou a Sua própria humanidade assumida, no seio da Virgem, para mudar e glorificar também as vidas dos que crêem e a Ele se conformam. A novidade da Páscoa de Jesus reside na conversão, na renúncia ao pecado, à injustiça, à idolatria do auto-endeusamento, do dinheiro, do narcisismo e do desprezo dos outros, reduzidos a escravos descartáveis. Há que declarar a morte ao ódio, ao desprezo, à retaliação e à guerra. Não é lícito ferir, matar, ofender e fazer o mal, em nome de Deus, supremo bem, verdade e beleza. D. Amândio José Tomás Viseu "A Quaresma é o tempo de dizer não a tudo o que é supérfluo, fazendo a opção pelo que é, verdadeiramente, essencial: as pessoas, os outros, os irmãos – quaisquer que eles sejam. A Quaresma é o tempo de escutar e seguir a Voz que grita no interior, tornando-se o eco e o encontro de todos os gritos que clamam por vida, por amor, por paz, por justiça, por verdade. A Quaresma é o tempo de ver, de escutar e de seguir o Coração, mudando e encontrando critérios que sejam caminhos de novidade, na arte de ser feliz. A Quaresma é, na verdade, o tempo do Coração e a Pessoa Humana tem a medida do seu próprio Coração. D. Ilídio Leandro
De Jesus a Judas, de Maria aos ladrões. As figuras da Páscoa Jesus é a figura principal da Páscoa, mas há muitos outros que desempenham papéis importantes.
"Cristo carrega a cruz". Quadro de Eustache Le Sueur Por Filipe d'Avillez
Jesus é a figura principal da Páscoa, mas há muitos outros que desempenham papéis importantes. Maria, Maria Madalena, Pedro, João, Judas Simão de Cirene, Verónica, Nicodemos, os dois ladrões, Pilatos, os sumo-sacerdotes e a multidão também são protagonistas nestes factos que mudaram o mundo. O artigo integral está disponível no site da Renascença. Jesus Jesus Cristo é mais do que uma mera figura da história da Páscoa, mais até do que a sua figura principal: Jesus é a Páscoa. Tal como os judeus celebravam naquela data a abertura do Mar Vermelho que lhes permitiu escapar por entre as águas ao exército do faraó, Jesus, pela sua morte e ressurreição, permite à humanidade escapar ao domínio da morte, restaurando definitivamente a relação com Deus. Também a ressurreição não é apenas mais um detalhe da vida de Cristo. Sem ela, como diz São Paulo, toda a fé é vã e a vida de Jesus resume-se a mais uma história de um autoproclamado messias falhado, como tantos outros de tantas épocas da história. Não existem provas históricas do evento, como não existem de que não tenha acontecido. Aos cristãos basta a fé nos Evangelhos e na tradição recebida dos Apóstolos. Mas uma coisa parece certa: alguma coisa aconteceu, historicamente falando, que mudou aqueles homens que tinham aderido a Jesus. Alguma coisa os impeliu a darem-se totalmente por Ele, pregando a sua ressurreição e a sua vida até ao ponto do sacrifício das suas próprias vidas por Ele. Foi a Páscoa que aconteceu na vida daquelas pessoas e que continua a acontecer na vida de cristãos hoje. Maria, mãe de Jesus Maria vai surgindo ao longo dos Evangelhos, sempre com uma presença discreta, desde o momento em que dá o seu "sim" ao anjo da Anunciação.
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Embora não seja referida muitas vezes, pelas indicações que existem, calcula-se que Maria acompanha Cristo, vivendo com Ele e com os seus discípulos e, ao contrário de tantos destes, é das poucas pessoas que não O abandona mesmo na hora da morte. Segundo os evangelistas, Maria estava aos pés da cruz quando Jesus foi crucificado, recordando talvez a profecia de Simão, aquando da apresentação do menino Jesus no Templo, 33 anos antes: "Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações." Dirigindo-se a Maria, Simão completou: "E uma espada transpassará a tua alma". Tal como outros mistérios e eventos da vida de Cristo, Maria guarda tudo isto no seu coração, sem entender verdadeiramente, até que no domingo seguinte a ressurreição torna-se a chave que permite compreender tudo o resto. A tradição cristã coloca ainda Maria com os apóstolos quando Jesus faz descer sobre eles o Espírito Santo, enchendo-os de coragem e fé para anunciar a Boa Nova a todos os povos.
poderá ter toda a importância. Na tradição do Médio Oriente, as pessoas tendiam a ser identificadas em referência ao seu pai. Mas, no Evangelho de São Marcos, Simão de Cirene é apresentado como "pai de Alexandre e de Rufino". O facto de serem mencionados os filhos é entendido como indicação de que eles eram conhecidos dos primeiros cristãos e isso, por sua vez, é visto como prova de que Simão de Cirene se teria convertido, pelo que os seus filhos eram também cristãos. Ora, a confirmar-se esta teoria, Simão de Cirene passa a ser visto sob outra luz: como alguém que, apesar de ter entrado para a história de Jesus involuntariamente, acabou por ser de tal forma transformado por Ele que mudou radicalmente de vida.
Maria Madalena
Nicodemos A Bíblia apresenta muitas vezes Jesus em oposição aos fariseus e aos sacerdotes, mas sabemos também que Cristo, em termos de crenças, era da facção dos fariseus e Nicodemos comprova também que alguns destes acreditavam nele. Nicodemos só aparece no Evangelho de São João e a sua história é claramente de conversão.
O Maria Madalena era claramente uma pessoa muito próxima de Jesus e essa proximidade manteve-se até ao final. Quando praticamente todos tinham abandonado Cristo, só ela, o apóstolo João, Nossa Senhora e a sua irmã, é que permanecem aos pés da cruz. Maria Madalena volta a destacar-se no relato bíblico no Domingo de Páscoa por ser a primeira pessoa a chegar ao túmulo. Pedro Homem de entusiasmos, São Pedro aparece frequentemente nos Evangelhos a dizer ou a fazer a coisa errada, embora com a melhor das intenções. As narrativas da Paixão e da Páscoa não são excepção. João De todos os discípulos de Jesus, São João era o mais novo e, por isso mesmo, aquele de quem se esperava menos responsabilidade. Mas acaba por ser o único que permanece perto de Jesus mesmo até ao fim. Judas Na história da Páscoa, Judas é sem dúvida o vilão. A atitude dos fariseus e dos sacerdotes é justificada pela sua preocupação em evitar uma rebelião, a de Pilatos pelo medo de represálias por parte dos seus superiores. Mas Judas é simplesmente um traidor. Simão de Cirene A Bíblia fala pouco de Simão de Cirene, dizendo apenas que ele foi obrigado pelos guardas a ajudar Jesus a carregar a cruz. O facto de ter sido obrigado e não se ter oferecido parece retirar valor ao acto e, se fosse só por essa ajuda involuntária, dificilmente se perceberia porque é que ele ganhou tanta importância na tradição cristã. Mas há um detalhe aparentemente menor mas que
Verónica Na história da Paixão, Verónica é a mulher que limpa a face a Jesus quando ele está a caminho do Calvário para ser crucificado. A história, contudo, não é referida na Bíblia, pertencendo unicamente a tradições posteriores. Estas tradições são até elaboradas, havendo uma que identifica Verónica com a mulher doente, que se curou quando tocou na orla do manto de Jesus.
Os dois ladrões O Novo Testamento não nos diz, mas, segundo a tradição, os nomes de dos dois ladrões crucificados com Jesus eram Dimas e Gestas. A passagem relativa a estes dois homens é uma das mais marcantes de toda a Paixão. Jesus é crucificado juntamente com ladrões, comprovando que está mesmo a ser tratado como um criminoso. De certa forma os dois ladrões representam a humanidade. Todos pecadores, os homens olham para Cristo no auge do seu sacrifício e reagem de duas maneiras diferentes. . Pilatos Pôncio Pilatos é uma figura central da história da Páscoa. Enquanto representante do Imperador em Jerusalém, só ele tem o poder de condenar Jesus à morte, conforme pedem os sacerdotes. Jesus é por isso apresentado ao governador e os dois mantêm um dos mais interessantes diálogos de todo o Novo Testamento. Quando Jesus afirma que quem é da verdade escuta as suas palavras, Pilatos concentra em apenas uma frase toda a mentalidade relativista que, para a Igreja, marca a sociedade moderna: "O que é a verdade?" Sumo-sacerdotes A Bíblia refere dois sumo-sacerdotes que conspiraram para mandar matar Jesus: Anás e Caifás.
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Nestes dois líderes do judaísmo de então concentra-se toda a elite religiosa de Jerusalém no tempo de Jesus. A situação dos sumo-sacerdotes não era nada invejável. Sabendo que os romanos temiam uma insurreição, que esmagariam sem piedade, os sumosacerdotes vêem a chegada triunfal de Jesus com a maior preocupação. Para eles trata-se de apenas mais uma figura messiânica. Não obstante, o Evangelho deixa claro que os sacerdotes tomaram conscientemente a decisão de mandar matar um homem inocente para daí retirar um "bem maior": poupar o povo a um massacre e São João atribui a Caifás a expressão: "É conveniente que um só homem morra pelo povo". Multidão Os Evangelhos contam que quando Jesus entrou em Jerusalém foi recebido de forma triunfal pela multidão, que o aclamou como rei. Bastam alguns dias para que outra multidão se reúna para pedir a crucificação de Jesus. É esta multidão que, confrontada com a possibilidade de libertar Cristo ou Barrabás, opta pelo salteador e exige que Jesus seja morto. Mas seria a mesma multidão? Este é um assunto que motiva grande discussão entre os estudiosos da Bíblia.
Páscoa. Renascença com programação especial a partir de Quinta-feira Santa Início às 14h00. Antes, ainda, às 10h00, a Renascença transmite a Missa Estacional do Crisma, a partir da Sé Patriarcal de Lisboa., numa celebração presidida pelo Cardeal Patriarca, D. Manuel Clemente.
Foto: Joana Bourgard/RR
VÍDEO
Via Sacra. Os passos de Jesus Na Igreja de São Nicolau, em Lisboa, a Via sacra é celebrada todas as sextas-feiras. Definida e ajustada ao longo de séculos, a Via Sacra tem hoje 14 estações. Realizada sobretudo durante a Quaresma, traduz o caminho desde o Pretório ao Calvário. Na igreja de São Nicolau, em Lisboa, a Via sacra é celebrada todas as sextas-feiras, pelo padre Mário Rui Pedras. O pároco lembra a realidade espiritual da Via Sacra numa reportagem vídeo da Renascença. Veja o vídeo na V+
A programação especial de Páscoa da Renascença começa na Quinta-feira Santa, às 14h00. Antes, às 10h00, a Renascença transmite a Missa Estacional do Crisma, a partir da Sé Patriarcal de Lisboa. A celebração é presidida pelo cardeal patriarca, D. Manuel Clemente. A programação que arranca às 14h00 comporta várias celebrações e programas especiais, sendo o primeiro emitido a partir das 17h00. Sónia Santos apresenta "Fé, esperança e Caridade", uma emissão com Aura Miguel e Octávio Carmo. Novo especial está agendado para as 19h00, já na emissão de Óscar Daniel. O tema é "A Eucaristia" e os convidados são o Cónego João Aguiar Campos e Vasco d'Avillez. À noite, a partir das 21h30, a Renascença transmite a Missa Estacional Vespertina da Ceia do Senhor, a partir da Sé Catedral de Aveiro, presidida pelo bispo diocesano, D. António Monteiro. À celebração de Aveiro segue-se novo especial, subordinado ao tema "Sacerdócio". São convidados do jornalista Henrique Cunha os padres João Peixoto, de Ermesinde, e Pedro Rodrigues, de Arouca. Na Sexta-feira Santa, a partir das 8h00, Dina Isabel e Óscar Daniel têm como convidado Tomás Líbano Monteiro, numa emissão de duas horas intitulada "Fazer a diferença perto ou longe de nós - Missão País". Segue-se, de imediato, às 11h00, uma edição de uma hora, com Paulino Coelho, dedicada ao tema "Património Religioso". A convidada é Sandra Saldanha, da Comissão dos Bens Culturais da Igreja. Entre as 11h30 e o meio-dia, a Renascença faz a transmissão das Laudes, a partir da Sé Patriarcal de Lisboa e, entre as 13h00 e as 15h00, Isabel Pereira conduz a emissão com o tema "Onde está Deus". É
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convidado o dominicano José Filipe Rodrigues. Às 15h00, inicia-se, a partir da Sé de Santarém, a transmissão da Solene Acção Litúrgica da Paixão do Senhor, uma cerimónia sob presidência do bispo diocesano, D. Manuel Pelino Domingues. "Como eu rezo" é a designação do espaço de emissão entre as 19h00 e as 20h00, com Júlio Heitor, e, a partir das 21h00, os ouvintes da Renascença podem acompanhar a Via Sacra, em Lisboa. A programação de Sexta-feira Santa encerra com a emissão "Mártires de hoje", entre as 23h00 e a meianote, com António Freire. O primeiro momento alto da programação de Sábado Santo é Igreja em Rede" emissão de Renato Duarte e Miriam Gonçalves, marcada para o período 8h0010h00, e, às 11h30, há nova transmissão das Laudes, a partir da Sé de Lisboa. "Caminho da Fé e Esperança: experiências de peregrinação" é o tema da emissão de António Freire (12h00-13h00). Das 14h00 às 15h00, Isabel Pereira apresenta novo momento especial, dedicado ao Ano da Vida Consagrada, que se assinala em 2015. Para as 18h30, está marcado o Canto Solene do Ofício da Hora de Vésperas, a partir do Seminário dos Olivais, seguindo-se às 19h00, o espaço "Missão na América do Sul", a cargo de António Freire. A partir das 21h30, os ouvintes podem acompanhar a Vigília Pascal da Sé Patriarcal de Lisboa e, no Domingo de Páscoa, a partir das 8h00, Carlos Duarte Bastos e Isabel Pereira dirigem a emissão subordinada ao tema "Testemunhos de entrega aos outros: exemplo de responsabilidade social em empresas". Às 10h00, tem início a última hora de emissão especial, com Óscar Daniel e o convidado padre Joaquim Teixeira, provincial dos Carmelitas Descalços. A Missa da Ressureição do Senhor tem início às 11h00, com transmissão da Sé Nova de Coimbra. Preside o bispo diocesano, D. Virgílio Antunes. REPORTAGEM
Encontrar Deus atrás das grades Celine rezava o terço quando ouviu a notícia da sua libertação – para trás estava um processo de aproximação ao catolicismo. Antonieta e Armindo fazem trabalho voluntário nas cadeias há mais de uma década. Uma forma de viverem a fé. Por Liliana Monteiro
"Eu tive a minha liberdade na hora do meu terço. O dia passou mal, eu estava abatida. Fui para o meu quarto e pus-me a rezar – precisava de força. E antes de começar o 5.º Mistério, a guarda abre a porta e diz: 'Celine Veiga, você está livre'." Às 21h00 desse mesmo dia Celine terminou o terço em Fátima. Celine estava presa em Tires. Terá sido uma das reclusas mais difíceis que passaram pelas mãos de Antonieta, que faz voluntariado naquela prisão. Pelo menos uma vez por semana há voluntários cristãos que se deslocam aos estabelecimentos
prisionais para ajudar e conversar com quem cumpre pena atrás das grades. "O sol parece que não bate, o vento não se sente. Lá não há nada, é um mundo fechado e vazio", diz Ana (nome fictício). "Falta o ar, falta a família, falta a nossa casa", confessa Celine. Ambas são ex-reclusas do estabelecimento prisional de Tires. Estar presas afastou-as dos filhos durante mais de quatro anos. Muitas vezes faltaram as forças: não havia rumo, nascia o desespero e o medo. Ana recorda-se bem do primeiro dia em que entrou na prisão. "Ficamos numa sala de observação sozinhas. Lembro-me que na minha cama estava pendurado um terço que era fluorescente e à noite brilhava. Eu não sabia como rezar o terço – peguei nas bolinhas e fiz tudo ao contrário. Num dia perguntei à Antonieta como se rezava." Antonieta é voluntária há 13 anos. Visita reclusas em Tires. É católica e tem a sua actividade profissional, mas todas as semanas guarda espaço para dar de si. "Durante aproximadamente três meses, rezava o terço completamente sozinha. Chegava com uma imagem de Nossa Senhora, que levo sempre, e rezava sozinha porque não vinha ninguém. Até que um dia uma brasileira que ia a passar viu-me e sentou-se comigo a rezar. Nas semanas seguintes começou a aparecer mais gente", recorda Antonieta. "Nos primeiros dias vamos lá uma primeira vez e não ligamos nenhuma àquilo", conta Ana. "Só vamos porque aquele bocadinho é diferente. É uma hora que passa e parece que não estamos naquele espaço. Vai uma falando, a outra respondendo, outra vai partilhando um problema. Até as pessoas que convivem todos os dias naquele bocadinho são diferentes’. Das "zaragatas" à oração Antonieta é natural de Vila do Conde. "Percebi aos meus 40 anos que tinha algo mais para dar e que Deus me estava a pedir isso. Resolvi vir para Lisboa para ir para as missões, Cabo Verde, Angola ou Timor", conta. Mas foi convidada a participar num presépio vivo na prisão. "Quando lá cheguei algo aconteceu dentro de mim e senti que era aquilo", revela. A decisão não foi bem recebida pela família. "Os meus irmãos quiseram que eu fosse vista por um psiquiatra. Fui vista, mas não tinha nada, andava era à procura de algo que ia além do que eles me podiam dar." Começou por ir à prisão uma única vez por semana. Hoje está lá uma média de duas a três horas por dia em oração. Conversa, escuta e é muitas vezes chamada em períodos de maior fraqueza de algumas reclusas. A prisão tornou Celine uma pessoa rebelde. "Tudo me corria mal, as guardas eram más. Tinha de ser sempre tudo eu, eu, eu", diz. Antonieta conta-nos esta história. "Ela tinha um poder grande lá dentro perante as outras reclusas. Sempre que havia zaragatas, a Celine estava metida. Fazia uma guerra enorme contra a oração, ria-se quando eu passava, fazia pouco do que eu estava a fazer. Tudo isto só para tentar que eu não fizesse a oração." Antonieta percebeu que Celine podia mudar numa procissão do 13 de Maio. As reclusas aperaltaram-se e colocavam-se cada uma no seu lugar, de papel na mão, prontas a participar na celebração. "Nesse dia, a Celine, para meu grande espanto, estava
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pronta também para participar na procissão e tinha tirado o Mistério que ia ser meditado à pessoa que o ia ler. Leu, muito bem arranjada com os seus ouros, os brincos e maquilhada. Na semana seguinte, quando fui rezar, no sábado, a Celine apareceu, entrou e ficou em silêncio no fundo da sala". Um engenheiro na biblioteca Armando, engenheiro já reformado, faz voluntariado cristão há mais de dez anos. Sente que é preciso lutar cada vez mais por uma sociedade do "ser" e não do "ter". Foi por isso que decidiu dar de si aos reclusos do estabelecimento prisional de Lisboa. Todas as terças-feiras entra na biblioteca desta prisão e ali fica disponível para os reclusos. "Já tive situações de ter apenas um recluso na sala. Quando estamos sozinhos eu vou para a porta da biblioteca para ver no corredor da ala se conheço algum. Já cheguei a ter 13, 14 reclusos". "Ao ver as experiências de vida, os amigos que tiveram e o meio por onde andaram, chegamos à conclusão que a falta de valores é tão grande." Esta reportagem, emitida no último programa Princípio e Fim, faz parte de um ciclo de trabalhos da Renascença que partem do desafio do Papa Francisco na sua mensagem para esta Quaresma. A Renascença partiu à procura de cristãos que se dão aos outros em áreas habitualmente esquecidas ou periféricas, contrariando a "indiferença" denunciada por Francisco REPORTAGEM
"A vida entra-nos por todos os poros". Na Fonte da Prata, há consagradas ao serviço dos outros Escravas do Sagrado Coração de Jesus ajudam moradores de bairro da Moita. Vivem lá desde 1992. "Não tem sentido ajudar de fora."
Foto: xpgomes/Flickr Por Ana Rodrigues
A vida dos outros é a delas também. As Escravas do Sagrado Coração de Jesus fizeram do bairro social da
Quinta da Fonte da Prata, na Moita, a sua casa. É ali que as irmãs comem, dormem, riem e partilham experiências, desde 1992, com a comunidade. Ajudam quem chega de África (a origem da maioria dos cinco mil moradores do bairro), mas também quem vem do Norte ou do interior de Portugal. Ajudam todos os que chegam em busca de trabalho. Ana Melo e Castro é uma das irmãs. Viver na Quinta Fonte da Prata ajuda-a a conhecer quem está a ajudar. "O projecto faz muito mais sentido por estar mais próximo das pessoas. Não tem sentido ajudar de fora. Para nós tem muito mais sentido ajudar estas comunidades incertas". Rodeada das crianças que ali vão todos os dias, estudar e brincar, Ana sente-se feliz. "Quando vim para este bairro, comecei a sentir que o Senhor me chamava para me entregar mais de fundo ao seu projecto e percebi que o Senhor me chamava à vida consagrada e a entregar a vida aos seus projectos, nas Escravas do Sagrado Coração de Jesus." Optar pela vida religiosa não foi fácil. De olhos brilhantes, sorriso embaraçado e com uma cruz pendurada sobre uma camisola de lã e cachecol, Ana relembra que a família não estava à espera desta decisão: "Para a minha família foi difícil. São católicos praticantes, mas quando disse que ia entrar para a vida religiosa reagiram mal. Ficaram tristes e não esperavam." Não ser mãe não foi uma renúncia para Ana. "Foi escolher entrar para a vida religiosa e entregar a minha vida e o meu coração a muito mais crianças e a todas as pessoas que apareçam no meu caminho. Muitas delas não têm lugar no coração de ninguém", diz. Foi a certeza que sentiu, e que não sabe explicar, que fez com que "desse o passo, que fosse em frente e arriscasse". Almerindo, de aluno a professor Entre os projectos das Escravas do Sagrado Coração de Jesus está o "Tasse". Quer travar o abandono escolar. Todos os dias um grupo de crianças recebe apoio escolar. É uma espécie de grande família que, além de competências, apoio e formação, dá também carinho e amizade. Componentes que Almerindo presta diariamente. De aluno passou a professor. Foi a primeira criança do "Tasse". Concluiu o curso profissional de animação sociocultural, equivalente ao ensino secundário. Entretanto, surgiu a oportunidade de trabalhar com as crianças que agora estão num papel que outrora foi o dele. Não hesitou e ficou a trabalhar no projecto. O "Tasse" presta apoio a mais de 80 crianças do bairro da Fonte da Prata. Em paralelo, a Congregação das Escravas do Sagrado Coração de Jesus tem também o Centro de Apoio à Integração dos Imigrantes. É aqui que encontramos Carlota Morais, outra irmã ao serviço desta causa. Ensina a ler e escrever em português. Foi aos 19 anos que decidiu dedicar-se inteiramente a ajudar os outros. "Identifico-me muito com esta população. Até porque venho de um meio mais rural", diz. Esta entrega aos outros foi algo que a família aceitou desde cedo. A única preocupação dos pais e dos irmãos foi tentar perceber se esta escolha era a mais
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acertada para a felicidade de Carlota. A irmã vai ensinando a arte de juntar as letras. Com alunas já mulheres e mães africanas, acompanha o progresso e a felicidade de quem ali aprende. Uma delas repete, atenta e empenhada, as letras e as palavras que aprende na aula. "Sem o que me ensinaram aqui, nunca teria uma caneta na mão. Agora, até já sei assinar o meu nome e já escrevi uma carta". "Toca-se mais, sente-se mais" É entre cadernos e lápis que se partilham histórias, se trocam sorrisos e se ouvem lamentos. "Aqui é mais próximo. Toca-se mais, sente-se mais, cheira-se mais, ouve-se mais. Portanto, a vida entra-nos por todos os poros. Nesse sentido, comove-nos mais", diz Carlota. Ela e a irmã Ana partilham a mesma casa no bairro, igual às dos outros moradores. Já ninguém estranha a presença destas mulheres, mulheres que um dia tiveram de fazer uma escolha. Esta reportagem, emitida no último programa Princípio e Fim, faz parte de um ciclo de trabalhos da Renascença que partem do desafio do Papa Francisco na sua mensagem para esta Quaresma. A Renascença partiu à procura de cristãos que se dão aos outros em áreas habitualmente esquecidas ou periféricas, contrariando a "indiferença" denunciada por Francisco REPORTAGEM
Os mimos dos voluntários fazem a diferença na Casa de Saúde do Telhal A Casa de Saúde do Telhal acolhe cerca de 430 utentes na área de psiquiatria e saúde mental. Além dos profissionais de saúde, conta com 24 voluntários. Por Ana Carrilho
O dia começa cedo no Bazar da Casa de Saúde do Telhal, perto de Sintra. É o espaço do voluntariado neste centro da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, que dá apoio a doentes com perturbações mentais. Maria Luísa Câmara Lemos é a voluntária mais presente – seis dias por semana, de manhã e à tarde. E é por ela que muitos dos utentes chamam. Vão ver televisão, fazer desenhos, cantar, ouvir música, conversar ou, simplesmente, falar da família. "A família vem buscá-los ao fim-de-semana, nas épocas festivas ou quando pode", conta Maria Luísa. Isto com os "que ainda a têm porque em muitos casos, sobretudo os mais velhos, já perderam o grande apoio, que são os pais". "A família lembra-se deles ou não. Mas eles lembramse sempre! Perguntam pelo pai, pela mãe, pelos irmãos. E até há os que vêm aqui ao calendário ver quanto tempo é que falta para os virem buscar", revela esta voluntária, há três anos na Casa de Saúde do Telhal. Há dias de maior tristeza e revolta, de maior ansiedade. E é nesses momentos que os voluntários podem ter um
papel determinante para acalmar estes doentes que vivem todos os dias da sua vida no Telhal. "Até se vê nos desenhos", diz Maria Luísa. "Quando estão satisfeitos e felizes, usam cores alegres. Mas quando estão tristes é só pretos, castanhos, borram tudo com cores carregadas. Temos que brincar com eles, arranjar outras conversas e depois eles esquecem e aquilo passa". Os mimos dos voluntários… A Casa de Saúde do Telhal acolhe cerca de 430 utentes na área de psiquiatria e saúde mental. Além dos profissionais de saúde, conta com 24 voluntários. Cada um deles apresenta o seu próprio projecto que, depois de aprovado, tem que cumprir. Maria Teresa é um dos 24 voluntários. Vai ao Telhal duas vezes por semana, durante a manhã. Normalmente leva alguns doentes a passear pelos jardins ou ao bar. Diz que gostam muito de ir beber um café e comer um bolo. Os que podem, aqueles a quem a família abre uma conta no bar. Só que os outros, que não têm dinheiro, também querem. Nada que não tenha solução. "As voluntárias passaram a trazer um termo de café com leite, quentinho e assim, todos podem beber. É um miminho de que eles gostam muito", diz Maria Teresa. Luísa: "Mas aqui não lhes falta nada. Só que eles gostam de mimos, como toda a gente". As datas festivas são sempre assinaladas, do Dia do Pai ao da Mãe. E "gostam muito que se lembre o Dia da Criança ou o dia de anos". "Normalmente trago-lhes sempre um bolinho e cantamos os parabéns, recebem um chocolate", diz Luísa, de sorriso aberto. … e a terapia dos passarinhos Ultimamente, as visitas ao Bazar tornaram-se mais assíduas. Um dos casais de pássaros teve seis passarinhos. " É uma loucura", confessa Luísa. "Vêm vêlos, querem dar-lhes comer, ajudam a limpar a gaiola, a mudar a água…". Todos têm nome, excepto os pequenitos. "Mas já há aí um concurso para ver quais são os nomes que vão ser escolhidos". Alguns são mais atrevidos. É o caso do Joãozinho, que muitas vezes voa fora da gaiola e pousa na mão ou no ombro de algum dos utentes. "O que é que uma coisinha tão pequenina te pode fazer?", perguntava Luísa aos mais receosos. Mas o medo já passou e agora impera a brincadeira. "Até ajudam na terapia". "Está a ver como eles ficam contentes por nos ver?", pergunta Maria Teresa, depois de ser saudada efusivamente por alguns doentes que passam na rua. "Estão sempre a perguntar: ‘Quando é voltas? Vens amanhã?’" Luísa admite que não consegue criar uma "couraça" para lidar com estes doentes que sofrem de perturbações mentais. "São pessoas com uma grande sensibilidade. Vir trabalhar para o Telhal foi uma das melhores coisas que me aconteceu na vida." Esta reportagem, emitida no último programa Princípio e Fim, faz parte de um ciclo de trabalhos da Renascença que partem do desafio do Papa Francisco na sua mensagem para esta Quaresma. A Renascença partiu à procura de cristãos que se dão aos outros em
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áreas habitualmente esquecidas ou periféricas, contrariando a "indiferença" denunciada por Francisco REPORTAGEM
Ser ministro extraordinário da comunhão. "A D. Joaquina traz Nosso Senhor para o pé de mim" Na cidade de Macedo de Cavaleiros, há dez ministros extraordinários da comunhão, que semanalmente visitam cerca de 30 idosos e doentes. Porque uma "paróquia que não é capaz de resolver os problemas dos seus pobres não se pode considerar cristã". Por Olímpia Mairos
Quinta-feira. 16h00. Joaquina Pedro, 56 anos, sai do trabalho, na autarquia de Macedo de Cavaleiros. Hoje tem uma missão especial para cumprir como ministra extraordinária da comunhão: vai visitar os idosos e doentes. Cumpre esta missão semanalmente desde 2002. "É tudo feito por amor", diz. "Sou feliz porque sinto muito amor e tenho muito amor para dar", revela. Admite que "é difícil dividir o tempo para tudo": é "mãe, esposa, avó, filha, nora e sogra". Mas, "bem gerido, tudo se consegue". Artur Martins tem 81 anos. Regressou a casa há uns 15 minutos, vindo do hospital onde esteve internado. A esposa, Maria Miguéis, tem 88 anos e encontra-se muito debilitada. Em casa está ainda um filho, Artur Fernandes de 49 anos, doente do foro psiquiátrico. É precisamente este último que abre a porta. A visita de Joaquina "é muito importante porque é uma ajuda e um apoio à família". Entramos em casa. À lareira está Maria do Carmo. Depois das saudações iniciais dirigimo-nos ao quarto, onde está Artur Martins. "Boa tarde, senhor Artur. Está melhorzinho? Foi bem tratado no hospital?", pergunta Joaquina. Sorridente, Artur diz que já se sente melhor e que foi muito bem tratado. A família está reunida à volta do doente. Joaquina traz Jesus Sacramentado. Prepara a mesa para a celebração e convida à oração. Após a comunhão faz-se um pouco de silêncio. "Esta visita é muito importante porque a D. Joaquina traz Nosso Senhor para o pé de mim", diz Artur. "Conversa muito connosco, sempre com boa disposição e um sorriso nos lábios. Tem sempre uma palavra amiga e, quando é preciso, também faz recados", completa Maria do Carmo. À espera de quinta-feira A próxima paragem é numa casa de acolhimento onde
se encontram quatro octogenários: João, Maria Luísa, Cacilda e Maximina. A cuidadora, Maria Emília, conta que "estão sempre à espera da quinta-feira. Gostam muito da Joaquina, porque lhes traz a comunhão e conversa muito com eles". Joaquina detém-se junto de cada idoso, conversa, faz carinhos e despede-se com um beijo e votos de "boa semana". A missão prossegue. A próxima etapa é na casa do casal Brás. António Augusto tem 75 anos e um cancro. Quase não sai de casa. A esposa, Maria Fernanda, de 74 anos, é a sua única companhia. A visita de Joaquina Pedro é um alento para a família, um estímulo e uma ajuda concreta. "Liga muitas vezes a perguntar se preciso de compras ou de alguma coisa", conta Maria do Carmo. Dá um exemplo recente. "Confidenciei-lhe que precisava de limpar o quarto. Passados cinco minutos, ela estava aqui para o limpar. Não me deixou limpar, fez tudo. E passa-me muitas vezes a ferro", conclui. António entra na conversa para dizer que Joaquina "é uma presença amiga". Além da companhia e da ajuda, leva-lhes Jesus. "E isso é muito importante para quem já quase não sai de casa." Mais uns dedos de conversa e segue-se a despedida. Joaquina ainda tem mais uma visita para fazer. Entre uma e outra desloca-se no seu automóvel porque as distâncias são significativas. Aurora Andrade, de 83 anos, já está à espera. Quem abre a porta é a filha, Alcina. A mãe "já está à espera". Sentada no sofá, Aurora esboça um sorriso. Durante largos anos foi impulsionadora da espiritualidade franciscana em Macedo de Cavaleiros. Na casa são visíveis os símbolos franciscanos. "A quinta-feira é sempre um dia especial", diz, porque recebe a "visita de Joaquina e pode comungar. Passa os dias à espera e até pede para comprar uma flor para receber a visita", conta Alcina, realçando que Joaquina "já faz parte da família". Joaquina Pedro despede-se com um beijo e promete regressar na próxima semana. Já é noite quando Joaquina conclui a tarefa de visitar os idosos. Percorreu alguns quilómetros na cidade, cumprimentou, conversou e deu a comunhão a oito pessoas. "É muito gratificante", confidencia. "Os idosos ficam satisfeitos e estão à espera deste dia. Parece que é um alento, um viver diferente". Igreja atenta Na cidade de Macedo de Cavaleiros, há dez ministros extraordinários da comunhão, que semanalmente visitam cerca de 30 idosos e doentes. São voluntários que "têm a preocupação de fazer companhia, de conhecer a realidade de cada idoso, deixando que falem das suas carências e dos seus problemas", explica o cónego Manuel Inácio de Melo, pároco de S. Pedro e coordenador da Unidade Pastoral de Macedo de Cavaleiros. "São muitas vezes os olhos que vêem, a voz que alerta para as carências e as mãos que repartem ajuda", realça o diácono Ilídio Mesquita. Cabe também aos ministros estabelecer a ponte com a comunidade, "a descoberta de pessoas mais carenciadas e informar a paróquia das maiores
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necessidades, para lhe ser prestada ajuda". Uma tarefa que faz parte da essência da Igreja porque, diz o cónego Melo, uma "paróquia que não é capaz de resolver os problemas dos seus pobres não se pode considerar cristã". Também o cónego Melo vai ao encontro dos idosos, a quem visita periodicamente. Numa das muitas visitas que faz encontrou "uma senhora só, a sentir-se mal e com muitas dores". "Telefonei para os bombeiros, vieram buscar a senhora para o hospital e contactei uma pessoa da família a informar sobre o que tinha acontecido", conta. Chegou àquela casa "na hora certa". "Passados uns dias encontrei-a e agradeceu-me muito, dizendo que a tinha salvo. Se eu não tivesse chegado, teria morrido". Esta reportagem, emitida no último programa Princípio e Fim, faz parte de um ciclo de trabalhos da Renascença que partem do desafio do Papa na sua mensagem para esta Quaresma. A Renascença partiu à procura de cristãos que se dão aos outros em áreas habitualmente esquecidas ou periféricas, contrariando a "indiferença" denunciada por Francisco. REPORTAGEM
"Ergue-te" ajuda prostitutas. Tudo começa com um chá que pode mudar vidas As Irmãs Adoradoras saem todos os dias no "giro". Na sua unidade móvel percorrem as ruas, estradas, bares, pensões, propondo uma conversa que adivinha um futuro diferente.
Foto: Liliana Carona/ RR Por Liliana Carona
"Mulheres da rua", "mulheres da má vida", "prostitutas". As expressões são variadas, mas por detrás de cada rosto há uma vida que muitas vezes não teve opção. Mas as Irmãs Adoradoras acreditam que o destino pode ser mudado e em 2010 criaram o projecto "Ergue-te", em Coimbra. Saem em "giros" pelas ruas, estradas, bares, pensões, propondo uma conversa que adivinha um futuro
diferente. Já estenderam a mão a mais de 1.200 mulheres e há seis casos de sucesso. O primeiro contacto das irmãs com as mulheres em contexto de prostituição começa com um chá e uma fatia de bolo dentro de uma carrinha com seis lugares, um espaço tipo salinha. Saem todas as noites numa unidade móvel, com os vidros escurecidos, comparticipada pela Segurança social, que foi completamente adaptada. Pequenas gavetas guardam os ingredientes para o lanche e o material para a prevenção. "Este projecto surge para dar resposta a uma necessidade no distrito, mas também no âmbito do carisma das Irmãs Adoradoras. Elas nasceram no século XIX, em Espanha, com uma mulher que hoje é a Santa Maria Micaela e fundou esta congregação para dar resposta a mulheres em contexto de prostituição", explica à Renascença a directora técnica do "Ergue-te", Maria Martinha, de 39 anos. Antes do arranque da viatura para mais um "giro", somos convidados a sair. Não podemos gravar. "Existe uma relação de confidencialidade, não mostramos os rostos das pessoas e se as identificássemos, a sociedade é tão cruel que elas ficariam rotuladas 'ad eternum'. Há este pacto com elas". "Reorganizar a vida toda" O acordo não permite às Irmãs Adoradoras identificar quem quer que seja, mas na Avenida Fernão Magalhães, uma das ruas de Coimbra onde a prática da prostituição é mais comum, todas as mulheres conhecem a carrinha. Só uma aceitou falar com a Renascença. Para esta mulher de 28 anos, o projecto "é uma óptima ideia". Assim, as pessoas têm "uma solução, uma alternativa e podem construir um futuro diferente. É bom que existem meios e pessoas para que todos possamos viver melhor, se tiverem boas intenções, se forem dinâmicos e simpáticos, terão toda a facilidade em alcançar os objectivos", argumenta a jovem que apesar de nunca ter recorrido aos serviços do "Ergue-te", conhece o trabalho da instituição. As Irmãs Adoradoras acompanham, neste momento, mais de cem mulheres e fazem um balanço positivo. "O desafio é reorganizar a vida toda para que a pessoa consiga ter uma existência fora do contexto da prostituição. E já contamos seis mulheres que fizeram este percurso moroso e complexo". Contudo, as histórias que Maria Martinha tem para contar deixam-na com um nó na garganta. "Já aconteceu pararmos e numa primeira abordagem a mulher pedir-nos ajuda para fugir, situações de risco, esperarmos pelo dia a seguir e não a encontrarmos mais. Isso também nos pesa", lamenta. Maria Martinha luta por um novo olhar para estas mulheres. "Olhando o trajecto destas vidas, parece que todos os caminhos as levaram para ali: a educação e até a falta de oportunidades. O Papa confirma na mensagem quaresmal aquilo em que acreditamos, a cultura da indiferença e o cuidado ao outro, de sairmos e não termos medo”, lembra. Na Avenida Fernão Magalhães, está o gabinete de apoio do projecto. É uma equipa de intervenção social com um gabinete de atendimento onde se presta apoio, social, psicológico, jurídico e de saúde. Mas era preciso mais e em 2013 nasceu a primeira
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Estrutura de Emprego Protegido. "Quando se abre uma vaga de emprego há centenas de pessoas a concorrer e estas nossas mulheres vão em desvantagem. Começamos a perceber que precisavam de um tempo para se encaixar no mercado de trabalho em que os hábitos, rotinas laborais fossem trabalhados. Damos formação de costura, serigrafia", conta Maria Martinha. "Estas mulheres são vítimas", sublinha a directora técnica da equipa, lembrando que se tiverem outras oportunidades "elas agarram-nas". A renúncia quaresmal da diocese de Coimbra de 2014 foi dedicada ao projecto "Ergue-te". Quem quiser ajudar pode fazê-lo através do NIB 0035 0255002391555300 8. Esta reportagem, emitida no último programa Princípio e Fim, faz parte de um ciclo de trabalhos da Renascença que partem do desafio do Papa Francisco na sua mensagem para esta Quaresma. A Renascença partiu à procura de cristãos que se dão aos outros em áreas habitualmente esquecidas ou periféricas, contrariando a "indiferença" denunciada por Francisco
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