Maes 2011

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Balneário Camboriú, maio . 2011

Lembrar pode ser bom É bom presentear e é bom ser presenteado, e melhor quando essas ‘pequenices’ do dia a dia servem de “link” para uma coisa maior: a infinidade de memórias que estão às vezes escondidas e empoeiradas em cantos tão remotos que só conscientemente conseguimos acessar. Também pode acontecer por acaso: um cheiro de pão, um perfume de jasmim, uma vontade de quintal, uma receita. Uma cena conhecida, um hábito esquecido, um abraço, uma música, a lembrança dos outros: tudo isso pode ser porta de acesso para a lembrança da lembrança. Às vezes dá medo. Às vezes é triste. E quase sempre tem saudade, seja alegre ou seja triste o que se lembra. Mas a lembrança é a presença viva de tudo que somos hoje, misturados ao que já vivemos e ao que vamos viver. Ela nos compõe, é parte de nós. É preciso permitir-se lembrar e deixar que isso se acomode, que seja alegre, que seja leve, que seja celebrado. Com essa intenção, trocamos as matérias desse Caderno de Mães por histórias. Histórias aleatórias onde a mãe, na sua forma mais livre e ampla, fica eternizada. Se você for às lojas procurar um presente, se você participar de um almoço com a família reunida, se você preparar algo especial para essa data, ou nada disso, perguntese: “O que estamos comemorando? Onde mora minha mãe nas minhas lembranças?” “O que é minha mãe eternizada em mim?” Podemos induzir os pensamentos. E pode ser positivo.

Caderno Mães é uma publicação do Jornal Página3. Também disponível em www.pagina3.com.br.

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De geração em geração...

Lembro de uma história de mãe: foi a Gene, que ‘magoada’ por eu haver fotografado a irmã (lá nos idos de 83) foi pegando o remanescente da sessão, vestiu-se, me chamou no espelho e posou assim. E depois era com talento que ia se trocando e fazendo as poses. Por isso a série de cinco imagens chamei : Improviso 1 - 2 - 3 - 4 - 5 e a 5 foi anúncio nacional d’O Boticário (ao lado).” Lair Bernardoni, fotógrafa.

Me lembro da sessão sim, mas muito vagamente... sempre tive o costume de inventar roupas com pedaços de pano e até mesmo criar modelitos com as roupas e acessórios da minha mãe... Foi interessante o regresso que tive que fazer pra lembrar... Minha filha Valentina tem o mesmo costume, me vejo nela constantemente... é impressionante a semelhança de gestos e atitudes...” Genevieve Bernardoni é filha de Lair e a modelo da foto.

MÃE Você é a mais doce e pura criatura! A dedicada esposa, mulher e protetora! Você... Que me permitiu viver e sonhar Que me amparou e me ensinou a caminhar.

feliz dia das mães, meu amor é para você!


Nada triste pra contar Balneário Camboriú, maio . 2011

“Quando eu tinha um ano minha mãe foi parar numa cadeira de rodas. Sabe, a infância inteira eu convivi em hospitais, pulando de casa em casa de parentes, mas o que sempre me incomodou de verdade era a curiosidade das pessoas. Elas me olhavam esperando sempre eu contar uma história triste, queriam saber por que e como, os olhares curiosos na rua e até hoje é assim. Mas sempre as decepcionei porque nunca tive nada triste pra contar. Eu deveria chegar aqui e dizer que sofri, que chorei, que fiquei traumatizada etc etc, mas eu estaria mentindo. Eu nunca sofri pela minha mãe e nunca tive pena dela. Com ela aprendi a não choramingar por qualquer coisa, aprendi a não me dar por vencida, a gostar de Queen (risos) e principalmente, a não deixar ninguém ter pena de mim. É isso aí.” Cláudia Maria

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Entendendo o ontem, hoje “Muitas vezes quando eu era adolescente, eu queria sair, minha mãe (Marlize Oelke, 64) não deixava e dizia, quando tu fores mãe vais entender porque estou dizendo ‘não’ hoje. Isso marcou bastante, mas chegou a minha vez de ser mãe e me boto no lugar, sempre que digo não para meus filhos. Só então entendi por que ela dizia não quando eu queria sair, porque ela tinha medo, tinha muito cuidado comigo e hoje faço o mesmo em relação a meus filhos. Foi com minha mãe que eu aprendi a ser a mãe que eu sou hoje, foi os “nãos” que ela me deu durante a vida que me transformaram na mulher de hoje”. Cristiane Oelke Graebin, 32


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Uma surpresa no armário “Lembro como se fosse hoje...tinha 17 anos. Minha vida transcorria dentro da normalidade: trabalhando durante o dia e estudando à noite (Ensino Médio - Colégio Pedro II - Blumenau). Minha mãe (Isa Liesenberg, 81), é extremamente organizada e havia me pedido por inúmeras vezes que organizasse meu guarda-roupa. Como eu era da turminha “amanhã eu faço”, os dias foram passando...Eis que numa certa noite ao retornar do colégio, lá pelas 23h, para minha surpresa, encontro “todas” as minhas roupas sobre a cama. Qual o remédio? Gritar? Xingar? Espernear? Não. Arrumar tudo e aguardar o olhar fiscalizador da minha mãe na manhã seguinte. Moral da história: Atenda aos pedidos de sua mãe, no prazo por ela determinado, e não terás surpresas noturnas.” Annemarie Liesenberg Utech, 52

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“O Senhor é meu pastor, nada me faltará” “A principal lembrança foi o exemplo que minha mãe (Alma Musskopf, falecida há 2 anos) me deixou, que norteou minha vida, de fé principalmente, minha vivência em comunidade e meu dia-a-dia. Ela era cabeleireira, os tempos eram difíceis, 5 filhos pra criar, meu pai era fotógrafo, saía muito, ela ficava muitas vezes com o compromisso de sustentar a casa e através da fé dela, conseguiu superar essas dificuldades. Quando eu era ainda muito pequenininha, tenho lembrança de como ela passou a buscar força sempre no versículo “O Senhor é o meu pastor e nada me faltará’, que estava na certidão de confirmação dela. Cada vez que enfrentava uma situação complicada, aquele versículo ficava vivo para ela e isso aconteceu muitas e muitas vezes. Lembro de uma vez, que ela estava sem dinheiro algum para comprar alimento e, de repente, chegou uma cliente e ela então conseguiu resolver a dificuldade daquele momento e ficou tão feliz, essa imagem me marcou”. Dalys Musskopf Geiser, 54

“Num sentido amplo, mãe me sugere colo, aconchego, conselho e consolo. Num aspecto mais individual, recordo-me de minha mãe, hoje bem idosa, quando ainda jovem, arrumando a casa, ajeitando as flores nos vasos ou pintando suas telas, mas sempre com um olho no filho, como que velando por ele. Enéas Athanázio, escritor


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Aprendendo a olhar “Um bom desafio contar uma história sobre minha mãe. Na verdade eu poderia contar a história toda da minha infância e adolescência, dos meus valores, dos meus conceitos… Pois em tudo isso tem uma generosa pitada de Célia. Mas por ela tive uma lição maior, capaz de mudar tudo, capaz de mudar minha atitude e o significado da vida. E essa, acho que vale a pena compartilhar porque vejo o tempo todo amigos e familiares cegando seus sentimentos mais profundos diante de sentimentos superficiais e passageiros. Lá vai. Depois de adulto e independente, longe de casa, conheci a liberdade e virei dono dos meu atos. Claro, normal até aqui. Acontece com 110% dos jovens que saem de casa. Só que o apego pela liberdade trouxe junto o pior veneno que pode circular nas veias de uma pessoa, a intolerância (que num jovem de merda, se mistura com a arrogância. Aí já viu né?). Daí em diante, a visitas começaram a ser raras, rápidas e conflitantes… Que idiota! Enfim. Viajando com amigos (Carol e Denis) para Curitiba, decidimos passar em Barra Velha para dar um beijo nela e deixar uma lembrança, que não me lembro bem o que era, algum trabalho meu. Foram 5 minutos, um beijo, um abraço apressado e tenho que ir mãe (nossa!). Os amigos esperavam no carro. Louca sensação… quando partimos, o olhar que ganhei dela era tão carregado de ensinamentos que fui incapaz de assimilar. Na verdade não sei se até hoje sou capaz, não sei se já mereço. Na esquina me deu uma vontade louca de descer do carro para voltar e dar mais um abraço, mas não quis ser inconveniente. Também não sei se entenderia o olhar, mas hoje seria mais fácil. Ou, se soubesse que era o último abraço não teria ficado 5 minutos, teria ficado 5 horas, 5 dias, 5 semanas… Teria ficado até o último dia junto com ela. Hoje, não há nada mais valioso pra mim que um abraço apertado e um sorriso do meu irmão ou do meu pai. Aproveito, sinceramente, como se fosse o último. Outro dia o Luciano me levou para conhecer seus pais e, ao sairmos, comentou: “Po cara, eles moram do lado do meu escritório e eu nunca os vejo”. Pois bem Luciano, PELO AMOR DE DEUS, aprenda esta lição enquanto é possível aplicá-la. Marcelo de Lima é designer.

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Rir é a receita “São tantas histórias e boas lembranças e juntas com nossa mãe (Erany Ulrich, 75) damos muitas risadas, porque nossas histórias são baseadas em momentos da nossa convivência e momentos devem ser vividos. É assim que podemos perceber todos os dias como ela mantém a aparência jovem e muita disposição, apesar do duro estilo de vida que já enfrentou”. Cristiane, 41, Adriane, 40, Elisiane, 37 e Susane Ulrich, 31

Quero hoje parabenizar as mães e dizer que sempre peço a Deus que as abençoem em minha oração.

Homenagem às mães de

Marcelo Achutti

Marcelo Achutti


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Doces com sentimento “Era costume fazer doces de Natal todos os anos num forno à lenha na rua, daqueles antigos. Lembro que um ano, eu era pequena, houve uma tempestade que acabou derrubando o forno e minha mãe (Santa Nadyr Wippel da Silva, 74) não pôde fazer os doces de Natal como sempre fazia. Passaram-se alguns dias e na véspera daquele Natal, dia 24, vi minha mãe sentada nos pés da cama chorando muito, porque não tinham comprado brinquedos por causa das dificuldades que passavam e naquele ano nem os doces de Natal foram feitos. Fomos reclamar com meu pai e ele se comoveu ao vê-la daquele jeito, pegaram a carroça, os cavalos e foram para o centro de Itajaí, compraram brinquedos e acharam uma panificadora que vendia os doces de Natal. Então tivemos um Natal com brinquedos e doces, graças ao choro da minha mãe, que me marcou muito”. Idelena Maria da Silva Weise, 52

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Neste Mundo

Pré-história

Quem é você? Perguntei àquela mulher pomposa e repetitiva. Sua mãe, ela respondeu. E eu, indignado com tanta obviedade, perguntei novamente: até quando? E a mulher que me ensinou desde criança que cada coisa neste mundo era passageira ou irreal, pensou um pouco e me olhou: - Pra sempre.

“Mamãe vestida de rendas Tocava piano no caos. Uma noite abriu as asas Cansada de tanto som, Equilibrou-se no azul, De tonta não mais olhou Para mim, para ninguém! Caiu no álbum de retratos.”

Enzo Potel, em Conto de Facas

Murilo Mendes (poeta morto)

“Minha mãe atravessa uma grande avenida e tenta chegar ao meu coração. De repente, ao final, encontra consigo.” Ediney Santana (poeta nordestino vivo)

Seleção sugerida pelo escritor Enzo Potel a pedido do Página3 (inclusive “Celebração da amizade”, de Eduardo Galeano, na página seguinte). Enzo ainda sugeriu outros trechos e comentou que Virgínia Woolf “sempre fala bem e lindamente sobre a figura da mãe nos livros dela, em particular no Rumo ao Farol... (...) Pegue o Rumo ao Farol localizado na sua estante da sala, abra na página 88. Comece a ler o capítulo 17. Pare na penúltima linha da página 90. É o melhor momento do livro para mim, mas acho que não funciona como texto esparso”. Está aí a dica.


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Celebração da amizade Eduardo Galeano

Juan Gelman me contou que uma senhora brigou a guarda-chuvadas, numa avenida de Paris, contra uma brigada inteira de funcionários municipais. Os funcionários estavam caçando pombos quando ela emergiu de um incrível Fordbigode, um carro de museu, daqueles que funcionavam à manivela; e brandindo seu guarda-chuva, lançou-se ao ataque. Agitando os braços abriu caminho, e seu guardachuva justiceiro arrebentou as redes onde os pombos tinham sido aprisionados. Então, enquanto os pombos fugiam em alvoroço branco, a senhora avançou a guarda-chuvadas contra os funcionários. Os funcionários só atinaram em se proteger, como puderam, com os braços, e balbuciavam protestos que ela não ouvia: mais respeito,

minha senhora, faça-me o favor, estamos trabalhando, são ordens superiores, senhora, por que não vai bater no prefeito?, Senhora, que bicho picou a senhora?, esta mulher endoidou... Quando a indignada senhora cansou o braço, e apoiouse numa parede para tomar fôlego, os funcionários exigiram uma explicação. Depois de um longo silêncio, ela disse: - Meu filho morreu. Os funcionários disseram que lamentavam muito, mas que eles não tinham culpa. Também disseram que naquela manhã tinham muito o que fazer, a senhora compreende... - Meu filho morreu — repetiu ela. E os funcionários: sim, claro, mas que eles estavam ganhando a vida, que existem milhões de pombos soltos por Paris, que os pombos são a ruína desta cidade...

- Cretinos — fulminou a senhora. E longe dos funcionários, longe de tudo, disse: - Meu filho morreu e se transformou em pombo. Os funcionários calaram e ficaram pensando um tempão. Finalmente, apontando os pombos que andavam pelos céus e telhados e calçadas, propuseram: - Senhora: por que não leva seu filho embora e deixa a gente trabalhar? Ela ajeitou o chapéu preto: - Ah!, não! De jeito nenhum! Olhou através dos funcionários, como se fossem de vidro, e disse muito serena: - Eu não sei qual dos pombos é meu filho. E se soubesse, também não ia levá-lo embora. Que direito tenho eu de separá-lo de seus amigos? Eduardo Galeano, escritor uruguaio, em “O Livro dos Abraços”.

Obra do artista londrino Sam Spenser.

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Karla Rathje Gonçalves - CRMV SC 05078

médica veterinária

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