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Balneário Camboriú, 13 de agosto de 2011
Entrevista
Acho que o caminho do cinema nacional é esse, de descentralização e intercâmbio, e a gente só ganha com essa mistura toda”
n o s s a
g e n t e
Caroline Cezar
carol@pagina3.com.br
Marcos Azevedo, ator, arte-educador, diretor e autor teatral Caroline Cezar
M
arcos Azevedo é ator, arte-educador, diretor e autor
teatral. Mora em São Paulo e tem um currículo farto na dramaturgia, que já o fez viajar o mundo com suas peças. “Confinado” no Mundo Antigo, em Pomerode, por cerca de dez dias, Marcos recebeu o Página3 para uma conversa descontraída durante o set de filmagem do curta Quinta Coluna, onde interpreta um militar. Marcos também trabalhou nos bastidores do filme, fazendo um trabalho de preparação dos atores estreantes. Confira os principais trecho da conversa.
JP3 - O que chamou tua atenção no filme, por que você se envolveu no projeto? Eu estou nesse filme por um convite do André (Gevaerd), que me apresentou o roteiro. Ele falou, “tem um curta muito interessante, do Daniel (Reichel), que é um autor novo e envolvido com esse novo movimento do cinema do sul e eu queria que você desse uma lida”. Sinceramente, eu fiquei muito bem impressionado, achei o roteiro do Quinta Coluna muito maduro, sensibilíssimo, com um potencial de imagem, quer dizer, eu consegui imaginar todas as situações e locações... É um roteiro enxuto, onde você percebe que tem personagens muito bem construídos, com suas contradições, enfim... E também tomei contato com essa realidade histórica, que tenho
que confessar, eu não sabia que havia acontecido com tamanha contundência como a gente depois veio a estudar. Lógico, tentei me informar um pouco mais sobre o governo Prestes e quando ele instituiu o Estado Novo, essa perseguição, essa espécie, -como o próprio Daniel chama-, de caça às bruxas, que rolou aqui (em Santa Catarina) e também no Rio Grande do Sul com as pessoas de descendência alemã. Eu achei que esse roteiro me cativou logo de cara, eu fui dormir e vi o filme, teve de início capacidade de me transmitir o que gostava e o que queria fazer. A partir daí eu e o Daniel passamos a trocar impressões. JP3 - Você não conhecia o Daniel? Não conhecia, assim como não conhecia todo resto da equipe. E
esse é um dos pontos que eu acho mais positivos do filme, eu já vim pra cá com uma boa impressão, sabendo que eu tinha nas mãos um bom roteiro de curta metragem -que em geral, a gente percebe que existem alguns curta metragens que sob pretexto de se fazer um filme curto ficam meio superficiais, insípidos... E nesse caso eu sinto que existe uma capacidade, um poder de síntese pra contar essa história muito interessante para os possíveis vinte minutos que pode ter esse filme. Fiquei seduzido, consegui ver potencialmente um grande filme, independente de ser um curta, comecei a conversar com o Daniel, e percebi a maturidade... que apesar dele não ter muita experiência anterior, no cinema, percebi que já era um ‘bicho de cinema’, como eu chamo. A gente trocou várias
referências, uma delas por exemplo, a Fita Branca, que é um filme que a gente comentou bastante, e outros. E principalmente a respeito da construção dos personagens: como eu via o Luiz, que é o meu personagem, que é um militar que fica no fio da navalha, entre reprimir o povo alemão e também proteger, ser solidário a uma família com a qual ele tem contato... e assim por diante. O que principalmentente me atrai nesse filme são as coisas que não estão ditas, o que está subentendido, por detrás, acho que dá uma ótima pincelada no panorama histórico, consegue contextualizar muito bem as relações humanas dessa época específica. JP3 - Você já conheci Pomerode, a região? Me espantei primeiro com a
beleza do lugar. Eu não conhecia, vim pra cá muito pequeno, com os meus pais, mas não tinha memória do lugar. O Mundo Antigo, essa pousada onde a gente está confinado aqui nessa espécie de big brother há alguns dias, nessa produção, parece um reality show, - falo isso de brincadeira, porque a gente acorda junto, toma café junto, almoça junto, dorme todos nessa vila que parece uma cidade cenográfica que nos joga exatamente pra dentro da história... JP3 - Isso ajuda a entrar no clima... Ajuda muito, todo contexto histórico inclusive, a coisa de ter acontecido, de... Outro dia eu estava tentando dar uma relaxada à noite, depois do trabalho, e fui jogar um pouco de snooker ali, eu vi uma mesa, e
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Ricardo Weber
“Fiquei seduzido, consegui ver potencialmente um grande filme apesar de ser um curta metragem”. joguei com os garotos da região, que apesar de serem adolescentes hoje, são todos criados em alemão, todos têm o sotaque muito forte e se comunicam entre si dessa forma, em alemão mesmo, então eu pude sentir um pouco dessa carga, dessa realidade para fazer a transposição para aquela época. Percebi como foi realmente um evento sério que aconteceu naquele instante e isso tudo me ajudou muito no trabalho de ator, para o meu personagem, mas também para o trabalho de preparação de ator, para o qual eu fui convidado também. JP3 - O filme está apresentando dois atores, ambos jovens (Mikael Beltrame Bonotto e Tom dos Santos). Como é essa preparação na prática? Atrapalha essa pouca experiência? Meio que a toque de caixa, porque nós tivemos antes do primeiro dia de filmagem uma semana praticamente de aproximação. As pessoas começaram a se conhecer a partir daí, se afinar, e o trabalho de preparação foi muito específico para essa realidade. Na minha opinião eles estão se saindo muito bem, durante o processo de estudo de texto e de recriação dessas cenas, ainda não exatamente nas locações específicas, tentei trazer o máximo a realidade proposta dentro do roteiro... evidente que fizemos algumas improvisações para criar um pouco da sensação, da atmosfera, e do passado desses personagens... e o fato deles nunca terem tido nenhuma experiência com atuação não foi um fator negativo. Evidente que você precisa começar a informar sobre o vocabulário, quais são os termos que fazem parte do universo da atuação, do ator, existe sim, lógico, um tempo gasto pra trazer esses atores para o universo da atuação artística, mas eles têm sido em contrapartida muito espontâneos na hora de criar, na hora de improvisar, e também particularmente muito interessados, com uma capacidade muito grande, mesmo o Mikael que é o menor,de entender as contradições contidas na trama. JP3 - Traz consistência para o personagem, é um pouco do “não dito” que você falou.
Isso é extremamente importante para você não criar aquele personagem chapado, maniqueísta, ‘esse é o bom’, ‘esse é o mau’, e é exatamente isso que o roteiro não quer. O roteiro toca numa ferida que eu percebo que ainda é aberta, ainda mais num momento desse de recrudescimento das questões geográficas e de raça dentro do planeta, a gente tem visto pipocar por aí várias manifestações racistas, neonaziostas, enfim, existe uma importância muito grande nesse filme existir porque ele repensa várias questões, isso da história cíclica... E o fato de ter esses atores que o diretor escolheu por afinidade, não tem nada de contra... eu sinto que a Paula Braun, que é uma atriz que eu não conhecia, só conhecia o trabalho dela, tem sido de suma importância, eu divido com ela esse trabalho...
tela é só a ponta do iceberg, e a gente tem um cuidado nesse filme que é impressionante que eu não vi nem em uns longa metragens... a produção de objetos, o figurino que tá super em cima, as locações realmente nos jogam pra dentro da época, e você sente que desde a produção, a continuidade, todas questões envolvidas no filme estão em harmonia. E uma equipe que se formou agora, muita gente não se conhece, é uma equipe híbrida, tem uma turma do Sul, uma turma de São Paulo e... pelo que eu ouço, vejo... sinto uma atmosfera muito boa das pessoas, ninguém contra ninguém, todo mundo a favor da cena, a favor do filme, e não tem corpo mole... Enfim, é um trabalho profissionalíssimo e eu adoraria ver essa equipe junta em longas metragens, minisséries, vai dar um samba muito bom...
JP3 - ...essa cancha... Essa cancha com os atores mais novos, porque é realmente muito complicado você trabalhar com várias faixas etárias e vários níveis de informação com relação à arte dramática, mas tem fluído bem. O Daniel também tem se colocado muito dentro dos ensaios, isso nos ajudou muito, porque por um lado a gente abre as possibilidades de interpretação, mas tem uma hora que a gente tem que focar, “o que a cena pede, o que é mais importante para esse momento, qual objetivo maior de cada cena?”, tentando nos ensaios trazer as informações e a espacialidade o mais próximo possivel dos sets de filmagem... E ontem (sábado, 6), no nosso primeiro dia de filmagem, eu já senti como isso foi útil, porque a gente conseguiu reproduzir aquilo que a gente ensaiou, fazendo com que o set não fosse uma informação conflitante, e nem deixasse intimidados os novos atores.
JP3 - Isso ajuda muito no resultado não? Faz muita diferença, demais. Eu realmente estou muito bem impressionado, não tem ninguém trabalhando burocraticamente, de uma forma protocolar, existe uma paixão particular de cada um, que está sendo potencializada com o encontro, essa sinergia que acontece, essa química dessa equipe que se formou agora e eu tenho certeza absoluta que isso vai resultar na tela.
JP3 - E trabalhar com essa equipe mista, desconhecida... como faz? Eu sinto que tem sido um processo riquíssimo e faço questão de valorizar o trabalho de toda equipe que o André juntou pra criar esse filme... quer dizer, cinema não se faz solitariamente, é um trabalho muito árduo de equipe, o que se vê na
JP3 - Sobre a questão dos grandes centros ainda concentrarem a maior parte das produções, o que você acha? Temos chance? Pois é, cinema, como a gente costuma dizer, ainda é um clubinho muito fechado. Por se tratar de uma obra tão delicada, e cara, -porque é um trabalho caro-, você sempre vê amigo chamando amigo, as panelinhas naturais, e não falo disso de uma forma pejorativa, quem faz isso tem mesmo que se resguardar e ter como parceiro as pessoas de confiança... Acho que nesse caso não é diferente, mas o fato de ter essa equipe mista... é o primeiro trabalho que faço em Santa Catarina de cinema, e eu vejo que já tem alguns pólos que têm uma prática de cinema por aqui. Acho muito importante que esse filme sirva de exemplo, de estímulo e dê um pontapé inicial,
Mikael Beltrame Bonotto e Marcos Azevedo, caracterizados como personagens do curta.
mostre que é possível sim, com uma boa idéia na cabeça, como o Daniel teve, fazer um trabalho de alto nível que não deixa nada a desejar ao eixo Rio-São Paulo, às grandes produtoras já consagradas... Acho que o caminho do cinema nacional é esse, de des-
(Marcos Azevedo é integrante da Cia dos Lobos (ator e diretor artístico) e da Cia de Ópera Seca (ator interante), de Gerald Thomas, desde 1994. Atuou em Deus Ex-Máquina, Ventriloquist, Nietzsche contra Wagner (NXW), Nowhere Man (Brasil e Croácia/ Festival Eurokaz), Unglauber, Império das Meias Verdades, The Flash and Crash Days ( Trilogia da Besta/Brasil e Portugal), Os Reis do Iê-Iê-Iê, O Cão Andaluz, Príncipe de Copacabana e Tragédia Rave. Participou anterioriormente de MacBeth com direção de Ulysses Cruz, Concílio do Amor com direção de Gabriel Vilella e Laranja Mecânica dirigida por Olair Coan. Em cinema atuou em: Carandiru de Hector Babenco, O Invasor de Beto Brant, Missão de Luis Adriano Damiello e Útero de Cristiano Metri.)
centralização e de intercâmbio, porque afinal de contas o Brasil é muito grande, tem muitos profissionais maravilhosos se formando, com muito a oferecer e eu acho que a gente só ganha fazendo essa mistura toda.
26 Entrevista Roteiro focado nas relações entre os personagens Balneário Camboriú, 13 de agosto de 2011
Fotos Caroline Cezar
Interpretando Karin, uma mulher que perdeu o marido na guerra, e que busca manter a paz e a decência em casa numa época em que os descendentes foram proibidos de falar a língua alemã e fazer qualquer alusão ao país; a atriz Paula Braun, “está em casa”. Mesmo morando fora de Santa Catarina há anos, Paula é nascida e criada em Blumenau. Saiu do Vale quando se formou, morou em São Paulo, voltou para Blumenau e agora está no Rio. Tem uma bebê de nove meses, que a acompanhou no set de filmagem em Pomerode por dez dias, com a ajuda da avó materna, que veio a tiracolo. Paula, que também é produtora e se apaixonou pela atua-
Mikael Beltrame Bonotto, 10, é o outro ator estreante. Mora em Gravatal, Santa Catarina, e fez o teste para o papel na UFSC, onde estava anunciada a vaga. Se destacou e conseguiu participar, tem se saído bem segundo os atores mais experientes, que fizeram a preparação para o papel.
O estudante de Relações Internacionais Tom dos Santos, 17, que nasceu em Rio do Sul mas mora em Balneário Camboriú desde pequeno, está estreando como ator no “Quinta Coluna”. Sempre gostou de cinema e foi chamado para o filme por um trabalho como modelo. “Eu tive muita sorte porque está sendo uma experiência magnífica esse contato, e isso que estou aprendendo com a Paula (Braun) e o Marcos (Azevedo) vale mais do que qualquer escola. Me joguei e pretendo dar continuidade”, comemora ele, que disse que se inspirou a estudar mais e mais.
ção muito jovem, diz que não tem preferência por teatro, cinema ou tevê.
incentivo funcionem, enfim, que se produza mais cinema na região”, encerrou.
“A minha preferência é por um bom roteiro e um bom personagem, atuar a gente atua em qualquer lugar, o meio não importa”, colocou ela, que disse que só aceitou o trabalho ainda está seletiva por causa da bebê- por causa da qualidade do roteiro. “Fiquei encantada e foi isso que me trouxe aqui. É muito menos histórico e mais focado na relação dos personagens, bastante consistente”, opinou Paula, que já atuou em dois curtas em Santa Catarina. “Apesar de termos uma equipe bastante mista aqui, esperamos que abra um pouco e que isso vire rotina, que as leis de
Paula Braun, no cinema, atuou em “Amanhã Nunca Mais”, “O sonho Bollywodiano”, “Maridos, amantes e pisantes”, “O Cheiro do Ralo”, “Outra memória” e “Nina”. No teatro em “Outros Tempos”, “Aquelas mulheres”, “A parte”, “Os camaradas”, “Urano quer mudar”, “Otto Lara Rezende ou Bonitinha mais ordinária, bom é autor morto”, “Os 7 gatinhos”, “Muito barulho por nada”, “Dom Bago, o infante”, “L.A.M.A”, “O Palácio dos Urubus” e “Vedor”, seu primeiro espetáculo, quando tinha apenas 13 anos. Na televisão fez “Malhação”, “Tudo Novo de Novo” e “O Sistema”.
Entrevista
Uma das produtoras do curta metragem, Verena Meneghelli, da Epic Studio, de Itajaí, já atuante na produção de filmes publicitários há algum tempo, teve sua primeira experiência no cinema com o Quinta Coluna. “No começo foi bem complicado, é muito diferente, e até se adaptar parece que vai dar tudo errado (risos), mas depois, quando engrena, é simplesmente apaixonante. Eu fiquei muito envolvida, gostei muito, quero fazer mais”, conta Verena, dizendo que no começo ficou assustada com “toda aquela gente” na locação, diferente dos filmes publicitários que exigem menos gente. “A função da produção é deixar todo mundo confortável e fazer a coisa engrenar, mas aquilo me parecia impossível. Mas todo o processo de se conhecer, de ver os atores se transformando para entrar nos personagens, de ver as minúcias da equipe de arte... e perceber que tudo vai se encaixando, todo mundo cooperando, a equipe se formando de verdade, uma equipe que até então não existia e que passa realmente a existir, a funcionar, vira uma família... tudo isso é um universo apaixonante”, comemora ela, que acha que o ponto
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“Eu realmente estou muito bem impressionado, não tem ninguém trabalhando burocraticamente, de uma forma protocolar, existe uma paixão particular de cada um, que foi potencializada com esse encontro”.
Caroline Cezar
Uma equipe mista e unida, que passou a existir durante o processo
Balneário Camboriú, 13 de agosto de 2011
Marcos Azevedo
mais positivo foi esse sentimento de trabalho coletivo que surgiu do zero, já que ninguém se conhecia direito há um mês. A outra produtora envolvida no filme é a Cinerama BC, de André e Ike Gevaerd, que estão buscando parceiros e interessados para tentar movimentar e agregar a indústria cinematográfica regional, que tem algumas iniciativas isoladas, mas nada consistente. “Depois de muito tempo trabalhando em São Paulo iniciar um novo projeto em um novo local foi muito gratificante pois me deparei com uma equipe muito profissional e competente. São pessoas especiais que entraram na minha vida e que com certeza serão parte de muitos outros projetos que serão realizados pela CineramaBC no Vale do Itajaí. Estou certo de que isso foi só o começo”, afirmou André Gevaerd, que nasceu em Balneário e depois de 10 anos morando e trabalhando em São Paulo, pretende retornar à cidade. A Cinerama promete um festival em Balneário já para novembro, que tem pretensão de ser anual e permanente, a fim de desenvolver a atividade aqui.
FICHA TÉCNICA Quinta Coluna, Brasil, 2011, Ficção, 35 mm Direção: Carlos Daniel Reichel Roteiro: Carlos Daniel Reichel e Rodrigo Batista Produção: André Gevaerd e Ike Gevaerd (Cineramabc Filmes) Verena Meneghelli (Epic Studio) Produção Executiva: Carol Gesser, Verena Meneghelli e André Gevaerd Elenco: Paula Braun e Marcos Azevedo Apresentando: Tom dos Santos e Mikael Beltrame Bonotto Fotografia: Marcos Tseng Direção de Arte: Dicezar Montador: André Gevaerd Lançamento: 2012