PAJ2014 Materia Completa Ciencia e Tecnologia Guia do Estudante Vidas Secas

Page 1

água

DOSSIê

D

água

vidas secas Como os habitantes do sertão nordestino e mais de 1 bilhão de pessoas no mundo convivem com a escassez de água no cotidiano Por Giovana Moraes Suzin Infográficos Multi/SP

80 GE atualidades 2013 | 2º semestre


água

DOSSIê

D

água

vidas secas Como os habitantes do sertão nordestino e mais de 1 bilhão de pessoas no mundo convivem com a escassez de água no cotidiano Por Giovana Moraes Suzin Infográficos Multi/SP

80 GE atualidades 2013 | 2º semestre


seca hoje e sempre A família baiana anda longe em busca de água, repetindo a cena retratada na tela de Portinari (pág. ao lado) Ricardo Cardoso/frame

GE atualidades 2013 | 2º semestre

81


D

água

Lunae Parracho/REUTERS

DOSSIê

A falta que a água faz Pior seca em 50 anos no sertão nordestino tem suas causas em fatores climáticos com dinâmica planetária 82 GE atualidades 2013 | 2º semestre

B

oa parte dos mais de 10 milhões de brasileiros que moram no semiárido nordestino estão enfrentando a pior seca de suas vidas. A falta contínua de chuvas desde 2011 tornou esta a mais grave estiagem dos últimos 50 anos. Muitos nordestinos perderam os meios que tinham para sobreviver e, sem outras alternativas, recorrem à ajuda do governo ou decidem deixar suas terras áridas, buscando trabalho bem longe do sertão onde nasceram. Tal como os sertanejos, mais de 1 bilhão de pessoas no mundo vivem sem acesso à quantidade mínima de água de que necessitam diariamente. A crescente escassez hídrica é uma realidade local e global. Resultado de um fenômeno natural e cíclico, agravado por falta de políticas públicas eficientes, a seca castiga o ser humano há muito tempo. Historicamente, diversos conflitos foram travados pelo controle do líquido.

medidas drásticas Família do Sergipe corta cactos para alimentar o gado: quase nada restou da plantação de milho e da cana-de-açúcar

Na mente dos artistas

Cemitérios de animais às margens de rodovias e estradas, famílias de retirantes e outros dramas ligados à seca fornecem imagens que ilustram atualmente os jornais e a televisão. Algumas delas já integram a memória coletiva nacional e tornaram-se mote de inspiração para artistas nordestinos. A partir dos anos 1930, principalmente, escritores, poetas, pintores e músicos começaram a retratar o drama vivido por grupos expostos às intempéries climáticas e ao descaso das autoridades. O alagoano Graciliano Ramos descreve no livro Vidas Secas (1938) como a seca é responsável por enfraquecer as perspectivas de vida e


O SEMIÁRIDO O sertão nordestino tem um clima semi-árido, com poucas chuvas. Pode haver secas prolongadas, por questões climáticas globais

CAUSAS DA SECA A seca é resultante de características naturais do sertão. A principal é o padrão de circulação dos ventos, que não favorece a formação de nuvens de chuva, em especial no período de estiagem (variável segundo a região do semiárido). As massas de ar com umidade provocam precipitações antes ou passam ao largo da região. A topografia também influencia.

CE

RN

CE

RN

PB

PB cisco an o Fr ã S o i R

BA

Mais de

60%

da população nordestina vive em áreas semiáridas.

submeter a existência humana à condições de escassez, fome e miséria. O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, em Morte e Vida Severina (1955), narra a peregrinação de Severino, que, como o personagem mesmo se descreve, é mais um entre tantos outros e morre cada dia um pouco pela fome. Cândido Portinari retrata os retirantes em suas pinturas. O cearense Antônio Gonçalves da Silva, poeta conhecido como Patativa do Assaré, retrata a dureza do semiárido: trabalhou a vida inteira com a enxada, e transformou seu cotidiano em cordéis e versos. O músico Luiz Gonzaga compôs forrós e baiões, ritmos típicos do Nordeste, que cantavam a bravura do sertanejo e exigiam providências do governo para atenuar as consequências da estiagem. Entre suas músicas, está uma que fala do “cantarino”: um vento forte que sopra à noite, “cantando” e refrescando as terras do sertão. Para o nordestino observador, dependendo de quando o cantarino assovia, sua brisa é conside-

EIXO NORTE

PE

PI

MG

Causas da seca

A GRANDE OBRA

Alguns rios que secam durante a estiagem

PI

AL SE

POLÍGONO DAS SECAS Para organizar ações de combate aos efeitos da falta de chuvas, em 1951, o governo federal criou, com legislação própria, a região do Polígono das Secas, que se estende pelo sertão nordestino e o norte de Minas Gerais.

Cerca de

R$ 8 BI

é a previsão de gastos com as obras de transposição e de revitalização do Rio São Francisco

Parte das chuvas no sertão é resultante do encontro de massa de ar na região da linha do Equador rada sinal de um ano chuvoso ou seco. Se sopra entre o final de dezembro e janeiro, haverá falta de chuvas. Essa foi por muito tempo a forma de o sertanejo fazer a previsão para a temporada de chuvas na região, nos quatro primeiro meses do ano – a chamada quadra chuvosa. Hoje, nas observações feitas por satélites meteorológicos e modernos computadores, os climatologistas atestam que o vento que circula no planeta e como ele chega ao Nordeste resultam diretamente na seca da região. A escassez de chuva tem origem em lugares distantes e é provocada principalmente por mecanismos de circulação de ventos. Na chamada Zona

PE

Cabrobó

Rio Sã

cisco an o Fr

BA

EIXO LESTE

Petrolândia

AL SE

A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO Para atenuar os efeitos da seca, o projeto de transposição do Rio São Francisco foi lançado em 2007. Nele, estão previstas a construção de canais que vão transferir de 1% a 3% das águas do “Velho Chico” para rios e açudes que atualmente secam durante a estiagem do semiárido MG nordestino. O governo diz que a obra beneficiará 12 milhões de pessoas e estimulará a agricultura nas áreas atingidas. A transposição está dividida em dois eixos. O Eixo Norte captará água em Cabrobó (PE) para levá-la ao sertão de Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. O Eixo Leste colherá as águas em Petrolândia (PE), beneficiando o sertão e o agreste de Pernambuco e Paraíba. Depois de adiamentos, está prevista a conclusão do Eixo Leste para o final de 2014.

de Convergência Intertropical (ZCIT), que circunda a Terra próximo à linha do Equador, os ventos dos Hemisférios Norte e Sul se encontram. A massa de ar que chega à Região Nordeste é quente e úmida, provocando chuvas na região litorânea, onde predomina a vegetação da Mata Atlântica. Mas, quando se movimenta em direção ao interior, já perdeu força e umidade, e o resultado é uma massa quente e seca que estaciona no sertão durante longos períodos (veja mais no infográfico da pág. 84). Outros fatores que podem provocar chuva, como as frentes frias vindas do Sul do país, nem sempre atuam na região. O resultado de tais fenômenos, ao longo de séculos, foi a formação de uma região com clima semiárido, de baixo índice pluviométrico anual (pouca chuva), com predominância da vegetação da caatinga, solo raso e pedregoso e temperaturas elevadas em grande parte do ano. Não é à toa que Euclides da Cunha assim descreve os habitantes dessa parte do Brasil, em sua obra Os Sertões: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. GE atualidades 2013 | 2º semestre

83


DOSSIê

D

água

O QUE PROVOCA AS LONGAS SECAS Os períodos de seca prolongada no Nordeste são provocados principalmente por dois mecanismos relacionados de processos climáticos globais, ligados à circulação de ventos no planeta. São fenômenos que se estabeleceram provavelmente há mais de 10.000 anos, no final da última grande era glacial.

1

3

COMO SE FORMAM OS VENTOS E A CHUVA

Primeiro, precisamos entender o mecanismo físico básico do ciclo dos ventos: - Áreas de baixa pressão atmosférica: são causadas pela elevação do ar quente. O ar, ao subir, esfria, e o seu vapor de água pode se transformar em nuvens, chuva, neve ou tempestade. Simultaneamente, ao nível do solo, há ar que se desloca para substituir o ar quente em elevação, o que dá origem a ventos. - Áreas de alta pressão atmosférica: resultam da descida do ar frio.

O PAPEL DA ZONA DE CONVERGÊNCIA INTERTROPICAL (ZCIT)

O fenômeno meteorológico que mais influencia a ocorrência de chuvas no Nordeste se chama Zona de Convergência Intertropical (ZCIT): é uma área formada por um anel de ar úmido que envolve a Terra próximo à linha do Equador, onde os ventos alísios dos Hemisférios Norte e Sul se encontram.

ATLÂNTICO NORTE

O 10° A

Ar quente sobe e carrega vapor de água

Ar frio desce e pode trazer chuva

A LINH

NORTE

ADOR DO EQU

ZONA DE CONVERGÊNCIA INTERTROPICAL (ZCIT)

PI

Baixa pressão atmosférica

U 5° AO S

Alta pressão atmosférica

L

Circulação de ar na atmosfera

2

Região do Semiárido Nordestino

CE RN PB PE AL BA SE

MG

VENTOS DE ALTA PRESSÃO

Nesses ventos, como os alísios, o ar circula no sentido anti-horário no Hemisfério Sul e no sentido horário no Hemisfério Norte, em direção às regiões equatoriais.

ATLÂNTICO SUL

Zona de Convergência Intertropical (ZCIT)

Alguns fenômenos que ocorrem a grande distância agravam muito a falta de chuvas no Nordeste, como acontece neste ano. Um deles é a temperatura da água no Oceano Atlântico, nos dois hemisférios. A diferença de 1 °C pode fazer com que a ZCIT se movimente mais para o norte ou para o sul, provocando chuvas e novas correntes de vento em lugares distintos, piorando ou atenuando o período de seca. Outro fator é o El Niño, que atua a cada dois ou sete anos e pode durar de um a dois anos. Ele é provocado também por diferença de temperatura nas águas do Oceano Pacífico, interferindo nas massas de ar próximas à costa oeste da América do Sul (veja mais no infográfico acima).

84 GE atualidades 2013 | 2º semestre

Políticas públicas

A seca é um fenômeno natural, mas, quando prolongada, causa graves problemas, como os que atingem agora o sertão. Mais de 1 430 municípios declararam estado de emergência até junho de 2013. São 3,6 bilhões de reais em perdas nas lavouras, em especial em milho e feijão, principais alimentos do sertanejo. A pecuária também agoniza: mais de 16% do gado nordestino não sobreviveu à sede. Há relatos de secas nordestinas desde o início da colonização portuguesa na região. A primeira notícia nos registros vai de 1583 a 1585. A maior da história pode ter sido a de 1877 a 1879, na qual teriam morrido 500 mil pessoas. A de 1915

inspirou a escritora cearense Rachel de Queiroz a escrever O Quinze, com base em suas próprias experiências. Na seca de 1983, 1 milhão de sertanejos se inscreveram no programa de emergência para receber dinheiro para a construção de açudes. Muitos outros emigraram para o Sudeste e engrossaram o trabalho em construtoras e fábricas. A seca atual responde pela perda de 18 mil empregos na região. Para atenuar o problema, o Estado brasileiro desenvolveu, principalmente a partir do século XX, políticas públicas de combate aos efeitos da seca. O primeiro órgão criado foi o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), sob o nome de Inspetoria


CHUVAS NO BRASIL MÊS A MÊS Precipitação (mm) 100

200

300

400

600

800

1000

4 A posição da ZCIT varia mais ao norte ou mais ao sul. É ela que determina se haverá mais ou menos chuva na região da linha do Equador. A posição da ZCIT depende da temperatura dos oceanos na região equatorial. Uma variação de apenas 1°C a 0,5°C entre as águas do Atlântico Norte ou do Atlântico Sul pode ser a diferença entre um “inverno” chuvoso ou seco no Nordeste brasileiro.

DEZ JAN FEV MAR

O QUE AGRAVA A SECA Se as águas do Atlântico estiverem mais frias no sul, entretanto, as chuvas são despejadas na Amazônia e sobre a Ilha de Marajó, e não atingem o Nordeste.

Outro fenômeno que influencia o sertão do Nordeste e faz com que a seca se agrave tem origem no Oceano Pacífico Equatorial. Ali existe uma área de baixa pressão atmosférica sobre a Indonésia e o norte da Austrália e uma área de alta pressão no oceano, próximo à costa da América do Sul. O vento viaja de oeste para leste sobre o Pacífico. Nesse trajeto, o vento se resfria e tende a descer sobre o oceano, próximo à costa da América do Sul, criando uma área de alta pressão. SITUAÇÃO “NORMAL”

ABR MAI

Com as águas do Atlântico Norte mais frias, o ar úmido engrossa a ZCIT, que se desloca em direção às águas mais quentes próximas ao Equador, acompanhando com um pequeno atraso o movimento da Terra. A ZCIT desloca-se para sua posição mais ao sul, trazendo suas nuvens carregadas.

Região do semiárido do Nordeste

O EL NIÑO E A SECA

Águas quentes

JUN JUL AGO SET

Em ciclos de 2 a 7 anos, por motivos ainda não conhecidos, os ventos alísios ficam enfraquecidos. Sem os ventos fortes, o Oceano Pacífico Equatorial começa a se aquecer, liberando evaporação e formando nuvens com intensas chuvas no Pacífico Equatorial Ocidental. Essa mudança no local da formação das nuvens gera modificações na circulação do ar e da umidade na atmosfera, alterando o clima no mundo, no fenômeno conhecido como El Niño. Isso faz a ZCIT se localizar mais ao norte, o que reduz a chuva no sertão. COM EL NIÑO

OUT NOV

Águas quentes

DEZ

de Obras Contra as Secas (IOCS), em 1909, e que existe até hoje, vinculado ao Ministério da Integração Nacional. Seu objetivo é executar ações para beneficiar as áreas atingidas e fomentar obras de proteção contra as secas e inundações, como a construção de açudes, que permitem tornar perenes rios intermitentes. Entre as maiores obras de engenharia do órgão incluem-se os açudes públicos do Orós e do Castanhão, ambos no Ceará, e o do Açu, no Rio Grande do Norte, todos com capacidade de armazenamento superior a 1 bilhão de metros cúbicos. Outra ação governamental foi criar uma legislação específica para a região, denominada então de Polígono

A indústria da seca se utilizava das políticas de combate à escassez para beneficiar os grandes fazendeiros

das Secas, em 1951 (veja mapa na pág. 83). Da mesma década data a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), órgão fechado em 2001 e retomado em 2007, com a função de administrar um fundo de recursos para financiar atividades agrícolas no Nordeste. Na década de 1960, o termo “indústria da seca” foi criado para designar a estratégia de segmentos das classes dominantes que se beneficiavam indevidamente de subsídios e vantagens oferecidos pelo governo federal em função da seca. Latifundiários se aproveitavam para conseguir gordas ajudas governamentais, como a anistia de dívidas, verbas de emergência GE atualidades 2013 | 2º semestre

85


86 GE atualidades 2013 | 2º semestre

água

sebastiao bisneto/AE

e renegociação de empréstimos. Tais auxílios muitas vezes não beneficiavam a população mais duramente afetada pela estiagem: o dinheiro público acabava migrando para a construção de açudes e o desenvolvimento de projetos de irrigação que traziam benefícios apenas para os próprios fazendeiros. No final, tais ações eternizavam os problemas causados pela seca. O atual governo federal investiu mais de 20 bilhões de reais em obras de infraestrutura, como os sistemas coletivos de abastecimento de água, adutoras para a distribuição das águas das barragens e as próprias barragens, além da operação de carros-pipa, construção de cisternas e recuperação de poços. A partir da atual seca, o governo intensificou os programas de assistência técnica e social, como o financiamento da produção agropecuária, venda subsidiada de milho e distribuição do Bolsa Estiagem, um auxílio financeiro distribuído a agricultores familiares que vivem em municípios em estado de emergência. Dentre as obras, está a controversa transposição do Rio São Francisco (veja mais no infográfico na pág. 83). A previsão de gastos é de 8 bilhões de reais. Alguns especialistas afirmam que a construção de poços profundos e de cisternas para a coleta de água da chuva seria uma alternativa mais eficaz e barata para combater a seca. Opositores da obra também argumentam que o projeto não alcançará muitas comunidades e beneficiará principalmente os grandes fazendeiros, além de causar impactos ambientais ainda não bem mensurados no entorno do “Velho Chico”. Com as obras promovidas na última década, surge uma nova figura no sertão: são os chamados “trecheiros”, trabalhadores sazonais que vão de construção em construção, conforme a necessidade de seus serviços.

D

RICARDO CORREA

DOSSIê

Transposição As obras no São Francisco em Pernambuco (na foto de baixo, em Cabrobó) vão beneficiar Sertânia, onde o açude secou (em cima)

Muita água, pouca distribuição

Não é só no imaginário do sertanejo que os ventos atuam. Em O Tempo e o Vento, obra regionalista da década de 1950, o gaúcho Erico Verissimo aborda a formação do Rio Grande do Sul. O escrito narra como o soprar do vento, ali chamado de “minuano”, exerce uma influência perene no dia a dia das famílias Terra, Cambará, Caré e Amaral. Como expresso na literatura, o regime de ventos influencia a vida dos seres vivos em todos os lugares. As chuvas, consequência direta do movimento das massas de ar, alimentam a extensa rede hidrográfica brasileira, formada por rios com grande volume de água, e os aquíferos ocultos sob o solo.


AS REGIÕES HIDROGRÁFICAS BRASILEIRAS Para a gestão de políticas públicas, o Brasil é dividido em 12 regiões hidrográficas. O país é um dos mais ricos em recursos hídricos. O clima e o regime de chuvas alimentam uma rede hidrográfica extensa, formada por rios com grande volume de água. Com exceção das nascentes do Rio Amazonas, que se abastecem com o derretimento das geleiras andinas, a origem das águas dos rios brasileiros são basicamente as chuvas.

180 MIL

A ÁGUA DOCE NO MUNDO Américas

46%

Europa

Ásia

7%

32% África

Oceania

9%

6%

metros cúbicos por segundo (m3/s), é o total da vazão média anual dos rios brasileiros. O volume equivale à soma de 72 piscinas olímpicas fluindo a cada segundo.

12% Só o Brasil

REGIÃO AMAZÔNICA A Amazônia possui 72% da disponibilidade de água brasileira, mas a sua bacia hidrográfica é habitada por menos de 5% da população, o que resulta em pouca utilização da água disponível.

AQUÍFERO ALTER DO CHÃO

ATLÂNTICO NORDESTE OCIDENTAL

BACIAS DO CENTRO-OESTE A maior parte dos recursos hídricos usados no Brasil vai para atividades produtivas, sobretudo a irrigação. Por causa da boa oferta de água no Centro-Oeste, a região transformou-se em importante fronteira agrícola do país.

AMAZONAS

PARNAÍBA

TOCANTINS ARAGUAIA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO

ATLÂNTICO LESTE PARAGUAI

ATLÂNTICO SUDESTE

ÁGUA SUBTERRÂNEA Um aquífero é uma formação ou grupo de formações geológicas que armazena água subterrânea. Esses reservatórios aos poucos abastecem rios e poços. A contaminação e o uso crescente pela sociedade moderna ameaçam os aquíferos. Os dois maiores aquíferos brasileiros são o Guarani e o Alter do Chão, mas ainda não se sabe precisamente a quantidade de suas reservas.

ATLÂNTICO NORDESTE ORIENTAL

BACIAS DO NORDESTE O Nordeste é a única região do Brasil que não tem equilíbrio entre a oferta e o consumo de água. Há um quadro de insuficiência no semiárido, sobretudo na região Atlântico Nordeste Oriental, a única em situação crítica no balanço hídrico nacional. Em algumas bacias dessa região, há disponibilidades menores do que 500 m3/habitante/ano, o que indica um quadro de escassez.

BACIAS ATLÂNTICO LESTE, PARNAÍBA E SÃO FRANCISCO Nas regiões semiáridas dessas bacias, nas quais a seca é mais grave, a água é um fator crítico. A presença de açudes e a regularização das vazões dos rios intermitentes são estratégicas para o abastecimento humano, a criação de animais, a irrigação e demais usos.

PARANÁ

AQUÍFERO GUARANI URUGUAI

ATLÂNTICO SUL

BACIAS DO SUDESTE E SUL Nas regiões Sudeste e Sul, nas quais se encontram as maiores concentrações urbanas e industriais brasileiras, as deficiências encontradas são, sobretudo, de qualidade das águas, contaminadas por uso agrícola, industrial e doméstico, e prejudicadas pelo desmatamento.

Fonte: Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil - Informe 2012. Agência Nacional de Águas (ANA)

O país é um dos mais ricos em recursos hídricos e abriga 12% de toda a água potável do mundo. Esse precioso líquido, porém, não se distribui de maneira uniforme pelo território nacional. Cerca de 72% das reservas encontramse nos rios da Região Norte, que reúne menos de 5% da população nacional (veja mapa das regiões hidrográficas acima). Em 2013, enquanto os nordestinos pediam chuva para o cantarino, as populações ribeirinhas dos rios da Bacia do Amazonas torciam para que parasse de chover. No Amazonas, 26 municípios declararam situação de emergência, incluindo a capital, Manaus: a cheia dos rios afetou mais de 140 mil pessoas no primeiro semestre do ano.

O Brasil é rico em recursos hídricos, mas as reservas não estão distribuídas igualmente pelo território nacional

No Sudeste, os desafios ligados à água são de outro tipo, relacionados às grandes metrópoles e à falta de planejamento e manejo adequado, pois, para se tornarem potáveis para uso humano, as águas precisam passar por um processo de tratamento. Como resultado, temos uma conta difícil de fechar. Hipoteticamente, cada morador de Roraima dispõe de mais de 1 milhão de metros cúbicos de água por ano em seu Estado, enquanto um paulista não tem mais de 2,5 mil metros cúbicos, e um pernambucano, 1,1 mil metros cúbicos. Isso não significa que cada brasileiro utilize todo esse recurso: essa é a quantidade de água existente em cada estado em relação à GE atualidades 2013 | 2º semestre

87


DOSSIê

D

água

OS USOS DA ÁGUA Energia e água estão diretamente relacionadas. São elementos-chave para sistemas agrícolas, fábricas e moradias, e condições básicas para atender às necessidades humanas em alimentação, moradia e saúde.

TERMELÉTRICAS Podem usar vários tipos de combustíveis, como carvão, gás natural, óleo diesel ou urânio enriquecido. A queima do combustível aquece uma caldeira. O vapor de água move as pás de turbinas, que acionam o gerador.

INDÚSTRIA Nas fábricas, a água é usada para limpeza, resfriamento e outros processos industriais. Depois, é devolvida à natureza como resíduo.

HIDRELÉTRICAS O fluxo do rio é contido por uma barragem. A água represada passa por turbinas hidráulicas, conectadas a geradores. Quando a água passa, as turbinas giram. A potência hidráulica se transforma em mecânica e, no gerador, em potência elétrica. A energia gerada flui por fios elétricos. A água prossegue seu curso no rio.

ÁGUA E ENERGIA NO BRASIL No Brasil, a maior parte da energia elétrica é proveniente de usinas hidrelétricas, consideradas geradoras de energia limpa por usarem a força da água. Há, no entanto, impactos ambientais causados pela construção de represas, como o alagamento das áreas vizinhas e as inevitáveis mudanças na vida do rio, com alterações na fauna e flora. A energia hidráulica é mais barata do que outras, como a nuclear, e menos agressiva ambientalmente do que a do petróleo e a do carvão.

MATRIZ ELÉTRICA BRASILEIRA (2011)

81,9%

Hidráulica

6,6% Biomassa 4,4% Gás natural 2,7% Nuclear 2,5% Derivados do petróleo 1,4% Carvão e derivados 0,5% Eólica

FONTES: Agência Nacional de Águas, Balanço Energético Nacional 2012 do Ministério das Minas e Energia, Relatório Manejando Água sob Incerteza e Risco, ONU

sua população. Mas, mesmo em lugares em que há abundância, muitas vezes a população não recebe água tratada. Existem propostas para garantir a oferta de água a todos os brasileiros, tornando o resultado desse cálculo mais igualitário. Segundo especialistas, a solução, com propostas adequadas a cada região, passa por um leque como ações de controle de uso das reservas, monitoramento constante do meio ambiente, planejamento urbano eficiente, investimentos em cisternas, construção de poços e de infraestrutura de distribuição de água tratada. Um tanto da água potável não está à luz do sol, mas escondido em aquíferos, formações geológicas subterrâneas. Os especialistas calculam que essas reservas guardam um volume 100 vezes maior que o da água doce superficial existente no planeta. E o Brasil é privilegiado também nesse quesito, pois possui 27 aquíferos, incluindo um dos maiores do mundo: o Aquífero Guarani, que se espalha sob 1 milhão de quilômetros quadrados, pelo subsolo de oito estados do Centro-Oeste, Sudeste

88 GE atualidades 2013 | 2º semestre

e Sul do Brasil. O restante está sob os territórios de Uruguai, Paraguai e Argentina. Há estudos apontando que o depósito reserva 37 mil quilômetros cúbicos de água, volume suficiente para abastecer, sozinho, a população brasileira por muitos séculos. Mas ainda é difícil ter precisão nos cálculos, pois há poucas pesquisas a respeito, e calcular tais reservas é uma tarefa complexa, como no caso do Aquífero de Alter do Chão, na Região Norte (veja mapa na pág. 87). O uso das reservas hídricas do subsolo requer planejamento. Os aquíferos abastecem rios e poços, mas, se sua água for retirada num ritmo mais intenso do que o de reposição natural (que é muito lento), o nível pode descer perigosamente. A poluição também ameaça os reservatórios: o Guarani corre risco nos pontos em que a água aflora naturalmente à superfície. Já há sinais de contaminação por esgoto e agrotóxicos, que chegam até o subsolo quando jogados por indústrias e fazendas e são absorvidos, particularmente no Rio Grande do Sul e no interior de São Paulo.

A pressão das cidades

A alta taxa de urbanização do Brasil agrava a desigualdade no acesso à água potável, tanto pela poluição quanto pelo esgotamento dos mananciais. Para abastecer os cerca de 20 milhões de moradores da Grande São Paulo, por exemplo, a Bacia do Alto Tietê e as Represas Billings e Guarapiranga não são mais suficientes há tempos. A solução encontrada foi bombear água de outras bacias, mais distantes. Como consequência, mais de metade da água consumida na região metropolitana da cidade vem da Bacia do Rio Piracicaba, a cerca de 70 quilômetros da capital. Essa transferência forçada de recursos hídricos exerce pressão sobre a oferta de água para os centros urbanos, as indústrias e as plantações do interior paulista. Um período de estiagem maior, às vezes, força a população a racionar o consumo. O crescimento desordenado das cidades agrava a dificuldade de acesso a água em qualidade e em quantidade satisfatórias. A falta de planejamento, com a verticalização das construções


CONSUMO DE ÁGUA NO BRASIL (2011) RESIDÊNCIAS Nas moradias e escritórios, a parte mais significativa da água volta ao ambiente como esgoto.

AGRICULTURA Na agricultura, por meio da irrigação, grande parcela da água é incorporada à produção.

A maior parte da água consumida no país vai para o setor de agricultura, que a utiliza de maneira intensiva.

1% 9% 11%

População rural

7%

Indústria

População urbana Pecuária Agrícola

72% CONSUMO

ÁGUA VIRTUAL É a quantidade de água usada, direta ou indiretamente, na produção de um bem. Em produtos de origem animal, a maior parte da água virtual tem origem na produção da ração para alimentar a criação

Uma pessoa bebe de 2 a 4 litros de água por dia

(prédios), sobrecarrega as estruturas já existentes nas ruas, que muitas vezes não suportam a quantidade de água que agora passa por ali – milhões de litros se perdem por vazamento nos canos subterrâneos das cidades. Segundo um estudo do Instituto Socioambiental (ISA), as capitais brasileiras perdem, diariamente, quase metade da água captada durante a distribuição – um volume suficiente para abastecer 38 milhões de pessoas. Sozinha, a cidade do Rio de Janeiro joga fora mais de 1,5 milhão de metros cúbicos por dia – o equivalente a mais de 600 piscinas olímpicas. A maior parte desse desperdício deve-se a vazamentos na rede de distribuição, por excessivo crescimento urbano e a falta de manutenção de uma rede inadequada às novas condições. Loteamentos clandestinos e vias públicas à beira de mananciais e em áreas de várzea, normalmente inundadas pelo fluxo dos rios em períodos de cheia, ameaçam as fontes com a poluição por esgoto e lixo, industrial e doméstico. Ao mesmo tempo, a grande concentração de vias pavimentadas

Uma pessoa come de 2 000 a 5 000 litros de água virtual por dia embutidos na comida

O crescimento urbano acelerado e desordenado agrava os problemas de acesso à água de qualidade

Veja quantos litros de água são usados para se obterem diferentes produtos Ovo (40 g) 135 L 200 L Copo de leite (200 ml) Carne bovina (150 g) 720 L 2 000 L Camiseta de algodão Par de sapatos de couro

8 000 L

e de edifícios de concreto aquece a atmosfera sobre as grandes cidades, criando as chamadas ilhas de calor, que atraem nuvens pesadas e tempestades. O solo impermeabilizado (coberto pelo asfalto ou por construções) não permite que a água das chuvas penetre até os lençóis freáticos. Resultado: grandes enchentes durante o verão, período de chuvas na região. Falta no sertão, transborda nas metrópoles. A água é um recurso natural barato para o brasileiro. Talvez venha daí o desperdício que ocorre no país, facilitado pelo descuido do cidadão – seja lavando uma calçada ou deixando a torneira aberta enquanto escova os dentes.

Do meio ambiente à mesa

A água que sai das torneiras e chuveiros, ou mesmo a que ocupa a garrafinha nos supermercados, só chega até nós porque existe uma rede de captação, distribuição e tratamento. A água é utilizada de diversas formas, no nosso modo de vida atual, nas quais é essencial para atender às necessidades humanas em alimentação, moradia e saúde. Nem GE atualidades 2013 | 2º semestre

89


todos os brasileiros têm ainda acesso a água de boa qualidade. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2011, apesar de 84% dos domicílios contarem com rede geral de abastecimento, menos de 65% possuem rede de coleta. No Norte, a taxa é de 20% (veja na pág. 150). Ainda que distribuída de maneira desequilibrada pelo território nacional, há abundância do recurso vital: estima-se que o Brasil use menos de 10% do total de sua água doce disponível. A maior parte desse uso ocorre na agricultura e na pecuária (veja infográfico na pág. 89). Também em termos mundiais, a agropecuária é a maior consumidora dos recursos hídricos: 70% da água captada no planeta destina-se às plantações e criações de rebanhos. A indústria fica com outros 22%, e o uso doméstico, com apenas 8%. Mas essas percentagens variam segundo o desenvolvimento de cada nação. Em países menos desenvolvidos, o volume absorvido pela agricultura pode ultrapassar os 80% da água consumida, enquanto nos mais industrializados, não passa de 30%. Do ponto de vista econômico, água e energia estão diretamente relacionadas. No Brasil, a maior parte da energia elétrica é proveniente de usinas hidrelétricas, consideradas geradoras de energia limpa por usarem a força da água. Mas, é claro, existem impactos ambientais causados pela construção de represas, como o alagamento das áreas vizinhas e as inevitáveis mudanças na vida do rio, com alterações na fauna e flora (veja mais na pág. 134). Todos os produtos e serviços que a sociedade consome – de alimentos e computadores a eletricidade e transporte público – dependem da água, como matéria-prima, para serem fabricados ou realizados. A quantidade de água usada em cada produto ou serviço chama-se água virtual (veja infográfico na pág. 89).

90 GE atualidades 2013 | 2º semestre

D

água

divulgação

DOSSIê

A força da água Usinas hidrelétricas, como a de Xingu (PA), são responsáveis pela produção de energia limpa, mas geram impactos no entorno

A maior parte da água que utilizamos vai para a agricultura, enquanto a menor parcela serve para uso doméstico

O total de água consumida direta ou indiretamente por um indivíduo ou toda uma população ao longo de determinado período recebe o nome de pegada hídrica. A pegada hídrica leva em conta não apenas a água agregada aos produtos, mas também o volume poluído na cadeia produtiva. Quanto mais desenvolvida e industrializada é uma nação, maior é sua demanda por água. Esse é um conceito fundamental para o desenvolvimento sustentável, que garante o crescimento econômico e o desenvolvimento social no presente sem comprometer o bemestar das gerações futuras. Nem todos os países deixam uma pegada hídrica equivalente à disponibilidade de água em seu território. Os países pobres em água importam alimentos ou produtos industriais e, com eles, na forma de água virtual, os recursos hídricos de outras regiões da Terra. É por esse mecanismo que os chineses, cuja economia cresce rapidamente, afetam indiretamente as bacias hidrográficas brasileiras quando compram nosso frango. No sentido inverso, os brasileiros consomem parte da água das


Saiu na imprensa

RONALDO KOTSCHO

O sol bate nas pálpebras como numa porta a socos

sertão verde Irrigação no Vale do São Francisco: a transposição quer levar água para outras bacias, estendendo a lavoura no semiárido

bacias chinesas em cada eletroeletrônico fabricado lá do outro lado do globo. Uma vez que a agropecuária consome muito mais água do que a indústria, ao exportar, o Brasil degrada suas reservas hídricas mais do que a China.

Mercado da água

A água é considerada um bem natural de direito universal. Porém, a ameaça de escassez hídrica no mundo leva os governos a adotarem, cada vez em maior número, políticas de cobrança pela água. Dentro dessa visão, ela passa a ser uma commodity – matéria-prima básica –, como petróleo e soja, com padrão de qualidade e preços estabelecidos pelo mercado. Vários países, como Alemanha, França e Reino Unido, já cobram pela água. No Brasil, a ideia data de 1934 e foi retomada como ferramenta de gestão dos mananciais na Política Nacional de Recursos Hídricos, no fim dos anos 1990, com a criação da Agência Nacional das Águas (ANA). Não confunda essa cobrança com a conta mensal que chega à sua casa: a empresa de águas de seu esta-

do ou município cobra pela distribuição da água e pelo tratamento do esgoto, e não pela água em si. Mas isso poderá mudar. Desde 2003, vários estados e o Distrito Federal já aprovaram leis que estabelecem a cobrança. O princípio é que empresas de abastecimento e saneamento paguem ao governo pela água captada dos rios e repassem esse custo aos milhões de usuários aos quais ela é distribuída. Outros tipos de empresas, dos setores industrial, agrícola e de energia, também devem pagar pela água – mas pagar menos, se devolverem a água limpa aos rios. A cobrança pelo uso da água nos rios de domínio da União, hoje restrita a quatro bacias hidrográficas, pode se estender ainda em 2013 para as bacias do Paranaíba, que banha Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal, e do Verde Grande, integrante da Bacia do São Francisco. As bacias interestaduais que já cobram pelo uso dos recursos hídricos são as dos Rios Paraíba do Sul, Piracicaba, Capivari, Jundiaí, São Francisco (que envolve sete estados) e Doce.

Há uma calamidade em andamento e ninguém dá um pio. A desgraça é a seca no Nordeste. O governador Jaques Wagner, da Bahia, procura todas as manhãs na internet notícias sobre a chuva na região do semiárido. E há meses fecha o computador desolado: nem um pingo d’água. Desde que a chuva começou a ser medida no Polígono das Secas, que vai do norte de Minas até o Piauí, jamais houve uma estiagem como a de agora. Das 417 cidades baianas, metade está com o estado de emergência decretado. Mais de 4 milhões de nordestinos foram diretamente atingidos. Meio milhão de vacas e cabras morreu de inanição. Começa a faltar água para fazer comida e tomar banho em cidades de até 40 mil moradores. (...) A mudez é das emissoras de televisão e rádio, dos grandes jornais e revistas do Sudeste. Não há manchetes nem documentários ou capas sobre o flagelo. Se muito, aparecem de quando em quando reportagens burocráticas, que indefectivelmente terminam com imagens de carcaças de bestas se decompondo no solo rachado da caatinga. (...) Jaques Wagner é realista. Mesmo que houvesse comoção nacional com a seca, ele acha complicado fazer com que a ajuda chegue aos flagelados. No Rio e em São Paulo, é fácil doar roupas e alimentos a quem perdeu tudo nas enchentes. No interior do Nordeste, as pessoas precisam de água, e o aumento e a circulação de caminhões-pipa dependem da logística implantada por governos. (...) Revista Piauí, abril de 2013

GE atualidades 2013 | 2º semestre

91


DOSSIê

D

água

Um problema que afeta a todos

T

al como no Nordeste brasileiro, há diversos pontos do mundo em que a escassez hídrica é motivo de êxodo da população e alvo de políticas públicas. Em termos globais, a oferta de água corre o risco de entrar numa crise profunda, pressionada cada vez mais pelo crescimento demográfico, pelas mudanças climáticas, pela contaminação de fontes e pelo desperdício. A crise é menos uma questão de insuficiência real, e mais de mau gerenciamento do uso dos recursos hídricos. A falta de água afeta não só a saúde humana, mas também o desenvolvimento socioeconômico da sociedade e o rumo das relações entre nações. Diante do cenário em que a escassez hídrica atinge 11% da população mundial, a Unesco (entidade da ONU voltada para a educação, a ciência e a cultura) declarou que 2013 é o Ano Internacional de Cooperação pela Água. A iniciativa tem o objetivo de alertar para a necessidade de administrar melhor as fontes de água, que estão sendo afetadas pelo aumento do consumo e pelo uso desequilibrado desse recurso fundamental. As perspectivas são preocupantes: a ONU estima que, se as políticas em relação à água não mudarem, 1,8 bilhão de pessoas estarão vivendo em zonas muito secas e dois terços da humanidade estarão sujeitos a alguma restrição no acesso à água em 2025.

Crise silenciosa

O planeta já enfrenta uma crise de abastecimento de água, apesar de isso não significar que o líquido esteja diminuindo. A água que circula por mares, rios e lagos, que está guardada nos depósitos subterrâneos e nas calotas polares, como gelo, ou que circula em forma de umidade pela atmosfera, tem um

92 GE atualidades 2013 | 2º semestre

volume quase constante, que demora milhões de anos para ser alterado. Essa quantidade quase não se altera pois a água está em eterno processo de reciclagem natural: evapora, desaba como chuva, escorre para o fundo da terra e retorna para a superfície, de onde volta a evaporar, no chamado ciclo da água (veja o infográfico na pág. 95). Por isso, a água é um recurso renovável. Afora uma pequena parcela que, quando desmembrada pelos raios solares em hidrogênio e oxigênio, deixa a atmosfera do planeta, a água que hoje usamos para matar a sede e para o banho é composta das mesmas moléculas que formaram os mares em que nadaram os primeiros peixes, as chuvas que molharam os dinossauros e o gelo que recobriu grandes partes do planeta nas eras glaciais. Mas um recurso renovável não se mantém, necessariamente, inesgotável e com boa qualidade todo o tempo. Tudo depende do equilíbrio entre a renovação e o consumo. Existem fatores naturais que limitam o volume de água disponível para os seres humanos. Muitos povos vivem em zonas áridas, e mesmo regiões ricas em recursos hídricos podem passar esporadicamente por secas que afetam os mananciais. Isso sempre foi assim. A diferença, na situação atual, é que enfrentamos uma ameaça de escassez crônica de proporções globais cuja grande causa é a atividade humana. O consumo crescente e o desperdício, a contaminação dos mananciais e as alterações climáticas que a Terra está passando desequilibram a relação entre a oferta e a demanda de água doce em boas condições para o uso do ser humano. Avaliar o volume total de água no planeta é uma ciência pouco exata. Os especialistas reconhecem que muitos dados são pouco confiáveis e os números podem variar. Ainda assim, a estimativa sobre o volume de água potável a que o homem tem acesso apresenta

O comprometimento das fontes de água provocado pelas ações humanas já é motivo de preocupação global

vital e escassa Criança se banha em favela de Bangladesh: o crescimento urbano desordenado dificulta a universalização de acesso à água tratada Kibae Park/UN Photo


GE atualidades 2013 | 2ยบ semestre

93


DOSSIê

D

água

TERRA, PLANETA ÁGUA Mais de 97% da água presente no planeta Terra é salgada. Do restante, a água doce, apenas 0,4% está na superfície terrestre, circulando pelos rios e lagos, na umidade do ar e do solo e nos seres vivos

2,5% DESTE TOTAL DE ÁGUA DOCE NO MUNDO

ÁGUA DOCE

ÁGUA SALGADA

35 MILHÕES DE KM³ 10,5 milhões de km³ de água doce subterrânea em aquíferos

30,1%

valores bem aceitos na comunidade científica. Esses valores demonstram que, apesar de a Terra ter três quartos de sua superfície submersos, a parcela de água à disposição da humanidade é, em relação ao volume total, muito pequena (veja o infográfico acima). Do total de 1,39 bilhão de quilômetros cúbicos de água que revestem o globo, apenas 2,5% são de água doce. Além disso, a maior parte da água doce não está ao alcance do homem – está congelada nas geleiras e calotas polares ou escondida em depósitos subterrâneos. A quantidade de água a que o homem tem acesso fácil – a superficial, de rios, lagos e pântanos – é de, no máximo, 0,4% da água doce existente no mundo. Contamos com isso para matar a sede, cuidar da higiene, gerar energia e produzir alimentos e bens industriais. No fim das contas, é água mais do que suficiente. Mas, segundo a ONU, uma a cada nove pessoas no mundo não tem acesso à água potável em quantidade necessária para garantir sua saúde, nem um padrão de vida que reflita um bom desenvolvimento social e econômico.

94 GE atualidades 2013 | 2º semestre

1,39 BILHÃO DE KM³ 24,4 milhões de km³ em geleiras e subsolos congelados

69,5%

Causas da escassez

Se o problema não é a quantidade, então o que está causando uma crise global de água? A resposta é a combinação de diversos fatores: o crescimento populacional, a expansão do consumo associada à melhoria dos padrões de vida, mudanças alimentares, aquecimento do planeta e mau gerenciamento estão aumentando as pressões sobre o abastecimento local e mundial de água. Essas variáveis passam por mudanças rápidas e muitas vezes imprevisíveis. A população mundial cresce aceleradamente. Em 1950, éramos 2,5 bilhões de pessoas, e, em 2011, 7 b ​​ ilhões. Segundo as estimativas da ONU, passaremos a 8,3 bilhões em 2030 e a 9,3 bilhões em 2050. Os efeitos desse aumento populacional é sentido em várias regiões. O crescimento demográfico não significa apenas mais torneiras, descargas sanitárias e chuveiros nas residências. Significa, principalmente, que as sociedades precisam gerar mais energia e produzir cada vez mais, tanto no campo quanto nas fábricas (veja infográfico na pág. 88). Os cálculos indicam que

97,5%

132 mil km³ de água doce superficial em lagos, rios, plantas, animais, umidade do ar e do solo ÁGUA QUE ABASTECE A HUMANIDADE 0,4%

precisaremos de 60% a mais de energia vindas de hidrelétricas e de outras fontes renováveis. O desenvolvimento industrial e agropecuário é hoje responsável pelo consumo de 90% de toda água usada pela humanidade. E, quanto mais rica é uma população, maior é o consumo de água por pessoa, tanto no uso doméstico quanto por meio de sua alimentação e seu modo de vida. Com mais gente, prevê-se que, em 2030, a demanda por comida aumentará em 50% em todo o planeta. A disparidade entre o consumo de água por ricos e pobres expressa uma perversa lógica de mercado. À população carente sem acesso ao serviço de fornecimento de água restam duas tristes opções: ou longas caminhadas diárias até poços e reservatórios, ou a compra de água de fornecedores particulares – agueiros ou caminhões-pipa. Nas duas situações, os prejuízos econômicos e sociais são imensos: estima-se que os africanos gastem 40 bilhões de horas a cada ano só no trabalho de coleta de água em pontos distantes e de transporte para suas casas.


PRECIPITAÇÃO X EVAPORAÇÃO Em mil km3/ano

CICLO DA ÁGUA O ciclo hídrico é essencial para a vida humana no planeta. Também chamado de ciclo da água, é o movimento contínuo da água presente nos oceanos, nos continentes (superfície, solo e rocha) e na atmosfera. Esse movimento é alimentado pela força da gravidade e pela energia do sol. A falta de água para uso humano não é um problema da natureza: é o resultado da ação humana sobre ela.

74 MIL KM /ANO

119 MIL KM /ANO

3

Todo ano, 577 mil km3 de água fluem pelo ciclo hidrológico. São

503 MIL KM /ANO

3

Evapotranspiração nos continentes

3

Precipitação nos continentes

Evaporação nos oceanos

458 MIL KM /ANO 3

Precipitação nos oceanos

18 BILHÕES DE LITROS DE ÁGUA POR SEGUNDO

que evaporam, transformam-se em nuvens, caem na forma de chuva, congelam nos montes mais altos e infiltram-se no solo.

45 MIL KM /ANO Chuva em terra que retorna aos mares 3

pelos rios, fluxos subterrâneos e glaciares

AMEAÇAS AO CICLO HÍDRICO FIM DE GELEIRAS Cientistas estimam que 80% das geleiras do Himalaia e dos Andes possam sumir em 30 anos devido ao aquecimento global. A vazão dos rios pode diminuir.

ESGOTO SEM TRATAMENTO Contamina as fontes subterrâneas de água e espalha doenças ligadas diretamente ao consumo de água contaminada.

IMPERMEABILIZAÇÃO O solo impermeabilizado prejudica a recarga dos aquíferos e favorece as inundações e o assoreamento de rios.

Mau gerenciamento

Talvez o maior exemplo de como a ação humana interfere na água disponível no planeta esteja na Ásia Central, no Mar de Aral. Significa “mar das ilhas”, mas hoje pouco restou do corpo de água que dava nome ao local. Encravado entre o Uzbequistão e o Cazaquistão, o Aral era o quarto maior lago do mundo até 1960, ocupando uma área de 68 mil quilômetros quadrados – o equivalente a cerca da metade do Ceará. Hoje, não restam nem 10% de sua área original. O desastre é fruto de projetos muito mal concebidos na época da União Soviética: as águas dos Rios Amu e Syr, que alimentam o Aral, foram desviadas para irrigar lavouras em extensões desérticas daquela parte do mundo. Em pouco tempo, o lago começou a ver suas águas recuarem, numa dinâmica que não parou mais. Além de supersaturada de sal, a água que resta está bastante poluída por agrotóxicos oriundos das lavouras nas proximidades. Em condições tão adversas, todo o ecossistema do Aral ficou comprometido, e o clima próximo

Projetos desastrosos destruíram o Mar de Aral, o quarto maior lago do mundo até o início da década de 60

FIM DOS AQUÍFEROS O uso descontrolado dos aquíferos produz um consumo da água subterrânea maior do que a taxa de reposição.

EFLUENTES TÓXICOS Substâncias poluidoras, como os pesticidas, tornam os efluentes industriais e agrícolas muito tóxicos.

tornou-se mais desértico. As antigas ilhas surgiram na paisagem como cumes de áridas montanhas. A insalubridade afeta a saúde humana. Arrastada pelos ventos, a areia poluída do leito seco espalha-se por quilômetros, afetando as populações. Como resultado, aumenta a incidência de doenças respiratórias, de fígado e dos rins e os casos de câncer. Os especialistas consideram impossível devolver ao Aral a configuração e as características de 50 anos atrás. Mais fácil é corrigir a salinidade e a poluição em algum bolsão, isoladamente. O Cazaquistão realizou uma experiência no lago norte em 2005, construindo um grande dique para reter a água no que restava do mar. Com a ação, o nível da água subiu e a salinidade caiu. Os peixes voltaram e, com eles, a pesca – atividade econômica que garante a sobrevivência de comunidades locais. Para os lagos no sul, as perspectivas não são tão boas. É que as obras, muito maiores, exigem dezenas de bilhões de dólares e dependem de acordos difíceis de se concretizarem entre as nações que dividem a Bacia do Rio Amu. GE atualidades 2013 | 2º semestre

95


DOSSIê

D

água

OS CONFLITOS POR ÁGUA NO MUNDO A disputa pela água, recurso essencial para a sobrevivência, é uma marca histórica nas regiões mais secas do mundo. Nas últimas décadas, o crescimento demográfico e as pressões econômicas da globalização acirram as tensões nesses locais. Os mananciais são focos potenciais de disputas, guerras e revoltas, principalmente em regiões áridas de fronteiras. O controle de fontes de água pode se tornar um dos principais motivos de guerras no século XXI.

ESCASSEZ FÍSICA E ECONÔMICA NO MUNDO Pouca ou nenhuma escassez. Menos de 25% da água dos rios é retirada Aproximando-se da escassez física

Para a ONU, a escassez física ocorre quando recursos hídricos se aproximam ou excedem os limites de sustentabilidade: mais de 75% do fluxo dos rios é usado para consumo doméstico, da indústria ou da agricultura. Escassez econômica ocorre quando questões financeiras ou institucionais limitam o acesso à água, embora haja recursos naturais para consumo.

Escassez física. Mais de 75% da água dos rios é retirada Escassez econômica Sem estimativas CONFLITOS RECENTES

SECA À VISTA Segundo projeções da ONU para 2050, mais áreas sofrerão escassez hídrica, tanto devido a mudanças climáticas, quanto a fatores socioeconômicos

Menor falta de água

Maior falta de água

PERU, 2012 Protestos pela qualidade da água e direitos de posse. Dois manifestantes são mortos e 50 ficam feridos nas minas de cobre de Xstrata Tintaya.

Fontes: Mapa Cronológico de Conflitos de Água, do Pacific Institute, e Relatório de Desenvolvimento da Água das Nações Unidas, 2012.

Fontes de conflitos

O exemplo do Mar de Aral revela uma das facetas da crise global de água, pois as necessidades econômicas acirram, cada vez mais, disputas pelo precioso líquido. O principal foco de briga está nos rios e bacias compartilhados por dois ou mais países. Essa foi uma das motivações do Ano Internacional de Cooperação pela Água. A palavra “cooperação” ganha um caráter estratégico: a ONU espera que as sociedades desenvolvam mecanismos de ação compartilhada para manejar as fontes hídricas capazes de gerar benefícios econômicos e melhorias no padrão de vida das populações envolvidas. Além disso, o termo não deixa de ter um apelo pacifista, à

96 GE atualidades 2013 | 2º semestre

medida que os conflitos pelo controle das fontes de água são uma realidade em vários pontos do planeta. Um exemplo é o Rio Nilo, que, ao atravessar o Deserto do Saara, é a base da vida no Egito há milhares de anos. Antes de atingir o território egípcio, suas águas atravessam diversos países, como o Sudão, a Etiópia e o Quênia. As águas podem ser afetadas por barragens, uso excessivo ou poluição na parte superior da bacia antes de chegar ao Egito. As políticas de gestão do Nilo, por isso, são assunto importante na relação entre o Egito e seus vizinhos. No mundo, existem mais de 200 aquíferos localizados em subterrâneos de mais de uma nação, como o Guarani –

que se estende sob o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Há mais de 260 bacias hidrográficas transnacionais, que abrangem 148 países e 40% da população mundial. Os especialistas estimam que, se tais recursos não forem bem manejados em conjunto pelas nações envolvidas, pode-se criar um contingente de 100 milhões de migrantes nas próximas duas décadas. Avaliam também que, no século XXI, a água pode ser o principal deflagrador de guerras. O Instituto Pacífico, especializado no tema, contabiliza mais de 50 episódios de confronto militar, revoltas populares ou ataques terroristas relacionados ao acesso à água, entre 2000 e 2012 (veja o mapa acima).


COLINAS DE GOLÃ São o centro da discórdia nas relações entre Israel e a Síria. As montanhas, na fronteira norte de Israel, foram ocupadas durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Militarmente estratégicas, em razão de sua altitude, as colinas também são de grande importância devido às suas fontes de água, sobretudo as do Jordão, principal rio da região.

SÍRIA, 2012 Em novembro, grupos que lutam contra o governo do presidente Bashar al-Assad capturaram a hidrelétrica de Tishrin, no Rio Eufrates, após dias de combate. A represa é considerada de importância estratégica para o país.

QUÊNIA E UGANDA, 2012 Em busca de água e pastagem, pastores quenianos atravessam a fronteira com Uganda e entram em conflito com pastores ugandenses.

ÁFRICA DO SUL, 2012 Moradores pobres da Cidade do Cabo fazem protestos contra a qualidade da água e a constante escassez do serviço. Eles queimam pneus, destroem carros e atacam a polícia.

O atual conflito na Síria tem como um dos panos de fundo a disputa pela água. Depois que Bashar al-Assad assumiu, em 2000, passou a favorecer os grandes fazendeiros, que acumularam terra e extraíram do subsolo a água sem qualquer controle, reduzindo as reservas hídricas do país. As dificuldades para manter as lavouras acabou por expulsar pequenos agricultores do campo, e a seca que atingiu o país entre 2006 e 2011 acentuou o êxodo rural. Os centros urbanos incharam, e o governo não conseguiu prover serviços adequados a uma massa de crianças que chegava ao início da vida adulta com grande descontentamento com a situação, quando o conflito começou (veja mais na pág. 38).

PAQUISTÃO, 2010 Duas semanas de conflito resultam em mais de 100 mortos em Parachinar, perto da fronteira com o Afeganistão. Tudo começou quando o grupo Shalozan Tangi cortou o fornecimento de água do grupo rival Shalozan.

CHINA, 2008 O governo chinês endurece a repressão política na região do Tibete. O acesso à água é um dos pontos que torna o território estratégico, já que o planalto tibetano é fonte de água doce para quase um quarto da população do mundo.

DARFUR Os conflitos em Darfur, no oeste do Sudão, entre dois grupos étnicos, envolve a disputa pelo controle do uso da terra e do acesso à água, em uma região árida.

MALI E BURKINA FASO, 2012 Acordo de compartilhamento de água e pastagens entre os dois países é revogado e conflitos se estendem ao longo da fronteira.

TANZÂNIA, 2012 Conflito entre pastores e agricultores se espalha por todo o Vale Rufiji. Eles disputam acesso à água após um período de seca prolongada.

ÁSIA CENTRAL, 2012 Tensão aumenta nas fronteiras entre os países por causa de propostas de construção de barragens no Quirguistão e no Tajiquistão. Elas afetariam o fornecimento de água no Uzbequistão, Cazaquistão e Turcomenistão.

ÍNDIA, 2012 Milhares de agricultores protestam contra a decisão do governo de abrir as comportas de barragens no Rio Cauvery. Com a seca, os moradores queriam reter a água em sua região.

Além de provocar êxodo populacional, a disputa por água pode ser o principal motivo de conflitos no século XXI

Um dos casos mais persistentes de disputa pela água, que também envolve a Síria, é a tensão permanente, há décadas, entre o país e Israel, na disputa pelas Colinas de Golã, região síria ocupada militarmente pelos israelenses em 1967. Além da importância militar, em função de estarem em um terreno elevado, as colinas abrigam as nascentes do Jordão, o principal rio da região. As águas do Jordão são de uso vital para as populações da região, inclusive para palestinos, que dependem de Israel para ter acesso a elas. A preocupação aumenta, pois o Rio Jordão vem perdendo volume de água, e as margens do Mar Morto, onde ele deságua, estão recuando. GE atualidades 2013 | 2º semestre

97


DOSSIê

D

água

SUA SAÚDE PASSA PELA ÁGUA Dados do Relatório em Saneamento e Água Potável de 2013, produzido pela Organização Mundial da Saúde e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância

POPULAÇÃO COM ACESSO A ÁGUA LIMPA (2011)

Menos de 50% 50% a 75% 76% a 90%

Cerca de

33%

da população mundial não tem acesso a banheiro com sistema de esgoto

91% a 100% Dados insuficientes

POPULAÇÃO COM ACESSO A SANEAMENTO BÁSICO (2011)

Mais de

700

MILHÕES

de pessoas não têm acesso a água totalmente potável (2011) Menos de 50%

Esses problemas geram doenças como diarreia, cólera, dengue, febre amarela e malária, e poderiam ser evitados com políticas de ampliação de saneamento e universalização de água potável. Fonte: Progress on drinking water and sanitation – 2013 – Unicef

50% a 75% 76% a 90% 91% a 100% Dados insuficientes

Questão de saúde

Uma das bases da vida humana, o acesso à água de boa qualidade está diretamente ligado à saúde. A ONU considera que desenvolvimento socioeconômico e água são fatores interdependentes. Sem água, não é possível sobreviver. Mas o excesso dela também atrapalha: enchentes forçam pessoas a deixarem suas casas, além de transmitirem doenças. Sem água limpa, a população adoece. E sem saúde, as crianças têm dificuldade em aprender e os adultos, em trabalhar. Forma-se um círculo vicioso: sem trabalho e aprendizado, uma população permanece subdesenvolvida e pobre – o que contribui para mais desinformação e maior incidência de doenças. Estima-se que, no mundo todo, mais de 700 milhões de pessoas não tenham acesso à água potável e 2,3 bilhões careçam de esgoto tratado (veja mapa acima). A água transmite ou está relacionada com a transmissão de diferentes tipos de enfermidades, divididos em quatro grupos de acordo com os tipos de transmissão:

98 GE atualidades 2013 | 2º semestre

Uma população doente permanece pobre e subdesenvolvida, presa num ciclo perverso de desinformação

• Águas fluviais contaminadas: transmissão direta por meio da ingestão ou contato com água não tratada. Exemplo: a diarreia, que mata mais de 2 milhões de pessoas a cada ano. • Contaminação por falta de água: acontece quando a quantidade de água disponível não é suficiente para a higiene pessoal. Exemplo: a diarreia. • Doenças causadas por agentes patogênicos, pelo consumo de alimento contaminado ou pelo contato interpessoal: são transmitidas por organismos que vivem na água ou precisam dela em seu ciclo de vida. Exemplo: a esquistossomose, que afeta 200 milhões de pessoas a cada ano. • Contaminação por hospedeiros: são transmitidas por insetos que têm seu ciclo de vida ligado à água. Exemplos: a dengue, a febre amarela e a malária. Juntas, essas doenças causam 1,5 milhão de mortes por ano no mundo. As maiores vítimas das doenças são as crianças de países pobres e em desenvolvimento: do total de pessoas que morrem anualmente de diarreia, 90%


Re sum o Água SECA NO NORDESTE A escassez de água no sertão é um fenômeno natural, provocado principalmente por mecanismos de circulação de ventos no planeta, mas seu prolongamento está afetando mais de dez milhões de brasileiros. Para atenuar o problema no Polígono das Secas, o Estado brasileiro desenvolveu políticas públicas de combate aos efeitos da escassez.

Marco Dormino/UN Photo/UNICEF

BRASIL Com 12% de toda a água doce superficial do planeta, o país tem seus mananciais mal distribuídos em relação à densidade demográfica de cada região. A falta de serviços de tratamento de esgoto afeta grande parte da população, tanto na periferia das grandes cidades quanto no meio rural.

têm abaixo de 5 anos. Mesmo quando não causa a morte diretamente, a água contaminada provoca enfermidades que debilitam o indivíduo, tanto física quanto mentalmente. É o caso da esquistossomose, que retarda o crescimento e afeta a capacidade de aprendizagem das crianças. Para quase todas as doenças, a contaminação poderia ser evitada com água limpa e uma rede de tratamento de esgoto. A difusão de hábitos de higiene, o monitoramento de represas e o cuidado com a limpeza de vegetações aquáticas e controle de pântanos também são mecanismos de combate à difusão dessas enfermidades. Essas medidas fariam a mortalidade infantil diminuir drasticamente no mundo e, como resultado, haveria o aumento da expectativa de vida da população mundial. A solução da crise de água em toda sua extensão – enfrentamento de secas, medidas contra a desertificação e as enchentes, gerenciamento adequado das fontes hídricas – exige investimento maciço de recursos com objetivo de ampliar o acesso universal aos serviços

haiti DOENTE Menino de Porto Príncipe compra água: a epidemia de cólera, doença transmitida por água contaminada, matou mais de 8 mil pessoas desde 2010

de fornecimento de água e saneamento, além de acordos efetivos entre países para a cooperação no uso da água. Os especialistas apontam também a necessidade de mudança nos padrões de produção e consumo, para evitar o desperdício de água nas esferas doméstica, industrial e agropecuária. • PARA IR ALÉM Entre Rios, de Caio Silva Ferraz. O vídeo de 2009 conta a história da urbanização e dos rios da cidade de São Paulo. Morte e vida Severina em desenho animado, de Miguel Falcão. Vídeo. A poesia de João Cabral de Melo Neto ganha vida nos traços do ilustrador. Estórias Gerais, de Wellington Srbek e Flavio Colin. A história em quadrinhos narra o enfrentamento de dois grupos de bandoleiros no sertão nordestino.

ESCASSEZ A crise de água é mais uma questão de mau gerenciamento do recurso do que de escassez natural. O acelerado crescimento demográfico, as alterações climáticas e a rápida urbanização do planeta estão entre os principais fatores que pressionam o ciclo hidrológico: consumimos água mais rápido do que a natureza tem capacidade de repor. CONFLITOS A ONU identifica 273 aquíferos e 163 bacias hidrográficas transnacionais, onde vivem mais de 40% da população mundial. A disputa pelo controle de rios e aquíferos integra as causas de alguns dos mais longos embates entre nações, como o confronto entre Israel e seus vizinhos. DOENÇAS Mais de 700 milhões de pessoas no mundo não têm acesso à água potável e 2,3 bilhões carecem de esgoto tratado. A água transmite diferentes tipos de doenças, que podem ser evitadas com investimento econômico maciço na área de saúde e universalização de água limpa e uma rede de tratamento de esgoto. Essas medidas fariam a mortalidade infantil diminuir drasticamente no mundo e, como resultado, haveria o aumento da expectativa de vida da população mundial.

GE atualidades 2013 | 2º semestre

99


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.