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74 Runner’s World [ dezembro xxx | 2013|]2013 ]

[ 1 ] f oto : x x x [ 2 ] foto : x x x co n s u lto r i a : x x x

orgulho “Fim! Sou um maratonista! Esse foi o sentimento ao cruzar a linha de chegada em Nova York ”, diz Toni


74 Runner’s World [ dezembro xxx | 2013|]2013 ]

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orgulho “Fim! Sou um maratonista! Esse foi o sentimento ao cruzar a linha de chegada em Nova York ”, diz Toni


My way “New York, New York” pode ser a trilha oficial da maior maratona do mundo. Mas, para nosso editor Antonio, o Toni, a música deveria ser outra. Ele encarou os 42 km treinando à sua maneira, correndo do seu jeito. Toni e nosso enviado especial dão suas versões da mesma história Por Antonio Carlos Castro e Sérgio Xavier Filho Fotos Renata Chede

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My way Versão oficial por Antonio Carlos Castro

quase lá! Corredores ainda “empacotados” por causa do frio pegam a balsa, rumo à largada em Staten Island, NY

A palavra é um clichê por si só. Maratona. Sinônimo de desafio, esforço absurdo, dedicação extrema. Uma experiência de superação, uma história heroica que atravessou milhares de anos e está cristalizada em nossa imaginação como a mãe de todas as roubadas. Como corredor, e com uma experiência de vários anos praticando seguidamente o esporte, não via razão para enfrentar tamanha empreitada. Nunca acreditei que correr por mais de 2 horas tenha algo de saudável. Mas, quando percebi que estaria a trabalho na semana da Maratona em Nova York, tive que rever meus conceitos… Faltavam pouco mais de três meses para a prova e me dei conta de que teria as tais 12 semanas que separam os corredores normais dos maratonistas. Sim, eu faço essa distinção. Como costuma lembrar meu colega de trabalho e de corridas Sérgio Xavier, quem está diante dos 42 km sempre tem uma grande história para contar. Não chegou lá de paraquedas. Avisei meu técnico de corrida para me incluir no grupo que iria participar das maratonas do segundo semestre. Pedi ao meu treinador na academia para preparar uma planilha de exercícios específica para o período. Além de antecipar o check-up anual para me certificar de toda a parte clínica. E assim começou minha preparação, igualzinho a todo mundo.

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Versão paralela por Sérgio Xavier Filho Não é tarefa fácil definir Antonio Carlos Castro. Editor de arte da RUNNER’S WORLD, Toni é um agitador no mundo do design. Organiza palestras, cria mostras, é um entusiasta do tema. É músico também. Baixista, toca com os amigos. Não os mesmos. Ele acompanha formações diferentes. Apesar de conhecê-lo há quase dez anos, não sei ainda qual é o seu estilo de música predileto. Jazz, rock, soul, funk, punk, ele gosta de tudo. Está sempre indo aos shows mais variados. Ciclista, costuma se meter em travessias pelas montanhas. E, claro, Toni é corredor. Ainda não descobri qual é sua vocação. Na Nike 600K, deu pinta de ser velocista. Desceu feito uma vaca louca a Serra do Mar e cravou um tempo maravilhoso. E bolhas horrorosas nos pés também. Quando o ultramaratonista Anton Kuprika veio ao Brasil, foi Toni quem o acompanhou em um treino pelas trilhas de Ilhabela. Deu pinta de ter sido talhado para a longa distância. Faltava uma maratona em seu currículo de faz-tudo. A oportunidade apareceu: uma inscrição para Nova York, logo para a mais emblemática das maratonas. Era a semana do encontro das RUNNER’S WORLD em Nova York, e lá estava eu dividindo o quarto com ele nos dias que iam anteceder a prova.


Os treinos I’ve planned each charted course

Vou ser sincero. Não foi nada fácil seguir uma rotina de seis ou sete treinos semanais, incluindo sessões de musculação e longões de mais de 20 km. Para uma pessoa que tenta abraçar o mundo como eu — trabalho, treino, toco contrabaixo em mais de uma banda, não dispenso uma festinha e muito menos um bom show de rock —, negociar com o relógio foi complicadíssimo. Era preciso estar no aniversário do melhor amigo na última semana e acordar às 6h02 para chegar a tempo do aquecimento no Ibirapuera no outro dia... Como devem imaginar, não aconteceu. Desde o início, adotei alguns princípios: comer bem, dormir o máximo e faltar o mínimo possível. Meu histórico nunca foi dos melhores, mas, neste caso, era treinar ou largar. E assim foi. Para conseguir cumprir o combinado, treinei boa parte desse tempo à noite, depois das 20h, 21h e às vezes das 22h! “Fechava” a academia três vezes por semana, pouco depois das 23h. E com meu fiel escudeiro, o jornalista Paulo Vieira, trilhamos os rumos de Pinheiros e da Cidade Universitária, em longos trotes e conversas, por várias e várias ocasiões. Raramente dava notícias aos meus técnicos. Sabia o quanto estavam preocupados porque tinham pouca ideia do que estava se passando. Sabia que o importante era cumprir as planilhas e eu tentava dar um jeito, o meu jeito... Quando cheguei ao meu último longão com mais de 30 km, duas semanas após ter feito os 25 km na Maratona de São Paulo, tive certeza de que estava preparado (para a minha própria surpresa, confesso).

Sem idade Foram 50 000 corredores na Maratona, 18 deles acima dos 80 anos

Tinha conversado com seu treinador em São Paulo. Daniel Neves, da Run & Fun, temia pela quebra. Toni não andava treinando com a turma. Em um treino importante, o longão de 32 km, Toni chegou virado do show da véspera do Iron Maiden, uma de suas 14 bandas prediletas. Perguntei como seria a estratégia de alimentação durante a corrida. “Ah, eu trouxe do Brasil umas bananinhas para comer domingo”, disse ele na antevéspera. “Bananinhas? Você precisa de um gel, precisa repor sais minerais”, eu disse, já nervoso. Quando descobri que ele nunca tinha usado um gel, fiquei mais preocupado. Percebi que nosso editor não dava muita pelota para as recomendações da revista em que trabalha. Safado!

Torcida Ao longos dos 42 km por Nova York, o público distribui sorrisos, “hi fives” e palavras de incentivo

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My way

A véspera Regrets, I’ve had a few

invasão Um dos trunfos da prova é passar por cinco distritos de NY e contar com a presença maciça de público

A chegada a Nova York foi no dia 29 de outubro, data exata do início do Shoe Summit 2013, o encontro dos editores do mundo inteiro da RUNNER’S WORLD. E no meio da intensa programação de encontros, palestras, painéis, passeios e festas encontrei um tempinho para um show de rock, claro, para fazer as duas últimas rodagens e ainda para definir uma estratégia. O Sérgio Xavier, que estava comigo representando a edição brasileira da revista, foi quem me acompanhou nessa semana. Como corredor dedicado e experiente, estava “surpreso” com minha rotina de preparação e tratou de lançar as últimas orientações sobre o frio e principalmente sobre nutrição. E realmente foram fundamentais. Eu precisaria estrear também com os géis, batatas, Coca-Cola e numa sensação térmica que arranharia o zero grau centígrado. À medida que se aproximava o domingo, 3 de novembro, data da corrida, a cidade respirava a prova. Nem as comemorações do Halloween, na quinta-feira anterior, ofuscaram as atenções em relação à maratona. Estava tudo pronto!

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Sexta-feira não é véspera, mas quase. Dia de dormir legal, de mandar pra dentro uma boa massa, ir se hidratando. Afinal, domingo tem maratona. Tínhamos dois eventos obrigatórios na noite da sexta. A entrega de prêmios da RUNNER’S aos melhores fabricantes de tênis e um evento de patrocinador. Duas festas. Eu tomei uma deliciosa cerveja artesanal. Ele também. Eu não ia correr a maratona. Ele ia. Aliás, uma cerveja não, algumas. Toni dormiu feliz na noite de sexta, bem feliz. No almoço da véspera, estávamos com seu treinador e nosso colunista Mário Sérgio Andrade Silva. Mário pediu seu atum, e os olhos de Toni brilharam quando pedi um prato de frutos do mar para mim. Nem deixei ele pensar muito. “Eu não vou correr, Toni. Você é macarrão, não inventa.” Ele aceitou resignado a bronca. Mas ainda fez uma última tentativa. “E pode ser o espaguete ao vôngoli?”, perguntou, sério. Mário o fuzilou com o olhar. Ele queria mesmo o macarrão com frutos do mar. Na véspera da prova... Reforcei a ideia de que ele não podia caminhar na véspera. Só que Toni não conhecia Nova York. O faz-tudo quer tudo. No passeio no museu, consegui negociar um meio-termo: “só” ficamos 1 hora. Mas e para tirar o cara de cada loja no caminho? Veio a noite, e quem disse que o bicho sossegava? Eu, que não ia correr mas sabia que precisaria acordar umas 4 da manhã para chegar à largada no comboio da imprensa, tratei de comer por perto do hotel e deitar logo. Toni foi pro crime, se mandou para o sul da cidade e chegou ao quarto quando já era domingo. A essa altura do campeonato, minha única dúvida era se ele quebraria antes ou depois do km 30.


A prova I’ve had my fill Acabei saindo na noite do sábado, voltei um pouco mais tarde. Mas estava feito: 5 da matina, com o céu escuro ainda, já estávamos rumo ao ponto de encontro para o ônibus que nos levaria à largada. Mais 2 horas de espera ainda me aguardavam até o início, às 9h40. Para fugir do frio e do vento, fiquei até o último momento na tenda em que estava abrigado. Resultado: perdi o horário de entrada no curral! Agora, só às 10h10! A segunda largada repete o ritual da primeira: hino americano e tiros de canhão. O chão treme e é hora de correr. De cara, a subida da Ponte Verrazano e o coração a mil por hora. Antes que viesse a segunda milha, uma longa e suave descida me fez acelerar rumo ao Brooklyn. São mais de 50 000 astros para um público de milhões. A plateia é contagiante, uma energia autêntica que justifica a fama de maior maratona do mundo. Aqueles milhões correm com você, dando apoio, água, comida e lenços ou simplesmente estendendo os braços e aplaudindo. É uma sucessão de sorrisos sem fim. A arquitetura vai mudando, os tipos vão mudando, os bairros vão se revelando. A cidade se apresenta em todos os tons para quem passa correndo. Até o km 30 eu me sentia inteiro, firme e corria num ritmo confortável. A partir desse momento, a cabeça precisa funcionar a seu favor. Dividi o resto do percurso, os famosos 12 km finais, em três partes: 5 km até o ponto de encontro com meu técnico para comer as batatas e tomar a Coca-Cola, mais 5 km até o 40, onde “não vale mais desistir”, e os últimos 2 195 metros, que são o “seja o que Deus quiser”! A subida da 1ª Avenida não vai acabar nunca? E o Central Park, sempre foi em aclive? Com 3h34min32, eu alcancei a chegada! Sou um maratonista! Um novo patamar, uma nova façanha, um orgulho que pude partilhar com todos. Dos amigos aos homeless, que abracei na chegada, só fui saudado com carinho! And more, much more than this, I did it my way!

Graças Envolto pela manta térmica da prova, Toni agradece pela conquista

Vi a largada e passei a acompanhar os passos dele pelo aplicativo da maratona no celular que informa a passagem do chip a cada tapete eletrônico. Na primeira parcial, botei a mão na cabeça. Ele estava a 4min45 nos primeiros 5 km. Ai, ai, ai. Para dar uma ideia, na melhor meia maratona de sua vida (foram poucas, aliás), Toni correu acima de 5min/km, em 1h47. O recorde dele. Aliás, na passagem da meia maratona, mais um susto. Ele fechou a metade da prova em 1h43. Um ritmo suicida pelo seu histórico. A situação só piorava quando eu lembrava que a Maratona de NY tem a segunda metade cheia de subidas. Apostei que ele teria o ritmo despencando bem antes dos 30 km. Errei. Ele baixou um pouco, mas seguiu sustentando. A prova andava e nada de o Toni quebrar. Nas piores passagens, ele registrou 5min06/km. Excelente, quase 12 km/h. E não acreditei quando ele cruzou a linha final com incríveis 3h34min32. Primeira maratona do sujeito. E na difícil Nova York, com subidas e um vento contra que atrapalhou muita gente. Não parava de pensar que ele fez tudo que o bom senso da corrida condena. Provou coisas na hora (tomou dois sachês de gel pela primeira vez na vida durante a prova), caminhou muito na véspera, dormiu pouquíssimo, iniciou forte demais. E triunfou. Fez tudo do seu jeito, à sua maneira. Sua “estratégia” não deveria servir de exemplo para ninguém. É possível que ele fizesse uma maratona ainda mais incrível se seguisse as boas dicas. Mas aí não seria o Toni, o cara que quer tudo ao mesmo tempo.

gratidão “Dos amigos aos homeless que abracei na chegada, todos me encheram de carinho”, diz Toni, emocionado

[rw]

[ dezembro | 2013 ] Runner’s World 79


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