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VEJA acompanhou durante quase meio ano a luta de Ligia, usuária de droga e mãe de um bebê de 7 meses, contra o vício que já está em 1 milhão de lares brasileiros
15/11/14 – 16h31 Depois de cinco meses sem usar drogas, Ligia Fiochi saiu de casa com a filha de 4 meses. Na foto, em transe, ela fuma crack em uma favela enquanto toma coragem para retornar. “Só mais uma pedra”, dizia ela � | 25 DE FEVEREIRO, 2015 | 79
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A TENSÃO Acima, Ligia leva a filha Lethicia, então com 3 meses, de ônibus ao hospital para exames de controle e medicação. Nos meses em que viveu nas ruas, Ligia contraiu sífilis — doença que ela começou a tratar apenas no oitavo mês de gestação
O RESULTADO Ligia recebe a notícia de que o bebê, até o momento, não apresenta nenhuma sequela da doença da mãe. O acompanhamento deverá ser realizado nos próximos dois anos. A médica e as enfermeiras comemoram e deixam-se fotografar com a menina 80 |
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LEONARDO COUTINHO FOTOS DE ANDRÉ LIOHN
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e poetas a biólogos evolucionistas, não faltaram ao longo da história tentativas de explicar, quantificar e enaltecer o sentimento mais nobre e inquebrantável do ser humano. O amor de mãe desafia as forças destruidoras da guerra, da miséria e do preconceito. Prontifica a mulher ao autossacrifício e lhe dá coragem redobrada quando se trata de salvar os filhos. Se há objetivo no amor, o materno é todo voltado para a proteção da prole. O instinto impele a mãe a ficar do lado dos filhos — para tê-los em seus braços, para assegurar-lhes as condições para crescer felizes e em segurança. O que dizer do surgimento de uma força que se tem mostrado potente o bastante para superar até o amor de uma mãe pelo próprio filho? Essa força existe, só pode ser descrita como infernal e está se espalhando pelo Brasil com o nome de crack. Essa droga barata, feita de pasta- base de coca, bicarbonato de sódio e amônia, quando inalada, leva à produção no cérebro de quatro vezes mais dopamina (um hormônio que dá sensação de prazer) do que a cocaína. Quatro em cada dez dependentes de crack têm endereço fixo. Não são, ainda, parte daquela multidão de andarilhos que vemos nas ruas, pele e osso, maltrapilhos, com o olhar petrificado. O crack está destruindo famílias, jogando no lixo décadas de estudo de suas vítimas e produzindo uma geração dickensiana de órfãos de pais vivos, abandonados em “lares sociais” para ser criados pela caridade dos outros. Muitos são filhos da classe média que, não fosse pelo crack, estariam de mãos dadas com o pai ou a mãe indo para a escola ou aprendendo a andar de bicicleta nos parques nos fins de semana. Oito em cada dez crianças abandonadas são filhas de dependentes químicos. Milhares de brasileiras engravidaram sob o efeito do crack, gestaram seus bebês drogadas e agora lutam contra o vício para não perder seus filhos. São mulheres como a ex-estudante de pedagogia Ligia Carvalho Fiochi, de 34
anos, de São Paulo, cuja história é contada nestas páginas. A reportagem de VEJA acompanhou Ligia durante pouco mais de cinco meses, começando três meses depois de ela dar à luz Lethicia. O embate entre o desejo de cuidar da filha e a vontade por diversas vezes incontrolável de usar a droga que a afasta do instinto materno é uma síntese do que enfrentam diariamente muitas outras mães brasileiras. Ligia conheceu o crack em 2008. Viciada em cocaína desde os 26 anos, ela passou a fumar “mesclado”, uma combinação de crack com maconha. A cocaína já não bastava para satisfazer sua busca pelo prazer efêmero das drogas. Nos quatro anos seguintes, o uso da mistura foi se tornando mais constante e ela passou a usar pedras de crack. Como consequência do vício, Ligia abandonou a faculdade de pedagogia e não conseguiu se manter em nenhum emprego. Diz ela: “Passei a viver na rua. Não era dona de mim. Não sentia mais fome nem sono. Só vontade de fumar mais uma pedra, depois outra, depois outra”. Quando o dinheiro evaporou, Ligia furtou em supermercados e se prostituiu em troca de pedras de crack. Ela foi contaminada com sífilis. Engravidou duas vezes. Sofreu dois abortos. “Eu me envergonho, mas é importante que as pessoas saibam que, depois que o crack vence uma pessoa, não há mais limites para o que ela possa fazer para tê-lo”, diz Ligia. Na terceira gravidez, o bebê se desenvolveu dentro dela. Ligia continuou sobrevivendo em buracos escavados por outros dependentes próximo dos alicerces de um condomínio às margens do Rio Aricanduva, na Zona Leste de São Paulo. Fumava trinta pedras de crack por dia. Às vezes, mais. Edna, sua mãe, funcionária pública, tirou-a das ruas um mês antes de Lethicia nascer.
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uando uma gestante inala o crack, as substâncias tóxicas que invadem a corrente sanguínea são levadas até o feto. Embora a placenta seja uma barreira para alguns tipos de intoxicação, ela não é impermeável às moléculas da droga, que penetram no organismo do feto, principalmente no cérebro. A � | 25 DE FEVEREIRO, 2015 | 81
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médio e longo prazo, isso poderá ter efeitos graves no desenvolvimento do bebê após o nascimento. Enquanto em um adulto os efeitos do crack duram apenas cinco minutos, no feto, por causa da imaturidade do fígado, podem se estender por horas ou dias. Está comprovado que, quando uma gestante interrompe o uso da droga, o feto passa por uma crise de abstinência ainda no ventre. Quando a mãe fuma até a véspera do parto — situação mais comum observada pelos profissionais de saúde —, a criança nasce ainda sob os efeitos da droga. Os sintomas são choro e tremores agudos, taquicardia, problemas respiratórios, vômitos e sucção exacerbada. O bebê leva até sete dias para se desintoxicar. O tratamento é semelhante ao que é reservado a dependentes adultos de crack ou cocaína, com o uso de remédios como metadona e lorazepam, só que em doses menores.
Ligia reluta em ir embora da Favela Esmaga Sapo, em São Paulo, depois de uma recaída. Só o risco de perder a guarda da filha fez com que parasse de fumar. “Quero ir para a casa da minha mãe. Se ela não quiser me receber, só aceito ser internada se for com a menina”, disse
Ligia foi internada pela mãe na Maternidade Estadual Leonor Mendes 82 |
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de Barros, em São Paulo, referência no tratamento da dependência química em gestantes e bebês. No ano passado, 71 mães viciadas em crack tiveram filhos ali. Ligia fugiu, voltou para a casa da mãe, que a levou a outra instituição, a ONG católica Amparo Maternal. Lethicia nasceu em julho, pesando 3,7 quilos e medindo 50 centímetros. Passou o primeiro mês de vida na ONG onde nasceu. Ligia aguentou firme e se manteve longe do crack, dando esperança a todos de que a maternidade operara o milagre da reabilitação. Enquanto outras mães sem recursos nem forças para evitar o consumo da droga perderam a guarda de seus bebês, Ligia foi para a casa da mãe com a pequena Lethicia nos braços. Na manhã de 14 de outubro de 2014, Lethicia estava com 3 meses de vida, e a mãe, quatro meses longe do crack. Era dia também da consulta médica mensal de Lethicia. Os exames seguem um protocolo clínico a que se submetem recém-nascidos filhos de mães viciadas em crack. Os médicos procuram sinais de possíveis
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doenças neurológicas, visuais, cardíacas ou auditivas, que, diagnosticadas cedo, podem ser tratadas com maior taxa de sucesso. Para Lethicia, o terceiro exame mensal tinha ainda mais significado: os resultados poderiam descartar a possibilidade de ela ter herdado da mãe a bactéria causadora da sífilis. Seu organismo estava livre do Treponema pallidum. A notícia foi comemorada nos corredores da maternidade. Lethicia e Ligia posaram para fotos junto com as enfermeiras e a médica.
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epidemia do crack no Brasil teve o poder de aumentar o número de crianças abandonadas e os casos de doenças venéreas. Segundo o Juizado da Infância e da Ju-
ventude de Belo Horizonte, 480 filhos de usuárias de crack foram abandonados nos hospitais e maternidades da capital mineira no ano passado. No Rio de Janeiro, cerca de 90% das crianças abandonadas têm pais dependentes. O aumento do número de usuários de crack, que passou de 200 000 para 2,5 milhões em quinze anos, é apontado também como causa de uma epidemia colateral, a de sífilis em gestantes. Segundo o Ministério da Saúde, em 2005 foram registrados 1 863 casos em mulheres grávidas. Em 2012, o número de gestantes com sífilis chegou a 7 043, e o de recém-nascidos contaminados foi de 4 447. “O crack tem levado as mulheres a fazer sexo sem prote-
ALÍVIO E DOR Acima, o reencontro de Ligia com a mãe, Edna, que a procurava fazia sete dias. Elas pouco falaram, mas choraram muito. Naquele momento, ambas estavam convencidas da necessidade de Ligia se internar. “Ela não vai poder ficar aqui, senão vai ter outra recaída. Vai ser preciso interná-la”, disse Edna
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Especial ção, e muitas vezes em troca de dinheiro para sustentar o vício”, diz o psiquiatra Marcelo Ribeiro, da Universidade Federal de São Paulo.
VULNERÁVEIS
NICK UT/AP
Crianças vítimas de um bombardeio de napalm durante a Guerra do Vietnã, em 1972, em registro feito pelo fotógrafo Nick Ut
Quando mostrar é denunciar
A
s atrocidades cometidas no Vietnã ficaram gravadas na memória das pessoas como testemunhos indeléveis da iniquidade das guerras — de todas as guerras. Em parte isso se deve ao fato de que os americanos, lutando com um exército regular contra uma força de guerrilheiros infiltrados nas aldeias e em simbiose com os civis, atingiram um número desproporcional de inocentes. Mas a Guerra do Vietnã (19611975) ganhou essa imensa simbologia também por ter sido, entre todas, a mais fotografada, filmada, televisionada — e a menos censurada. A fotografia que mais tristemente ilustra o conflito na Indochina é a da vietnamita Phan Thi Kim Phúc, de 9 anos, em prantos, fugindo de sua aldeia atacada com bombas incendiárias pela aviação sul-vietnamita, aliada dos americanos. O fósforo gelatinoso e o napalm parecem ainda arder em seu corpo quando o fotógrafo Nick Ut registrou a cena. Corria o ano de 1972 e a opinião pública americana mal conseguia metabolizar a sequência de imagens dramáticas vindas do Vietnã. Quando decidiu distribuir a foto feita por Ut, a Associated Press passou por cima de uma regra interna da agência que barrava fotos de nu frontal. Mas aquela foto era muito mais do que isso. Era uma das mais formidáveis condenações da guerra — de todas 84 |
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as guerras — que uma imagem poderia produzir. Assim foi. Atribui-se à fotografia da menina vietnamita em meio ao horror o poder de ter apressado o fim da Guerra do Vietnã. Para retratar nesta reportagem sobre crack a vida de Ligia e sua filha recém-nascida, VEJA contratou o fotógrafo André Liohn, paulista de Botucatu, veterano de cobertura de guerras na Somália e no Oriente Médio, onde trabalhou para os jornais e revistas mais respeitados do mundo. Disse André Liohn sobre a decisão de VEJA de publicar a foto do rosto de olhos plenos de ternura e indagações do bebê de Ligia: "Como documentar uma guerra ou uma catástrofe natural sem expor o sofrimento das vítimas, sem mostrar o impacto dos acontecimentos sobre a infância de um país? A epidemia do crack pode ser comparada a uma guerra, em que a sociedade brasileira está sendo derrotada. Na foto da criança e nas de sua mãe não há filtros nem poses para modificar a realidade. Dessa forma, procurei expor os problemas materiais do crack, que diariamente corrompe e inferniza a vida de tantos brasileiros, inclusive da minha própria família. Considero que cumpri bem meu dever se minhas fotos apresentarem de forma quase clínica a dor daqueles que precisam e merecem vencer essa doença".
Passou-se mais um mês em que o único químico em excesso presente no corpo de Ligia era a oxitocina, o “hormônio do amor”, que, garantem os cientistas, é sintetizado já durante a gravidez de modo que as mães possam superar todo o sofrimento do parto, bastando para isso um simples esgar no rosto do bebê em seu colo. Cinco meses sem crack é uma marca memorável. Não é a reabilitação, que, segundo se convencionou, exige dois anos sem fazer uso da droga. Para Ligia, o quinto foi o mais cruel dos meses. Ela decidiu visitar o pai, separado da mãe. Discutiu com a madrasta. Abalada com o tom da conversa, lembra-se de ter saído dali precisando usar alguma droga. Na noite de 8 de novembro, Ligia sucumbiu. Foi às suas conhecidas fontes fornecedoras e cheirou 2 gramas de cocaína. Era a temida recaída. O momento, terrível para quem está disposto a se livrar do vício, já foi descrito como a tentativa de saltar um abismo com dois passos — o primeiro, na beirada, desequilibra; o segundo, no vazio, derruba. Ligia descreveu assim sua recaída: “A maior armadilha da recaída é a vergonha. Depois que cheirei o primeiro ‘pino de coca’ (cápsula com 1 grama), a sensação era de que tudo estava perdido, e esse medo só me levou a me drogar cada vez mais”. Testemunha angelical da visita da mãe às profundezas escuras, Lethicia balbuciava algo quando, de madrugada, Ligia percorria as ruelas da Favela Esmaga Sapo, na Zona Leste de São Paulo. Ela conta que, naquele momento, tentou ligar para o repórter e o fotógrafo de VEJA a quem ela e a família deram autorização para acompanhar sua luta contra as drogas. Desistiu das ligações e trocou o celular por mais droga. Ligia decidiu procurar um amigo, também dependente químico. Passou seis dias na casa dele. Foram seis dias em que Ligia fumou maconha diariamente. Lethicia, sempre com ela. Dia 15 de novembro, feriado da Proclamação da República.
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Mais uma visita à Favela Esmaga Sapo e, finalmente, o crack proclamou sua vitória sobre Ligia. O repórter e o fotógrafo de VEJA a encontraram em um barraco de tábuas, fincado às margens de um canal de esgoto, fumando crack com uma moradora. Ela pediu dez minutos para se recompor. Ao final desse período, tirou uma pedra presa ao elástico da calça e começou a preparar mais um cachimbo. E outro, e outro... “Só mais esta”, insistia. Ligia repetiu o ritual diversas vezes por cinco horas. Com toda a droga consumida, ela passou a procurar freneticamente por alguma pedra de crack extraviada no chão, enquanto dizia: “Só mais uma...”
ILUSÃO E REALIDADE Os planos de tratamento foram abandonados depois de um mês de férias no litoral (acima). A família acreditava ser possível retomar a vida sem ajuda médica. Dois meses depois, Ligia teve outra recaída e foi internada em um hospital psiquiátrico (nesta foto). “Só agora percebi que não é possível vencer o crack sozinha”, diz ela
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recaída é uma consequência quase certa para os viciados em crack que tentam largar a droga sem um acompanhamento médico e psiquiátrico constante. Depois de um período sem fumar, o usuário de
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Ligia só deu mostras de sair um pouco do transe quando alguém lembrou a ela que, daquela maneira, a perda da guarda de Lethicia era certa. Só pôs de lado o cachimbo quando ouviu que, ao amamentar naquelas condições, estava injetando no organismo de Lethicia as mesmas substâncias tóxicas que inalava. Passado o efeito do crack, Ligia teve uma crise de choro entremeada de um monólogo desesperado: “Aceito tudo, mas não vou me separar de minha filha. Não sei se minha mãe vai me 86 |
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O AVANÇO DO CRACK
Nos últimos três anos, o número de cidades que registraram alto consumo da droga no Brasil cresceu 10%, segundo estudo da Confederação Nacional dos Municípios
PEDRO RUBENS
ANDRE LIOHN
crack tende a se ver como autossuficiente e capaz de controlar o vício. Justamente nessa fase, eles se expõem ao risco da recaída. Estima- se que 70% dos casos de reincidência estejam associados a condições conhecidas por ser favoráveis ao uso da droga, como a ida a determinados locais, o relacionamento com pessoas específicas e certas situações de stress. “O fato de a pessoa que acredita ter vencido a droga voltar a frequentar os locais e a visitar pessoas que sempre estiverem associados à sua dependência é um comportamento comum e arriscado. É possível vencer o crack, mas não sem tratamento”, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mesmo para quem passa por internações e recebe o devido acompanhamento, a taxa de reincidência chega a 15%. A compulsão pela droga se explica pela sua dinâmica no organismo. O crack inalado leva apenas oito segundos para elevar a produção de dopamina no cérebro, criando uma sensação imediata de prazer. Esse estado, porém, dura pouco. O efeito da droga passa em cinco minutos — enquanto o da cocaína leva até 45 minutos para se dissipar. Por isso, o usuário de crack tende a recorrer a uma pedra atrás da outra.
Nível de consumo de crack Baixo
Médio
Não há conhecimento de uso
Alto Sem resposta
Fontes: Confederação Nacional dos Municípios (CNM), National Institute on Drug Abuse, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Inpad/Unifesp), Conselho Nacional do Ministério Público e INSS
EPIDEMIA Usuários de drogas durante uma batida policial, em São Paulo, no ano passado. A ajuda em dinheiro da prefeitura apenas alimenta o vício
As pequenas vítimas
15% dos
Ranking do vício (em milhões de usuários no Brasil)
3,8
recém-nascidos de mãe viciada em crack morrem em decorrência de distúrbios respiratórios, contra 0,9% da média geral
5%
das substâncias tóxicas do crack fumado por uma gestante entram na corrente sanguínea do feto
6 dias é o tempo que
as substâncias do crack ficam presentes no leite materno
Crianças e adolescentes sob a guarda do Estado
(vivendo em abrigos e casas-lares)
Total
30 000 80%
são filhos de pais viciados em drogas
MACONHA Preço
2,5
2,5
COCAÍNA
CRACK
5 reais 25 reais 10 reais o cigarro
o grama
a pedra
Um problema também da classe média
30%
dos frequentadores da Cracolândia, no centro de São Paulo, têm curso superior ou passaram pela universidade
8 541 pessoas foram afastadas do trabalho por causa do consumo de cocaína e crack em 2013
40%
dos dependentes de crack do país não vivem na rua
aceitar depois disso. Se ela não me quiser, não sei para onde vou”. Edna, a mãe, que cuidou dela nos momentos finais da gravidez de Lethicia, estava à espera na portaria do prédio. Serenamente, pegou a neta no colo, disse à filha para tomar banho e foi preparar uma mamadeira para Lethicia. Depois, no quarto, abraçadas a Lethicia, choraram em silêncio quase total.
A
orientação das autoridades brasileiras tem sido afastar os filhos do convívio da mãe viciada. A maioria das crianças é enviada para abrigos, onde elas ficam até que um familiar assuma a guarda ou até ser encaminhadas para adoção. “A gravidez tem sido uma janela para convencer essas mulheres a buscar ajuda profissional, pois é quando elas se veem ameaçadas de perder a criança que se mostram mais abertas para o tratamento”, diz a assistente social Tânia Marcolino, responsável pelo acompanhamento das mães viciadas na Maternidade Leonor Mendes de Barros.
“É uma forma de curar as feridas”, disse Edna quando, em novembro, embarcava para uns dias no litoral com Ligia e Lethicia. Além de Lethicia, Ligia tem outros três filhos, nascidos antes de seu envolvimento com o crack. Eles vivem com os avós. No dia 4 de fevereiro, Ligia deixou Lethicia em casa com Edna e saiu para a reunião de pais na escola de um dos filhos. Depois passou em uma casa lotérica e sacou 465 reais que conseguiu dos quatro meses acumulados no Bolsa Família por estar desempregada. Em três dias, gastou tudo em pedras de crack. No dia 7 de fevereiro ela foi internada para desintoxicação no Instituto Bairral, em Itapira, no interior de São Paulo, onde conseguiu uma vaga pelo sistema público de saúde. Lethicia ficou com a avó. ƒ � | 25 DE FEVEREIRO, 2015 | 87