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marco pinto

Bertazzo na Escola do Movimento, no bairro das Perdizes, em S達o Paulo

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A arte do movimento O coreógrafo Ivaldo Bertazzo sempre foi um visionário em relação ao corpo, o que culminou no Método Bertazzo, que explora a consciência, a autonomia e a estrutura do movimento P o r R E gina E c he v erria

O

s cineastas Helena Solberg e David Meyer começaram a gravar o documentário A Alma da Gente em 2002, quando o bailarino e coreógrafo Ivaldo Bertazzo iniciou seu trabalho com jovens do Complexo da Maré, favela da zona norte do Rio de Janeiro. Porém, somente dez anos depois, em 2012, eles concluíram o filme, ao voltar à Maré e descobrir o destino de alguns integrantes do projeto, hoje já adultos. Bertazzo passou três anos na Maré e produziu três espetáculos – Mãe Gentil, Folias Guanabaras e Dança das Marés. No registro dos cineastas, é possível conhecer um pouco não só do método de trabalho do coreógrafo, como também da personalidade desse paulistano nascido no bairro da Mooca que popularizou a dança no país partindo do princípio de que não é preciso ser bailarino para poder dançar.

O Brasil tomou conhecimento das avançadas ideias de Ivaldo Bertazzo quando, na década de 1970, ele criou o projeto Cidadão Dançante, pelo qual muitos brasileiros não profissionais subiram ao palco em 28 espetáculos para dançar sob o comando seu comando.

A arte de ensinar Hoje, aos 64 anos, ele se dedica basicamente a ensinar na sede própria – Escola do Movimento –, em que desenvolve corpos e mentes, no bairro das Perdizes, em São Paulo. Filho da mistura entre libaneses e italianos, Bertazzo gosta de contar que seu avô libanês chegou ao Brasil com oito filhos, e sua mãe, única nascida no Brasil, recebeu o nome de Iracema, para não enfrentar a dificuldade de seus irmãos,todos donos de nomes bem esquisitos, como a tia Ashma, e não suportar as gozações dos colegas de escola. O pai, Angelo Bertazzo, filho de italianos, era engenheiro eletricista e trabalhou na hidrelétrica de Volta Redonda. Pai e mãe, viciados em música clássica, praticamente obrigavam os filhos a compartilhar essa paixão, muito a contra-

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gosto de todos, por sinal. Foi nos anos 1960 que Bertazzo percebeu que a dança seria seu futuro,ao assistir pela TV aos rodopios modernos do bailarino americano Lennie Dale (1934-1994),que passou a viver no Brasil depois de se apaixonar pelo país e pela bossa-nova.

Os movimentos de Lennie Dale, de fato, tinham o dom de provocar reviravoltas em quem o via dançar.“Eu achava aquilo uma coisa de doido”, conta o coreógrafo, que, escondido da família, para contestar foi atrás da bailarina e professora francesa Renée Gumiel (1913-2006), radicada no Brasil desde 1957 e considerada precursora da dança moderna entre nós. Com Renée, ele iniciou-se na dança contemporânea. Mas sabia que, se quisesse mesmo aprender, deveria estudar balé clássico.“Foi em 1964, na ditadura, que conheci Márika Gidali. Eu tinha uns 18, 19 anos e fiz parte daquela geração da dança que se juntou aos artistas plásticos que estavam em movimento, como o Wesley Duke Lee e o Zé Roberto Aguilar.”

Para sobreviver, começou a ensinar muito cedo e ali se encontrou.“Eu comecei a dar aulas e desconfiei que não gostava de dançar. Na verdade, nunca tive o encantamento no palco como artista, até fiz alguma coisa como performer, mas o que sempre gostei mesmo foi de ensinar.” Durante o período da ditadura, as escolas de dança ainda representavam uma forma de expressão do corpo, antes de surgirem as academias e a valorização dos músculos. Como que prevendo o futuro das concepções corporais, Bertazzo foi buscar conhecimento com algumas senhoras alemãs e judias que imigraram para o Brasil durante e depois da Segunda Guerra Mundial.Todas traziam uma grande bagagem em respiração, fisiologia, fisioterapia.

“Essas escolas de respiração e fisioterapia que marcaram minha formação começaram ali – Dorotéia Hansen, Elza Braun... Fui atrás delas todas.

Elas marcam meu trabalho até hoje. Havia em nós uma couraça muscular, estávamos reprimidos pela ditadura em contraste com o frescor da idade.”

marco pinto

Bertazzo na Escola do Movimento, no bairro das Perdizes, em S達o Paulo

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Kita Pedroza

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Imagem capturada do documentário A Alma da Gente, do espetáculo Samwaad – A Rua do Encontro, em 2004

O movimento como base de tudo Desde o início de sua carreira como professor de dança, Ivaldo Bertazzo conviveu com o sucesso. Fundou sua primeira escola em 1974.

“Logo que comecei a dar aulas, com 22, 23 anos, o aluno que vinha não era bailarino. Eu gostava da sensação do movimento e não do perfeccionismo do bailarino. E esse conceito atraía as pessoas.

Nesse sentido eu ensinava o movimento.”

E, por esse mesmo motivo, surgiu o conceito do “cidadão dançante”. O primeiro espetáculo, que reuniu 80 pessoas no palco do Teatro Galpão de dança, em São Paulo, aconteceu em 1976 (Danças e Rodas).Ao mesmo tempo, começaram as inúmeras viagens que Ivaldo faria a países da Europa e da Ásia. Fazia cursos e mais cursos para aprender o uso da mão, o uso da face e tudo o que fosse fundamental para um cidadão comum aprender com o movimento e que não exigisse dele o eixo de um bailarino.

“Encontrei professores muito interessantes e aprendi a cultivar a relação com o mestre.

Muitos anos depois, eu retornava ao mesmo professor para aprender. Eu cheguei a Madras

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Nunca tive o encantamento no palco como artista. O que sempre gostei foi de ensinar

(hoje a cidade se chama Chennai e fica no estado de Tamil Nadu, na Índia) em 1976 porque fui a uma escola em que a criança chega aos 6 anos e sai aos 16. Aprende tudo – de dança a iluminação. Você não vê uma escola de dança fazer isso no Ocidente. O pai investe porque o aluno sai dali tendo onde trabalhar, tendo mercado de trabalho. Existe cultura para consumir isso”, explica Bertazzo, que nos ensina sobre o corpo do brasileiro, uma mistura de múltiplas etnias, que forma alunos com anatomias muito desiguais. São aprendizados sobre o corpo que o professor vem adquirindo ao longo de todos esses anos, por exemplo, o fato de saber o que significa o movimento das tribos zulus, que força a coxa femural e mobiliza o uso do braço, da mão. Hoje, além da formação de professores pelo método que leva seu nome, Ivaldo gostaria mesmo é de ensinar dança em escolas públicas, como complemento e ajuda na formação das crianças brasileiras.“O meu sonho é virar professor de escola pública para ter a leitura do lado psicomotor de cada criança. Todos os centros europeus preparam a criança para a escrita. Já tentei falar com o Haddad (Fernando Haddad,

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Com Bertazzo e a bailarina Beth Risoleu, Marília Pêra no espetáculo Ciranda dos Homens – Carnaval dos Animais, em 1998

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O coreógrafo na frente de seus alunos na montagem Dança das Marés, em 2002

Eu gostava da sensação do movimento e não do perfeccionismo do bailarino

hoje prefeito de São Paulo) quando era ministro da Educação. Desenvolvi um método que é um estímulo neurológico – usar o movimento para ampliar a capacidade de concentração, de atenção. Pensei, então, em fazer a experiência com os jovens da periferia, que vivem em zona de desconforto e não têm uma estrutura familiar muito sólida, já que a escola não oferece muito”, conta ele, citando o exemplo de uma professora da cidade de Catanduva, interior paulista, que foi considerada louca porque saía com as crianças da sala de aula e trabalhava com elas no pátio, ensinando-as a desenhar com gravetos a letra A.

Sonho possível Na verdade, para Ivaldo, esse é o verdadeiro caminho. Ele já o colocou em prática, é verdade, em seus três anos de contato com os jovens cariocas da favela da Maré, no Rio de Janeiro, objeto do documentário agora divulgado, como ele mesmo explica:“É preciso consumir sensações motoras para o aprendizado intelectual. Se isso acontece da infância até o fim da adolescência, um aluno terá preparo para o resto da vida”.

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