capa | eleições
O
Brasil que queremos
32 | www.exame.com
Daniel Barros e humberto maia junior
m uma hipótese otimista, o BRASIl iniciará o próximo ano ExPERIMENTANDO uma agitação há muito esperada — a produzida pela entrada em cena de uma série de reformas estruturais. O desejo dos brasileiros por transformações está expresso nas pesquisas com tal força que os discursos dos três principais candidatos à Presidência o incorporam. No caso da pretendente à reeleição Dilma Rousseff, do PT, a palavra “mudança” compõe o lema da campanha — embora daí é que menos se esperem alterações. Seus principais desafiantes, Marina Silva, do PSB, e Aécio Neves, do PSDB, acenam com reformas de impacto, não explicitando totalmente o que seriam. O gênero, o número e o grau das medidas futuras vão depender de quem for vitorioso nas urnas e dos apoios que juntar. A disposição para negociar e, idealmente, construir uma espécie de acordo nacional em prol de reformas será decisiva — caso o futuro presidente de fato queira mudar algo.
WILTON JUNIOR/ae, Germano Lüders, Márcia Ribeiro/Folhapress
E
EXAME ouviu a nata do capitalismo brasileiro sobre as reformas mais urgentes para que os negócios prosperem e o país cresça. A boa notícia: dá para retomar o dinamismo perdido em pouco tempo. Mas Quem vai enfrentar o desafio?
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Brasil que queremos
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Daniel Barros e humberto maia junior
m uma hipótese otimista, o BRASIl iniciará o próximo ano ExPERIMENTANDO uma agitação há muito esperada — a produzida pela entrada em cena de uma série de reformas estruturais. O desejo dos brasileiros por transformações está expresso nas pesquisas com tal força que os discursos dos três principais candidatos à Presidência o incorporam. No caso da pretendente à reeleição Dilma Rousseff, do PT, a palavra “mudança” compõe o lema da campanha — embora daí é que menos se esperem alterações. Seus principais desafiantes, Marina Silva, do PSB, e Aécio Neves, do PSDB, acenam com reformas de impacto, não explicitando totalmente o que seriam. O gênero, o número e o grau das medidas futuras vão depender de quem for vitorioso nas urnas e dos apoios que juntar. A disposição para negociar e, idealmente, construir uma espécie de acordo nacional em prol de reformas será decisiva — caso o futuro presidente de fato queira mudar algo.
WILTON JUNIOR/ae, Germano Lüders, Márcia Ribeiro/Folhapress
E
EXAME ouviu a nata do capitalismo brasileiro sobre as reformas mais urgentes para que os negócios prosperem e o país cresça. A boa notícia: dá para retomar o dinamismo perdido em pouco tempo. Mas Quem vai enfrentar o desafio?
Dilma Rousseff: a presidente tenta a reeleição, mas usa o slogan Mais Mudanças. A principal reforma que propõe é a política, com defesa do financiamento público de campanha
marina silva: a candidata do PSB herdou de Eduardo Campos o discurso em prol de uma reforma tributária que poderia ser enviada ao Congresso no início do mandato
Aécio Neves: o candidato tucano acena com propostas de reforma política e simplificação do sistema tributário para a implantação logo no início do mandato
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Por que o brasil precisa de
A economia brasileira está pagando caro pelo abandono da agenda
quatro razões para fazer mudanças estruturais já As eleições presidenciais de 2014 reúnem características que tornam a agenda de reformas ainda mais urgente do que em outros anos
1a
O Brasil parou de crescer e, para continuar a reduzir a pobreza, precisa retomar o fôlego
Crescimento do PIB per capita médio (em %)
Média de 1981 a 2013
2a
A rentabilidade dos negócios não estimula os investimentos
Média de retorno sobre o patrimônio das 500 maiores empresas do Brasil (em %)
China
7,7%
7,1%
6%
Chile
4,3%
3%
Média global 1,4% 0,8% 0,2%
1,9%
2,5
1981
2005
11,8%
2% 0,6% BRASIL
1,1%
2013
Distribuição da renda per capita no Brasil Parcela considerada pobre ou vulnerável a voltar à pobreza Parcela acima da linha da chamada renda digna(1), de 800 reais mensais por habitante
2008
8,1%
7% distribuição da população
Se a necessidade de mudanças em 2015 já é palpável para a maioria da população brasileira, nos círculos dos negócios é unânime a opinião de que as reformas são nada menos do que urgentes. Esse tipo de agenda sempre aparece em época de eleições, mas, neste ano, a desaceleração da economia brasileira acentuou uma sensação de falta de rumo. “Os investidores gostam de ver um país caminhar na direção certa”, diz Roberto Setubal, presidente do banco Itaú. “E, nos últimos anos, o Brasil esteve completamente perdido.” Para saber o que a elite empresarial brasileira pensa a respeito das medidas estruturais que o próximo presidente deverá tomar, EXAME montou uma operação especial. Em primeiro lugar, encomendou uma pesquisa à consultora de gestão Betania Tanure. Nos últimos meses, um total de 528 presidentes das maiores companhias do país respondeu à seguinte pergunta: qual é a reforma mais urgente para o Brasil? A mais votada, colocada à frente por 35% dos entrevistados, foi a da educação. Em seguida vieram a da gestão pública (20%), a da infraestrutura (16%), a do sistema tributário (9%), a da segurança pública (8%) e a do sistema político (6%). A segunda parte da operação foi um corpo a corpo: mais de 30 líderes, representantes dos mais diversos setores, concederam entrevistas para expor sua visão sobre as áreas que escolheram para ter prioridade. Diz Jorge Gerdau, presidente do conselho da siderúrgica Gerdau e um dos entrevistados: “As reformas são fundamentais para que o Brasil consiga ter uma trajetória sustentável de desenvolvimento econômico nos próximos anos, principalmente frente ao cenário de crescente concorrência global”. Na década passada, o Brasil aproveitou a bonança externa e cresceu distribuindo renda. Mas, ao observar um espaço de tempo mais longo, nota-se que a expansão — agora já abortada — foi extremamente modesta ante as necessidades de desenvolvimento do país. Do início dos anos 80 para cá, o Brasil elevou a renda per capita a uma taxa anual de 1,1% — a média global foi de 1,9% ao ano. Enquanto isso, outros emergentes, como China e Índia, puxavam a média do mundo para cima: os chineses com média de quase 8% de crescimento do PIB per capita e os indianos com 4,3% no mesmo período. Hoje, mesmo esses paí ses se deram conta de que os tempos mudaram e que, para continuar a crescer, terão de dar uma boa mexida nos alicerces da economia. A China já segue uma significativa agenda de reformas
6%
2010
5%
10,7%
Linha da renda digna
4% 3%
70%
2%
do total
30%
do total
2011
8,2%
1% 0%
0
800
1 600
2 400 3 000 ou mais
RENDA MENSAL PER CAPITA (em reais)
4,2%
é a média de crescimento do PIB necessária nos próximos 20 anos para gerar avanço anual de 3,6% no PIB per capita e levar metade da população para a faixa da renda digna
2012
4,1% 2013
5,3%
reformas — e quais devem ter prioridade
de mudanças estruturais de impacto. Os líderes empresariais sugerem por onde recomeçar
As reformas preferidas
3a
A consultora de gestão Betania Tanure fez, com exclusividade para EXAME, uma pesquisa com 528 presidentes do conselho de administração e presidentes executivos das maiores empresas do país com uma pergunta: que área deveria ser prioritária para uma reforma por parte do próximo presidente da República? O resultado:
Não podemos mais contar com a abundância de dinheiro estrangeiro da última década
Fluxo de capital privado para os países em desenvolvimento (em % em relação ao PIB de todos os emergentes) 9%
6%
Estimativa
3%
0
1900
2000
2005
2010
2015
75%
62%
70%
trabalhista
Saúde
Política
Segurança
Tributária
Eleitores que afirmam querer mudança total ou parcial nas políticas do governo federal
Infraestrutura
A esmagadora maioria do eleitorado deseja mudanças nas ações do próximo governo
Gestão pública
35% 20% 16% 9% 8% 6% 5% 1% Educação
4a
1995
40% 39%
2002
2009
2010
2013
2014
(1) Renda que tira o indivíduo do risco de voltar à pobreza no curto prazo, calculada pela consultoria McKinsey. Fontes: EXAME Melhores e Maiores, Ibope, IIF e McKinsey
1º de outubro de 2014 | 35
desde a chegada do presidente Xi Jinping ao poder, no ano passado. Xi mudou regras para compra e venda de propriedades na zona rural, flexibilizou a política do filho único e está ampliando o sistema previdenciário para permitir que o chinês médio poupe menos e consuma mais. Já a Índia, após a eleição de Narendra Modi como primeiro-ministro, no início do ano, sinaliza com medidas de abertura ao capital privado em setores como seguros, energia e infraestrutura — embora lá as resistências sejam muito mais profundas do que as da China. “Os tempos de bonança externa acabaram. O preço das commodities está caindo, o dinheiro não está tão facilmente disponível porque os bancos estão mais restritivos, o fluxo de capital perdeu a robustez de antes e as populações estão clamando por mudanças”, diz Ruchir Sharma, chefe para mercados emergentes do banco de investimento Morgan Stanley. “Em 20 anos acompanhando a economia desses países, eu nunca havia visto a chegada de novas lideranças políticas ser tão importante para impulsionar o desempenho dos mercados como vejo neste ano.” É nesse rol de países que enfrentam reformas que o Brasil precisa se inscrever. desejo de mudança
Um exemplo próximo de nós e que merece ser observado é o México. Os mexicanos iniciaram sua trajetória de reformas apenas dois anos atrás, após a eleição de Enrique Peña Nieto, em 2 de julho de 2012. Os cinco meses seguintes até sua posse, em 1o de dezembro, foram utilizados para negociar um pacto com os outros dois principais partidos do país em torno de uma ambiciosa agenda de reformas que mira problemas crônicos do México — como monopólios e preços altos em energia e telefonia, e estrutura de tributos complexa e regressiva. Vinte meses depois, as mudanças constitucionais necessárias terminaram de passar pelo Congresso. Agora o país enfrenta o processo de implementação (leia o quadro ao lado). “A sociedade mexicana estava pronta para enfrentar reformas duras porque o país está há 30 anos sem crescer significativamente”, diz o equatoriano Augusto de la Torre, economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina. “Resta saber se a dinâmica social do Brasil vai resultar em apoio a um projeto de reformas igualmente significativas.” Felizmente, há fortes indicações de que sim. Sete em cada dez eleitores brasileiros afirmam querer mudanças no próximo governo,
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afp photo
capa | eleições
do papel a pratica AurÉlio Nuño, O político QUE redigiu o Pacto Por reformas no México, fala DOs desafioS da MUDANÇA
c
om apenas 34 anos em 2012, Aurélio Nuño foi um dos principais responsáveis pela articulação dos três principais partidos mexicanos em torno de uma agenda de dez reformas estruturantes para o país. Os temas são: contas públicas, tributos, sistema político, competição econômica, telecomunicações, bancos, energia, educação, seguridade social e código penal. Formado em ciências sociais no México, Nuño tem mestrado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, e hoje é o chefe de gabinete do presidente Enrique Peña Nieto. Numa viagem recente a São Paulo, ele deu a seguinte entrevista a EXAME.
dicatos, tanto que não tivemos greve geral. O primeiro exame nacional foi feito por 700 000 professores. Apenas dois entre 32 estados tiveram manifestações contrárias ao teste. Alguma outra reforma teve mais resistência? Todas foram complicadas, mas as reformas para aumentar a competição na economia e a do setor de telecomunicações foram especialmente duras. A economia mexicana é muito concentrada, e a pressão dos atores econômicos foi grande para evitar que essas leis passassem.
Nuño: o chefe de gabinete do presidente Peña Nieto, do México, diz que as reformas já têm efeitos na economia do país
Quais são os maiores desafios do processo de reformas do México? O maior desafio é político. Estamos falando de mudanças de regras que dependem do apoio de dois terços das duas casas legislativas federais. Alguns pontos também precisam ser aprovados no Legislativo dos estados. É um processo complexo e há um risco enorme de perder a maioria no caminho. O segundo maior desafio é a implementação, fase em que estamos entrando agora e descobrindo as dificuldades. Como lidar com resistências como as de professores contra a reforma educacional? Tivemos a disposição de explicar exaustivamente o conteúdo das reformas, ouvimos os sindicatos e incorporamos alguns pontos que eles pediram. Mas não abrimos mão de elementos essenciais. Os professores agora precisam fazer um exame nacional para exercer a profissão. A cada três anos, passam por avaliações que definem como avançam na carreira. O sistema de promoção era clientelista, e hoje é meritocrático. As pessoas que foram às ruas protestar compunham a ala mais radical dos sin-
Já há melhoria do ambiente de negócios? Ainda é cedo, mas algumas boas notícias estão surgindo. A agência de risco Moody’s aumentou a nota de crédito do México. A operadora de telefonia América Móvil, do empresário Carlos Slim, vai vender parte da Telmex, que tem 70% do mercado. Isso está de acordo com a lei que proíbe que uma empresa tenha mais de 50% do mercado. Significa mais competição. Graças à lei, também foi anunciada a abertura de dois canais de televisão em 2015. Hoje, Televisa e TV Azteca dividem o mercado. Na área de energia, esperamos atrair 30 bilhões de dólares em investimentos. As pesquisas mostram que a popularidade de Peña Nieto vem caindo. Por quê? Quando você segue uma agenda de reformas tão agressiva, não surpreende que haja um custo com a opinião pública. O presidente costuma dizer que ele não estava preocupado com a popularidade quando decidiu tocar as reformas. As medidas vão mudar o nível de competitividade da economia. O foco do primeiro ano foi a aprovação das reformas. Depois, vamos atrás de melhorar a avaliação do governo. As reformas vão mudar o status do México? O México vai ser um ator global. Nos últimos 30 anos, crescemos à média anual de 2%. A meta é crescer 5% ao ano no fim do governo atual e criar as condições para manter a média nas próximas duas décadas. O principal objetivo é elevar a produtividade e oferecer ferramentas para reduzir a pobreza. Mas, antes de ser um destaque global, queremos mostrar que podemos resolver nossos problemas internos.
1º de outubro de 2014 | 37
capa | eleições de acordo com pesquisa do instituto Ibope de meados de setembro. A última vez que essa pesquisa captou proporção tão alta foi em 2002, quando a oposição ao governo de Fernando Henrique Cardoso venceu, levando Luiz Inácio Lula da Silva e o PT ao poder. Lá atrás, percebendo os sinais de esgotamento de um ciclo, um grupo de economistas notáveis, liderado pelo professor da universidade americana Colúmbia José Alexandre Scheinkman, reuniu-se para escrever um documento com propostas de governo: a chamada Agenda Perdida. Muitas das sugestões do documento foram aproveitadas nos mandatos de Lula, como a criação do Simples para o combate à informalidade, o reforço às políticas de transferência de renda com a implantação do Bolsa Família e as microrreformas para destravar o crédito. “De lá para cá, os conhecimentos da academia aumentaram muito em relação a dois pontos: criminalidade
murilo ferreira
“
Presidente da Vale Setor: mineração
Precisamos modernizar nosso sistema político. Em vez de as negociações políticas serem feitas por polos partidários, os parlamentares negociam em pequenos grupos ou individualmente. O maior partido do Brasil, que é o PMDB, é uma coisa em Pernambuco, outra no Pará, outra em São Paulo. Como é que se debate uma reforma tributária com uma estrutura tão fragmentada? Nem o presidente Lula, quando tinha 83% de aprovação popular, conseguiu fazê-la. Basta um estado levantar o dedo, seja o maior, seja o menor da federação, para barrar qualquer tentativa de mudança. Não dá para a política ficar como está.”
A Geórgia é o país que mais fez reformas nos últimos anos. Como resultado, subiu do 100º para o oitavo lugar no ranking de facilidade para fazer negócios
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“ Germano Lüders
e produtividade. E, coincidentemente, essas áreas têm deficiências graves no Brasil atual”, diz Scheinkman. É cada vez maior o número de economistas e empresários a apontar que o Brasil só crescerá se elevar o nível de produtividade, hoje correspondente em média a um quinto da obtida nos Estados Unidos. “Se aumentarmos os investimentos, tanto nas fábricas e na infraestrutura quanto nas pessoas, a produtividade vai crescer e, com isso, a indústria voltará a contribuir para o desenvolvimento do país”, diz Pedro Passos, sócio da fabricante de cosméticos Natura e presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Um levantamento do banco HSBC mostra que o Brasil foi o país da América Latina em que houve o maior descolamento entre aumento real de salário e produtividade do trabalho de 2008 a 2012. Ninguém discute quão importante é oferecer ganhos reais de salário, mas
essa política precisa estar vinculada a mais retorno para o negócio — senão, os custos de mão de obra aumentarão indefinidamente, piorando o já absurdo custo Brasil. O resultado do descompasso foi que 2012 e 2013 foram os anos em que a rentabilidade do patrimônio das 500 maiores empresas atingiu o ponto mais fundo dos últimos dez anos, de acordo com a edição Melhores e Maiores, de EXAME. Não surpreen de que os investimentos tenham caído à taxa mais baixa desde 2006. “Os maiores avanços institucionais que fizemos vieram após consensos. O consenso em torno da democracia nos anos 80, da estabilidade da moeda nos 90 e da redução da desigualdade nos anos 2000”, diz Flavio Rocha, presidente da varejista Riachuelo. “Hoje, o consenso precisa ser a busca por maior produtividade e competitividade.” risco de retrocesso
roberto setubal
“
Presidente do banco Itaú Setor: financeiro
O funcionamento de nossa democracia não está bom. As negociações para obter o apoio de partidos pequenos geram ineficiência na administração da máquina pública porque a governabilidade depende de um número grande demais de concessões a muitos partidos. Afinal, virou um bom negócio fundar uma legenda neste país. O Brasil precisa de uma reforma que fortaleça os partidos, mas que diminua a quantidade deles. Lideranças políticas são importantes, mas eu não acredito em um salvador da pátria. O foco precisa ser dar mais força às instituições e mostrar que nosso país está amadurecendo. Por tudo isso, entendo que a reforma política precede todas as outras.”
Livrar-se dos nós que amarram a competitividade e o crescimento é o caminho para que o Brasil continue o processo de inclusão das últimas décadas. De 2003 a 2013, mais de 50 milhões de brasileiros ascenderam das camadas mais pobres para as classes A, B e C, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado à Presidência da República. Mas isso não significa que eles estejam a salvo do risco de retroceder. Quase 70% dos brasileiros têm renda de até 790 reais por mês — ou seja, na melhor das hipóteses estão numa condição que o Banco Mundial chama de vulnerável, porque seu risco de voltar à pobreza é grande. Como garantir que a renda dos brasileiros continue avançando para além do valor mínimo adequado para ter alimentação balanceada, educação, saúde, lazer e transporte e esteja livre do risco de recaída na pobreza? “As expectativas da população que melhorou de renda são bem maiores hoje do que antes, e a única forma de continuar incluindo os mais pobres é reformar a economia para destravar o crescimento”, diz De la Torre, do Banco Mundial. Estudos estimam que o país precisará crescer, em média, 4,2% ao ano nos próximos 20 anos para resgatar metade da população que está abaixo da linha da renda digna próxima de 800 reais e dobrar o PIB per capita para 24 000 dólares por ano. De acordo com outro levantamento do Banco Mundial, desde 2005 um grupo de 189 países realizou 2 439 reformas para melhorar o chamado “ambiente de negócios”, que inclui
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capa | eleições FLAVIO ROCHA
“
Presidente da Riachuelo Setor: varejo
Nossa Justiça contabiliza 2 milhões de processos trabalhistas por ano. Em 1 hora, temos o número de ações que o Japão tem em um ano. Em um dia, o mesmo que os Estados Unidos têm em um ano. Em minha fábrica, funcionários e sindicato concordaram e fizemos um trato: ter 15 minutos a menos de almoço e sair 15 minutos antes do horário. Mas quem deixa a empresa entra com ação alegando que não teve 1 hora de almoço. E ganha!”
LAéRCIO COSENTINO
“
Presidente da Totvs
A reforma trabalhista é essencial para dar mais competitividade às empresas como as de tecnologia da informação, com grande massa salarial. Defendo que a partir de determinado salário o empregador e o empregado possam negociar horas extras, benefícios e férias. As negociações ficariam atreladas à qualidade e ao prazo de entrega de resultados. Isso geraria competição entre as empresas, oferecendo mais aos melhores.”
RAUL JUNIOR, Germano Lüders
Setor: indústria digital
pontos como facilidade para abrir empresas e obter crédito e garantias de respeito aos contratos e de proteção aos investidores. O ranking é liderado por países da Europa Oriental. O Brasil está em 75o lugar. O primeiro lugar entre os reformadores é da Geórgia, pequeno país encravado entre Rússia e Turquia. Resultado: após 37 reformas para melhorar a competitividade dos negócios instalados por lá, a Geórgia subiu do 100o para o oitavo lugar no ranking Doing Business, o que retrata a qualidade do ambiente de negócios de forma ampla. O Brasil saiu do 119o para o 116o posto no Doing Business. A relação entre reformas e facilidade para fazer negócios não poderia ser mais clara. O receio: e se passarmos mais quatro anos com as reformas engavetadas? Como estará a atividade econômica em 2018? Nas páginas seguintes, EXAME apresenta ações fundamentais para que o próximo presidente entre para a história como um estadista que enfrentou resistências e transformou as cinco áreas mais citadas pelos líderes das maiores empresas do país. As reformas trabalhista e política não estão detalhadas a seguir, mas também foram mencionadas por nomes importantes do capitalismo brasileiro, como o presidente da mineradora Vale, Murilo Ferreira. “Eu poderia falar de educação, de reforma tributária ou previdenciária, que são fundamentais para colocar o Brasil na rota do crescimento sustentado, mas não acredito que seja possível fazer qualquer reforma importante com o arcabouço institucional que temos hoje”, diz Ferreira. “Precisamos modernizar nosso sistema político.” Esse é o ponto que foi mencionado também por Roberto Setubal, do Itaú: “A política é a mãe de todas as reformas”. O desafio à frente de quem assumir o comando do país em 2015 será enorme. Alguns analistas tendem a achar que promover reformas seria particularmente difícil em um cenário de polarização política excessiva que poderia se desenhar após as eleições, dependendo do resultado. Por isso, as visões e sugestões de mudança apresentadas pelos empresários ouvidos por EXAME constituem uma contribuição relevante para quem quiser, de fato, conduzir o Brasil a uma nova fase de prosperidade. Elas não têm coloração partidária e visam essencialmente à melhoria das condições para que a economia brasileira floresça. E esse objetivo, queremos crer, é compartilhado pelos três principais candidatos à Presidência da República.
CAPA | eleições
AS MUDANÇAS URGENTES PARA O PAÍS
1
EDUCAÇÃO
A reforma no sistema de ensino foi escolhida como prioridade no leque de mudanças por 35% dos executivos. A discussão vem a calhar: os indicadores recentes mostram que o Brasil parou de melhorar em qualidade da educação básica
Publicados no início de setembro, os dados de 2013 do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, conhecido como Ideb, confirmam sinais já dados por outros indicadores: depois de universalizar o acesso ao ensino fundamental, o Brasil parou de avançar na melhoria da educação no segundo ciclo do fundamental e no médio. Pior, o país estagnou num patamar para lá de insatisfatório. No último exame Pisa, que mede o desempenho de estudantes de 15 anos em 65 países, divulgado no fim do ano passado, o Brasil manteve basicamente as mesmas notas em matemática, leitura e ciências da edição anterior, publicada em 2010. Com isso, estacionamos entre os últimos colocados no
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“ ALINE MASSUCA/VALOR/FOLHAPRESS, ZANONE FRAISSAT/FOLHAPRESS, GERMANO LÜDERS, RODRIGO CAPOTE/BRASIL ECONOMICO/AG. O DIA.
AS AÇÕES QUE DEVEMOS COBRAR DO PRÓXIMO PRESIDENTE NAS CINCO ÁREAS ELEITAS COMO PRIORITÁRIAS POR LÍDERES DE GRANDES EMPRESAS DO BRASIL
MÁRCIO UTSCH
Presidente da Alpargatas Setor: têxtil
Nos anos 60 e 70, o governo fez o Movimento Brasileiro pela Alfabetização, o Mobral, uma força-tarefa que conseguiu reduzir o analfabetismo. Hoje, precisamos de um movimento similar para melhorar a qualidade da educação, uma espécie de “Qualal”. Não vejo ênfase na qualificação dos professores, que deveria ter prioridade. O que vejo na educação é uma mera evolução, quando precisamos de uma revolução.”
MARC0 STEFANINI
“
Presidente da Stefanini Setor: indústria digital
O Brasil se tornou um país caro antes de ficar rico. O resultado é que tudo é caro, mas boa parte da população ainda é pobre. Para resolver isso, é preciso investir em educação. Só assim conseguiremos dar o salto de produtividade que tornará o país mais eficiente e mais competitivo.”
“
PEDRO PASSOS
“
Sócio da Natura
Setor: bens de consumo
EDUARDO EUGÊNIO VIEIRA
“
Presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
Por décadas investimos pouco em educação. Estamos pagando hoje essa conta. Vários setores da indústria sofrem pela falta de mão de obra qualificada. E não estou falando apenas de engenheiros ou matemáticos, mas de trabalhadores que têm dificuldade em atividades básicas, como ler uma planilha.”
O capital humano é o fator mais importante para um país se desenvolver. Por isso, investir em educação é uma questão inescapável. Todo o resto vem em decorrência de uma população mais bem-educada. Investir em educação é elevar o nível de cidadania e impulsionar a inovação, a produtividade e, no fim das contas, a competitividade do país. Hoje, por causa dessa lacuna, não conseguimos competir com outros países. O próximo governo precisará mostrar, assim que assumir, qual será a política educacional para os próximos anos.”
“
MARCIO KUMRUIAN Presidente da Netshoes Setor: varejo
O mercado de internet do Brasil é o quinto maior do mundo, mas eu demoro até oito meses para conseguir um bom engenheiro de software ou um profissional que tenha estudado sites de internet. O brasileiro é criativo e gosta de navegar na rede. Se combinarmos esse potencial com educação de qualidade e capacidade de se adequar aos novos tempos, teremos um diferencial competitivo.”
1º de outubro de 2014 | 43
CAPA | eleições
“
Presidente da Bayer
Setor: química e petroquímica O fomento à educação deveria ser um dos pilares de qualquer governo. Os países desenvolvidos criaram uma sociedade mais justa porque desenvolveram as pessoas, tornandoas mais conscientes, antenadas com as tendências do mercado e preparadas para exercer um papel no mundo cada vez mais competitivo. Para o Brasil, mais educação significaria também menos crianças de rua, menos violência e redução no uso de drogas.”
ranking. A educação precisa de nova injeção de ânimo. A boa notícia é que os caminhos para acelerar a melhoria da qualidade das escolas públicas são conhecidos. A má é que eles vão mexer com interesses e custar capital político. A primeira medida é a adoção de um currículo nacional. O consenso entre especialistas já é tal que a proposta está no programa de governo dos três principais candidatos à Presidência. Sua função seria especificar o que todos os estudantes devem aprender até o fim de cada ano da educação básica. Preocupados em melhorar o aprendizado, Estados Unidos, Austrália e Chile adotaram um currículo nacional nos últimos anos. Por aqui, a resistência virá de boa parte dos sindicatos e da academia, sob o argumento de que os professores perderão autonomia. “O currículo precisa ser um documen-
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CLEBER MORAIS
“
Presidente da Bematech Setor: indústria digital
Hoje, eu tenho 100 vagas em aberto, o que equivale a 8% da minha força de trabalho. Não acho a mão de obra no mercado, mesmo fazendo parceria com universidades do Brasil inteiro. É uma pena, porque o país poderia ser uma das maiores potências na área de serviços de tecnologia se investisse em educação voltada para essa área.”
to conhecido para que o pai saiba o que o filho deve aprender ao fim de cada ano”, diz Denis Mizne, presidente da Fundação Lemann, uma organização engajada no tema. “Os professores continuarão tendo liberdade quanto ao modo de ensinar, mas menos quanto ao que ensinar.” É no ensino médio que o aprendizado diminui e os alunos desistem mais. Dos jovens nascidos em 1994, 52% abandonaram a escola, a maioria deles no ciclo médio. Dos que sobraram, apenas 10% aprenderam o que se esperava em matemática. Pudera. Os alunos têm 14 disciplinas e 3 horas de aula por dia. Goiás, o estado que vai melhor nesse ciclo de ensino, tem nota média de 3,8 (de zero a 10) por aluno no Ideb. “Os dois últimos anos precisam ser mais flexíveis, e o aluno deve ter a chance de escolher disciplinas mais focadas nas áreas de sua preferência”, diz
RICARDO CORRÊA, MURILLO CONSTANTINO/AG. O DIA
THEO VAN DER LOO
Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna e ex-secretário da Educação de Pernambuco. Ou seja, o novo currículo do enA escolaridade cresce no Brasil, mas menos do que sino médio precisa contemplar caminhos difea média de países que tinham trajetória parecida rentes. A ineficiência da grade atual está por trás com a nossa até o início dos anos 2000 de outro dado desanimador: em 2013, pela primeira vez em dez anos, o ensino superior teve Média de anos de estudo para pessoas entre 20 e 24 anos(1) queda no número de egressos de faculdades. 8,5 Sem desenvolver a capacidade de aprender na Média dos países 8 emergentes(2) escola, os jovens chegam despreparados ao mercado de trabalho. Uma pesquisa da consultoria 7,5 McKinsey aponta que só 30% dos empregadores 7 BRASIL no país afirmam que as pessoas que eles contratam são adequadamente educadas. Na prática, 6,5 1995 2000 2005 2010 isso significa menos produtividade: nos três centros de distribuição da fabricante de calçados Para piorar, o Brasil parou de avançar no Alpargatas, por exemplo, em 2013, cada trabadesempenho dos jovens das escolas públicas lhador manipulou, em média, 18 000 peças. Em Meta do Marselha, na França, onde a empresa tem outro Notas médias (de 0 a 10) para todo o Brasil do Ideb(2) governo para o ano centro de distribuição, cada trabalhador manu9º ano do ensino fundamental 3º ano do ensino médio seia o dobro de peças por ano. “São atividades 4,5 idênticas, elementares, com instruções claras, 4,1 mas que podem atrasar toda a logística”, diz 4 Márcio Utsch, presidente da Alpargatas. 3,7 4 3,6 3,9 3,5 Para o aprendizado melhorar, a formação dos 3,5 professores também precisa evoluir. De acordo 3,2 3,4 3,4 3,4 com os especialistas, tanto as universidades 3 públicas quanto as privadas formam mal os 2007 2009 2011 2013 professores. “Os cursos de licenciatura não ensinam práticas de sala de aula”, diz Bernardete Notas (de 0 a 1 000) dos brasileiros de 15 anos no Pisa, teste feito em 65 países Posição no Gatti, especialista em formação de professores ranking Leitura Ciências Matemática da Fundação Carlos Chagas. “O ideal é criar 55o centros nas universidades voltados especial450 lugar mente para a didática e nos quais os melhores 400 professores possam compartilhar suas expe o 59 riências. É assim na França, na Inglaterra e até lugar 350 na Colômbia.” O Ministério da Educação teria 58o 300 de forçar a atualização do que é ensinado nas 2000 2009 2012 lugar 2003 2006 licenciaturas. A melhor maneira de fazer isso é usar avaliações para medir o conhecimento No teste de capacidade de resolução de problemas, que avalia 44 países e tem tudo de professores, como estão fazendo diversos a ver com a produtividade do trabalhador, o aluno brasileiro também vai mal países, entre os quais México e Chile. Nota média no exame de resolução de problemas do Pisa A educação integral, proposta mais apreseno tada pelos candidatos nos debates e nas entre1 2o 3o 4o 5o vistas, é um ideal que exigiria investimentos na 18o contratação de professores com carga horária 26o maior e na construção de novos prédios. Mas a 36o o 38 escola em tempo integral de nada adiantará se 44o não forem atendidos os pontos aqui citados, de melhoria no currículo e na formação dos professores. No caminho do ideal, o Brasil precisa, antes de tudo, dar conta do essencial. b ia
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FICANDO PARA TRÁS
(1) Estudo A Década Perdida, dos economistas Vinicius Carrasco e Isabela Duarte, da PUC-RJ, e João Manoel Pinho de Mello, do Insper (2) Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, do Ministério da Educação Fontes: Inep e Pisa (OCDE)
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CAPA | eleições
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CLEDORVINO BELINI Presidente da Fiat
GESTÃO PÚBLICA A contratação de servidores só cresce. O pior é que faltam sistemas de meritocracia e de melhoria da qualificação dos escolhidos para os órgãos públicos. Esse quadro leva 20% dos executivos ouvidos por EXAME a dar prioridade a uma reforma do setor público
Um acordo histórico entre a base do governo de Ricardo Lagos e a oposição permitiu que o Chile fizesse sua principal reforma administrativa em 2003. Naquele ano foi criado o Sistema de Alta Direção Pública, com o objetivo de fazer as contratações para cargos de confiança do governo chileno de forma mais meritocrática e transparente. A principal inovação do sistema é um conselho composto de seis especialistas de notório saber em recursos humanos e administração pública. Eles recebem uma descrição detalhada das atividades a ser exercidas em determinado cargo — que vai do diretor de escola até o subsecretário de um ministério — e abrem processo de seleção. Para cada posição, até cinco nomes são selecionados e entregues ao responsável pelo órgão em questão, que decide quem contratar. Mais de 70% dos comissionados do Chile são selecionados assim — modelo similar ao que vigora no Reino Unido e na Austrália. “Estamos muito preocupados no Brasil com a necessidade de cortar os 23 000 cargos comissionados ou parte dos 39 ministérios”, diz Regina Pacheco, coordenadora de mestrado em gestão pública da Fundação Getulio Vargas. “Mas a prioridade é melhorar a qualidade dos dirigentes públicos.” Ter menos ministérios, é bom que se diga, ajudaria muito. Mas o vital é trazer pessoas melhores para trabalhar no governo.
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Numa grande empresa, o gestor está constantemente observando quem cria valor e quem não cria, e o bom empregado é premiado. O sistema é completamente meritocrático. O objetivo é sempre entregar mais com menos recursos e há uma obsessão constante por eficiência. O setor público não faz isso. E ainda incha a máquina. Uma vez eu estava em um ministério e contei: havia um empregado para fazer o cafezinho e dois para servir. Uma ineficiência visível. Se uma empresa funcionasse como o Estado, ela estaria falida.”
JULIO BITTENCOURT/VALOR/FOLHAPRESS, SILVIA COSTANTI/VALOR/FOLHAPRESS, GERMANO LÜDERS, REGIS FILHO/VALOR/FOLHAPRESS
2
Setor: autoindústria
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Presidente da Advent
Presidente da Mexichem
Setor: fundo de investimento
Setor: construção
Somente com uma administração pública eficiente, com metas de desempenho e produtividade, será possível realizar outras reformas no país. Um governo com boa gestão tem menos burocracia, gera mais recursos para investir e passa credibilidade aos agentes privados. Isso cria um ambiente mais favorável ao crescimento da economia.”
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FERNANDO BORGES Presidente do Carlyle
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PATRICE ETLIN
MAURICIO HARGER
Os editais de infraestrutura costumam sair tortos, cheios de falhas e vivem sendo questionados pelo Tribunal de Contas da União. É uma questão de competência de gestão, que falta a muitos órgãos do governo. Quando eles se articulam, como a Secretaria de Aviação Civil fez com o TCU para os editais dos aeroportos, as obras saem e a iniciativa privada é atraída.”
Setor: fundo de investimento O que mais encontro no Brasil são empresas que precisam de um reforço de executivos competentes para deslanchar. É o caso do governo. A máquina pública precisa ganhar a eficiência de uma grande empresa. Enquanto não for assim, eu não invisto em nenhum setor que seja regulado demais pelo governo.”
JOSÉ OLYMPIO PEREIRA
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Presidente do banco Credit Suisse Setor: financeiro
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WALTER SCHALKA Presidente da Suzano Setor: papel e celulose
O Brasil precisa de um presidente que comunique claramente à população a necessidade de implantar a meritocracia no setor público e que se empenhe em ajudar a mudar esse viés socialista que contamina a opinião pública. O Estado é ineficiente e tem de parar de atrapalhar o setor privado.”
As ineficiências do governo para licitar obras e para liberar licenças já entram como um elemento normal na viabilização de um projeto, mas ao longo do tempo isso faz com que as empresas brasileiras percam competitividade. Eu sinto falta das ideias de Hélio Beltrão, o antigo ministro da Desburocratização. Elas seriam muito úteis nos dias de hoje.”
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CAPA | eleições
PATRÃO CAMARADA
A máquina pública do governo federal não para de crescer. Muitas vezes pagando acima da média do mercado para funções de qualificação baixa
53 4
00 53 0 80 00 54 80 0 57 0 30 00 57 40 00 58 30 00 60 10 00 63 10 00 63 60 00 64 90 00 66 20 00
Número de servidores federais ativos
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
2010
2011
2012
2013
Salário mensal para a função de técnico administrativo (remuneração inicial, em reais)
1 600
até 5 100
5 400
Média no setor privado
Nas universidades federais
Na Agência Nacional do Cinema
O Brasil é um dos países em que o governo menos se preocupa com o desempenho dos servidores Índice OCDE de meritocracia nas nomeações no serviço público em 33 países (quanto mais próximo de 1, mais meritocrático) 1,0 Portugal 0,8
Austrália Reino Unido
França
Turquia
México Chile Média da OCDE
Estados Unidos
0,6
Polônia BRASIL
0,4
A média de idade no setor público brasileiro é alta e muitos postos serão renovados em breve — uma hora ideal para repensar as condições dos entrantes Parcela de trabalhadores do governo central com mais de 50 anos de idade(1)
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21% 18%
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49% 42%
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Uma curiosidade: a maioria dos contratados no Chile acaba sendo de funcionários concursados que almejavam uma promoção. Isso reduz a necessidade de contratar gente de fora. No Brasil, o funcionalismo público cresceu 24% nos últimos 11 anos (a população aumentou 11%), sem que tenha sido criado um sistema de incentivos para que servidores cumpram metas e ambicionem avançar na carreira. E o governo ainda paga mais do que o mercado para seus funcionários. Tiago Cavalcanti, professor de desenvolvimento econômico da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, calculou que, em média, um funcionário público ganha 25% mais do que um colega com a mesma qualificação e experiência recebe no setor privado. “O setor público ainda oferece estabilidade para cargos em que isso é desnecessário e até prejudicial, como técnicos administrativos e professores universitários”, diz Cavalcanti. Uma solução para diminuir a diferença é dar aumentos salariais reais mais baixos ao setor público do que à iniciativa privada. Justiça seja feita: o governo Dilma tem adotado essa estratégia, segurando ajustes de diversas categorias. Mas falta criar um sistema de bonificação com base no desempenho dos servidores. A proposta está no programa de governo dos dois principais candidatos da oposição. O passo seguinte seria abrir espaço para demissões por incompetência, como ocorre no Chile. Isso requer coragem. Seria preciso mudar a Lei no 8.112 do Código Civil, que inclui as regras do funcionalismo. As empresas reclamam que uma mudança urgente é a da 8.666, obsoleta lei de licitações que torna penoso o processo de compras e contratações de serviços pelo governo. A fabricante de celulose Suzano espera há mais de um ano pela licitação para o aprofundamento do canal do porto que usa para escoar a produção no Maranhão. “O governo estadual diz que tentou duas vezes licitar, mas não consegue completar o processo”, diz Walter Schalka, presidente da Suzano. Uma proposta de nova lei de licitações tramita no Senado, sob a relatoria da senadora Kátia Abreu. “Hoje, o Tribunal de Contas da União, um órgão competente, fica refém porque precisa garantir o cumprimento de leis ruins”, diz Humberto Falcão Martins, sócio da consultoria Publix, especializada em gestão pública. Espera-se que o próximo presidente defenda a renovação dessa e de outras leis arcaicas.
(1) Dados de 2009 Fontes: Catho, Ministério do Planejamento e OCDE
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INFRAESTRUTURA Na opinião dos líderes empresariais ouvidos por EXAME, em vez de disputar com o setor privado e querer ocupar seu lugar, o governo deve batalhar pela atração dos investidores. Esse é o caminho para o país mudar de vez o retrato indigente de sua estrutura básica
A má qualidade da infraestrutura é um dos grandes formadores do chamado custo Brasil. Segundo a Fundação Dom Cabral, se o país tivesse portos, estradas, ferrovias e rodovias do nível existente nos Estados Unidos, as empresas brasileiras economizariam 83 bilhões de reais por ano. Lá, as companhias gastam um valor correspondente a 7,5% das receitas com logística – aqui, 13%. Ok, a comparação com os americanos pode soar exagerada. Mas confrontar o Brasil com o resto do mundo não nos coloca em situação mais confortável. De acordo com o Banco Mundial, estão piores do que nós nesse quesito somente nações do quilate de Líbia, Venezuela e Nigéria. “Nossa estrutura inadequada aumenta os custos de deslocamento de mercadorias, inibe o comércio exterior e tira o bem-estar das pessoas”, diz João Manoel Pinho de Melo, professor de eco-
nomia da escola de negócios Insper e autor de diversos estudos sobre o tema. A saída para resolver esse problema é óbvia: aumentar os investimentos. Ou seja, construir mais ferrovias, hidrovias, rodovias, aeroportos e portos — e reformar o que existe e está em pandarecos. A Confederação Nacional do Transporte estima que o país precisa investir 1 trilhão de reais num total de 2 045 projetos identificados como necessários para eliminar os gargalos da logística. Os maiores gastos seriam focados em trilhos e rodovias — 449 bilhões e 362 bilhões de reais, respectivamente. Um dos obstáculos para que os projetos saiam do papel é o ambiente inóspito para os investimentos. Eles devem ser em maior escala privados, já que o Estado brasileiro, com demandas de todos os setores e com déficit anual de 3,5% do PIB, não tem condições de assumir a tarefa.
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MICHAEL KLEIN Sócio da Via Varejo
ANA PAULA PAIVA/VALOR/FOLHAPRESS
Setor: varejo
A logística no Brasil é muito mal planejada. Nos Estados Unidos, todos os aviões de carga se dirigem para o centro do país e de lá os produtos são distribuídos. Aqui, um cargueiro que sai de Manaus tem de seguir para São Paulo antes de ir a Recife. O presidente Juscelino tinha pensado, 60 anos atrás, em tornar a região de Brasília um hub, com escoamento pelos rios Tocantins e Araguaia, por exemplo. Até hoje isso não vingou.”
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CAPA | eleições
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SERGIO RIAL
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Presidente da Marfrig Setor: bens de consumo
O Brasil é a única nação tropical que é uma potência agroindustrial. Somos muito competitivos nesse setor. Nossa vocação é assumir um protagonismo mundial no agronegócio. Para aproveitarmos mais nossas vantagens comparativas, precisamos de uma infraestrutura de qualidade. Hoje temos estrutura de país pobre.”
“
ROBERTO CORTES Presidente da MAN Setor: autoindústria
DANIEL WAINSTEIN/VALOR/FOLHAPRESS ,MURILLO CONSTANTINO/AG. O DIA, DANIELA TOVIANSKY, TIAGO QUEIROZ/AE, GERMANO LÜDERS,
Dois pontos precisam ser bem resolvidos para isso. O primeiro é demover o governo, de uma vez por todas, da ideia de que cabe a ele fixar a taxa de retorno que os investidores devem ter com os empreendimentos. Foi isso que atrasou a concessão de estradas por anos seguidos. E o governo também precisa conter o ímpeto de ser “sócio” dos projetos. Quando recuou, como fez na concessão de aeroportos, o resultado foi considerado um sucesso. Quando age com sanha estatizante, como tem feito no caso das ferrovias, afasta investidores. “O governo vai conseguir baixar o preço dos projetos se criar condições para que haja concorrência nas licitações”, diz Julian Thomas, presidente da transportadora marítima Hamburg Süd. O segundo obstáculo está na regulação pública. O país carece de regras claras para nortear os investimentos. O efeito mais visível é a judicialização dos processos. As lacunas legais precisam ser solucionadas nos tribunais, o que atrasa e encarece as obras. Países de origem anglo-saxônica, como Estados Unidos, Austrália e Inglaterra, mantêm câmaras de arbitragem para resolver disputas em setores específicos de infraestrutura. Isso dá agilidade ao processo. Pior do que não ter marcos regulatórios é agir de forma intempestiva, como o governo fez no setor elétrico ao forçar condições para tentar baixar tarifas. Provocou pânico entre os investidores e não conseguiu uma redução sustentável do preço da eletricidade. No fim das contas, todos esses problemas são vistos como fontes de risco pelos investidores. Quando a probabilidade de perda parece mais alta que a de obter retorno, não há interessados. E quem entra exige uma rentabilidade alta. Um estudo comandado pelo professor Vinicius Carrasco, do departamento de economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, calculou que, se o Brasil tivesse qualidade regulatória igual à média geral dos países emergentes, os investidores aceitariam aqui um retorno anual 1,3 ponto percentual menor do que a média de rentabilidade dos contratos atuais, de 6,5% ao ano. “Qualquer percepção de risco se reflete em exigência de retornos mais altos”, afirma Carrasco. Para conseguir custos menores nas obras e concessões de serviços, o melhor a fazer é o governo clarear as regras e fugir de uma tentação: a de se meter demais em todos os processos.
A China e a Índia avançaram puxadas pelos investimentos em infraestrutura. Nós não. Por isso, os chineses cresceram à média de 9% a 10% ao ano por muito tempo, e nós, de 2% a 3%. Gastamos mais do que os concorrentes com logística e perdemos competitividade.”
MUITO POR FAZER
Uma das grandes deficiências da economia brasileira O INVESTIMENTO É BAIXO...
Nas duas últimas décadas, o Brasil investiu em estradas, portos e aeroportos bem menos do que outros países emergentes (média anual de investimento em infraestrutura em relação ao PIB, de 1992 a 2012)
2,2%
BRASIL
4,7%
Índia
5,1%
5,8%
Média dos Média emergentes mundial
8,5%
China
Não por acaso, a infraestrutura construída no Brasil é inferior à média mundial (estoque de infraestrutura em relação ao PIB)
BRASIL
54%
Média mundial
71%
“
JOSÉ CARLOS GRUBISICH
WILSON FERREIRA JR.
Setor: papel e celulose
Setor: energia
“ “ Presidente da Eldorado
O modal mais eficiente é o ferroviário. Não no Brasil. Aqui os trens são mais lentos, e o frete é mais caro, igual ao custo do caminhão. Uma opção seriam as hidrovias, mas não investimos nelas. No fim das contas, meu custo de logística chega a 20% do faturamento. O custo de meus concorrentes globais fica entre 10% e 12%.”
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JULIAN THOMAS
Presidente da Hamburg Süd Setor: serviços
A infraestrutura atual é um imenso sugador de eficiência do setor produtivo brasileiro. Investindo hoje, seremos mais competitivos dentro de cinco a dez anos. Para isso, o governo precisa aceitar a atuação do setor privado.”
Presidente da CPFL
Para resolver o problema da infraestrutura, precisamos atrair os investidores. Isso depende de taxas de retorno atrativas, segurança jurídica e financiamento de longo prazo. Deixamos a desejar. O BNDES sozinho não consegue dar conta. Precisamos de um mercado de capitais desenvolvido para atender a demanda. Também é fundamental ter regras claras. Por sua falta, a judicialização na infraestrutura é vasta. Resultado: muitas obras atrasam e acabam custando mais.”
está no desenvolvimento precário que se observa em quase todas as frentes da infraestrutura ...E O RESULTADO É UMA INSUFICIÊNCIA NOS SERVIÇOS
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Fontes: Bain & Company, Banco Mundial e McKinsey
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47 km/h
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China
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12,8
39 km/h
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POR ANO
União Europeia
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Isso significa investir pelo menos
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29 km/h
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Hoje
A atividade portuária é mais cara (custo de exportação por contêiner, em dólares)
AS
BRASIL
Os trens aqui rodam mais devagar do que os de outros países (velocidade média nas ferrovias, em quilômetros por hora)
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A malha rodoviária é pequena comparada à de outros países (quilômetros de rodovias por 1 000 km² de área)
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Para se igualar à média mundial em 2030, será preciso mais do que dobrar os investimentos nos próximos anos (investimento anual em infraestrutura em relação ao PIB)
CAPA | eleições
Presidente da Ford Setor: autoindústria
TRIBUTÁRIO
Simplificar as regras tributárias é a quarta reforma mais pedida — a urgência em acabar com um sistema kafkiano, que suga tempo e recursos das empresas, é um consenso. Eis uma mudança poderosa para estimular os negócios e o crescimento do país
Nosso sistema tributário é um monstrengo implacável. Tudo é taxado: faturamento, folha de salários, lucro, investimento, inovação — até uma atividade simples, como enviar uma peça da matriz para uma filial que está em outro estado, não passa despercebida pelo Fisco, que pega seu quinhão da operação. Pior do que taxar tudo é taxar tudo de forma confusa. O país tem impostos e contribuições similares e que se sobrepõem. O imposto de renda sobre a pessoa jurídica é parecido com a contribuição social sobre o lucro líquido. E PIS e Cofins são siglas que designam mordidas do governo com a mesma alegação: financiar a seguridade social. “São tributos praticamente idênticos, que poderiam ser unificados”, diz o advogado David Roberto Soares da Silva, autor de um guia do sistema tributário brasileiro para investidores estrangeiros. De acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, só o trabalho de cumprimento das normas suga das empresas 45 bilhões de reais por ano. Esse é o montante que elas gastam com pagamento de funcionários, equipamentos e softwares voltados especificamente para o atendimento do Fisco. Por isso, criou-se um consenso: para voltar a crescer, o país precisa simplificar a forma como tributa os contribuintes. “Para se tornar mais competitivo, é inadiável que o Brasil faça uma reforma que torne o sistema menos complexo e menos custoso”, diz Fernando Alves, presidente da consultoria PwC.
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Regras demais e que mudam toda hora dão brecha para interpretações diversas no sistema tributário brasileiro. O resultado é que as empresas estão sempre envolvidas em alguma disputa judicial com o Fisco. Tudo isso representa custos — de equipes para lidar com tributos a advogados. São recursos perdidos que poderiam ser usados na produção.”
LUIS USHIROBIRA/VALOR/FOLHAPRESS, GERMANO LÜDERS, AYRTON VIGNOLA/AE, FABIANO ACCORSI, ADRIANO VIZONI/FOLHAPRESS
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“
ROGELIO GOLFARB
JOSÉ GALLÓ
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Presidente da Renner Setor: varejo
Nossos fornecedores de costura se dividem em dezenas de pequenas empresas com faturamento de até 3,6 milhões de reais porque o custo tributário é menor até essa faixa. Mas o ideal seria constituir empresas com tamanho que permitisse a compra de máquinas modernas, proporcionando ganhos de escala. O sistema tributário brasileiro inibe o crescimento das empresas e, no fim das contas, diminui a produtividade de todo o setor.”
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“ “ ANDERSON BIRMAN
Presidente do conselho de administração da Arezzo Setor: têxtil
Nossa marca Schultz abriu sua primeira loja nos Estados Unidos em 2012. Além de ser o maior mercado do mundo, a burocracia lá é muito menor, o sistema tributário é mais simples e, portanto, é mais fácil apurar os resultados das vendas. Eu fico muito mais estimulado a crescer lá do que aqui.”
JORGE GERDAU
“
Presidente do conselho de administração da Gerdau Setor: siderurgia e metalurgia A Gerdau tem operações industriais em 14 países e, em todos, com exceção do Brasil, trabalha com tributos não cumulativos. Atualmente, as legislações estaduais e federal referentes aos tributos geram burocracia e custos. É como se nossas empresas participassem de uma maratona carregando uma mochila de 40 quilos; e os competidores, não.”
JOÃO CARLOS BREGA Presidente da Whirlpool Setor: eletroeletrônico O Brasil tem um sistema tributário que gera uma tremenda insegurança jurídica. É quase impossível uma empresa cumprir 100% das regras. O resultado? As empresas volta e meia são autuadas pela Receita Federal. Os investidores estrangeiros sabem disso e levam em conta esse fator na hora de decidir por um investimento.”
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FERNANDO ALVES Presidente da PwC Setor: serviços
Fazer a reforma tributária é o primeiro passo para viabilizarmos um projeto de país. O sistema hoje é caro e complexo. Temos um sócio, que é o Estado, que fica com 40% dos lucros e não entrega serviços de qualidade. Mexer nisso implica rever o tamanho do Estado e melhorar sua eficiência.”
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CAPA | eleições Simplificar os tributos é uma tarefa, em tese, menos espinhosa do que cortar os tributos. O Brasil pode se espelhar em dois modelos: o americano e o europeu. Nos Estados Unidos, os impostos incidem sobre a renda e sobre o consumo — não há tributos em cascata sobre o faturamento. As empresas conseguem se preo cupar apenas em produzir. Já o modelo europeu tem semelhança com o nosso por haver cobrança de impostos durante a produção. Mas se diferencia por ser bem mais simples. O recolhimento é feito pela cobrança do imposto sobre o valor agregado, que incide sobre todos os bens e serviços. O IVA seria o mesmo que pegar CSLL, PIS, Cofins, ICMS, IPI e outros de nossa indigesta sopa de letras e juntar tudo num só tributo. No sistema europeu, como o imposto é um só, fica fácil a empresa pagar e ter créditos pelo que seus fornecedores já recolheram. No Brasil, o sistema que gera os tributos cumulativos é difícil de medir — no setor automobilístico eles foram estimados em 10% do valor da produção, segundo um estudo da consultoria Booz e da Fundação Getulio Vargas. “Praticamente todos os países adotaram um sistema de IVA”, diz Jorge Gerdau, presidente do conselho de administração da siderúrgica Gerdau. “É um processo que precisa ser implantado gradualmente, mas tem de começar.” Em vez de buscar algo como o IVA, a agenda tributária do governo nos últimos anos esteve centrada no alívio de impostos para setores vistos como “estratégicos”, as chamadas desonerações. “Isso não deu resultado”, diz Pedro Passos, sócio da Natura e presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. “Chegamos a um consenso de que a reforma precisa simplificar a vida de todos os setores.” Aos poucos, porém, o foco começa a mudar. O primeiro passo para a simplificação do sistema foi dado. Recentemente, o Congresso criou projetos para a unificação do PIS e da Cofins e a simplificação do ICMS. No EXAME Fórum realizado em agosto, Nelson Barbosa, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, demonstrou otimismo com a evolução das reformas em 2015. “Os projetos estão prontos para ser aprovados”, disse Barbosa. A primeira proposta é mais fácil de concretizar, já que trata só de tributos federais. Mexer no ICMS significa mexer com o interesse de todas as unidades da Federação. Eis um bom uso para o capital político do futuro presidente.
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O INSANO MUNDO DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS No Brasil, tão ruim quanto o montante de impostos é lidar com as constantes mudanças de regras — cujo descumprimento coloca as empresas na mira da Receita Federal Desde a promulgação da Constituição, em 1988, o número de regras tributárias foi multiplicado por 10 (quantidade de normas editadas — acumulado ano a ano)
309 147 Isso dá uma média de
46 NORMAS
29 713
EDITADAS POR DIA ÚTIL 1998
2013
De todas as normas editadas, apenas 7,5% estão em vigor. As demais pereceram — já foram alteradas ou substituídas Editadas
309 147
EM VIGOR
23 412
Erros no cumprimento dessas normas resultam em multas, cuja arrecadação tem aumentado nos últimos anos (valores nominais arrecadados em fiscalizações da Receita Federal, em reais) 2011
102 bilhões
2012
110 bilhões
2013
181 bilhões
Além da confusão de leis e regras, a carga tributária paga pelas empresas está entre as mais altas do mundo (total dos impostos em relação aos lucros)
83%
68%
65%
Bolívia
BRASIL
França
47%
41%
35%
Taiwan Média da Média América de países Latina desenvolvidos
Fontes: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, PwC e Receita Federal