Entrevista MARINE LE PEN
NATHALIA WATKINS, de Estrasburgo
Unidos pelo nacionalismo
A aversão ao liberalismo e o antiamericanismo da mulher que pode se tornar a próxima presidente da França são a prova de que a direita e a esquerda se encontram nos extremos
M
arion Anne Le Pen, chamada de Marine, é a favorita nas pesquisas para as eleições presidenciais de 2017 na França, com 30% das intenções de voto. Advogada de 46 anos, ela comanda o partido Frente Nacional (FN), fundado por seu pai, Jean-Marie, em 1972. Marine despacha três dias por mês em seu escritório no Parlamento Europeu, do qual é deputada, em Estrasburgo, na França. Na entrevista a VEJA, interrompida por baforadas em um cigarro eletrônico, ela se mostrou fortemente estatizante, antiamericana, protecionista e nacionalista. Embora situe no espectro de oposição à FN os políticos de esquerda (entre os quais os chavistas venezuelanos e os gregos do Syriza), ela não consegue esconder sua admiração por eles.
O atentado à redação do Charlie Hebdo, em Paris, fortaleceu o seu movimento? Os atentados não tiveram vencedores. Só perdedores. O certo é que nós fomos os únicos que há muito tempo advertimos que tudo o que estava sendo feito no país só aumentava o poder do
JOEL SAJET/AFP
Podemos chamá-la de líder da extrema direita francesa? A Frente Nacional não é um partido de extrema direita. Somos uma organização patriota, que preza o Estado-nação, o nacionalismo econômico, a independência diplomática em relação aos Estados Unidos e defende uma imigração controlada. Na França, a direita e a esquerda desenvolveram uma mesma e frouxa política. São responsáveis pelos mesmos números elevados de imigração. Por isso, a divisão entre esquerda e direita aqui não existe. É uma miragem. A verdadeira separação é aquela entre os que defendem a nação, como nós, e os que, em benefício do comércio global, advogam o desaparecimento das nações, a abolição das fronteiras e o fim das identidades nacionais.
“A Rússia não é um agressor. Foram os Estados Unidos que criaram as condições para o conflito na Ucrânia” �|
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Entrevista
MARINE LE PEN
fundamentalismo islâmico e punha em risco nossa segurança interna. A senhora é favorita nas pesquisas de intenção de voto para o pleito de 2017. Qual seria sua primeira medida como presidente da França? Devolver aos franceses seus direitos, sua soberania. Hoje, com a União Europeia (UE), nossos direitos foram retirados. Não controlamos nossas fronteiras. Nosso orçamento e nossas leis são inferiores àqueles impostos pelos tecnocratas europeus. Quero o poder para devolvê-lo ao povo. Para isso, pretendo organizar um referendo sobre a saída da UE, que é um modelo totalitário. Que dados justificariam a saída da França da UE? Um dos continentes mais ricos do mundo está falido. Isso começou com o euro. O desemprego e a pobreza explodiram. Nossas economias estão em crise. As políticas de austeridade criaram um sofrimento imenso. Hoje a UE é sinônimo de guerra. O conflito na Ucrânia, as disputas em Kosovo, a luta econômica que coloca os povos uns contra os outros e elimina direitos sociais. Isso criou o que chamo de “dumping social”, que agora se torna também ambiental e monetário. O que é exatamente o “dumping social”? É a eliminação dos direitos sociais locais que exacerba a concorrência entre os trabalhadores, produzindo um efeito do qual apenas algumas multinacionais se aproveitam. Não foi justamente o fim dos nacionalismos e do protecionismo econômico, dois pilares da UE, que garantiu tantas décadas de paz na Europa? Isso é uma grande mentira. Foi a paz que permitiu a construção da UE, e não o contrário. Então o que produziu a paz, em sua opinião? Foram a vontade das nações e o aprendizado com os erros das guerras do passado que evitaram novos conflitos. Na Ucrânia, o que está acontecendo hoje é resultado da influência 14 |
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�No século XX,
houve dois tipos de totalitarismo: o comunismo e o nazismo. Os de hoje são o islamismo, que quer impor a lei muçulmana a tudo, e a globalização, que reconhece apenas a lei do comércio” americana. Para defenderem seus interesses, os Estados Unidos mostraramse dispostos a lançar uma guerra no seio da Europa depois de terem feito o mesmo por todo o Oriente Médio. O que a senhora acha da coalizão internacional, liderada pelos Estados Unidos, para combater o Estado Islâmico (Isis)? A França está indo atrás dos americanos, que estão deslegitimados naquela parte do mundo. Eles são responsáveis pelo desequilíbrio da região, pela ascensão do Isis e do fundamentalismo islâmico. Quero a França com uma diplomacia independente. Antes, tínhamos reputação e influência. Isso foi perdido. Estamos submissos à diplomacia americana. Os Estados Unidos devem mandar armas aos ucranianos? Não. A Rússia não é um agressor. Foram os Estados Unidos que criaram as condições para a violência na Ucrânia. São os europeus que devem solucionar esse problema. Os americanos não têm nada que fazer em nosso território. Seria melhor que os Estados Unidos não fizessem nada? Eles deveriam parar de tentar ser os policiais do mundo.
Se os Estados Unidos não ajudarem, como os ucranianos poderão se defender? Como não há agressão, não há do que se defender. São os ucranianos que estão bombardeando parte de sua população civil. O resultado das conversas diplomáticas deve incluir a federalização da Ucrânia, mas para isso é preciso um compromisso de que Kiev não se junte à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Isso é desejo dos americanos, que querem, por meio da Otan, abrir frentes até a fronteira russa, o que é inadmissível para Moscou. O papel da Otan não seria impedir ou pelo menos retardar o expansionismo de Putin? A Otan não tem razão de existir. Depois do fim da União Soviética, essa entidade deveria ter sido dissolvida. Em vez disso, ela se tornou uma arma nas mãos dos Estados Unidos. A Rússia e Vladimir Putin, por outro lado, não têm nenhuma pretensão expansionista. Só o que fazem é responder a uma agressão dos americanos em sua zona de influência econômica. O Brasil tem uma empresa energética, a Petrobras, que, por ser estatal, virou presa da corrupção. Não é um contrassenso defender a estatização hoje? Acho que os governos precisam atuar a partir de uma estratégia, mas não digo que isso signifique estatizar tudo. É precisamente quando há pessoas que só pensam no próprio bolso e põem a mão em bens do Estado que se deve intervir. Nicolás Maduro, na Venezuela, também fala, a exemplo da senhora, em defesa de interesses nacionais, mas os resultados são desastrosos. A senhora admira esse pessoal? Uma nação precisa preservar sua identidade econômica e fazer escolhas que são do interesse do povo. Olhe só a questão da indústria do aço na França. Um país grande como o nosso, com uma grande indústria de armamentos, não pode depender de uma multinacional estrangeira e fundos de investimentos
ČO Syriza, da Grécia,
multinacionais para esse setor. O Estado tem de ter em suas mãos os setores essenciais para seu desenvolvimento. É preciso independência alimentar, energética e militar. Isso dá liberdade para que o povo faça as próprias escolhas. Quando uma empresa estratégica está nas mãos de um país como o Catar, que financia o fundamentalismo islâmico, nossa nação fica vulnerável. Hugo Chávez era um político de esquerda. Qual é sua opinião sobre ele? Chávez tinha uma posição política totalmente oposta à da Frente Nacional. Mas vale refletir que os americanos há muito tempo demonizam seus adversários. Separam o mundo entre bem e mal. Isso pode funcionar para crianças, mas não para pessoas que pensam com o livre-arbítrio, que julgam os fatos a partir de um ponto de vista mais inteligente e equilibrado. Os venezuelanos que já protestaram contra o governo julgaram de maneira errônea o ex-presidente Chávez? Poderiam apreciá-lo por não se submeter à pressão estrangeira. Nós, franceses, sofremos muito por estar submetidos à União Europeia. O primeiro direito de um povo é não ser submisso a outros. Não posso julgar a política econômica do ex-presidente Chávez porque não a conheço em detalhes. Não posso dizer o que ele deveria ou não ter feito. Mas concordo integralmente com o conceito de não se curvar a pressões externas. Que pressões são essas, na opinião da senhora? No século XX, houve dois tipos de totalitarismo: o comunismo e o nazismo. Os de hoje são outros. São o islamismo, que quer impor a lei muçulmana em tudo e a todos, e a globalização, que reconhece apenas a lei do comércio. Eu combato o totalitarismo e, portanto, me coloco como oposição a essas forças. A senhora apoiou a ascensão do partido de esquerda Syriza, na Grécia? O Syriza é uma sigla que defende muita
é uma sigla totalmente oposta à Frente Nacional. O que eu apoio é a vontade do povo grego de tomar as rédeas do próprio destino. Defendo a vontade de se opor aos mandos da União Europeia” coisa totalmente contrária às ideias da Frente Nacional. O que apoio é a decisão do povo grego de tomar as rédeas do próprio destino. Defendo a vontade manifesta dos gregos de se opor aos mandos da União Europeia e admiro sua luta para escapar da escravidão que lhes foi imposta pela dívida que contraíram. A senhora acredita ou vê progressos nas iniciativas de muçulmanos moderados dispostos a agir com o objetivo de conter a radicalização? Uma grande parte dos muçulmanos moderados tem medo de fazer qualquer coisa nesse sentido. Muitos moram em subúrbios, onde sofrem com o terrorismo intelectual dos radicais sobre eles. Vivem sob pressão. As instituições, por seu lado, que deveriam proteger os moderados, são tão fracas que não conseguem lhes passar segurança alguma. Assim, eles se sentem à mercê da onda islamista. A iniciativa patética do governo francês foi abrir um site no qual se lê: “Pare o jihadismo”. Sinceramente, não sei se é para rir ou para chorar. Falta coragem para enfrentar questões reais. Temos mesquitas financiadas por países estrangeiros, e não existe nenhum controle sobre elas e suas finanças. A República
francesa já não existe em determinados subúrbios. Tudo isso ocorrendo, e o governo se limita a criar um site na internet. A senhora concorda que, no passado, o período de bonança econômica na Europa se deveu aos imigrantes? Não, absolutamente. A França acolheu imigrantes europeus em uma proporção razoável, e eles foram assimilados completamente pela cultura do nosso país. Nos anos 1970, a pedido dos patrões das maiores empresas, a França aceitou um fluxo massivo de imigrantes com o objetivo único de forçar a diminuição dos salários. Foi uma manobra para reduzir os custos das empresas e repassá-los ao povo. O resultado foi que o sistema social francês teve de acolher os imigrantes sub-remunerados, e a pobreza e o desemprego continuaram intactos. Deportar imigrantes é uma solução? Primeiro, é preciso interromper a imigração. A assimilação na Europa tem sido um fracasso total. A situação econômica não permite receber as pessoas nas condições desejáveis. Precisamos mostrar isso e, assim, reduzir a atratividade do nosso país junto às populações pobres que têm a intenção de vir para cá. O que fazer com os filhos de imigrantes que foram se juntar a extremistas na Síria e no Iraque e agora querem retornar à França? Eu os mandaria de volta ao lugar de onde vieram. Como a senhora explica que judeus na França tenham medo da ascensão da Frente Nacional? Muitos judeus franceses esperam, impacientes, que cheguemos ao poder. Eles não devem ter medo de nós, pelo contrário. Nossa vontade é lutar de maneira mais firme contra o islamismo e dar a eles mais segurança. Se os judeus forem embora da França, não será por causa da Frente Nacional, e sim por causa do Islã radical. Os judeus, sim, são o maior alvo dos radicais. Mas, incontestavelmente, todos estamos na mira. ƒ �|
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