(Boa) educação
A SUPER viajou 6.500 km em duas semanas*, para visitar quatro escolas públicas que estão entre as melhores do Brasil, com nível de aprendizagem superior à média de países como Canadá e Suíça. Com poucos recursos e muito trabalho – compartilhado entre pais, mestres e autoridades –, esses recantos de excelência educacional colecionam lições para semear pelo País. Reportagem e Fotos Gabriela Portilho Ilustração Sílvio Pequeno Design Flávio Pessoa Edição Tiago Jokura *A SUPER viajou a convite da Fundação Lemann
(Boa) educação
A SUPER viajou 6.500 km em duas semanas*, para visitar quatro escolas públicas que estão entre as melhores do Brasil, com nível de aprendizagem superior à média de países como Canadá e Suíça. Com poucos recursos e muito trabalho – compartilhado entre pais, mestres e autoridades –, esses recantos de excelência educacional colecionam lições para semear pelo País. Reportagem e Fotos Gabriela Portilho Ilustração Sílvio Pequeno Design Flávio Pessoa Edição Tiago Jokura *A SUPER viajou a convite da Fundação Lemann
O cenário da educação no Brasil desanima. Só metade de quem ingressa na escola pública termina o ensino médio. O nível de aprendizagem é baixo: 65% dos alunos de 5º ano não diferenciam formas geométricas, como círculos, triângulos e retângulos, e quase 70% no 3º ano do ensino médio não identificam a informação principal em uma notícia curta. Os índices educacionais nos deixam atrás de Cazaquistão, Albânia e dos vizinhos Uruguai, Argentina e Chile. ¶ Mas a 2ª edição da pesquisa Excelência com Equidade (EE)*, divulgada este mês, revela que existe excelência onde não se espera: há 147 escolas públicas fundamentais e 31 de ensino médio com nível de aprendizagem superior à média de Canadá e Suíça**. ¶ “Existe um discurso de que alunos de comunidades pobres estão fadados ao fracasso escolar. A EE mostra que isso nem sempre é verdade. Várias escolas conseguem ser excelentes”, declara Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann. ¶ “Mais que mostrar que é possível driblar as adversidades, queremos identificar as boas práticas das escolas e mostrar como podem ser replicadas”, explica Ernesto Martins Faria, coordenador da EE. Viaje pel as histórias dessas escol as no site:
abr.ai/publicasexcelentes
50 super dezembro 2015
habitantes
A escola é uma família EEF Miguel Antonio de Lemos Pedra Branca/CE
Se
você chegar à nossa escola não vai ver nada de anormal. Salas e laboratórios são pequenos, a merenda é simples e não há grandes eventos. Mas a educação daqui marca a vida de quem passa”, diz Amaral Barbosa, diretor da Escola de Ensino Fundamental (EEF) Miguel Antônio de Lemos, em Pedra Branca (CE), a 260 km de Fortaleza. A “escola de Amaral”, como é conhecida, não aparece no GPS. Fica em um sítio a 18 km
da cidade, no meio do sertão. Porcos, jumentos e bois rodeiam a escola, e a agricultura local é de subsistência, com vários alunos ajudando os pais – na maioria, não alfabetizados – na lavoura. Desmistificando a ideia de que o mau desempenho do ensino está ligado à baixa educação dos pais ou ao nível socioeconômico local, a escola tem um dos melhores desempenhos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do Brasil, com nota 8,9
42.746
Taxa de alfabetização
57,6% alunos
180
para o 9º ano. A média nacional é 4,2. A média das escolas particulares brasileiras é 5,9. Amaral atribui os resultados à estreita relação entre a escola e a comunidade. Ele próprio carrega a escola no DNA: é bisneto do seu Miguel, que nomeia a escola – outros 15 professores também são descendentes do seu Miguel. A eles juntou-se um time de voluntários da comunidade, que une esforços para tornar a escola mais agradável. Cada
* Pesquisa realizada pela Fundação Lemann, com apoio do Itaú BBA e do Instituto Credit Suisse Hedging-Griffo ** Saeb 2013 e Pisa 2012
um ajuda como pode: o motorista do pau de arara (transporte escolar da maioria dos alunos) dá aulas de baixo, um dos pais ensina sanfona e o professor de história e geografia empresta a bateria para os alunos aprenderem. Nos finais de semana, a quadra esportiva vira salão de festas para batizados e casamentos e recebe em troca pequenos serviços, como um reparo feito por algum pai que seja pedreiro, ou um desconto nas roupas de formatura dado por uma mãe costureira. Tudo isso ajuda a fechar
IDEB
Média br
8,9 4,2
as contas da escola, que se mantém com apenas R$ 4 mil anuais de orçamento para compra de materiais didáticos e de limpeza. Para a coordenadora pedagógica Bruna Barbosa de Lima, além do apoio material, a proximidade com a comunidade envolve os alunos e os faz respeitar os mestres. “A escola é tratada como algo muito importante. E isso se reflete no índice zero de evasão. Todos entendem a importância de estar aqui”. Os pais são tão participativos que decidem com coordenadores e professores o currículo pedagógico a cada ano. “Vários não sabem escrever o nome, mas sabem o que é IDEB, compreendem a importância das avaliações e das etapas de ensino”, explica Amaral. Pelo desempenho, a escola recebeu por sete vezes o prêmio estadual Escola Nota 10, que gratifica com R$ 2 mil por aluno os melhores colégios do Ceará. No entanto, só recebe em mãos 75% do valor. O restante só vem quando a escola ajuda uma outra da região a melhorar seus índices. “Todos têm que crescer juntos, em rede. Se eu ajudo uma escola que alfabetiza, melhoro também a qualidade do aluno que chega à minha, e assim toda a educação se eleva”, sustenta Amaral.
BOAS PRÁTICAS Proximidade entre famílias e escola
Envolvimento estreito com a comunidade
Quebrando muros Escola Municipal Rodrigues Alves Rio de Janeiro/RJ habitantes
6,3 milhões
Em
Taxa de alfabetização
95,8%
meio à Barra da Tijuca, região nobre do Rio de Janeiro, alunos da escola Rodrigues Alves seguem para uma praça com caixas de livros para distribuir. “Hoje tô sem dinheiro, filho”, diz uma moradora. “Não é venda, não. É só uma doação”, explica Pedro Henrique
alunos
228
Barbosa, aluno do 8º ano. A cena reflete um preconceito que o próprio programa de doação de livros foi pensado para desconstruir. “A escola pública ainda é vista como um lugar de crianças selvagens", conta o comerciário Martin Hruby, 53, pai de Rodolpho, do 9º ano. “Meu filho sai de casa → dezembro 2015 super 51
com uma blusa por cima do uniforme para não ser identificado como aluno de escola pública. A gente precisa mudar isso”, diz. O que quase ninguém sabe é que, em meio aos condomínios de luxo do bairro, está uma das melhores escolas da cidade. Com o IDEB de 6,7, acima da média das escolas particulares no Brasil, o colégio é frequentado em sua maioria por filhos de porteiros, empregadas domésticas e vigias que trabalham na região. Mas a qualidade convenceu algumas famílias de classe média a apostar no ensino
IDEB
média particul ares
6,7 5,9 BOAS PRÁTICAS
Docentes com dedicação exclusiva Leitura como prática rotineira Humanização no contato com os alunos
público. É o caso da tradutora Daniella Dias e do publicitário Felipe Barcellos, que decidiram juntos com a filha Lia sair do colégio particular. Além de encontrar qualidade de ensino, Lia diz gostar de conviver com a diversidade. “Na escola particular, eu ficava muito presa a um mesmo universo.” Com apenas 228 alunos, a Rodrigues tem turno integral. Os professores trabalham 40 horas semanais, fato incomum no ensino 52 super dezembro 2015
público brasileiro, em que 70% dos professores trabalham menos de 40 horas por semana e 46% trabalham em mais de uma instituição. Na diretoria, Alexandre Magno Borja iniciou uma reforma administrativa em 2008, remanejando os professores descomprometidos com os resultados. Ele também reaproximou os pais da escola. Em vez das tradicionais reuniões, propôs um grande café da manhã. “Os pais têm que se sentir parte do processo, além de compartilhar ideias e soluções para os problemas da escola, que são também da comunidade”, explica. Com a casa em ordem, a coordenação pedagógica se abriu para um novo modelo de ensino: o Ginásio Experimental Carioca (GEC). Lançado em 2011 pela Secretaria Municipal, o programa propõe turnos integrais de ensino com atividades extracurriculares, como cineclubes, oficinas de HQ, xadrez, aulas de idiomas, teatro e disciplinas de projeto de vida, que ajudam na orientação vocacional. Em quatro anos de GEC, o IDEB da escola dobrou e os problemas de indisciplina diminuíram drasticamente. Hoje, boa parte dos alunos que sai do Rodrigues Alves ingressa em escolas concorridas e tradicionais do município, como Sesc e Pedro II. Os alunos comemoram: “É bom estudar onde se tentam coisas novas e se experimenta. Isso motiva a gente a fazer o mesmo na vida”, conclui Lia.
Uma escola não é uma ilha Profª Hebe de Almeida Leite Cardoso Novo Horizonte/SP habitantes
32.432
Taxa de alfabetização
89,7% alunos
1.100
Até
2007, as escolas de Novo Horizonte, a 410 km de São Paulo, não eram diferentes do estereótipo da escola pública no Brasil: grades nos corredores, cadeiras quebradas, muros pichados, alunos fora das salas e índices de desempenho baixos. A mudança começou quando as escolas passaram das mãos do Estado para as do município. Para Paulo César Magri, secretário de Educação e Cultura, o primeiro passo foi deixar o ambiente escolar agradável. Um dos pioneiros na mudança foi o colégio Profª Hebe de Almeida Leite Cardoso. Carteiras foram trocadas, salas de aula pintadas e climatizadas. Nas áreas comuns,
IDEB
média SP
6,3 4,7
brotaram ipês, primaveras e orquídeas. Em todas as escolas da cidade foram criados espaços de convivência: quiosques, bibliotecas com sofás, salas de música com piano e banheiros com toalhas e espelhos. “Nunca mais tivemos entupimento, pichação ou quebra de bancos. Os alunos entenderam que a escola também é deles e passaram a zelar”, conta Paulo. Hoje, a manutenção da Hebe é feita com cerca de R$ 10 mil anuais recebidos da Prefeitura, e com doações dos pais e dinheiro arrecadado
BOAS PRÁTICAS
Acompanhamento semanal da aprendizagem
Estrutura física promovendo autoestima
Oásis no sertão EM Gerardo Rodrigues Sobral/CE habitantes
Taxa de alfabetização
155.276
75,5%
Em
Sobral, a 240 km de Fortaleza, metade da população vive com menos de R$ 310 mensais. Ainda assim, virou referência em ensino. Das 178 escolas públicas de excelência no Brasil, 21 estão lá. Para Julio César da Costa Alexandre, secretário de Educação, um dos segredos é ensinar português e matemática com excelência. “Se o aluno não compreende o que lê, não avança nas outras disciplinas.”
em festas. “Muito se fala sobre investimento em infraestrutura, mas economizamos cuidando do que já temos”, conta a diretora Maria Cristina Bertolini do Prado. Os alunos ocuparam a escola, reduzindo a evasão. É comum encontrar estudantes de outros períodos na biblioteca, fazendo atividades extracurriculares. Em 2014, nenhum aluno largou a escola – no Brasil, em 2014, cerca de 450 mil alunos deixaram a escola nos anos finais. Para combater a evasão, vale tudo. Secretário há 16 anos, Paulo vai à rádio local convocar os pais para se envolver na vida escolar dos filhos. “É um direito dos alunos ter ensino gratuito e de qualidade, e obrigação
dos pais fazer valer esse direito”, afirma. Para acompanhar o desempenho dos alunos e a qualidade do ensino, as escolas municipais fazem avaliações semanais. “Avaliamos para saber se os alunos estão aprendendo e como podemos ajudá-los a avançar”, explica a diretora. Segundo a coordenadora pedagógica Thaís Machado, o trabalho em redes ajuda na troca de conhecimento entre professores de diferentes escolas. Uma vez por semana, os docentes municipais, divididos por disciplinas, discutem a melhor maneira de abordar os conteúdos. “Compartilhando os métodos fica mais fácil entender como ensinar melhor”, revela Thaís.
IDEB
Meta BR
6,9 5,5 BOAS PRÁTICAS
Acompanhamento de frequência Excelência no ensino de português e matemática
alunos
1.039
Para garantir assiduidade, um funcionário da escola Gerardo Rodrigues vai de moto buscar alunos em casa após três faltas seguidas. “Analisamos os resultados de provas e quem vai mal tem reforço. O acompanhamento é diário e nenhum aluno fica para trás”, diz a diretora Maria do Socorro Aguiar. Mas há outros desafios: Sobral é uma das cem cidades com maiores taxas de homicídio entre jovens de 16 e 17 anos no Brasil. Para lidar com a violência, a escola dá voz aos alunos por meio de avaliações anuais e oferece um curso de formação de líderes. Para Evercleison Nascimento, do 8º ano, o programa “desenvolve competências que permitem resolver problemas do meu bairro e da minha cidade. É um aprendizado para a vida”. S