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Polícia

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CriMe Pesquisa de VEJA comprova que os bandidos no Brasil saem da cadeia muito mais perigosos do que quando entraram: o estelionatário vira traficante; o contrabandista, sequestrador; e o ladrão, assassino — como ocorreu com o menor H.A.S., que passou treze vezes por instituições do Estado antes de ser acusado de matar a facadas o médico Jaime Gold, no Rio

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CriMe Pesquisa de VEJA comprova que os bandidos no Brasil saem da cadeia muito mais perigosos do que quando entraram: o estelionatário vira traficante; o contrabandista, sequestrador; e o ladrão, assassino — como ocorreu com o menor H.A.S., que passou treze vezes por instituições do Estado antes de ser acusado de matar a facadas o médico Jaime Gold, no Rio

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Mais perigosos, organizados e letais VEJA analisou 1 306 processos de duas penitenciárias de segurança máxima em São Paulo: três em cada quatro reincidentes cometeram crimes mais graves que na primeira vez NA PRIMEIRA VEZ EM QUE FORAM PRESOS

fÁbriCa de Monstros

Prisão Novo Horizonte: não, ela não é uma exceção

DEPOIS QUE PASSARAM PELA PRISÃO

Cometeram assassinato

0,8%

30%

Roubaram e mataram

0,7%

14,4%

Sequestraram

0,1%

14%

12%

39%

Traficaram

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pedro teixeira/ ag. o globo

N

a manhã de 26 de novembro de 1989, Julio Cesar Guedes de Moraes, de 18 anos, aproximou-se do Porsche azul parado na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta e, arma em punho, mandou que o motorista lhe entregasse o Rolex de ouro que levava no pulso. A vítima, um executivo, passou-lhe o relógio, mas, assim que o bandido se afastou, gritou: “Pega ladrão!”. O ladrão chegou a atirar, mas a polícia apareceu e o prendeu. Moraes passou oito meses na cadeia até conseguir fugir. Voltou a roubar, assaltou bancos e acabou preso novamente. Em 1993, quando dividia pela quarta vez uma cela abarrotada de criminosos de todos os calibres, entrou para uma facção criminosa recém-criada. Fugiu, foi preso outra vez e, em 1995, assassinou três detentos a golpes de faca junto com catorze comparsas. Em 2002, depois de uma sangrenta troca de comando na facção, Julio de Moraes, o ladrão que havia sido preso pela primeira vez ao tentar roubar um relógio, já tinha outro nome e outro status: era Julinho Carambola, o segundo homem do PCC, a facção criminosa que domina os presídios de São Paulo e à qual se atribui a morte de centenas de homens, dentro e fora das cadeias. A transformação de Moraes em Julio Carambola é um exemplo extremo de como o sistema penitenciário brasileiro é capaz de piorar os que nele desembarcam. Durante dois meses, VEJA analisou os 1 306 processos de execução penal dos criminosos mais perigosos de São Paulo, encarcerados na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau e na Penitenciária 1 de Avaré. De cada dez detentos, nove cometeram crimes repetidas vezes — os chamados reincidentes. O que a análise da sequência e da natureza desses delitos revela é impressionante: três em cada quatro reincidentes cometeram crimes mais graves a cada prisão. Em outras palavras, o que o levantamento indica é que um bandido quase sempre sai da cadeia mais perigoso do que quando entrou. Que um estelionatário vira um traficante; um contrabandista, um sequestrador; um ladrão, um assassino. Para analisar essa evolução, a re-

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José lucena/ futura press/ folhapress

∂ tragédia no cartão-postal  O médico Jaime Gold, de 56 anos, pedalava na Lagoa Rodrigo de Freitas todo fim de tarde. No dia 19, segundo testemunhas, H.A.S., de 16 anos (à esq.), e um comparsa estariam de bicicleta quando se aproximaram dele e o esfaquearam por trás. Como o médico não desmontou imediatamente, foi golpeado mais e mais. Gold caiu, sangrando e segurando o abdômen, vísceras à mostra. H.A.S., que já havia sido apreendido treze vezes antes disso, fugiu com o outro suspeito, levando a bicicleta, a carteira e o celular do médico, que morreu na manhã seguinte (ao lado, seu enterro)

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∆ do roubo ao assassinato  Daniel de Paula Celeste já tinha passado duas vezes pela prisão, a primeira em 2007 e a segunda em 2011. Dois meses depois de ser solto pela segunda vez, matou o estudante universitário Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, no estacionamento da USP, tudo porque o jovem não entregou o dinheiro que tinha sacado no caixa. Agora, foi condenado a vinte anos portagem se baseou em três critérios: crimes contra a vida são mais graves que aqueles contra o patrimônio; crimes com penas mais altas são mais graves que aqueles com penas menores; e, em caso de prisões pelo mesmo crime, uma diferença de escala também torna o crime mais grave — uma prisão por posse de 2 quilos de maconha foi considerada “mais grave” que outra por posse de 200 gramas, por exemplo. No Brasil, a letalidade de um criminoso avança quanto mais ele passa por insti66 |

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tuições cuja finalidade é contê-la. E esse processo pode ter início bem antes da maioridade, como mostra a história do adolescente H.A.S. H.A.S. inaugurou sua ficha corrida quatro dias depois de completar 12 anos. Desde então, foi apreendido treze vezes e chegou a ficar quarenta dias sob a guarda do Estado em centros conhecidos como de “socioeducação”. Entre apreensões e solturas, colecionou dezessete ocorrências criminais, sendo a seguinte sempre mais grave que a ante-

rior. Na primeira, desarmado, roubou um celular e 10 reais. Na terceira, já ameaçou a vítima com uma faca — levou dela outro celular e 350 reais. Seguiram-se algumas apreensões por posse de drogas, danos a propriedade e mais roubos. No último dia 19, H.A.S. e um comparsa seguiram numa bicicleta o médico Jaime Gold, de 56 anos, que pedalava na ciclovia da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Segundo testemunhas, eles teriam se aproximado do médico, esfaqueando-o; como ele não

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fotos rivaldo gomes/ folhapress; reprodução/ futurapress polícia civil; cristina granato/ag. o globo

∆ de ladrão a chefe de quadrilha  A morte da dentista Cinthya Magaly de Souza, de 47 anos, em abril de 2013, chocou o Brasil: irritados com o fato de ela ter apenas 30 reais na conta, os bandidos atearam fogo na mulher. À frente desse crime estava Thiago de Jesus Pereira, um ladrão que entrou na cadeia pela primeira vez em 2006, por assalto a mão armada. De volta às ruas, ele virou líder de uma quadrilha especializada em roubo a consultórios. Em 2014, foi condenado a 37 anos de prisão pela morte de Cinthya

desmontasse imediatamente, gol­pearamno quatro vezes. Gold caiu, sangrando e segurando o abdômen, vísceras à mostra. H.A.S. e o comparsa fugiram levando sua bicicleta, carteira e celular. Gold morreu na manhã seguinte. Os centros de “socioeducação” como aqueles em que H.A.S. ficou internado são reproduções em menor escala das prisões brasileiras: comportam infratores de todos os níveis, estão sempre superlotados e abrigam facções criminosas violentas. Essa última caracte-

∆ vítima da letalidade progressiva Sócia do restaurante Guimas, no Baixo Gávea, no Rio de Janeiro, Maria Cristina Mascarenhas foi morta em julho de 2014, quando saía de um banco a poucas quadras dali, durante uma tentativa de assalto. O criminoso que deu o tiro, Jardel Wanderson de Oliveira, já tinha ido para a cadeia por roubo, em 2008 — como ele, três em cada quatro bandidos estudados por VEJA cometeram crimes mais graves depois de passar pela prisão rística é, para especialistas ouvidos por VEJA, um dos principais motivos a explicar o fato de as cadeias brasileiras terem se transformado em máquinas de aperfeiçoar bandidos. No Brasil, que possui a quarta maior população carcerária do mundo, 581 000 detentos se amontoam num espaço onde caberiam 348 000 — é mais ou menos como colocar oito pessoas dentro de um Fusca e deix­á-las lá anos a fio. Um exemplo extremo dessa situação é a penitenciária de segurança

máxima Romeu Gonçalves de Abrantes, em João Pessoa. Uma inspeção feita há três anos encontrou celas ocupadas por até 120 homens amontoados uns em cima dos outros, sem cama e com poças de urina e fezes espalhadas pelo chão. Na cela da “disciplina”, onde estão os presos ameaçados de morte ou que cometeram alguma falta dentro da cadeia, os detentos viviam nus, sem colchão, lençol nem banho. Mesmo em São Paulo, o estado mais rico do país e também o que mais prende, 60% dos � | 27 de maio, 2015 | 67

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encarcerados relatam que falta até água para beber. E é nesse cenário que viceja o poder de atração das facções criminosas. Para um condenado no Brasil, aliar-se a um grupo de bandidos que detém o domínio da cadeia pode ser o único caminho para uma vida um pouco menos desgraçada. Dependendo do lugar, ser ou não membro de uma facção pode significar a diferença entre dormir no chão e no colchão, comer e passar fome — em última análise, viver e morrer. “Com a ausência do Estado, o poder paralelo toma conta. Na falta de um tratamento adequado, os presos primários são socializados pelo próprio crime e passam a partilhar as crenças e os valores do grupo que lhes estendeu a mão ali dentro”, diz o especialista em segurança pública Alexandre Rocha. Na cadeia, os integrantes do PCC raramente são incomodados por outros presos e contam até com a ajuda de cestas básicas para a família. Assim, o criminoso amador que entra para a facção ganha regalias e proteção, além de aprofundar sua intimidade com o crime e com os criminosos profissionais. Uma série de estudos conduzidos pelo criminologista americano David Bierie no Estado de Maryland mostrou como as condições da cadeia interferem no comportamento futuro dos presos. Ele provou que os detentos que passaram pelas piores instituições do estado tiveram 40% mais condenações do que seus colegas de perfil similar que estiveram em penitenciárias mais bem administradas. “Ambientes mais organizados e limpos, onde os prisioneiros são tratados com profissionalismo pelo corpo técnico, fazem com que eles se engajem mais nos programas de recuperação”, diz Bierie. Desde o século XVIII, o mundo civilizado desvencilhou a ideia da punição do desejo de vingança. Da parte do Estado, preconizou o criminologista italiano Cesare Beccaria (1738-1794), a punição deve limitar-se à sua função social — de desestimular a reincidência, por meio de penas claras, precisas e justas. O que impede o delito, escreveu Beccaria, não é a crueldade das punições. “A maior possibilidade de ser pego provoca um efeito dissuasivo muito maior nos criminosos do que qualquer 68 |

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secretaria de segurança pública

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∆ carambola no comando  Faz quase uma década que Julio Cesar Guedes de Moraes, o Julinho Carambola, está atrás das grades de uma penitenciária de segurança máxima no interior de São Paulo. O PCC, facção que ele comanda ao lado de Marcos Herbas Camacho,

está presente em 22 das 27 unidades da federação do Brasil. Depois das ondas de violência de 2006 e 2012, quando criminosos ligados ao grupo mataram mais de 100 policiais em São Paulo, a facção silenciou, mas continua atuante. “Eles estão mais estruturados, mais sofisticados e focados no tráfico

aumento de pena, por exemplo”, afirma o americano Daniel Nagin, ganhador do Prêmio Estocolmo de Criminologia. Nesse sentido, a audácia e a letalidade crescentes dos bandidos no Brasil não surpreendem. “A taxa de resolução de crimes no país é muito baixa comparada à de outros países. É preciso aumentar a eficácia das investigações e da polícia”, afirma Nagin. O criminoso brasileiro sabe que, se não for preso em flagrante, dificilmente

irá para a cadeia; se for, cumprirá uma pena baixa; e, se tudo der errado e a punição for severa, será grande a chance de ele escapar. Uma pesquisa feita no Rio de Janeiro ajuda a dimensionar o problema: dos 3 167 assassinatos cometidos em 2005 em que não houve prisão em flagrante, apenas 3,5% chegaram à Justiça quatro anos depois. Nos Estados Unidos, o assassino é condenado em 65% dos casos. Na França e no Reino Unido, essa taxa ultrapassa os 80%.

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RiCaRdo RoJaS/ReuteRS

ÓCio Zero Nas novas prisões da República Dominicana, todos os presos estudam

do padrão brasileiro ao norueguês em uma década de drogas, um crime de alto retorno e de menor risco”, diz o procurador Márcio Sérgio Christino. O faturamento anual é estimado em 120 milhões de reais. Para especialistas, são grupos como o PCC que ajudam a fazer das cadeias máquinas de aperfeiçoar bandidos

ao jogar seus presos em masmorras medievais, o brasil aumenta a probabilidade de despejar nas ruas bandidos mais perigosos, mais organizados e mais dispostos a roubar, matar e sequestrar. Só em São Paulo, mais de 110 000 criminosos retornam ao convívio social a cada ano — boa parte deles diplomada com louvor. ƒ COM REPORTAGEM DE LUCIANO PÁDUA

u

m país latino-americano com problemas similares aos do Brasil está conseguindo resultados surpreendentes em suas cadeias. Em 2003, a República Dominicana, seguindo regras sugeridas pelas Nações Unidas, começou a remodelar seu sistema prisional, da gestão ao tratamento dos presos. Doze anos depois, as mudanças resultaram numa redução de custos (hoje, um preso lá custa em torno de 1 000 reais por mês, contra 1 800 reais, em média, dos detentos brasileiros) e numa queda dramática da reincidência. “Foi uma iniciativa única no mundo”, diz o pesquisador britânico Andrew Coyle, do Centro Internacional de Estudos Penitenciários. Assim que chega, o novo preso passa por uma avaliação de aptidões. “Nossa política é de ócio

zero”, explica Ysmael Paniagua, diretor da Escola Nacional Penitenciária. Os analfabetos aprendem a ler e a escrever em seis meses, e nove de cada dez habilitados fazem curso universitário dentro da prisão (no Brasil, apenas 20% dos presos trabalham e 10% estudam). Os agentes, todos civis, ganharam um plano de carreira e recebem treinamento por um ano. Hoje, as novas prisões dominicanas já abrigam metade dos presos do país, e a taxa de reincidência criminal é próxima de 5% — quase padrão norueguês. A ideia é que o velho sistema seja gradualmente substituído pelo novo. Em La Victoria, a maior cadeia do país, há 8 000 presos onde deveria haver apenas 1 000 pessoas. Ali, a reincidência ultrapassa os 50%.

E LESLIE LEITÃO

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