CORAÇÃO REBELDE First Comes Baby
Kristin Morgan
Então, eles se casaram... Jake estava em sérios apuros. Vítima da própria mentira, precisava de uma esposa grávida para apresentar ao avô. Chelsey Mackenzie, no oitavo mês de gestação, estava disposta a cooperar com Jake. Mas o que deveria ser apenas um acordo transformou-se em um grande amor... por parte de Chelsey! Desde o princípio, ela apaixonou-se perdidamente por aquele homem rebelde e atormentado, que teimava em não se afeiçoar a ninguém. E, embora soubesse que o casamento seria temporário, estava disposta a lutar por seu amor.
Digitalização: Tatja Revisão: Andréa M
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan
Querida leitora, O amor é capaz de ultrapassar qualquer barreira para unir dois corações apaixonados! A primeira história deste livro procura refletir toda essa magia, através de uma heroína que lutará com todas as forças para ficar ao lado do homem que ama. A segunda história fala dos conflitos e ódios que podem esconder um sentimento bem diferente: o amor! Espero que aprecie as duas histórias tanto quanto eu, rindo ou chorando de emoção a cada capítulo. Gostaria muito que escrevesse contando o que achou dos romances, fazendo críticas ou dando sugestões, pois agradá-la é nosso principal objetivo. Janice Florido Editora Copyright © 1992 by Barbara Lantier Vcillon Originalmente publicado em 1992 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Título original: First Comes Baby Tradução: Glauce Boso Gordo Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Copyright para a língua portuguesa: 1995 CIRCULO DO LIVRO LTDA.
EDITORA NOVA CULTURAL uma divisão do Círculo do Livro Ltda. Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - 9" andar CEP: 01410-901 - São Paulo - Brasil Fotocomposição: Círculo do Livro Impressão e acabamento: Gráfica Círculo
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Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan
CAPÍTULO I Jake Breaux precisava urgentemente de uma mulher grávida. Confuso e cheio de preocupação, dirigia sua motocicleta em alta velocidade, tentando entender como se metera naquela enrascada. — Se ao menos pudesse deixar tudo para trás... — suspirou, em desespero. Entretanto aquela era uma solução temporária, pois não poderia fugir dos problemas para sempre. E pensar que se considerava hábil em relacionamentos humanos... Porém, Deus era testemunha de suas boas intenções; é que, no afã de ajudar, acabara piorando ainda mais as coisas. Tudo começou quando soube que o avô estava à beira da morte por causa de problemas cardíacos. Transtornado e sem estrutura para enfrentar a situação, prometera o impossível e agora teria de arcar com as consequências de seu gesto leviano. Deu um longo suspiro e tentou concentrar-se na sua moto Harley, a preferida dos motoqueiros que vagavam pelas estradas em bandos enormes, sem compromissos ou responsabilidades. Aliás, desde pequeno admirava aquele modo de vida livre, quase selvagem, e prometera a si mesmo que jamais iria prender-se em nada. Contudo só o tempo lhe mostraria o quanto estava enganado... De repente, Jake percebeu que chegara ao seu destino: a pequena cidade de Carencro, no Estado da Louisiana, no sul dos Estados Unidos. Então diminuiu a velocidade, pensando por onde começar aquela busca. Sua esperança era de que, em um lugar tão pequeno, alguém soubesse informá-lo do paradeiro da mulher que procurava. Um ronco ensurdecedor de moto quebrou a quietude da tarde para, logo depois, cessar como mágica. Despertada por aquele barulho infernal, Chelsey MacKenzie abriu os olhos, espreguiçando-se na poltrona reclinável em que estava sentada há quase duas horas. Na verdade, nas últimas semanas, aquela cadeira transformara-se no seu local favorito de descanso, onde podia acomodar o corpo arredondado, com todo o conforto. Cuidadosamente, levantou-se, tarefa nada fácil para quem perdera a agilidade, engordando doze quilos em oito meses. Porém não reclamava, ao contrário, se havia algo capaz de alegrá-la era o nascimento de seu filho. Graças aos exames de ultrassom, soubera que daria à luz um menino. Aliás, um garoto bem grande, segundo o médico. Descobrir que aquele bebê, abrigado com tanto carinho em seu ventre, dependia dela para sobreviver, a fizera experimentar uma sensação maravilhosa, misto de alegria e responsabilidade. Além disso, pela primeira vez em seus vinte e seis anos de vida, teria alguém inteiramente seu. 3
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan O sol forte de agosto obrigou Chelsey a proteger os olhos com as mãos, quando aproximou-se da janela. Por fim, já acostumada com a claridade intensa, viu um homem alto, de cabelos castanho-escuros, ao lado de uma moto enorme, daquelas que impõe respeito imediato a seus donos, em geral, vestidos com calças jeans e jaquetas de couro preto. No mesmo instante, reparou que o estranho também usava aquele tipo de roupa, que lhe caía muito bem, por sinal. Aliás, tinha que admitir que ele era muito atraente, com ombros largos e músculos desenvolvidos. Entretanto Chelsey conhecia demais essa espécie de homem para deslumbrar-se a primeira vista. — Com certeza, é um desses motoqueiros irresponsáveis que andam por aí — disse para si mesma, com uma nota de amargura na voz. Seu pai fora daquele jeito: descomprometido, independente e sem dar a mínima atenção aos filhos. Mesmo após todos aqueles anos, ainda lembrava do modo confiante como o pai saía e entrava na vida deles, como se nenhum laço o prendesse a Chelsey e ao irmão. Também tinha gravado na memória as inúmeras vezes em que suplicara por um pouco de amor e carinho, mas Frankie MacKenzie era egoísta demais para amar alguém que não fosse ele próprio, mesmo tratando-se de seus filhos, órfãos de mãe. A avó fora a única pessoa que se preocupara com o destino das crianças, porém morrera quando Chelsey estava com treze anos, deixando-os sozinhos com um pai irresponsável. De repente, deu-se conta de como os pensamentos a levaram para longe e tornou a prestar atenção no estranho. — Quem será e o que pode querer comigo? — indagou-se, apreensiva. Alheio àquelas perguntas, ele pôs o capacete no banco da moto e, com as mãos, ajeitou os cabelos castanhos, avivados pelos reflexos do sol. — Parece ter uns trinta anos... — Chelsey murmurou, sem conseguir tirar os olhos do desconhecido. Enquanto isso, ele avançava em direção à casa, com passos decididos, fazendo um ruído característico com suas botas de couro preto. Automaticamente, Chelsey dirigiu-se para a porta, ajustando a gola da camisa branca, usada sob uma confortável jardineira vermelha. Entretanto, assim que ouviu a campainha, teve um sobressalto: o coração disparou e as pernas bambearam. A única coisa que os impedia de encarar-se era a cortina verde que cobria a porta de vidro. Por alguns segundos, ficou imóvel. "Que tola!", recriminou-se em silêncio. Afinal que diferença fazia se os curtos cabelos negros estavam brilhando, ou se o rosto estava pálido sem um pouco de blushl Porém, por causa da vaidade e autoestima, não queria que o estranho a visse daquele jeito. Este era o dilema de sua vida: sempre que apareciam homens, perdia o controle da situação. Primeiro, fora dominada por um pai alcoólatra e desajustado; depois, por um marido insensível. Ambos conseguiram manipulá-la, utilizando sua enorme carência afetiva como uma arma contra ela mesma. — Mas isso tudo acabou! — disse, baixinho. Estava por sua própria conta agora e 4
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan gostava da sensação de liberdade e independência decorrentes desse fato. Além disso, prometera que jamais voltaria a depender de um homem outra vez, pois, até onde aprendera, todos eles eram egoístas c autoritários. Todos, exceto seu irmão. Rand era diferente dos outros e não havia nada a dizer contra ele. Aliás, pedia a Deus que seu filho pudesse crescer como o tio, cheio de amor pelas pessoas. A campainha soou outra vez. Para piorar, seu periquito amarelo, que até o momento estava quieto no poleiro, decidiu chamar a atenção, piando e voando de um lado para outro da gaiola. Chelsey olhou para o pequeno pássaro, depois, para a porta, sem tomar nenhuma atitude. "O que está havendo com você, Chelsey?", ralhou consigo mesma. "É só abrir a porta. Provavelmente, o homem só quer algumas informações". Aquela hipótese era muito plausível, pois a maioria dos estranhos que passava por Carencro queria saber como chegar à estrada interestadual, a poucos quilômetros da pequena cidade, ou apenas certificar-se de que estava no caminho certo. Respirando fundo para ganhar coragem, abriu a porta no exato momento em que ele se preparava para ir embora. — Posso ajudá-lo? — perguntou, solícita. Ao ouvir aquela voz, ele virou-se e seus olhos cruzaram-se, dando a Chelsey a nítida impressão de que já o conhecia. Mas de onde? Intrigada, encostou-se no batente da porta e tomou a indagar: — Posso ajudá-lo? Por um minuto, o estranho correu os olhos por aquele corpo arredondado, demorando-se um pouco mais na barriga, até que, no final, chegou ao rosto. Seus olhos negros brilhavam de alegria e felicidade, como se estivesse diante da mulher de seus sonhos. "Deve estar cego para achar-me atraente no oitavo mês de gravidez", pensou, irônica. Então, voltando à realidade, ele apressou-se a dizer: — Bem... Acho que pode me ajudar... Você é Chelsey MacKenzie, não é? Quem era ele e como sabia seu nome? A cabeça fervilhava de perguntas, ao mesmo tempo em que um certo receio ia crescendo no seu íntimo. — Sou eu mesma — respondeu, deixando transparecer um pouco de desconfiança. — Olhe, não pretendia assustá-la... Acho que não está se lembrando de mim. Sou Jake Breaux — apresentou-se, esperando que a menção de seu nome modificasse a atitude dela. Entretanto nada aconteceu. — Jake Breaux — ele repetiu. — Eu a socorri quando bateu o carro na véspera de Natal. — Oh! Minha nossa! Jake Breaux, claro! — exclamou. Que distraída, como pudera esquecer o homem que a tirara dos braços da morte? — Lamento... É que... Bem, sou um pouco desligada...— tentou, explicar-, gaguejando. — Não precisa desculpar-se. Aquela noite foi trágica demais para que pudesse prestar atenção em mim. 5
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Chelsey discordou com um gesto de cabeça, pois, embora não conseguisse recordar a fisionomia dele, lembrava muito bem daquelas mãos fortes que a tiraram do meio das ferragens do carro naquela fatídica véspera de Natal. Sem falar do modo carinhoso como ele a carregara para longe dos destroços, protegendo-a do frio com o próprio casaco. Um silêncio constrangedor abateu-se sobre eles. — Ouça, sei que minha presença aqui deve parecer estranha, mas preciso muito conversar com você — Jake explicou, após alguns instantes. — Desculpe, estou sendo mal-educada... — murmurou, recuperando-se do susto causado por aquela visita. — Entre, por favor. — Afastou-se o necessário para permitir que ele passasse. — Obrigado. Bem, vejo que seu bebê ainda não nasceu... — brincou, com um sorriso de satisfação nos lábios. — É... — concordou, sentindo o cheiro de couro, misturado a uma deliciosa fragrância masculina. Porém aquilo não era tudo o que percebia... Jake Breaux exalava sensualidade por todos os poros. Chelsey era forçada a admitir que ele era capaz de despertar o desejo de qualquer mulher com seu corpo musculoso, rosto bem desenhado e olhos misteriosos. Aliás, era o tipo de homem para se levar para uma ilha deserta... Não que ela acalentasse aqueles sonhos. Afinal uma mulher no seu estado tinha muitas outras coisas para preocupar-se. Além disso, prometera não envolver-se com mais nenhum homem. Mas os instintos sexuais às vezes teimavam em manifestar-se... — O bebê deverá nascer daqui a três semanas — anunciou, notando o interesse dele por sua gravidez. De novo, tornou a ficar desconfiada, indagando-se o que ele estaria fazendo naquela área. Todavia logo recordou que Rand lhe dissera que seu salvador morava nas imediações de Lafayette, uma cidade ao sul de Carencro. Jake segurava a fivela prateada do cinto, esperando pacientemente que Chelsey tomasse alguma atitude. Entretanto, imersa em pensamentos, ela ainda demorou alguns minutos para perceber sua falha. — Oh! Sente-se, por favor — convidou, ansiosa por descobrir por que aquele homem a deixava tão distraída e insegura. Talvez fosse por causa daqueles intensos olhos negros, sempre grudados nela. — Aceita um café ou um suco? — Não quero incomodá-la — respondeu, ainda de pé. — Imagine, não é incômodo algum! — Bem, nesse caso, aceito um copo de água. — Em seguida, acompanhou Chelsey com os olhos, sem perder um movimento. Com dedos trêmulos, ela jogou os cabelos para trás, sem saber como agir diante daquele olhar perscrutador. — Fique à vontade, vou buscar a água. — Entretanto, antes de sair da sala, fitaram-se outra vez, tingindo de vermelho suas faces pálidas. Cheia de timidez, ela desviou o olhar e foi para a cozinha, ansiosa para tomar algo gelado que aplacasse o 6
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan calor que Jake lhe provocara. Quando voltou com o copo, ele foi logo dizendo: — Fico feliz por ver que recuperou-se muito bem daquele acidente. Aliás seu irmão já me dissera que estava ótima... — Meu irmão?! Falou com Rand? — Sim... Obrigado — respondeu, pegando o copo. Porém, seus dedos a tocaram por um breve momento. Ao sentir aquele toque acidental, ela ficou trêmula e, se Jake não estivesse segurando o copo, teria se espatifado no chão. Constrangida, Chelsey evitou encará-lo. Por sorte, o periquito voltou a fazer barulho, desviando a atenção dele para a gaiola. — Quando seu irmão chegou ao hospital para vê-la, eu ainda estava lá e pedi que me mantivesse informado sobre você — explicou, deixando de olhar o pássaro. — Ele ligou-me algumas vezes para dizer que estava indo bem. — Entendo. — A cerca de um mês, nos encontramos, por acaso, em um clube de Lafayette e fiquei sabendo que estava totalmente recuperada. — concluiu, com um sorriso. — Seu irmão é muito simpático. — Sim, Rand é maravilhoso! — Chelsey concordou. Contudo também teve que admitir que, de alguma forma, aquele desconhecido lembrava seu irmão. Talvez fosse o cabelo escuro, ou o jeito calmo e seguro de falar. Ainda não sabia o que era... Jake levou o copo aos lábios e sorveu metade do conteúdo, antes de continuar o diálogo. — Ele me contou que estava se divorciando e que, por isso, decidira mudar de Houston para cá. — Isso mesmo. Assinamos o divórcio na semana passada. Ela percebeu um brilho de satisfação no rosto de Jake. — E está tudo em ordem com o bebê? — perguntou, cheio de interesse. — Sim. O médico disse que ele deverá ter quatro quilos! — Ele?! Chelsey sorriu. — Já sei que será um garoto. Jake balançou a cabeça para os lados, incrédulo. — Minha nossa! Sempre esqueço que eles podem prever isso agora! Mas é uma pena a medicina moderna ter acabado com esse mistério... A surpresa deve ser mais divertida. — Saber qual será o sexo do bebê tem suas vantagens — ela replicou, sentindo uma ligeira dor na barriga. No mesmo instante, levou a mão ao local dolorido, soltando um leve gemido. — Algum problema? — Está tudo bem, obrigada. E que o bebê mexeu-se e acabou dando alguns chutes — explicou, sorrindo. 7
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Jake pousou os olhos no ventre de Chelsey, bastante intrigado com os fortes movimentos ondulares. — O que ele está fazendo? — Espreguiçando! — respondeu, ofegante. Depois, respirou fundo umas duas ou três vezes e ficou em silêncio ate que os movimentos cessassem. Então abriu um largo sorriso. — Ele tem estado muito ativo nos últimos dias. Acho que já está pronto para enfrentar o mundo! — Deve doer muito quando ele se mexe desse jeito... — Jake disse, preocupado. — Na maioria das vezes, causa apenas um desconforto, mas é passageiro. Motivado por uma nova série de chutes, Jake aproximou-se e colocou a mão sobre a barriga de Chelsey. — É impressionante! — exclamou, ao sentir a força do bebê. Assustada com toda aquela intimidade, ela não esboçou nenhuma reação. Permaneceu imóvel, sem entender o que estava acontecendo. — Deve ser fantástico sentir a vida pulsar dentro de nós, não é? — voltou a dizer, ignorando o espanto dela. De repente, os olhos de Chelsey encheram-se de lágrimas. Porém, estava confusa e sentia vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Tudo por causa daquele homem; por dividir aquela emoção com ela. Agora, tinha certeza de que vinha agindo como uma tola nos últimos meses ao evitar qualquer toque ou contato masculino. Bem que Rand lhe alertara que não podia excluir os homens de sua vida porque o pai fora frio e omisso e o ex-marido idem. Mais uma vez, observou o modo carinhoso como Jake prestava atenção aos movimentos do bebê, imaginando como seria bom esperar um filho ao lado de um pai amoroso, que se preocupasse com o futuro da criança. Mas o que a levava a crer que aquele estranho, que mal a conhecia, se importava com o destino dela e de seu filho? — Ele é muito forte — ela comentou, reiniciando o diálogo. — Às vezes, sinto seus pés empurrarem meu estômago com toda força. — E, deve estar louco para sair desse lugar apertado... — brincou, tornando a acariciar o ventre de Chelsey. Ela sabia que o mais correto a fazer era pedir-lhe para ir embora. Afinal não lhe dera intimidade para tocá-la daquele modo. Mas, por Deus, não queria que ele fosse! — Ah! Ele está mudando de posição — afirmou, enquanto o bebê girava, provocando-lhe alguns espasmos. Jake acompanhou o giro com as mãos, como se pudesse acariciar o bebê. — Já escolheu um nome para ele? Por um instante, não soube o que responder, pois tinha decidido colocar na criança o nome do homem que os salvara na noite de Natal. Entretanto, agora que estava diante dele, a timidez lhe impedia de revelar essa escolha. — Ainda não decidi. Pobre criança, nem ao menos tem um sobrenome! — ouviu-se falar, sem entender por que dissera aquilo. — E quanto ao pai? — Jake inquiriu, perplexo. 8
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Meu ex-marido não quer nenhuma ligação comigo, incluindo nosso filho. E, na verdade, acho melhor que ele fique bem longe de nós. Por isso, tenho pensado que o bebê não deve carregar o nome de um homem que o rejeita. — Parece amargurada. Evitando fitá-lo, respondeu: — Não há mágoa, sr. Breaux. Só estou um pouco mais esperta do que costumava ser com os homens. — Compreendo... — murmurou, retirando as mãos do ventre de Chelsey. Em seguida, deu alguns passos para trás como se estivesse profundamente frustrado. — Nesse caso, acho que não tenho o direito de pedir-lhe um favor... — De mim? — indagou, com olhos compreensivos. — Como poderei ajudá-lo? Jake deu um longo suspiro, sem saber por onde começar. Por fim, enchendo-se de coragem, disse: — Estou em uma grande encrenca e acho que você é a resposta para minhas preces. — Eu?! Mais uma vez, seus olhos encontraram-se, provocando um calafrio na espinha de Chelsey. — Isso mesmo — ele assentiu, misterioso. — Bem... — começou, tentando organizar os pensamentos. Devia saber que ele queria algo, afinal que outro motivo Jake Breaux teria para procurá-la ali? Então, prosseguiu: — Devo-lhe a minha vida! Farei tudo que estiver ao meu alcance! — Meu pedido não é nada convencional... — Ora, sr. Breaux... — Chame-me de Jake. Acho que já passamos dessas formalidades, após aquele acidente, não é? Chelsey esboçou um sorriso. Porém algo na voz dele, que não soube identificar, deixou-a apreensiva. — Tudo bem, Jake. Meu bebê deverá nascer daqui a três semanas. Se esse pedido puder esperar até lá, ficarei feliz em ajudá-lo, seja o que for. — Esse é o problema... — disse, cheio de reticências. Depois, caminhou até a janela e permaneceu alguns segundos com os olhos perdidos no horizonte. Então, voltou-se e concluiu: — Preciso de você grávida! — O que disse? — quis saber, calculando que não tivesse ouvido bem. — Olhe, já está anoitecendo e essa é uma longa estória — argumentou, tentando ganhar tempo. — Por que não saímos para jantar para que eu possa explicar-lhe tudo com calma? Chelsey estava dividida: a razão lhe pedia que o mandasse embora, porém o lado emocional achava melhor ouvi-lo antes. — Não sei o que dizer sobre o jantar... Nós mal nos conhecemos! — Por isso mesmo, devemos sair! Precisamos nos conhecer melhor para que eu possa contar-lhe o que tenho em mente. — Minha nossa! Não está planejando assaltar um banco, está? — indagou, 9
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan brincalhona. — Posso lhe garantir que não! — respondeu, procurando tranquilizá-la. "O que devo fazer?", perguntou-se, apreensiva. Afinal o que sabia sobre esse homem, além de que salvara sua vida, para poder confiar nele? — Não é nada ilegal, é? — tornou a inquirir. — Claro que não! Entretanto nunca mais quero me meter nesse tipo de problema! — Nunca mais? — Ouça, sou muito impulsivo e, às vezes, digo frases que chocam as pessoas — alertou-a, dando-lhe dicas sobre sua personalidade. — Mas, com você nesse estado, prometo que vou tentar controlar-me, está bem? — Estou grávida, Jake. Isso não é uma doença! Ele olhou para o corpo arredondado de Chelsey, como se estivesse vendo uma mulher grávida pela primeira vez na vida. Enfim, declarou: — Sabe, nunca passei muito tempo ao lado de uma gestante. Não tenho experiência nesses assuntos... "O que será que ele quer de mim?", Chelsey inquiriu-se, sentindo um leve tremor pelo corpo, devido ao jeito franco e simpático dele. De repente, movido por uma onda de coragem, Jake começou a explicar: — Jamais lhe faria esse pedido, se não fosse muito importante... Meu avô está morrendo e preciso que me ajude, antes que seja tarde demais! Pode parecer loucura, aliás, nem sei como pude fazer isso... Mas, para ser sincero, estava desesperado! Aquele suspense todo estava acabando com os nervos de Chelsey. Tinha que saber com urgência que tipo de favor Jake Breaux precisava. — Então diga-me o que posso fazer por você. — Como já lhe expliquei, é uma longa estória. Por que não aceita meu convite para jantar? E o mínimo que posso fazer, enquanto me escuta. — Bem... — murmurou, considerando melhor aquela hipótese. Afinal já estava cansada de ficar sozinha. Rand estava trabalhando em uma plataforma marítima de petróleo, há algumas semanas, e não tinha ideia de quando voltaria. Para completar, as pessoas de Carencro eram muito reservadas e agiam como se Chelsey não existisse. Por tudo isso, a ideia de conversar um pouco com alguém que não fosse seu periquito, parecia tentadora. Além disso, devia a própria vida e a do bebê àquele homem. — Está bem. Acho que devo, ao menos, ouvir o que tem a dizer — ponderou, aceitando o convite. Uma expressão de alívio iluminou o rosto dele, tornando-o ainda mais atraente e sedutor. Incomodada com a maneira como aquele homem mexia com seus sentidos, Chelsey tentou levantar-se da poltrona. Mas aquela manobra exigia muito esforço e paciência. Notando sua dificuldade, Jake estendeu-lhe a mão. Contudo, ela hesitou, antes de aceitar sua ajuda. — O que é tão engraçado? — perguntou, enquanto ele procurava reprimir uma gargalhada. 10
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Nada — mentiu, fazendo força para permanecer sério. — Ora, diga a verdade. — É que você me lembra uma pequena bola de tênis. A princípio, ficou irritada. Contudo, diante da franqueza dele, Chelsey acabou achando graça naquele comentário. — No momento, não há nada "pequeno" no meu corpo. — É claro que há! — exclamou, medindo-a dos pés a cabeça. — Qual é sua altura? — Que ousadia! — brincou, achando tudo muito divertido. — Ah! Deve ter um metro e cinquenta e cinco, talvez cinquenta e oito, no máximo! — Mais ou menos. Dessa vez, riram juntos, como se fossem velhos amigos de ginásio. — Mais ou menos, é? — Está bem, tenho um metro e cinquenta e sete centímetros de altura! — admitiu, esticando-se toda. — E você? — Por volta de um metro e oitenta. — Mesmo? — Zombou, rindo como há muito tempo não fazia. — Lembro de quando a tirei do carro naquela noite. Parecia tão pequena e frágil nos meus braços... Minhas mãos quase davam a volta em sua cintura. — Isso parece impossível agora — ela comentou, tentando achar algo melhor para dizer. Onde estava sua inteligência e vivacidade quando precisava delas? "Talvez esses provocantes olhos negros sejam os responsáveis", Chelsey pensou, sem deixar de fitá-los. — A que horas posso vir buscá-la? — Estarei pronta as sete — declarou, pondo um ponto final naquela situação constrangedora. Tocando o rosto de Chelsey com os lábios, ele respondeu: — Estarei de volta na hora marcada. — Em seguida, caminhou até a porta. — Ei! Que tal usarmos meu carro? — sugeriu, quando Jake estava girando a maçaneta. — Não posso andar de moto. — É, acho que não pode — concordou, bem-humorado. — Mas, não se preocupe, cuidarei de tudo. — Podemos usar meu carro - repetiu. — Na hora, veremos o que fazer. — Antes de deixar a sala, entretanto, notou uma expressão preocupada no semblante de Chelsey. — Não tenha medo — tentou acalmá-la. — Jamais faria algo que pudesse machucá-la ou ao bebê. — Eu sei. — Embora soubesse muito pouco sobre ele, sentia que Jake Breaux não era perigoso... Bem, isso sem considerar o modo como ele mexia com suas emoções... — Seus cabelos eram compridos, não eram? — ele perguntou, de repente, mudando os rumos da conversa. — Eram — respondeu, ajeitando-os com as mãos. — Achei que seria mais prático cortá-los durante a gravidez. — Deixe-os sempre assim. Valorizam muito mais seu rosto. 11
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Ora, obrigada — agradeceu, enrubescendo. Não estava acostumada a receber elogios, pois o único que a estimulava com palavras agradáveis era Rand. Chelsey continuou a observá-lo até que a moto sumiu na curva da esquina. Porém não conseguia tirá-lo do pensamento. Jake Breaux era o tipo de homem que possuía um talento especial com as mulheres. E, com certeza, devia ter uma agenda recheada com nomes femininos... Mas, então, por que precisaria de uma grávida? Chelsey estava decidida a conseguir aquela resposta de qualquer maneira.
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Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan
CAPÍTULO II Jake deu a partida na Harley e saiu pela rodovia em disparada, como se o corpo estivesse em chamas. Mas, na verdade, era sua cabeça que queimava, repleta de dúvidas e remorsos... Ingênua e franca, Chelsey era diferente de todas as mulheres que conhecera. E isso pesava como chumbo em sua consciência, pois tinha certeza de que só lhe traria problemas... Odiava o que estava para pedir-lhe, porém seu ódio era ainda maior pela mentira que contara ao avô há alguns dias. Se houvesse uma chance, por mais remota que fosse, de voltar atrás, não hesitaria um só minuto em segui-la. O fato é que não existia alternativa, pelo menos, nenhuma que poupasse os sentimentos do velho. Ele contraiu os músculos da face, oculta pelo capacete, pensando na reviravolta que sua vida sofrerá em menos de uma semana... O telefonema da tia, cinco dias atrás, contando que o avô estava morrendo, dera origem a tudo. Desnorteado, não conseguira imaginar o mundo sem ele: a pessoa mais importante de sua vida, desde que seus pais haviam morrido em um acidente. A situação crítica do avô o deixara profundamente abalado e, antes que pudesse recuperar-se do choque, correra para o hospital e prometera coisas que jamais poderia cumprir. Bastou ouvi-lo dizer que morreria em paz se soubesse que seu único neto finalmente encontrara uma mulher especial, para que Jake inventasse uma estória sob medida para agradá-lo. No fundo, não tivera a intenção de mentir, só queria que ele ficasse feliz. E o pobre homem ouvira tudo, embevecido, acreditando em cada palavra mentirosa. Aliás, se havia algo de bom naquilo tudo era a visível melhora do avô, o que provocara espanto nos próprios médicos. Então viera a pior parte: o avô desejava conhecer sua esposa grávida. Porém Jake nem sequer tinha namorada fixa, quanto mais esposa! Era por isso que precisava da ajuda de Chelsey MacKenzie. Nesse momento, deu um profundo suspiro, deixando o passado para pensar no presente. Como poderia envolver uma garota sensível naquela enorme confusão? Além disso, havia algo especial em Chelsey que conseguia despertar-lhe emoções até agora desconhecidas... Porém não podia preocupar-se com isso agora; o problema do avô era mais imediato. — Ainda não nasceu a mulher que vai me enlaçar! — exclamou, cheio de confiança. O coração de Chelsey batia apressado enquanto arrumava-se para jantar com Jake. Parecia até uma adolescente indo para seu primeiro baile, apreensiva e excitada ao mesmo tempo. Mas o que fazer, se aqueles belos olhos negros não saíam de seus 13
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan pensamentos? Não tinha dúvidas de que ele precisava de algo, afinal que homem em sã consciência convidaria uma mulher grávida de oito meses para sair? Ainda mais alguém tão sedutor quanto Jake, que deveria ter legiões de garotas a seus pés, suspirando por um pingo de atenção. Mas isso não lhe importava no momento. Pela primeira vez, nos últimos meses, queria enfeitar-se e ficar bonita para alguém do sexo masculino. — O que há com você, Chelsey? — ralhou, consigo mesma. — Já não sofreu bastante por causa dos homens? Precisa arrumar mais encrenca? Chateada, deixou o batom de lado e cobriu o rosto com as mãos. — É, no fundo, não passo de uma garota romântica que ainda sonha com um príncipe encantado para amá-la e protegê-la. Mas, para meu próprio bem, devo enfrentar a realidade: esse tipo de homem não existe! Tentando afastar o desânimo, pôs o vestido de crepe azul-royal, com gola de renda chantilly e botões de pérola, que ganhara de Rand no último aniversário, algumas semanas atrás. Além de ser sua melhor roupa, aquele traje tinha outra vantagem, era muito confortável para o final da gestação. Para completar, um toque de classe: brincos de pérola e algumas gotas de seu perfume favorito, L'airs du temps. Devido ao calor, nervosismo e à própria gravidez, sentia-se fatigada. Por isso, resolveu descansar um pouco na sua poltrona, enquanto esperava por Jake. Após alguns minutos, fechou os olhos, disposta a esquecer os problemas. Entretanto, relaxar era a última coisa que seria capaz de fazer e, quando deu-se conta, estava relembrando os terríveis acontecimentos que antecederam seu acidente de carro. Chelsey não tivera dúvidas de que Jake Breaux fora enviado pelos céus para salvá-la. Pois, durante os minutos em que ficara em meio às ferragens do automóvel, só conseguira orar, pedindo a Deus que desse uma chance de vida a seu filho, que já fora tão rejeitado antes mesmo de nascer. Um gemido cheio de angústia escapou de seus lábios... Algumas vezes, aquela noite tétrica parecia ter ocorrido há muitos anos e, em outras ocasiões, tinha a impressão de que fora ontem... Bradley, seu marido, tivera a ideia de passarem o Natal em um chalé, nas montanhas do Colorado. A princípio, Chelsey não gostara muito daquela sugestão. Porém, pensando melhor, concluíra que umas boas férias nas montanhas seriam ideais para os unir novamente. Nos últimos meses, ele andava frio e desatento, chegando a magoá-la com seu descaso. Mal poderia imaginar que Bradley tinha seus próprios motivos para desejar aquela viagem... Aliás, ainda não conseguia acreditar que fora tão tola a ponto de não suspeitar de nada. Dois dias antes de viajarem, entretanto, descobrira que estava grávida e, calculando que aquele seria o melhor presente que poderia dar ao marido, decidira contar-lhe apenas na véspera de Natal. 14
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Para sua surpresa, Brad não ficara nada satisfeito com a novidade, pelo contrário, enfurecido, dissera-lhe coisas horríveis que jamais poderia esquecer. Por fim, quando terminara de culpá-la por todos os problemas de sua vida, anunciara que pediria o divórcio. E, para piorar, tivera a ousadia de sugerir um aborto, como melhor opção para ambos. A desculpa dele é que conhecera outra mulher, muito mais sofisticada e interessante, que poderia ajudá-lo a progredir na carreira. Chelsey ainda ficava irritada por não tê-lo lembrado das longas horas que havia trabalhado como garçonete para ajudá-lo a pagar a faculdade. Isso sem mencionar as raras folgas que passara fazendo pesquisas para ele, enquanto deveria descansar. Sabia que aquilo não teria mudado a opinião de Brad, porém diminuiria o peso da humilhação que fora forçada a suportar. Porém, ficara tão chocada com as declarações do marido que não conseguira dizer uma só palavra para defender-se. Depois de esclarecer tudo, Brad telefonara para a namorada, que os havia seguido até lá, e juntos partiram, deixando Chelsey completamente sozinha naquele chalé, em plena véspera de Natal. Durante horas, permanecera sentada no sofá, olhando para as chamas da lareira, enquanto tentava encontrar uma explicação plausível para tudo o que havia acontecido. Aos poucos, fora compreendendo que o repentino desabafo de Brad não tinha acontecido por causa daquela gravidez, mas sim, fora uma cena muito bem planejada por ele e sua amante. E, nessa estória toda, o fato de estar grávida era apenas a desculpa que ele estivera esperando para abandoná-la. Cheia de mágoa, decidira voltar para casa naquela mesma noite. E, sem ao menos pensar na péssimas condições da estrada após uma nevasca, colocara toda sua bagagem no carro. Mesmo chorando muito, dirigira a alta velocidade pela pista escorregadia, lamentando-se por ter sido tão ingênua. Por fim, pensando em seu filho, resolvera diminuir a marcha, mas, ao pisar nos freios, o carro acabara derrapando em uma placa de gelo. Depois, as rodas travaram e o automóvel passara a rodar pela estrada, totalmente desgovernado. Então houve um barulho ensurdecedor e tudo ficou quieto outra vez. Chelsey tinha ficado alguns minutos desacordada e, quando abrira os olhos, percebera que estava presa entre as ferragens do carro, cheia de machucados e sangrando muito. Em desespero, só lhe restara orar, pois sabia que suas chances seriam pequenas se não fosse socorrida logo. Afinal, além da perda de sangue, a temperatura abaixo de zero também poderia matá-la de frio. Quando Jake Breaux aparecera, como um anjo vindo do céu, Chelsey já estava muito mal, quase em coma, por isso as lembranças de seu salvamento eram vagas e distorcidas. Mais tarde, disseram-lhe que estava viva graças àquele homem que a socorrera com tanta rapidez e consideração. E, mais do que isso, também lhe devia a vida do bebê, que por milagre não fora afetada pelo acidente... 15
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan A campainha soou, forçando-a a abandonar aquelas tristes recordações. Sabia que era Jake, já que não costumava receber visitas. Contudo não ouvira o menor ruído da moto. Intrigada, afastou a cortina da janela da frente, com o cuidado de não ser vista, e pôde observar Jake Breaux, impecável em um terno de linho creme. Mas, mesmo com aquelas roupas formais, ele continuava com um certo ar rebelde que o deixava ainda mais sedutor. — Isso é para você — disse, assim que ela abriu a porta. Chelsey segurou o buquê de rosas vermelhas, maravilhada, pois, além de adorar flores, rosas eram as suas prediletas. — Obrigada, mas não precisava se incomodar comigo — respondeu, com o rosto repleto de felicidade. Há muito tempo não recebia flores, especialmente de um homem como Jake. O calor daqueles olhos negros era capaz de derretê-la, entretanto seus pés não cooperavam e, por mais que quisesse sair dali, não conseguia dar um passo. Durante alguns segundos, tudo o que fez foi admirar cada parte daquele rosto másculo para, em seguida, ater-se apenas aos lábios bem desenhados. De repente, Jake inclinou-se sobre ela, levando-a a imaginar que fosse beijá-la. Contudo, ele só a tocou de leve na face, cumprimentando-a de forma casual. — Espero que tenha um vaso para colocá-las — disse, olhando para as rosas. — Ah! Sim! — ela concordou, meio sem jeito. No íntimo, estava desapontada, pois esperava um beijo mais quente e sensual. Ao perceber seus pensamentos, enrubesceu no mesmo instante. — Para ser franca, o único vaso que tenho foi aquele que deu-me no hospital — confessou, deixando-o entrar. Em seguida, foi para a cozinha, tremendo dos pés a cabeça. — Quero que saiba que sou muito grata a você — tornou a dizer, rezando para que ele não notasse seu nervosismo. — Eu sei... — retrucou, com voz macia. — Agora, se já terminou de colocar as flores na água, o que acha de irmos? Estou morrendo de fome! — Bem, também estou faminta. Poderia até comer um boi inteiro! — exclamou, voltando para a sala com o vaso nas mãos. Diante da sinceridade dela, Jake riu, olhando-a com carinho. — Está caçoando de mim? — indagou, fingindo estar zangada. — Claro que não! Só estou um pouco surpreso com você. — Comigo!? — repetiu, incrédula. — Por quê? — Você é diferente da maioria das garotas, Chelsey. É autêntica e impulsiva, enquanto as outras agem apenas de acordo com as regras de etiqueta e convenções sociais. — Está dizendo que não sou bem-educada? — quis saber, cheia de bom humor. — Não! — Ah, Bom! — exclamou, satisfeita. Aliás, com aqueles elogios, sentia-se feminina e atraente como há muito não acontecia. Talvez os responsáveis por essas sensações 16
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan fossem sua carência afetiva e os hormônios da gravidez... Contudo era obrigada a admitir que nenhum homem jamais mexera com seus sentimentos do jeito que Jake Breaux fazia. Nem mesmo Brad, nos bons tempos. Simultaneamente, uma voz lá no fundo a advertia sobre os perigos de confiar outra vez nos homens. Mas não deu muita atenção àqueles avisos. Imersa em pensamentos, nem percebeu que ficou em silêncio por um longo tempo, enquanto Jake a observava. — Está pronta? — ele perguntou, por fim. — Sim. Então foi a vez de Jake ficar pensativo. Sem entender o que estava acontecendo com seus sentimentos, ele tinha vontade de abraçá-la e beijar aqueles lábios delicados com ardor... E Chelsey nem era seu tipo, já que estava acostumado a envolver-se com mulheres mais ousadas e sensuais, que faziam o gênero fatal. Porém havia uma espécie de doçura e romantismo nela que o deixava completamente perplexo... Chelsey era tão pequena e frágil que parecia uma princesa de contos de fada, pronta para amar e ser amada. Talvez fosse a pureza e candura que exalava de seus poros que despertasse nele os instintos que unem um homem a uma mulher... Entretanto não poderia deixar que o coração dominasse a mente, tinha que concluir seus planos de qualquer maneira, para o bem do avô. — Será que é seguro eu me sentar ao seu lado, no banco de trás? Afinal, se está com tanta fome assim, pode até me atacar, não é? — ele brincou, tentando disfarçar a insegurança. Chelsey sorriu, porém estava curiosa. Como ambos poderiam sentar no banco de trás, se alguém teria que dirigir o carro? Alheio àquelas dúvidas, Jake ergueu a manga do paletó para conferir as horas, deixando à mostra um relógio de marca famosa, destinado apenas a uma seleta clientela, com gordas contas bancárias. Só então, Chelsey reparou no talhe perfeito do terno dele, bem como nos finos e caros sapatos de couro que deveriam custar mais do que todo seu guarda-roupa de gestante. Num lampejo de lucidez, percebeu que se enganara à respeito dele, pois, de forma alguma, Jake Breaux poderia ser um motoqueiro errante e sem destino. Era rico e muito. Um nó de angústia e receio formou-se no peito de Chelsey. Durante a maior parte de sua vida, ela e a família dependeram de instituições de caridade para sobreviver. E, apesar de ter conseguido um certo conforto durante seu casamento com Brad, não se sentia bem ao lado de pessoas muito ricas e sofisticadas, procurando evitá-las. Talvez fosse apenas um tolo complexo de inferioridade, mas o fato é que crescera entre um pai alcoólatra e uma avó doente demais para lutar por um lugar no mercado de trabalho. Por isso, passara boa parte de sua infância em abrigos para crianças carentes e abandonadas. Só quando fez dezoito anos e pôde arrumar um 17
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan emprego é que as coisas começaram a melhorar em sua vida. Depois viera seu casamento de cinco anos, onde procurara esquecer aquele passado de privações e sofrimento. Porém o ex-marido tivera a crueldade de lembrá-la de tudo naquela véspera de Natal, dizendo, entre outras coisas, que ela não passava de uma menina de rua. Agora, entretanto, aprendera a lição: ninguém pode fugir de suas origens! — O que acha de comprarmos uma pizza e comermos aqui mesmo?—ela sugeriu, tentando acabar logo com aquele encontro. — De jeito nenhum! — recusou, convicto. — Veja como estamos vestidos. É até um pecado ficarmos em casa assim! E olhe que uso essas roupas muito raramente. — Mas... — insistiu, sendo logo interrompida por ele. — Além do mais, já fiz reservas no Le petite casserole para às oito e meia. Lembrando de ter visto aquele nome em colunas sociais, Chelsey empalideceu. — Está falando daquele restaurante francês em Lafayette? — Esse mesmo! Mas não se preocupe, são apenas vinte quilômetros até lá. Chegaremos a tempo. "Para quê?", indagou-se, assustada. Afinal, se tivesse um pouco de bom senso, recusaria aquele convite e perguntaria apenas como poderia ajudá-lo. Porém, parece que ainda teria que passar por mais uma dura experiência até aprender a não confiar nos homens. O susto foi maior ainda quando deparou-se com uma enorme e luxuosa limusine, com motorista e tudo, estacionada em frente de sua modesta casa. "O que alguém como Jake Breaux pode precisar de mim? Afinal ele aparenta ter dinheiro suficiente para comprar o que quiser", pensou, apreensiva, antes de entrar no carro. Percebendo o mal-estar de Chelsey, Jake arrependeu-se por ter escolhido aquele automóvel. Só tomara essa decisão para proporcionar-lhe uma noite inesquecível, que a influenciasse a ajudá-lo. Sem outra alternativa, ela entrou no carro, ajeitando-se, devagar, no macio banco, de couro. Jake observava cada movimento, embevecido com a doçura e simpatia dela. E toda vez que fitava aqueles sinceros olhos azuis, sentia algo muito intenso tomar conta de seu corpo, era um misto de alegria e responsabilidade que não conseguia definir direito. "Isso não faz sentido", repetiu para si mesmo, assustado com aquela nova sensação. A jovem recepcionista do Le petite casserole veio recebê-los, cheia de entusiasmo, e os levou pessoalmente até a melhor mesa do restaurante. Logo o maitre veio servi-los, com um enorme sorriso no rosto. Era evidente que Jake devia ser um frequentador habitual, já que todos se esforçavam muito para agradá-lo. — O drinque de costume, monsieur Breaux? — o maitre indagou. — Ainda não resolvi, Rafael. — Então, olhando para Chelsey, perguntou: — O que gostaria de beber? 18
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Bem, acho que água... E água gelada — balbuciou, constrangida com toda aquela sofisticação. — Água!? Não prefere um pouco de vinho? A adega daqui é simplesmente fantástica! Chelsey fez um aceno negativo com a cabeça. — Não, obrigada. Não costumo tomar bebidas alcoólicas e, agora, com o bebê... — Oh! Claro! — exclamou, batendo a mão na testa. — Tinha me esquecido que gestantes e álcool não combinam muito bem. — Pois é. O que eu tomo, ele também acaba bebendo. — Nesse caso, vinhos estão abolidos para você! — afirmou, brincando. Chelsey olhou de relance para o maitre, que ergueu uma sobrancelha, perplexo. Afinal como Jake pudera esquecer, mesmo por um minuto, que ela estava grávida? — Bem, vou tomar o de sempre, Rafael, e traga água gelada para a sra. MacKenzie — virou para Chelsey e indagou: — Com uma rodela de limão? — Claro. — Com limão, Rafael. O maitre então afastou-se, lançando um olhar significativo para Chelsey. Contudo era absolutamente impossível adivinhar o que ele estava pensando. — Você me deixa intrigado, Chelsey — Jake murmurou, fitando-a. — Eu? — Você mesma. Percebo que não está muito à vontade aqui e sinto que adoraria que este jantar acabasse logo. Ao mesmo tempo, porta-se como uma verdadeira dama, pronta para suportar qualquer sacrifício com distinção. — Oh! Desculpe meu nervosismo! — apressou-se a dizer, meio sem jeito. Envergonhada, evitou fitá-lo, colocando o guardanapo de linho branco sobre os joelhos. Porém, quando ergueu os olhos outra vez, Jake estava com uma expressão cômica estampada no rosto. — O que é tão engraçado? — Você... — respondeu, deslumbrado com os modos sem afetação de Chelsey. — É muito divertida. Parece até uma suave e perfumada brisa primaveril em contraste com as outras mulheres, ventos secos e pesados de outono. Isso seria poesia? Bem, embora não fosse Shakespeare ou Camões, o lirismo daquelas palavras a deixou fascinada. Aliás, havia algo misterioso em Jake que também excitava sua imaginação, provocando-lhe o mesmo tipo de interesse que ele devia estar sentindo por ela. Não era apenas a habilidade com que podia mudar de estilos, passando de motoqueiro sem destino para cavalheiro bem educado... Era algo muito mais profundo que ele parecia esconder no íntimo de sua alma. — Está tudo em ordem? — quis saber, tocando-a de leve no ombro. — Sim, só está um pouco quente aqui — respondeu, sentindo a face afogueada. Com um gesto discreto, Jake chamou um dos inúmeros garçons que os rodeavam. — Minha convidada acha que está quente aqui, será que poderia verificar se o arcondicionado está funcionando bem? — Claro, monsieur Breaux. 19
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Chelsey observou a cena com redobrada atenção, analisando o modo gentil, porém firme, com que Jake falara com o garçom. — Por acaso, é dono deste restaurante? — arriscou, fazendo pose de detetive. — Claro que não — negou, tomando um gole do drinque. Em seguida, acrescentou: — Afinal, pertence a meu avô. Ela levou um enorme susto com aquela revelação. — Isso a incomoda? Sem jeito, Chelsey olhou ao redor, pensando no que responder. —Não é que me incomoda... — começou, escolhendo as palavras. — É que... Bem, para ser franca, pessoas de seu nível social sempre me deixaram nervosa. Sabe, preciso trabalhar para viver. — Eu também. — Ora, para você, é apenas uma questão de escolha, não é? — Os negócios do meu avô vão muito bem, se é isso que quer dizer. Contudo trabalho para o meu sustento. Nunca gostei de depender de ninguém. — Nem eu — concordou, sorrindo. — Sei que meu irmão acha que vai sustentarme quando o bebê nascer, mas está muito enganado. Tão logo esteja recuperada do parto, arranjarei algum emprego. Até lá, irei vivendo da pensão alimentícia que meu ex-marido paga. — E é suficiente? — Tem que ser! O garçom interrompeu a conversa, trazendo os cardápios. E Chelsey fez questão absoluta de que Jake escolhesse os pratos. — E que tipo de emprego planeja arrumar? — ele indagou, assim que ficaram a sós. Ela sacudiu os ombros. — Ainda não sei. Mas, como já trabalhei como garçonete, acho que a escolha já está feita. — Garçonete?! Mas é um trabalho muito cansativo! E se tiver que trabalhar à noite, onde irá deixar o bebê? — Estou certa de que darei um jeito em tudo. — Estava surpresa com a atitude Jake, pois mal se conheciam para que ele ficasse tão preocupado com seu futuro. Então passou os olhos ao redor da sala para dar uma pausa naquela conversa desagradável. Quem ele pensava que era afinal? Só porque devia ganhar mais em um mês do que ela ganharia em um ano, não tinha o direito de menosprezá-la. — Ouça, não tive intenção de ofendê-la — Jake explicou, convincente. — Só estava preocupado com o bebê. Não gostaria de passar todo tempo com ele? Chelsey fez um grande esforço para engolir as lágrimas que estavam prestes a banhar sua face. — Claro que gostaria! Mas preciso trabalhar, não tenho escolha! Aquela frase chamou a atenção de Jake, pois, se Chelsey não quisesse ajudá-lo para retribuir um favor, talvez o fizesse por algum outro motivo... Afinal ela precisava 20
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan de dinheiro e ele de uma grávida. Logo não seria complicado entrarem em acordo. Nesse momento, o coquetel de camarão foi colocado diante deles, dando uma pausa providencial na conversa. Maravilhada com a aparência e o aroma do prato, Chelsey tinha vontade de bater palmas de alegria, como se fosse uma criança travessa. Jamais pudera experimentar aquelas comidas sofisticadas, e estava ansiosa para descobrir se o sabor era bom como a aparência. — Acho que deseja saber que favor vou lhe pedir, não é? — Jake indagou, assim que o garçom se foi. — Sim, estou muito curiosa — respondeu, saboreando cada bocado daquela iguaria. — Ótimo. Vou tentar simplificar ao máximo essa estória, embora, às vezes, nem eu mesmo consigo entender como permiti que tudo acontecesse... Aos doze anos, tive que morar com meu avô e minha tia... — Seus olhos ficaram úmidos e brilhantes, mostrando que aquelas lembranças ainda o magoavam. Chelsey deixou o prato de lado e passou a concentrar-se apenas naquela narração. — Meus pais e uma irmã menor morreram em um acidente de barco. Fui o único e sortudo sobrevivente — acrescentou, com sarcasmo. Ficou em silêncio por alguns instantes, como se revivesse cada episódio daquela tragédia. Por fim, encorajado pelo olhar doce de Chelsey, tornou a falar. — De qualquer modo, não tinha para onde ir, exceto para cá. — Sorveu mais um gole da bebida e disse: Até aquele momento, não conhecia meu avô, pois ele e meu pai não se falavam há anos. Minha tia fora nos visitar em Nova York algumas vezes, porém nos conhecíamos muito pouco. — Deve ter sido muito difícil para você — murmurou, compreensiva, pois também vivera esse tipo de situação. — Meu avô é uma pessoa muito bondosa. No entanto, tinha o irritante costume de controlar minha vida como se eu ainda fosse um garotinho. Por isso, precisei mostrarlhe, desde cedo, que já era capaz de me cuidar sozinho. — Mas disse que tinha só doze anos! — Tinha idade suficiente! — retrucou, convicto. — Sinto muito por sua família... — Já foi há muito tempo. — Contudo, quando pensa neles, ainda deve sofrer. Jake voltou a saborear o coquetel de camarão, fazendo sinal para que ela o seguisse. Estava nervoso e inquieto, pois agora vinha a pior parte da estória. — Talvez tenha desavenças com seu avô por ser muito parecido com ele — Chelsey arriscou, entre uma garfada e outra. — Pode ser que sim — admitiu, tomando todo o conteúdo do copo. — Cinco dias atrás, achava que não me importaria com nada que lhe acontecesse... Então minha tia telefonou, dizendo que ele estava à beira da morte. Não sei o que aconteceu comigo, mas senti que precisava fazer algo por ele antes que fosse tarde demais. Chelsey tentava consolá-lo com o olhar, pois sabia que um ombro amigo faz muita 21
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan falta nessas ocasiões. — O problema é que acabei me atrapalhando e dizendo-lhe tudo o que ele gostaria de ouvir. Coisas que não eram exatamente verdadeiras a respeito da minha vida... — Quer dizer que mentiu para seu avô? — perguntou, tentando compreender o que levava alguém a fazer aquilo. — Isso mesmo, menti! — admitiu, irritado com o tom acusador na voz dela. — Não via mal naquilo. Meu avô estava morrendo e parecia muito importante que minha vida estivesse de acordo com os ideais dele. Mas, agora que seu estado melhorou, estou em grandes apuros. — Ainda não consigo entender como poderei ajudá-lo — falou, meneando a cabeça. — Por favor, mais um uísque com soda — pediu ao garçom, analisando a fisionomia ingênua de Chelsey, emoldurada por brilhantes cabelos negros. Tinha vontade de desistir de tudo e voltar para casa, mas não podia dar essa decepção ao avô. — A verdade é que contei que estava casado e, sabendo o quanto ele desejava um bisneto, disse que minha esposa estava grávida. Aliás, quase no fim da gravidez. — Meu Deus! — exclamou, perplexa com tanta ousadia. — Como pôde planejar tudo isso? — Não planejei! Tudo o que me importava naquele momento era alegrar as últimas horas dele. Não pensei nas consequências... — Então, agora que está melhor, ele deseja conhecer sua esposa, não é? Jake assentiu. — Bem... — murmurou, compreendendo onde ele queria chegar. — É por isso que preciso de você! — desabafou, já cansado de tantos rodeios. — Preciso que finja para meu avô que é minha esposa. Prometo compensá-la por esse transtorno. Nem mesmo nos seus sonhos mais malucos, aquilo havia lhe passado pela cabeça. Será que ele estava louco ou apenas desesperado? — Não quero me envolver em uma mentira desse tipo. — Por favor, não me dê uma resposta agora. Pense até amanhã — suplicou. — Não posso fazer isso. — Claro que pode. — Mas disse que se avô já está melhor. E, se ele superar essa crise, como conseguirá manter essa farsa? — Segundo o médico, as chances de recuperação são muito remotas. Vovô pode passar por períodos de melhora, mas isso não significa que esteja curado. Aliás, se ele ficar fora de perigo, irei contar-lhe a verdade, mas não posso tirar-lhe a esperança agora! — Mas mentir, Jake? Isso não é certo! — Olhe, o estrago já está feito. Agora ou apresento minha esposa grávida, ou conto a verdade. Se dependesse de mim, acabaria de uma vez por todas com essa farsa, mas os médicos disseram que um desgosto desses poderia ser fatal para ele. 22
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Chelsey cobriu o rosto com as mãos, compreendendo a gravidade da situação que ele enfrentava. — Minha nossa! Como está enrolado! — Contei a meu avô que me casei há algumas semanas para oficializar a relação antes do nascimento do bebê. Ele não me questionou, apenas insistiu para que lhe apresentasse a mãe do futuro bisneto. O garçom trouxe mais um drinque, interrompendo momentaneamente o diálogo. — Comecei a lembrar o nome de todas as mulheres que conheço, mas nenhuma estava grávida, exceto você. — Fez uma pausa, sorvendo um bom gole do uísque. — Não acredita em destino? Uma fatalidade nos apresentou e, agora, podemos nos ajudar... — Onde quer chegar? — Preciso de uma grávida e você, de dinheiro, certo? — Certo. — Pois bem, posso pagar-lhe uma generosa soma, se me ajudar. Assim não terá que voltar ao trabalho logo que o bebê nascer. — Não pode arranjar outra pessoa para isso? Podem colocar uma barriga falsa... — Meu avô está doente, mas não é cego, nem bobo. Vai perceber que é um truque. — Nesse caso, minha barriga não vai impedi-lo de notar a verdade estampada no meu rosto. — Não, isso é diferente! Ele verá que está grávida e não fará mais perguntas. — Não gosto nada dessa estória — confessou, suspirando fundo. — Nunca consegui mentir. E o que farei se ele começar a me fazer perguntas? — Está muito fraco... — retrucou, derrubando, uma a uma, toda objeção que ela era capaz de fazer. — Será o dinheiro mais fácil que já ganhou em toda sua vida. — Não farei isso por dinheiro — replicou, com firmeza. — Se decidir participar dessa mentira, será apenas por gratidão. Nada mais. — Não vou discutir esses detalhes agora. — Ainda não disse que aceito, Jake. Preciso pensar um pouco. Inesperadamente, ele segurou suas mãos e fitou-a com toda honestidade. — Sei que parece loucura, mas juntos resolveremos nossos problemas. Abalada com aquele toque, Chelsey retirou as mãos, ficando ainda mais confusa. Seria justo negar ajuda ao homem que a salvara? Ao mesmo tempo, não podia contrariar seus princípios daquela forma, participando de uma farsa... O que faria? — Não posso dar uma resposta agora. Farei isso amanhã. — Tudo bem, mas amanhã bem cedo. Terminaram a refeição, tentando agir como se nada de anormal tivesse acontecido. Porém, não era nenhum esforço divertir-se ao lado de Jake, que a seduzia com seu charme e inteligência. Perto dele, sentia-se a mais formidável das mulheres, o que jamais ocorrera com Brad, que sempre a inferiorizara. Mais tarde, a limusine os conduziu novamente para a casa de Chelsey, e Jake a acompanhou até a porta. Então cravou penetrantes olhos negros naquela face delicada, como se quisesse adivinhar o que ela pensava. 23
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Amanhã bem cedo ligarei para saber sua posição. Não quero pressioná-la, mais preciso de uma resposta o mais rápido possível... Meu avô pode morrer a qualquer instante. — Tem certeza de que não pode contratar alguém para ajudá-lo? — Não quero qualquer pessoa. Uma desconhecida poderia complicar ainda mais as coisas. Quem sabe o que poderia exigir depois de saber toda a verdade? Posso tornarme vítima de chantagem... — Não tinha pensado nisso — murmurou, aliás era difícil imaginar Jake Breaux fazendo o papel de vítima. De repente, ele aproximou-se e tocou seu rosto com a ponta dos dedos, experimentando a maciez daquela pele de porcelana. Em seguida, deslizou-os até os lábios dela, fazendo suaves movimentos circulares. Chelsey tinha a sensação de que ia derreter como manteiga em contato com fogo, pois aqueles toques a deixavam em brasa, ardendo de desejo. — Algumas vezes, demonstra tanta inocência, sra. MacKenzie, que seria capaz de fazer um homem esquecer seus planos... — dizendo isso, aproximou-se ainda mais, dando a impressão de que iria beijá-la. Com a pulsação a mil, esperou por aquele momento mágico, sentindo que cada segundo se transformava em uma verdadeira eternidade. A doce união de seus lábios veio instantes depois, quando Jake cobriu sua boca com um beijo lascivo e sensual. Chelsey fechou os olhos, entregando-se por completo àquele intenso prazer. Não demorou para perceber que Jake Breaux era o homem mais perigoso que já conhecera, pois com um simples toque ou beijo poderia dominá-la, levando-a à loucura. Por isso, precisava redobrar os cuidados para não sair ferida mais uma vez. Quando finalmente terminou de beijá-la, ele a surpreendeu de novo. Ao invés de afastar-se, tornou a beijar a face e o contorno de seus lábios, seduzindo-a com talento. Depois, voltou à boca, cheio de paixão e volúpia. De repente, foi embora, sem dizer uma palavra. Jake sabia que fizera uma coisa terrível ao provocá-la daquela maneira. Porém precisava saber se Chelsey também sentia a mesma atração que o dominara desde o instante em que seus olhos se cruzaram, naquela tarde. Sua vontade era de fazer amor com ela naquele momento, sem se importar com a gravidez e tudo mais. Mas, acima de tudo, falou mais alto o dever de respeitá-la. Por isso, saíra daquela forma brusca, sem sequer despedir-se, pois, se dissesse mais uma palavra, seria incapaz de deixá-la passar a noite sozinha...
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Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan
CAPÍTULO III Naquela noite, Chelsey dormiu poucas horas já que estava excitada demais para fechar os olhos. E, sempre que isso acontecia, relembrava o prazer dos beijos de Jake, agravando ainda mais o problema. Afinal tinha uma decisão muito importante a tomar e não podia permitir que fatores passionais decidissem por ela. Finalmente, quando o dia já estava clareando, conseguiu resolver aquele dilema: iria ajudá-lo. Não faria isso pelo dinheiro que ele oferecera, pois não tinha intenção de aceitar qualquer ajuda financeira. Decidira participar daquele plano pelo motivo mais simples e óbvio: o amor. Sabia que estava contrariando seu objetivo de agir lógica e racionalmente, mas o que podia fazer se os sentimentos falavam mais alto do que a razão? Chelsey tinha consciência de que estaria brincando com fogo e que poderia sair muito machucada dessa estória. Contudo estava disposta a correr esse risco, almejando apenas passar algum tempo ao lado do homem que preenchera, num instante, o vazio e a solidão que corroía sua alma. Algumas horas depois, já estava vestida e perfumada, ao lado do telefone, esperando ansiosamente que o aparelho tocasse e pudesse ouvir a voz dele mais uma vez. Por fim, seus desejos se concretizaram... — Alô? — atendeu, disfarçando a ansiedade. — Espero não tê-la acordado — foi logo dizendo. — Não, estava esperando sua chamada — retrucou, sentindo um forte arrepio pelo corpo, causado por aquela voz rouca e sensual. — Bem, poderíamos fazer alguns rodeios e falar sobre o tempo ou coisas do gênero, mas, por que perder tempo? Já decidiu? — Sim... — Fez uma pausa, para tomar coragem antes da resposta fatal. — Resolvi ajudá-lo. Jake deu um profundo suspiro, do outro lado da linha. — Graças a Deus! Isso é fantástico! — Achou que eu diria não? — Bem, digamos que não dormi quase nada essa noite, pensando nessa possibilidade. — Nem eu. — Mas está tudo em ordem, não é? Quero dizer, não ficou indisposta? —Não, nem estou cansada. E agora, o que temos que fazer? — A primeira coisa que farei será ligar para minha tia, dizendo que iremos ao hospital esta tarde. Acha que estará pronta às onze? Chelsey suspirou, temendo que lhe faltassem forças para levar aquilo adiante. —Tem certeza de que essa é a única saída? — Olhe, não pode voltar atrás agora. 25
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Já pensou em todos os detalhes? — tornou a indagar, cheia de dúvidas. — Espero que sim. Nunca me envolvi em nada parecido antes - desabafou. Então, tentando acalmá-la, sugeriu: — Tudo o que tem a fazer é sorrir, dando a impressão de que é a esposa mais feliz do mundo. Passaremos alguns minutos no quarto do meu avô e tudo estará terminado. — Assim espero. — Ótimo. Passarei às onze para pegá-la. — Não na limusine, espero? — Não. Dessa vez, estarei dirigindo meu próprio carro. Quatro horas depois, Chelsey estava sentada dentro de um corvette preto. Aliás, não fora nada fácil entrar naquele carro, já que os modelos esportivos costumam ser muito mais baixos do que os convencionais. Entretanto, com a ajuda de Jake, vencera aquela batalha, esperando que acontecesse o mesmo no hospital. - O que há de tão engraçado? — indagou, irritada com a expressão alegre no rosto dele. - Você fica linda quando está zangada, sabia? Mas não fique tão tensa, relaxe. Tudo vai dar certo. Novamente, Jake vestia calça jeans, porém não era velha e puída como a da tarde anterior. Também estava com a mesma jaqueta de couro preto, sobre uma camisa vermelha. Chelsey, por sua vez, usava uma jardineira azul-marinho com uma blusa de seda também vermelha. E, diante de tamanha coincidência, parecia até que tinham combinado usar as mesmas cores. Ela sorriu, relaxando um pouco, contudo era difícil esquecer que nas horas seguintes teria que calcular cada gesto ou palavra, sob pena de ser desmascarada. "Aliás, como será o avô de Jake?", indagou-se, curiosa. Tudo acontecera tão rápido que esse tipo de pergunta nem lhe havia passado pela cabeça. Mas, agora que o Corvette avançava em direção à cidade vizinha, a curiosidade passava a dominá-la. "Terá olhos tão negros e penetrantes quanto os do neto?", tornou a perguntar-se, imaginando que dificilmente o velho homem teria olhos azuis ou verdes. Deviam ser como os de Jake, escuros como a noite. Em seguida, quase por acaso, voltou-se para a janela do carro, observando a paisagem, composta por carvalhos e ciprestes. Mas, nem mesmo a natureza conseguia acalmá-la, e, preocupada, deu um longo e profundo suspiro, chamando a atenção de Jake. — Nervosa? — Sim... — murmurou, em pânico. Jamais mentira para alguém daquela maneira. Por que concordara com aquele plano, afinal? — Já mentiu antes, quero dizer, premeditadamente? Jake fitou-a por um segundo, notando uma nuvem de preocupação sobre aquela fisionomia angelical. No mesmo instante, sentiu uma pontada de remorso por envolvê-la naquela enxurrada de mentiras. — Não — respondeu, seco. — Mas, somente porque nunca tive um bom motivo 26
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan para isso. Chelsey arregalou os olhos, tensa. Porém nada retrucou, tornando a observar a estrada. Jake também ficou em silêncio, mortificando-se por ter dito aquilo e, pior, daquela maneira brusca e insensível. Mas não podia explicar-lhe o porquê de ter agido assim, pois isso significaria romper barreiras que levara anos para erguer... Após a morte dos pais e da irmã, prometera a si mesmo nunca mais permitir que alguém dominasse seu coração. Até seu afastamento do avô fora uma maneira de proteger-se do amor. Norteara sua vida para afastar-se de envolvimentos emocionais, agindo sempre de forma superficial e fria. No entanto, por trás daquela aparência firme e invencível, havia um homem amoroso e carente que Chelsey MacKenzie tinha o dom de despertar. Estava em conflito, por isso, algumas vezes, agia de modo contraditório... Chegaram a Lafayette bem na hora do almoço e Jake achou melhor comerem algo, antes de irem para o hospital. Então parou em uma lanchonete que encontrou no caminho, ajudando Chelsey a acomodar-se em uma cadeira. O ambiente era moderno e acolhedor, impregnado com um delicioso cheiro de hambúrguer grelhado e outras delícias. E, apesar da perigosa missão que iriam enfrentar, o apetite de Jake não sofreu qualquer mudança. Ela, ao contrário, estava muito tensa e mal conseguiu experimentar o sanduíche, preferindo concentrar-se no suco de laranja. De repente, os olhos dele brilharam de excitação. — Olhe para aquela mesa — pediu, impaciente. Chelsey obedeceu, avistando um jovem casal que lanchava, cuja mulher também estava grávida. — O que há com eles? — Repare na maneira como ela segura o copo. — Está bem, mas continuo sem entender nada. — A aliança, Chelsey! — exclamou, exasperado. — Como pude esquecer disso? — Consultou o relógio de pulso e prosseguiu: — Ainda temos tempo de comprar uma para você. Vamos, acho que há uma joalheria no próximo quarteirão. — Não preciso disso, muitas pessoas casadas já aboliram o uso de alianças. — Não me importa as outras pessoas! Você terá uma e ponto final! — afirmou, intransigente. Em seguida, mais calmo, acrescentou: — Não podemos deixar escapar nenhum detalhe. Num minuto, Jake acertou a conta e foi para a porta, disposto a resolver aquele problema o mais depressa possível. Contudo, virando-se para trás, viu que Chelsey permanecia sentada. — Pode apressar-se? — pediu, retornando à mesa. — Estou fazendo o que posso para acompanhá-lo — retrucou, irritada. Assim que saíram da lanchonete, ela o segurou pelo braço, forçando-o a encará-la. — Disse que tinha tudo sobre controle — recriminou, com firmeza. — E tenho. Agora vamos, não temos tempo a perder — respondeu, abrindo a porta 27
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan do carro. Chelsey olhou para o automóvel, imaginando como conseguiria acomodar-se sozinha naquele banco baixo. — Oh! Desculpe-me — Jake pediu, segurando-a pelo ombro. — Estava tão apressado que esqueci de ajudá-la. Está mais fácil assim? Ela tomou fôlego e fez um gesto afirmativo, porém, o calor daqueles braços ao redor de seu corpo tornava tudo mais complicado. Mas, graças a muito autocontrole, conseguiu dissimular o frenesi que aquele toque lhe causava. — Bem, agora podemos encontrar uma aliança digna da esposa do único neto de Jonathan Breaux! — anunciou, acomodando-se ao volante. Chelsey ficava cada vez mais apreensiva, mordendo os cantos da boca. — Não estou gostando disso, Jake... Tudo está ficando tão complicado! Nesse exato momento, um carro vermelho com três moças estacionou ao lado deles, chamando a atenção de Jake. Atraídas pelo rosto moreno e sedutor dele, elas saíram do automóvel e não deixaram de fitá-lo por um só instante até desaparecerem dentro da lanchonete. Atenta à tudo, Chelsey sentiu-se esquecida pelo companheiro, que havia flertado, sem pudor algum, com uma das garotas. — O que há de complicado em comprar uma aliança? — ele indagou, como se nada tivesse acontecido. — Nada! — afirmou, com a voz alterada pela raiva. Procurando tranquilizá-la, deu-lhe um suave beijo nos lábios. — Nunca irei magoá-la, Chelsey. Acredite. E ficarei tão feliz quanto você quando tudo isso terminar. — Assim espero... — Estava muito ressentida com Jake por ter flertado com aquela moça loira, porém estava mais zangada ainda consigo mesma por deixar que ele a dominasse com um simples beijo. "No fundo, todo homem fica louco quando vê uma garota usual, de minissaia ou roupa colante!", pensou, enciumada. Sem imaginar o que se passava com Chelsey, Jake saiu do estacionamento a toda velocidade. - Quer concentrar-se na direção? — ela sugeriu, sarcástica. - O que? - Ora, não se faça de bobo! Não parou de olhar para aquelas moças! - Eu!? Nunca! — exclamou, surpreso com a reação dela. - Não diga isso, vi tudo muito bem! Jake fitou-a, sorridente, e um brilho de malícia surgiu em seus olhos. - Por acaso, está com ciúmes de mim, Chelsey? - Claro que não! Não tenho motivos para isso. Só detesto ver um homem crescido agir como um adolescente! - Então obrigado, sra. MacKenzie, por livrar-me do ridículo - disse, irônico. - Nem mesmo se lembrou de que eu estava ao seu lado, enquanto flertava com aquelas garotas! 28
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan - Está bem, confesso que errei, bolinha de algodão. Uma raiva imensa explodiu dentro dela e, antes que pudesse se controlar, virouse, dando dois tapas no braço de Jake. - Ei! O que há com você? — reclamou, surpreso com aquele ataque. — Não aceita uma brincadeira? Com os olhos injetados de ódio, respondeu: - Há uma coisa que deve aprender sobre mulheres grávidas: não deve fazer brincadeiras sobre aumento de peso! Entendeu? - Perfeitamente, madame! — afirmou, tentando segurar o riso, que iria irritá-la ainda mais. — Acho melhor encontrarmos logo uma joalheria, antes que você desista de casar comigo. - Posso lhe garantir, Jake Breaux, que se não fosse uma farsa, jamais me casaria com alguém como você! - Esplêndido! — retrucou, tornando-se sério. — Pois quero deixar bem claro que não planejo me casar, pelo contrário, sou contra casamentos! - Isso é óbvio. Após aquela pequena discussão, permaneceram calados, cada qual agindo como se estivesse ao lado de um estranho. Jake dirigia, passando a mão pelos cabelos, em gestos nervosos. Quanto a Chelsey, apenas olhava para a frente, sem se mover, achando que jamais significaria algo para ele. "É melhor assim!", Jake pensou, aprovando aquele silêncio todo. Contudo, estava muito confuso e, de vez em quando, a fitava com o rabo dos olhos, arrependido por têla magoado novamente. Por sorte, alguns minutos depois, pararam diante de uma luxuosa joalheria, sendo forçados a acabar com aquela briga. — Gostaríamos de ver alianças de casamento — ele foi logo dizendo, assim que um idoso vendedor veio atendê-los. — Alianças... de... casamento!? — repetiu, passando os olhos pelo corpo arredondado de Chelsey. — Claro, sentem-se que irei mostrá-las. Ela corou, sabendo que o vendedor devia imaginar que o bebê era de Jake. Logo, o homem mediu seu dedo e disse: — Está com sorte, acho que temos belas alianças no seu tamanho. Entretanto, caso haja algum problema, poderemos ajustá-la em poucos dias. — Não podemos esperar, precisamos de um anel agora mesmo — Jake respondeu, firme. — Como quiser. — Em seguida, voltando-se para ela, indagou: — O que prefere brilhantes, rubis, esmeraldas? — Uma aliança simples, de ouro, está ótimo — respondeu, falando pela primeira vez, desde que entrara na loja. — Isso não é necessário, Chelsey — Jake murmurou, com voz carinhosa. — Dê uma olhada nas outras joias. — Lógico, madame — o vendedor emendou. Quinze minutos mais tarde, ele já havia lhes mostrado uma grande infinidade de 29
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan alianças e anéis de noivado, alguns com diamantes enormes que deveriam custar uma fortuna. Jake estava entusiasmado com aquelas joias e, a todo instante, chamava a atenção de Chelsey para a pureza de uma pedra preciosa ou o design de outra peça. Entretanto essa atitude só conseguia confundi-la, afinal por que gastar tanto em um anel, se o casamento era de mentira? Por fim, Jake selecionou uma aliança de brilhantes, entremeada com esmeraldas, que o vendedor acabara de anunciar como uma das melhores peças da joalheria. — Gosta desta, Chelsey? — indagou, entregando-lhe a joia. — Claro. Quem não gostaria? — Nesse caso, vamos levá-la. — Excelente escolha! — o vendedor exclamou, transbordando de satisfação pela venda. Chelsey, entretanto, não estava satisfeita e, enquanto Jake fazia o cheque, admirava a joia com um enorme peso na consciência. — Espere! — exclamou, aflita. — Prefiro uma aliança comum, de ouro. — Qual o problema? Prefere uma só com brilhantes? — Jake quis saber, analisando melhor a joia. — Essa peça é linda! Mas não a quero. — E por que não? — É muito cara! — Quem tem que se preocupar com isso sou eu, não acha? Esquecendo que o vendedor era uma testemunha daquela pequena discussão, Chelsey, retrucou, decidida: — Ouça, quer que eu use uma aliança, certo? Tudo bem, mas não há necessidade de comprar uma de brilhantes! — E por que? — insistiu, ficando contrariado. — Já expliquei o motivo! — Quer uma aliança simples? Muito bem, terá uma! — anunciou, furioso. Depois, voltando-se para o vendedor, pediu: — Esqueça as pedras preciosas, levaremos uma de ouro. O pobre homem recolheu a aliança de brilhantes e mostrou uma bandeja com outras, bem simples. Seus gestos eram tão lentos e pesados que podia-se perceber que também estava irritado com a escolha de Chelsey. Durante algum tempo, Jake não se aproximou dela, deixando-a à vontade para escolher o que bem entendesse. Livre de pressões, Chelsey acabou optando por um modelo de ouro amarelo, bem tradicional. E, para surpresa do vendedor, a peça cabia exatamente no dedo anular, como se fosse feita sob medida. Jake também escolheu uma aliança, parecida com a dela e a colocou no dedo. — Por que está espantada? — indagou-lhe, exasperado. — Os maridos também costumam usar alianças, não é? — Está um pouco grande, senhor — Podemos diminuí-la. 30
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pena.
— — — O
Não tenho tempo para isso. Mas posso arrumá-la para o final da tarde No final da tarde, não irei mais precisar dela! pobre homem ficou tão confuso com aquela conversa, que Chelsey morreu de
"Definitivamente, isso está ficando muito complicado", pensou, preocupada. Jake parecia esfuziante por tê-la surpreendido ao usar uma aliança. Na verdade, adorava chocar as pessoas, pois era uma maneira segura de mantê-las à distância. — Mas, não estava usando aliança antes — Chelsey advertiu. — Acha que sua tia não vai lembrar disso? — Posso dizer a ela que, algumas vezes, esqueço de colocá-la no dedo. — Espero que também continue rápido em arranjar desculpas, quando estivermos no hospital. — Basta ficar ao meu lado e tudo acabará bem. Aliás, não fique sozinha com minha tia Tessie, ou ela irá fazer uma enxurrada de perguntas. Ao ouvir aquilo, seu estômago contraiu-se de dor. Entretanto não demonstrou o quanto estava apavorada. Depois de fazer outro cheque, Jake entregou-lhe a aliança, dizendo: — Aqui está, pode colocá-la. Ela olhou para a joia, na palma de sua mão, porém era incapaz de mover-se. No final, cansado daquela demora, ele mesmo pegou a aliança e colocou no dedo de Chelsey. — Está pronta? — Acho que sim... — murmurou, com voz trêmula. — Mas não seria melhor esperarmos até amanhã para irmos ao hospital? Podemos ter esquecido de outros detalhes... Tenho medo de falhar... — Isso não vai acontecer. Saíram da loja, deixando para trás um vendedor perplexo, coçando a cabeça, sem entender nada. Como de costume, Jake a auxiliou a entrar no carro e, depois, acomodou-se ao volante. — Por que não quis a aliança de brilhante? — O que faria com iria fazer com aquela joia após a encenação no hospital? Ele a olhou, espantado. — Pensei que tivesse entendido que o anel ficaria com você para sempre... — Comigo!? Está louco? Aquilo custava uma fortuna! — Seria mais uma gratificação por estar me ajudando — explicou, sacudindo os ombros. Chelsey procurou encará-lo. — Olhe, só estou participando disso por gratidão. Não quero seu dinheiro ou qualquer outra coisa que possa comprar com ele! Respirou fundo, para ganhar coragem, e prosseguiu: — Aliás, no momento, só estou preocupada com seu avô... Temo que ele perceba a verdade... 31
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Já lhe falei para não se preocupar com isso. Bastar dizer que nos casamos há poucas semanas, certo? Chelsey fez um sinal afirmativo com a cabeça. — Jake, nunca lhe perguntei qual o problema do seu avô — quis saber, alguns minutos depois. — Coração... — Oh! Meu Deus! — Por favor, não é hora de entrar em pânico! Fique calma - pediu, com um sorriso tão sedutor que a fez sentir arrepios pelo corpo. — Você acha tudo simples demais... — E estou com a razão! Logo, estaremos livres disso tudo! - afirmou, estacionando o automóvel em frente ao hospital. Em pouco tempo, já estavam andando pelos corredores, rumo ao quarto do sr. Breaux. E, embora a temperatura estivesse alta, ela sentia ondas de frio dominá-la, além de uma forte dor de estômago. Tudo provocado pelo medo. Chelsey percebeu claramente o modo como as enfermeiras olhavam o corpo másculo e charmoso de Jake e não gostou nada daquilo. No fundo, ficou bastante contrariada, quase com raiva. Ela não ousava dar um nome a esse sentimento, já que decidira ignorar todas as emoções que se referissem a Jake Breaux. À medida em que se aproximavam do quarto, entretanto, ia se desligando desses pensamentos e concentrando-se apenas no plano. "Deus, me ajude a fazer tudo direito", implorava, cheia de medo e insegurança.
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CAPÍTULO IV Chelsey esperava encontrar um quarto lúgubre e triste, com a morte rondando cada canto, exatamente igual ao que sua avó ficara, antes de morrer. Porém teve uma agradável surpresa... As cortinas estavam abertas, deixando que a luz do sol iluminasse todo o aposento, realçando as belas flores sobre a mesa e uma confortável sala-de-espera. É claro que sua pobre avó não ficara em um lugar tão espaçoso e bem decorado assim, pois passara seus últimos dias em uma enfermaria coletiva de uma hospital público. Porém, além do conforto material, havia no quarto do sr. Breaux uma certa atmosfera de paz e tranquilidade, difícil de descrever com palavras. No centro do quarto, havia uma enorme cama, ligada a modernos monitores, ocupada por um homem idoso, de tez morena e cabelos brancos. Mas, mesmo deitado e preso a inúmeros aparelhos, o velho ergueu a cabeça, perscrutando o rosto da jovem com olhos idênticos aos de Jake. Aliás, seu olhar parecia inteligente demais para alguém que estava à beira da morte. Por um minuto, Chelsey gelou, sentindo que ele poderia devassar sua alma. Após alguns instantes, ele cansou de observá-la e desviou o olhar em direção ao neto, permitindo-lhe respirar aliviada de novo. — Jake? — chamou, com voz fraca. Ao ouvir aquele chamado, ela sentiu um aperto terrível no coração, misto de piedade e carinho. Agora entendia perfeitamente porque Jake desejara fazer o avô feliz, sem importar-se com as consequências. Jake apertou a mão de Chelsey, transmitindo-lhe coragem, e juntos aproximaram-se da cama. — Vovô, como está se sentindo hoje? Um sorriso iluminou aquele rosto pálido quando fitou Chelsey outra vez. — O doutor disse que estou melhor. — Que ótima notícia! — afirmou, aliviado. — Onde está a tia Tessie? — Mandei-a para casa. Estava me deixando louco, sempre perguntando como estou me sentindo. — Então, se já está brigando com ela, deve estar quase bom! O velho sorriu para o neto, porém logo voltou a observar Chelsey. Jake abraçou-a e, meio hesitante, teve que apresentá-la: — Vovô, está é... É Chelsey... Minha esposa. Ele continuou a estudá-la com tanta intensidade que ela sentiu o rosto corar de constrangimento. — Venha cá, cherry. Deixe-me conhecê-la. Emocionada e cheia de medo, ela era incapaz de mover-se, desejando que um buraco se abrisse sob seus pés, livrando-a daquela situação. 33
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan "Não terei coragem de enganar esse pobre homem", pensou, angustiada. — Aproxime-se, cherry — pediu, mais uma vez. — E não tenha medo, só quero admirá-la melhor. Aquele pedido carinhoso agiu como uma injeção de ânimo em seus nervos, fazendo-a caminhar. Em seguida, apertou a mão que ele estendeu-lhe, percebendo o quanto estava feliz por conhecê-la. E, deixando todas as mentiras de lado, sorriu-lhe, do fundo de sua alma, com os olhos lacrimejando. — Estou muito feliz por conhecê-lo, sr. Breaux — ouviu-se dizer. — Não tenho dúvidas de que meu neto fez de tudo para evitar esse encontro. Nem sabia de sua existência, alguns dias atrás! — Sei disso... — replicou, amável. — Jake achava melhor manter-me afastada, mas agora compreendeu que agiu mal... Sinto muito se o magoamos... — Você não me magoou, cherry. É a resposta a todas as minhas preces. — Apertou-lhe a mão. — Merci. Das poucas palavras francesas que conhecia, Chelsey sabia perfeitamente que cherry era querida e merci significava obrigado. Porém não entendia o motivo daquele agradecimento. — Por que me agradece? — Por amar meu neto, embora ele dificulte essa tarefa ao máximo, e por ter esse bebê. Um bisneto é um velho sonho meu! — Fez uma pausa, emocionado, para recuperar o fôlego. Mas logo tornou a dizer: — Agora, sei que Jake terá você para cuidar dele e isso me alegra muito. Embora ache que pode se cuidar sozinho, está errado! Todos precisam de alguém e Tessie e eu não seremos eternos! Chelsey ficou gelada. Será que ele sabia que estava morrendo ou que ela mentia? — Não fale assim. Deve concentrar-se apenas em ficar bom! — sugeriu, procurando alegrá-lo. — Deixe que nós nos preocupemos com os problemas, está bem? — Você tem fibra! Ótimo, pois vai precisar disso para lidar com meu neto! — Então, virando-se para Jake, afirmou: — Fez a coisa certa! Ela é o que precisava há muito tempo! — Fico feliz que tenha aprovado minha escolha — respondeu, passando os braços em tornos de Chelsey e dando-lhe um beijo afetuoso na face. Jake parecia tão sincero, ao dizer aquilo, que ela precisou fitá-lo para estudar sua fisionomia. Contudo não obteve nenhum resultado... — Sim, esse casamento é maravilhoso! — o avô retrucou, fechando os olhos, por um instante, como se estivesse agradecendo a Deus por uma graça alcançada. Chelsey sabia que era uma fraude, assim como Jake e aquele falso casamento. Mas, mesmo assim, naquele momento, sentiu-se satisfeita pelo que estava fazendo. Pois, graças àquela mentira, o sr. Breaux iria para o túmulo feliz. Além disso, caso melhorasse, talvez ele e Jake acabassem perdoando-se pelos mal-entendidos que tivessem ocorrido no passado. De qualquer modo, estava ajudando a tornar alegre os últimos dias de uma pessoa e isso bastava para exorcizar toda angústia e culpa por mentir. 34
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Agora, precisamos ir embora, vovô. Está ficando muito cansado com nossa visita — Jake anunciou, interrompendo os pensamentos de Chelsey. — Estou um pouco sonolento mesmo. Acho que a enfermeira deu-me algum sonífero. Aliás, é o que todos querem que eu faça: dormir e dormir. — Precisa descansar bastante, vovô. — Irão voltar mais tarde, não é? — indagou, com a voz cheia de esperança. — Bem... — Jake disse, hesitante. — Eu voltarei, mas Chelsey provavelmente não virá. O doente ficou muito abatido com aquela notícia. Seus olhos ficaram tristes e o sorriso desapareceu de seu rosto. — Por que? — inquiriu, olhando, em desespero para Chelsey. — Eu preciso... — Então interrompeu a frase, dando um longo suspiro. — Vovô? Está tudo bem? Ele balançou a cabeça, num gesto automático, como se não tivesse mais nenhum motivo para continuar vivo. — Acho que estou mais cansado do que imaginava... — sussurrou, entristecido. E, apertando a mão de Chelsey, fez uma súplica, comovente: — Por favor, volte. — Voltarei... — garantiu, quase chorando de emoção. — Mas, por favor, não fale, descanse. Prometo que, quando estiver melhor, passaremos mais tempo juntos. — Isso se eu melhorar o suficiente para voltar para casa... Talvez seja a última vez que volte para lá... — Sua respiração estava difícil e precisava tomar fôlego para poder falar. — Promete uma coisa, Chelsey... — O que deseja? — Que você e Jake ficarão comigo, se eu voltar para casa. Por favor, prometa que irão, mesmo que seja por pouco tempo. Preciso sentir que somos uma família novamente. — Isso não será possível, vovô — Jake interrompeu. — Agora que a gravidez está no final, Chelsey precisa ficar perto do médico dela. Por isso, não poderá passar alguns dias em sua casa. Jonathan Breaux continuou a fitá-la, suplicando, em silêncio, para que ela lhe desse uma chance, talvez a última que teria, para reconciliar-se com o neto. Chelsey podia sentir seu desespero e aflição, sentimentos com os quais estava bastante familiarizada. Quantas vezes havia chorado, suplicando por um pouco de carinho do pai? Será que esse homem não estava lhe pedindo o mesmo tipo de ajuda? Diante de tantas dúvidas, só tinha certeza de que não ficaria em paz com sua consciência se lhe desse as costas e fosse embora. Aliás, mesmo a proximidade do parto não serviria como desculpa, pois o consultório do seu médico era ali mesmo, em Lafayette. — Bem... Talvez... — gaguejou, para espanto de Jake. — Se tiver alta... ficaremos alguns dias em sua casa. Afinal ainda faltam três semanas para o parto. O homem suspirou, feliz. — Desde o momento em que a vi, sabia que não iria me abandonar, Chelsey. — Em seguida, fechou os olhos, com uma expressão de pura alegria no rosto abatido. Depois 35
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan disso, ambos despediram-se, deixando-o descansar. Já estavam na metade do corredor, quando Jake a interpelou, furioso: — Como pôde estragar tudo? — Eu!? — exclamou, perplexa. — Como fiz isso? — Ora, prometendo a meu avô que iríamos passar alguns dias com ele! Não faz ideia da força de vontade que ele possui! Por essa promessa, é capaz de melhorar e ir para casa! — Não pretendia dizer aquilo... Mesmo assim, acho que ele não vai melhorar a ponto de receber alta. Por isso, você não tem com o que se preocupar. — Não tenho, é? E se ele ficar bom, o que a "Senhora-Sabe-Tudo" irá fazer? Ela parou de caminhar, olhando bem dentro dos olhos dele. — Não deseja que ele fique bom? — Claro que sim! Esse não é o problema... — Sei, o problema é que pediu minha ajuda e fiz o melhor que pude por você. Entretanto não deu-me tempo suficiente para que me acostumasse com a doença de seu avô. E, quando o vi, naquela cama, tão vulnerável e cheio de esperança, não pude negar-lhe nada... Lamento se piorei as coisas... Jake cobriu o rosto, num gesto impaciente. E, sem dizer uma palavra, voltou a andar. Chelsey o seguiu, apressada. Entretanto só conseguiu alcançá-lo na porta dos elevadores. — O que esperava que eu fizesse? Preferia que tivesse dito que não estava interessada em conhecer sua casa? — Não! — admitiu, balançando a cabeça. — Não sei o que deveríamos ter feito... Só acho que as coisas estão fugindo ao nosso controle. Ficaram em silêncio até o elevador chegar. Então, arrependido por tê-la tratado mal, ele a abraçou, forçando-a a encará-lo. — Agora só nos resta esperar... — sussurrou no ouvido dela, deixando-a atordoada com aquela proximidade. — Vou levá-la até sua casa e, depois, irei para o escritório. Durante esse tempo, tentarei encontrar alguma solução. De repente, a porta se abriu e ficaram diante de uma mulher de meia-idade, um pouco gorda e com cabelos grisalhos, cuja face transmitia bondade e sabedoria. — Tia Tessie! — Jake exclamou, abraçando a mulher. — Oh! Meu Deus! Aconteceu alguma coisa com papai? — ela indagou, aflita. — Ele mandou-me para casa, mas não consegui ficar lá por muito tempo. — Vovô está ótimo, nós acabamos de visitá-lo. — Nós!? — repetiu, perplexa. Só então se deu conta de que o sobrinho estava acompanhado. E, pela primeira vez, passou a observar Chelsey, que repetiu o gesto. Tessie tinha o rosto mais simpático que já vira. Suas bochechas eram rosadas, devido ao excesso de blush, e os lábios pintados de vermelho, mas seus olhos castanhos eram suaves e amáveis. — Não vai nos apresentar? — pediu ao sobrinho, enquanto sorria para a jovem que o acompanhava. 36
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Até aquele momento, Jake estava radiante por não ter encontrado a extrovertida tia Tessie. Entretanto já estava começando a se acostumar com os imprevistos que não paravam de surgir... — Chelsey, essa é minha tia Tessie. Tia, essa é Chelsey, minha esposa. — Oh! Jake! Sua esposa! Que maravilhoso! — exclamou, esfuziante. Então deu um abraço caloroso na nova sobrinha. — Papai e eu ficamos muito felizes quando Jake nos contou sobre você. Aliás, já o conheceu? — Sim, e espero que ele se recupere logo. — respondeu, retribuindo o sorriso. — Eu também. E esse bebê, falta muito para vir ao mundo? — Umas três semanas. Chelsey olhava, alternadamente, para Jake e Tessie, sentindo um forte laço de amor entre eles. E, não importava o que tivesse acontecido para afastá-los, podia sentir que ainda formavam uma família e nada mudaria esse fato. Aliás, tinha certeza de que qualquer um dos três daria a vida para ajudar o outro. O problema é que não tinham consciência disso. — Precisamos ir embora, tia — Jake interrompeu, temendo que Chelsey dissesse algo que não devia. — Tão rápido assim? Não podem ficar mais um pouco? — Infelizmente, não. É que Chelsey não está se sentindo muito bem... Acho melhor levá-la para casa — mentiu, esperando que ela confirmasse aquilo. Tessie meneou a cabeça de um lado para outro, desapontada. — Que pena, querida. Posso fazer algo para ajudá-la? — Bem... Não... — gaguejou, nervosa com tantas mentiras. — Mas, de qualquer modo, obrigada. É apenas cansaço. Com um olhar significativo, Jake aprovou aquela desculpa. E, antes que perdesse o controle da situação, deu um beijo na tia, despedindo-se. — Se houver algum problema, estarei no escritório, tia Tessie. Mas, à noite, voltarei para ver como o vovô está. — Está bem — retrucou, surpresa com o beijo do sobrinho. Depois, virou-se para Chelsey e disse, afetuosa: —Adeus, querida. Espero vê-la novamente. — É claro que nos veremos! — afirmou, sabendo que Jake ficaria furioso com aquela resposta. Mas o que mais poderia ter dito àquela mulher amável? Enquanto caminhavam até o estacionamento, Chelsey tentava compreender os motivos que levaram Jake a se afastar de familiares tão carinhosos. Como alguém poderia desprezar o amor puro e desinteressado da própria família? "Com certeza, ele não faz ideia do que é viver sem uma família para amá-lo e protegê-lo. Eu sei muito bem o que isso significa...", pensou, suportando com resignação o silêncio dele. Jake também estava confuso e cheio de dúvidas. Como explicar o fato de estar ali, naquele hospital, fingindo que estava casado com uma garota grávida apenas para agradar o avô? E por que aquela mesma garota lhe despertava um sentimento estranho e contraditório, que o alegrava e fazia sofrer ao mesmo tempo? Jamais sentira aquilo por ninguém, especialmente por uma mulher... 37
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Ele mentira para Chelsey, ao dizer que havia procurado várias mulheres para representar o papel de sra. Breaux antes de lembrar-se dela. Para ser franco, havia pensado naquele rosto suave e angelical desde o momento em que inventara a estória do casamento para o avô. Naquele momento, estava furioso, com ódio do mundo todo. Mas, mesmo assim, auxiliou Chelsey a acomodar-se no carro, reservando sua ira para a porta do Corvette, que bateu com tanta força que até os vidros estremeceram. — Ainda não entendo por que disse aquilo para o meu avô — reclamou, rompendo o silêncio. — O que planejava ganhar dizendo que passariam bastante tempo juntos? Havia um tom de malícia e desprezo na voz dele que deixou Chelsey profundamente irritada, Entretanto, mantendo o autocontrole, retrucou: — Não planejava ganhar nada! Aliás não podia pensar em coisa alguma, a não ser nos sentimentos de um homem doente! — Que maravilha! — exclamou, sarcástico. — É uma pena que todo esse seu altruísmo nos tenha atolado de problemas até o pescoço! Embora pretendesse ficar calma, o rubor tingiu suas faces de vermelho, em uma demonstração evidente do quanto estava indignada. — Lamento por tê-lo decepcionado, Jake Breaux. Aliás, deveria ter permanecido em silêncio, deixando que você dissesse o que bem entendesse. Tem tanto talento para a oratória, não é? Eu, ao contrário, não possuo tais habilidades, digo o que meu coração manda... Fui muito tola por tentar ajudá-lo. — Não fale comigo nesse tom. — Por que não? É a verdade! Achei que quisesse alegrar seu avô, mas estava enganada. Não foi por isso que inventou essa estória, não é? — Claro que foi! Que outros motivos eu poderia ter? — Algo muito mais egoísta... Desejava melhorar seu relacionamento com seu avô apenas para não se sentir culpado depois que ele morresse! Como pode ver, nunca pensou realmente nele! — De repente, seus olhos encheram-se de lágrimas. — Quanto mais o conheço, mais o acho parecido com meu pai. O sr. MacKenzie jamais se importou com alguém em toda a vida. Jake pareceu fuzilá-la com o olhar. — Você não sabe nada a meu respeito para julgar-me dessa maneira. Agora, vejo o erro que cometi ao envolvê-la nessa estória. Em seguida, deu a partida, agindo como se não houvesse mais ninguém no carro. Chelsey tinha vontade de dar-lhe uns bons tapas, como fizera anteriormente. Contudo preferiu ficar quieta, enxugando as lágrimas com a palma das mãos. Já sofrera demais por causa de pessoas egoístas e não poderia permitir que isso acontecesse outra vez. Jake havia salvado sua vida e a do bebê, porém, naquele minuto, tinha a impressão de que aquele heroísmo fora apenas uma casualidade e nada mais. Além disso, estava muito feliz por aquele casamento ser uma farsa. Seria um pesadelo estar casada com ele! 38
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan No exato momento em que chegava à conclusão de que Jake era igual à maioria dos homens, isto é, egocêntricos e sem piedade, lembrou-se da tarde anterior. Não podia ignorar o modo carinhoso como ele pousara as mãos sobre seu ventre, vibrando com cada movimento do bebê. "Ele parecia tão preocupado comigo e com meu filho...", pensou, com a alma em conflito. Durante o caminho para Carencro não trocaram uma só palavra, cada qual tentando aparentar mais indiferença que o outro. Assim que entraram na rua de Chelsey, ela agarrou a bolsa, pronta para descer quando o automóvel parasse. Seria humilhante demais ter que esperar que ele a auxiliasse. No entanto, Jake a segurou pelo braço, atrapalhando seus planos. — Espero que seu avô se recupere logo — murmurou, evitando fitá-lo. — Agora, se me der licença, preciso ir embora. — Pode esperar um minuto? — pediu, soltando-a. — Vou descer para ajudá-la. — Obrigada, mas não preciso de ajuda. — Claro que precisa e sabe muito bem disso! — Jake saiu do carro, estendendolhe as mãos com boa vontade. Chelsey continuou imóvel, ignorando aquela ajuda. Entretanto agia assim por medo do calor daquele toque, principalmente agora que tentava convencer-se de que Jake só pensava nele mesmo. Era um duelo de titãs, pois nenhum dos dois queria mudar de opinião. Até que, por fim, vencida pelo cansaço, Chelsey rendeu-se àquele capricho, aceitando a ajuda. — Como vai o bebê? — indagou, ao tirá-la do carro. — Ele não tem se mexido? — Não, está quieto há algumas horas... Deve estar dormindo... — Isso é normal? — perguntou, com voz preocupada. — Sim — respondeu, pois não queria conversar sobre aquele assunto. Seu filho não era problema dele. Com passos tão rápidos quanto seu estado permitia, caminhou até a porta, seguida de perto por Jake. E, embora fosse a última coisa que desejasse naquele momento, não pôde deixar de recordar, com saudades, do beijo que ele lhe dera na noite anterior. — Poderia manter-me informada sobre seu avô? — pediu, girando a maçaneta. — Se desejar... Uma voz interior recriminou-a por querer envolver-se na vida de Jake Breaux. Afinal tinha seus próprios problemas para preocupar-se. Mas o que poderia fazer se ficara encantada com a família dele? Confusa, tinha vontade de sair correndo dali e nunca mais vê-lo, mas seu corpo não obedecia, permanecendo parado na soleira da porta. De repente, o calor tornou-se opressivo e o ar pesado. Pálida e sentindo tudo rodar, procurou apoiar-se na parede. — Está tudo bem? — Mas, sem esperar por resposta, ele agiu rápido, segurandoa, antes que ela caísse. Então carregou-a para dentro, colocando-a sobre a cama. — Obrigada... — sussurrou, voltando a si. — Já estou melhor. 39
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Ele foi até o banheiro, retornado com uma toalha molhada que colocou sobre a testa de Chelsey. — Tem certeza de que está melhor? — perguntou, carinhoso. — Sim... Foi apenas uma queda de pressão. Jake sentou-se ao lado dela, acariciando sua barriga com ternura. — Olhe, agora está se mexendo — anunciou, abalada com aquela proximidade. O modo como ele falava, seus gestos, sorriso, enfim tudo que se referia a Jake Breaux, a deixava totalmente sem fôlego. No mesmo instante, ele levou a mão para o local onde o bebê chutava, deliciandose com aquela nova experiência. Aliás, quando estava na companhia de Chelsey, o mundo tornava-se mais bonito e as coisas simples da vida adquiriam um brilho diferente. Mesmo assim, algo em seu íntimo tentava resistir contra aqueles arroubos de felicidade, gerando atitudes contraditórias. Talvez fosse medo de amar... Logo, quase por acaso, seus olhos negros cruzaram-se com os dela, e um desejo irresistível de beijar aquela boca rubra passou a dominá-lo. Queria abraçá-la e fazerlhe carícias com toda paixão e volúpia, sem importar-se com aquela gravidez. Qual a magia daquela mulher para enlouquecê-lo assim? Será que seus lábios soltavam mel ou sua pele exalava algum perfume exótico e desconhecido, capaz de hipnotizá-lo? Não importava o que era, só queria aplacar o fogo que o estava consumindo... Devagar, deslizou as mãos até os seios de Chelsey, arrancando-lhe pequenos gemidos de prazer. Em seguida, deu inúmeros beijos em seu pescoço, até chegar finalmente aos lábios. Em êxtase, ela entregou-se àquelas carícias apaixonadas, explorando cada parte daquela boca sensual. Como gostaria de apagar o passado, esquecendo tudo o que já sofrera para viver apenas aquele momento de amor e felicidade... Mas, infelizmente, não podia fazer isso... Com um gesto firme e inesperado, Chelsey afastou-se, fechando a blusa ainda trêmula de prazer. Ofegante, Jake continuou imóvel, sem entender o que provocara aquela reação abrupta. — O que há de errado? — sussurrou, com voz rouca. — Eu e você... Nós não podemos fazer isso! — Só estávamos nos beijando. Que mal pode haver? Lágrimas quentes brotaram de seus olhos à medida em que ele falava. — A vida me ensinou a ter cuidado com os homens — começou, entre soluços. — Eles satisfazem seus desejos e depois, quando se cansam, vão embora. E não tenho motivos para achar que você seja diferente. Jake pareceu levar um balde de água fria. Estava pálido e transfigurado. — Olhe, garota, só estava lhe dando um beijo! O que espera de mim? Uma declaração de amor eterno ou coisa do gênero? Se for isso, esqueça. Já lhe disse que não sou do tipo casamenteiro! — Não preciso de um marido! — afirmou, parando de chorar. - Só quero que vá 40
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan embora! — Não precisa repetir—retrucou, levantando-se e caminhando até a porta do quarto. — Ótimo — mentiu, sentindo uma angústia profunda, como se estivesse recebendo uma punhalada no coração. — Ótimo! — repetiu, deixando a casa com uma rapidez impressionante. — Mulheres! — exclamou, ao entrar no carro. — São todas iguais!
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Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan
CAPÍTULO V A aliança. Após despertar de um sono agitado e repleto de pesadelos, o primeiro objeto que Chelsey viu foi a aliança de ouro em sua mão esquerda. Durante alguns minutos, permaneceu deitada, entre os lençóis perfumados, tentando lembrar por que não a removera do dedo na noite anterior. Afinal, depois de tudo o que acontecera, aquele anel não representava mais nada para ela e, com certeza, muito menos para Jake. Devia tê-la devolvido, ou melhor, atirado nele, antes que se fosse. Mas, naquela hora, nem se lembrara da aliança, só podia pensar no sofrimento de perdê-lo... Seus beijos... Ah! Que beijos ternos e apaixonados! Como poderia esquecer o calor daqueles lábios? E aquelas carícias em seus seios, então? Nunca sentira tanto prazer antes, nem mesmo quando estivera apaixonada por Brad, seu ex-marido. — Eu sou mesmo um caso perdido! — explodiu, acusando-se. — Após tudo o que passei com Brad, continuo a garota romântica e sonhadora que espera pelo príncipe encantado! Estava furiosa consigo mesma por permitir que alguém como Jake Breaux invadisse o mundo que criara para ela e seu filho. Aquele era um lugar especial, livre de sofrimento e desilusões, onde ninguém iria magoá-los. Lá podia descansar, comer, divertir-se com os programas da televisão e o melhor: tinha tudo sobre controle. Como ele ousara perturbar seu pequeno mundo, acabando com a tranquilidade que levara tanto tempo para conquistar? — Afinal, por que estou zangada com Jake se, provavelmente, jamais o verei outra vez? — indagou-se, tentando recuperar o controle da situação. Com certeza, ela não significara nada para Jake. E, tudo o que acontecera fora causado pelo calor do momento, nada mais... Por esse motivo, não deveria remoer-se de culpa por tê-lo mandado embora. Ao contrário, deveria esquecer que o conhecera. Por mais que tentasse, entretanto, Jake Breaux não era o tipo de homem que se esquece com facilidade. Não apenas por ter salvado sua vida naquele desastre... Mas também pelo modo como a tratara, fazendo-a sentir-se feminina e especial, como se fosse a mulher mais maravilhosa do mundo. E esse tipo de sensação não é qualquer homem que consegue despertar em uma mulher... Agora, que estava tudo terminado, restava apenas aquela aliança: símbolo indiscutível de um amor que nem sequer se concretizara. Aliás, por que deveria importar-se com um anel que fora colocado em seu dedo, sem a menor cerimônia ou palavra de afeto? Nesse momento, o bebê começou a dar chutes na sua barriga, anunciando que já estava acordado. Feliz com aquele "bom-dia", Chelsey escorregou até a borda da cama, desviando toda sua atenção para o filho, prestes a nascer. Entretanto sua felicidade 42
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan acabou logo... Uma nuvem de lágrimas embaçou seus olhos, ao lembrar daquelas mãos fortes e protetoras sobre seu ventre... Nunca mais sentiria aqueles toques... A aliança. Jake sentou-se na varanda de seu apartamento, com os olhos fixos na aliança de ouro, que continuava no dedo anular esquerdo. Por fim, olhou para a caneca de café extra forte que trazia na outra mão, sorvendo o líquido amargo como se fosse um tônico miraculoso. — Que ressaca! — exclamou, com a garganta seca e a cabeça explodindo de dor. Também, depois de tudo que bebera, era o mínimo que podia ter-lhe acontecido. No entanto suportava aqueles efeitos desagradáveis com resignação, achando-se merecedor de todo sofrimento. Mel, seu melhor amigo, que morava oito andares acima, tentara alertá-lo sobre as consequências nocivas da bebida. Contudo não lhe dera ouvidos, tentando afogar todas as mágoas numa boa garrafa de uísque. — Está tentando se suicidar ou o quê? — Mel indagara, na noite anterior, ao encontrá-lo já embriagado. Mas não pretendia morrer. Tudo o que desejava era castigar-se. E estava conseguindo... Chelsey não deixou seus pensamentos um só segundo naquela noite! E mesmo agora, pela manhã, para onde quer que olhasse, via aquele rosto puro, ladeado por brilhantes cabelos negros. E pior, a lembrança daquele beijo ainda o atormentava, fazendo seus lábios latejarem de saudades... Por que não conseguia esquecê-la? Por que a maciez e o frescor daquela pele permaneciam tão nítidos em sua memória, como se tivessem se separado a poucos instantes? E, apesar de ter sentido os movimentos do bebê enquanto acariciara aqueles seios perfeitos, o desejo que sentira por Chelsey não diminuíra em nada, ao contrário, aumentara... De repente, a campainha soou, obrigando Jake a abandonar todas aquelas dúvidas e devaneios. A princípio, decidiu ignorar aquele chamado, não abrindo a porta. Depois, lembrou que poderia ter acontecido algo com seu avô e, meio a contra-gosto, foi atender a campainha. Segundos mais tarde, suspirou com impaciência, ao encontrar Mel na soleira da porta. — O que você faz aqui? — foi logo perguntado, irritado. — Nossa! Está de péssimo humor, essa manhã! — Quase não dormi durante a noite. — Pela sua aparência, poderia ser confundido com um zumbi. — Muito engraçado — Jake replicou, voltando para a varanda. Sabia que estava horrível, com os olhos inchados e vermelhos, porém, no momento, não estava se importando nem um pouco com o que o mundo achasse dele. Mel seguiu o amigo, passando antes pela cozinha e servindo-se de uma xícara de 43
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan café, com toda intimidade de quem frequenta bastante o local. — Credo! Fez café ou tinta preta? — reclamou, fazendo caretas. Jake ignorou aquele comentário, acomodando-se numa espreguiçadeira. Mel deixou a xícara de lado e sentou-se na frente do amigo. — Se tivesse ouvido meus conselhos a noite passada, agora não estaria nessa ressaca... Mas, vamos lá, quem é a responsável por essa tristeza toda? Falou algo sobre uma garota, bebês, mas não deu para entender direito. Quem é ela? — Ninguém. — Ninguém? — repetiu, incrédulo. — Não confia mais em mim? Engravidou alguma moça ou coisa do tipo? — Não! Aliás isso não é da sua conta! — Ora, então por que bebeu a noite inteira, até não aguentar mais? Jake não respondeu, permanecendo com o olhar perdido no horizonte. — Somos amigos desde criança e nunca o vi nesse estado por causa de uma mulher. Quem é ela? — Será que um homem não pode tomar uns drinques a mais, de vez em quando, sem que tenha que dar satisfações a alguém? - reclamou, decidido a por um ponto final naquele interrogatório. Mel já estava desistindo de fazer mais alguma pergunta, quando reparou na aliança na mão esquerda do amigo. — O que é isso no seu dedo? — indagou, perplexo. — O que lhe parece? — Eu não acredito! Nem a percebi, a noite passada! — exclamou, beliscando-se para ter certeza de que não estava sonhando. — Quando foi que se casou? E onde está a feliz noiva? — Pare com isso! Eu não me casei! — Ah! E está usando aliança apenas para lançar moda? — Não tem compaixão? — perguntou, com os olhos brilhando de raiva. — Minha cabeça está me matando e você não para de fazer perguntas idiotas! — E dai? — indagou, sarcástico. Jake cobriu o rosto, dando um longo suspiro. Depois, fitou o amigo e perguntou: — Não vai me deixar em paz enquanto não souber de toda estória, certo? Mel fez um gesto afirmativo com a cabeça, incentivando Jake a iniciar sua narração. — Lembra que lhe falei sobre uma moça que sofreu um acidente no Colorado, na véspera de Natal? — Sim, prossiga. — Bem... Dez minutos mais tarde, já tinha contado toda a estória para Mel, que estava completamente aturdido com tudo o que ouvira. — Nós já fizemos muitas loucuras, nos últimos anos... — falou, devagar, tentando recuperar-se do choque. — Mas acaba de ganhar a taça por essa enrascada. — Não tive escolha. 44
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Pelo menos, descobri que você possui coração — Mel ressaltou. — Nunca falou sobre sua família com qualquer sinal de afeto ou amor na voz. E, quanto a essa garota, ela realmente o conquistou, não foi? — Não seja ridículo! Ainda está para nascer a mulher que vai me conquistar! — Você a ama? — Mel perguntou, incisivo, ignorando as desculpas de Jake. — Claro que não — respondeu, indo para a cozinha buscar um copo de suco de laranja. — Bem, nesse caso, qual o problema? — o amigo tornou a perguntar. — Se ela não significa, nada para você, tudo fica simples! É só tirar essa aliança e esquecer que essa garota existe. Além disso, não vai mais precisar da ajuda dela outra vez. — Ninguém pediu sua opinião! — afirmou, ríspido. — Está com um problema, meu caro Jake. Mas, pelo que vejo, não tem nada a ver com seu avô. E a garota que o está deixando assim... Acho que se apaixonou por ela. — Já disse que não pedi sua opinião! Mel sorriu, malicioso, como se tivesse feito uma enorme descoberta. — Tudo bem, não quer falar sobre a garota. — Depois, tornou-se sério e pediu, com voz solene: — Olhe, vou passar alguns dias em Nova Orleans, devido a reuniões de negócios. Mas, enquanto eu estiver fora, não tome nenhuma atitude precipitada, como, por exemplo, legitimar essa aliança... Se é que me entende... Jake respirou aliviado, assim que o amigo deixou o apartamento. Já não suportava mais todas aquelas perguntas e conselhos. Então tomou duas aspirinas com o resto do suco de laranja e foi para o chuveiro, combater a ressaca com um banho de água fria. Duas horas mais tarde, Jake já estava dentro de seu Corvette, a caminho do hospital para ver o avô, quando lembrou que tinha uma reunião importante no escritório. Então deu meia volta e seguiu para a Companhia Petrolífera da Louisiana, firma que comprara após seu retorno à cidade, cinco anos atrás, com a herança deixada pelos pais. No começo, enfrentara problemas graves na empresa, que além da queda do preço do petróleo no mercado internacional, passava por uma séria crise financeira e administrativa. Porém, com pulso firme e ideias arrojadas, conseguira tirá-la do vermelho e expandira suas instalações, obtendo lucros elevados. Assim que chegou na firma, estacionou o carro na vaga destinada ao presidente, recebendo cumprimentos sinceros de alguns funcionários que passaram por ele, em um dos inúmeros veículos da companhia. Na verdade, era muito querido e respeitado por todos que trabalhavam ali. Leonard Herbert, o diretor administrativo da empresa, e vários outros executivos já estavam reunidos, quando Jake entrou na enorme e suntuosa sala. — Jake! — Leonard disse, levantando-se para cumprimentá-lo. - Imagino o quanto deve ser desgastante pensar em negócios com problemas de saúde na família, mas sua presença é sempre imprescindível. — Bem, qual é a pauta da reunião? — indagou, cumprimentando os presentes com um gesto de cabeça. — Falávamos sobre o campo petrolífero em Evangeline Parish. A torre de 45
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan extração precisa de equipamentos novos ou, pelo menos, passar por uma ampla reforma. — Vamos aos dados — pediu, sentando-se na cabeceira da mesa. Leonard expôs a situação durante vinte, talvez trinta minutos, Jake não tinha certeza. Aliás não estava certo de mais nada, pois tudo o que conseguia pensar era em Chelsey. Em vez de petróleo, imaginava aqueles perfumados cabelos negros entre seus dedos, ou a pureza daqueles olhos azuis em contraste com a pele clara, e assim por diante. Porém, quando os executivos começaram a discutir as vantagens de se investir mais no campo de Evangeline Parish, Jake teve um sobressalto. Havia gastado bastante tempo para convencer Chelsey a ajudá-lo, agora era hora de colher os lucros desse investimento. Se, pelo menos, soubesse o que desejava dela... Com certeza, não era a possibilidade de ter uma aventura amorosa empolgante que o atraía. Afinal Chelsey estava no último mês de gravidez e suas formas já estavam muito alteradas. Tudo o que sabia era que precisava tê-la ao seu lado e fitar aqueles enormes olhos azuis, capazes de levá-lo à loucura... Só de pensar nisso, sentia um calor intenso dominá-lo. — O que disse mesmo sobre os reparos, Leonard? — quis saber, tentando concentrar-se no trabalho. — Reparos? — Leonard repetiu, perplexo. — Desculpe, Jake, deixamos de falar sobre esse tópico há algum tempo... — Tudo bem... Acho que estou preocupado demais com outros assuntos... Entregue-me um relatório sobre a reunião, amanhã cedo. — Claro — Leonard disse. — Como está seu avô? — Está melhorando. — Isso é ótimo! — exclamou, em acordo com todos os outros executivos. Então, antes que Jake deixasse a sala, indagou: — Há mais alguma coisa que deseje, chefe? — Não. Nada que me lembre no momento. Por que pergunta? — Oh! Nada... — Leonard respondeu, pousando os olhos na aliança de Jake. Ele notou o olhar curioso de Leonard, mas preferiu ignorar o fato. — Nesse caso, tenham um bom dia — desejou, fechando a porta atrás de si. Leonard franziu as sobrancelhas com um toque de malícia no rosto, porém ninguém disse uma palavra sobre aquela novidade. Jake chegou ao hospital em tempo de ouvir o médico dizer a tia Tessie que o sr. Breaux estava muito melhor, porém não podia enfrentar nenhum tipo de aborrecimento ou contrariedade. — Ele está saindo do estado crítico — o médico avisou. — Não vamos fazer nada que possa provocar uma piora. Jake estava de pleno acordo com as palavras do cardiologista e, a última coisa que desejava era aborrecer o avô. — Onde está Chelsey? — o velho indagou, assim que o neto entrou no quarto. — Está em casa, descansando. Ela não estava se sentindo muito bem... 46
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Algum problema? — quis saber, arregalando os olhos negros, iguais aos do neto. —Não há nenhum problema, vovô. Ela... Bem... Ela só está grávida. Ele estudou a fisionomia de Jake por um longo tempo, até que declarou: — Estou velho, mas não sou idiota. Sinto que há algo errado entre vocês dois. O que aconteceu? — Nada. Não há nada errado entre nós. Mais uma vez, Jonathan Breaux analisou o rosto do neto, à procura de algo que confirmasse suas suspeitas. — Disse ao médico que quero passar esse fim de semana em casa. Ele não está de acordo, mas o que pode fazer? Não estou em uma prisão, portanto não pode me segurar aqui. Jake balançou a cabeça, contrariado. — Por que não dá ouvidos aos médicos pelo menos uma vez na vida? Eles sabem o que é melhor para você. — Eu sei o que é melhor para mim! — o velho replicou, enérgico. — Sei muito bem do que preciso. E digo que quero ir para casa. — Deu um profundo suspiro e prosseguiu: — Quero conviver com vocês mesmo que seja por pouco tempo... Por favor, Jake. É importante para mim... A súplica do avô tocou fundo no coração de Jake. Era a primeira vez que ele lhe pedia, ou melhor, implorava algo. — O que posso fazer para agradá-lo? — ouviu-se perguntar, dominado pelo lado emocional. Seu avô deu outro suspiro, fatigado pelo esforço daquela conversa. — Leve Chelsey para casa, a nossa casa, Jake. — Oh! Vovô! — ele exclamou, esforçando-se para não se jogar nos braços dele, implorando seu perdão. — Isso não é nada simples... Jonathan tentou levantar-se, mas foi prontamente impedido pelo neto, que o segurou pelos ombros. — O que há de errado entre você e sua esposa? — questionou, com sagacidade. — Já lhe disse que não há nada errado, vovô — mentiu, evitando fitá-lo. — Preciso acertar alguns detalhes com Chelsey, compreende? — Está bem. Mas não demore muito, meu tempo está se esgotando. Depois daquela conversa, Jake retornou ao seu apartamento, com a cabeça estourando de dor. Pegando o telefone, discou o número de Chelsey, sentindo uma necessidade enorme de ouvir sua voz. Contudo repetiu a mesma operação por cinco vezes até convencer-se de que não havia ninguém em casa. Frustrado, colocou o fone no gancho, procurando imaginar onde ela estaria. "Não que seja da minha conta", tentava se convencer. "Mas a saúde do meu avô depende disso!" Esperou uns quinze minutos e tornou a ligar. Porém ninguém atendeu. — Onde será que ela foi? — indagou-se, em voz alta. Naquela época do ano, o sul do Estado da Louisiana era muito quente e seco. 47
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Portanto enfrentar o calor do meio-dia e, ainda por cima, grávida, era algo inviável. A menos que fosse em caso de extrema necessidade... — Será que aconteceu algo com Chelsey? — questionou-se, quase em pânico. Bem, de uma coisa tinha certeza: não iria ficar parado ali, esperando por alguma notícia. Num instante, trocou o terno de executivo pela surrada calça jeans e jaqueta de motoqueiro e, em menos de cinco minutos, já estava na sua moto, a caminho de Carencro. Chelsey despertou com um ruído de motor, vindo da rua. Sem sair da cama, concluiu que se tratava do automóvel do vizinho, que costumava fazer muito barulho na hora da partida. Morrendo de sono, não deu muita importância aquele fato e tornou a fechar os olhos. Logo, já estava sonhando... Em seu sonho, havia muita névoa, criando uma atmosfera mística e romântica. Parecia uma princesa, com um esvoaçante vestido de renda branca e os cabelos enfeitados com flores. Entretanto, encontrava-se presa em uma torre sombria, vigiada por dois guardas enormes. De repente, do meio da névoa, surgiu um cavalheiro de armadura dourada que, após vencer os guardas, a tomou nos braços, tirando-a daquele lugar horroroso. Depois, ele a levou para um belíssimo jardim, cheio de rosas e camélias, onde, ajoelhado, fez- lhe juras de amor eterno. Chelsey sentiu-se amparada e, ao mesmo tempo, seduzida por aquele homem moreno e viril, que tinha o rosto coberto por um lenço escarlate. Então, quando estava prestes a receber um beijo, acordou, sem conseguir vislumbrar o rosto do seu príncipe encantado. Desapontada, abriu os olhos, certificando-se de que o sonho terminara outra vez naquela parte. Há meses que aquelas mesmas cenas se repetiam quando adormecia, contudo nunca passavam do beijo. Deu um profundo suspiro, desejando, pelo menos uma vez, chegar ao fim daquele sonho tão lindo! Apesar disso, algumas vezes, achava que era tolice sua achar que o final seria feliz, como nas estórias de amor. Talvez nem existissem finais felizes, nem mesmo em sonhos. Procurando livrar-se daqueles pensamentos pessimistas, foi para o banheiro e entrou debaixo da ducha fria. Logo, já se sentia revigorada e pronta para enfrentar as batalhas da vida. Alegre, pôs um vestido branco, estampado com flores amarelas e vermelhas, e penteou os cabelos para trás, deixando-os molhados. Como detalhe, algumas gotas da sua colônia preferida e um batom suave. Agora sim, estava pronta. "Pronta para quê?", indagou-se, lembrando de Jake. "Provavelmente nunca mais tornarei a vê-lo...", pensou, angustiada diante daquela possibilidade. Sua vida estava tão calma e serena nos últimos tempos, por que ele teve que aparecer para tumultuar tudo? Durante todo o dia, não deixara de pensar nele um só minuto. Porém, o mesmo não 48
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan devia ter acontecido com ele, pois nem ao menos tinha ligado para dar informações sobre o estado do avô. Pensando em tudo isso, Chelsey foi para a cozinha, preparar um pouco de limonada para combater aquele calor infernal. Entretanto, quando passou pela sala, teve um sobressalto: Jake Breaux em pessoa estava esticado no sofá, assistindo um programa esportivo. Aliás o volume estava tão baixo, que duvidava que ele pudesse ouvir algo. A princípio, teve que beliscar-se para ter certeza de que estava acordada. Porém, aos poucos, a alegria de vê-lo foi dando lugar a uma profunda indignação por ele ter invadido sua casa daquela maneira. - O que está fazendo aqui? — indagou, após recuperar a fala. Jake virou-se, exibindo uma expressão tranquila e relaxada que o deixava ainda mais sedutor. - Estava esperando que você acordasse — respondeu, como se fosse a coisa mais natural do mundo. - Por acaso, alguém o deixou entrar? — ralhou, exigindo uma explicação. Jake levantou-se, encarando aqueles olhos azuis. — Não. Entrei por minha própria conta. Sua porta dos fundos estava destrancada. — Bem, esse foi um erro que jamais irei repetir. Mas, não achou mais educado bater na porta, antes de ir entrando? — Fiz isso, mas ninguém respondeu. Aliás liguei várias vezes, antes de vir, mas também não obtive resposta. Por isso, entrei e, quando vi que estava dormindo, decidi esperar que acordasse. Não queria que eu ficasse lá fora, com todo esse calor, não é? Chelsey ficou satisfeita ao saber que Jake havia se preocupado com ela e, num instante, a raiva que sentia deu lugar à felicidade. — Aliás, onde esteve na hora do almoço? — ele perguntou, apertando as mãos, que por sinal eram idênticas às do cavalheiro de seu sonho. — Ora, fui apenas à confeitaria. — Confeitaria? — repetiu, como se aquilo fosse um absurdo. — Saiu de casa, ao meio-dia, por causa de alguns doces... Será que perdeu o juízo? — Para dizer a verdade, não fui à confeitaria nenhuma. Preferi encontrar-me com o vizinho para uma orgia vespertina — respondeu, sarcástica. Afinal quem ele achava que era para repreendê-la daquele jeito? Não devia satisfações a ninguém, muito menos a Jake Breaux. Por alguns segundos, ele ficou parado, em choque com aquela resposta. Depois, compreendeu que ela estava brincando e sorriu, malicioso. — Orgia vespertina, no seu estado? — Isso mesmo — retrucou, furiosa. — O que é que há de mal nisso? Jake jogou a cabeça para trás, gargalhando. E, cada vez que olhava para a barriga de Chelsey, suas risadas tornavam-se mais altas. Indignada com aquela reação, arqueou as sobrancelhas, olhando para ele com ar de superioridade. 49
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Embora não acredite, desperto muitas paixões! — Ah! Isso eu não duvido! — exclamou, ficando sério. — Você deve ter muito para oferecer a um homem, mesmo grávida... Chelsey sentiu o rubor subir-lhe às faces, como se estivesse nua diante de Jake. Era impressionante como ele conseguia desarmá-la com uma simples frase, ainda mais referindo-se à sua sensualidade adormecida. — Como ousar falar desse jeito comigo? — criticou, furiosa. — Conhece aquele ditado "criança que brinca com fogo acaba queimada"? — retrucou, tornando a rir. — Pois bem, foi você mesma que começou com essa brincadeira, agora aguente as consequências. — Será que veio até aqui só para rir de mim? — quis saber, mudando de assunto. — É óbvio que não... — respondeu, fazendo suspense. — Como está seu avô? — Melhorando... — disse, apanhando um copo com água que deixara sobre a mesa da sala. — E o bebê como vai? — Está ótimo — murmurou, perplexa com a maneira como ele se colocava à vontade ali. Só então, notou como ele estava pálido e com olheiras. — Está se sentindo bem? — Poderia me arranjar uma aspirina? — Claro. — Deixou a sala por alguns minutos, retornando com outro copo de água e um frasco de comprimidos. — Qual o problema? — É apenas uma dor de cabeça. Chelsey sacudiu os ombros, fingindo indiferença, mas, no fundo, preocupava-se, mais do que gostaria, com Jake. — Deve estar estressado com todos esses problemas, não é? — Sem dúvida — concordou, tomando duas aspirinas de uma vez. — Agora, chega de rodeios e diga por que está aqui — pediu, com firmeza. - Tenho outra proposta a lhe fazer... Mas, primeiro, acho melhor você se sentar. - Não será preciso — discordou, meneando a cabeça, impaciente. — Pode dizer o que está planejando. — Foi você mesma quem pediu... Decidi que devemos nos casar. Dessa vez, foi Chelsey quem caiu na gargalhada. Afinal como poderia levar à sério um pedido daqueles? - Ora, Jake, pare de brincar e diga logo o que deseja — pediu, recompondo-se. - Nunca falei tão sério antes — respondeu, aproximando-se dela. — Essa é a solução ideal para os nossos problemas! Ela não podia acreditar no que estava ouvindo. Talvez Jake gostasse de chocar as pessoas com situações inusitadas. Aliás, se esse era seu objetivo, ele estava conseguindo êxito total. — Acho que está perdendo a razão, Jake Breaux. Essa é a ideia mais ridícula que já ouvi! — Ouça o que tenho a dizer antes de tirar conclusões apressadas. — Está bem, pode falar — assentiu, fazendo sinal para que ele voltasse ao sofá. 50
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Depois, sentou-se na sua poltrona, a espera de alguma explicação. — Pense no quanto seu filho será beneficiado, se nos casarmos... Assumirei todas as responsabilidades de um pai e, caso queira, posso adotá-lo, dando-lhe meu nome. Chelsey ouvia tudo, sem mover um músculo. E, à medida em que ele ia falando, ficava cada vez mais confusa. — Terão uma vida confortável e nada lhes faltará. Além disso, não precisará arranjar um emprego, deixando o bebê sob os cuidados de outra pessoa. Ela continuava em silêncio, sem esboçar qualquer reação. — Como vê, casar comigo resolverá todos os seus problemas! — exclamou, terminando de expor as vantagens de seu plano. — E quanto a você? — conseguiu perguntar, com voz trêmula. — Ora, não quero continuar mentindo para meu avô. Se ele pensa que você é minha esposa e essa criança é resultado do nosso amor, por que não agradá-lo? — Entendo... — sussurrou, sentindo ondas de frio e de calor ao mesmo tempo. Estava impressionada com a forma como ele expunha assuntos tão íntimos e complicados de um modo prático e simples. Só mesmo alguém muito tolo embarcaria naquela canoa furada. Contudo, temia que fosse essa pessoa... Pois, uma nota de ternura na voz dele, já fora suficiente para deixá-la em dúvida sobre o que deveria fazer. — E depois, Jake? O que irá acontecer quando não formos mais úteis um para o outro? — voltou a questionar, sentindo-se frágil e insegura. — Quando isso acontecer, pediremos o divórcio. E prometo que lhe darei uma excelente pensão, que lhe permita levar uma vida confortável ao lado de seu filho. — Nesse ponto, aproximou-se e fez carícias no ventre de Chelsey, seguindo os movimentos do bebê. Ela recorreu a toda sua autoestima para não concordar com aquela proposta naquele mesmo instante. - E, quando nos separarmos, sairá da minha vida sem nenhum problema? - Isso mesmo. Já terei o que precisava, uma esposa temporária, você ganhará segurança e estabilidade financeira. - Você não tem escrúpulos? — explodiu, num acesso de raiva. — Como pode me propor uma coisa dessas? Acha que porque salvou minha vida devo tomar parte de todas as farsas que inventar? — Espere um minuto — Jake pediu, segurando as têmporas, como se a dor de cabeça tivesse aumentado. — Não entendeu o que eu disse? Será útil para ambos, além de ser temporário... Nunca pensei que fosse tão orgulhosa! — Orgulhosa, eu? — estava tão confusa e irritada que não conseguia ordenar o pensamento em uma ordem lógica. Após alguns instantes, levantou-se e caminhou até a porta da frente. — Vá embora — ordenou, sem fitá-lo. — O que? — Isso mesmo que ouviu. Vá embora. — Não vou a lugar algum. Pelo menos, enquanto não acabarmos com esse mal51
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan entendido. - Não temos mais nada a discutir. — Pelo amor de Deus, Chelsey, quer se acalmar! Não vim aqui pura brigarmos, pelo contrário, quero resolver nossos problemas! — Seus problemas talvez, não os meus! — redarguiu, angustiada. Aliás, desde o começo, soubera que esse envolvimento com Jake acabaria lhe trazendo mágoas. E aquele era, com certeza, o fim de tudo... — Além disso, não fez questão de frisar que não é do tipo casamenteiro? Pois bem, não preciso de um marido nenhum, temporário ou permanente! — Eu disse e confirmo isso. Mas o que lhe proponho não tem nada a ver com esse fato. - Olhe, Jake, acabo de sair de um "casamento temporário" e não quero passar por esse tipo de sofrimento nunca mais! — Mas não irá sofrer! Não dessa vez. Ainda não percebeu a diferença entre essas duas situações? Chelsey tremia toda, dos pés a cabeça, sem entender onde ele queria chegar. — Amava seu marido e achava que ele sentisse o mesmo por você, não é? — voltou a explicar. — Não teremos esse problema, pois, desde o princípio, sabemos que esse será um casamento de conveniência e de curta duração. Diante de todo aquele raciocínio lógico, Chelsey sentiu-se uma tola por não ter percebido aquela diferença antes. Porém, andava emotiva demais nos últimos dias para deixar que a lógica regesse seus pensamentos. Seu problema era que amava Jake perdidamente, o que tornava mais difícil admitir que ele lhe propunha casamento apenas por motivos práticos, sem nenhum envolvimento afetivo. Por isso, quando o divórcio viesse ficaria arrasada. Ao mesmo tempo, indagava-se se não deveria pensar um pouco no futuro de seu filho. Afinal Jake prometera cuidar do bebê, como se fosse seu próprio filho. E não tinha motivos para duvidar disso, pois estava sendo honesto com ela. Jake nunca dissera que estava apaixonado, nem pretendia enganá-la a esse respeito. E, por mais difícil que fosse, ouvir a verdade era melhor do que enfrentar uma mentira. Chelsey sabia que tinha um milhão de motivos para recusar aquela proposta, entretanto, naquele momento, não conseguia lembrar de nenhum. Só conseguia pensar naqueles olhos negros que pareciam penetrar em sua alma. — Então, o que me diz? — indagou, esperançoso. Ela balançou a cabeça, indecisa. Por fim, murmurou: — Sei que deveria recusar, mas... Antes que ela concluísse a frase, Jake a abraçou, quase explodindo de felicidade. — Tinha certeza de que não iria recusar — revelou, entusiasmado. — Enquanto estivermos juntos, vou me esforçar ao máximo para fazê-la feliz! Chelsey sorriu, embalada por aquela doce promessa. Contudo Jake não precisaria de grandes esforços, bastaria sua presença para alegrá-la... 52
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan
CAPÍTULO VI Jake queria uma cerimônia simples e discreta, o que veio de encontro aos anseios de Chelsey. E, pelo menos nesse ponto, ambos tinham a mesma opinião sobre aquele casamento. Graças às leis do Estado da Louisiana, em menos de dois dias os papéis já estavam prontos, permitindo que comparecessem ao cartório para oficializar aquela união. Chelsey usava aquele mesmo vestido azul-royal que ganhara de Rand, pois havia recusado com firmeza toda oferta de Jake de comprar-lhe algo novo. Pela sua lógica, não poderia entrar naquele casamento vestindo uma pequena amostra do que lucraria, participando daquela farsa. Afinal não estava fazendo aquilo por dinheiro... Jake, por sua vez, trajava um terno cinza-claro, de uma cara e seleta etiqueta italiana, realçado por uma gravata de seda vermelha. O juiz de paz, ou melhor, juíza, era uma senhora de meia-idade, muito amiga da família Breaux. E, se a intuição de Chelsey estava correta, a mulher parecia ter simpatizado com ela. Além deles, a única pessoa presente à cerimônia era o amigo de Jake, Mel, que voltara às pressas de uma viagem. Entretanto, havia um brilho enigmático no sorriso dele, que dava a Chelsey a sensação de saber algo que ela desconhecia por completo. Ficaram juntos apenas alguns minutos, antes do início da cerimônia. Porém não conseguira descobrir o que a irritava mais: o sorriso irônico de Mel ou a fisionomia calma e apática de Jake. "Pelo menos, Jake não está me olhando com esse ar de superioridade do seu amigo", concluiu, enquanto assinava os papéis. Aliás, tinha certeza de que ele teria arranjado outra solução, que não o casamento, se tivesse tido mais tempo para pensar. Mas agora, era tarde demais... A juíza acabava de declará-los marido e mulher. "Meu Deus! O que foi que fiz?", Chelsey indagou-se, com o coração batendo apressado. A juíza fechou o livro de registros e, com voz divertida, disse a Jake: — Bem, se quiser, pode beijar a noiva agora. — Vamos lá, rapaz — Mel estimulou o amigo, dando-lhe tapas nas costas. Jake parecia transbordar de alegria e, sem perder tempo, inclinou-se para cumprir seu papel naquela trama. Mas, quando seus olhos se depararam com o rosto pálido e vulnerável de Chelsey, ficou imóvel. Ninguém podia imaginar o quanto desejava aquele beijo doce, aliás queria muito mais do que aquilo... Queria possuir seu corpo, sua alma... "Sua alma?!", ele repetiu, em silêncio, perplexo com as próprias ideias. Afinal não planejava conquistar a alma de ninguém e muito menos entregar a sua. Estava muito 53
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan bem, sem ter que compartilhar os sentimentos com outra pessoa, e pretendia prosseguir desse jeito. — O que me diz, Chelsey? — indagou, jovial, enquanto procurava libertar-se daqueles pensamentos. — Podemos selar nosso matrimônio com um beijo? — Se acha que devemos... — Bem, é a única coisa que poderemos fazer... — retrucou, pensando na lua-demel que jamais teriam. De algum modo, Chelsey percebeu suas intenções, pois procurou fitá-lo, com uma enorme interrogação na testa. Porém, recuperando o autocontrole, Jake agiu com normalidade, como se não houvesse nenhum significado oculto em suas palavras. "Esse casamento será apenas temporário", ele repetia, incansavelmente, para si mesmo. "Isso é muito simples e prático." Fechando os olhos, Chelsey entregou os lábios àquele homem atraente que agora era seu marido. E, à medida em que sua boca era tocada, sentia-se flutuar entre as nuvens, como se estivesse em um sonho. Jake passou os braços pelos ombros da esposa, trazendo-a para mais perto. E, sem nenhuma resistência, apossou-se daqueles lábios tenros, tentando convencer-se de que fazia aquilo apenas para saciar a curiosidade dos dois expectadores. Porém, no íntimo, sabia que precisava daquele beijo mais do que do próprio oxigênio... Então aqueles estranhos sentimentos voltaram a importuná-lo outra vez... Será que estava apaixonado por Chelsey? Mas, se isso fosse verdade, o que seria de sua vida? Afinal gostava de ter tudo sobre controle, especialmente as emoções, e não iria renunciar a isso por nada, nem mesmo em nome do amor. Com um gesto brusco e repentino, Jake afastou-se, exibindo um sorriso confiante e cheio de arrogância, como se aquele beijo não tivesse representado nada. Desorientada com tanta crueldade, Chelsey apoiou-se na mesa da juíza, sentindo uma dor intensa no peito. Afinal, durante o beijo, chegara a pensar que ele a amava, para logo depois, sofrer a dor da indiferença. — Bem, agora não podemos mais voltar atrás — Jake afirmou, sem nenhuma emoção na voz. — Só nos resta tirar proveito disso tudo! Aquelas palavras dilaceraram o coração de Chelsey, aumentando ainda mais seu sofrimento. Em resposta, os olhos ficaram úmidos, obrigando-a a virar-se para enxugar as lágrimas inconvenientes. Entretanto, deu por si, Mel observava cada gesto seu. — Parabéns, amigo! — ele cumprimentou, sem deixar de fitá-la. — Não poderia ter dito algo mais oportuno nesse momento! Aliás, como planejam comemorar a ocasião? — Como assim? — Jake indagou, tentando descobrir onde Mel pretendia chegar com aquela conversa. — Ora, poderiam fazer algo mais romântico... — insinuou, malicioso. — Afinal, este é o dia de suas núpcias... —Romantismo não faz parte do nosso trato—respondeu, ríspido. Chelsey sentiu um nó na garganta, quando seus olhos se cruzaram com os de Mel. 54
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Havia se descuidado apenas um minuto, mas fora o suficiente para que ele percebesse o quanto estava apaixonada por Jake. — É isso mesmo, Mel — ela retrucou, com o orgulho ferido. - Nós fizemos um acordo e não precisamos fingir interesses mútuos. — Ambos estão me decepcionando... — ponderou, irônico. — Um casamento é uma data especial, que deve ser comemorada. Jake puxou Chelsey pela mão e, quando alcançaram a porta, virou-se para o amigo e a juíza de paz, dizendo: — Iremos comemorar do nosso modo, sem festas, nem estardalhaços na sociedade. Adeus e muito obrigado pela ajuda. Em seguida, deixaram o cartório, com Chelsey exibindo um sorriso cheio de valentia, que estava longe de sentir. Porém essa aparência corajosa ruiu por completo, quando ele resolveu ajudá-la a entrar no carro. Diante dessa perigosa aproximação, cada fibra de seu corpo vibrou de desejo, ansiando por um toque carinhoso. E, durante um milésimo de segundo, Chelsey lamentou estar grávida naquele momento. Afinal sua gravidez funcionava como uma espécie de escudo contra qualquer carícia mais fogosa dele. Jake também ficou perturbado com aquela proximidade, ansiando por beijá-la outra vez. Contudo recorreu à sua disciplina para esconder aqueles sentimentos, agindo de modo comedido. Temia enveredar por aquele lado romântico e acabar perdendo o caminho de volta. Molhado de suor, Jake deu a volta no carro, tirando o paletó e a gravata. Entretanto o sol causticante de agosto não era o único responsável por todo aquele calor... O sangue fervia-lhe nas veias, cheio de excitação e desejo. — Está tudo bem? — indagou, percebendo que Chelsey estava pálida e ofegante. — Sim... É apenas calor... — Não se preocupe, já liguei o ar-condicionado e, muito antes do que imagina, vai achar que estamos no Pólo Norte — brincou, seguindo por uma movimentada avenida. — Poderíamos parar para tomarmos algum refresco? Estou morrendo de sede. — Lógico — respondeu, entrando na primeira transversal. — Também está com fome? — Nem sei... Acho que ainda estou nervosa demais para pensar em comida. E, para falar a verdade, estou tão cansada que fico arrepiada só de lembrar que tenho que sair desse carro outra vez. — Fala sério? — insistiu, apreensivo. — Não está entrando em trabalho de parto, está? Chelsey estava se fazendo aquela mesma pergunta desde que chegara ao cartório, naquela manhã. No entanto, não conseguia encontrar uma resposta segura. — Estou me sentindo estranha, incomodada com algo que não sei o que é. Mas ainda é cedo para o bebê nascer, pois o médico garantiu que ainda faltavam três semanas para o parto. — Só estava fazendo uma suposição... Ela forçou um sorriso. 55
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Acho que fiquei estressada com todas essas novidades, incluindo nosso casamento. Tudo o que preciso é um bom suco de frutas e descansar um pouco na casa de seu avô, antes que ele chegue. — Sim, claro. Mas esqueci de dizer-lhe algo hoje... Os médicos decidiram mantêlo no hospital por mais um dia. — Algum problema? | — Nenhum. Essa é apenas uma medida de precaução. O velho Breaux tem uma força de vontade inacreditável, consegue tudo que deseja. Pode ter certeza de que amanhã bem cedo ele já estará em casa. — É... Seu avô parece alguém que eu conheço... — murmurou, dando uma piscada para deixar claro que estava se referindo a ele próprio. Jake fingiu não perceber aquela comparação, entrando na fila do drive-trough de uma lanchonete. De repente, o rosto de Chelsey ficou lívido como cera, transfigurado pela dor. Aquela já era a sétima contração que sentia nos últimos quarenta minutos. Aliás também fora a mais forte e demorada de todas. — Quero um suco de laranjas e um hambúrguer — ele pediu pelo interfone, colocado ao lado de uma placa com o cardápio. - O que vai querer, Chelsey? — Só então percebeu que ela não estava passando bem. - Quero ir para o hospital mais próximo. Acho que chegou a hora... — suplicou, entre gemidos. — Oh! Meu Deus, Jake! Não sei se estou pronta para isso! Chocado com aquele imprevisto, Jake tornou a perguntar: — O que disse mesmo? - Acho que o bebê vai nascer... — Nesse momento, sentiu mais uma contração, apertando os lábios para não chorar. — É melhor correr... — Correr?! Está falando sério? Disse que estava bem, poucos minutos atrás. — Não, não estava bem. Só não queria deixá-lo preocupado por nada. — Por nada? — tornou a repetir, quase irritado. — Por acaso, ficou maluca? Por que não me disse isso antes? Sem esperar pela resposta, pisou no acelerador, passando a toda velocidade pelo caixa da lanchonete, que o aguardava com o lanche e o suco. — Desculpe... — ela lamentou, quando já estavam na avenida principal. — Não precisa se desculpar — respondeu, preocupado com a segurança dela. — Fique calma. E, pelo amor de Deus, não tenha essa criança antes de chegarmos ao hospital! — Sei que isso não fazia parte do nosso acordo... — Nem quero pensar nisso agora! — retrucou, acendendo o pisca-alerta do carro para demonstrar que estava com problemas. Na verdade, Jake estava apavorado com a expressão de dor e medo no rosto de Chelsey. Já vira aquilo antes, estampado no semblante do pais, e não suportaria enfrentar o mesmo final trágico duas vezes... Será que estava tudo em ordem com o bebê? E quanto a ela, como reagiria àquela experiência? 56
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Escondendo os próprios temores, segurou na mão de Chelsey, tentando tranquilizá-la. — Tenha coragem, querida. Estamos quase chegando. — Jake... — chamou, com dificuldade para respirar. — Estou com medo. Por favor, não me deixe sozinha na sala de parto. — Prometo que estarei sempre a seu lado. Não se preocupe. Enquanto dirigia, tentava entender por que estava em pânico. Afinal, nem mesmo quando a socorrera no acidente da véspera de Natal, ficara tão aflito, sentindo calafrios no estômago. O que havia mudado? A resposta era simples, embora tentasse escondê-la de si mesmo. Dessa vez, Chelsey não era apenas uma desconhecida que precisava de ajuda, havia se tornado alguém muito especial... Minutos depois, que tiveram a intensidade de séculos, chegaram ao hospital e, sem perder tempo, Jake tirou Chelsey do carro e a conduziu até a recepção. — Minha esposa está tendo um bebê! — comunicou à recepcionista. — Chame um médico! — Não há motivo para pânico, senhor. Temos vários obstetras de plantão. "Pânico?!", pensou, ofendido. "Como essa garota, mal saída das fraldas pode avaliar o que Chelsey está passando?" Entretanto tomo o momento não era nada apropriado para discussões, procurou controlar-se. — Será que pode chamar um médico? — tornou a insistir. Logo, um enfermeiro colocou Chelsey em uma cadeira de rodas e desapareceu com ela, atrás de uma enorme porta de carvalho. Jake tentou segui-los, mas foi impedido pela recepcionista. — Senhor, preciso de algumas informações. — Mais tarde — retrucou, disposto a invadir a sala de exames, caso fosse necessário. — Minha esposa vai dar à luz! — Eu sei, senhor. Mas permita que o médico a examine e, depois, poderá ficar ao lado dela. Jake baixou a cabeça, convencido. Todo seu corpo doía e as mão tremiam de nervoso. — Fique calmo — a moça sugeriu, sorrindo. — Ainda não perdemos nenhum pai. "Pai?!", a palavra ecoou em sua mente. Até aquele momento estivera tão preocupado com o estado de Chelsey e da criança, que mal tivera tempo para pensar naquilo. Pois, apesar de não ser o pai biológico daquele bebê, sentia-se como tal. — Há sempre uma primeira vez para tudo... — murmurou, sentando-se na cadeira indicada pela moça. — Não se preocupe — disse, compreensiva. — Deixaremos que entre tão logo seja possível. — Obrigado. Quinze minutos depois, Jake já havia preenchido o formulário para a internação de Chelsey, quando uma enfermeira saiu da sala de exames. — Já posso ver minha esposa? 57
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Deixe-me perguntar ao médico. — Então ela retornou à sala, saindo logo depois. — Pode me acompanhar. Chelsey estava deitada numa cama, com os olhos fechados. Ao seu lado havia uma série de monitores de ultrassom, supervisionados pelo médico. — Sou o doutor Broussard — apresentou-se, com ar sério. — Já posso assegurarlhe que está tudo bem com sua esposa e o bebê. Entretanto, como o nascimento só está previsto para daqui a três semanas, ela teme o que costumamos chamar de "falso trabalho de parto". — Quer dizer que o bebê não vai nascer agora? — perguntou, respirando fundo. Aliás, como Chelsey, ainda não estava preparado para aquele momento. — Tudo indica que não. Mas, às vezes, os bebês nos pegam de surpresa. Por isso, seria melhor que ela ficasse em observação, aqui no hospital, até amanhã cedo. — Tudo bem — assentiu, fitando Chelsey, que continuava com os olhos fechados. — É claro que também podem chamar seu próprio obstetra para confirmar o diagnóstico. — Obrigado, doutor. Percebendo que o casal precisava ficar a sós por alguns instantes, o médico retirou-se, levando consigo a enfermeira. — Estou muito constrangida — Chelsey desabafou, evitando encará-lo. — Devia ter percebido que era um alarme falso. Lamento por ter-lhe causado tanto problema por nada. — Como poderia saber disso, se é a primeira vez que vai dar à luz? Não se aborreça mais, apenas descanse. Ela continuou olhando para o outro lado, sem coragem de fitá-lo. Tentando animá-la, Jake segurou sua mão, carinhosamente. — Está melhor agora? Chelsey fez um sinal afirmativo com a cabeça. — Ótimo. Isso é o que importa. Aliás, querem que fique em observação esta noite. Não é uma boa ideia? Mais uma vez, ela concordou, sem dizer uma palavra. Nesse instante, duas enfermeiras voltaram para a sala, trazendo uma maca. — Vamos levá-la para seu quarto, sra. Breaux — uma delas informou. Com grande prática, transferiram-na para a maca e a conduziram para um confortável apartamento no terceiro andar do hospital. Jake veio logo atrás, carregando a bolsa da esposa. Entretanto as enfermeiras pediram-lhe que se retirasse para que pudessem vestir uma camisola do hospital em Chelsey. Aproveitando aqueles minutos livres, ele foi visitar o avô, que estava no andar de baixo. — Não trouxe sua esposa dessa vez? — Jonathan foi logo perguntando, assim que viu o neto. — Não — respondeu, lacônico, disposto a esconder do avô que Chelsey estava internada no mesmo hospital. — Ela está terminando de ajeitar as malas para 58
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan passarmos alguns dias na sua casa. Se bem, que decidimos ficar na casa de hóspedes. Não havia palavras para descrever a felicidade e emoção que surgiram no rosto do velho sr. Breaux ao ouvir aquilo. — Obrigado, Jake — agradeceu, com a voz embargada. — Bem, espero que tudo dê certo, vovô. E que possamos ficar juntos outra vez. — Nesse fim de semana, serei o homem mais feliz do mundo! Jake abriu um largo sorriso. — Farei tudo para que seja... Quando Jake voltou ao quarto de Chelsey, ela já estava confortavelmente instalada e seu rosto já apresentava sinais de melhora. Em poucas palavras, contou-lhe sobre a visita ao avô, dizendo que resolvera omitir que ela também estava internada ali, para não preocupá-lo. — Fez a coisa certa, Jake — concordou, compreensiva. — Lamento por envolvê-la nisso tudo. Talvez se não tivesse enfrentado todos esses problemas, agora não estaria no hospital. — Não foi sua culpa — protestou. — Se alguém deve ser recriminado, sou eu mesma. Não deveria ter entrado em pânico com aqueles espasmos... — Fez uma pausa, tornando a falar, com voz baixa: — Se desejar desistir do nosso acordo, irei compreender... — Nem pense nisso! Iremos enfrentar tudo juntos até o fim. — Acariciou os cabelos de Chelsey e pediu: — Agora, descanse para ficar boa depressa. Ela fechou os olhos, morta de cansaço, e, em pouco tempo, já estava dormindo. Então Jake aproximou-se e deu suaves beijos em suas faces, tomando cuidado para não despertá-la. Depois sentou numa poltrona reclinável, ao lado da cama, atento aos menores movimentos dela. E, sem que percebesse, também caiu no sono. De repente, acordou, num sobressalto, encontrando o quarto na penumbra. Assustado, conferiu no relógio de pulso que já passavam das oito da noite. Só depois, percebeu um par de olhos azuis, grudados no seu rosto moreno. — Ser pai me deixou exausto... — brincou, bocejando. Chelsey sorriu, sem desviar o olhar. — Tomei até um lanche enquanto esteve dormindo. Mas parecia tão exausto que não tive coragem de acordá-lo. Por isso, tomei a liberdade de pedir-lhe um sanduíche — falou, apontando para a mesa do outro lado do quarto. — Agradeço a gentileza. Mas como está se sentindo? — perguntou, espreguiçando-se. — Minhas costas doem um pouco, mas isso é normal. Em seguida, Jake foi até a mesa, encontrando um apetitoso hambúrguer com batatas fritas e suco de laranja. — Preciso fazer-lhe mais um agradecimento — ela murmurou, depois que ele terminou de lanchar. — Pelo quê? — quis saber, tornando a ficar ao lado da cama. — Por fazer-me companhia aqui no hospital. — Ei! Acho que esqueceu-se de um pequeno detalhe, não? Agora sou seu marido! 59
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Sim, mas ambos sabemos que esse é um casamento de conveniência. — Bem, está certo. Mas, enquanto durar, cumprirei todas as minhas obrigações de marido. Sentiu-se angustiada, ao lembrar que logo não seria mais a sra. Breaux. Porém disfarçou a tristeza, voltando a folhear uma revista que estava sobre a cama. — E o bebê? Está se mexendo muito? — Jake voltou a indagar, passando a mão pela barriga de Chelsey. Aliás, fazia isso com tanto carinho e ternura, que era impossível imaginar um pai mais ansioso pela chegada do primeiro filho. Ela tinha vontade de pedir-lhe para passar a noite ali, ao seu lado. Pois, embora esse quarto fosse muito mais luxuoso e confortável, as lembranças do hospital do Colorado lhe davam uma sensação de abandono. No entanto não ousava fazer esse pedido... A vida havia lhe ensinado a não exigir das pessoas mais do que eram capazes de dar-lhe espontaneamente.
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CAPÍTULO VII Jake não disse que passaria a noite no hospital. No entanto as horas iam passando e continuava lá, atento ao estado da esposa. Quando o relógio marcou onze horas, entrou um enfermeiro, trazendo uma cama de armar. E, após esticar os lençóis, retirou-se, desejando boa noite. Chelsey mal podia acreditar naquilo, pois era bom demais para ser real. Queria gritar de alegria, para que o mundo todo soubesse que alguém se preocupava com ela. Contudo permaneceu em silêncio, temendo desagradá-lo, já que ele agira com tanta discrição e sobriedade. Enquanto Jake tentava a todo custo ajeitar-se na cama improvisada, uma voz interior passou a importuná-la... E se ele tivesse ficado não por amor ou carinho, mas apenas porque era sua obrigação? Afinal tinha afirmado que seguiria à risca o papel de marido zeloso. Diante daquela hipótese, os maravilhosos sonhos de amor e felicidade que havia construído desabaram por completo, como castelos de areia em contato com as primeiras ondas do mar. Como desejava nunca ter conhecido Jake Breaux! Então dedos macios roçaram em seu braço, substituindo, em um segundo, o desejo anterior por outros bem mais carnais... Embora estivesse na cama ao lado, Jake decidira deixar a mão perto dela, para que não se sentisse abandonada nem por um instante. Perturbada com aqueles toques sutis, Chelsey virou o rosto na direção dele, descobrindo um par de olhos negros e brilhantes a fitá-la. — Por que não está dormindo? — Jake indagou, desviando o olhar, como se temesse que ela descobrisse algum segredo. — Por mais que tente, não consigo pegar no sono. — Mas precisa descansar... — procurou repreendê-la, embora seu tom de voz o desmentisse. Depois, levantou-se, esticando todos os músculos do corpo. Chelsey continuou observando os movimentos dele, comparando-o com o irmão. Rand tinha apenas amor fraternal a oferecer-lhe, porém sabia que poderia contar com sua ajuda para resolver qualquer problema. Parecia até um porto seguro, onde um navio ancora sem receio de ser jogado contra as pedras ou recifes. Jake, ao contrário, era inconstante e imprevisível como o vento. E, embora fosse carinhoso, nunca sabia o que esperar dele. Mas, se Rand era a segurança e Jake a incerteza, como explicar sua preferência pelo segundo? Afinal não se pode dominar o vento... Alheio àquelas comparações, ele deu uma olhada no relógio de pulso. — Já passam das três da madrugada... Nossa! Parece que fui atropelado por um caminhão! — exclamou, massageando as costas. Chelsey engoliu em seco, cheia de remorsos. 61
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Lamento que esteja tão desconfortável aqui. Por que não vai para casa? Afinal já estou bem, foi só um alarme falso... — Por que deveria fazer isso? O médico disse que você teria alta amanhã se passasse uma noite tranquila e sossegada. Por isso, decidi incluir-me nessa recomendação. Além disso, caso fosse embora, teria que voltar para buscá-la em poucas horas. — Não esperava ter tanto trabalho com esse acordo, não é? Ele sacudiu os ombros, com indiferença. — Bem, há muitas coisas que não esperamos, mas a vida teima em nos surpreender... Chelsey estudou cada detalhe do rosto dele, tentando compreender o que se passava naquela mente. Por fim, entre suspiros, murmurou: — Guarda muita amargura e ressentimento no coração, não é? — Amargura? Eu? Que motivo teria para ser amargurado? — A morte de seus pais e sua irmã — respondeu, com uma placidez surpreendente. Jake permaneceu impassível, sem exprimir nenhuma emoção na face. No entanto, seu intimo estava em plena turbulência, ameaçando deixar à mostra todos os conflitos que o atormentavam há anos. Como Chelsey podia dizer aquilo. Aliás, como podia sequer ter chegado àquela conclusão? Aqueles eram seus desgostos, suas mágoas e jamais permitira que alguém tivesse acesso a todo aquele sofrimento. Estava tudo guardado lá no fundo de seu coração: o remorso de ser o único sobrevivente, a culpa de não ter podido salvá-los, a dor de ter perdido as pessoas que mais amava no mundo... — O corpo da minha irmã nunca foi encontrado... Procuraram durante semanas, mas não conseguiram achá-la... — conseguiu dizer, em ritmo lento e compassado. Era a primeira vez, que revelava um pouco de sua dor a alguém. Havia tanta angústia naquelas palavras que Chelsey aproximou-se, deixando que recostasse a cabeça em seu ombro. Então um soluço escapou dos lábios dele, embora nenhuma lágrima vertesse de seus olhos. — Sinto muito... Deve ter sofrido tanto... — murmurou, com ternura, enquanto acariciava aqueles cabelos escuros. Jake transformara toda sua dor numa espécie de mágoa por todas as pessoas que o cercavam, impedindo que se envolvesse realmente com elas. Seus relacionamentos sempre foram passageiros e superficiais e, mesmo com a tia e o avô, fizera o impossível para não demonstrar o quanto os amava, afastando-se. Aliás, gostava de manter os outros à distância, pois essa atitude lhe dava uma certa tranquilidade e paz de espírito. Todavia Chelsey, com seu jeito meigo e carinhoso, havia deixado esse seu mundo de pernas para o ar. Com tão pouco tempo de convivência, ela já era capaz de chegar aos confins de sua alma, descobrindo tristezas e segredos que levara anos para esconder. Além disso, aliviava suas dores e alegrava seus dias, tornando-se tão imprescindível à sua felicidade como o oxigênio é para a vida. 62
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan "Mas Chelsey não faz parte da minha vida!", pensou, resistindo contra a ideia de permitir que alguém fizesse parte de seu mundo. "Temos um acordo temporário e nada mais!" Deixando-se dominar por aqueles pensamentos ásperos, Jake ergueu-se, de repente, repelindo os carinhos de Chelsey. — Preciso tomar um pouco de ar fresco — comunicou, aparentando a mesma segurança de sempre. — Jake! — chamou, segurando sua camisa. — Divida suas dores comigo, farei tudo que puder para ajudá-lo. — Sempre cuidei sozinho dos meus problemas emocionais e nunca precisei da ajuda de ninguém! Aliás, isso não está incluído no nosso acordo. — Passou a noite comigo, aqui no hospital, e isso também não fazia parte do trato. — Somos casados e essa era minha responsabilidade de marido. — Nesse caso, também sou responsável por você. — Estamos falando de coisas diferentes — salientou, caminhando até a porta. — Jake? — tornou a chamar, aflita. — Sim — disse, com a mão na maçaneta. — Vai demorar? Por um momento, ele teve vontade de dizer-lhe que aquilo não era de sua conta. Porém, pensando melhor, mudou de ideia. — Não — respondeu, seco. — Volto logo. Chelsey ficou um bom tempo com os olhos fixos na porta, que se fechara atrás dele. Sentia a solidão tomar conta de sua alma, sufocando-a. — Jake... — murmurou para si mesma, chorando de tristeza. Três horas mais tarde, Chelsey viu os primeiros raios de sol anunciarem a chegada de mais um dia. Entretanto quem desejava que voltasse teimava em não aparecer. Sua vista estava turva e embaçada de tanto chorar, por pensar nas mais terríveis hipóteses para aquela demora. Talvez tivesse sido assaltado, andando pelas ruas àquela hora da madrugada, ou então, podia ter sofrido um acidente de carro... Contudo o que mais a perturbava era a possibilidade de Jake ter ido consolar-se nos braços de outra mulher. — Não vou permitir que veja as marcas do meu sofrimento, quando retornar... — decidiu, enxugando as lágrimas com um lenço de papel. Porém, logo completou a frase, mentalmente: "Se ele retornar..." — É claro que vai voltar! — afirmou, em voz alta, discutindo consigo mesma. — Temos uma acordo... Jake virou-se de lado, tentando acomodar-se. Entretanto essa mudança de posição só mostrou que conseguir algum conforto ali era algo impossível. Após sair do quarto de Chelsey, havia caminhado pelas redondezas por bastante tempo. Na volta, entrara em uma loja de conveniência, próxima do hospital, para tentar animar-se com uma xícara de café e um sanduíche. Então fora para o quarto do 63
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan avô, onde estava até agora, sentado em uma poltrona. O velho Jonathan Breaux nem havia percebido a presença do neto, pois dormia feliz, diante da possibilidade de passar um fim de semana em casa, com a família. Jake sabia que estava fugindo, pois já fizera aquilo tantas vezes na vida, que até perdera a conta. Sempre que ficava emocionalmente vulnerável, afastava-se de todos e de tudo até recuperar o autocontrole e poder dominar a situação. Porém, com Chelsey, a estória era outra... Dessa vez, estava mais abatido do que nunca. Além do mais, temia não conseguir a vitória. E vencer significava mantê-la afastada de seu mundo, ou seja, bem longe de seu coração. "Mas serei o vencedor!", pensou, tentando ser otimista. "Afinal essa é apenas mais uma batalha..." Sem fazer ruídos, saiu do quarto, imaginando se realmente valia a pena vencer aquela luta. Chelsey ouviu a porta abrir-se e, imediatamente, o coração acelerou. Mesmo assim, permaneceu olhando para a janela, sem virar-se para ver quem chegava. Estava furiosa. E, se Jake tinha resolvido voltar, não queria dar-lhe atenção. Afinal, depois de tudo que sofrera com aquela demora, não queria, de forma alguma, parecer uma mulher frágil e dependente. Ele caminhou até a borda da cama, tentando não fazer barulho. Nesse ponto, ela não conseguiu se controlar e, virando o rosto com um movimento rápido, buscou fitá-lo. — Pensei que estivesse dormindo — comentou, surpreso. — Seria difícil... Ignorando uma certa nota de acusação na voz dela, Jake foi até a janela, disposto a fechar as cortinas. — O quarto está muito claro, não é? — Está ótimo. Ele soltou as cortinas, olhando para Chelsey. — Como está se sentindo? — Bem. — Então o que aconteceu? Parece contrariada. — Não estou. — É evidente que está. — Não estou! — repetiu, com veemência. Jake coçou a cabeça, numa clara demonstração de cansaço e impaciência. Depois, tornou a fitar aquele rosto sincero. — Por acaso, o médico já veio visitá-la hoje? Está tudo bem com o bebê? — Ainda não vi o médico, mas o bebê está ótimo, obrigada! — Em seguida, virouse para a janela, disposta a ignorá-lo. — Se é assim, pode me dizer qual é o problema? — Nenhum. — É claro que há! 64
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Está enganado. — Após uma pausa, tornou a murmurar, sarcástica: — Espero que tenha gostado do seu passeio. — Sim, de certa maneira, gostei. Há algo errado nisso? — Não, claro que não. Só não consigo entender por que levou mais de três horas para tomar um pouco de ar fresco. Jake ficou perplexo e, ao mesmo tempo, irritado com aquela acusação. Afinal não estava disposto a dar satisfações a ninguém. — Esse é o problema! Acha que demorei mais tempo do que devia para ter voltado, não é? Chelsey estava zangada demais para responder. Entretanto Jake não era o único responsável por sua irritação, também estava furiosa consigo por agir como uma esposa ciumenta. — Ouça, acho que precisamos esclarecer muitas coisas antes de levarmos isso adiante — ele ponderou, tentando agir de modo calmo e racional. — Não há nada a esclarecer... Só estou nervosa porque fiquei preocupada com você... Achei que pudesse ter-lhe acontecido algo ruim... Aquela revelação o deixou ainda mais exasperado. — Só pode estar brincando! — afirmou, alisando os cabelos com raiva. — Sei tomar conta de mim mesmo e não admito que ninguém pense o contrário! Jake ainda teve tempo de ver a expressão angustiada de Chelsey, antes que ela virasse o rosto para a janela. Aquilo o comoveu profundamente, pois a última coisa que queria era magoá-la. Disposto a acabar com aquele mal-entendido, segurou seu queixo, com suavidade, obrigando-a a encará-lo. — Desculpe por ter sido rude com você. Só não quero que se preocupe comigo... Já tem bastante coisas para pensar. Além disso, não estou acostumado a explicar cada passo que dou. Isso me irrita. Chelsey fez um sinal afirmativo com a cabeça, pois estava perto demais das lágrimas para dizer algo. Contudo, à sua maneira, Jake deixara bem claro, para que nunca mais esquecesse, que eram marido e mulher apenas no papel. Mas, na verdade, já pertencia a ele, em corpo e alma. Nesse momento, ouviram uma leve batida na porta, precedendo a entrada de um médico. — Bom dia, Chelsey — o ginecologista cumprimentou, sorridente. — Fico feliz por não tê-la acordado. Sabia que o hospital me telefonou, não é? — Claro. Eu pedi que o chamassem. — Então como está minha paciente favorita nessa manhã? — Bem — respondeu, ignorando o coração despedaçado. — Doutor Hughes, esse é meu... Meu marido, Jake Breaux. Os dois homens trocaram apertos de mãos. Em seguida, o doutor Hughes analisou os exames de Chelsey e fez-lhe mais uma ultrassonografia para ver se havia ocorrido alguma alteração. — De acordo com isso, o estado do bebê durante a noite foi normal. Teve mais 65
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan alguma dor? — Não. Colocando o estetoscópio nas orelhas, o médico passou a examinar a barriga de Chelsey. — Alguma dor aqui? — Não. — E desse lado? — indagou, tornando a ouvir uma resposta negativa. — E as costas doem? — Sim, mas já estava sentindo dores há alguns dias. — Sinto, mas elas irão durar até o fim da gravidez — comunicou, enquanto tirava sua pressão arterial. — Um pouco de massagem, algumas vezes por dia, podem diminuir o problema. Depois, o médico pousou a mão no ombro de Jake, dizendo: — Todas as minha pacientes dizem que esse é o melhor remédio para dor nas costas. — Logo, voltando-se para Chelsey, recomendou: — Lembre-se de que não deve preocupar-se com nada, exceto você e o bebê. E descanse bastante. Jake deu-lhe um sorriso significativo, que apenas ela entendeu. Pois, em outras palavras, havia acabado de pedir-lhe o mesmo. O doutor Hughes tornou a voltar-se para Jake, recomendando: — Chelsey deve ser poupada de desgastes físicos e emocionais. — Não preciso desse tipo de tratamento — ela reclamou, dando um sorriso nervoso. — É claro que precisa — o médico retrucou. — Toda mulher deve ser um pouco mimada durante a gravidez. Então ele deu uma última olhada nos exames, guardando-os dentro do envelope. — Vou deixar- que vá para casa. Mas, caso sinta qualquer alteração, quero ser logo comunicado. Não levante pesos, nem suba escadas. Caminhar um pouco pode fazer-lhe bem, se as costas não estiverem incomodando. Cuide-se e descanse bastante. — Não se preocupe, doutor. Vou fazê-la seguir todas as suas recomendações — Jake avisou. — Ótimo. E não esqueça das massagens nas costas. — Não vou esquecer — afirmou, lançando um olhar malicioso para Chelsey. Antes de sair do quarto, o médico disse: — Venha ao meu consultório daqui há alguns dias para vermos como está reagindo, certo? Chelsey assentiu, agradecendo a atenção dele. Jake acompanhou o doutor Hughes até o corredor, tendo o cuidado de fechar a porta do quarto antes de dizer: — Doutor, tenho uma pergunta a fazer-lhe. — Pois faça. — Bem, estive pensando... — começou, hesitante, sem saber como abordar aquele assunto. — Chelsey é muito pequena e o bebê parece tão grande... Por acaso, já pensou 66
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan na hipótese de haver algum problema na hora do parto? — Já pensei bastante sobre isso, pois esse é o meu trabalho — admitiu, sorrindo. — Mas, não se preocupe, Chelsey teve uma gravidez muito saudável, apesar do trauma que enfrentou no início. E não vejo nenhum motivo para que ela não tenha um parto normal. Entretanto estou sempre pronto para quaisquer mudanças de emergência. Jake respirou aliviado. — Então ela ficará bem? — Não posso lhe dar certeza absoluta disso. Contudo não há razões para pensar o contrário. — Isso é ótimo! — exclamou, cumprimentando o médico. — Quero que saiba que não estou questionando suas habilidades profissionais, doutor. Só queria algumas informações. — Já estou acostumado a lidar com pais preocupados, sr. Breaux. Agora, permitiria que eu também lhe fizesse uma pergunta? — Vá em frente. — Quando vocês se casaram? — A menos de vinte e quatro horas. Aliás, estávamos voltando da cerimônia, quando Chelsey sentiu-se mal. Por isso, viemos direto para esse hospital. — Nesse caso, não é o pai do bebê? — Não — Jake respondeu, engolindo em seco. — Compreendo... — Nós nos conhecemos no Colorado — começou a explicar, sem entender por que estava fazendo aquilo. Afinal não devia satisfações a ninguém sobre sua vida. — Eu a encontrei, quando ela sofreu aquele acidente de carro. — Então é o rapaz que ela mencionou tê-la salvado — o médico concluiu, sorrindo mais uma vez. Em seguida, despediu-se de Jake, logo desaparecendo pelos inúmeros corredores. Duas horas se passaram até que Chelsey foi oficialmente liberada para deixar o hospital. E, um pouco antes de saírem do quarto, Jake telefonou para o escritório, confirmando sua presença em uma importante reunião, na parte da tarde, agendada pelo diretor administrativo da empresa. Em seguida, partiram rumo à residência da família Breaux, que ficava oito quilômetros ao sul de Lafayette. Durante o trajeto, Jake informou-lhe que já fizera todos os preparativos para que se alojassem na casa de hóspedes, ao lado da mansão. Pois, além da privacidade que teriam, a aconchegante moradia atendia às necessidades dela, que estava proibida de subir escadas. Chelsey havia se preparado para encontrar uma casa bonita e sofisticada, como convinha a uma família rica como aquela. Entretanto, quando finalmente chegaram, ficou boquiaberta diante da grandiosidade e beleza do local. Para começar, guaritas com seguranças e câmeras de circuito interno vigiavam o gigantesco portão principal, com os brasões da família, ladeado por altíssimos muros brancos, que cercavam toda a propriedade. Depois, uma estrada de paralelepípedos 67
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan atravessava uma infinidade de jardins, com lagos artificiais e viveiros de plantas, até chegar à casa. Sem dúvida alguma, aquela era a construção mais imponente que Chelsey já vira. Era toda branca e devia ter uns três ou quatro andares, com inúmeras janelas, emolduradas por arabescos em gesso. Por toda a varanda frontal, havia enormes colunas de mármore, que iam do chão até o teto, conferindo um ar ainda mais aristocrático à casa. — Minha nossa! — exclamou, maravilhada. — É o orgulho de meu avô — Jake afirmou, como um filho pródigo que há muito estava longe do lar. — Ele mesmo a construiu no início do século. — Sua tia está em casa? — perguntou, voltando a preocupar-se com sua situação. — Creio que sim. Ao ouvir aquilo, ela ficou pálida e tensa. — Já somos casados, lembra-se? Não há motivos para ficar preocupada — tentou confortá-la, enquanto estacionava o carro na frente da casa. — Eu sei... — murmurou, entre suspiros. — Mas, mesmo assim, nós os estamos enganando e não gosto disto. A própria Tessie veio recebê-los na porta, beijando Chelsey com afeto. — Fiquei muito feliz quando Jake nos disse que ficariam conosco algum tempo. Aliás, nos últimos dias, corri bastante para preparar a casa de hóspedes para recebêlos. Espero que esteja ao seu agrado, Chelsey. — Tenho certeza de que estará — garantiu, retribuindo o sorriso. — Mas não precisava ter tido tanto trabalho... — Imagine! Foi um prazer! — O vovô virá para casa amanhã? — Jake perguntou, interrompendo aquela troca de elogios. Tessie assentiu. — Papai ficou furioso com essa notícia, pois esperava sair hoje mesmo. Os médicos tiveram um trabalho enorme para convencê-lo a ficar mais um dia internado. — A velha teimosia de sempre... — o sobrinho completou, balançando a cabeça. — Nem me fale... — Depois, voltando-se para Chelsey, disse: — Fiquei muito preocupada quando Jake me contou que também estava no hospital. Graças a Deus, tudo deu certo! — É, foi apenas um alarme falso. — Vamos entrar, Clammy está assando biscoitos deliciosos, aliás pedi-lhe que fizesse seu petisco favorito, Jake. Couche-couche. — O que é isso? — Chelsey quis saber, cheia de curiosidade. — E algo de comer? Jake riu da pergunta. — Também perguntei a mesma coisa quando vim morar aqui — informou, segurando a mão da tia. — Couche-couche é uma espécie de bolinho de milho, cozido numa chapa de ferro e coberto com mel. Vai adorá-lo! Chelsey não tinha tanta certeza assim, pois não estava habituada às 68
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan especialidades da cozinha francesa. Contudo, para não ser mal-educada com Tessie, não fez nenhum comentário a esse respeito. Em seguida, atravessaram um majestoso hall de mármore branco e preto, decorado com um candelabro de cristal e várias estátuas em estilo grego, que naturalmente deveriam ser obras de grandes artistas. Então acomodaram-se na salade jantar, cuja mesa já estava posta para o café-da-manhã. Todo o ambiente estava impregnado com um convidativo aroma de pão fresco e biscoitos de mel, o que fez Jake lembrar que não comera quase nada no dia anterior. — Não vou resistir aos couche-couche, tia Tessie. Mas poderia instalar Chelsey no chalé por mim? Tenho uma série de assuntos para resolver no escritório e acho que ficarei fora o resto da tarde. — Não se preocupe com sua esposa. Tomarei conta dela com todo carinho — Tessie garantiu, olhando para a moça. — É ótimo ter alguém para conversar, pois sintome muito solitária aqui. Além disso, essa será uma excelente oportunidade para nos conhecermos melhor. Chelsey olhou alarmada para o marido. Entretanto Jake estava tão calmo e sossegado que ela conseguiu tranquilizar-se. No fundo, estava se afeiçoando muito àquela família e, cada vez mais, a angústia aumentava por ter que deixá-los em breve. Tessie nem tinha percebido a nuvem de medo que passara pelo semblante da moça, ocupada em servir os exóticos bolinhos de milho, que realmente pareciam deliciosos. Ao saírem da mesa, a boa mulher voltou a assegurar que faria tudo para que sua nova sobrinha ficasse bem instalada na casa-de-hóspedes. Insegura, Chelsey teve vontade de pedir-lhe que ficasse mais alguns minutos para acompanhá-la ao chalé. Entretanto, percebendo como ele estava apressado, preferiu calar-se. E, apenas quando Jake já estava longe dali, lembrou-se de que toda a sua bagagem havia ficado no porta-malas do Corvette. — Tenho certeza de que ele voltará antes do que imagina... — Tessie murmurou, interpretando mal a expressão preocupada da jovem. — Agora, venha comigo, vou mostrar-lhe a casa. E, caso deseje, também posso lhe contar algumas estórias sobre esse local. Ao ouvir aquilo, Chelsey arqueou as sobrancelhas, animada. Pois desejava conhecer melhor a família Breaux, em especial Jake. — Isso seria maravilhoso! — respondeu, começando a relaxar. Nos vinte minutos que se seguiram, Tessie fez um tour pelo andar inferior da residência, que chamava carinhosamente de "a casa grande". Depois, cruzaram um pátio lateral, onde havia uma estufa de orquídeas, e caminharam por uma alameda de pedras brancas, que terminava na casa de hóspedes. Desde o primeiro momento, sentiu grande simpatia pelo chalé de madeira, em estilo alpino, todo cercado por flores de vários tipos e cores. E, embora um único cômodo abrigasse a sala de visita, de jantar e a cozinha, havia mais espaço ali do que na sua casa inteira. Além disso, a decoração era de extremo bom gosto e simplicidade, criando uma atmosfera de paz e aconchego. Até seu periquito fora trazido até ali. 69
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Chelsey encontrou apenas um problema no chalé: só havia um quarto, com uma enorme cama de casal no centro. "Talvez Jake esteja planejando dormir no sofá", pensou, sentindo um arrepio pelo corpo diante da hipótese de terem que dividir a mesma cama. Tessie abriu a janela, afastando as cortinas para que os raios de sol entrassem. — Jake já lhe disse que morou aqui? A moça deixou para mais tarde aquelas preocupações, encarando o rosto sincero e amável de Tessie. — Não, ele não mencionou isso. Ela suspirou, fazendo sinal para que Chelsey se sentasse. — Na verdade, aquele foi um período muito difícil para todos nós — começou, sentando-se ao lado dela. — Acho que Jake tinha uns quinze ou dezesseis anos... De qualquer modo, ainda era um garoto e, após uma briga com o avô, decidiu sair de casa. Papai estava tão furioso que concordou com aquela ideia maluca. — Fez uma pausa, como se estivesse revivendo cada episódio daquela estória. — Deve ter ficado muito preocupada — Chelsey comentou, solidária. — Nem imagina quanto! Mas, graças a Deus, consegui convencer ambos de que a solução ideal seria Jake mudar-se para esse chalé. Assim ele teria uma vida mais independente e não o perderíamos de vista. — Ele ficou aqui por muito tempo? — Até completar dezoito anos. Depois, foi para a Marinha, ficando um longo período sem dar notícias. Achei que nunca mais fossemos vê-lo... Por fim, acabou se estabelecendo aqui em Lafayette, mas isso não o trouxe de volta para nós... — Como assim? — Jake passava semanas sem telefonar e, apenas raramente, nos fazia alguma visita. Papai ficava muito irritado com isso. Mas eu sempre tive a esperança de que ele voltaria para nós por livre vontade. Talvez isso aconteça quando a ferida que traz no coração tiver cicatrizado... — Espero que sim. — Eu também! — a mulher exclamou, olhando para Chelsey como se ela fosse a solução para aquele problema. — Por que Jake e o sr. Breaux acabaram brigando? — indagou, movida por forte interesse. Tessie não conseguiu disfarçar o mal-estar que aquela pergunta lhe causava. — Lamento, tê-la magoado — Chelsey tentou desculpar-se. — Não devia ter perguntado isso. — Não, está tudo bem — garantiu, engolindo o choro. — Afinal de contas, como membro da família tem o direito de saber o que aconteceu. É que essa estória é muito dolorosa para mim, pois meu único irmão, Steven, também não se entendia com papai. — Sinto muito. — Steven era um artista, cheio de sensibilidade e emoção. Entretanto papai queria que o filho fosse uma cópia exata dele próprio: forte e agressivo. Um dia, cansado das pressões, acabou fugindo, sentindo-se rejeitado pelo pai. — Enquanto 70
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan falava, lágrimas doídas vertiam de seus olhos. — Por fim, foi para Nova York, onde se casou com uma garota. Nunca mais voltou. — Que estória triste! — Sim... Especialmente para papai. Pois, embora fosse orgulhoso demais para reconhecer, odiava aquela separação. Para piorar, houve aquele acidente infeliz... — Nem sei o que dizer — Chelsey admitiu, tentando confortar a pobre mulher. — Após a morte de Steven, papai mudou bastante. O remorso por não tê-lo procurado corroeu sua alma. — E como Jake enfrentou tudo isso? — Pobre garoto! Além do trauma pela perda da família, teve que conviver com parentes que mal conhecia. Com isso, fechou-se numa concha, impedindo que as pessoas se aproximassem. Agora que sabia toda a estória, Chelsey era capaz de entender porque Jake criara tantas barreiras para evitar envolvimentos emocionais... Entretanto isso só aumentava seu amor por ele, dando-lhe mais estímulos para auxiliá-lo a enfrentar esses problemas. Por experiência própria, sabia que não se pode fugir do passado, apenas deve-se aprender a aceitá-lo. — Será que poderei ajudá-lo? — perguntou, expondo seus próprios receios. Tessie colocou a mão no ombro da moça, procurando transmitir-lhe coragem para prosseguir naquela árdua jornada. — Talvez já tenha começado a fazer isso. Afinal ele já voltou para esta casa, não foi? Chelsey sorriu, um pouco mais confiante em sua missão. — Deve amá-lo com toda intensidade, como se não houvesse amanhã — a tia prosseguiu. — Não importa o quanto Jake tente afastá-la da vida dele, não desista. O amor é capaz de ultrapassar quaisquer obstáculos! Durante alguns minutos, Chelsey ficou em silêncio, meditando sobre a profundidade daquelas palavras. Enquanto isso, a boa mulher foi para a cozinha, preparar um suco de frutas. — Tessie? — chamou. — Sim, querida? — Por acaso, sabe se Jake já se apaixonou por alguém? Ela ficou pensativa, tentando relembrar algum fato relevante. No fim, respondeu: — Acho que não. Quando era adolescente estava sempre rodeado de garotas, mas nenhuma conseguia mantê-lo interessado por muito tempo. De repente, sentiu uma dor aguda nas costas, dando um forte gemido. Então tornou a sentar-se no sofá. — Oh! Meu Deus! Prometi a Jake que tomaria conta de você e olhe o que estou fazendo: não permito que descanse! — Tessie repreendeu-se, correndo para ajudá-la. — Não é cansaço, são as minhas costas... — Pobrezinha! Claro que doem, está carregando todo esse peso extra na barriga! — exclamou, piedosa. — Que tal tirar um cochilo? 71
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Acho que é uma boa ideia — respondeu, sentindo-se mais exausta do que estava disposta a admitir. Inconscientemente, passou a massagear as costas doloridas. — Quando estiver descansada, gostaria que me contasse a reação de Jake ao dizer-lhe que seria pai. O sangue subiu às faces de Chelsey, tingindo-as de vermelho. — Bem... Não há muito a contar... — Oh! Ele deve ter ficado surpreso! — Tessie sorriu, imaginando a expressão de espanto no rosto do sobrinho. Em seguida, foi para o quarto para preparar-lhe a cama. Chelsey levantou-se devagar, seguindo a tia até o aposento. Entretanto, quando chegou lá, já estava tudo arrumado. — Aqui é muito silencioso, por isso não deve ter problemas para pegar no sono. Mesmo assim, se precisar de algo, há um interfone ligado à casa principal. Papai mandou instalá-lo quando Jake mudou-se para cá. A jovem sentou-se na borda da cama, tirando os sapatos para relaxar melhor. Depois de mostrar-lhe que o interfone ficava sobre o criado- mudo, Tessie deulhe um beijo afetuoso de despedida, dizendo: — Durma bem, querida. Chelsey sorriu, maravilhada com o carinho que estava recebendo, pois seu sonho sempre fora ter uma família. — Obrigada por tudo, Tessie. Nem sei como agradecê-la... — Tia Tessie para você, minha sobrinha. Agora já faz parte da nossa família. "Sim, pelo menos temporariamente, sou uma Breaux...", pensou, desejando que aquilo nunca chegasse ao fim. Porém sabia que seus dias ali estavam contados...
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Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan
CAPÍTULO VIII A noite caiu, cobrindo tudo com seu manto negro, mas Jake ainda não havia retornado à propriedade Breaux. Chelsey tomou a preocupar-se com aquela demora. Porém, como ele dissera que tinha muitos negócios a resolver, não ficou tão aflita quanto da outra vez. O problema era que, apesar de serem casados, não sabia nada sobre a profissão do marido. O ar estava abafado e o calor insuportável, mesmo sem a presença do sol. "Como seria bom tomar um banho!" imaginou, sabendo que não poderia vestir roupas limpas, enquanto ele não retornasse com sua bagagem. "Com certeza, Jake não tem nem um pouco de pressa de voltar para mim. Mas, não me importo. Pelo contrário, acho muito melhor ficarmos afastados!", pensou, tentando iludir-se. Procurando afastar aqueles pensamentos, ligou a televisão, bem a tempo de ouvir um boletim meteorológico prevendo chuvas para todo o Estado da Louisiana. — Deve ser por isso que está tão quente! —concluiu, decidindo examinar mais detalhadamente o chalé. Ignorando as dores nas costas, ergueu-se da cama e foi para o banheiro. E qual não foi sua surpresa ao encontrar, pendurado no porta, um robe azul-marinho do seu tamanho. Então, abrindo o armário sob a pia, encontrou uma variedade enorme de artigos de toucador, incluindo xampu, creme-rinse, desodorante e até um frasco de perfume francês. — Tessie pensou em todos os detalhes — murmurou, feliz com aquela consideração. Durante toda sua infância e adolescência, enquanto as outras garotas faziam festas ou ganhavam presentes, tudo o que sonhava era encontrar uma pessoa, além de seu irmão, que lhe desejasse um simples "feliz aniversário". No entanto isso nunca tinha acontecido... Somente agora, com Jake e sua família, estava aprendendo o significado de receber carinho e atenção dos outros. Disposta a não sofrer antecipadamente, prometeu para si mesma que tentaria não se preocupar com o futuro, vivendo com intensidade cada minuto daquele casamento. Dessa forma, quando a família Breaux saísse de sua vida, ao menos teria boas recordações para consolar-se. Motivada por aquela nova filosofia, decidiu tomar uma boa e refrescante ducha. Mas, como o banheiro tinha apenas uma minúscula janela, deixou a porta de comunicação com o quarto entreaberta para evitar que o ambiente ficasse enfumaçado e cheio de umidade. Em seguida, despiu-se e entrou no boxe, fechando a cortina azul. Dez minutos depois, enrolou-se numa toalha felpuda, enxugando os cabelos com outra. Todo seu cansaço e mal-estar haviam desaparecido, como se tivessem escoado pelo ralo junto com a água. 73
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Alegre e de bem com a vida, soltou a toalha, examinando o corpo na frente do espelho. De fato, ganhara um aspecto arredondado e curvilíneo com todos aqueles quilos a mais. Contudo não tinha nenhuma estria ou qualquer outro tipo de marcas desagradáveis que costumam afetar as mulheres durante uma gravidez. Pelo contrário, sua pele estava mais lisa e viçosa do que nunca. Deu um sorriso de contentamento, começando a massagear o corpo com um creme hidratante que encontrou no armário, cuidado este que nem pensava em dispensar. Subitamente, ouviu um leve ruído, vindo do quarto, e ficou paralisada, tentando identificar o que fosse. Após alguns segundos de completa quietude, voltou a passar o creme, achando que aquele barulho fora fruto da sua imaginação. — Posso massagear suas costas, se quiser — a voz de Jake ecoou, vindo de algum canto do quarto. Ela tentou cobrir-se com algo o mais rápido possível. Entretanto estava tão aflita que não conseguia encontrar nem a toalha que usara. "Fique calma, Chelsey", pensou, tentando recuperar o autocontrole. "Estou atrás da porta, portanto ele não pode me ver". — Está ai há muito tempo? — indagou, já embrulhada na toalha. — O suficiente. "O suficiente para quê?", indagou-se, vestindo o robe azul. Só depois de vestida, teve coragem de olhar para o quarto através da porta entreaberta, tentando localizálo. Porém, no primeiro momento, não conseguiu descobrir onde Jake estava. Quase por acaso, seus olhos pousaram sobre o espelho retangular em frente à cama, que permitia uma visão privilegiada do banheiro. Ali estava o reflexo de Jake, deitado com os braços para trás, com um ar divertido no rosto. Em segundos, o pânico tomou conta de Chelsey e tudo o que conseguiu fazer foi fechar a porta, trancando-se no banheiro. "Minha nossa! Ele me viu nua!", concluiu, apavorada. Em seguida, esfregou a cabeça vigorosamente com uma toalha, como se desejasse apagar aqueles pensamentos, além de secar os cabelos. — Precisa de sua mala? — Jake perguntou, batendo na porta. — Desculpe, mas esqueci por completo que sua bagagem estava no meu carro. — Sim... Não, acho que não preciso de nada... — disse, indecisa, sabendo que não havia espaço no banheiro para ela e a enorme sacola. Por fim, mudou de ideia mais uma vez: — Bem, agradeceria se pudesse pegar minha escova de dentes. Está no compartimento superior da frasqueira. Após minutos de silêncio, ele tornou a falar: — Já achei. Mas como vou entregá-la? Será que ela passa por baixo da porta? — Engraçadinho! — exclamou, irritada. Odiava ter que encará-lo, mas sabia que não poderia ficar naquele cubículo para sempre. Lentamente, abriu a porta e apanhou a escova dental, evitando fitá-lo. Todavia ele a segurou pela mão, obrigando-a a erguer os olhos. Lá estava o audacioso Jake Breaux de sempre, porém com um sorriso malicioso e zombeteiro nos lábios. 74
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — O que foi? — ela quis saber, incomodada com aquele olhar que parecia despi-la. — Eu é que deveria lhe perguntar isso! Afinal só me ofereci para fazer-lhe umas massagens nas costas e ganhei, como resposta, uma porta trancada! — Devia ter me avisado que finalmente tinha voltado para casa. — Está tentando vigiar meus passos outra vez... — Só precisava das minhas coisas! — Pois muito bem, aqui estão elas! — Ótimo! — exclamou, soltando a mão e trancando-se no banheiro de novo. Logo ele bateu na porta com vigor. — O que é agora? — perguntou, exasperada. — Por que está de mau-humor? Só quero conversar um pouco. Ela saiu do banheiro, ficando cara a cara com Jake. — Esteve bebendo? — tornou a indagar, sentindo um forte cheiro de álcool no hálito dele. — Tomei apenas algumas cervejas com uns amigos. Algum problema? — Nenhum — respondeu. — Só queria saber. — Quer umas massagens ou não? — Não. — Não?! — repetiu, como se aquela fosse a resposta mais absurda que já ouvira. — Obrigada, mas não estou precisando de massagens! No momento, só gostaria que saísse do quarto para que eu pudesse me vestir. — Agora entendi! — Entendeu o que? — perguntou, enrubescendo. — Está com medo que eu a veja nua outra vez. — Então você me viu? — Claro que sim! Ainda não fiquei cego! — brincou, cheio de sarcasmo e ironia. Raiva, medo, vergonha, todos esses sentimentos se misturaram no coração de Chelsey, enchendo seus olhos de lágrimas. — Bem, não tem nada de mais nisso — ele retrucou, ficando sério. — Você não compreende... — Entendo seu pudor. Mas está se esquecendo de algo: somos marido e mulher agora. — Sim, mas isso é apenas no papel. Aqueles olhos negros penetraram nos dela, como se quisessem atingir sua alma. — Se não estivesse grávida, posso lhe assegurar que mudaria isso bem rápido. Chelsey sentiu o corpo tremer de excitação. — Isso não faz parte do nosso acordo — disse, tentando salvar sua dignidade. — Não me lembro de termos discutindo esse tópico... — Não... Espera que... Bem, que eu... — gaguejou, com as faces vermelhas. — Por enquanto, não. Mas, depois que o bebê nascer, poderemos consumar esse casamento, não acha? — Por que acha isso necessário? — murmurou, arrependendo-se por ter saído do banheiro. 75
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — E por que não deveríamos fazer amor? Estamos legalmente casados. — É preciso mais do que um papel para que eu vá para a cama com um homem! Ele aproximou-se, chegando a encostar no robe de seda. — Então o que é necessário para vencer suas barreiras? Chelsey estava desorientada com aquela proximidade, que a impedia de raciocinar direito. Por isso, a resposta veio do fundo da sua alma. — Amor. — É uma garota romântica, Chelsey. — Sim. Mas sei que nunca irei encontrar o que procuro... Já estou conformada... Agora poderia dar-me licença? — pediu, mudando de assunto com rapidez. — O que quer dizer com essas palavras? Ela respirou fundo, impaciente. — Planejo viver sozinha, cuidando do meu filho! — Uma nobre missão! — ironizou. — Mas até mesmo os filhos crescem e passam a ter suas próprias vidas. Então o que irá fazer? Nunca mais terá sexo? — Isso é um problema meu! — Por acaso, irá arrumar algum amante? — voltou a indagar, ignorando a resposta de Chelsey. — Não sei! Acho que não! Jake abraçou-a, beijando seu pescoço com avidez. Aquela mulher fazia parte de sua vida por vários motivos: ele a tirara dos braços da morte, haviam feito um acordo e, acima de tudo, ela era sua esposa! Não podia imaginá-la nos braços de outro homem! Nunca sentira aquele tipo de desejo por nenhuma mulher. Queria tocá-la, possuir seu corpo frágil e delicado... Minha nossa, como precisava dela! Então a possibilidade de estar apaixonado por Chelsey passou por sua mente como um relâmpago. No mesmo instante, seus instintos de autodefesa reagiram, fazendo-o renegar aquela hipótese. "Jamais permitirei que esse sentimento me domine!", prometeu, afastando-se de Chelsey. — Pedi a Clammy que servisse nosso jantar aqui no chalé — anunciou, com voz destituída de qualquer emoção. Em seguida, conferiu o relógio e falou: — Ainda tem meia hora para se vestir. Sua malas estão sobre a cama, mas se precisar colocá-las em outro local, pode me chamar. Estarei na sala. Antes que pudesse dizer algo, Jake se foi, fechando a porta do quarto. Chelsey ficou quieta, por um bom tempo, surpresa com a revelação que ele fizera. Jamais imaginaria que fosse capaz de despertar desejos em um homem, grávida de oito meses. Isso era fantástico, em especial por esse homem ser Jake Breaux, por quem estava perdidamente apaixonada. Logo, uma batida na porta a despertou de todos aqueles devaneios. — A comida chegou — ele disse. — Já estou indo. — Minutos depois, saia do quarto, vestindo seu próprio robe de algodão branco sobre uma camisola rosa. — Espero que não se importe com meus trajes. Só queria ficar mais confortável. 76
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Jake deu uma piscada marota. — Era isso que tinha em mente quando pedi a Clammy que servisse nosso jantar aqui. — Puxou-lhe uma cadeira, pedindo: — Sente-se. Jake serviu-lhe a comida e, depois, passaram a comentar a previsão do tempo e algumas notícias do jornal. Quando aqueles assuntos triviais se esgotaram, o silêncio voltou a reinar, interrompido apenas pelo ruído dos talheres. — Visitei meu avô essa tarde — ele anunciou, após o jantar, numa tentativa de reiniciar o diálogo. — Ele poderá vir para casa amanhã? — Nem as Forças Armadas seriam capazes de mantê-lo por mais tempo no hospital — garantiu, servindo-lhe uma xícara de Café. — Quando ele quer uma coisa, ninguém consegue segurá-lo. — Jake, hoje sua tia Tessie contou-me sobre a briga entre seu pai e seu avô — mudou de assunto, repentinamente. — Isso me ajudou a entender porque deseja tanto agradá-lo... Não deseja sentir o mesmo tipo de remorso quando... — Por que ela tinha que contar-lhe isso? — indagou, interrompendo-a. — Não tenho nada a ver com aquela briga! — Tem certeza? — Ouça, papai não falava com meu avô há muitos anos quando morreu. E isso não tem nenhuma importância agora. — Podem ter passado anos sem conversarem, mas deviam se amar bastante... E você também. Zangado, Jake começou a levar os pratos para a cozinha, como se precisasse fazer alguma coisa. De repente, deixou aquela tarefa de lado e foi para o quarto. — Vou tomar um banho — disse, antes de fechar a porta. — Clammy virá tirar os pratos mais tarde. Chelsey terminou de tirar a louça, empilhando-a sobre a pia. Nunca tivera uma empregada e sentia-se mal por deixar a mesa suja. Minutos mais tarde, Clammy chegou e viu tudo arrumado, pôs as mãos na cintura, ensaiando uma pose de ofendida. — Esse é o meu trabalho, não seu, querida — disse, com um sorriso matreiro. — Trabalho para essa família há muitos anos e não quero que pensem que fiquei preguiçosa. Com grande prática, Clammy arrumou tudo e foi embora, levando a louça suja. Então Chelsey acomodou-se no sofá, esperando, ansiosa, que Jake saísse do quarto. Porém, quando isso finalmente aconteceu, ficou sem fôlego, desejando que a demora tivesse sido maior. Jake estava mais sedutor do que nunca. Vestia apenas uma velha calça jeans e, sobre o peito nu, havia uma toalha. Os cabelos molhados estavam encaracolados e, de vez em quando, tentava ajeitá-los com as mãos. Ignorando o turbilhão de sensações que causava na esposa com aquele visual caseiro, sentou-se na poltrona ao lado do sofá. Estava mudado, mas não sabia dizer, com certeza, o que era. 77
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Talvez estivesse sentindo as responsabilidades do casamento pela primeira vez na vida. Agora tinha uma esposa e um bebê a caminho para preocupar-se e não poderia deixar que lhes faltasse nada. Aliás o que seria deles se algo lhe acontecesse? Definitivamente, estava pensando como um homem casado, mas gostava daquilo. Nunca havia se preocupado com o futuro, vivendo apenas o momento atual, mas estava descobrindo as delícias de se fazer planos e traçar- metas, ou seja, criar sonhos, e Chelsey era uma peça importante neles. Então começou a imaginar como estariam, daqui a alguns anos, se decidissem permanecer juntos. Para isso, fez comparações com o casamento de alguns conhecidos... Frank, um amigo dos tempos da escola, tinha cinco filhos e estava atolado em dívidas. Cecil, um colega da Marinha, havia acabado de casar-se pela quarta vez. Paul adorava tanto a esposa que fingia não perceber o caso que ela mantinha com um vizinho. Porém, além desses casos, havia também Allen e Peggy, que estavam casados há anos, e ainda se amavam com a mesma intensidade dos primeiros dias. Quem sabe se... "O que estou pensado?", repreendeu-se, assustado com as próprias ideias. "Adoro minha vida de solteiro e não vou abrir mão disso!" — Vai passar algo interessante na televisão hoje? — ouviu-se indagar, agindo como um típico marido. — Tem um velho "James Bond" no canal oito. — Ótimo. Preciso de um pouco de aventura esta noite — respondeu, malicioso. Chelsey não ligou para aquela provocação, passando a assistir o filme com ele. Porém, meia hora depois, o cansaço passou a dominá-la, mostrando que já era hora de dormir. — Vou para a cama — comunicou, erguendo-se do sofá. Mas o que faria se ele também decidisse acompanhá-la? Por sorte, Jake estava tão entretido com o filme que, sem tirar os olhos da tela, disse: — Prefiro o lado esquerdo da cama. Se importaria de ficar à direita? — Tudo bem — murmurou, sentindo taquicardia. Afinal como conseguiria dormir deitada na mesma cama que ele? — Irei daqui a pouco — garantiu, olhando para ela. — Pode demorar o tempo que quiser. — Não acredito no que acabei de ouvir! — exclamou, irônico. — Essa é a primeira noite que dormiremos juntos e me diz para não ter pressa de ir para a cama. Garota, você sabe muito bem como desapontar um homem. Ela foi para o quarto, sem dar nenhuma resposta. Primeiro, porque não tinha nada a dizer e, segundo, estava cansada demais e com fortes dores nas costas para ter disposição para aqueles jogos de palavras. Acendendo um abajur, enfiou-se debaixo dos lençóis, do lado direito da cama, que por sinal era perto da porta do banheiro. E, mesmo ouvindo alguns ruídos do filme, conseguiu pegar no sono. 78
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Horas mais tarde, acordou com o quarto na penumbra e um barulho ritmado de respiração. Sentindo a presença de Jake na cama, permaneceu alguns minutos em transe antes de atentar para o que realmente a tinha despertado: dores nas costas. Devagar, tentou mudar de posição, mas só conseguiu piorar as dores com essa manobra. Por isso, deu vários gemidos, enquanto tentava massagear a área dolorida. Seus constantes movimentos conseguiram acordar Jake, que acabara de adormecer. Até poucos minutos atrás, ele passara horas intermináveis naquela cama, sem conseguir fechar os olhos. Pensava na mulher ao lado e no quanto gostaria de abraçá-la e cobri-la de beijos. Ainda sonolento, deu um grande bocejo, sussurrando: — Algum problema? — Desculpe tê-lo acordado. — Tudo bem, mas agora que já despertei, pode me dizer o que está acontecendo? — São minhas costas — respondeu, quase chorando de dor. Imediatamente, ele acendeu o abajur, dando leves tapas no rosto para ficar acordado. — Devia ter permitido que eu fizesse aquelas massagens... Quer que as faça agora? — Acho que sim. Sem demora, colocou as mãos sobre a parte inferior das costas de Chelsey, pressionando o local com movimentos circulares. Contudo, após alguns minutos, ergueu a camisola e, antes que ela pudesse reclamar, passou a massagear sua pele macia. Chelsey estremeceu ao sentir aqueles toques quentes, mas quase puxou a camisola de volta com medo do que poderia acontecer se ambos perdessem o controle. Porém o alívio que estava sentindo nas costas, aliado ao desejo reprimido, a fizeram calar-se. — Relaxe — ele pediu, tentando esconder a emoção. Durante mais de dez minutos, Jake massageou as costas de Chelsey com a ponta dos dedos, dissolvendo todo ponto dolorido que encontrava com a destreza de um profissional. — Está melhor? — Muito — respondeu, entre gemidos de alívio. — Um pouco mais para cima? — indagou, movendo os dedos em direção aos ombros. — Sim... — assentiu, sem colocar nenhuma resistência àqueles toques. Naquele instante, Jake não podia negar que seu principal desejo era ajudá-la a relaxar. Porém, ao mesmo tempo, sua imaginação o levava para o futuro, quando aquelas massagens estariam antecedendo carícias muito mais excitantes e sensuais... "Meu Deus! Preciso tomar cuidado com meus pensamentos!", repreendeu-se, pondo um freio nos seus instintos. Continuou a massageá-la até que, sem pedir-lhe permissão ou abaixar a camisola, puxou-a de encontro ao próprio corpo, abraçando-a por trás. Deliciava-se imaginando o que ela iria pensar quando percebesse que estava nu. Como sempre dormira assim, não 79
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan vira motivos para mudar esse hábito já tão enraizado. Um arrepio passou pela espinha de Chelsey ao sentir cada parte daquele corpo másculo e viril em contato com o seu. Porém, esboçou nenhuma reação contrária. Só queria continuar ali, encaixada àquele homem. — Volte a dormir, Chelsey — pediu, notando a inquietação da esposa. — Mas, Jake... — disse a muito custo, com voz rouca. — Psiu! Volte a dormir e não se preocupe com nada. — Mas... — Não vou lhe fazer nenhum mal. Ela não tornou a dizer mais nenhuma palavra de reprovação, permitindo-se relaxar junto dele. E, pela primeira vez na vida, sentiu-se realmente protegida e amada. Fechou os olhos e logo adormeceu. Jake também caiu em sono profundo e, só veio a despertar, quando os raios de sol já incidiam sobre a persiana da janela, clareando o quarto com reflexos multicoloridos. Chelsey ainda dormia, aninhada em seu peito, e parecia a mais angelical e delicada criatura do mundo. Gostaria de passar o resto da vida ali, a contemplá-la, porém teve que sair depressa da cama, pois seu corpo estava em brasas de tanta excitação e desejo. Sem fazer barulho, vestiu a calça jeans e foi para a cozinha, pensando no modo como aquela mulher o levava à loucura. Precisava tomar algo bem gelado para tentar aplacar o calor que o consumia, por isso, abriu a geladeira e encheu um copo com suco de laranja. Depois, caminhou até a janela e ficou um bom tempo a admirar o jardim, repleto de flores e pássaros. Contudo não era na natureza que pensava, mas sim naquela mulher que ainda dormia em sua cama. Talvez Mel estivesse certo e não poderia mais continuar cego diante da verdade... Havia se apaixonado por Chelsey. O problema era: ainda haveria tempo para reverter aquilo? Pois, de maneira alguma, queria entregar a chave de seu coração a alguém. Sem encontrar respostas para seus dilemas, continuou observando o jardim, com apenas uma certeza: tudo iria piorar agora que seu avô viria para casa.
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Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan
CAPÍTULO IX O sol da manhã incidia sobre as imponentes janelas da suíte principal, enchendo o cômodo de cor e felicidade. Tudo parecia renovado, embora nem uma única peça decorativa tivesse sido trocada. Era a esperança que causava aquela alteração, personificada pela meiguice e ternura de Chelsey. Jake havia entrado no quarto há poucos minutos e fora sentar-se ao lado do avô, numa poltrona Luís XV, próxima da sacada. Apesar de sua aparência segura de costume, escondia no fundo da alma uma série de dúvidas e medos que não tinha coragem de expor a ninguém. O motivo para aquele conflito era um só: sua vida era fútil e vazia. E o pior é que nunca havia lutado para mudar isso. Como fora bom acordar com Chelsey nos braços, sentir o perfume de seus cabelos e a delicadeza de sua pele! Jamais poderia imaginar, uma semana atrás, o quanto uma simples mentira iria modificar sua vida! De repente, uma expressão de vivacidade inundou o rosto cansado do avô, que, cheio de entusiasmo, disse: — Olhe, perto daquele enorme carvalho. Não é Chelsey, sentada sob a árvore? Um olhar bastou para que Jake reconhecesse a silhueta da esposa, que vestia uma jardineira jeans com uma blusa branca. — Sim. É ela mesma — afirmou, reparando na fita vermelha que ela trazia nos cabelos negros. — Sua avó também costumava sentar naquele mesmo local. Dizia que era capaz de resolver qualquer problema, sob a proteção do velho carvalho. O remorso tornou a incomodar Jake, porém, dessa vez, a dor foi mais aguda. Não podia mais suportar aquela farsa. Mas, se revelasse tudo agora, seria duplamente castigado. Primeiro, perderia o respeito do avô e, segundo, o acordo que fizera com Chelsey não teria mais validade, não lhe restando outra opção, a não ser o divórcio. — Precisa descansar, vovô. Voltarei mais tarde — comunicou, erguendo-se da poltrona. — Você a ama, Jake? — o velho indagou, incisivo. De alguma maneira sabia que aquela pergunta lhe seria feita mais cedo ou mais tarde. Afinal Jonathan Breaux não era o tipo de pessoa que se deixa enganar com tanta facilidade. — Sim, claro... Gosto muito dela, é minha esposa—respondeu, fitando o avô. — Mas realmente a ama? — repetiu, tentando encontrar a resposta nos olhos do neto. Jake respirou fundo, pensando no que dizer. Poderia inventar mais uma estória e sair daquela enrascada sem maiores transtornos. Contudo, já estava cansado de tantas mentiras. E, enchendo-se de coragem, decidiu contar toda a verdade. 81
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Não sei o que sinto por ela... — declarou, com franqueza. — Que bela resposta! — Jonathan disse, irônico. — O problema não é Chelsey... Eu é que não quero me envolver com ninguém — procurou explicar. — Você, mais do que todos, deveria entender isso. — Apesar de ser genioso, sempre fui muito emotivo... Para mim, a família vem em primeiro lugar, Jake. — Mesmo em relação ao meu pai? Um silêncio aterrador tomou conta do quarto, tornando a atmosfera densa e macabra. Mesmo assim, Jake continuou a encarar o avô, passando a ocupar a posição de inquiridor. — Cometi muitos erros com seu pai... — Jonathan confessou, enquanto lágrimas banhavam seu rosto. — Mas eu o amava muito e me arrependo por nunca tê-lo procurado para dizer isso. Ele apertou os ombros do avô, num gesto solidário, fazendo força para conter o choro. — Há algo que precisa saber sobre Chelsey... — revelou, sabendo que não poderia adiar mais aquela revelação. — Sempre desconfiei que estivesse me ocultando alguma coisa... Qual é o problema? — O bebê não é meu. — O que?! — exclamou, franzindo as sobrancelhas. — Não estou entendendo nada. — Nem poderia — retrucou, irritado consigo mesmo. — Menti no hospital. — Mentiu?! Mas por que? — Minha nossa! Não sei porque fiz isso! Mas a verdade é que Chelsey e eu nos casamos há apenas dois dias. E o bebê é de seu ex-marido, de quem divorciou-se poucas semanas atrás. — Sei... — sussurrou, com voz cavernosa. Então tornou a observar Chelsey, sentada à sombra do carvalho. — Nesse caso, tudo o que me disse no hospital não passa de um monte de mentiras? — É... — respondeu com um monossílabo, cheio de remorso por decepcioná-lo. — Fizemos um acordo. Ela aceitou casar-se comigo para que eu pudesse agradá-lo e, em troca, prometi ajudá-la a cuidar do bebê para que não tivesse que voltar ao trabalho logo após o parto. — Não fazia ideia de que chegaria a ponto de mentir para me agradar — sussurrou, emocionado com aquela estória. — Não distorça os fatos! Pensei que estivesse morrendo e fiquei com remorso por ter me afastado. Por isso é que menti! Jonathan continuou a fitar o neto com amor e carinho, como se nada de errado tivesse acontecido. — E o que vai fazer agora, Jake? O que importa é que está casado e parece gostar muito dela. — Não preciso de uma esposa! 82
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Está errado! Precisa fazer parte de uma família outra vez! Não pode permitir que a morte de seus pais conduza sua vida para sempre. Jake afastou-se, zangado. — Percebe o que está fazendo? Está tentando me controlar novamente! — Não. Dessa vez a estória é outra! — contestou, meneando a cabeça. — Só estou procurando ajudá-lo a enxergar a verdade. Não pode continuar se esquivando das pessoas pelo resto da vida! E não tente usar meus problemas com seu pai como desculpa para seu próprio comportamento! — Bem, preciso ir para o escritório, tenho uma reunião daqui a meia hora — anunciou, procurando as chaves do carro nos bolsos da calça jeans. No fundo, queria sair dali o mais depressa possível, pois agora que a verdade viera à tona, precisava colocar seus planos em ordem. — Não há necessidade de fugir, Jake — Jonathan disse, em tom solene. — Não estou fugindo, vovô! Só preciso de algum tempo para pensar. — Nesse caso, você e Chelsey virão jantar conosco está noite? — Não sei — respondeu, saindo do quarto. Afinal não sabia qual seria a reação de Chelsey quando soubesse que contara a verdade ao avô. Subitamente, entrou em pânico. Uma das partes do trato fora decidida, agora só lhe restava dar o dinheiro a Chelsey para que cada um pudesse seguir seu próprio caminho. Era o fim. Fora tudo tão rápido que o pegara de surpresa. Não estava preparado para a separação e, com certeza, ela também não estaria. "Droga! Não quero que ela se vá!", pensou, tentando achar uma desculpa que não fosse o amor. Chelsey ainda iria precisar muito de sua ajuda, pelo menos, financeiramente. Havia se informado sobre os custos de um parto e descobrira que a soma elevada iria consumir mais da metade das economias dela. Portanto era natural que permanecessem juntos por mais tempo. Enquanto pensava numa maneira de estender aquele casamento, ia caminhando até o velho carvalho. Porém, assim que chegou à árvore, Chelsey não estava mais lá. No entanto, como ainda podia sentir o perfume adocicado de sua colônia, presumiu que saíra a pouco. Gritou seu nome várias vezes e, como não obtivesse nenhuma resposta, achou melhor procurá-la no chalé. Então seguiu pela trilha de pedras brancas a passos largos, parando apenas para admirar o canteiro das rosas. Tinha vontade de colher algumas para Chelsey. "Nossa! Pareço até um adolescente apaixonado!", pensou, achando ridículo seu comportamento. — Chelsey! — gritou, abrindo a porta do chalé. Mas não havia sinal dela na sala, nem na cozinha. Por fim, veio a encontrá-la, no quarto, quase adormecida. — Algum problema? — quis saber, debruçando-se sobre a cama. — Não. Só estou com sono — respondeu, com as pálpebras pesadas. Jake respirou, com alívio. 83
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Ainda bem que é só cansaço. — É, o calor deixou-me um pouco sonolenta. — Ouça... — disse, sério, mudando o tom da conversa. — Preciso ir ao escritório para outra reunião de negócios. Mas, quando voltar, tenho algo importante para contar-lhe. Chelsey franziu a testa, intrigada com todo aquele suspense. — Está tudo bem com seu avô? — Sim, vovô está ótimo. Aliás, convidou-nos para jantar com ele e tia Tessie esta noite. — Acha que ele desconfiou de algo? — perguntou, apreensiva. — Quando o visitei esta manhã, tive uma sensação estranha... Jake sentiu um nó na garganta. Porém não deu demonstrações de insegurança. — Por que achou isso? — Não sei direito... Acho que foi por causa da maneira como ele me olhou... Era como se quisesse ler meus pensamentos. — Fique tranquila. Ele não conhece a verdadeira estória — mentiu, sem saber por que fazia aquilo. — Tenho medo que seu avô venha a me odiar se souber que foi enganado. Ele fixou os olhos negros naquele rosto puro, sem nenhum traço de maldade, e, com a voz terna, afirmou: — Chelsey, não acredito que exista alguém capaz de odiá-la. —Depois, ergueu-se da cama, com medo que ela notasse o quanto estava emocionado. E, recuperando seu autocontrole, avisou: — Vou combinar o jantar com tia Tessie, antes de ir para a empresa. Está de acordo? Chelsey assentiu. — Tem certeza de que ficará bem? — Claro — garantiu, esboçando um sorriso. Entretanto não estava tão segura a esse respeito quanto pretendia demonstrar. Há horas vinha sentindo contrações no baixo ventre, mas não tinha coragem de contar a ninguém. Tinha pensado até em telefonar para o doutor Hughes, mas desistira da ideia antes de concluir a ligação. Afinal não queria preocupar todo mundo com outro alarme falso. Jake estudou a fisionomia da esposa por alguns segundos, pensando se aquele sorriso era espontâneo. Por algum motivo, não estava acreditando nela. — Bem, se diz que está tudo em ordem... — Estou ótima — assegurou, novamente. Mais tranquilo, Jake despediu-se e foi embora. Sozinha outra vez, Chelsey pensou na segurança e proteção que ele lhe transmitia, sorrindo, satisfeita. Depois, tomou a lembrar daquele corpo musculoso bem junto ao seu, suspirando de prazer. Será que um dia aqueles sonhos de amor se transformariam em realidade? Embalada por aqueles desejos e fantasias, acabou adormecendo. Só veio a despertar no final da tarde, descobrindo que o sol desaparecera atrás de uma cortina 84
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan de nuvens escuras. Apesar do mau tempo, decidiu dar um volta pelo jardim, pois o contato com a natureza lhe transmitia, além de paz, muita força c coragem. Aliás, iria precisar desses atributos mais do que nunca naquela noite, já que a família Breaux estaria reunida, em torno de uma mesa, pela primeira após um longo período de separação. Chelsey já estava perto do grande carvalho, quando sentiu uma forte pontada no abdome. Num gesto mecânico, levou as mãos ao local dolorido, tentando controlar o ritmo respiratório. Logo, a dor passou e preferiu continuar a caminhada, dizendo para si mesma que aquilo não fora nada. Minutos depois, entretanto, a dor voltou a incomodá-la. Mas, dessa vez, estava muito mais intensa. Assustada, sentou-se no gramado, suando frio e sentindo uma forte pressão na barriga. Queria voltar para o chalé ou chamar alguém para ajudá-la. Contudo ambas as alternativas eram impossíveis, pois suas forças estavam desaparecendo com uma rapidez impressionante. — Tenho que ficar calma, isso deve ser mais um alarme falso - disse, entre um gemido e outro. — Só preciso descansar um pouco e ficarei boa outra vez. Dez minutos se passaram, até que conseguiu levantar-se. Porém, antes que pudesse comemorar aquela vitória, sentiu a roupa úmida, percebendo que um líquido escorria por suas pernas. — Meu Deus! — gritou, em pânico. — A bolsa rompeu! Estou em trabalho de parto! — Em seguida, as contrações voltaram, impedindo-a de mover-se. Desesperada, olhou ao redor, sem encontrar o menor sinal de pessoas. Só lhe restava rezar, pedindo a Deus que Jake viesse salvá-la novamente. Jake estacionou sua moto na garagem da mansão, ao lado do tradicional Cadillac do avô. Em seguida, tirou o capacete, pensando em como seria bom rever sua esposa. — Sim, minha esposa! — murmurou, morrendo de saudades de Chelsey. E, como um garoto travesso, correu até o chalé, ansioso por abraçá-la. Para sua decepção, a casa de hóspedes estava vazia e mergulhada na penumbra. Ainda faltava meia-hora para o jantar e não podia crer que ela não o havia esperado. Porém os fatos falavam por si e, apesar da mágoa, preferiu vestir-se para encontrar os parentes. Em pouco tempo, já estava na cozinha de Clammy, beliscando seus pratos, como fazia quando era criança. Então foi para a sala de música, onde Tessie tocava piano para o pai, acomodado numa cadeira-de-rodas. — Bem, parece que toda a família Breaux está reunida de novo! — comentou, abrindo um sorriso. — Todos, exceto sua esposa — Tessie replicou, parando a música. — Ela não virá? Uma enorme interrogação surgiu no rosto de Jake. — Quer dizer que Chelsey não está aqui na casa principal? — Não, pelo menos, que eu saiba... — respondeu, começando a ficar preocupada. — O senhor a viu, papai? — Não. — Virando-se para Jake, indagou: — Ela não estava no chalé, quando 85
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan voltou? Ele fez um gesto negativo com a cabeça, começando a andar de um lado para outro. — Pensei que ela estivesse aqui, com vocês. — Oh! Meu Deus! — Tessie exclamou, apertando o coração — Será que aconteceu alguma coisa com ela? — Por favor, Tessie — Jonathan pediu, encarando a filha com firmeza. — Agora não é hora para demonstrações melodramáticas. De repente, um raio cortou os céus com violência, anunciando uma tempestade de verão. — Droga! — Jake praguejou, afastando as cortinas para observar melhor o jardim. — Isso não faz sentido. Chelsey não iria sair da propriedade sem comunicar alguém. — O jantar será servido em cinco minutos — Clammy anunciou, da porta da sala. — Por acaso, viu minha esposa esta tarde? — Jake indagou, esperançoso. — Claro que sim — respondeu, sorrindo. — Mas já faz mais de uma hora que a vi. — E onde ela estava? — Estava caminhando perto do bosque. — Sozinha? — Acho que sim. Jake deixou a sala em disparada, seguido de perto por Tessie. Quanto a Jonathan, tentou acompanhá-los, mas teve dificuldade em manobrar a cadeira-derodas. — O que está acontecendo com vocês? — Clammy perguntou, olhando de um lado a outro, sem entender nada. — Parecem que ficaram malucos... — Por que não faz algo útil e me ajuda a mover essa cadeira? - Jonathan ralhou, ríspido. Logo todos estavam atrás de Jake, numa corrida desenfreada para localizar Chelsey. — É melhor ficar aqui na varanda, papai — Tessie sugeriu, notando alguns pingos de chuva. — Chame uma ambulância — Jake gritou, enfrentando a escuridão do bosque com uma lanterna. — Faça o que ele pediu, Tessie — Jonathan ordenou, bastante preocupado. Apavorada, a boa mulher correu ao telefone mais próximo, rezando para que nada de mal acontecesse a Chelsey. Enquanto isso, Jake andava pelo meio das árvores, atento a qualquer ruído que pudesse indicar a presença da esposa. Jamais poderia descrever com palavras a aflição e a angústia que estava sentindo naquele momento. Quando já estava prestes a desistir daquela trilha e seguir em outra direção, um raio cortou os céus, iluminando melhor aquela parte do bosque. E, para sua surpresa, ali estava Chelsey, embaixo de uma enorme árvore. Bastou um olhar para que compreendesse o que estava acontecendo: ela ia dar à 86
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan luz o bebê! — Chelsey! — exclamou, ajoelhando-se ao seu lado. — Oh! Jake! Graças a Deus que chegou! Me ajude, a dor é... — Sua voz foi substituída por um forte gemido, provocado por mais uma contração. — Tenha calma, querida. Vou levá-la para o hospital — disse, erguendo-a do chão. — Acho que não vai dar tempo... — murmurou, chorosa, deitando a cabeça no ombro dele. — Claro que vai! — Em seguida, pegou-a no colo, tentando chegar à casa principal, em meio a uma forte chuva. Cada passo era um desafio, pois a grama ia ficando cada vez mais escorregadia e traiçoeira à medida em que a chuva aumentava. Porém, não podia falhar agora; a mulher que amava só podia contar com sua ajuda. Adrenalina pura corria por suas veias, quando finalmente conseguiram chegar à mansão. Tessie os esperava na varanda, envolvendo o corpo gelado de Chelsey com um cobertor. — Já chamou a ambulância? — ele perguntou, aflito, enquanto a carregava para um dos quartos de hóspedes. — Sim, já devem estar chegando. Em poucos minutos, Tessie e Clammy tiraram a roupa encharcada de Chelsey, embrulhando-a num robe quente e macio. Ao mesmo tempo, tentavam dar-lhe forças para suportar aquele momento tão importante. — O bebê vai nascer — ela gritou, com o rosto contraído de dor. — Tudo vai dar certo. Não tenha medo — Tessie aconselhou, segurando sua mão. Na sala, Jake andava em círculos, roendo as unhas de nervosismo. — Tenha calma, meu rapaz — Jonathan pediu, com surpreendente placidez. Afinal já vivera o necessário para saber que a natureza é muito sábia nessas horas. — A ambulância! — Jake gritou, ouvindo a sirene aproximar se. Sem perder tempo, conduziu dois enfermeiros e um médico até o quarto de Chelsey. Depois, sentou-se ao lado dela, reconfortando-a. O médico analisou a situação, comunicando: — Não vai demorar muito para o bebê nascer. — Está querendo dizer que não há tempo para levá-la até o hospital? — ele indagou, com os olhos arregalados. — Correto. O parto será feito aqui mesmo. — Oh! Meu Deus! — exclamou, olhando para Chelsey, que suava frio e gemia de dor. — Ela ficará bem? — Claro — afirmou, passando a dar instruções a Chelsey. Enquanto isso, os enfermeiros tiravam o material necessário da ambulância, transformando o quarto numa sala de partos improvisada. Tessie preferiu aguardar as novidades na sala, junto ao pai. Mas Jake não conseguia deixar a cabeceira da cama. — Posso fazer algo? — quis saber, incomodado com o sofrimento da esposa. — Sim, converse com ela — o médico respondeu. — Tente mantê-la calma. 87
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan "E quem vai me acalmar?", Jake indagou-se, sentindo o coração na garganta. Entretanto, manteve-se firme ao lado dela, fazendo o máximo para confortá-la. — Isso, empurre... — o médico disse. — Já posso ver a cabeça do bebê. Motivada por aquelas palavras, Chelsey fazia cada vez mais força, tentando não pensar na dor. Então o milagre da vida se fez presente, e um choro de criança ecoou pelo aposento, enchendo todos os corações de alegria. Logo, colocaram o bebê nos braços da mãe, que chorava, emocionada. — O bebê está ótimo — o médico afirmou, sorrindo. Depois, voltando-se para Jake, perguntou: — O senhor é o pai? Jake olhou para a criança no colo de Chelsey, sentindo um misto de ciúmes e júbilo. É claro que aquele bebê não era seu filho, mas, ao mesmo tempo, sentia-se ligado a ele por laços muito fortes. Estava confuso, sem saber como definir os próprios sentimentos. Nisso, Chelsey procurou fitá-lo, esperando ansiosa por uma resposta. — Ela é minha esposa — disse, por fim, com voz fria e distante. — Nesse caso, é melhor nos acompanhar até o hospital — sugeriu, iniciando os preparativos para transferir mãe e filho para a ambulância. Uma nuvem de lágrimas cobriu os olhos de Chelsey, acompanhada por uma expressão de profundo desalento. "O que ela esperava afinal?", Jake perguntou-se, sofrendo com aquela reação. — Irei no meu carro — anunciou, recusando a proposta do médico para acompanhá-los na ambulância. Enquanto era levada para o hospital, Chelsey abraçava seu filho, chorando por mais aquela rejeição. Sabia que não tinha o direito de exigir um procedimento diferente de Jake. Entretanto o modo carinhoso como ele se preocupara com o bebê, naqueles últimos dias, a levara a esperar algo mais...
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Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan
CAPÍTULO X Sozinha no quarto de hospital, Chelsey pensou no filho e sorriu, maravilhada. Só agora podia compreender com exatidão a grandiosidade do amor maternal, sentindo-se a mais feliz das mulheres. Mentalmente, relembrou a fisionomia do bebê que tinha covinhas lindas perto das bochechas e um nariz pequeno e arrebitado como o de Rand. Sabia que toda criança tem olhos azuis ao nascer, mas estava certa de que os dele continuariam claros como os seus. Quanto aos cabelos, eram castanho-escuros, iguais aos de Jake... "Isso é ridículo!", ralhou. Afinal não poderia procurar semelhanças entre o bebê e um homem que não tinha nenhum laço genético com ele. Mas, inconscientemente, não conseguia imaginar outro pai para seu filho. Estava enfrentando sérios conflitos interiores, que embolavam seu raciocínio, impedindo-a de chegar a alguma conclusão lógica. Embora estivesse apaixonada por Jake, não conseguia esquecer que tudo fazia parte de um acordo frio e racional. E, apesar do apoio e carinho que recebera, tinha certeza de que ele não a desejava como esposa, muito menos assumir o filho de outro homem. Depois de pensar bastante sobre tudo que acontecera, Chelsey conseguiu perdoálo e achar natural a primeira rejeição dele ao bebê. Entretanto, como até aquele momento, ele nem aparecera no quarto, era obrigada a admitir que não se importava com eles. É claro que estava tendo o melhor atendimento que o dinheiro poderia lhe proporcionar. Contudo, desde o princípio, só decidira participar daquela estória por um pouco de amor e carinho que compensassem sua carência afetiva. — Continuo a mesma romântica de sempre... — suspirou, em tom melancólico. — Mas, pelo bem do meu filho, de agora em diante, preciso ser mais realista. Como fora tola, achando que seria capaz de conquistar o amor do rebelde Jake Breaux! Ele jamais se uniria a alguém, especialmente a uma garota simplória e grávida de outro homem. Mas conseguiria arrancá-lo de seu coração? "Sim, terei que lutar contra esse sentimento pelo bem do meu filho", prometeuse, com lágrimas nos olhos. Além disso, como explicaria para a família Breaux que tudo não passava de uma farsa? Não teria coragem de encarar aquelas pessoas bondosas e admitir que mentira, mesmo que fosse em nome do amor. Cheia de remorso, recordou a visita que Tessie lhe fizera naquela manhã... Ela chegara toda animada, decidindo assumir o papel de avó. Trouxera uma infinidade de presentes, que ia desde brinquedos até um enxoval completo, incluindo um lindo vaso de orquídeas para Chelsey. Porém, quando soubera que Jake ainda não havia aparecido no hospital, levara um choque. A princípio, tentara consolar a jovem mãe, dizendo que o sobrinho ficara muito 89
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan nervoso e preocupado a noite passada, por isso, deveria estar descansando. Por fim, acabara evitando o nome dele, envergonhada por tanta negligência. Como poderia contar-lhe a verdade, frustrando todas as suas expectativas em relação a Jake e ao bebê? Bastante triste, Chelsey teve uma vontade imensa de chorar, mas conseguiu segurar o pranto, pensando que isso só iria piorar as coisas. Por isso, embora gostasse muito de Tessie, sentiu-se aliviada quando ela partiu. Pelo menos sozinha, não precisaria esconder as emoções de ninguém. — Olá, está acordada? — a enfermeira chamou, trazendo-a de volta à realidade. — Já é hora do almoço, e seu bebê parece faminto! Chelsey sorriu, recebendo o filho com ternura. — Meu querido, mamãe está ansiosa para amamentá-lo! exclamou, beijando a testa da criança. — Ótimo! Se tiver algum problema, toque a campainha e virei ajudá-la — ela avisou, deixando o quarto. Chelsey voltou toda sua atenção para o filho, sentindo-se mais forte e disposta para decidir seus dilemas com lucidez. Subitamente, ouviu uma leve batida na porta. — Posso entrar? — Jake perguntou, girando a maçaneta. Ela levou um susto tão grande, que mal conseguiu responder. Tomando aquele silêncio como permissão, ele entrou, fixando os olhos no bebê, que mamava com voracidade. — Ele é muito bonito — elogiou, aproximando-se. Logo, pousou os olhos no seio de Chelsey. — Sim... — ela assentiu, recuperando a voz. Sentando-se ao lado da cama, ele acariciou o rosto do bebê e tocou, de leve, o seio desnudo. Aflita com aquele toque, Chelsey procurou manter-se calma, continuando com a amamentação do filho até que tivesse saciado sua fome. Depois, passou a niná-lo, agindo como se Jake não estivesse ali. — Se está preocupada com algo, posso lhe garantir que já providenciei tudo — ele comunicou, tentando acabar com aquele silêncio angustiante. — Está se referindo a parte financeira? — quis saber, encarando-o com firmeza. — Isso mesmo. Afinal era parte do nosso trato, não era? — Eu sei. Mas não preciso do seu dinheiro, Jake. Ele franziu as sobrancelhas como se não pudesse crer no que acabara de ouvir. — Claro que precisa! Além disso fizemos um acordo. — Mudei de ideia — afirmou, corajosa. — O que? — indagou, cada vez mais perplexo. — Mudei de ideia — repetiu, decidida. — Obrigada por tudo o que fez por mim e pelo bebê, mas nosso trato está desfeito. Aliás, faço questão de devolver-lhe todo o dinheiro que gastou conosco até agora. — Mas... E quanto ao meu avô? 90
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — O sr. Breaux está se recuperando bem, não é? E você mesmo havia prometido contar-lhe a verdade quando ele estivesse melhor. Jake tinha a sensação de que o mundo estava desabando sobre a cabeça. Não podia acreditar que ela queria o divórcio. Desde que o bebê nascera, todas as emoções que levara anos aprisionando no fundo de sua alma vieram à tona, deixando-o completamente atordoado e confuso. Por isso, sua primeira reação fora fugir, isolando-se de todos. Após o parto, saíra em disparada em sua moto, sem importar-se com a chuva ou o vento frio no rosto. Aliás passara a noite inteira em claro, tentando colocar os pensamentos em ordem. Por fim, decidira manter aquele casamento e assumir o bebê como filho, embora ainda relutasse em aceitar a verdade: fazia aquilo por amor a Chelsey. Agora, com a mudança de atitude dela, tudo virara de ponta cabeça outra vez. — Para ser franco, já contei a verdade a vovô ontem, antes de ir para o escritório, e ele reagiu muito bem — revelou, tentando manter o sangue-frio. Chelsey meneou a cabeça, em sinal de aprovação, fingindo alegria. — É... Parece que tudo deu certo. Portanto não precisamos mais manter essa farsa... Isso não é ótimo? — Sim... — ele concordou, com um nó na garganta. Mais uma vez, seus olhos se cruzaram e Jake teve vontade de pedir-lhe para ficar, implorando seu amor. Porém o orgulho ferido falou mais alto, impedindo-o de dizer o que sentia. Achava um absurdo ser dispensado daquela maneira, principalmente ele que poderia ter qualquer mulher a seus pés. Pior, como poderia estar apaixonado por uma garota que sequer chegara a tocar? — Se é isso que deseja... — murmurou, depois de um longo silêncio. Seu rosto parecia uma máscara de mármore, frio e indiferente. — Podemos pedir a anulação — Chelsey sugeriu, evitando encará-lo com medo de perder a coragem. — Está bem... Meu advogado poderá tratar disso. — Ótimo — mentiu, esforçando-se para não chorar. — Bem, o que vai fazer agora? — Depois que tiver alta, voltarei para Carencro e tentarei criar meu filho como havia planejado. — Não acha que ele vai precisar de um pai? — Meu irmão poderá servir de modelo. — Modelo?! — repetiu, ficando irritado. — Não acha que o bebê merece mais do que isso? — Isso é o que posso oferecer-lhe — garantiu, ríspida. Em seguida, em tom mais brando, acrescentou: — Mas, não se preocupe, tenho tudo sob controle. — Desculpe minha intromissão — retrucou, cada vez mais zangado. — Aliás, se não estiver sendo muito intrometido, gostaria de saber se há algum outro homem em sua vida? 91
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Não! — respondeu, convicta. Aquela pergunta a deixou tão agitada e ofendida que acabou despertando o bebê, que começou a chorar, assustado. — Não chore, querido — sussurrou, afagando a criança. — Já vou indo... Boa sorte e se precisar de algo... — Obrigada — agradeceu, sem erguer os olhos. — E boa sorte para você também. Jake caminhou até a porta, com passos lentos e amargurados. — Nunca irei esquecer esses dias que passamos juntos... — admitiu, saindo depressa. — Nem eu, meu amor... —respondeu, num sussurro, sentindo as lágrimas rolarem pela face. Chelsey chamou o filho de Joel. E, assim que comunicou seu irmão sobre o nascimento, Rand fez de tudo para arranjar uma folga e conhecer o sobrinho. No começo, ficou bastante irritado ao saber do acordo que a irmã fizera com Jake. Mas, depois que ela o convenceu de que se casara por amor, acabou aprovando sua decisão. Infelizmente, poucos dias depois, Rand teve que retornar ao trabalho, deixando Chelsey sozinha com Joel na pequena casa de Carencro. "Bem, preciso me acostumar com a solidão", pensou, resignada, embora sentisse muita falta de Jake. Nos dias que se seguiram, entregou-se de corpo e alma aos cuidados de Joel, pensando como seria difícil deixá-lo com pessoas estranhas quando tivesse que arranjar um emprego. "É a vida...", repetia para si mesma, notando que suas economias diminuíam com grande velocidade. Durante todo esse tempo, não teve nenhuma notícia da família Breaux. Às vezes, surpreendia-se pensando em Tessie e Jonathan, com saudades, pois sentira-se querida por ambos, mesmo depois que a verdade fora revelada. Quanto a Jake, somente Joel lhe dava forças para suportar aquela ausência. Três semanas já haviam passado, desde que saíra do hospital, quando o telefone tocou no meio da tarde. Sua primeira reação foi de surpresa, pois apenas Rand lhe telefonava, mas àquela hora deveria estar trabalhando. Depois, ficou angustiada, temendo que algo de mal tivesse acontecido a ele. — Alô? — atendeu, sentindo palpitações. — Chelsey? — uma voz familiar retrucou, do outro lado da linha. Por um momento, ficou em choque, incapaz de articular qualquer palavra. — Chelsey, sou eu, Jake — insistiu. — Está tudo bem com vocês? — Sim... — sussurrou, recuperando a voz. — E seu avô, como vai? — Ele está ótimo — falou, com entusiasmo. — Os médicos até permitiram que ele continuasse em casa. 92
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Isso é fantástico! E Tessie? — Vai bem... Mas, fale um pouco sobre você e o bebê... — Eu passei os dias cuidando de Joel, que cresceu bastante e é muito saudável — respondeu, tentando manter as emoções sobre controle. — Ótimo. Liguei para ver se precisam de algo... — Não, obrigada —interrompeu, no mesmo instante. — Não precisamos do seu dinheiro... — Mentalmente, acrescentou: "Só queremos seu amor". — Está bem, mas não me referia apenas a dinheiro — desculpou-se. Depois como se captasse algo estranho na voz de Chelsey, indagou: — O que deseja de mim? Assustada com a pergunta, ela preferiu atacar: — Não desejo nada! Aliás foi você quem telefonou, lembra-se? Portanto eu é quem deveria lhe perguntar isso. — Só queria desculpar-me sobre a demora na anulação do casamento — comunicou, sem expressar nenhuma emoção na voz. — Estou muito ocupado no escritório e ainda não tive tempo de falar com meu advogado. "Então esse é o motivo do telefonema...", pensou, desapontada — Tudo bem — respondeu, dissimulando a tristeza. — Também ando sem tempo para ir atrás desses papéis. — Chelsey, não foi por isso que liguei — afirmou, percebendo o engano que cometera. — Para ser franco, só queria ouvir sua voz. Ambos ficaram em silêncio. — Preciso desligar, tenho uma reunião daqui há poucos minutos — Jake voltou a dizer, recuperando o controle da situação. — Jake? Mande lembranças à sua família por mim. — Serão dadas, obrigado. Após o fim da ligação, ela permaneceu ao lado do telefone, impassível. Só conseguia pensar em como teria sido feliz se aquele romance tivesse dado certo. Tinha certeza de que nunca mais amaria outro homem como amava Jake. Então Joel começou a chorar, anunciando que estava com fome. No mesmo instante, correu para o filho, despertando daqueles sonhos para fixar-se na realidade. Joel já estava com quase dois meses e Chelsey não tivera mais nenhum contato com Jake ou sua família. Toda noite, prometia-se que iria chamar seu advogado para resolver a anulação do casamento na manhã seguinte. Mas, inconscientemente ou não, o fato e que nunca arranjava tempo para solucionar esse problema. Na verdade, embora estivesse muito atarefada com o bebê, não queria admitir que ainda alimentava esperanças em relação a Jake. Por isso, aquele casamento, mesmo que fosse apenas no papel, era uma maneira de vincular sua vida à dele. Aquela noite parecia igual a todas as outras: Joel já havia mamado e estava dormindo e, ali estava ela, examinando os classificados à procura de emprego. Porém, apesar da aparente normalidade, Chelsey sentia algo diferente no ar... Parecia que seu instinto feminino a alertava sobre alguma coisa... Mas não conseguia definir o que era. Inquieta, decidiu tomar uma ducha fria, com esperanças de que a água a livrasse de toda aquela ansiedade. 93
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan Então despiu-se, observando, vaidosa, que seu corpo voltara à forma original: esbelto, apesar de cheio de curvas nos lugares certos. Já estava saindo do chuveiro, quando ouviu um ruído inconfundível de moto. Apressada, vestiu um robe que estava sobre a cama e correu para a janela. E, como da primeira vez, viu a Harley, estacionada no mesmo local. Logo, a campainha tocou, fazendo seu coração bater depressa. Porém, não conseguia mover-se, estava em choque, com aquela surpresa. — Olá — cumprimentou, com voz trêmula. Quando finalmente conseguiu abrir a porta. — Por um momento, achei que não houvesse ninguém em casa — Jake foi logo dizendo, passando os olhos pelo corpo de Chelsey, sem nenhuma cerimônia. — Está diferente... — Claro, tive um bebê a menos de dois meses — respondeu, percebendo que ele também mudara. Estava mais magro e abatido. — Jamais pensei que pudesse ficar mais bonita do que já era... Mas enganei-me... Está linda! Chelsey corou, diante daquele elogio explícito. — Posso entrar? — Oh! Sim! Desculpe-me — pediu, fazendo sinal para que ele se sentasse. Depois, tentando recompor-se, indagou: — Como está sua família? — Tia Tessie finalmente resolveu seguir nossos conselhos e foi conhecer a Europa. Deve voltar no próximo sábado. — Isso é incrível! — exclamou, procurando fechar mais o robe. Sentia-se nua diante daqueles olhares curiosos. — Foi sozinha? — Não. Viajou com um grupo de senhoras da igreja que frequenta. Chelsey fitava aquele rosto moreno, morrendo de vontade de beijar aquela boca provocante e sensual. Porém, lutava contra os próprios desejos para parecer calma e controlada. — E seu avô? — Passo muito tempo com ele, dedicando-lhe muito amor e carinho. Tento recuperar o tempo perdido... Mas, embora esteja relativamente bem, sei que, em breve, ele terá que partir. — Sinto muito. — Eu também. Mas todos devem morrer um dia, não é mesmo? — murmurou, tentando manter o bom humor. — E quanto ao bebê? — Está ótimo! — afirmou, deixando vir à tona todo seu amor de mãe. — Quer vêlo? — Claro! De mãos dadas, foram até o quarto do bebê, fazendo silêncio para não despertálo. — Cresceu tanto! — Jake voltou a exclamar, quando retornaram a sala. — Nem parece o mesmo bebê que vi nascer! — Precisa ver as graças que ele já faz! 94
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan — Acho que vou adorar... — comentou, cheio de ternura. Então ambos ficaram em silêncio, pensativos. — Deve estair imaginando por que vim, não é? — Jake perguntou, após alguns minutos. — Tenho algo importante a lhe dizer... — É sobre o nosso casamento? — retrucou, com o coração em pedaços. — Sim... — admitiu, fazendo suspense. Chelsey não conseguiu conter as emoções por mais tempo, deixando-se dominar pelo pranto. Queria muito ser forte e independente, mas não estava preparada para enfrentar aquele choque... A anulação daquele casamento significava o fim de todos os seus sonhos e esperanças. — Mas o que é isso, Chelsey? — quis saber, tentando consolá-la. Ao mesmo tempo, triste e constrangida com aquela cena, ela correu para o quarto, tentando trancar a porta. Porém, Jake foi rápido o suficiente para impedi-la, segurando-a pelo braço. — Foi tão ruim assim me ver? — tornou a indagar, com docilidade, sem soltá-la. — Não! — negou, com veemência, sentindo as lágrimas aflorarem com mais volume. — Então o que houve? Não aguento vê-la sofrendo assim! De repente, ela encheu-se de dignidade e o encarou. Para seu próprio bem, precisava expor seus sentimentos. — Eu te amo, Jake Breaux! E não posso suportar a ideia de perdê-lo! — declarou, sem saber onde achara coragem para dizer aquilo. Jake ficou sério, depois passou a rir como se tivesse ouvido a frase mais engraçada de sua vida. Desiludida, ela baixou os olhos, dizendo a si mesma que merecia passar por aquela situação constrangedora para aprender a lidar com os homens. — Oh! Chelsey... — ele sussurrou em seu ouvido, apertando-a de encontro ao corpo. — Esperei tanto ouvir isso... — O que está querendo dizer? — ela indagou, perplexa. Tinha medo de estar se enganando. — Quero viver para sempre junto de você e do pequeno Joel! Aliás, pretendo adotá-lo legalmente, pois, no meu coração, ele já é meu filho. Emocionada, voltou a chorar, mas, dessa vez, de alegria. — Não faz ideia do quanto sofri nessas últimas semanas... Nada mais tinha sentido sem você... — ele tornou a falar. — Só então compreendi que não podia me isolar das pessoas queridas, com medo de perdê-las. Pelo contrário, devia compartilhar meus sentimentos e fazê-las felizes. Pois, conviver com quem se ama é o que há de mais valioso no mundo! Explodindo de felicidade, Chelsey beijou aqueles lábios tentadores, sendo generosamente correspondida por ele. — Eu te amo mais do que tudo, Chelsey! — Jake declarou, entorpecido pelo prazer. Ao mesmo tempo, procurava despi-la com mão habilidosas. Ela tentou retrucar, jurando-lhe amor eterno, mas sua voz foi sufocada por mais 95
Bianca n. 578.1 – Coração Rebelde – Kristin Morgan um beijo, voraz e avassalador. Então Jake a tomou nos braços, levando-a para a cama. — Nossa primeira noite de amor... — Chelsey suspirou, seduzindo-o com o olhar. — Sim... A primeira de muitas, minha amada... — acrescentou, deixando o robe sobre o assoalho.
KRISTIN MORGAN mora em Lafayette, no interior do Estado da Louisiana, onde a língua francesa ainda é falada por seus pais e avós. Ali vive feliz ao lado do marido, seu grande amor da época do ginásio, e dos três filhos. Ambos já viajaram por todo o sul dos Estados Unidos e norte do México, conhecendo lugares e culturas diferentes. Aliás, considera-se uma pessoa de sorte por morar há apenas duas horas de Nova Orleans, sua cidade favorita. Além de escrever, Kristin gosta de preparar comidas francesas para a família, cujas receitas vêm sendo passadas de geração a geração. Seus hobbies favoritos são leitura, jardinagem e pesca. Adora andar na chuva, bebês recém-nascidos, todos os tipos de música, sobremesas de chocolate e histórias de amor com final feliz. Uma autêntica romântica, acredita que tudo é possível quando se ama.
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