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Artista plástica da Penha promove direitos femininos e ganha projeção mundial Para Panmela Castro, ‘o grafite é uma forma de despertar mulheres que não percebem a violência’ POR WILLIAM HELAL FILHO

09/03/2013 18:00 / ATUALIZADO 10/03/2013 8:13

A grafiteira Panmela Castro, de 31 anos, recebeu uma homenagem da ONU - Leo Martins / Agência O Globo

RIO — Um grupo de mulheres lindas se mudou, há coisa de duas semanas, para um imóvel de dois quartos no Rio Comprido. Garotas bonitas, de cabelos cheios e corpos perfeitos. Mas todas muito tristes, como se estivessem aprisionadas. Eles são personagens das telas da grafiteira Anarkia Boladona, que faz da arte de rua um canal para promover a defesa dos direitos da mulher. Uma carioca da Penha, de 31 anos,

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que coleciona prêmios nacionais e internacionais. A casa ainda está uma zona. Caixas por esvaziar, obras plastificadas pelos cantos, roupas esperando por um lugar no armário. O pedreiro faz barulho sem parar, usando a marreta para quebrar o azulejo do banheiro. No meio dessa bagunça, Panmela Castro (nome de batismo de Anarkia) tentava fazer as malas. Era a véspera de uma viagem para Nova York, onde ela passou a última semana participando do Global Women’s Leadership Network, um painel das Organizações das Nações Unidas (ONU) que reuniu pessoas do mundo todo que lideram projetos de defesa dos direitos femininos. Foi uma nova mostra da relevância que a artista ganhou nesse universo. Em 2012, Panmela foi escolhida pela revista americana “Newsweek” uma das 150 mulheres com coragem e disposição para mudar o planeta. Ela e a presidente Dilma Rousseff eram as únicas brasileiras na lista. — O grafite é uma forma de expressão e de despertar mulheres que não percebem a violência doméstica, de promover a Lei Maria da Penha e rever nossa posição no mundo. Mas as coisas estão mudando. A nova geração de garotos têm vergonha de bater em mulheres — diz Panmela. Nascida e criada na Rua Santiago, na Penha, a carioca GALERIA Conheça o trabalho da artista é a fundadora da Rede Nami plástica Panmela Costa (o nome é uma corruptela de “mina”, com sílabas Novo Museu de Arte do Rio é uma aula de invertidas, como fazem os carioquice grafiteiros). O propósito da Museu de Arte do Rio é inaugurado na Zona ONG é divulgar os direitos das Portuária mulheres, a Lei Maria da Penha, em comunidades Presentes com charme carentes, agindo de forma inovadora. Quando Panmela e suas colegas vão ao Morro do Borel, na Tijuca, por exemplo, elas levam tintas e criatividade. O mulherio local é convidado a participar de uma oficina de grafite, que começa com uma conversa de 1h30 seguida de uma apresentação do Teatro do

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Oprimido. Durante o papo, que gira em torno de iniciação artística e cotidiano, as moradoras acabam demonstrando suas visões sobre o que é ser mulher hoje. É a deixa para o trabalho de conscientização. — Muita gente acha normal a agressão verbal ou física. “Ah, ele me bateu porque está estressado e bebeu muito no bar.” Quanto mais longe dos grandes centros, maior é a ignorância — explica Anarkia, que, há 10 anos anos, foi espancada pelo namorado e mantida presa, na casa dele, por 24 horas. — Me separei, mas não o denunciei. Eu era meio alienada. Mas ninguém deve passar por isso. As vítimas da violência doméstica têm vergonha de falar a respeito. E quem não sofreu acha que nunca vai acontecer. Se a ONG chega numa comunidade chamando para uma palestra sobre o tema, ninguém aparece. O grafite, então, funciona com uma forma de atrair as pessoas. Em mais de três anos, a Rede Nami fez 64 oficinas e alcançou cerca de 1500 mulheres em 30 comunidades como Complexo do Alemão, Manguinhos e Rocinha. São 142 artistas participando das ações. O trabalho foi captado no radar da Vital Voices, uma organização internacional sediada em Washington que apoia mulheres líderes de diversos países. Quando a Rede Nami estava só começando, Panmela recebeu o prêmio Global Leadership, da Vital Voices, na categoria Direitos Humanos. Personalidades como a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, dos EUA, e a atual presidente da Liberia, Ellen Johnson Sirleaf, já receberam esse prêmio. — Estivemos no Rio, e Panmela nos levou a alguns lugares onde atua, foi impressionante. O combate à violência doméstica é um tema difícil de divulgar, mas ela faz tudo de forma diferente, envolvendo pessoas bastante jovens e deixando a própria carreira como artista plástica em segundo plano — elogia a peruana Eugenia Podesta, diretora da Vital Voices para a América Latina.


Antes desse episódio, Anarkia nem desconfiava da repercussão das suas oficinas comunitárias de grafite: — Foi muito doido ganhar o prêmio. Percebi que o tamanho do trabalho, às vezes, é menos importante que o significado. Visitando países como Peru e Chile, conheci ONGs criadas por pessoas que se inspiraram na gente. Não tinha noção desse poder de multiplicação. Na verdade, nada disso passava pela cabeça da menina da Zona Norte criada com rigor pela mãe. Ela cresceu assistindo a agressões entre pessoas da sua família sem ver o absurdo que aquilo significava. Uma parente perdeu um filho depois de levar um soco do marido na barriga. Na época, eram coisas tão “normais” para ela quanto para as mulheres que, hoje, Panmela tenta acordar. Aos 17 anos, entrou para a Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ e caiu na vida. Começou a frequentar bailes funk e pichar muros. Anarkia nasceu aí, nessa fase de rebeldia. Tinha 20 anos quando aconteceu. Estava com o namorado havia pouco mais de um ano. A rispidez e os xingamentos vieram primeiro. Num dia que começou como outro qualquer, o cara a espancou e a deixou trancada em casa. Panmela foi salva pela mãe, dona Elizabeth da Silva. Ficou deprimida por seis meses. Só saía de casa para trabalhar (era professora de artes plásticas em escolas particulares) levada pelo pai. Foi salva de novo, desta vez, pelo universo do hip-hop, a cultura formada pelo rap, a dança break e o grafite. — Percebi que podia me expressar pelo grafite. Foi aí que virei uma feminista e percebi coisas que jamais veria. Esta casa, por exemplo. No formulário de aluguel, tinha um campo pedindo o “nome da esposa”. Como se só um homem pudesse alugar um imóvel. Em pleno século XXI. É ridículo — critica ela. Rainha da Leopoldina

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O grafite também fez Panmela conhecer o Rio de verdade. Hoje, há trabalhos seus espalhados pela cidade toda. Ela parou de contar em 2007, quando somavam mais de 500. Anarkia se sente em casa quando está, por exemplo, no Cais do Porto à 1h da madrugada. É a Rainha da Leopoldina, onde pintou uma Eva enorme. Mudou-se da Penha para o Rio Comprido para ficar mais perto do Centro e espalhar mais de suas personagens por aí. Há diversas delas, como a Liberté, uma mulher que está sempre acompanhada de uma águia, símbolo da liberdade. Só que as garras da ave machucam a pele da moça. É o preço de ser livre. Anarkia também expõe seus trabalhos em galerias. Do Rio e do mundo. Ano passado, esteve em países como República Tcheca, Turquia, Áustria e França. Criou um mural enorme na Escola Sesc, em Jacarepaguá. Tem planos de fazer uma mostra com a coleção de aquarelas “Evas, bruxas e vadias”. — Eva foi a primeira pecadora, condenada porque mordeu a maçã. Depois foram as bruxas, mulheres de mente livre queimadas na fogueira. Agora, são as vadias. As garotas emancipadas fazem o que querem, mas são julgadas pelos outros. A partir de hoje, as artistas da Rede Nami começam a criar o mural “A história contada por elas”, na Escola Sesc. Serão três rostos de mulher com cadeados no lugar das bocas. — A Anarkia mudou minha forma de pensar e ver o mundo. Hoje, eu estou ajudando a abrir outros olhos — destaca Alexandra da Fonseca, a Mel do Grafite, de 39 anos, que vai participar do novo mural. Chefe de Polícia Civil, a delegada Martha Rocha acompanha de perto as conquistas da ONG. — O trabalho da Panmela é um aliado no combate à violência doméstica. A arte de rua tem o poder de alcançar a todos, e isso proporciona uma mudança social. A Rede

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Nami é uma prova de que a luta pelo direito das mulheres é de toda a sociedade, é preciso haver engajamento. Mas sem moralismos, diz Anarkia, nem verdades absolutas: — As piores coisas do mundo foram feitas em nome de verdades absolutas. Quero só mostrar que há escolhas. Várias escolhas a se fazer.

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