17/05/2014 Estado de Minas

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CULTURA Meu corpo se envolve, involuntariamente, digamos assim, numa onda de prazer

ARNALDO VIANA >> arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br

Feijão sem tempero Está na placa, na entrada da casa de forró, lá pelos lados de Santa Luzia, no caminho para Jaboticatubas: “É proibido dançar encostando o… (o irmão mais novo do frango) na mulher”. Assim, curto e grosso. O cliente chega, com roupa de domingo, na noite de sábado. Moreno, estatura mediana, calça de brim (não jeans), camisa quadriculada no estilo country, gel no cabelo, botas da cano baixo brilhando nos pés e água de cheiro espalhada pelo corpo. Botou olho na placa quando se preparava para enfiar a mão no bolso e pagar o ingresso. Expressão indignada, foi ao porteiro. – Mas como é isso? Pode explicar? – Isso o quê? – Olhe a placa… – Ah, sim! Ordens do gerente. – Até parece que ele nunca dançou. Isso é discriminação! Pode dar até processo. – Discriminação? Como assim? – Numa dança, fico de frente para a mulher, vendo-a inteira. Meu nariz cap-

ta o cheiro de fêmea e minhas mãos sentem o contato macio da pele feminina. Geralmente, nos cumprimentamos no salão com beijinho no rosto, que meus lábios degustam com prazer. E quando começamos a dançar, meu peito, inevitavelmente, roça no dela. Vê? Meu corpo se envolve, involuntariamente, digamos assim, numa onda de prazer. E só ele, o dito cujo, escondidinho debaixo das calças, é assim violentamente excluído? – Não posso fazer nada. Já disse, é ordem do gerente. Se dançar encostado, o segurança bota na rua… – Querem que eu faça o quê? Mandar o, o o… ficar quieto? Ele é incontrolável. Indócil Não sei se o gerente tem um igual, ainda ativo. Se tiver, vai entender o que digo. Não há como, simplesmente, mandar o, o, o… ficar quieto, como se faz com um menino, um cachorro. Eu, hein! – Deixe-o em casa… ou guarde-o no bolso.

❚ GRAFITE

Poder na lata SHIRLEY PACELLI

Tudo na vida da artista carioca Panmela Castro, de 32 anos, é grafite. Mas nem sempre foi assim. Ela já foi casada: cozinhou, lavou, passou e também apanhou do marido. Quando, enfim, em 2006, conseguiu se livrar do seu agressor, teve a ideia de promover a Lei Maria da Penha por meio da arte nos muros. E assim ela convidou amigas – que convi-

daram outras amigas – e em conversas e oficinas puderam compartilhar histórias, esclarecer dúvidas e, principalmente, repensar sua posição na sociedade. Em 2010, foi fundada a Rede Nami, organização que usa a arte urbana para promover os direitos das mulheres. Amanhã, a organização realizará em BH a última etapa da campanha Brasil rumo ao fim da violência doméstica, que reunirá 20 artistas locais para

grafitagem coletiva. O evento será realizado das 10h às 19h, na Rua Antão Gonçalves, 389, no Taquaril. A iniciativa já passou por Brasília, São Paulo, Porto Alegre e Salvador, cidades-sede da Copa do Mundo. Em cada estado há uma anfitriã local. Na capital mineira, a educadora social e grafiteira Lídia Soares Costa, de 27 anos, a Viber, foi a escolhida. Ela decidiu levar a ação para a própria comunidade, o Taquaril, na Região Leste. “O grafite pode ser um meio de vida para a mulher, uma saída para a sobrevivência”, afirma. Lídia não se contentou só com a arte nos muros e programou bate-papo sobre a violência domésti-

– Isso não é uma brincadeira, meu amigo. Não se trata de uma ferramenta, um relógio, que você descarta quando quer. Faz parte do corpo. E se eu fosse casado e viesse com a minha mulher? Podia encostar nela? Podia? – Não! Em ninguém. – Gente! Mas as mulheres não reclamam desse contato quase inocente das coxas com o, o, o… Algumas até o provocam. É uma espécie de jogo, gostoso. – Isso do seu ponto de vista. Do gerente é indecência pura… – E como vamos dançar? Com as partesdebaixoparatrás,numaposturaridícula, só para não permitir o contato? – Faça como quiser, mas não encoste. – E as mulheres, o que estão pensando dessa proibição? –Duasjádisseramquedançarsemencostarécomocomerfeijãosemtempero. Pergunta do Negão: Olhando o noticiário, daqui, dali e de acolá, não lhe dá um estranho cansaço?

ca, roda de capoeira, DJs e as MCs de As Minas Rima. Os grafiteiros selecionados se inscreveram em convocatória e enviaram croquis por email para a Rede Nami. Eles ganharam kits de pintura e terão que criar murais sobre a torcida brasileira e o fim da violência contra a mulher. Cinco trabalhos mais representativos participarão do concurso Torcida Graffiti, com votação online. Os melhores serão premiados com uma viagem para participar da etapa final no Rio de Janeiro, em 12 de junho. Lídia Soares, a Viber, é anfitriã da campanha nacional contra a violência doméstica

HORACIUS DE JESUS/DIVULGAÇÃO


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