PanoramaCrítico 07

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#7 Agosto/Setembro_2010

artigos_77 Autoria e desaparição na obra de arte

ENSAIOS_7 A construção do corpo coletivo: A dimensão política da obra de Lygia Clark

Distâncias históricas, proximidades Ideológicas: traços do discurso colonialista na crítica de arte brasileira Grupo Varal de gravura: a construção de um sonho coletivo

A Permeabilidade na Crítica da Arte Algumas relações entre os museus e os regimes de valoração da arte Caetano Dias rejuntado

entrevistas_141 José Roca - curador da 8ª Bienal do Mercosul Luis Carlos Mandelli - presidente da 8ª Bienal do Mercosul

O Projeto Meio Porto Alegre, mundo e lugar nas Bienais do Mercosul PINO

panorama_67

ensaio visual_180

Catalisando o processo perceptivo

Fotogramas: Uma Nova Narrativa


#7 Agosto/Setembro_2010

artigos_77 Autoria e desaparição na obra de arte

ENSAIOS_7 A construção do corpo coletivo: A dimensão política da obra de Lygia Clark

Distâncias históricas, proximidades Ideológicas: traços do discurso colonialista na crítica de arte brasileira Grupo Varal de gravura: a construção de um sonho coletivo

A Permeabilidade na Crítica da Arte Algumas relações entre os museus e os regimes de valoração da arte Caetano Dias rejuntado

entrevistas_141 José Roca - curador da 8ª Bienal do Mercosul Luis Carlos Mandelli - presidente da 8ª Bienal do Mercosul

O Projeto Meio Porto Alegre, mundo e lugar nas Bienais do Mercosul PINO

panorama_67

ensaio visual_180

Catalisando o processo perceptivo

Fotogramas: Uma Nova Narrativa


Editorial

A

revista Panorama Crítico chega a sua edição de número sete! Passado o primeiro ano, com alguns projetos sendo realizados paralelamente e com a missão de viabilizar um lugar democrático, criterioso e independente acerca do pensamento crítico e teórico na área artística, esta edição chega mais ampliada ainda. A inovação desta edição é uma seção dedicada ao lançamento de livros. A partir de agora, a cada número novo da revista, traremos uma série de livros lançados na área de artes, onde cada um será acompanhado de uma pequena resenha sobre a obra. Pretendemos assim ampliar a divulgação da produção do pensamento crítico do campo artístico brasileiro. Se na última edição tivemos o primeiro Ensaio visual da revista, nesta, a seção dedicada a uma poética mais visual, apresenta o trabalho de Adreson, onde ele trabalha e pesquisa dentro de uma linha entre o fotograma e a narrativa do imaginário. No Panorama desta edição temos o texto de Renan Marcondes, Catalisando o Processo Perceptivo, onde o autor aborda questões referentes à Arte Contemporânea e a sua relação com o público. A seção Artigos traz os textos de Paulo Salvetti Jr, distâncias históricas, proximidades Ideológicas: traços do discurso colonialista na crítica de arte brasileira; Amanda Cifuente, Autoria e desaparição na obra de arte; Franquilandia G. R. Raft Grupo Varal de gravura: a construção de um sonho coletivo. Já em Ensaios temos textos de João Paulo Sacchetto, Daniela Blanco,


Marcos Sari e Daniele Marx, Laila Terra, Carlos Alberto Dias e Maicyra Leão. Por ultimo, na seção Entrevistas trazemos duas conversas que focam a próxima Bienal do Mercosul. Falamos com Luis Carlos Mandelli, atual presidente da 8ª Bienal do Mercosul. Atuante desde a 1ª edição, em 1997, ele comenta as suas expectativas através desse novo cargo e nos fala sobre o que espera e pretende realizar para essa nova edição. José Roca é curador da próxima edição, e tivemos o prazer de participar da coletiva de imprensa onde ele nos dá uma leve percepção no território da próxima edição da mostra para o ano que vem. Por último temos uma entrevista com Bianca Knaak, realizada por Marcos Fioravante e Thalita Motter que abrange as questões que esta “Bienal Periférica” levanta dentro do sistema de arte local, a percepção sobre sua repercussão e as relações econômicas que permeiam esse grande evento. Como sempre, não podemos deixar de agradecer a todos que continuam acreditando e participando do Panorama Crítico. Nossos mais sinceros agradecimentos a todos os colaboradores e, especialmente, a equipe da Fundação Bienal do Mercosul pela cordialidade que nos recebeu para a produção das entrevistas e dos materiais necessários que as fundamentaram. Uma boa leitura a todos. Alexandre Nicolodi e Denis Nicola Editores da revista


ensaios

A construção do corpo coletivo: A

dimensão política da obra de Lygia

Clark por Carlos Alberto Dias

A

sensação é de incomodo. Incomodo pela impossibilidade de realizar um gesto tão simples como pegar uma bola de tênis. Gesto corriqueiro, o qual faríamos automaticamente se fossemos solicitados, torna-se um verdadeiro suplício quando tentamos realiza-lo vestindo a grossa luva de borracha forrada por grossa lona. Minha mão não sente a bola, por isso não calcula corretamente o gesto. A bola escorrega da mão/luva. Mesmo quando, com dificuldade, consigo segurar a bola, é com se não a houvesse pegado, pois não a sinto em minhas mãos. O que impede a realização deste simples e corriqueiro gesto cotidiano? A falta de tato, isto é falta de sensação. Vestir a luva gera a impossibilidade de sentir. Eis o paradoxo proposto pela artista: deixar de sentir, para ressentir. Ou melhor, ser imLuva sensorial, 1968 7


ensaios

A construção do corpo coletivo: A

dimensão política da obra de Lygia

Clark por Carlos Alberto Dias

A

sensação é de incomodo. Incomodo pela impossibilidade de realizar um gesto tão simples como pegar uma bola de tênis. Gesto corriqueiro, o qual faríamos automaticamente se fossemos solicitados, torna-se um verdadeiro suplício quando tentamos realiza-lo vestindo a grossa luva de borracha forrada por grossa lona. Minha mão não sente a bola, por isso não calcula corretamente o gesto. A bola escorrega da mão/luva. Mesmo quando, com dificuldade, consigo segurar a bola, é com se não a houvesse pegado, pois não a sinto em minhas mãos. O que impede a realização deste simples e corriqueiro gesto cotidiano? A falta de tato, isto é falta de sensação. Vestir a luva gera a impossibilidade de sentir. Eis o paradoxo proposto pela artista: deixar de sentir, para ressentir. Ou melhor, ser imLuva sensorial, 1968 7


#7 ensaios

pedido de sentir para recuperar a consciência do sentimento, da percepção, como forma de conhecimento do mundo, como perspectiva da razão. O bloqueio, e não a estimulação, da sensação torna-se a estratégia recorrente na obra de Ligia Clark a partir de 1966 quando a artista realiza as primeiras obras tendo o corpo como suporte (FABBRINI, 1994). Se o objetivo declarado e a finalidade dessas obras fossem apenas a apologia das sensações como forma privilegiada de

Máscaras sensoriais - Abismo, 1968

Eu e Tu, 1967

conhecimento do mundo, talvez a estimulação sensorial pudesse ser a via mais óbvia e natural de seus trabalhos, o que colocaria Ligia no rol dos artistas psicodélicos que na mesma época enchiam as ruas e salões do mundo com suas obras hiper-estimulante, cheias de cores e luzes piscando; ou talvez pudéssemos entender Ligia Clark como uma espécie de Op-artista, que resolveu ir além das meras sensações visuais e abarcar a estimulação de outras sensações corporais em suas obras. Claro que isto por si só já garantiria a Ligia Clark um 8

lugar no panteão dos inovadores da arte contemporânea, mas deixaria intacta a compreensão do paradoxo imposto em suas estratégias artísticas: Bloquear a sensação do espectador para fazê-lo sentir. É preciso, portanto, avançar no exame da obra de Ligia para compreender suas razões mais profundas. Atenta ao mundo em que vive, culta e bem instruída nas correntes artística e nos debates filosóficos e políticos que animam a produção cultural de sua época, Ligia Clark entende perfeitamente o recado iconoclasta deixado pela Pop art: Para que produzir imagens em um mundo saturado de imagens? Diante da perplexidade quase paralisante da Pop art perante o poder da imagem, Ligia Clark compreende que a produção imagética no mundo contemporâneo representa o principal meio ideológico de alienação do homem e faz desta compreensão estética e política da questão da imagem no mundo contemporâneo o programa de suas práticas artísticas. É como se Ligia Clark perguntasse aos seus contemporâneos: Qual o sentido de produzir mais sensações para um homem que, saturado de sensações, aliena-se cada vez mais de seu próprio corpo e por isso mesmo torna-se cada vez mais anti-social? Instruída pelas teorias psicanalíticas, pelo existencialismo, mas sobretudo pela fenomenologia de Merleau-Ponty (FABBRINI, 1994), Ligia entende não só que a hiper-estimulação causada pelos meios produção e comunicação de massa, e sobretudo pelo discurso da propaganda, são os responsáveis po9


#7 ensaios

pedido de sentir para recuperar a consciência do sentimento, da percepção, como forma de conhecimento do mundo, como perspectiva da razão. O bloqueio, e não a estimulação, da sensação torna-se a estratégia recorrente na obra de Ligia Clark a partir de 1966 quando a artista realiza as primeiras obras tendo o corpo como suporte (FABBRINI, 1994). Se o objetivo declarado e a finalidade dessas obras fossem apenas a apologia das sensações como forma privilegiada de

Máscaras sensoriais - Abismo, 1968

Eu e Tu, 1967

conhecimento do mundo, talvez a estimulação sensorial pudesse ser a via mais óbvia e natural de seus trabalhos, o que colocaria Ligia no rol dos artistas psicodélicos que na mesma época enchiam as ruas e salões do mundo com suas obras hiper-estimulante, cheias de cores e luzes piscando; ou talvez pudéssemos entender Ligia Clark como uma espécie de Op-artista, que resolveu ir além das meras sensações visuais e abarcar a estimulação de outras sensações corporais em suas obras. Claro que isto por si só já garantiria a Ligia Clark um 8

lugar no panteão dos inovadores da arte contemporânea, mas deixaria intacta a compreensão do paradoxo imposto em suas estratégias artísticas: Bloquear a sensação do espectador para fazê-lo sentir. É preciso, portanto, avançar no exame da obra de Ligia para compreender suas razões mais profundas. Atenta ao mundo em que vive, culta e bem instruída nas correntes artística e nos debates filosóficos e políticos que animam a produção cultural de sua época, Ligia Clark entende perfeitamente o recado iconoclasta deixado pela Pop art: Para que produzir imagens em um mundo saturado de imagens? Diante da perplexidade quase paralisante da Pop art perante o poder da imagem, Ligia Clark compreende que a produção imagética no mundo contemporâneo representa o principal meio ideológico de alienação do homem e faz desta compreensão estética e política da questão da imagem no mundo contemporâneo o programa de suas práticas artísticas. É como se Ligia Clark perguntasse aos seus contemporâneos: Qual o sentido de produzir mais sensações para um homem que, saturado de sensações, aliena-se cada vez mais de seu próprio corpo e por isso mesmo torna-se cada vez mais anti-social? Instruída pelas teorias psicanalíticas, pelo existencialismo, mas sobretudo pela fenomenologia de Merleau-Ponty (FABBRINI, 1994), Ligia entende não só que a hiper-estimulação causada pelos meios produção e comunicação de massa, e sobretudo pelo discurso da propaganda, são os responsáveis po9


#7 ensaios

líticos pela alienação do homem, mas entende perfeitamente os mecanismos estéticos pelas quais a alienação política se constrói. Ligia entende que a alienação de cada indivíduo se constituiu como alienaTom Wesselman, 1963 ção de seu ‘corpo próprio’ (Merleau-Ponty,1994) através do hiper-estímulo sensorial que constrói no indivíduo uma couraça de insensibilidade e apercepção do mundo e de si mesmo, que em última análise é a apercepção do outro e do espaço coletivo. Por esta razão, suas experiências, não se limitam ao estímulo sensorial de indivíduos, porque que isto redundaria inútil estímulo perdido entre todas as estimulações já recebidas pelo homem urbano. Assim, na vivência das obras-experiências de Ligia Clark o homem urbano é impedido de sentir para recuperar a consciência da sua forma de sentir, para recuperar a consciência de suas formas de perceber o mundo e sobretudo para recuperar sua capacidade de partilhar suas percepções e sentimentos do mundo. Se as obras de Ligia houvessem estacionado em propostas de ressensibilização de indivíduos, estariam plenamente corretas as interpretações que circunscreve suas obras no circulo do movimento hedonismo sensorialista dos anos sessenta que se 10

tornou precursor do culto fascista ao corpo no qual vivemos hoje. Fascista por instigador de comportamentos anti-sociais. A observação atenta do paradoxo no qual se move a produção artística de Ligia Clark a partir de 1966, nos leva a interpretação oposta: Ligia Clark busca a construção do corpo coletivo e tem plena consciência política das consequências de sua obra, isto é tem plena consciência que sua obra pretende a reconstrução do espaço coletivo da sociedade esfacelada pela hiper-individualização. Mesmo as primeiras obras focadas na ressensibilização individual, como é o caso da “Luva Sensorial” ou da “Máscara Sensorial” , obras realizadas em Arquitetura biológica, 1968 1968, apontam na direção da construção de vivências sensoriais coletivas, pois o indivíduo é ressensibilizado para reaprender a viver coletivamente, isto é para reaprender a compartilhar coletivamente suas percepções e sentimentos do mundo. As obras realizadas na França entre 1970 e 1976 são denominadas significativamente de “Espaço do Corpo Coletivo” demonstra com eloqüência o movimento de suas obras em direção ao aprendizado coletivo das vivências coletivas. “Seu corpo desbloqueado, diz Ligia Clark, funda um novo 11


#7 ensaios

líticos pela alienação do homem, mas entende perfeitamente os mecanismos estéticos pelas quais a alienação política se constrói. Ligia entende que a alienação de cada indivíduo se constituiu como alienaTom Wesselman, 1963 ção de seu ‘corpo próprio’ (Merleau-Ponty,1994) através do hiper-estímulo sensorial que constrói no indivíduo uma couraça de insensibilidade e apercepção do mundo e de si mesmo, que em última análise é a apercepção do outro e do espaço coletivo. Por esta razão, suas experiências, não se limitam ao estímulo sensorial de indivíduos, porque que isto redundaria inútil estímulo perdido entre todas as estimulações já recebidas pelo homem urbano. Assim, na vivência das obras-experiências de Ligia Clark o homem urbano é impedido de sentir para recuperar a consciência da sua forma de sentir, para recuperar a consciência de suas formas de perceber o mundo e sobretudo para recuperar sua capacidade de partilhar suas percepções e sentimentos do mundo. Se as obras de Ligia houvessem estacionado em propostas de ressensibilização de indivíduos, estariam plenamente corretas as interpretações que circunscreve suas obras no circulo do movimento hedonismo sensorialista dos anos sessenta que se 10

tornou precursor do culto fascista ao corpo no qual vivemos hoje. Fascista por instigador de comportamentos anti-sociais. A observação atenta do paradoxo no qual se move a produção artística de Ligia Clark a partir de 1966, nos leva a interpretação oposta: Ligia Clark busca a construção do corpo coletivo e tem plena consciência política das consequências de sua obra, isto é tem plena consciência que sua obra pretende a reconstrução do espaço coletivo da sociedade esfacelada pela hiper-individualização. Mesmo as primeiras obras focadas na ressensibilização individual, como é o caso da “Luva Sensorial” ou da “Máscara Sensorial” , obras realizadas em Arquitetura biológica, 1968 1968, apontam na direção da construção de vivências sensoriais coletivas, pois o indivíduo é ressensibilizado para reaprender a viver coletivamente, isto é para reaprender a compartilhar coletivamente suas percepções e sentimentos do mundo. As obras realizadas na França entre 1970 e 1976 são denominadas significativamente de “Espaço do Corpo Coletivo” demonstra com eloqüência o movimento de suas obras em direção ao aprendizado coletivo das vivências coletivas. “Seu corpo desbloqueado, diz Ligia Clark, funda um novo 11


#7 ensaios

campo antropológico: o espaço da infância, do carnaval do rito, das inversões sociais, da terapia; subtraíndo-se à agressão infamante ou à adoração narcísica, revive com intensidade a riqueza de suas faculdades perceptivas. Lygia, com sua arqueologia (inclinada para o fetichismo das origens que reenvia a história à natureza), criou o espaço para a “realização” da “geografia das utopias” (FABBRINI, 1994). Ao construir esta “geografia das utopias”, Ligia Clark construiu e legou para a cultura humana os meios concretos para uma ação política transformadora e conseqüente que visa mais do que a superação do círculo de fogo da individuação alienada para apontar na direção da construção do Teia Coletiva, 1974 corpo coletivo como espaço e tempo da construção da liberdade individual e coletiva, superando assim o dilema político do século XX que nos colocou a obrigação da escolha entre a liberdade individual ou a paz coletiva.

12

Bibliografia FABBRINNI, Ricardo Nascimento; O espaço de Lígia Clark: São Paulo, 1994; Editora Atlas. MERLEAU-PONTY, Maurice; Fenomenologia da Percepção: São Paulo, 1994; Ed. Martins Fontes. http://www.lygiaclark.org.br/associacaoPT.asp - acessado em março e maio 2010.

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campo antropológico: o espaço da infância, do carnaval do rito, das inversões sociais, da terapia; subtraíndo-se à agressão infamante ou à adoração narcísica, revive com intensidade a riqueza de suas faculdades perceptivas. Lygia, com sua arqueologia (inclinada para o fetichismo das origens que reenvia a história à natureza), criou o espaço para a “realização” da “geografia das utopias” (FABBRINI, 1994). Ao construir esta “geografia das utopias”, Ligia Clark construiu e legou para a cultura humana os meios concretos para uma ação política transformadora e conseqüente que visa mais do que a superação do círculo de fogo da individuação alienada para apontar na direção da construção do Teia Coletiva, 1974 corpo coletivo como espaço e tempo da construção da liberdade individual e coletiva, superando assim o dilema político do século XX que nos colocou a obrigação da escolha entre a liberdade individual ou a paz coletiva.

12

Bibliografia FABBRINNI, Ricardo Nascimento; O espaço de Lígia Clark: São Paulo, 1994; Editora Atlas. MERLEAU-PONTY, Maurice; Fenomenologia da Percepção: São Paulo, 1994; Ed. Martins Fontes. http://www.lygiaclark.org.br/associacaoPT.asp - acessado em março e maio 2010.

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ensaios

A Permeabilidade na

Crítica da Arte Daniela Blanco

C

om a ajuda da perspectiva histórica, vislumbramos o caminho traçado pelo artista contemporâneo. Em meio aos diversos ciclos percorridos, a arte permanece arte.

Fachada de loja Louis Vuitton ‘personalizada’ por Takashi Murakami

Em uma atualidade em que reverberam discussões (já esgota15


ensaios

A Permeabilidade na

Crítica da Arte Daniela Blanco

C

om a ajuda da perspectiva histórica, vislumbramos o caminho traçado pelo artista contemporâneo. Em meio aos diversos ciclos percorridos, a arte permanece arte.

Fachada de loja Louis Vuitton ‘personalizada’ por Takashi Murakami

Em uma atualidade em que reverberam discussões (já esgota15


#7 ensaios

das) sobre o fim da arte, o caminho a ser tomado não deveria ser o da retórica infindável entre o sim ou o não, mas o da permeabilidade com embasamento. Por permeabilidade, entenda-se a tolerância àquilo que se põe como quebra de paradigmas; e por com embasamento, conclui-se uma análise da expressão artística baseada não só no perfil e trabalho do artista como também no historicismo. É muitas vezes com ajuda da perspectiva histórica que vislumbramos o caminho traçado pelo artista contemporâneo, é assim que se percebe paralelos entre sua produção artística e a história da arte. Como afirma Rosalind Krauss, em seu artigo 'A Escultura no Campo Expandido': ‘O historicismo atua sobre o novo e o diferente para diminuir a novidade e mitigar a diferença. A evocação do modelo da evolução permite uma modificação na nossa experiência, de modo que o homem de agora pode ser aceito como diferente da criança que foi por ser visto simultaneamente como sendo o mesmo, através da ação imperceptível do telos.' Muito além de analisar o objeto de arte, ser permeável baseando-se no historicismo, trata de enxergar a poética artística por trás de cada obra: o conteúdo, o pensar a arte contido no fazer arte. A arte é, antes de mais nada, inovação; e o novo mostra-se sempre difícil de ser aceito. Quando se mostra possível criar paralelos entre a arte no passado e a arte contemporânea, se demonstra que a linha histórica da arte permanece contínua. Em meio aos diversos ciclos percorridos, a arte permanece arte. Assim, discutir sobre seu fim surge como engano. 16

Não existe uma quebra entre a criação antiga e a atual, pois os elementos da arte tradicional continuam presentes em meio a inovação — a história entra aí como uma das ferramentas para entender o novo. E é esta ferramenta com a qual a crítica deveria se instrumentar para atuar em relação ao novo. Faremos um passeio pelas novas expressões artísticas e, empregando o historicismo em nossa análise, criaremos paralelos entre a produção atual e a arte antes da morte da arte, deixando assim, uma linha de pensamento que questiona esse suposto falecimento através da crítica e do historicismo. Como um facilitador da análise, usaremos um marco histórico — um momento de grande mudança na arte — a partir do qual se desenvolveram novos códigos de representação que direcionaram toda a criação artística dali em diante: a descoberta da perspectiva durante o Renascimento, a passagem da representação unidimensional para a bidimensional. Unidimensionalidade istribuídas pela história da arte, existem muitas expressões pictóricas caracterizadas pela unidimensionalidade: uso de apenas uma dimensão como código de representação, expresso pela inexistência da perspectiva. Código este, que se põe tanto como uma inaptidão para representar o mundo como o vemos — como na Arte Rupestre — como um código de representação que pode estar a serviço da religião — como na Arte Bizantina.

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das) sobre o fim da arte, o caminho a ser tomado não deveria ser o da retórica infindável entre o sim ou o não, mas o da permeabilidade com embasamento. Por permeabilidade, entenda-se a tolerância àquilo que se põe como quebra de paradigmas; e por com embasamento, conclui-se uma análise da expressão artística baseada não só no perfil e trabalho do artista como também no historicismo. É muitas vezes com ajuda da perspectiva histórica que vislumbramos o caminho traçado pelo artista contemporâneo, é assim que se percebe paralelos entre sua produção artística e a história da arte. Como afirma Rosalind Krauss, em seu artigo 'A Escultura no Campo Expandido': ‘O historicismo atua sobre o novo e o diferente para diminuir a novidade e mitigar a diferença. A evocação do modelo da evolução permite uma modificação na nossa experiência, de modo que o homem de agora pode ser aceito como diferente da criança que foi por ser visto simultaneamente como sendo o mesmo, através da ação imperceptível do telos.' Muito além de analisar o objeto de arte, ser permeável baseando-se no historicismo, trata de enxergar a poética artística por trás de cada obra: o conteúdo, o pensar a arte contido no fazer arte. A arte é, antes de mais nada, inovação; e o novo mostra-se sempre difícil de ser aceito. Quando se mostra possível criar paralelos entre a arte no passado e a arte contemporânea, se demonstra que a linha histórica da arte permanece contínua. Em meio aos diversos ciclos percorridos, a arte permanece arte. Assim, discutir sobre seu fim surge como engano. 16

Não existe uma quebra entre a criação antiga e a atual, pois os elementos da arte tradicional continuam presentes em meio a inovação — a história entra aí como uma das ferramentas para entender o novo. E é esta ferramenta com a qual a crítica deveria se instrumentar para atuar em relação ao novo. Faremos um passeio pelas novas expressões artísticas e, empregando o historicismo em nossa análise, criaremos paralelos entre a produção atual e a arte antes da morte da arte, deixando assim, uma linha de pensamento que questiona esse suposto falecimento através da crítica e do historicismo. Como um facilitador da análise, usaremos um marco histórico — um momento de grande mudança na arte — a partir do qual se desenvolveram novos códigos de representação que direcionaram toda a criação artística dali em diante: a descoberta da perspectiva durante o Renascimento, a passagem da representação unidimensional para a bidimensional. Unidimensionalidade istribuídas pela história da arte, existem muitas expressões pictóricas caracterizadas pela unidimensionalidade: uso de apenas uma dimensão como código de representação, expresso pela inexistência da perspectiva. Código este, que se põe tanto como uma inaptidão para representar o mundo como o vemos — como na Arte Rupestre — como um código de representação que pode estar a serviço da religião — como na Arte Bizantina.

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#7 ensaios

Na arte contemporânea a unidimensionalidade coexiste em harmonia com a representação bidimensional; da mesma forma que esta foi, antes, empregada como código de representação religioso, é hoje utilizada também como um artifício artístico que define e caracteriza a identidade do artista. Um dos grandes representantes da arte planar na atualidade é o artista Takashi Murakami, que criou o termo Superflat para definir seu próprio estilo. Murakami, à semelhança do que fazia Andy Warhol em sua época, tem uma enorme produção artística em que nem tudo que idealiza é realizado por suas próprias mãos; o artista possui dois ateliês situados no Japão e EUA, que funcionam como a antiga Factory de Warhol, onde diversos artistas põem a mão na massa para dar vida às ideias do artista.

Uma de suas mais controversas obras de arte, Superflat Monogram, o filme criado para a campanha publicitária da Louis Vuitton, explora de diversas formas o código de representação planar para criar um mundo fantástico que reflete muito da cultura japonesa e apropria-se da cultura de mídia para expressar o mundo da comunicação de massa. A controvérsia gerada pelo filme se deve ao fator comercial atribuído à obra; os críticos mais conservadores negam-se a atribuír-lhe qualquer caráter artístico por tratar-se de uma campanha publicitária para vender os produtos Louis Vuitton estampados pelo próprio artista. A ironia presente nesta discussão está representada no próprio filme, em que o celular (objeto de desejo e consumo) nas mãos da menina é engolido pelo enorme bichinho de Murakami. Outra questão que põe em cheque a crítica mais conservadora — e menos permeável — é a relação de um mecenato nos moldes modernos entre o artista e a marca Louis Vitton; conhecida por sua forte ligação com o mundo da arte que persiste já há um século e meio. Louis Vuitton "Superflat Monogram" - Takashi Murakami: http://www.youtube.com/watch?v=4C84FLwm3DA&feature= player_embedded

Interior de loja Louis Vuitton com estampas criadas por Takashi Murakami

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#7 ensaios

Na arte contemporânea a unidimensionalidade coexiste em harmonia com a representação bidimensional; da mesma forma que esta foi, antes, empregada como código de representação religioso, é hoje utilizada também como um artifício artístico que define e caracteriza a identidade do artista. Um dos grandes representantes da arte planar na atualidade é o artista Takashi Murakami, que criou o termo Superflat para definir seu próprio estilo. Murakami, à semelhança do que fazia Andy Warhol em sua época, tem uma enorme produção artística em que nem tudo que idealiza é realizado por suas próprias mãos; o artista possui dois ateliês situados no Japão e EUA, que funcionam como a antiga Factory de Warhol, onde diversos artistas põem a mão na massa para dar vida às ideias do artista.

Uma de suas mais controversas obras de arte, Superflat Monogram, o filme criado para a campanha publicitária da Louis Vuitton, explora de diversas formas o código de representação planar para criar um mundo fantástico que reflete muito da cultura japonesa e apropria-se da cultura de mídia para expressar o mundo da comunicação de massa. A controvérsia gerada pelo filme se deve ao fator comercial atribuído à obra; os críticos mais conservadores negam-se a atribuír-lhe qualquer caráter artístico por tratar-se de uma campanha publicitária para vender os produtos Louis Vuitton estampados pelo próprio artista. A ironia presente nesta discussão está representada no próprio filme, em que o celular (objeto de desejo e consumo) nas mãos da menina é engolido pelo enorme bichinho de Murakami. Outra questão que põe em cheque a crítica mais conservadora — e menos permeável — é a relação de um mecenato nos moldes modernos entre o artista e a marca Louis Vitton; conhecida por sua forte ligação com o mundo da arte que persiste já há um século e meio. Louis Vuitton "Superflat Monogram" - Takashi Murakami: http://www.youtube.com/watch?v=4C84FLwm3DA&feature= player_embedded

Interior de loja Louis Vuitton com estampas criadas por Takashi Murakami

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#7 ensaios

Desconstrução da perspectiva e da narrativa linear; e a concepção artística difusa em um instante. Janela Perspéctica

Parte do afresco no teto da Capela Sistina, pintado por um dos maiores representantes do Renascimento: Michelangelo

20

M

ais à frente na história da arte, chegamos ao momento de maior inovação na arte: a descoberta da perspectiva no Renascimento. É a partir da descoberta desta técnica que dá-se início a representação pictórica do mundo como realmente o vêmos. À perspectiva — visão tridimensional do mundo através de uma janela — atribui-se muitas das mudancas ocorridas na arte até hoje; a janela perspéctica abre novos caminhos para a descoberta de códigos de representação os mais diversos. O chamado desencanto do século XIX que tomou ainda mais força no século XX, arruinou com a ideia do homem como centro do mundo, o homem que a tudo vê. Esse desencanto trouxe novas visões de mundo que são expressas na arte contemporânea pela ruptura com uma visão puramente realista do mundo. Este passa a ser então desconstruído através da visão dos novos artistas; a janela perspéctica e o brincar com os planos ganham novas formas e leituras. Um bom exemplo da janela perspéctica usada como código representativo da descontrução da visão de mundo está na arte de Regina Silveira, que atendendo ao convite para expor no Palácio de Cristal em Madrid brinca com os planos proporcionados pela estrutura de vidro do Palácio. Utilizando-se também da efemeridade proporcionada pela luz do sol que invade o ambiente, desconstrói a perspectiva real, e em seu lugar representa uma perspectiva criada e desenhada. O desafiador para a crítica nesta obra, se mostra na aplicação da pintura em uma base 21


#7 ensaios

Desconstrução da perspectiva e da narrativa linear; e a concepção artística difusa em um instante. Janela Perspéctica

Parte do afresco no teto da Capela Sistina, pintado por um dos maiores representantes do Renascimento: Michelangelo

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ais à frente na história da arte, chegamos ao momento de maior inovação na arte: a descoberta da perspectiva no Renascimento. É a partir da descoberta desta técnica que dá-se início a representação pictórica do mundo como realmente o vêmos. À perspectiva — visão tridimensional do mundo através de uma janela — atribui-se muitas das mudancas ocorridas na arte até hoje; a janela perspéctica abre novos caminhos para a descoberta de códigos de representação os mais diversos. O chamado desencanto do século XIX que tomou ainda mais força no século XX, arruinou com a ideia do homem como centro do mundo, o homem que a tudo vê. Esse desencanto trouxe novas visões de mundo que são expressas na arte contemporânea pela ruptura com uma visão puramente realista do mundo. Este passa a ser então desconstruído através da visão dos novos artistas; a janela perspéctica e o brincar com os planos ganham novas formas e leituras. Um bom exemplo da janela perspéctica usada como código representativo da descontrução da visão de mundo está na arte de Regina Silveira, que atendendo ao convite para expor no Palácio de Cristal em Madrid brinca com os planos proporcionados pela estrutura de vidro do Palácio. Utilizando-se também da efemeridade proporcionada pela luz do sol que invade o ambiente, desconstrói a perspectiva real, e em seu lugar representa uma perspectiva criada e desenhada. O desafiador para a crítica nesta obra, se mostra na aplicação da pintura em uma base 21


#7 ensaios

tridimensional — ultrapassando as possibilidades da da tela plana — e do caráter efêmero desta pintura com movimentos interrelacionados com a dinamicidade da natureza.

Blue Memory de Regina Silveira no Palácio de Cristal, Madrid - foto de jimboe_98

Blue Memory de Regina Silveira no Palácio de Cristal, Madrid - foto de jimboe_98

Outro artista destacado por uma inovação impressionan22

te no emprego do código perspéctico desconstruído é Peter Greenaway. Em seu filme Prospero's Books o artista desconstrói não só a perspectiva real como também desconstrói a narrativa linear a que os livros e principalmente o cinema nos habituaram. Através da visualização de várias janelas que se sobrepõem podemos fazer múltiplas leituras do filme que cria uma metanarrativa sem começo, meio e fim. Para a crítica especializada, seu filme se mostrou como um enorme desafio — não sendo possível encaixar a obra como exclusiva expressão do cinema nem como exclusiva representação das artes 23


#7 ensaios

tridimensional — ultrapassando as possibilidades da da tela plana — e do caráter efêmero desta pintura com movimentos interrelacionados com a dinamicidade da natureza.

Blue Memory de Regina Silveira no Palácio de Cristal, Madrid - foto de jimboe_98

Blue Memory de Regina Silveira no Palácio de Cristal, Madrid - foto de jimboe_98

Outro artista destacado por uma inovação impressionan22

te no emprego do código perspéctico desconstruído é Peter Greenaway. Em seu filme Prospero's Books o artista desconstrói não só a perspectiva real como também desconstrói a narrativa linear a que os livros e principalmente o cinema nos habituaram. Através da visualização de várias janelas que se sobrepõem podemos fazer múltiplas leituras do filme que cria uma metanarrativa sem começo, meio e fim. Para a crítica especializada, seu filme se mostrou como um enorme desafio — não sendo possível encaixar a obra como exclusiva expressão do cinema nem como exclusiva representação das artes 23


#7 ensaios

visuais, esta mostra mais uma vez do que se trata a arte: da quebra de paradigmas. Trecho do filme Prospero's Books de Peter Greenaway: http://www.youtube.com/watch?v=ovsxauCwOb0&feature=p layer_embedded O artista contemporâneo Michelangelo Pistoletto, em sua excêntrica performance na Bienal de Veneza de 2009, em que quebra um espelho a marteladas diante de uma curiosa platéia, também questiona o uso da perspectiva como código de representação de uma visão real do mundo. Ele afirma no discurso realizado antes da performance que por mais que quebre o espelho, este continuará a refletir; agora, pequenos pedaços do espelho estilhaçado no chão se tornam, cada um, uma janela perspéctica, uma visão de um novo mundo. Assim como no filme de Peter Greenaway, várias leituras e releituras podem ser feitas através de cada plano ou janela representados pelos estilhaços. Para a crítica conservadora, há a inexistência de uma criação que precede a performance, tirando desta seu valor artístico. Não podemos esquecer que quando se fala de criação, de concepção, pode-se estar referindo-se a concepção de uma ideia ou pensamento, e não necessariamente a criação de algo visível. É deste preceito que surgem as expressões artísticas como a citada de Pistoletto: são as performances — que surgem sim 24

de uma concepção que as precede; uma concepção poética que resulta na representação desta dentro de um determinado tempo, que pode ser apenas um instante como um tempo ampliado. Performance de Michelangelo Pistoletto - Biennale di Venezia 2009: http://www.youtube.com/watch?v=Y2JwlFNUlg8&feature=pl ayer_embedded

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#7 ensaios

visuais, esta mostra mais uma vez do que se trata a arte: da quebra de paradigmas. Trecho do filme Prospero's Books de Peter Greenaway: http://www.youtube.com/watch?v=ovsxauCwOb0&feature=p layer_embedded O artista contemporâneo Michelangelo Pistoletto, em sua excêntrica performance na Bienal de Veneza de 2009, em que quebra um espelho a marteladas diante de uma curiosa platéia, também questiona o uso da perspectiva como código de representação de uma visão real do mundo. Ele afirma no discurso realizado antes da performance que por mais que quebre o espelho, este continuará a refletir; agora, pequenos pedaços do espelho estilhaçado no chão se tornam, cada um, uma janela perspéctica, uma visão de um novo mundo. Assim como no filme de Peter Greenaway, várias leituras e releituras podem ser feitas através de cada plano ou janela representados pelos estilhaços. Para a crítica conservadora, há a inexistência de uma criação que precede a performance, tirando desta seu valor artístico. Não podemos esquecer que quando se fala de criação, de concepção, pode-se estar referindo-se a concepção de uma ideia ou pensamento, e não necessariamente a criação de algo visível. É deste preceito que surgem as expressões artísticas como a citada de Pistoletto: são as performances — que surgem sim 24

de uma concepção que as precede; uma concepção poética que resulta na representação desta dentro de um determinado tempo, que pode ser apenas um instante como um tempo ampliado. Performance de Michelangelo Pistoletto - Biennale di Venezia 2009: http://www.youtube.com/watch?v=Y2JwlFNUlg8&feature=pl ayer_embedded

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ensaios

Algumas relações entre

os museus e

os regimes de valoração da arte João Paulo Sacchetto

P

ensar a relação entre artes e museus é, inevitavelmente, refletir sobre estratégias de legitimação. Isso porque, a intenção de um museu em ter uma obra fazendo parte de seu acervo, assim como a do mercado das artes inserir determinadas obras no museu, sempre, de algum modo, esbarra nos interesses de um e de outro pela legitimação artística. Ao tratar sobre questões ligadas aos mecanismos de legitimação da arte, Maria Amélia Bulhões aponta que se pode observar dois regimes para valoração da arte: o estético e o mercadológico, sendo tênues as relações entre um e outro. No texto intitulado As instituições museológicas e a constituição de valores no circuito mundializado da arte, a questão trabalhada pela autora parte de um estudo de caso, tomando a body art e seus problemas devido ao fato de ser uma arte efêmera. Diante dessa a questão, a autora nos mostra como o mercado e os museus vão se adaptando para a inser27


ensaios

Algumas relações entre

os museus e

os regimes de valoração da arte João Paulo Sacchetto

P

ensar a relação entre artes e museus é, inevitavelmente, refletir sobre estratégias de legitimação. Isso porque, a intenção de um museu em ter uma obra fazendo parte de seu acervo, assim como a do mercado das artes inserir determinadas obras no museu, sempre, de algum modo, esbarra nos interesses de um e de outro pela legitimação artística. Ao tratar sobre questões ligadas aos mecanismos de legitimação da arte, Maria Amélia Bulhões aponta que se pode observar dois regimes para valoração da arte: o estético e o mercadológico, sendo tênues as relações entre um e outro. No texto intitulado As instituições museológicas e a constituição de valores no circuito mundializado da arte, a questão trabalhada pela autora parte de um estudo de caso, tomando a body art e seus problemas devido ao fato de ser uma arte efêmera. Diante dessa a questão, a autora nos mostra como o mercado e os museus vão se adaptando para a inser27


#7 ensaios

ção das novas tendências, de modo que o, mesmo mercado que primeiramente deixou essas manifestações de lado pela inexpressiva potência comercial, integrou-as sob o formato de memórias (registros), criando maior possibilidade de institucionalização e comercialização das mesmas. A partir dessa contraditória confluência, fica-nos a seguinte questão, apresentada pela professora: como separar o valor de mercado do valor simbólico? Entendida sob o ponto de vista do Renascimento, a arte por si só é capaz de instituir para si um determinado valor. Isso acontece porque, dentro de todo um universo artístico, aquilo que realmente pode ser definido Arte cabe somente a uma pequena porção dos integrantes-produtores desse meio. Nesse longo percurso de reconhecimento do que é artístico ou não, ou seja, dentro de um circuito instaurado pela própria arte, o papel que os museus desempenham é nada mais nada menos do que o local oficializado da arte. Tudo aquilo que se produz, difunde e vende em algum momento de sua existência deverá passar por essa instituição, para fazer parte, pelo menos por um momento, do circuito artístico. As bases teóricas dos sistemas das artes, instauradas no século XVIII, são fundamentadas em três pilares: a Estética pioneira em Alexander Baumgarten, a História da Arte em Johann Winckelmann e a Crítica de Arte de Denis Diderot. A partir das relações entre essas disciplinas, a definição de sistemas das artes pela autora é de um “conjunto de indivíduos e 28

instituições que produzem, difundem e consomem objetos e eventos por eles mesmos definidos como artísticos e que determinam os critérios da Arte para uma sociedade em determinada época” (2008, p.128). Todo esse processo, evidentemente, foi construído ao longo da história a partir de duas vertentes, na visão de Maria Amélia: a primeira delas são as lutas internas que acontecem dentro do próprio sistema; e a segunda é a necessidade da sociedade em que se inserem. Pierre Bourdieu (1999) também tratou do mesmo universo de questões e nos deixou claro, em seus escritos, que as lutas internas de dentro dos sistemas das artes acontecem no âmbito dos valores estéticos, políticos, econômicos e sociais. Para ele, isso ocorre porque é necessário garantir alguns privilégios assim como o capital cultural. Desse modo, aqueles que rondam o sistema, a priori fechado, entram em constantes embates para adentrá-lo e, também, para, de alguma forma, modificar os modos de valoração artística. Ainda, acrescenta que tudo isso acontece em função do valor simbólico que a arte possui. Ao pensar o campo de produção erudito, o sociólogo chega à conclusão que esse é capaz de operar como um mercado específico, gerando algumas raridades de valores irredutíveis à própria raridade e de valor cultural. Nessa perspectiva, quanto mais o campo funcionar como uma competição pela legitimidade cultural, mais a produção pode se orientar buscando distinções pertinentes, isto é, busca dos temas, técnicas 29


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ção das novas tendências, de modo que o, mesmo mercado que primeiramente deixou essas manifestações de lado pela inexpressiva potência comercial, integrou-as sob o formato de memórias (registros), criando maior possibilidade de institucionalização e comercialização das mesmas. A partir dessa contraditória confluência, fica-nos a seguinte questão, apresentada pela professora: como separar o valor de mercado do valor simbólico? Entendida sob o ponto de vista do Renascimento, a arte por si só é capaz de instituir para si um determinado valor. Isso acontece porque, dentro de todo um universo artístico, aquilo que realmente pode ser definido Arte cabe somente a uma pequena porção dos integrantes-produtores desse meio. Nesse longo percurso de reconhecimento do que é artístico ou não, ou seja, dentro de um circuito instaurado pela própria arte, o papel que os museus desempenham é nada mais nada menos do que o local oficializado da arte. Tudo aquilo que se produz, difunde e vende em algum momento de sua existência deverá passar por essa instituição, para fazer parte, pelo menos por um momento, do circuito artístico. As bases teóricas dos sistemas das artes, instauradas no século XVIII, são fundamentadas em três pilares: a Estética pioneira em Alexander Baumgarten, a História da Arte em Johann Winckelmann e a Crítica de Arte de Denis Diderot. A partir das relações entre essas disciplinas, a definição de sistemas das artes pela autora é de um “conjunto de indivíduos e 28

instituições que produzem, difundem e consomem objetos e eventos por eles mesmos definidos como artísticos e que determinam os critérios da Arte para uma sociedade em determinada época” (2008, p.128). Todo esse processo, evidentemente, foi construído ao longo da história a partir de duas vertentes, na visão de Maria Amélia: a primeira delas são as lutas internas que acontecem dentro do próprio sistema; e a segunda é a necessidade da sociedade em que se inserem. Pierre Bourdieu (1999) também tratou do mesmo universo de questões e nos deixou claro, em seus escritos, que as lutas internas de dentro dos sistemas das artes acontecem no âmbito dos valores estéticos, políticos, econômicos e sociais. Para ele, isso ocorre porque é necessário garantir alguns privilégios assim como o capital cultural. Desse modo, aqueles que rondam o sistema, a priori fechado, entram em constantes embates para adentrá-lo e, também, para, de alguma forma, modificar os modos de valoração artística. Ainda, acrescenta que tudo isso acontece em função do valor simbólico que a arte possui. Ao pensar o campo de produção erudito, o sociólogo chega à conclusão que esse é capaz de operar como um mercado específico, gerando algumas raridades de valores irredutíveis à própria raridade e de valor cultural. Nessa perspectiva, quanto mais o campo funcionar como uma competição pela legitimidade cultural, mais a produção pode se orientar buscando distinções pertinentes, isto é, busca dos temas, técnicas 29


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e estilos dotados de valor. Desse modo, é a própria lei do campo que envolve os intelectuais e artistas na dialética da distinção cultural que impõe limites no interior dos quais tal busca exerce sua função (BOURDIEU, 1999). Entre as questões levantadas por Maria Amélia e Bourdieu ressaltam, de um lado, a constituição sólida de um sistema das artes baseado, por exemplo, no artista, no mercado e nos museus, por outro, da própria obra enquanto elemento dotado de um poder simbólico fundido às configurações dos sistemas das artes que a cerca. Ao longo da história as regras tanto do mercado quanto do poder simbólico parecem se alterar de acordo com as determinações de cada tempo. Olhar para a relação entre obras de arte e museus em Porto Alegre em 2010 é significativamente diferente do que olhar essa mesma relação em Berlim de 1930. No entanto, parece não haver muitas distinções no fato de que o museu é o local, como disse Bulhões, oficial da institucionalização da arte (e isso, talvez, já desde o início da Idade Moderna (TREVISAN, 1999)). O filme Arquitetura da destruição dirigido por Peter Cohen em 1992 é um bom exemplo para observarmos como essas mudanças podem ser observada em um contexto diferente do nosso. O documentário narra a contrariedade da Alemanha nazista, sob o comando de Hitler, à produção artística modernista, chamada pelo partido de Arte Degenerada. Nesse documentário em longa metragem, Peter Cohen mostra como Hitler, desde sua juventude, sonhou em ser artista, 30

como e porquê seus planos deram errado e o momento no qual a arte moderna passa a ser relacionada a grupos indesejados, como os judeus e ao submundo, incluindo diversos tipos de doentes. Se Bourdieu em seus escritos considerou o sistema das artes como fechado, ou melhor, específico demais em si mesmo, quando olhamos para o sistema das artes dos anos trinta na Alemanha, analisado a partir do documentário, nota-se que o sistema vigente naquela década potencializa ainda mais a idéia de uma especificidade sistêmica. Isso se deve aos valores estéticos, e vale lembrar do regime de valor estético mencionado por Maria Amélia Bulhões, embutidos nos preceitos do Partido Nacional Socialista Alemão. O próprio Partido Nazista apresentava em sua coluna vertebral princípios políticos intimamente ligados a princípios estéticos, uma vez que todo o conceito de raça ariana, por exemplo, ampara-se nas configurações da cultura e beleza grega do período clássico. Esses valores políticos se entrecruzavam, por conseqüência, com o sistema das artes daquele período. Isso acontecia porque os partidários, liderados por Hitler, um artista-projetista, impuseram uma retomada da beleza da antiguidade clássica, tanto do ponto de vista do físico humano quanto da arquitetura de Berlim. O que não estivesse compreendido dentro dessa perspectiva clássica seria considerado como algo que alude à decadência. Ou seja, a arte moderna operante nesse contexto sofreu intensa censura. 31


#7 ensaios

e estilos dotados de valor. Desse modo, é a própria lei do campo que envolve os intelectuais e artistas na dialética da distinção cultural que impõe limites no interior dos quais tal busca exerce sua função (BOURDIEU, 1999). Entre as questões levantadas por Maria Amélia e Bourdieu ressaltam, de um lado, a constituição sólida de um sistema das artes baseado, por exemplo, no artista, no mercado e nos museus, por outro, da própria obra enquanto elemento dotado de um poder simbólico fundido às configurações dos sistemas das artes que a cerca. Ao longo da história as regras tanto do mercado quanto do poder simbólico parecem se alterar de acordo com as determinações de cada tempo. Olhar para a relação entre obras de arte e museus em Porto Alegre em 2010 é significativamente diferente do que olhar essa mesma relação em Berlim de 1930. No entanto, parece não haver muitas distinções no fato de que o museu é o local, como disse Bulhões, oficial da institucionalização da arte (e isso, talvez, já desde o início da Idade Moderna (TREVISAN, 1999)). O filme Arquitetura da destruição dirigido por Peter Cohen em 1992 é um bom exemplo para observarmos como essas mudanças podem ser observada em um contexto diferente do nosso. O documentário narra a contrariedade da Alemanha nazista, sob o comando de Hitler, à produção artística modernista, chamada pelo partido de Arte Degenerada. Nesse documentário em longa metragem, Peter Cohen mostra como Hitler, desde sua juventude, sonhou em ser artista, 30

como e porquê seus planos deram errado e o momento no qual a arte moderna passa a ser relacionada a grupos indesejados, como os judeus e ao submundo, incluindo diversos tipos de doentes. Se Bourdieu em seus escritos considerou o sistema das artes como fechado, ou melhor, específico demais em si mesmo, quando olhamos para o sistema das artes dos anos trinta na Alemanha, analisado a partir do documentário, nota-se que o sistema vigente naquela década potencializa ainda mais a idéia de uma especificidade sistêmica. Isso se deve aos valores estéticos, e vale lembrar do regime de valor estético mencionado por Maria Amélia Bulhões, embutidos nos preceitos do Partido Nacional Socialista Alemão. O próprio Partido Nazista apresentava em sua coluna vertebral princípios políticos intimamente ligados a princípios estéticos, uma vez que todo o conceito de raça ariana, por exemplo, ampara-se nas configurações da cultura e beleza grega do período clássico. Esses valores políticos se entrecruzavam, por conseqüência, com o sistema das artes daquele período. Isso acontecia porque os partidários, liderados por Hitler, um artista-projetista, impuseram uma retomada da beleza da antiguidade clássica, tanto do ponto de vista do físico humano quanto da arquitetura de Berlim. O que não estivesse compreendido dentro dessa perspectiva clássica seria considerado como algo que alude à decadência. Ou seja, a arte moderna operante nesse contexto sofreu intensa censura. 31


#7 ensaios

De certa maneira, surge agora uma nova questão: como se relacionavam a arte moderna, até então vigente, com essa retomada clássica e seus partidários? Na realidade, o que aconteceu foi que essa relação foi completamente sufocada até a queda do nazismo. Um dos importantes mecanismos que promoveram essa derrocada da arte modernista em nome de uma retomada neo-clássica, deveu-se a ações promovidas através dos museus. Ao lado do partido, Hitler criou, durante o seu governo, a Casa de Arte Alemã que promoveu anualmente a Grande Exposição de Arte Alemã. Essa casa de arte era o espaço do museu por excelência, uma vez que sediava as exposições dos melhores trabalhos de arte de cada ano na Alemanha. Mas a questão não está ai. O fato é que as obras escolhidas para serem exposta passavam todas pelo gosto pessoal do ditador nazista, de modo que o sistema de arte alemão desse período ficou restrito, do ponto de vista estético, ao gosto de um admirador de arte tradicional de padrão clássico. Mas o sistema de arte continuou operante na Alemanha durante, inclusive, toda a segunda Guerra Mundial. Isso porque, nos museus tradicionais imperavam aquelas obras selecionadas pelos integrantes do Partido Nazista, ou seja, aquelas obras que agradassem os olhos desses políticos, e da população em conseqüência, e que não interferissem na constituição e proliferação de uma sociedade bela e pura deveriam ser expostas e apreciadas como arte de grande valor simbólico. Já as obras que integram ditas modernistas, ou a 32

Arte Degenerada, de acordo com a titulação do partido, eram apresentadas em exposições decadentes antes de serem destruídas, para treinar o gosto do público em relação ao que não deveria ser consumido. Retomando a questão da função do museu enquanto instituição legitimadora da arte com poder simbólico, se voltarmos nossos olhos atentamente às questões levantadas sobre o filme, podemos ver que os museus mesmo expondo somente obras que retomavam a antiguidade clássica, estavam exercendo seus papéis costumeiros. A diferença era que a legitimação ocorria entre artista e obras selecionadas intencionalmente pelo viés nazista. Isso quer dizer que, mesmo alterando as configurações do sistema das artes, dificilmente os museus perdem seu prestígio de serem os espaços institucionalizadores da arte. Com isso, podemos pensar que, no que concerne às relações entre a arte, os museus e o sistema de valoração, não importa exatamente o lugar físico ao arquitetônico ocupado pelo museu, nem especificamente o tipo ou a origem das obras que guardam ou exibem, o que importa é seu papel de atribuir àqueles trabalhos que por ali se instalam o valor simbólico do reconhecimento institucional, o qual imediatamente se reverte em capital cultural e capital mercadológico.

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De certa maneira, surge agora uma nova questão: como se relacionavam a arte moderna, até então vigente, com essa retomada clássica e seus partidários? Na realidade, o que aconteceu foi que essa relação foi completamente sufocada até a queda do nazismo. Um dos importantes mecanismos que promoveram essa derrocada da arte modernista em nome de uma retomada neo-clássica, deveu-se a ações promovidas através dos museus. Ao lado do partido, Hitler criou, durante o seu governo, a Casa de Arte Alemã que promoveu anualmente a Grande Exposição de Arte Alemã. Essa casa de arte era o espaço do museu por excelência, uma vez que sediava as exposições dos melhores trabalhos de arte de cada ano na Alemanha. Mas a questão não está ai. O fato é que as obras escolhidas para serem exposta passavam todas pelo gosto pessoal do ditador nazista, de modo que o sistema de arte alemão desse período ficou restrito, do ponto de vista estético, ao gosto de um admirador de arte tradicional de padrão clássico. Mas o sistema de arte continuou operante na Alemanha durante, inclusive, toda a segunda Guerra Mundial. Isso porque, nos museus tradicionais imperavam aquelas obras selecionadas pelos integrantes do Partido Nazista, ou seja, aquelas obras que agradassem os olhos desses políticos, e da população em conseqüência, e que não interferissem na constituição e proliferação de uma sociedade bela e pura deveriam ser expostas e apreciadas como arte de grande valor simbólico. Já as obras que integram ditas modernistas, ou a 32

Arte Degenerada, de acordo com a titulação do partido, eram apresentadas em exposições decadentes antes de serem destruídas, para treinar o gosto do público em relação ao que não deveria ser consumido. Retomando a questão da função do museu enquanto instituição legitimadora da arte com poder simbólico, se voltarmos nossos olhos atentamente às questões levantadas sobre o filme, podemos ver que os museus mesmo expondo somente obras que retomavam a antiguidade clássica, estavam exercendo seus papéis costumeiros. A diferença era que a legitimação ocorria entre artista e obras selecionadas intencionalmente pelo viés nazista. Isso quer dizer que, mesmo alterando as configurações do sistema das artes, dificilmente os museus perdem seu prestígio de serem os espaços institucionalizadores da arte. Com isso, podemos pensar que, no que concerne às relações entre a arte, os museus e o sistema de valoração, não importa exatamente o lugar físico ao arquitetônico ocupado pelo museu, nem especificamente o tipo ou a origem das obras que guardam ou exibem, o que importa é seu papel de atribuir àqueles trabalhos que por ali se instalam o valor simbólico do reconhecimento institucional, o qual imediatamente se reverte em capital cultural e capital mercadológico.

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Bibliografia BOURDIEU, Pierre. O mercado de bens simbólicos. In: A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999. p.99-179. BULHÕES, Maria Amélia. As instituições museológicas e a constituição de valores no circuito mundializado da arte. In: BERTOLI, M. e STIGGER, V. (org.). Arte, Crítica e Mundialização. São Paulo: ABCA: Imprensa Oficial do Estado, 2008. p.125-133. COHEN, Peter. Arquitetura da destruição. [Filme]. Suécia, 1992. Duração 121 min. TREVISAN, Armindo. Os museus: origem e evolução. In: Como apreciar a arte – do saber ao sabor: uma síntese possível. Porto Alegre: Unipron, 1999. p.47-52.

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Bibliografia BOURDIEU, Pierre. O mercado de bens simbólicos. In: A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999. p.99-179. BULHÕES, Maria Amélia. As instituições museológicas e a constituição de valores no circuito mundializado da arte. In: BERTOLI, M. e STIGGER, V. (org.). Arte, Crítica e Mundialização. São Paulo: ABCA: Imprensa Oficial do Estado, 2008. p.125-133. COHEN, Peter. Arquitetura da destruição. [Filme]. Suécia, 1992. Duração 121 min. TREVISAN, Armindo. Os museus: origem e evolução. In: Como apreciar a arte – do saber ao sabor: uma síntese possível. Porto Alegre: Unipron, 1999. p.47-52.

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ensaios

Caetano Dias rejuntado Maicyra Leão [É sob o efeito do grave submerso que me encontro, enterrada por entre rejuntes esquecidos, insistentes em perfurar o tempo]

S

em compromissos, adentrei com receios à Galeria Paulo Darzé, em Salvador. Digo “com receios” porque há barreiras claras e opacas entre a rua e o interior e a condi37


ensaios

Caetano Dias rejuntado Maicyra Leão [É sob o efeito do grave submerso que me encontro, enterrada por entre rejuntes esquecidos, insistentes em perfurar o tempo]

S

em compromissos, adentrei com receios à Galeria Paulo Darzé, em Salvador. Digo “com receios” porque há barreiras claras e opacas entre a rua e o interior e a condi37


#7 ensaios

ção de ter que solicitar a entrada por meio de uma campainha não me parecia condizente com um espaço de arte que se pretende estar acessível à fruição. Nem mesmo pude enxergar o interior para saber se me era convidativo ou não. Por outro lado, e correspondendo às ambivalências a que estamos habituados, essa condição se demonstrou coerente frente aos objetivos comerciais e à segurança da galeria. Não sendo objeto, por ora, questionar ou mesmo expor os meandros dessa ambivalência, penetrei e me permiti penetrar pelo interior agradável que me acolhia após o sino: um grande vão, com algumas paredes no centro, mas ainda assim um vão com pé direito central alto, um jardim de “inverno” ao fundo, tudo climatizado a uma temperatura que nos abandonava da caótica Salvador, que deixamos para trás. Desde os primeiros segundos, as notas graves da trilha sonora do vídeo “1978 – cidade submersa” davam o tom da exposição: passos lentos porque as ruínas frágeis e esfaceladas estão a requerer passagem e atenção. O vídeo, “1978 – cidade submersa”, figura central da exposição, dura em torno de 15 minutos. Com linguagem mesclada entre o documentário e a ficção experimental, narra visualmente a soberania da água represada para a fundação da hidroelétrica de Sobradinho, fazendo submergir parte da cidade de Remanso, na Bahia. As próprias imagens guardam em si a tensão e a poesia de uma cidade tragada pela água em função de um suposto progresso social. 38

Contaminada por esse dado central, percorri à distância as demais paredes da galeria correndo o olhar sobre fotos e vídeos. Por alguns segundos, me imobilizei. Sem escolher seguir em alguma direção, me mantive em remanso, bailando o balanço de flotar sobre a água, sensação já devidamente estimulada pela posição das câmeras do vídeo amparadas sobre barcos. Parte de minha constituição-água também afundou. Guiada pelo grave, tom que ressoa atravessando nosso peito, atingi cada detalhe do espaço pela orientação da correnteza incerta, ora fluxo violento, ora ressonância de borda, calma. A primeira imagem que me socorreu foi “Instáveis”, exposto como díptico de fotografias feitas a partir de uma maquete, em escala reduzida, que simulava o tamanho real de um edifício em construção. À esquerda, a imagem mostra a maquete sobre a areia firme; à direita, já invadida pela água. Desolador se deparar com o concreto que exige tempo de dedicação para se fazer existência e o pouco espaço requerido pela destruição. A própria maquete do prédio em construção, “Edifício 510”, logo mais à frente localizada na galeria, me chamou à base estável do palpável. Preferi ignorar aquela materialidade excessivamente concreta e seguir a rota de fuga da correnteza. Mais adiante, do alto superior de nossos olhares habituados a velar a mortalidade, miramos o chão. “Passeio Neoconcreto” trata-se de uma vídeo-instalação composta de uma pequena projeção de aproximadamente 20cm X 20cm (mesmo tamanho do ladrilho), instalada no centro de um conjuntos de ladrilhos 39


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ção de ter que solicitar a entrada por meio de uma campainha não me parecia condizente com um espaço de arte que se pretende estar acessível à fruição. Nem mesmo pude enxergar o interior para saber se me era convidativo ou não. Por outro lado, e correspondendo às ambivalências a que estamos habituados, essa condição se demonstrou coerente frente aos objetivos comerciais e à segurança da galeria. Não sendo objeto, por ora, questionar ou mesmo expor os meandros dessa ambivalência, penetrei e me permiti penetrar pelo interior agradável que me acolhia após o sino: um grande vão, com algumas paredes no centro, mas ainda assim um vão com pé direito central alto, um jardim de “inverno” ao fundo, tudo climatizado a uma temperatura que nos abandonava da caótica Salvador, que deixamos para trás. Desde os primeiros segundos, as notas graves da trilha sonora do vídeo “1978 – cidade submersa” davam o tom da exposição: passos lentos porque as ruínas frágeis e esfaceladas estão a requerer passagem e atenção. O vídeo, “1978 – cidade submersa”, figura central da exposição, dura em torno de 15 minutos. Com linguagem mesclada entre o documentário e a ficção experimental, narra visualmente a soberania da água represada para a fundação da hidroelétrica de Sobradinho, fazendo submergir parte da cidade de Remanso, na Bahia. As próprias imagens guardam em si a tensão e a poesia de uma cidade tragada pela água em função de um suposto progresso social. 38

Contaminada por esse dado central, percorri à distância as demais paredes da galeria correndo o olhar sobre fotos e vídeos. Por alguns segundos, me imobilizei. Sem escolher seguir em alguma direção, me mantive em remanso, bailando o balanço de flotar sobre a água, sensação já devidamente estimulada pela posição das câmeras do vídeo amparadas sobre barcos. Parte de minha constituição-água também afundou. Guiada pelo grave, tom que ressoa atravessando nosso peito, atingi cada detalhe do espaço pela orientação da correnteza incerta, ora fluxo violento, ora ressonância de borda, calma. A primeira imagem que me socorreu foi “Instáveis”, exposto como díptico de fotografias feitas a partir de uma maquete, em escala reduzida, que simulava o tamanho real de um edifício em construção. À esquerda, a imagem mostra a maquete sobre a areia firme; à direita, já invadida pela água. Desolador se deparar com o concreto que exige tempo de dedicação para se fazer existência e o pouco espaço requerido pela destruição. A própria maquete do prédio em construção, “Edifício 510”, logo mais à frente localizada na galeria, me chamou à base estável do palpável. Preferi ignorar aquela materialidade excessivamente concreta e seguir a rota de fuga da correnteza. Mais adiante, do alto superior de nossos olhares habituados a velar a mortalidade, miramos o chão. “Passeio Neoconcreto” trata-se de uma vídeo-instalação composta de uma pequena projeção de aproximadamente 20cm X 20cm (mesmo tamanho do ladrilho), instalada no centro de um conjuntos de ladrilhos 39


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brancos apoiados no piso da galeria. O vídeo apresenta um homem nu, em posição lateral-fetal, encarcerado por aquele espaço menor que ele mesmo, totalmente submerso em água. O homem, cujas possibilidades de movimento são poucas, fica ininterruptamente tateando os limites do cubículo que o cerca. Confiamos na plástica porque há cuidado. A superfície de projeção não é plana e enxergamos a criatura humana, já parte de nós mesmos por piedade, encravada no revestimento. Quase podemos tocá-la, tão frágil diante de nossos olhos gigantes, mas circulamos o conjunto de ladrilhos no chão, impotentes diante do confinamento restrito a que o pequeno ser estava submetido. Não há retorno: estamos embarreirados. Depois do desvario causado pelo contato com a sutileza dessa vídeo-instalação, passeei pelas demais fotografias em flash, rapidamente e sem permanência. Sabia que elas apontavam para a micro-resistência tática da viga, dos musgos sobre as paredes, das ervas daninhas que rompem muros ou mesmo de escadas e buracos abertos que te permitem emergir da cova e respirar. Ainda assim, propagaram turvas para mim, sem me alcançar. 40

Paradoxalmente, recuperei as intrigantes imagens da cidadefantasma submersa d o vídeo “1978”, com cenas de casas e ruas, antes de qualquer submersão, sobrepostas a cenas de água, gerando uma sensação de cidade nas profundezas e vaguei sem anestesia como os amálgamas mal-educados que se espalham pelos ladrilhos da obra “Calçada“. De um relance amalgamado, entrei em confronto com a inocente Janiele, personagem central do vídeo “O mundo de Janiele”, em que aparece com um bambolê, rebolando ao som de uma música próxima à de uma caixinha de música, ouvida em fone particular. O vídeo, diretamente deslocado das demais obras em termos de ambiência e atmosfera, uma vez ali alocado assumiu o contraponto à densidade sufocante do contexto amplo, de forma a apimentar com aquela ingenuidade despreocupada. A roda-viva tem cor-de-rosa e dentre tantos transversos, me perguntei se a pobre menina no futuro será fagocitada pela grande onda ou irá afundar sua canoa, como em “Águas“, por opção ou escolha autônoma. “Água” expõe, em cores estouradas, um homem que nada até uma canoa e lá chegando senta-se enchendo baldes e jogando a água para dentro da canoa até sua completa submersão. Inquieta, cruzei as portas da galeria e devorei o acarajé bahiano ofertado na calçada. Não repercutia agora apenas o tom grave do vídeo inicial, vibrando o corpo, ouvia a caixinha de música de Janiele sobreposta ao chuá de quem tece, balde a balde, o aniquilamento de sua própria forma e aguarda o esvair-se. 41


#7 ensaios

brancos apoiados no piso da galeria. O vídeo apresenta um homem nu, em posição lateral-fetal, encarcerado por aquele espaço menor que ele mesmo, totalmente submerso em água. O homem, cujas possibilidades de movimento são poucas, fica ininterruptamente tateando os limites do cubículo que o cerca. Confiamos na plástica porque há cuidado. A superfície de projeção não é plana e enxergamos a criatura humana, já parte de nós mesmos por piedade, encravada no revestimento. Quase podemos tocá-la, tão frágil diante de nossos olhos gigantes, mas circulamos o conjunto de ladrilhos no chão, impotentes diante do confinamento restrito a que o pequeno ser estava submetido. Não há retorno: estamos embarreirados. Depois do desvario causado pelo contato com a sutileza dessa vídeo-instalação, passeei pelas demais fotografias em flash, rapidamente e sem permanência. Sabia que elas apontavam para a micro-resistência tática da viga, dos musgos sobre as paredes, das ervas daninhas que rompem muros ou mesmo de escadas e buracos abertos que te permitem emergir da cova e respirar. Ainda assim, propagaram turvas para mim, sem me alcançar. 40

Paradoxalmente, recuperei as intrigantes imagens da cidadefantasma submersa d o vídeo “1978”, com cenas de casas e ruas, antes de qualquer submersão, sobrepostas a cenas de água, gerando uma sensação de cidade nas profundezas e vaguei sem anestesia como os amálgamas mal-educados que se espalham pelos ladrilhos da obra “Calçada“. De um relance amalgamado, entrei em confronto com a inocente Janiele, personagem central do vídeo “O mundo de Janiele”, em que aparece com um bambolê, rebolando ao som de uma música próxima à de uma caixinha de música, ouvida em fone particular. O vídeo, diretamente deslocado das demais obras em termos de ambiência e atmosfera, uma vez ali alocado assumiu o contraponto à densidade sufocante do contexto amplo, de forma a apimentar com aquela ingenuidade despreocupada. A roda-viva tem cor-de-rosa e dentre tantos transversos, me perguntei se a pobre menina no futuro será fagocitada pela grande onda ou irá afundar sua canoa, como em “Águas“, por opção ou escolha autônoma. “Água” expõe, em cores estouradas, um homem que nada até uma canoa e lá chegando senta-se enchendo baldes e jogando a água para dentro da canoa até sua completa submersão. Inquieta, cruzei as portas da galeria e devorei o acarajé bahiano ofertado na calçada. Não repercutia agora apenas o tom grave do vídeo inicial, vibrando o corpo, ouvia a caixinha de música de Janiele sobreposta ao chuá de quem tece, balde a balde, o aniquilamento de sua própria forma e aguarda o esvair-se. 41


#7

Eu não poderia sair impune. Já esgotada pela luta doce, voltei para casa admirando o preparo cauteloso e cuidadoso com que foi feita a exposição. Em si, já era a própria micro-resistência ao sistema de produção. Sem exageros, utilizou-se de técnicas e suportes mistos garantindo humildemente e sem redundâncias a construção de uma complexidade poética, pluridimensionada. Seja sobre a areia ou as águas, por entre e debaixo dela, no interior do ladrilho, por entre o rejunte, no teto ou ruína, a submersão chegará e uma vez não sendo mais vítimas impunes, que encontremos ao menos sua sub-versão transversal. Ainda resisto em considerar o elemento da memória passada como sendo primordial na percepção das obras, porque não é resgate ou lembrança, é fato, seco e nostálgico como viver o presente e ao mesmo tempo contemplativo na promessa discreta de mudança. Então, desconhecendo a trajetória de Caetano Dias enquanto artista e pessoa, prefiro assim permanecer: tomada pela experiência viva do agora e inclinada a agradecer o golpe de rasteira.

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#7

Eu não poderia sair impune. Já esgotada pela luta doce, voltei para casa admirando o preparo cauteloso e cuidadoso com que foi feita a exposição. Em si, já era a própria micro-resistência ao sistema de produção. Sem exageros, utilizou-se de técnicas e suportes mistos garantindo humildemente e sem redundâncias a construção de uma complexidade poética, pluridimensionada. Seja sobre a areia ou as águas, por entre e debaixo dela, no interior do ladrilho, por entre o rejunte, no teto ou ruína, a submersão chegará e uma vez não sendo mais vítimas impunes, que encontremos ao menos sua sub-versão transversal. Ainda resisto em considerar o elemento da memória passada como sendo primordial na percepção das obras, porque não é resgate ou lembrança, é fato, seco e nostálgico como viver o presente e ao mesmo tempo contemplativo na promessa discreta de mudança. Então, desconhecendo a trajetória de Caetano Dias enquanto artista e pessoa, prefiro assim permanecer: tomada pela experiência viva do agora e inclinada a agradecer o golpe de rasteira.

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ensaios

“Para Panorama Crítico, Alexandre e Denis, Resolvemos fazer o texto para o Panorama como um exercício entre nós, organizadores do Meio. Fizemos então dois textos – um cada sem que um soubesse o que o outro escrevia. Enviamos aqui o resultado para a publicação de vocês. Abraço, Daniele e Marcos (autores/organizadores do Meio).”

O Projeto Meio Marcos Sari

E

m 2003 num desses encontros de artistas, no Café Coletânea, em Porto Alegre eu mais Daniele Marx então minha contemporânea e amiga do Instituto de Artes decidimos fazer algo em conjunto. Desejávamos fazer uma espécie de publicação informal que gostaríamos que fosse toda preenchida por artistas. Assim, a partir dali, depois das decisões que formata- Edições do meio participaram recentemente do projeto Art Pie Book Stand durante o ram o Projeto Meio, temos evento Kunstvlaai, Amsterdã, Holanda (2010). 45


ensaios

“Para Panorama Crítico, Alexandre e Denis, Resolvemos fazer o texto para o Panorama como um exercício entre nós, organizadores do Meio. Fizemos então dois textos – um cada sem que um soubesse o que o outro escrevia. Enviamos aqui o resultado para a publicação de vocês. Abraço, Daniele e Marcos (autores/organizadores do Meio).”

O Projeto Meio Marcos Sari

E

m 2003 num desses encontros de artistas, no Café Coletânea, em Porto Alegre eu mais Daniele Marx então minha contemporânea e amiga do Instituto de Artes decidimos fazer algo em conjunto. Desejávamos fazer uma espécie de publicação informal que gostaríamos que fosse toda preenchida por artistas. Assim, a partir dali, depois das decisões que formata- Edições do meio participaram recentemente do projeto Art Pie Book Stand durante o ram o Projeto Meio, temos evento Kunstvlaai, Amsterdã, Holanda (2010). 45


#7 ensaios

trabalhado em coletivo no sentido de estender esta conversa. Hoje o Meio conta com a colaboração de mais de oitenta artistas. Nessas dez edições desta espécie de fanzine de arte contemporânea produzidas até aqui, os artistas colaboradores foram convidados a fazer uma intervenção em meia página A4. Depois disso, reunimos este material e o colocamos em ordem alfabética para cada edição do Meio. Tenho pensado que este projeto é uma forma de buscar um diálogo e torná-lo público. E, claro, reunindo o pensamento dos artistas materializados nas proposições de meia página. Simples assim: mas o projeto vem ganhando corpo... Crescendo e tendo desdobramentos. Tanto é assim que este ano publicaremos o primeiro exemplar de grande tiragem do Meio com distribuição nacional e também no exterior. Isso graças a termos inscrito o projeto Meio (volume I) no edital da Funarte denominado Conexão Artes visuais e termos sido contemplados. Quero aqui, como metade do início do Meio, agradecer a todos os artistas que apostaram no projeto e aderiram a esta ideia simples e direta. Autodenominei-me “metade do início” visto que o Meio cresceu e hoje ele é feito de muita gente. E segue agregando... Além disso, a outra metade do início vive desde 2004 na Europa e assim sendo o Meio serve também como uma ligação entre Porto Alegre e Amsterdam. Também serve o Meio para que se façam muitas outras ligações a partir das meias 46

páginas elaboradas por cada um dos artistas. E assim vamos seguindo com esta invenção que nos move. METADE DO INÍCIO DO MEIO EM MOVIMENTO Porto Alegre, junho de 2010.

(Con)Temporary Art Space, Festival Version 10. Chicago, E.U.A. (maio 2010)

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#7 ensaios

trabalhado em coletivo no sentido de estender esta conversa. Hoje o Meio conta com a colaboração de mais de oitenta artistas. Nessas dez edições desta espécie de fanzine de arte contemporânea produzidas até aqui, os artistas colaboradores foram convidados a fazer uma intervenção em meia página A4. Depois disso, reunimos este material e o colocamos em ordem alfabética para cada edição do Meio. Tenho pensado que este projeto é uma forma de buscar um diálogo e torná-lo público. E, claro, reunindo o pensamento dos artistas materializados nas proposições de meia página. Simples assim: mas o projeto vem ganhando corpo... Crescendo e tendo desdobramentos. Tanto é assim que este ano publicaremos o primeiro exemplar de grande tiragem do Meio com distribuição nacional e também no exterior. Isso graças a termos inscrito o projeto Meio (volume I) no edital da Funarte denominado Conexão Artes visuais e termos sido contemplados. Quero aqui, como metade do início do Meio, agradecer a todos os artistas que apostaram no projeto e aderiram a esta ideia simples e direta. Autodenominei-me “metade do início” visto que o Meio cresceu e hoje ele é feito de muita gente. E segue agregando... Além disso, a outra metade do início vive desde 2004 na Europa e assim sendo o Meio serve também como uma ligação entre Porto Alegre e Amsterdam. Também serve o Meio para que se façam muitas outras ligações a partir das meias 46

páginas elaboradas por cada um dos artistas. E assim vamos seguindo com esta invenção que nos move. METADE DO INÍCIO DO MEIO EM MOVIMENTO Porto Alegre, junho de 2010.

(Con)Temporary Art Space, Festival Version 10. Chicago, E.U.A. (maio 2010)

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#7 ensaios

Meio a distância Daniele Marx

L

embro-me vagamente daquele dia em que marcamos uma conversa em um café do bairro Bom Fim. Foi Marcos que me propôs fazermos algo na qual também pudessemos envolver outros artistas. Naquela ocasião eu estava justamente me desvinculado do estúdio de arquitetura¹ do qual fazia parte, eramos onze sócios. Então sem ter muito claro o que seria o Meio aceitei a proposta. Ainda sem nome, decidimos que faríamos alguma coisa que pudesse ser traduzida sob formato de impresso, desdobrando assim convites à participação temporária de outros artistas a qual nos possibilitaria também alargar nossa função de artista-artista². Deste modo estabelecemos alguns critérios práticos, tais como: o formato meio A4, a fotocópia preto e branco e o convite de início a dez artistas para cada edição. Trabalharíamos, naquele caixa-meio e exemplares momento, sem patrocínio e sem

48

a intenção de um benefício econômico. O convite aos artistas colaboradores prezou sempre por uma informalidade e contribuição voluntária. O Meio passou a ser publicado a partir de 2003, nos meses de Setembro, Outubro e Novembro. Já as seguintes edições foram publicadas irregularmente, pois decidimos que deveríamos realizar o projeto ao nosso próprio ritmo, dentro das condições ajustadas a nossas circunstâncias cotidianas. Assim as tiragens também variavam entre 60, 100 e 200 exemplares. Sempre tivemos a clara idéia de que a nossa intenção com o Meio nunca seria fazer disso uma revista de arte, então para localizar o projeto, passamos a explicar que o Meio tratava-se de “uma espécie de fanzine”³ . Por mais que o termo “fanzine” sempre venha associado a uma revista editada por um fã (em inglês seria fanatic magazine, dai o termo fanzine), no Brasil esse termo refere-se também a toda produção de impressos independentes de caráter experimental. Em Abril de 2004 anunciei ao Marcos que viveria em Barcelona e que eu esperava que este distanciamento não inviabilizasse a continuidade do Meio. Sem empecilho Marcos concordou prontamente, e mesmo de longe seguimos tocando o projeto. 49


#7 ensaios

Meio a distância Daniele Marx

L

embro-me vagamente daquele dia em que marcamos uma conversa em um café do bairro Bom Fim. Foi Marcos que me propôs fazermos algo na qual também pudessemos envolver outros artistas. Naquela ocasião eu estava justamente me desvinculado do estúdio de arquitetura¹ do qual fazia parte, eramos onze sócios. Então sem ter muito claro o que seria o Meio aceitei a proposta. Ainda sem nome, decidimos que faríamos alguma coisa que pudesse ser traduzida sob formato de impresso, desdobrando assim convites à participação temporária de outros artistas a qual nos possibilitaria também alargar nossa função de artista-artista². Deste modo estabelecemos alguns critérios práticos, tais como: o formato meio A4, a fotocópia preto e branco e o convite de início a dez artistas para cada edição. Trabalharíamos, naquele caixa-meio e exemplares momento, sem patrocínio e sem

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a intenção de um benefício econômico. O convite aos artistas colaboradores prezou sempre por uma informalidade e contribuição voluntária. O Meio passou a ser publicado a partir de 2003, nos meses de Setembro, Outubro e Novembro. Já as seguintes edições foram publicadas irregularmente, pois decidimos que deveríamos realizar o projeto ao nosso próprio ritmo, dentro das condições ajustadas a nossas circunstâncias cotidianas. Assim as tiragens também variavam entre 60, 100 e 200 exemplares. Sempre tivemos a clara idéia de que a nossa intenção com o Meio nunca seria fazer disso uma revista de arte, então para localizar o projeto, passamos a explicar que o Meio tratava-se de “uma espécie de fanzine”³ . Por mais que o termo “fanzine” sempre venha associado a uma revista editada por um fã (em inglês seria fanatic magazine, dai o termo fanzine), no Brasil esse termo refere-se também a toda produção de impressos independentes de caráter experimental. Em Abril de 2004 anunciei ao Marcos que viveria em Barcelona e que eu esperava que este distanciamento não inviabilizasse a continuidade do Meio. Sem empecilho Marcos concordou prontamente, e mesmo de longe seguimos tocando o projeto. 49


#7 ensaios

Somente hoje, juntando partes da memória e dos documentos guardados é que me dou conta que a maior parte da existência do Meio foi realizada a distância! Acredito que este intervalo também nutriu e direcionou o projeto. Por um lado passamos a lidar com um descomprometimento saudável e por outro com um acordo responsável. Para mim, particularmente, o Meio passou a ser uma forma de manter-me conectada ao Brasil, sem deixar de estender o convite à participação aos artistas aos quais fui conhecendo em diferentes ocasiões neste período de residência na Europa. Já tínhamos acertado que depois da décima edição do Meio um novo desdobramento para o projeto seria mais que necessário. Então com uma saudade profunda do Brasil, encerrando uma serie de etapas dessa vivência no exterior, encorajei Marcos a entrarmos no edital Conexão Artes Visuais da Funarte. A resposta positiva só veio concretizar nossa vontade! Hoje estamos reabrindo os arquivos do Meio, restabelecendo o contato com mais de oitenta artistas colaboradores e repensando o projeto como um todo. O intervalo que existia no desenvolvimento do Meio vai acercar-se, então escreveremos em um só texto . Daniele Marx Amsterdã, Junho de 2010.

50

Notas ¹Studio11, Escritório de Arquitetura e Design. Trabalhei como sócia e arquiteta fundadora entre 2000-2003. Porto Alegre/RS, Brasil. ²Artista-artista termo ao artista que se dedica apenas ao trabalho pessoal de produção de arte. Esta expressão foi utilizada pelo artista Ricardo Basbaum no texto I Love Artist-etc. The Next Documents should be Curated by an Artist. www.eflux.com. Ricardo Basbaum nomeia artista-etc para o artista contemporâneo em condições de assumir outras funções e posições no sistema artístico e cultural que não se referem apenas ao trabalho de produção, neste caso o “artista-artista”. O artista-etc apresenta uma capacidade multifuncional. Esta posição inclui curadoria, escrita, revisão crítica e ensino, explorada pelo próprio artista. Fazendo desta pluralidade de atividades extensões do seu exercício artístico. ³Referente à nota publicada na Revista Aplauso. Ano8, 2005 pg.13 e Contracapa do Segundo Caderno Zero Hora 11/08/2005.

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#7 ensaios

Somente hoje, juntando partes da memória e dos documentos guardados é que me dou conta que a maior parte da existência do Meio foi realizada a distância! Acredito que este intervalo também nutriu e direcionou o projeto. Por um lado passamos a lidar com um descomprometimento saudável e por outro com um acordo responsável. Para mim, particularmente, o Meio passou a ser uma forma de manter-me conectada ao Brasil, sem deixar de estender o convite à participação aos artistas aos quais fui conhecendo em diferentes ocasiões neste período de residência na Europa. Já tínhamos acertado que depois da décima edição do Meio um novo desdobramento para o projeto seria mais que necessário. Então com uma saudade profunda do Brasil, encerrando uma serie de etapas dessa vivência no exterior, encorajei Marcos a entrarmos no edital Conexão Artes Visuais da Funarte. A resposta positiva só veio concretizar nossa vontade! Hoje estamos reabrindo os arquivos do Meio, restabelecendo o contato com mais de oitenta artistas colaboradores e repensando o projeto como um todo. O intervalo que existia no desenvolvimento do Meio vai acercar-se, então escreveremos em um só texto . Daniele Marx Amsterdã, Junho de 2010.

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Notas ¹Studio11, Escritório de Arquitetura e Design. Trabalhei como sócia e arquiteta fundadora entre 2000-2003. Porto Alegre/RS, Brasil. ²Artista-artista termo ao artista que se dedica apenas ao trabalho pessoal de produção de arte. Esta expressão foi utilizada pelo artista Ricardo Basbaum no texto I Love Artist-etc. The Next Documents should be Curated by an Artist. www.eflux.com. Ricardo Basbaum nomeia artista-etc para o artista contemporâneo em condições de assumir outras funções e posições no sistema artístico e cultural que não se referem apenas ao trabalho de produção, neste caso o “artista-artista”. O artista-etc apresenta uma capacidade multifuncional. Esta posição inclui curadoria, escrita, revisão crítica e ensino, explorada pelo próprio artista. Fazendo desta pluralidade de atividades extensões do seu exercício artístico. ³Referente à nota publicada na Revista Aplauso. Ano8, 2005 pg.13 e Contracapa do Segundo Caderno Zero Hora 11/08/2005.

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ensaios

PINO Laila Terra

Maria Antonia, Junho de 2009.

A

o passar na frente de uma porta de vidro, escondida no fundo da sala do primeiro piso do espaço expositivo Maria Antonia em São Paulo, na abertura de uma exposição de jovens artistas, se vê, sem iluminação ou importância, um adesivo escrito ONIP (PINO) [fig. 1], entre listras transparentes foscas. Parece um reflexo na água, ilegível, invertido, feito para ser lido do outro lado da porta. O adesivo é uma obra da dupla de jovens artistas plásticos paulistanos (PINO – Francisco Togni e Antonio Ewbank). Será que a obra é uma intervenção no espaço com um pouquinho de provocação dada? Uma confusão espacial do que é dentro e do que é fora? Ou então uma alegoria sobre a articulação ente a arte e a vida? A porta e o adesivo são objetos concretos, reais, mas e a PINO? A mensagem turva, cinza, só pode ser revelada nos interiores da galeria a qual não pertence ao espaço da arte. O espaço expositivo não pode revelar a obra. A palavra retira-se para um lugar e ali fica suspensa com uma voz congelada, esperando ser lida e revelada. 53


ensaios

PINO Laila Terra

Maria Antonia, Junho de 2009.

A

o passar na frente de uma porta de vidro, escondida no fundo da sala do primeiro piso do espaço expositivo Maria Antonia em São Paulo, na abertura de uma exposição de jovens artistas, se vê, sem iluminação ou importância, um adesivo escrito ONIP (PINO) [fig. 1], entre listras transparentes foscas. Parece um reflexo na água, ilegível, invertido, feito para ser lido do outro lado da porta. O adesivo é uma obra da dupla de jovens artistas plásticos paulistanos (PINO – Francisco Togni e Antonio Ewbank). Será que a obra é uma intervenção no espaço com um pouquinho de provocação dada? Uma confusão espacial do que é dentro e do que é fora? Ou então uma alegoria sobre a articulação ente a arte e a vida? A porta e o adesivo são objetos concretos, reais, mas e a PINO? A mensagem turva, cinza, só pode ser revelada nos interiores da galeria a qual não pertence ao espaço da arte. O espaço expositivo não pode revelar a obra. A palavra retira-se para um lugar e ali fica suspensa com uma voz congelada, esperando ser lida e revelada. 53


#7 ensaios

Na mesma sala se vê um objeto na altura das canelas, desajeitado e nada propício. Os pés são de troncos secos, sem tratamento ou preocupação. Parece uma mesa, mas com um formato de um quarto de circulo, lembrando mostruários de tinta abertos nas lojas de construção. O quarto de circulo está dividido em compensados coloridos: laranja, amarelo, preto e rosa, que lembram os tapumes montaFigura 1 dos para esconder as obras, mas com cores distintas das quais as madeireiras produzem. A pintura é um tanto precária e manual. Tive a sorte na segunda vez que fui visitar a exposição em deparar com uma monitoria para jovens do ensino médio, feita pela própria instituição Maria Antônia. Pude ver quais eram as primeiras percepções do publico diante desses trabalhos artísticos e entender melhor minha análise sobre a Pino. O que me interessou neste encontro foi a fala da monitora, mais do que as impressões dos alunos. A moça, não muito jovem na verdade, guiou os estudantes a uma obra específica, sem dar atenção a duas outras obras anteriores do grupo lá expostas. 54

Em volta das duas colunas no centro da sala, foram montados, em dois espaços contidos, de tamanhos iguais no chão, mas com padrões diferentes, tacos de madeira iguais aqueles que são encontrados comumente nas casas e nos apartamentos. Apesar dos objetos pertencerem à vida comum, o olhar é incomodado por um espaço um tanto incomum. Por mais que sejam identificados como tacos, existe algo de errado neles. Um dos espaços contém esses tacos marrons com detalhes do veio da madeira em verde. Estranhamente, os veios são idênticos em todas as peças. No outro espaço contido, a cor dos tacos são perfeitamente o inverso do primeiro grupo, mudando apenas o padrão de montagem. [fig.2] O que lembra esta obra? Perguntou a monitora aos alunos. Um jovem respondeu: chão de tacos, iguais ao chão da casa da minha tia. Outro rapaz questiona: Por que isto é arte? Ironizando, solta uma folha de papel sobre a obra e diz: Isto é arte. A monitora repete a pergunta do jovem Figura 2 aos outros alunos: por que estes tacos, que se parecem com os das casas de suas tias, são arte? E continua: da mesma forma que eu mostrei a vocês as obras do começo do século XX, em 55


#7 ensaios

Na mesma sala se vê um objeto na altura das canelas, desajeitado e nada propício. Os pés são de troncos secos, sem tratamento ou preocupação. Parece uma mesa, mas com um formato de um quarto de circulo, lembrando mostruários de tinta abertos nas lojas de construção. O quarto de circulo está dividido em compensados coloridos: laranja, amarelo, preto e rosa, que lembram os tapumes montaFigura 1 dos para esconder as obras, mas com cores distintas das quais as madeireiras produzem. A pintura é um tanto precária e manual. Tive a sorte na segunda vez que fui visitar a exposição em deparar com uma monitoria para jovens do ensino médio, feita pela própria instituição Maria Antônia. Pude ver quais eram as primeiras percepções do publico diante desses trabalhos artísticos e entender melhor minha análise sobre a Pino. O que me interessou neste encontro foi a fala da monitora, mais do que as impressões dos alunos. A moça, não muito jovem na verdade, guiou os estudantes a uma obra específica, sem dar atenção a duas outras obras anteriores do grupo lá expostas. 54

Em volta das duas colunas no centro da sala, foram montados, em dois espaços contidos, de tamanhos iguais no chão, mas com padrões diferentes, tacos de madeira iguais aqueles que são encontrados comumente nas casas e nos apartamentos. Apesar dos objetos pertencerem à vida comum, o olhar é incomodado por um espaço um tanto incomum. Por mais que sejam identificados como tacos, existe algo de errado neles. Um dos espaços contém esses tacos marrons com detalhes do veio da madeira em verde. Estranhamente, os veios são idênticos em todas as peças. No outro espaço contido, a cor dos tacos são perfeitamente o inverso do primeiro grupo, mudando apenas o padrão de montagem. [fig.2] O que lembra esta obra? Perguntou a monitora aos alunos. Um jovem respondeu: chão de tacos, iguais ao chão da casa da minha tia. Outro rapaz questiona: Por que isto é arte? Ironizando, solta uma folha de papel sobre a obra e diz: Isto é arte. A monitora repete a pergunta do jovem Figura 2 aos outros alunos: por que estes tacos, que se parecem com os das casas de suas tias, são arte? E continua: da mesma forma que eu mostrei a vocês as obras do começo do século XX, em 55


#7 ensaios

que os objetos são retirados dos espaços comuns e aplicados a arte estes tacos também. Não sei se esta resposta foi o suficiente. Provavelmente muitos continuaram com interrogações sobre os lugares comuns e não comuns dos objetos e da arte. Na verdade a monitora em propor a pergunta, sabendo que caberia a ela responder, foi extremamente corajosa, pois essa é uma das principais dúvidas da arte após os movimentos modernos e a crise das técnicas. O filósofo americano Arthur. C. Danton dedica todo um livro para conseguir entender os deslocamentos dos lugares comuns ao mundo da arte. Continuando sua lógica argumentativa, a monitora resolve a equação que parecia se formar sobre o trabalho: isto é uma intervenção no espaço. Os artistas propuseram um trabalho específico para esta galeria. Uma obra efêmera que só irá existir aqui. Mas por que tacos? Eu pergunto para mim mesma, diante do argumento da monitora. E ela responde como se tivesse lido minha mente. Os artistas pensaram na idéia do piso sobre o piso. Um chão de tacos sobre o próprio chão da galeria. Pode pisar? Uma jovem perguntou. A monitora entusiasmada em poder responder rebateu a pergunta aos estudantes. Por que não pode pisar no trabalho? Os alunos tímidos não responderam, apesar das piadinhas cochichadas. 56

Os tacos são de papelão. É um falso chão sobre o chão. Respondeu a monitora. Não sei se devo fazer uma crítica ruim sobre a monitoria ou sobre a instituição de arte que ela representa. Sei que o assunto sobre o ensino de arte, tanto nas escolas quantos nos espaços culturais é muito mais complexo do que eu poderia abordar neste ensaio. Meu objetivo com a descrição do trabalho da monitora é levantar um contraponto argumentativo. Algumas questões sobre a obra deveriam ter sido consideradas antes de ser apresentada qualquer resolução sobre o trabalho. Assim, os jovens estudantes teriam a possibilidade de problematizar por conta própria os trabalhos contemporâneos, rebatendo o senso comum que lhes é dado. Um ponto importante neste encontro com a escola foi o percurso proposto pela monitora. Para um público que não contem informações sobre o grupo de artistas, ou obras anteriores dele, a exposição pode cair facilmente dentro de uma análise genérica baseada nos padrões perceptivos da arte contemporânea. Mas os três trabalhos expostos juntos dão dicas ao observador para desvendar as estranhezas dos objetos. Por que então a monitora escolheu não dar atenção às outras obras expostas da Pino? Nos últimos anos, a quantidade de livros de arte aumentou significativamente. Jornais e editoras começaram a lançar coleções de baixo custo, atingindo assim toda a população. Em conjunto com os livros, a difusão dos espaços e programas cul57


#7 ensaios

que os objetos são retirados dos espaços comuns e aplicados a arte estes tacos também. Não sei se esta resposta foi o suficiente. Provavelmente muitos continuaram com interrogações sobre os lugares comuns e não comuns dos objetos e da arte. Na verdade a monitora em propor a pergunta, sabendo que caberia a ela responder, foi extremamente corajosa, pois essa é uma das principais dúvidas da arte após os movimentos modernos e a crise das técnicas. O filósofo americano Arthur. C. Danton dedica todo um livro para conseguir entender os deslocamentos dos lugares comuns ao mundo da arte. Continuando sua lógica argumentativa, a monitora resolve a equação que parecia se formar sobre o trabalho: isto é uma intervenção no espaço. Os artistas propuseram um trabalho específico para esta galeria. Uma obra efêmera que só irá existir aqui. Mas por que tacos? Eu pergunto para mim mesma, diante do argumento da monitora. E ela responde como se tivesse lido minha mente. Os artistas pensaram na idéia do piso sobre o piso. Um chão de tacos sobre o próprio chão da galeria. Pode pisar? Uma jovem perguntou. A monitora entusiasmada em poder responder rebateu a pergunta aos estudantes. Por que não pode pisar no trabalho? Os alunos tímidos não responderam, apesar das piadinhas cochichadas. 56

Os tacos são de papelão. É um falso chão sobre o chão. Respondeu a monitora. Não sei se devo fazer uma crítica ruim sobre a monitoria ou sobre a instituição de arte que ela representa. Sei que o assunto sobre o ensino de arte, tanto nas escolas quantos nos espaços culturais é muito mais complexo do que eu poderia abordar neste ensaio. Meu objetivo com a descrição do trabalho da monitora é levantar um contraponto argumentativo. Algumas questões sobre a obra deveriam ter sido consideradas antes de ser apresentada qualquer resolução sobre o trabalho. Assim, os jovens estudantes teriam a possibilidade de problematizar por conta própria os trabalhos contemporâneos, rebatendo o senso comum que lhes é dado. Um ponto importante neste encontro com a escola foi o percurso proposto pela monitora. Para um público que não contem informações sobre o grupo de artistas, ou obras anteriores dele, a exposição pode cair facilmente dentro de uma análise genérica baseada nos padrões perceptivos da arte contemporânea. Mas os três trabalhos expostos juntos dão dicas ao observador para desvendar as estranhezas dos objetos. Por que então a monitora escolheu não dar atenção às outras obras expostas da Pino? Nos últimos anos, a quantidade de livros de arte aumentou significativamente. Jornais e editoras começaram a lançar coleções de baixo custo, atingindo assim toda a população. Em conjunto com os livros, a difusão dos espaços e programas cul57


#7 ensaios

turais cresceu em novos segmentos da sociedade. “Se o publico real das pinturas e das esculturas ainda é lamentavelmente pequeno, o publico potencial da arte, ou, pelo menos da idéia de arte, inclui nada menos do que a humanidade inteira (...)”¹. Segundo Rosenberg, a arte presente nos livros de arte aparece em um contexto de conhecimento. A arte se tornou parte da “linguagem”. Assumiu uma forma narrativa em prol das análises propostas pela nova classe de pesquisadores: historiadores, psiquiatras, antropólogos e críticos. Aparentemente a estrutura do livro de arte, em que o leitor não vê somente, mas também se situa, está dominando as estruturas expositivas contemporâneas. Nenhuma exposição hoje de arte está completa se não tiver um catálogo, entrevistas com os artistas e resumos das obras. As exposições assumem cada vez mais o caráter de livro de arte. O diretor do museu assume um duplo papel, escritor/historiador. Os espaços de arte reais se tornaram um museu imaginário dos livros de bolso. As obras funcionam como ilustrações para os argumentos dos críticos. E os monitores hoje são apenas óculos para os olhos do publico, que tem como objetivo na visitação uma leitura destas obras/textos. Um bom exemplo sobre as exposições com temáticas de livros de arte foi a exposição “Matisse hoje”, realizada na Pinacoteca de São Paulo em 2009. Fazendo parte do programa de relações políticas e culturais “o ano da França no Brasil”, a exposição propunha dialogar as obras do artista francês Henri 58

Matisse com pinturas de jovens artistas franceses e brasileiros. Nos três salões principais da Pinacoteca, estavam dispostas de um lado da parede as obras de Matisse e do outro lado as pinturas contemporâneas, como se as paredes do museu fossem páginas duplas de um livro de arte, uma ampliação de sua própria reprodução. Quando esta “exposição-como-livro-dearte” acabar, as imagens no catálogo subsistirão como representações permanentes das obras expostas². O impresso se tornará então, enfeite nas casas burguesas paulistanas, como os famosos coffe table books. Portanto, o corte de caminho, a seleção a dedo da monitora da Maria Antonia sobre as obras expostas, seguiu um percurso argumentativo construído antecipadamente, a intervenção no espaço. Esse olhar proposto pulou alguns processos na percepção da obra, e acabou caindo dentro de certos padrões perceptivos. Criou na monitoria uma expectativa sobre a arte contemporânea, um padrão genérico do olhar. Todavia o observando com mais cuidado a obra, podemos nos perguntar: a configuração que o trabalho propõe realmente é de intervenção do espaço? Se a proposta do grupo foi, como a monitora disse, uma intervenção no espaço, propondo o chão sobre chão, podemos deduzir que a obra acaba absorvendo um tempo efêmero, devido ao fato de ter sido concebida a partir de um projeto feito especificamente para o espaço e, assim que acabar a exposição, não haverá mais obra. Por que o grupo teve então a 59


#7 ensaios

turais cresceu em novos segmentos da sociedade. “Se o publico real das pinturas e das esculturas ainda é lamentavelmente pequeno, o publico potencial da arte, ou, pelo menos da idéia de arte, inclui nada menos do que a humanidade inteira (...)”¹. Segundo Rosenberg, a arte presente nos livros de arte aparece em um contexto de conhecimento. A arte se tornou parte da “linguagem”. Assumiu uma forma narrativa em prol das análises propostas pela nova classe de pesquisadores: historiadores, psiquiatras, antropólogos e críticos. Aparentemente a estrutura do livro de arte, em que o leitor não vê somente, mas também se situa, está dominando as estruturas expositivas contemporâneas. Nenhuma exposição hoje de arte está completa se não tiver um catálogo, entrevistas com os artistas e resumos das obras. As exposições assumem cada vez mais o caráter de livro de arte. O diretor do museu assume um duplo papel, escritor/historiador. Os espaços de arte reais se tornaram um museu imaginário dos livros de bolso. As obras funcionam como ilustrações para os argumentos dos críticos. E os monitores hoje são apenas óculos para os olhos do publico, que tem como objetivo na visitação uma leitura destas obras/textos. Um bom exemplo sobre as exposições com temáticas de livros de arte foi a exposição “Matisse hoje”, realizada na Pinacoteca de São Paulo em 2009. Fazendo parte do programa de relações políticas e culturais “o ano da França no Brasil”, a exposição propunha dialogar as obras do artista francês Henri 58

Matisse com pinturas de jovens artistas franceses e brasileiros. Nos três salões principais da Pinacoteca, estavam dispostas de um lado da parede as obras de Matisse e do outro lado as pinturas contemporâneas, como se as paredes do museu fossem páginas duplas de um livro de arte, uma ampliação de sua própria reprodução. Quando esta “exposição-como-livro-dearte” acabar, as imagens no catálogo subsistirão como representações permanentes das obras expostas². O impresso se tornará então, enfeite nas casas burguesas paulistanas, como os famosos coffe table books. Portanto, o corte de caminho, a seleção a dedo da monitora da Maria Antonia sobre as obras expostas, seguiu um percurso argumentativo construído antecipadamente, a intervenção no espaço. Esse olhar proposto pulou alguns processos na percepção da obra, e acabou caindo dentro de certos padrões perceptivos. Criou na monitoria uma expectativa sobre a arte contemporânea, um padrão genérico do olhar. Todavia o observando com mais cuidado a obra, podemos nos perguntar: a configuração que o trabalho propõe realmente é de intervenção do espaço? Se a proposta do grupo foi, como a monitora disse, uma intervenção no espaço, propondo o chão sobre chão, podemos deduzir que a obra acaba absorvendo um tempo efêmero, devido ao fato de ter sido concebida a partir de um projeto feito especificamente para o espaço e, assim que acabar a exposição, não haverá mais obra. Por que o grupo teve então a 59


#7 ensaios

preocupação de montar os tacos em dois espaços delimitados? Por que montar dois padrões de tacos sobre um chão branco de mármore? Qual é o dialogo entre os materiais dos chãos (mármore e tacos de madeira)? Por que toda preocupação estética dos padrões da madeira feita em serigrafia e a delicadeza técnica do trabalho? E se o grupo propõe uma ação sobre o chão da galeria, um diálogo direto entre o espaço e o meio (o publico), por que fazer tacos de papelão que não podem ser usados para caminhar (apesar de que alguns despercebidos acabaram caminhando sobre eles)? Os dois conjuntos de tacos estão organizados em volta das colunas do espaço, portanto o grupo levou em consideração a arquitetura do lugar para montar a obra, propondo um dialogo direto entre o trabalho e o espaço. Mas este diálogo configura uma intervenção? Não existem regras propriamente para as intervenções no espaço. Elas podem tanto ocorrer nos interiores das instituições de arte quanto em ambientes públicos. Podem propor interações do publico, inserções nas paisagens, ocupações em edifícios, ou atos performáticos. Podem ser projeções, ações corpóreas, panfletos ou cartazes. Mas tomando o significado da palavra intervenção, como ação sobre algo, a relação entre a obra e o meio proposto no trabalho da Pino não gera uma ação imediata sobre determinado tempo e lugar. Um detalhe extremamente importante do trabalho, que foi ignorado pela monitora, é o fato de que os tacos não ocupam 60

todo o chão do espaço expositivo. Eles estão muito bem dispostos em dois quadrados iguais, organizados cada um dentro de uma caixa de sarrafo. Essa é estranheza (ambigüidade) do trabalho. O grupo constrói um espaço delimitado para os tacos. A intervenção no espaço que poderia surgir é rapidamente podada pela caixa de contenção. Um chão que poderia se estender rapidamente pelo espaço, propondo então a intervenção, está contido em uma embalagem. Toda a efemeridade proposta pela monitora, de um chão potencialmente desenvolvido para aquele espaço somente, foi limitado, travado, parado. Os tacos serão vendidos a metro quadrado no site da Pino. O tempo passageiro é desacelerado para um tempo longo dos produtos encaixotados nos estoques dos grandes supermercados. Retomando o começo da conversa entre a monitora e os jovens, a resposta do primeiro aluno em relação aos tacos, incluindo-os na sua vida diária, foi na verdade muito perspicaz. Os objetos desenvolvidos pelo grupo são todos lugares comuns do nosso entorno. Na verdade posso discutir em conjunto a este primeiro ponto os outros dois seguintes: os temas da Pino explicitam que seus objetos são feitos pelo o homem e eles possuem uma forma estrutural não alterada, de uso ou de matéria. As obras da Pino não são despretensiosas, mas comuns. São feitas de materiais como papelão, compensado, adesivo e etiquetas, parafuso, isopor e materiais de construção. A conversa 61


#7 ensaios

preocupação de montar os tacos em dois espaços delimitados? Por que montar dois padrões de tacos sobre um chão branco de mármore? Qual é o dialogo entre os materiais dos chãos (mármore e tacos de madeira)? Por que toda preocupação estética dos padrões da madeira feita em serigrafia e a delicadeza técnica do trabalho? E se o grupo propõe uma ação sobre o chão da galeria, um diálogo direto entre o espaço e o meio (o publico), por que fazer tacos de papelão que não podem ser usados para caminhar (apesar de que alguns despercebidos acabaram caminhando sobre eles)? Os dois conjuntos de tacos estão organizados em volta das colunas do espaço, portanto o grupo levou em consideração a arquitetura do lugar para montar a obra, propondo um dialogo direto entre o trabalho e o espaço. Mas este diálogo configura uma intervenção? Não existem regras propriamente para as intervenções no espaço. Elas podem tanto ocorrer nos interiores das instituições de arte quanto em ambientes públicos. Podem propor interações do publico, inserções nas paisagens, ocupações em edifícios, ou atos performáticos. Podem ser projeções, ações corpóreas, panfletos ou cartazes. Mas tomando o significado da palavra intervenção, como ação sobre algo, a relação entre a obra e o meio proposto no trabalho da Pino não gera uma ação imediata sobre determinado tempo e lugar. Um detalhe extremamente importante do trabalho, que foi ignorado pela monitora, é o fato de que os tacos não ocupam 60

todo o chão do espaço expositivo. Eles estão muito bem dispostos em dois quadrados iguais, organizados cada um dentro de uma caixa de sarrafo. Essa é estranheza (ambigüidade) do trabalho. O grupo constrói um espaço delimitado para os tacos. A intervenção no espaço que poderia surgir é rapidamente podada pela caixa de contenção. Um chão que poderia se estender rapidamente pelo espaço, propondo então a intervenção, está contido em uma embalagem. Toda a efemeridade proposta pela monitora, de um chão potencialmente desenvolvido para aquele espaço somente, foi limitado, travado, parado. Os tacos serão vendidos a metro quadrado no site da Pino. O tempo passageiro é desacelerado para um tempo longo dos produtos encaixotados nos estoques dos grandes supermercados. Retomando o começo da conversa entre a monitora e os jovens, a resposta do primeiro aluno em relação aos tacos, incluindo-os na sua vida diária, foi na verdade muito perspicaz. Os objetos desenvolvidos pelo grupo são todos lugares comuns do nosso entorno. Na verdade posso discutir em conjunto a este primeiro ponto os outros dois seguintes: os temas da Pino explicitam que seus objetos são feitos pelo o homem e eles possuem uma forma estrutural não alterada, de uso ou de matéria. As obras da Pino não são despretensiosas, mas comuns. São feitas de materiais como papelão, compensado, adesivo e etiquetas, parafuso, isopor e materiais de construção. A conversa 61


#7 ensaios

teórica e estética seria outra se optassem em fazer tacos de acrílico ou um mostruário de compensados feito em cerâmica. O material banal como o papelão ou adesivo de papelaria, que pretende forjar um padrão de madeira, é responsável por retirar os objetos do tempo repetitivo da fábrica para a produção artesanal, do espaço industrial para o espaço do dia-a-dia, o mundo caseiro, impedindo também que atinjam a forma do Kitsch, do design, ou do fetiche (espaço da arte, do desenho industrial e da decoração). Os tacos, o adesivo e a mesa feita com troncos de árvores são tão imparciais, sem graça e sem classe que são mantidos dentro da vida comum universal e apesar da propriedade matérica dos tacos terem sido transformadas (madeira/papelão) os cartonados não descaracterizam o objeto. As obras da Pino não representam tacos, ou tapumes, eles são. Mas por que os tacos feitos de papelão não perdem sua propriedade de ser? Essa é uma das grandes contradições que ocorre nos trabalhos do grupo. A partir do momento que eles montam chãos de tacos e colocam para vender no site por metro quadrado, os tacos são. Mas a mudança em sua propriedade matérica retira sua possibilidade de uso. Os objetos mesmo mantendo suas propriedades de ser, perdem sua dimensão existencial. A contradição retorna então ao objeto. Eles deixam de ser, porque perderam as propriedades básicas de uso ou de matéria, mas continuam existindo a partir de uma falsa, ou real possibili62

dade de consumo. Deixam de ter sua função, mas continuam como objetos mercadológicos de possíveis usos. Essa crise do objeto e do próprio consumo é descrito por Richard Sennet, no livro “A cultura do novo capitalismo”. O iPod, segundo o autor, com a capacidade de arquivar e reproduzir 10.000 canções de três minutos, é um objeto de conteúdo neutro. Quem poderia escolher 10.000 canções e ter tempo para baixá-las? Quais são os critérios usados na escolha dessas 500 horas de música? Ou quem seria capaz de lembrar-se de 10.000 músicas? O produto é vendido pela sua capacidade de armazenamento, mas a impossibilidade do consumidor utilizar toda a potência prometida faz com que o iPod perca sua razão e sua função, o aparelho incapacita o seu uso pelo seu próprio excesso de capacidade. A manufatura artesanal retira a Pino de uma análise óbvia de um pós pop, ou então de um retorno nostálgico dos ready mades. Suas obras explicitam o ato humano. A arte pós-moderna da produção socioeconômica industrial e da mecânica repetitivas retoma o seu estado artesanal. O tempo rápido e óbvio dos movimentos ligeiros e não pensados da produção ou do uso. Desacelera para a produção manual do artesão e do artista.

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#7 ensaios

teórica e estética seria outra se optassem em fazer tacos de acrílico ou um mostruário de compensados feito em cerâmica. O material banal como o papelão ou adesivo de papelaria, que pretende forjar um padrão de madeira, é responsável por retirar os objetos do tempo repetitivo da fábrica para a produção artesanal, do espaço industrial para o espaço do dia-a-dia, o mundo caseiro, impedindo também que atinjam a forma do Kitsch, do design, ou do fetiche (espaço da arte, do desenho industrial e da decoração). Os tacos, o adesivo e a mesa feita com troncos de árvores são tão imparciais, sem graça e sem classe que são mantidos dentro da vida comum universal e apesar da propriedade matérica dos tacos terem sido transformadas (madeira/papelão) os cartonados não descaracterizam o objeto. As obras da Pino não representam tacos, ou tapumes, eles são. Mas por que os tacos feitos de papelão não perdem sua propriedade de ser? Essa é uma das grandes contradições que ocorre nos trabalhos do grupo. A partir do momento que eles montam chãos de tacos e colocam para vender no site por metro quadrado, os tacos são. Mas a mudança em sua propriedade matérica retira sua possibilidade de uso. Os objetos mesmo mantendo suas propriedades de ser, perdem sua dimensão existencial. A contradição retorna então ao objeto. Eles deixam de ser, porque perderam as propriedades básicas de uso ou de matéria, mas continuam existindo a partir de uma falsa, ou real possibili62

dade de consumo. Deixam de ter sua função, mas continuam como objetos mercadológicos de possíveis usos. Essa crise do objeto e do próprio consumo é descrito por Richard Sennet, no livro “A cultura do novo capitalismo”. O iPod, segundo o autor, com a capacidade de arquivar e reproduzir 10.000 canções de três minutos, é um objeto de conteúdo neutro. Quem poderia escolher 10.000 canções e ter tempo para baixá-las? Quais são os critérios usados na escolha dessas 500 horas de música? Ou quem seria capaz de lembrar-se de 10.000 músicas? O produto é vendido pela sua capacidade de armazenamento, mas a impossibilidade do consumidor utilizar toda a potência prometida faz com que o iPod perca sua razão e sua função, o aparelho incapacita o seu uso pelo seu próprio excesso de capacidade. A manufatura artesanal retira a Pino de uma análise óbvia de um pós pop, ou então de um retorno nostálgico dos ready mades. Suas obras explicitam o ato humano. A arte pós-moderna da produção socioeconômica industrial e da mecânica repetitivas retoma o seu estado artesanal. O tempo rápido e óbvio dos movimentos ligeiros e não pensados da produção ou do uso. Desacelera para a produção manual do artesão e do artista.

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#7 ensaios

Notas

1999.

¹ROSENBERG, Harold. Objeto Ansioso. São Paulo: Cosac Naify, 2004, (pag.

ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro: Jorhe Zahar Editor, 1998.

200).

JAMESON, Frederic. Pós-Modernismo. A Lógica cultural do capitalismo

²ROSENBERG, Harold. Objeto Ansioso. São Paulo: Cosac Naify, 2004, (pag.

tardio. São Paulo: Editora Ática, 1997.

202).

PEDROSA, Mário. Mundo, Homem, Arte em Crise. São Paulo: Perspectiva, 2007.

Bibliografia

PITTA, Fernanda. Sobre. Catalogo da exposição: Temporada de Projeto do

ANDERSON, Perry. O Fim da História: de Hegel a Fukuyama. Rio de

Paço das Artes. São Paulo, 2009.

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.

ROSENBERG, Harold. Objeto Ansioso. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte e Critica de Arte. Lisboa: Editora Estampa, 1995.

SENNET, Richard. A cultura do Novo Capitalismo. Rio de Janeiro: Record,

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

2006.

Editor, 2001.

STEINBERG, Leo. Outros Critérios. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre lite-

www.pino.tc

ratura e história da cultura. Obras escolhidas, Vol. 1. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. BERMANN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. A ventura da Modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. BRAUDELL, Fernad. Reflexões sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1978. ———. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 2005. CLARK, T.J. Modernismos. São Paulo: Cosac Naify, 2007 GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997. GOMBRICH, E.H. Meditações sobre um cavalinho de pau e outros ensaios sobre a teoria da arte. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,

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#7 ensaios

Notas

1999.

¹ROSENBERG, Harold. Objeto Ansioso. São Paulo: Cosac Naify, 2004, (pag.

ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro: Jorhe Zahar Editor, 1998.

200).

JAMESON, Frederic. Pós-Modernismo. A Lógica cultural do capitalismo

²ROSENBERG, Harold. Objeto Ansioso. São Paulo: Cosac Naify, 2004, (pag.

tardio. São Paulo: Editora Ática, 1997.

202).

PEDROSA, Mário. Mundo, Homem, Arte em Crise. São Paulo: Perspectiva, 2007.

Bibliografia

PITTA, Fernanda. Sobre. Catalogo da exposição: Temporada de Projeto do

ANDERSON, Perry. O Fim da História: de Hegel a Fukuyama. Rio de

Paço das Artes. São Paulo, 2009.

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.

ROSENBERG, Harold. Objeto Ansioso. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte e Critica de Arte. Lisboa: Editora Estampa, 1995.

SENNET, Richard. A cultura do Novo Capitalismo. Rio de Janeiro: Record,

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

2006.

Editor, 2001.

STEINBERG, Leo. Outros Critérios. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre lite-

www.pino.tc

ratura e história da cultura. Obras escolhidas, Vol. 1. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. BERMANN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. A ventura da Modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. BRAUDELL, Fernad. Reflexões sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1978. ———. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 2005. CLARK, T.J. Modernismos. São Paulo: Cosac Naify, 2007 GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997. GOMBRICH, E.H. Meditações sobre um cavalinho de pau e outros ensaios sobre a teoria da arte. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,

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#7 artigos ensaios entrevistas PANORAMA

Catalisando o processo

perceptivo

Renan Marcondes

V

ivemos em uma época onde há que se considerar um fato: Não se pensa mais em produção contemporânea sem se pensar em estranhamento. Na verdade, talvez esse seja um pensamento decorrente de todas as transições de períodos artísticos, afinal, ao se pensar a arte como um sistema em constante transição e alteração de seus próprios conceitos e propostas, sempre se colocando em dúvida, é de se pressupor essa quebra constante de seus próprios padrões para o surgimento do novo. Mas a obra de arte, por estar inserida em um contexto de inter-relação entre produtor e observador, sofre interferência direta da reação do público que, de acordo com Leo Steinberg: “ao confrontar com um novo trabalho de arte, essas pessoas (o público) podem se sentir excluídas de algo que supunham ser parte – uma sensação de ser impedido ou destruído de alguma coisa.”¹ . Sem dúvida é muito difícil - mesmo para quem possui contato direto com as constantes transições de produção - lidar com o novo, que certamente trará consigo uma quebra de conceitos pré-estabelecidos e gerará discussões que ainda não foram totalmente solucionadas. A situação é considerada mais delicada quando o público que tem contato com a produção-ruptura é o considerado leigo, o 67


#7 artigos ensaios entrevistas PANORAMA

Catalisando o processo

perceptivo

Renan Marcondes

V

ivemos em uma época onde há que se considerar um fato: Não se pensa mais em produção contemporânea sem se pensar em estranhamento. Na verdade, talvez esse seja um pensamento decorrente de todas as transições de períodos artísticos, afinal, ao se pensar a arte como um sistema em constante transição e alteração de seus próprios conceitos e propostas, sempre se colocando em dúvida, é de se pressupor essa quebra constante de seus próprios padrões para o surgimento do novo. Mas a obra de arte, por estar inserida em um contexto de inter-relação entre produtor e observador, sofre interferência direta da reação do público que, de acordo com Leo Steinberg: “ao confrontar com um novo trabalho de arte, essas pessoas (o público) podem se sentir excluídas de algo que supunham ser parte – uma sensação de ser impedido ou destruído de alguma coisa.”¹ . Sem dúvida é muito difícil - mesmo para quem possui contato direto com as constantes transições de produção - lidar com o novo, que certamente trará consigo uma quebra de conceitos pré-estabelecidos e gerará discussões que ainda não foram totalmente solucionadas. A situação é considerada mais delicada quando o público que tem contato com a produção-ruptura é o considerado leigo, o 67


#7 artigos ensaios entrevistas PANORAMA

que na verdade é um conceito totalmente errôneo, pois todos possuímos nossa própria visão e interpretação de determinado objeto com base em nosso repertório pessoal, seja ele artístico ou não. Mas afinal, como é a resposta aos estímulos visuais que a obra infere no observador? Sabe-se que a questão da percepção parte inicialmente de uma reação visual de sujeito para objeto para depois chegar-se a reação motora (sensação) e afetiva, onde está inserida a experiência estética. Partindo desse pressuposto, concluímos que todo e cada ser humano terá sua experiência pessoal com cada objeto visto, que no caso do objeto artístico, dependendo do grau de contato que o indivíduo possui com a arte como um todo, gerará níveis diferentes de relações. Porém, devemos ter muito cuidado para não hierarquizar esses níveis citados, afinal a experiência com a obra que remete a um forte fato pessoal pode ser considerada muito mais significativa do que a experiência onde uma obra remete a um trecho de livro ou artista que a influenciou. Percebe-se a fragilidade desse nivelamento tão comumente feito entre tipos de relação ao nos aprofundarmos nesses pensamentos, afinal a obra artística, apesar de estar composta de signos que exprimem um pensamento de seu autor (pessoal ou conseqüente do externo) possui interpretações visuais plurais e decorrentes de fatores também plurais que gerarão diferentes experiências estéticas. Temos aqui uma multiplicação de fatores que levam as possibilidades de interpretação ao infinito. 68

Reforçando a idéia do contato pessoal e da percepção inerente a cada um, cito Maurice Merleau-Ponty em seu livro “O visível e o invisível”: Ora, é claro que no caso da percepção a conclusão vem antes das razões, que só estão aí para manter o lugar e socorrê-la quando abalada. Se procurarmos as razões é porque já não conseguimos ver, ou porque outros fatos, como a ilusão, nos incitam a recusar a própria evidência perceptiva. Sustentar, entretanto, que ela se confunde com as razões que temos para devolver-lhe algum valor depois que foi abalada, é postular que a fé perceptiva sempre foi resistência à dúvida, e o positivo, negação da negação.²

Dessa forma, vemos o conceito da percepção como algo instintivo e que não necessita de explicação, sendo ela decorrente de uma necessidade de afirmar o que se pensa com base em funcionalidades teóricas. Pensando desse modo, podemos colocar em cheque a posição do arte-educador e sua função dentro de um espaço expositivo, principalmente quando se trata de uma exposição sobre arte contemporânea mundial de grande proporção como a Bienal. Qual o papel da mediação para um objeto que oscila entre a repulsa e a resposta emocional instantânea do observador? Como exemplo, vejamos o elemento químico Platina: hidrogênio e oxigênio gasosos são virtualmente inertes à temperatura ambiente, mas reagem rapidamente quando ex69


#7 artigos ensaios entrevistas PANORAMA

que na verdade é um conceito totalmente errôneo, pois todos possuímos nossa própria visão e interpretação de determinado objeto com base em nosso repertório pessoal, seja ele artístico ou não. Mas afinal, como é a resposta aos estímulos visuais que a obra infere no observador? Sabe-se que a questão da percepção parte inicialmente de uma reação visual de sujeito para objeto para depois chegar-se a reação motora (sensação) e afetiva, onde está inserida a experiência estética. Partindo desse pressuposto, concluímos que todo e cada ser humano terá sua experiência pessoal com cada objeto visto, que no caso do objeto artístico, dependendo do grau de contato que o indivíduo possui com a arte como um todo, gerará níveis diferentes de relações. Porém, devemos ter muito cuidado para não hierarquizar esses níveis citados, afinal a experiência com a obra que remete a um forte fato pessoal pode ser considerada muito mais significativa do que a experiência onde uma obra remete a um trecho de livro ou artista que a influenciou. Percebe-se a fragilidade desse nivelamento tão comumente feito entre tipos de relação ao nos aprofundarmos nesses pensamentos, afinal a obra artística, apesar de estar composta de signos que exprimem um pensamento de seu autor (pessoal ou conseqüente do externo) possui interpretações visuais plurais e decorrentes de fatores também plurais que gerarão diferentes experiências estéticas. Temos aqui uma multiplicação de fatores que levam as possibilidades de interpretação ao infinito. 68

Reforçando a idéia do contato pessoal e da percepção inerente a cada um, cito Maurice Merleau-Ponty em seu livro “O visível e o invisível”: Ora, é claro que no caso da percepção a conclusão vem antes das razões, que só estão aí para manter o lugar e socorrê-la quando abalada. Se procurarmos as razões é porque já não conseguimos ver, ou porque outros fatos, como a ilusão, nos incitam a recusar a própria evidência perceptiva. Sustentar, entretanto, que ela se confunde com as razões que temos para devolver-lhe algum valor depois que foi abalada, é postular que a fé perceptiva sempre foi resistência à dúvida, e o positivo, negação da negação.²

Dessa forma, vemos o conceito da percepção como algo instintivo e que não necessita de explicação, sendo ela decorrente de uma necessidade de afirmar o que se pensa com base em funcionalidades teóricas. Pensando desse modo, podemos colocar em cheque a posição do arte-educador e sua função dentro de um espaço expositivo, principalmente quando se trata de uma exposição sobre arte contemporânea mundial de grande proporção como a Bienal. Qual o papel da mediação para um objeto que oscila entre a repulsa e a resposta emocional instantânea do observador? Como exemplo, vejamos o elemento químico Platina: hidrogênio e oxigênio gasosos são virtualmente inertes à temperatura ambiente, mas reagem rapidamente quando ex69


#7 artigos ensaios entrevistas PANORAMA

postos à platina, que por sua vez é o agente catalisador da reação.³ O mediador possui, portanto, a mesma função da platina, ou seja, o papel de catalisador, sendo um agente que facilita e acelera as relações sem delas participar diretamente. A interferência dele na relação espectador/obra é de instigador e propositor, com o objetivo único de facilitar e desenvolver a relação que a pessoa ou grupo já estabeleceria naturalmente. Até mesmo porque grande parte da produção apresentada não possui a conceituação suficiente para uma apresentação formal da poética de cada artística e, se possui - como no caso de Flávio de Carvalho - é muito extensa para o tipo de contato de arte-educação realizado em uma visita monitorada., que geralmente dura em média 1h30/2h. Refere-se à transformação do contato passivo para o ativo, revelando a percepção e “reconhecimento das idéias artísticas como uma das maiores contribuições para a sociedade (...)”4 . Robert Ott, escritor da citação anterior, possui uma visão de transmissão de arte em museus não como ensino de conceitos técnicos e históricos, mas como momento de se contemplar e de se pensar sobre arte. Desenvolvendo seu conceito e pensando na Bienal, a proposta é de se contemplar e pensar não somente a arte, mas também toda nossa estrutura social e política e como elas se inter-relacionam, assim como estão apresentadas através dos meios presentes na mostra. Não somente, o papel do educador também se refere à contextualização das propostas curatoriais e artísticas de cada 70

grupo de obras ou de cada obra em si. Pensando na temática principal da mostra: “Arte e Política”, naturalmente é necessária a apresentação da possibilidade de aproximação entre esses dois conceitos que, apesar de não possuírem relação direta podem ser conjugados em diferentes instâncias por serem polissêmicos, como afirmado por Miguel Chaia em palestra dada durante o curso de formação de arte-educadores da 29ª Bienal. Há que se pensar também nesse estabelecimento de relações não apenas no âmbito informativo e conceitual, mas como experiência fornecida ao observador enquanto ser humano. Jorge Larossa cita a importância da palavra em nossa existência, remetendo à definição de zôon lógon échon dada por Aristóteles ao homem, ou seja, tratando-o como um vivente com palavra. Acredito, porém, que a vivência de uma BIENAL deva transcender essa característica intrínseca e – porque não? – limitadora que está contida em todos nós, sendo uma experiência de contato com a arte que é - em seu limite – uma experiência sinestésica e transformadora. Por se tratar do primeiro contato que muitos grupos terão com arte contemporânea, acredito ser ainda mais forte essa representatividade da visita guiada como experiência, pois nossa situação em relação à criação da cultura de se relacionar com cultura desde cedo ainda é precária. Existe, por parte da crítica especializada, curadores e público de arte em geral, a necessidade de uma teorização para qualquer tipo de produção que tiver a premissa de ir ao público e ser difundida na sociedade. 71


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postos à platina, que por sua vez é o agente catalisador da reação.³ O mediador possui, portanto, a mesma função da platina, ou seja, o papel de catalisador, sendo um agente que facilita e acelera as relações sem delas participar diretamente. A interferência dele na relação espectador/obra é de instigador e propositor, com o objetivo único de facilitar e desenvolver a relação que a pessoa ou grupo já estabeleceria naturalmente. Até mesmo porque grande parte da produção apresentada não possui a conceituação suficiente para uma apresentação formal da poética de cada artística e, se possui - como no caso de Flávio de Carvalho - é muito extensa para o tipo de contato de arte-educação realizado em uma visita monitorada., que geralmente dura em média 1h30/2h. Refere-se à transformação do contato passivo para o ativo, revelando a percepção e “reconhecimento das idéias artísticas como uma das maiores contribuições para a sociedade (...)”4 . Robert Ott, escritor da citação anterior, possui uma visão de transmissão de arte em museus não como ensino de conceitos técnicos e históricos, mas como momento de se contemplar e de se pensar sobre arte. Desenvolvendo seu conceito e pensando na Bienal, a proposta é de se contemplar e pensar não somente a arte, mas também toda nossa estrutura social e política e como elas se inter-relacionam, assim como estão apresentadas através dos meios presentes na mostra. Não somente, o papel do educador também se refere à contextualização das propostas curatoriais e artísticas de cada 70

grupo de obras ou de cada obra em si. Pensando na temática principal da mostra: “Arte e Política”, naturalmente é necessária a apresentação da possibilidade de aproximação entre esses dois conceitos que, apesar de não possuírem relação direta podem ser conjugados em diferentes instâncias por serem polissêmicos, como afirmado por Miguel Chaia em palestra dada durante o curso de formação de arte-educadores da 29ª Bienal. Há que se pensar também nesse estabelecimento de relações não apenas no âmbito informativo e conceitual, mas como experiência fornecida ao observador enquanto ser humano. Jorge Larossa cita a importância da palavra em nossa existência, remetendo à definição de zôon lógon échon dada por Aristóteles ao homem, ou seja, tratando-o como um vivente com palavra. Acredito, porém, que a vivência de uma BIENAL deva transcender essa característica intrínseca e – porque não? – limitadora que está contida em todos nós, sendo uma experiência de contato com a arte que é - em seu limite – uma experiência sinestésica e transformadora. Por se tratar do primeiro contato que muitos grupos terão com arte contemporânea, acredito ser ainda mais forte essa representatividade da visita guiada como experiência, pois nossa situação em relação à criação da cultura de se relacionar com cultura desde cedo ainda é precária. Existe, por parte da crítica especializada, curadores e público de arte em geral, a necessidade de uma teorização para qualquer tipo de produção que tiver a premissa de ir ao público e ser difundida na sociedade. 71


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Tanto já foi visto e discutido pela arte, incluindo sua própria função e utilidade, que a busca por temas e conceitos tomou níveis que simplesmente não correspondem com a outra parcela da sociedade que não “vive” arte. Ao tratar desse tema, é necessário abrir um parenteses para o Brasil e sua relação com a arte, pois possuímos uma cultura popular onde a arte contemporânea não está incluída como deveria, alias, todo o tipo de arte passada durante os anos de formação é, ao meu ver, parcialmente deturpada e ocidentalizada, muitas vezes focando em conceitos, épocas e estilos que visam somente na aprovação em um vestibular e que não oferecem ao aluno a amplitude da arte e, portanto, não despertam o interesse dos jovens em se aproximar da arte. Por vir de uma longa data esse tipo de ensino que limita o desenho logo na primavera do desenho infantil - como estudado por Edith Derdyck no seu livro “Formas de se pensar o desenho” - e que apresenta a arte de forma totalmente maçante e desestimulante (salvo raríssimas exceções de professores conscientes que se auto-estimulam para a pesquisa de arte-educação, visto que toda essa teoria e informação está muito direcionada apenas a quem tem o interesse prévio de procurá-la); há a criação de um ciclo vicioso, onde os pais também não estimulam esse tipo de interesse dentro de casa e que termina por criar um distanciamento da grande massa da arte e da busca da sua compreensão pessoal do que ela representa. Há, principalmente nessa geração, um enorme “pré-conceito”, que deriva tanto dessa metodologia 72

precária e mal-estruturada de uma sociedade que visa muito mais outras áreas do conhecimento em detrimento das artes, quanto da situação já mencionada do desconhecido, do estranho, que em qualquer situação, gera um primeiro afastamento e receio por parte do homem. Cito novamente a catalização do contato com arte contemporânea para facilitar a ruptura de alguns conceitos já estabelecidos e oriundos de diversos fatores pessoais e históricos de cada visitante. Devemos, como arte-educadores, quebrar todas as barreiras possíveis de serem quebradas no período de uma visita e tentar, através da boa mediação (que é passível das mais diferentes configurações e propostas) criar vínculos entre o observador/grupo e a produção contemporânea, de modo a fazê-lo perceber que uma obra vista diz muito a respeito dele próprio como observador e da sociedade e contexto no qual está inserido e, desse modo, instigá-lo a estreitar esse contato, tornando sua relação com a arte, exposições e mostras mais freqüente e, conseqüentemente, mais rica.

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Tanto já foi visto e discutido pela arte, incluindo sua própria função e utilidade, que a busca por temas e conceitos tomou níveis que simplesmente não correspondem com a outra parcela da sociedade que não “vive” arte. Ao tratar desse tema, é necessário abrir um parenteses para o Brasil e sua relação com a arte, pois possuímos uma cultura popular onde a arte contemporânea não está incluída como deveria, alias, todo o tipo de arte passada durante os anos de formação é, ao meu ver, parcialmente deturpada e ocidentalizada, muitas vezes focando em conceitos, épocas e estilos que visam somente na aprovação em um vestibular e que não oferecem ao aluno a amplitude da arte e, portanto, não despertam o interesse dos jovens em se aproximar da arte. Por vir de uma longa data esse tipo de ensino que limita o desenho logo na primavera do desenho infantil - como estudado por Edith Derdyck no seu livro “Formas de se pensar o desenho” - e que apresenta a arte de forma totalmente maçante e desestimulante (salvo raríssimas exceções de professores conscientes que se auto-estimulam para a pesquisa de arte-educação, visto que toda essa teoria e informação está muito direcionada apenas a quem tem o interesse prévio de procurá-la); há a criação de um ciclo vicioso, onde os pais também não estimulam esse tipo de interesse dentro de casa e que termina por criar um distanciamento da grande massa da arte e da busca da sua compreensão pessoal do que ela representa. Há, principalmente nessa geração, um enorme “pré-conceito”, que deriva tanto dessa metodologia 72

precária e mal-estruturada de uma sociedade que visa muito mais outras áreas do conhecimento em detrimento das artes, quanto da situação já mencionada do desconhecido, do estranho, que em qualquer situação, gera um primeiro afastamento e receio por parte do homem. Cito novamente a catalização do contato com arte contemporânea para facilitar a ruptura de alguns conceitos já estabelecidos e oriundos de diversos fatores pessoais e históricos de cada visitante. Devemos, como arte-educadores, quebrar todas as barreiras possíveis de serem quebradas no período de uma visita e tentar, através da boa mediação (que é passível das mais diferentes configurações e propostas) criar vínculos entre o observador/grupo e a produção contemporânea, de modo a fazê-lo perceber que uma obra vista diz muito a respeito dele próprio como observador e da sociedade e contexto no qual está inserido e, desse modo, instigá-lo a estreitar esse contato, tornando sua relação com a arte, exposições e mostras mais freqüente e, conseqüentemente, mais rica.

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Renan Marcondes é graduando do Centro Universitário Belas Artes de

grafismo infantil. 2.ed. São Paulo : Scipione, S.d.

São Paulo.

BARBOSA, Ana Mae T.B. Arte educação no Brasil: Das origens ao modernismo. São Paulo : Perspectiva, 1978

Notas

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiên-

¹STEINBERG, Leo. A arte contemporânea e a situação de seu público.

cia. Tradução por João Wanderley Geraldi. Barcelona. 2002. Disponível

In:_______Outros critérios: confrontos com a arte do século XX. São

em:<http://www.miniweb.com.br/atualidade/info/textos/saber.htm>

Paulo: Cosac Naify, 2008. Pp. 25

Acesso em: 26 Jun. 2010

²MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2000. Pp. 57-58 ³In: <http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20060803131642 AAo8YrE> Acesso em:16 Jun. 2010 – 9h 4

OTT, Robert William. Ensinando crítica nos museus. In: BARBOSA, Ana

Mae (org.). Arte Educação: leitura no subsolo. – São Paulo: Cortez, 1997 – pp. 112 Referências Bibliográficas STEINBERG, Leo. A arte contemporânea e a situação de seu público. In:_______Outros critérios: confrontos com a arte do século XX. São Paulo: Cosac Naify, 2008. Pp. 25 MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2000. Pp. 57-58 OTT, Robert William. Ensinando crítica nos museus. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte Educação: leitura no subsolo. – São Paulo: Cortez, 1997 – pp. 112 COLI, Jorge. O que é Arte? 2.ed. São Paulo : Brasiliense, 1982 DERDYCK, Edith. Formas de se pensar o desenho: desenvolvimento do

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Renan Marcondes é graduando do Centro Universitário Belas Artes de

grafismo infantil. 2.ed. São Paulo : Scipione, S.d.

São Paulo.

BARBOSA, Ana Mae T.B. Arte educação no Brasil: Das origens ao modernismo. São Paulo : Perspectiva, 1978

Notas

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiên-

¹STEINBERG, Leo. A arte contemporânea e a situação de seu público.

cia. Tradução por João Wanderley Geraldi. Barcelona. 2002. Disponível

In:_______Outros critérios: confrontos com a arte do século XX. São

em:<http://www.miniweb.com.br/atualidade/info/textos/saber.htm>

Paulo: Cosac Naify, 2008. Pp. 25

Acesso em: 26 Jun. 2010

²MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2000. Pp. 57-58 ³In: <http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20060803131642 AAo8YrE> Acesso em:16 Jun. 2010 – 9h 4

OTT, Robert William. Ensinando crítica nos museus. In: BARBOSA, Ana

Mae (org.). Arte Educação: leitura no subsolo. – São Paulo: Cortez, 1997 – pp. 112 Referências Bibliográficas STEINBERG, Leo. A arte contemporânea e a situação de seu público. In:_______Outros critérios: confrontos com a arte do século XX. São Paulo: Cosac Naify, 2008. Pp. 25 MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2000. Pp. 57-58 OTT, Robert William. Ensinando crítica nos museus. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte Educação: leitura no subsolo. – São Paulo: Cortez, 1997 – pp. 112 COLI, Jorge. O que é Arte? 2.ed. São Paulo : Brasiliense, 1982 DERDYCK, Edith. Formas de se pensar o desenho: desenvolvimento do

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#7 artigos ensaios

Autoria e desaparição na obra de arte Amanda Cifuente1 Universidade do Estado de Santa Catarina

RESUMO: Este artigo pretende tratar de algumas inquietações em torno da autoria na obra de arte. Em primeiro plano, surge o autor de obras de artes visuais, podendo ser expandido também às outras formas de expressão, como, por exemplo, a literatura. Embasando a discussão, está a função-autor do filósofo de Michel Foucault, destacando-se um texto intitulado O que é um autor? Aborda-se o desaparecimento do “eu”, e a experiência do Fora tratados por Maurice Blanchot. Utiliza-se, também, a literatura da desaparição de Enrique Vila-Matas, no que tange à ausência de autor e indagações acerca do seu possível esvanecimento. Dialogase com a obra de Bas Jan Ader e seu desaparecimento físico. Palavras-chave: Autoria, Autor, Desaparição, Experiência do Fora ABSTRACT

This article pretends to address some concerns around the question of authorship of art. In the foreground, there is the 1 76

Universidade do Estado de Santa Catarina

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Autoria e desaparição na obra de arte Amanda Cifuente1 Universidade do Estado de Santa Catarina

RESUMO: Este artigo pretende tratar de algumas inquietações em torno da autoria na obra de arte. Em primeiro plano, surge o autor de obras de artes visuais, podendo ser expandido também às outras formas de expressão, como, por exemplo, a literatura. Embasando a discussão, está a função-autor do filósofo de Michel Foucault, destacando-se um texto intitulado O que é um autor? Aborda-se o desaparecimento do “eu”, e a experiência do Fora tratados por Maurice Blanchot. Utiliza-se, também, a literatura da desaparição de Enrique Vila-Matas, no que tange à ausência de autor e indagações acerca do seu possível esvanecimento. Dialogase com a obra de Bas Jan Ader e seu desaparecimento físico. Palavras-chave: Autoria, Autor, Desaparição, Experiência do Fora ABSTRACT

This article pretends to address some concerns around the question of authorship of art. In the foreground, there is the 1 76

Universidade do Estado de Santa Catarina

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author of works of visual arts, which also can be expanded to other forms of expression, for example, literature. The discussion, goes through the function-author by philosopher Michel Foucault, especially, the work What is an author?. Approach the disappearance of “self”, and the experience of Out treated by Maurice Blanchot. Is also used the literature of the disappearance by Enrique Vila-Matas, which refers to the absence of the author and questions about its possible vanishing. Approach with the art of Bas Jan Ader and his physical disappearance. Key-words: authorship, Author, Disappearance, Experience of Out

1 - O caso da autoria Neste ensaio, tomamos emprestada a pergunta central da obra do filósofo francês Michel Foucault (1926 – 1984): O que é um autor?, no propósito de abordar o possível apagamento do sujeito-autor. Em primeiro lugar, analisamos alguns prováveis questionamentos e distinções sobre a autoria da obra de artes visuais. Afirmamos, nesta perspectiva, que, ao elaborar semelhante discussão, demonstra-se imperativo ancorar na literatura esses intensos diálogos. Michel Foucault foi um dos que se demonstraram 78

com bastante interesse sobre o tema da autoria e acabou por conceituar de maneira característica o assunto. Segundo ele, estabelecer uma relação da obra de arte com seu autor exibe, sim, propriedade. No entanto, o analista deve sempre ir além: (...) analisar a obra em sua estrutura, em sua arquitetura, em sua forma intrínseca e no jogo de suas relações internas. Ora, é preciso imediatamente colocar um problema: ‘O que é uma obra? O que é pois essa curiosa unidade que se designa com o nome obra? De quais elementos ela se compõe? Uma obra não é aquilo que é escrito por aquele que é um autor?’ Vemos as dificuldades surgirem. Se um individuo não fosse um autor, será que se poderia dizer que o que ele escreveu, ou disse, o que ele deixou em seus papeis, o que se pode relatar de suas exposições, poderia ser chamado de ‘obra’? (FOUCAULT, 2006, p.269)

Em uma conferência ministrada em 1969, posteriormente publicada no livro Estética: literatura e pintura, música e cinema¸ Foucault pretendeu estudar as relações entre texto e autor. Neste caso tratado, é interessante alargarmos tal conceito para o campo da obra e autor. Afinal, o filósofo francês não pretendia abordar na sua apresentação a instauração da valorização do herói autor. Para nosso estudo, contudo, torna-se necessário compreender o sujeito autor em seus diferentes contextos em diferentes períodos históricos. 79


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author of works of visual arts, which also can be expanded to other forms of expression, for example, literature. The discussion, goes through the function-author by philosopher Michel Foucault, especially, the work What is an author?. Approach the disappearance of “self”, and the experience of Out treated by Maurice Blanchot. Is also used the literature of the disappearance by Enrique Vila-Matas, which refers to the absence of the author and questions about its possible vanishing. Approach with the art of Bas Jan Ader and his physical disappearance. Key-words: authorship, Author, Disappearance, Experience of Out

1 - O caso da autoria Neste ensaio, tomamos emprestada a pergunta central da obra do filósofo francês Michel Foucault (1926 – 1984): O que é um autor?, no propósito de abordar o possível apagamento do sujeito-autor. Em primeiro lugar, analisamos alguns prováveis questionamentos e distinções sobre a autoria da obra de artes visuais. Afirmamos, nesta perspectiva, que, ao elaborar semelhante discussão, demonstra-se imperativo ancorar na literatura esses intensos diálogos. Michel Foucault foi um dos que se demonstraram 78

com bastante interesse sobre o tema da autoria e acabou por conceituar de maneira característica o assunto. Segundo ele, estabelecer uma relação da obra de arte com seu autor exibe, sim, propriedade. No entanto, o analista deve sempre ir além: (...) analisar a obra em sua estrutura, em sua arquitetura, em sua forma intrínseca e no jogo de suas relações internas. Ora, é preciso imediatamente colocar um problema: ‘O que é uma obra? O que é pois essa curiosa unidade que se designa com o nome obra? De quais elementos ela se compõe? Uma obra não é aquilo que é escrito por aquele que é um autor?’ Vemos as dificuldades surgirem. Se um individuo não fosse um autor, será que se poderia dizer que o que ele escreveu, ou disse, o que ele deixou em seus papeis, o que se pode relatar de suas exposições, poderia ser chamado de ‘obra’? (FOUCAULT, 2006, p.269)

Em uma conferência ministrada em 1969, posteriormente publicada no livro Estética: literatura e pintura, música e cinema¸ Foucault pretendeu estudar as relações entre texto e autor. Neste caso tratado, é interessante alargarmos tal conceito para o campo da obra e autor. Afinal, o filósofo francês não pretendia abordar na sua apresentação a instauração da valorização do herói autor. Para nosso estudo, contudo, torna-se necessário compreender o sujeito autor em seus diferentes contextos em diferentes períodos históricos. 79


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Quando pensamos em alguma obra, é impossível negar a relação que se constrói com o seu criador, o autor. Porém, sabemos que no período que se estende da Antiguidade à Idade Média, não se estabelecia a autoria das obras. Todas elas estavam abertas, em processo continuo de produção. O anonimato era uma prática comum, preocupava-se em melhorar e modificar o que se escrevia nos textos, epopéias, teatros, e etc. Este anonimato contínuo permitia a liberdade total dos textos que circulavam livremente. Foucault relaciona as narrativas gregas à tentativa de eternizar a imortalidade do herói. Ou seja, as narrativas tratavam de reaver a morte aceita dos heróis. Mais ainda, “(...) falavase, narrava-se até o amanhecer para afastar a morte, para adiar o prazo desse desenlace que deveria fechar a boca do narrador”. (FOUCAULT, 2006, p.268) Constituiu-se, nesse entremeio, uma proximidade entre a escrita e a morte. A narrativa, ou ainda, a epopéia grega, direcionava-se na perpetuação da imortalidade do seu autor. Tal exercício fundamentava-se como método de continuidade do discurso de seu narrador, na medida em que, segundo Foucault (2006, p.268), narrava-se para exorcizar a sua possível morte, e mantê-la fora do ciclo da existência. A obra, neste período, imortalizava o autor através do seu discurso, metamorfoseando a narrativa em sacrifício.

Assim como o filósofo francês Roland Barthes (1915 – 1980) afirma em A morte do autor (1988), Foucault também nega a subjetividade da obra (aqui desdobramos o conceito dos autores em torno da literatura e o deslocamos para as artes visuais). O primeiro, Barthes, propõe o desaparecimento do sujeito na escrita, o que sugere a sua própria morte. Portanto, o autor em sua obra não é mais eternizado. Ao contrário, há a promoção de seu assassinato.

Mas há outra coisa: essa relação da escrita com a morte também se manifesta no desaparecimento das características individuais do sujeito que escreve; através de todas as chicanas que ele estabelece entre ele e o que ele escreve, o sujeito que escreve despista todos os signos de sua individualidade particular; a marca de escritor não é mais do que a singularidade de sua ausência; é preciso que ele faça o papel do morto no jogo da escrita. (FOUCAULT, 2006, p.269)

Foucault, por sua vez, conceitua o desaparecimento do “eu” na experiência do Fora, no qual se mantém exterior a toda e qualquer subjetividade. Este desaparecimento é gerado em virtude de dois fatores: O apagamento do sujeito na obra e ao (re)surgimento do ser da linguagem.

2 - A ausência do autor 80

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Quando pensamos em alguma obra, é impossível negar a relação que se constrói com o seu criador, o autor. Porém, sabemos que no período que se estende da Antiguidade à Idade Média, não se estabelecia a autoria das obras. Todas elas estavam abertas, em processo continuo de produção. O anonimato era uma prática comum, preocupava-se em melhorar e modificar o que se escrevia nos textos, epopéias, teatros, e etc. Este anonimato contínuo permitia a liberdade total dos textos que circulavam livremente. Foucault relaciona as narrativas gregas à tentativa de eternizar a imortalidade do herói. Ou seja, as narrativas tratavam de reaver a morte aceita dos heróis. Mais ainda, “(...) falavase, narrava-se até o amanhecer para afastar a morte, para adiar o prazo desse desenlace que deveria fechar a boca do narrador”. (FOUCAULT, 2006, p.268) Constituiu-se, nesse entremeio, uma proximidade entre a escrita e a morte. A narrativa, ou ainda, a epopéia grega, direcionava-se na perpetuação da imortalidade do seu autor. Tal exercício fundamentava-se como método de continuidade do discurso de seu narrador, na medida em que, segundo Foucault (2006, p.268), narrava-se para exorcizar a sua possível morte, e mantê-la fora do ciclo da existência. A obra, neste período, imortalizava o autor através do seu discurso, metamorfoseando a narrativa em sacrifício.

Assim como o filósofo francês Roland Barthes (1915 – 1980) afirma em A morte do autor (1988), Foucault também nega a subjetividade da obra (aqui desdobramos o conceito dos autores em torno da literatura e o deslocamos para as artes visuais). O primeiro, Barthes, propõe o desaparecimento do sujeito na escrita, o que sugere a sua própria morte. Portanto, o autor em sua obra não é mais eternizado. Ao contrário, há a promoção de seu assassinato.

Mas há outra coisa: essa relação da escrita com a morte também se manifesta no desaparecimento das características individuais do sujeito que escreve; através de todas as chicanas que ele estabelece entre ele e o que ele escreve, o sujeito que escreve despista todos os signos de sua individualidade particular; a marca de escritor não é mais do que a singularidade de sua ausência; é preciso que ele faça o papel do morto no jogo da escrita. (FOUCAULT, 2006, p.269)

Foucault, por sua vez, conceitua o desaparecimento do “eu” na experiência do Fora, no qual se mantém exterior a toda e qualquer subjetividade. Este desaparecimento é gerado em virtude de dois fatores: O apagamento do sujeito na obra e ao (re)surgimento do ser da linguagem.

2 - A ausência do autor 80

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A literatura não é a linguagem se aproximando de si até o ponto de sua ardente manifestação, é a linguagem se colocando o mais longe possível dela mesma; e se, nessa colocação “fora de si”, ela desvela seu ser próprio, essa súbita clareza revela mais um afastamento do que uma retração, mais uma dispersão do que um retorno dos signos sobre eles mesmos. O “sujeito” da literatura (o que fala nela e aquele sobre o qual ela fala) não seria tanto a linguagem em sua positividade quanto o vazio em que ela encontra seu espaço quando se enuncia na nudez do “eu falo”. (FOUCAULT, 2006, p.221)

São estas as noções que o crítico literário francês Maurice Blanchot 1907 - 2003) afirma: o “neutro”, o “fora” Segundo essas aproximações, e o “desdobramento”. chegamos a um ponto: não é preciso fixar os estudos sobre o sujeito em uma linguagem, mas ir além, e abrir caminhos para o ser que está em eterno modo de desaparecimento. O que fala, agora, não é mais a sua subjetividade, é a própria obra em sua dobra sobre si mesma. Para Blanchot, a escrita ficcional consiste numa espécie de saída de si para uma fala errante, onde essa experiência de escrita pensa a alteridade e a mobilidade, o que fende e o que produz espaçamentos. De acordo com Blanchot, é preciso ser consciente do pouco que se sabe, mesmos certos do conhecimento, pois tal pobreza 82

“(...) é a essência da ficção”. (BLANCHOT, 1997, p.78) 3 - O desaparecimento do autor na obra de arte Um caso interessante de aproximação com a desaparição do sujeito na obra é o do artista holandês Bas Jan Ader (1942 – 1975). O traço fundamental que delineia a produção e a identidade neste artista é o seu próprio corpo. Ader teve uma produção intensa em performance, na qual o objeto de trabalho era seu corpo. Em algumas obras, por exemplo, o vídeo Fall I (1970), o artista se joga do telhado de uma casa em câmera lenta, demonstrando todo o trajeto de seu corpo e provocando situações extremas sobre si mesmo. Neste caso específico, acerca do corpo, é impossível não notar certa característica do autor em sua obra. Seus traços estão pressupostos na sua imagem física. A ausência do produtor, aqui, é tratada de modo mais complexo. E sua permanência na obra é ponto de reflexão. Finalmente, o flerte de Ader com o desaparecimento físico ocorreu na obra In Search of the Miraculous, em 1975. Ader embarcou em um pequeno veleiro em Los Angeles com destino a Grã-Bretanha. Sua proposta era atravessar o oceano Atlântico em aproximadamente 60 dias em um veleiro de 4 metros. Aproximadamente seis meses após sua partida, o barco foi encontrado com parte da proa submersa. No entanto, não foi visualizado nenhum sinal do 83


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A literatura não é a linguagem se aproximando de si até o ponto de sua ardente manifestação, é a linguagem se colocando o mais longe possível dela mesma; e se, nessa colocação “fora de si”, ela desvela seu ser próprio, essa súbita clareza revela mais um afastamento do que uma retração, mais uma dispersão do que um retorno dos signos sobre eles mesmos. O “sujeito” da literatura (o que fala nela e aquele sobre o qual ela fala) não seria tanto a linguagem em sua positividade quanto o vazio em que ela encontra seu espaço quando se enuncia na nudez do “eu falo”. (FOUCAULT, 2006, p.221)

São estas as noções que o crítico literário francês Maurice Blanchot 1907 - 2003) afirma: o “neutro”, o “fora” Segundo essas aproximações, e o “desdobramento”. chegamos a um ponto: não é preciso fixar os estudos sobre o sujeito em uma linguagem, mas ir além, e abrir caminhos para o ser que está em eterno modo de desaparecimento. O que fala, agora, não é mais a sua subjetividade, é a própria obra em sua dobra sobre si mesma. Para Blanchot, a escrita ficcional consiste numa espécie de saída de si para uma fala errante, onde essa experiência de escrita pensa a alteridade e a mobilidade, o que fende e o que produz espaçamentos. De acordo com Blanchot, é preciso ser consciente do pouco que se sabe, mesmos certos do conhecimento, pois tal pobreza 82

“(...) é a essência da ficção”. (BLANCHOT, 1997, p.78) 3 - O desaparecimento do autor na obra de arte Um caso interessante de aproximação com a desaparição do sujeito na obra é o do artista holandês Bas Jan Ader (1942 – 1975). O traço fundamental que delineia a produção e a identidade neste artista é o seu próprio corpo. Ader teve uma produção intensa em performance, na qual o objeto de trabalho era seu corpo. Em algumas obras, por exemplo, o vídeo Fall I (1970), o artista se joga do telhado de uma casa em câmera lenta, demonstrando todo o trajeto de seu corpo e provocando situações extremas sobre si mesmo. Neste caso específico, acerca do corpo, é impossível não notar certa característica do autor em sua obra. Seus traços estão pressupostos na sua imagem física. A ausência do produtor, aqui, é tratada de modo mais complexo. E sua permanência na obra é ponto de reflexão. Finalmente, o flerte de Ader com o desaparecimento físico ocorreu na obra In Search of the Miraculous, em 1975. Ader embarcou em um pequeno veleiro em Los Angeles com destino a Grã-Bretanha. Sua proposta era atravessar o oceano Atlântico em aproximadamente 60 dias em um veleiro de 4 metros. Aproximadamente seis meses após sua partida, o barco foi encontrado com parte da proa submersa. No entanto, não foi visualizado nenhum sinal do 83


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corpo: Bas Jan Ader havia desaparecido e estava destinado ao esquecimento. O paradoxo, neste caso, é a obra de Ader ter alcançado larga difusão somente após o esvanecimento físico do autor. Sem conseguir precisar os fatos em torno de seu real apagamento, é possível cogitar a idéia de um flerte com a morte e a relação entre arte e vida. Como podemos entender o prolongamento e o limite entre estas noções? Talvez por não conseguirmos suportar a idéia de morte, nos torna mais confortável crer que tudo não passa de um ato extremo com o corpo próprio em sua intenção artística. De acordo com os historiadores vienenses Ernst Kris (1900 – 1957) e Otto Kurz (1908 – 1975): “El que perdure o no el nombre de un artista depende, no de la grandeza y perfección de su logro artístico – incluso si éste pudiese ser probado objetivamente -, sino del significado ligado a la obra de arte” (KRIZ; KURZ, 1982, p.23). A capacidade da existência da obra pode ser permanente e não está necessariamente conectada à vivência do seu criador, pois continua o seu estado de existência após a sua morte.

Bas Jan Ader, Bulletin 89-Bas Jan Ader In Search of the Miraculous (Songs for the North Atlantic), 1975 - 11 x 17 inches. Courtesy Bas Jan Ader Estate, Patrick Painter Editions, Vancouver and Perry Rubenstein Gallery, New York.

4 – Que importa o autor? A discussão empreendida por Blanchot nos permite dialogar mais profundamente com a questão do sujeito autor. Barthes oferece uma opinião bastante profunda sobre a importância da linguagem e do sujeito. E o escritor irlandês Samuel Beckett (1906 – 1989), tem uma visão deveras curiosa sobre o mesmo tema: “Que importa quem fala, alguém disse, que importa quem fala” (FOUCAULT, 2006, p.267-8). No primeiro trecho, é possível pensarmos em um possível autor. Na segunda parte, alguém disse, que importa quem fala, tratamos do ser de uma fala. Em todo caso, quem seria este sujeito? Não importa. Estamos fadados a este retorno circular sobre nós mesmos. A desaparição do escritor é um acontecimento

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corpo: Bas Jan Ader havia desaparecido e estava destinado ao esquecimento. O paradoxo, neste caso, é a obra de Ader ter alcançado larga difusão somente após o esvanecimento físico do autor. Sem conseguir precisar os fatos em torno de seu real apagamento, é possível cogitar a idéia de um flerte com a morte e a relação entre arte e vida. Como podemos entender o prolongamento e o limite entre estas noções? Talvez por não conseguirmos suportar a idéia de morte, nos torna mais confortável crer que tudo não passa de um ato extremo com o corpo próprio em sua intenção artística. De acordo com os historiadores vienenses Ernst Kris (1900 – 1957) e Otto Kurz (1908 – 1975): “El que perdure o no el nombre de un artista depende, no de la grandeza y perfección de su logro artístico – incluso si éste pudiese ser probado objetivamente -, sino del significado ligado a la obra de arte” (KRIZ; KURZ, 1982, p.23). A capacidade da existência da obra pode ser permanente e não está necessariamente conectada à vivência do seu criador, pois continua o seu estado de existência após a sua morte.

Bas Jan Ader, Bulletin 89-Bas Jan Ader In Search of the Miraculous (Songs for the North Atlantic), 1975 - 11 x 17 inches. Courtesy Bas Jan Ader Estate, Patrick Painter Editions, Vancouver and Perry Rubenstein Gallery, New York.

4 – Que importa o autor? A discussão empreendida por Blanchot nos permite dialogar mais profundamente com a questão do sujeito autor. Barthes oferece uma opinião bastante profunda sobre a importância da linguagem e do sujeito. E o escritor irlandês Samuel Beckett (1906 – 1989), tem uma visão deveras curiosa sobre o mesmo tema: “Que importa quem fala, alguém disse, que importa quem fala” (FOUCAULT, 2006, p.267-8). No primeiro trecho, é possível pensarmos em um possível autor. Na segunda parte, alguém disse, que importa quem fala, tratamos do ser de uma fala. Em todo caso, quem seria este sujeito? Não importa. Estamos fadados a este retorno circular sobre nós mesmos. A desaparição do escritor é um acontecimento

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infinito para o poeta francês Stéphane Mallarmé (1842 – 1898), para o qual a linguagem – e não o autor - fala por si. Para Mallarmé, o surgimento do ser da linguagem abriu uma fenda para o apagamento visível do sujeito que fala. Desaparece, então, a subjetividade da linguagem. Para esse encontro do ser da palavra, é preciso que a literatura negue, como uma dança com a morte, o ser do mundo, e se coloque distante dela mesma. A literatura – e é por isso que insistimos em seu caráter paradoxal – torna presente aquilo que não poderia estar presente, fazendo dessa presença uma não presença. Aqui, a “coisa” sensível se encontra cada vez mais ausente, distante da linguagem, tratando-se, portanto, de uma não presença. A ambigüidade característica da linguagem literária é precisamente o fato de ela fazer as coisas desaparecerem e ao mesmo tempo revelar a presença desse desaparecimento. (LEVY, 2003, p.24)

5 - A desaparição na literatura A figura do autor, habitada pela ausência e morte, é constantemente aludida nos livros do escritor catalão Enrique Vila-Matas (1948 - ). Suas atrações características se aproximam pelo nada, pelo desaparecimento, e de referências literárias, e estão presentes em grande parte da sua produção. Mas são duas de suas obras que acabam por despertar nossa atenção: Suicídios exemplares (2009b) e 86

Doutor Pasavento(2009a). No primeiro livro, o autor nos apresenta vários casos de flerte com a morte. O que, entretanto, nos é paradoxal, é o fato de apenas um personagem efetivamente obter sucesso com sua tentativa suicida. Nos demais contos, a obsessão pela ausência e pela morte são fatores que, contrario-sensu, os levam a não desistir de viver. Em um conto, Vila-Matas nos apresenta Anatol, personagem que afirma a “recusa pelo sentimento de protagonismo” e sempre ter gostado de perder. Neste conto, intitulado A arte de desaparecer, conhecemos um escritor anônimo, amante da ignonímia. Deste desejo, nasce a certeza de um possível diálogo com as afirmações de Blanchot: Escrever é uma prática da impessoalidade. Escrever é se fazer eco do que não pode cessar de falar. (...) Eu me torno sensível por minha meditação silenciosa, pela afirmação ininterrupta, o murmúrio gigante pelo qual a linguagem abrindo-se torna-se imaginária, profundidade falante, indistinta plenitude que é vazia.(BLANCHOT, 1987, p.18)

A impessoalidade de Anatol se constitui além da escrita, mas também, na preferência por passar despercebido. Enquanto alguns sonham pelo reconhecimento, em protagonizar, este homem deseja o anonimato, viver como escritor secreto. Contudo, no conto de Vila-Matas, 87


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infinito para o poeta francês Stéphane Mallarmé (1842 – 1898), para o qual a linguagem – e não o autor - fala por si. Para Mallarmé, o surgimento do ser da linguagem abriu uma fenda para o apagamento visível do sujeito que fala. Desaparece, então, a subjetividade da linguagem. Para esse encontro do ser da palavra, é preciso que a literatura negue, como uma dança com a morte, o ser do mundo, e se coloque distante dela mesma. A literatura – e é por isso que insistimos em seu caráter paradoxal – torna presente aquilo que não poderia estar presente, fazendo dessa presença uma não presença. Aqui, a “coisa” sensível se encontra cada vez mais ausente, distante da linguagem, tratando-se, portanto, de uma não presença. A ambigüidade característica da linguagem literária é precisamente o fato de ela fazer as coisas desaparecerem e ao mesmo tempo revelar a presença desse desaparecimento. (LEVY, 2003, p.24)

5 - A desaparição na literatura A figura do autor, habitada pela ausência e morte, é constantemente aludida nos livros do escritor catalão Enrique Vila-Matas (1948 - ). Suas atrações características se aproximam pelo nada, pelo desaparecimento, e de referências literárias, e estão presentes em grande parte da sua produção. Mas são duas de suas obras que acabam por despertar nossa atenção: Suicídios exemplares (2009b) e 86

Doutor Pasavento(2009a). No primeiro livro, o autor nos apresenta vários casos de flerte com a morte. O que, entretanto, nos é paradoxal, é o fato de apenas um personagem efetivamente obter sucesso com sua tentativa suicida. Nos demais contos, a obsessão pela ausência e pela morte são fatores que, contrario-sensu, os levam a não desistir de viver. Em um conto, Vila-Matas nos apresenta Anatol, personagem que afirma a “recusa pelo sentimento de protagonismo” e sempre ter gostado de perder. Neste conto, intitulado A arte de desaparecer, conhecemos um escritor anônimo, amante da ignonímia. Deste desejo, nasce a certeza de um possível diálogo com as afirmações de Blanchot: Escrever é uma prática da impessoalidade. Escrever é se fazer eco do que não pode cessar de falar. (...) Eu me torno sensível por minha meditação silenciosa, pela afirmação ininterrupta, o murmúrio gigante pelo qual a linguagem abrindo-se torna-se imaginária, profundidade falante, indistinta plenitude que é vazia.(BLANCHOT, 1987, p.18)

A impessoalidade de Anatol se constitui além da escrita, mas também, na preferência por passar despercebido. Enquanto alguns sonham pelo reconhecimento, em protagonizar, este homem deseja o anonimato, viver como escritor secreto. Contudo, no conto de Vila-Matas, 87


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seu segredo não perdura: Lampher Hvulac, poeta e editor, suspeita de seu potencial, quando por ventura Anatol aceita elaborar uma introdução para a exposição de fotografias de um amigo. Lampher afirma para o escritor secreto: “- Aqui, atrás destas linhas, se esconde um autor – sinalizou Hvulac quando terminou de ler a introdução”. (VILA-MATAS, 2009b, p.80) Entendemos com este julgamento que, portanto, o autor pode ser um sujeito dono de determinado potencial. Se for este um critério, como podemos distinguir esta possível capacidade? Mais ainda, do que se trata este potencial? De quantas formas somos capazes de diferenciar uma lata de sopa comum de uma obra de arte? Diante dessas perspectivas, é possível afirmar que ocorre uma verdadeira obsessão, centralizando a investigação na figura do autor e, praticamente, sonegando a obra de arte. O personagem de Anatol decide resolver este problema, e escolhe o anonimato. Deixa para um amigo seu todos seus escritos, guardados em um baú, e desaparece. A obra, neste caso, toma o lugar de importância da autoria, com a autoridade de quem se sabe ser seu próprio protagonista. Em sua última ligação telefônica, Anatol e o amigo dialogam: - O que disse? Ainda está aí, Anatol? Sim, mas por pouco tempo. Porque o autor vai embora. Deixo-lhes o baú, a única coisa que interessa. Anatol desligou o telefone. Pensou: a obrigação do autor é desaparecer. (VILA-

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MATAS, 2009b, p.88)

De acordo com o que o próprio Vila-Matas descreve, o desejo do escritor é somente escrever, e não buscar a aparição em público. Neste sentido, torna-se compreensível a opção pelo anonimato de muitos artistas e literatos. Um exemplo categórico, além de contemporâneo, é o caso do romancista norte-americano, Jerome David Salinger (1919 – 2010). Após adquirir grande fama, por ocasião do lançamento do livro O apanhador no campo de centeio, Salinger preferiu viver em reclusão e publicar escassamente até o fim de sua vida. Outro escritor da ausência foi o suíço Robert Walser (1878 – 1956), que afirmava a prática de escrever para se ausentar. Ou ainda, o francês Michel Montaigne (1533 – 1592), o qual confessou, enquanto escrevia sua famosa obra Ensaios, que escrevia para se conhecer. Entretanto, observamos a perpetuação da obra de muitos destes, mesmo após a morte de seus autores. Isto nos leva a crer que, em alguns casos, a obra percorre os horizontes sobre si mesma, pois ela basta a si própria. É a partir do conto sobre A arte de desaparecer que Vila-Matas desenvolve, mais tarde, sua última obra publicada no Brasil, intitulada Doutor Pasavento. O livro é narrado por Andrés Pasavento, um romancista, obcecado pelo desaparecimento e que, após sua conferência em Sevilla, decide se ausentar. Depois de uma longa viagem, se 89


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seu segredo não perdura: Lampher Hvulac, poeta e editor, suspeita de seu potencial, quando por ventura Anatol aceita elaborar uma introdução para a exposição de fotografias de um amigo. Lampher afirma para o escritor secreto: “- Aqui, atrás destas linhas, se esconde um autor – sinalizou Hvulac quando terminou de ler a introdução”. (VILA-MATAS, 2009b, p.80) Entendemos com este julgamento que, portanto, o autor pode ser um sujeito dono de determinado potencial. Se for este um critério, como podemos distinguir esta possível capacidade? Mais ainda, do que se trata este potencial? De quantas formas somos capazes de diferenciar uma lata de sopa comum de uma obra de arte? Diante dessas perspectivas, é possível afirmar que ocorre uma verdadeira obsessão, centralizando a investigação na figura do autor e, praticamente, sonegando a obra de arte. O personagem de Anatol decide resolver este problema, e escolhe o anonimato. Deixa para um amigo seu todos seus escritos, guardados em um baú, e desaparece. A obra, neste caso, toma o lugar de importância da autoria, com a autoridade de quem se sabe ser seu próprio protagonista. Em sua última ligação telefônica, Anatol e o amigo dialogam: - O que disse? Ainda está aí, Anatol? Sim, mas por pouco tempo. Porque o autor vai embora. Deixo-lhes o baú, a única coisa que interessa. Anatol desligou o telefone. Pensou: a obrigação do autor é desaparecer. (VILA-

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MATAS, 2009b, p.88)

De acordo com o que o próprio Vila-Matas descreve, o desejo do escritor é somente escrever, e não buscar a aparição em público. Neste sentido, torna-se compreensível a opção pelo anonimato de muitos artistas e literatos. Um exemplo categórico, além de contemporâneo, é o caso do romancista norte-americano, Jerome David Salinger (1919 – 2010). Após adquirir grande fama, por ocasião do lançamento do livro O apanhador no campo de centeio, Salinger preferiu viver em reclusão e publicar escassamente até o fim de sua vida. Outro escritor da ausência foi o suíço Robert Walser (1878 – 1956), que afirmava a prática de escrever para se ausentar. Ou ainda, o francês Michel Montaigne (1533 – 1592), o qual confessou, enquanto escrevia sua famosa obra Ensaios, que escrevia para se conhecer. Entretanto, observamos a perpetuação da obra de muitos destes, mesmo após a morte de seus autores. Isto nos leva a crer que, em alguns casos, a obra percorre os horizontes sobre si mesma, pois ela basta a si própria. É a partir do conto sobre A arte de desaparecer que Vila-Matas desenvolve, mais tarde, sua última obra publicada no Brasil, intitulada Doutor Pasavento. O livro é narrado por Andrés Pasavento, um romancista, obcecado pelo desaparecimento e que, após sua conferência em Sevilla, decide se ausentar. Depois de uma longa viagem, se 89


#7 artigos ensaios

perguntando sobre o assunto de sua palestra a ser conferida, o narrador Pasavento afirma: De repente, decidi que devia deixar de rodeios e desaparecer, eu mesmo. Desaparecer, esse era o grande desafio. Tratava-se de não esquecer que eu sempre havia pensado que se deve tentar ser infinitamente pequeno, que isso certamente é a própria perfeição. Mas como conseguir ser tão infinitamente pequeno a ponto de desaparecer por completo? (VILAMATAS, 2009a, p.43)

Neste caso podemos perceber a dificuldade da desaparição. Como não deixar os rastros de nossa produção no objeto que desenhamos? Seria possível compreender a obra de arte sem ao menos perceber um traço característico do seu criador? A complexidade da ausência do autor é, então, transferida para a autoria da obra, como modo de espelhamento de quem a produz. Vila-Matas afirma, em entrevista, este exercício de esvanecimento: “É dentro dessa busca e perplexidade que eu escrevo todos os dias. Para levar a cabo essa busca, necessito me isolar, escrever, desaparecer em meu local de trabalho”. (SOUZA, 2010, p.20-21) Adotamos, então, este posicionamento em relação às artes visuais. Surge uma nova inquietação: como podemos compreender o apagamento do artista visual? Após as leituras de Vila-Matas, levamos em conta que, no flerte com o desaparecimento, um exercício 90

possível é o da morte, ou seja, a ausência física como em Bas Jan Ader. Referências BARTHES, Roland. O rumor da língua. Tradução Mario Laranjeita. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. BEENKER, Erik. et al. Bas Jan Ader: Please don’t leave me. Holanda: Museum Boijmans Van Beuningen, s/d. BLANCHOT, Maurice. A parte do Fogo. Tradução Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1997. _____. A conversa infinita. Tradução Aurélio Guerra Neto. São Paulo: Escuta, 2001. _____. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. CAVALHEIRO, Juciane dos Santos. A concepção do autor em Bakhtin, Barthes e Foucault. Signum: Estudos da Linguagem, Londrina, v.11, n.2, p.67-81, dez. 2008. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Lisboa: Relógio d’água, 1997. _____. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2007. _____. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Ditos e escritos III. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. 91


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perguntando sobre o assunto de sua palestra a ser conferida, o narrador Pasavento afirma: De repente, decidi que devia deixar de rodeios e desaparecer, eu mesmo. Desaparecer, esse era o grande desafio. Tratava-se de não esquecer que eu sempre havia pensado que se deve tentar ser infinitamente pequeno, que isso certamente é a própria perfeição. Mas como conseguir ser tão infinitamente pequeno a ponto de desaparecer por completo? (VILAMATAS, 2009a, p.43)

Neste caso podemos perceber a dificuldade da desaparição. Como não deixar os rastros de nossa produção no objeto que desenhamos? Seria possível compreender a obra de arte sem ao menos perceber um traço característico do seu criador? A complexidade da ausência do autor é, então, transferida para a autoria da obra, como modo de espelhamento de quem a produz. Vila-Matas afirma, em entrevista, este exercício de esvanecimento: “É dentro dessa busca e perplexidade que eu escrevo todos os dias. Para levar a cabo essa busca, necessito me isolar, escrever, desaparecer em meu local de trabalho”. (SOUZA, 2010, p.20-21) Adotamos, então, este posicionamento em relação às artes visuais. Surge uma nova inquietação: como podemos compreender o apagamento do artista visual? Após as leituras de Vila-Matas, levamos em conta que, no flerte com o desaparecimento, um exercício 90

possível é o da morte, ou seja, a ausência física como em Bas Jan Ader. Referências BARTHES, Roland. O rumor da língua. Tradução Mario Laranjeita. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. BEENKER, Erik. et al. Bas Jan Ader: Please don’t leave me. Holanda: Museum Boijmans Van Beuningen, s/d. BLANCHOT, Maurice. A parte do Fogo. Tradução Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1997. _____. A conversa infinita. Tradução Aurélio Guerra Neto. São Paulo: Escuta, 2001. _____. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. CAVALHEIRO, Juciane dos Santos. A concepção do autor em Bakhtin, Barthes e Foucault. Signum: Estudos da Linguagem, Londrina, v.11, n.2, p.67-81, dez. 2008. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Lisboa: Relógio d’água, 1997. _____. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2007. _____. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Ditos e escritos III. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. 91


#7 ensaios

KRIS, Ernst; KURZ, Otto. La leyenda del artista. Madrid: Catedra, 1982. LEVY, Tatiana Salem. A experiência do fora: Blanchot, Foucault e Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003. RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo. (Org.). Figuras de Foucault. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. SOUZA, Wilker. Escrita da ausência. Cult, São Paulo, ano 13, n. 144, p. 20 -21, mar. 2010. VILA-MATAS, Enrique. Bartleby e companhia. São Paulo: Cosac Naify, 2004. _____. Doutor Pasavento. Tradução José Geraldo Couto. São Paulo: Cosac Naify, 2009a. _____. Suicídios exemplares. Tradução Carla Branco. São Paulo: Cosac Naify, 2009b. Imagem: Bas Jan Ader, Bulletin 89-Bas Jan Ader In Search of the Miraculous (Songs for the North Atlantic), 1975 - 11 x 17 inches. Courtesy Bas Jan Ader Estate, Patrick Painter Editions, Vancouver and Perry Rubenstein Gallery, New York. Disponível em: <http://www.artlies.org/_issues/49/ features/norden.ader.insearchof.jpg> Acessado em 29 mar. 2010.

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KRIS, Ernst; KURZ, Otto. La leyenda del artista. Madrid: Catedra, 1982. LEVY, Tatiana Salem. A experiência do fora: Blanchot, Foucault e Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003. RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo. (Org.). Figuras de Foucault. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. SOUZA, Wilker. Escrita da ausência. Cult, São Paulo, ano 13, n. 144, p. 20 -21, mar. 2010. VILA-MATAS, Enrique. Bartleby e companhia. São Paulo: Cosac Naify, 2004. _____. Doutor Pasavento. Tradução José Geraldo Couto. São Paulo: Cosac Naify, 2009a. _____. Suicídios exemplares. Tradução Carla Branco. São Paulo: Cosac Naify, 2009b. Imagem: Bas Jan Ader, Bulletin 89-Bas Jan Ader In Search of the Miraculous (Songs for the North Atlantic), 1975 - 11 x 17 inches. Courtesy Bas Jan Ader Estate, Patrick Painter Editions, Vancouver and Perry Rubenstein Gallery, New York. Disponível em: <http://www.artlies.org/_issues/49/ features/norden.ader.insearchof.jpg> Acessado em 29 mar. 2010.

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#7 artigos ensaios

Distâncias históricas, proximidades Ideológicas: traços do discurso colonialista na crítica de arte brasileira Paulo Salvetti Jr.1

Resumo: Este artigo parte da investigação de dois importantes textos do livro Crítica de Arte no Brasil: Temática Contemporânea, organizado por Glória Ferreira. Foram escolhidas críticas de momentos diferentes, mas que refletem conteúdos semelhantes, sendo uma escrita por Mário Predrosa em 1976, chamada “Discurso aos Tupiniquins ou Nambás”, e outra de Fernando Cocchiarale, escrita em 2000, chamada “Da adversidade vivemos”. A partir de subsídios da teoria póscolonialista, a análise busca demonstrar traços do discurso colonialista presente nos textos, sugerindo a possibilidade desse tipo de discurso ser bastante comum na crítica de arte brasileira de um modo geral. ¹Formado em Letras-Vernáculas, pela Universidade Estadual de Londrina, especialista em História da Arte, pela mesma instituição e mestre em Artes Visuais (História, Teoria e Crítica) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 95


#7 artigos ensaios

Distâncias históricas, proximidades Ideológicas: traços do discurso colonialista na crítica de arte brasileira Paulo Salvetti Jr.1

Resumo: Este artigo parte da investigação de dois importantes textos do livro Crítica de Arte no Brasil: Temática Contemporânea, organizado por Glória Ferreira. Foram escolhidas críticas de momentos diferentes, mas que refletem conteúdos semelhantes, sendo uma escrita por Mário Predrosa em 1976, chamada “Discurso aos Tupiniquins ou Nambás”, e outra de Fernando Cocchiarale, escrita em 2000, chamada “Da adversidade vivemos”. A partir de subsídios da teoria póscolonialista, a análise busca demonstrar traços do discurso colonialista presente nos textos, sugerindo a possibilidade desse tipo de discurso ser bastante comum na crítica de arte brasileira de um modo geral. ¹Formado em Letras-Vernáculas, pela Universidade Estadual de Londrina, especialista em História da Arte, pela mesma instituição e mestre em Artes Visuais (História, Teoria e Crítica) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 95


#7 artigos ensaios

Mesmo que às vezes esteja diluído em linguagem, o estigma colonial brasileiro frequentemente deixa rastros nos discursos que permeiam reflexões nacionais. E essa ocorrência não se dá por acaso: a herança colonial é parte fundamental de nossa estrutura patriótica, a qual emerge, não por acaso, tendo como marco a independência política do Brasil em relação a Portugal, em comemoração à condição pós-colonial. Assim sendo, somos marcados por uma história de complexas relações de subordinação espacial, econômica, política e cultural em relação à Europa e, mais recentemente, aos Estados Unidos. Desse modo, é recorrente, em expressões reflexivas, a defesa e a procura de um lugar do Brasil no contexto internacional, seja no âmbito da economia, da literatura ou da crítica de arte. Tomando tal contexto como viés, este artigo propõe-se a análise de dois textos presentes no livro Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas, organizado por Gloria Ferreira. Dentre as sete partes, nas quais o livro está divido, escolhi a denominada Situações Transitivas2, e desta tomarei como objeto os ²Segundo Glória Ferreira, o título “situações transitivas” foi emprestado de um texto de Fernando Cocchirale sobre novas práticas artísticas em que as fronteiras entre gêneros apresentam-se diluídas. Desse modo, nesta parte da coletânea crítica encontram-se textos que tratam de novas situações artísticas no Brasil, como a arte na cidade, instalações, arte corporal, assim como discussões sobre o lugar ocupado por essas novas tendências. 96

textos “Discurso aos Tupiniquins ou Nambás” de Mário Pedrosa e “Da adversidade vivemos” de Fernando Cocchiarale. Antes de entrar propriamente no assunto dos textos, quero propor algumas elucidações acerca da problemática que enfocarei. A história do Brasil, assim como a de outros países da América Latina, está estruturada a partir de relações de poder, em função dos processos de colonização, que muitas vezes tornam obscuras a noção de identidade, marcada sempre por um multiculturalismo que, embora seja fruto do próprio processo colonizador, já se desenvolvia nas estruturas dos indígenas que aqui estavam. Ainda mais porque a colonização de nosso país apresenta uma série de outros agravantes que tornam os conflitos mais complexos. Um deles é o fato de o Brasil ter sido colonizado com contingente de população européia, mesclada a populações africanas e aos nativos indígenas. A formação dessa população miscigenada fez com que, no momento da independência, não estivessem aqui grupos nativos que restabeleceram sua autonomia, mas sim grupos diversos que organizaram uma configuração nova e diferenciada em relação a todas aquelas de suas origens. Em decorrência dessa questão, o momento de constituição da pátria nacional é o de se criar uma identidade, inclusive em relação à formação étnica, e não apenas de fortalecer uma que já existia por aqui. Além disso, pouco antes da oficial separação entre Brasil e Portugal, o reino português, em fuga às invasões napoleônicas, trans97


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Mesmo que às vezes esteja diluído em linguagem, o estigma colonial brasileiro frequentemente deixa rastros nos discursos que permeiam reflexões nacionais. E essa ocorrência não se dá por acaso: a herança colonial é parte fundamental de nossa estrutura patriótica, a qual emerge, não por acaso, tendo como marco a independência política do Brasil em relação a Portugal, em comemoração à condição pós-colonial. Assim sendo, somos marcados por uma história de complexas relações de subordinação espacial, econômica, política e cultural em relação à Europa e, mais recentemente, aos Estados Unidos. Desse modo, é recorrente, em expressões reflexivas, a defesa e a procura de um lugar do Brasil no contexto internacional, seja no âmbito da economia, da literatura ou da crítica de arte. Tomando tal contexto como viés, este artigo propõe-se a análise de dois textos presentes no livro Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas, organizado por Gloria Ferreira. Dentre as sete partes, nas quais o livro está divido, escolhi a denominada Situações Transitivas2, e desta tomarei como objeto os ²Segundo Glória Ferreira, o título “situações transitivas” foi emprestado de um texto de Fernando Cocchirale sobre novas práticas artísticas em que as fronteiras entre gêneros apresentam-se diluídas. Desse modo, nesta parte da coletânea crítica encontram-se textos que tratam de novas situações artísticas no Brasil, como a arte na cidade, instalações, arte corporal, assim como discussões sobre o lugar ocupado por essas novas tendências. 96

textos “Discurso aos Tupiniquins ou Nambás” de Mário Pedrosa e “Da adversidade vivemos” de Fernando Cocchiarale. Antes de entrar propriamente no assunto dos textos, quero propor algumas elucidações acerca da problemática que enfocarei. A história do Brasil, assim como a de outros países da América Latina, está estruturada a partir de relações de poder, em função dos processos de colonização, que muitas vezes tornam obscuras a noção de identidade, marcada sempre por um multiculturalismo que, embora seja fruto do próprio processo colonizador, já se desenvolvia nas estruturas dos indígenas que aqui estavam. Ainda mais porque a colonização de nosso país apresenta uma série de outros agravantes que tornam os conflitos mais complexos. Um deles é o fato de o Brasil ter sido colonizado com contingente de população européia, mesclada a populações africanas e aos nativos indígenas. A formação dessa população miscigenada fez com que, no momento da independência, não estivessem aqui grupos nativos que restabeleceram sua autonomia, mas sim grupos diversos que organizaram uma configuração nova e diferenciada em relação a todas aquelas de suas origens. Em decorrência dessa questão, o momento de constituição da pátria nacional é o de se criar uma identidade, inclusive em relação à formação étnica, e não apenas de fortalecer uma que já existia por aqui. Além disso, pouco antes da oficial separação entre Brasil e Portugal, o reino português, em fuga às invasões napoleônicas, trans97


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feriu sua sede para o Brasil, que passou de periferia colonizada à capital do Império colonizador, experiência bastante peculiar entre os países colonizados. Outro ponto relevante, ainda, é o fato de nosso colonizador ter sido um país ibérico, sem grande tradição entre os europeus, o que tornou o Brasil subordinado não só a Portugal, mas também à Inglaterra, por conta das relações comerciais, à França, pela referências culturais, e, ainda, aos Estados Unidos, pela proximidade geográfica e domínio econômico. Essa mescla tão pluralizada de referências nas relações de poder, fez com que a condição colonial do Brasil não se fizesse com clareza nem no momento da busca pela autonomia política e econômica, nem nas definições de identidade cultural. A literatura brasileira do século XIX, em decorrência dessas questões, busca a criação de um ideal patriótico forjando um passado heróico ficcional, ao mesmo tempo tomando como modelo a referência do colonizador e defendendo um discurso político de autonomia, mostrando que no exotismo de nosso povo estaria a grandeza de nossa nação. Desse modo, imprimindo uma complexidade cheia de paradoxos para os leitores desse tempo. Leyla Perrone Moisés aponta que:

Nas artes visuais (ou plásticas) a situação não foi diferente, de modo que o surgimento de uma pintura nacional acontece logo depois da criação da Academia Imperial de Belas Artes. O fato importante é que os professores que aqui estiveram eram franceses e não portugueses, como se poderia esperar. Isso porque, a Academia surgiu no Brasil antes do que em Portugal, fazendo, inclusive, com que os portugueses reivindicassem direitos em relação à colônia, fato bastante incomum. A partir desse indício já se pode supor que os paradoxos também se estendem para a pintura. Em texto que prefacia o importante livro A Arte Brasileira, de Gonzaga-Duque, Tadeu Chiarelli comenta o projeto da Academia Imperial de Belas Artes durante a gestão de Araújo Porto Alegre como diretor, que:

Os nacionalismos literários latino-americanos,

(...) voltava-se para a construção idealizada de

do Romantismo aos dias de hoje, têm essa ca-

uma “mitologia brasileira”, baseada em obras

racterística de uma reivindicação que não co-

de gênero histórico, voltadas para a glorifica-

nhece muito bem os limites dos direitos e das recusas, correndo sempre o risco de misturar razões políticas e econômicas com razões estéticas, e de querer eliminar um inimigo que, do ponto de vista da história cultural, é constitutivo de sua identidade (PERRONE-MOISÉS, 1997, p. 249-250).

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feriu sua sede para o Brasil, que passou de periferia colonizada à capital do Império colonizador, experiência bastante peculiar entre os países colonizados. Outro ponto relevante, ainda, é o fato de nosso colonizador ter sido um país ibérico, sem grande tradição entre os europeus, o que tornou o Brasil subordinado não só a Portugal, mas também à Inglaterra, por conta das relações comerciais, à França, pela referências culturais, e, ainda, aos Estados Unidos, pela proximidade geográfica e domínio econômico. Essa mescla tão pluralizada de referências nas relações de poder, fez com que a condição colonial do Brasil não se fizesse com clareza nem no momento da busca pela autonomia política e econômica, nem nas definições de identidade cultural. A literatura brasileira do século XIX, em decorrência dessas questões, busca a criação de um ideal patriótico forjando um passado heróico ficcional, ao mesmo tempo tomando como modelo a referência do colonizador e defendendo um discurso político de autonomia, mostrando que no exotismo de nosso povo estaria a grandeza de nossa nação. Desse modo, imprimindo uma complexidade cheia de paradoxos para os leitores desse tempo. Leyla Perrone Moisés aponta que:

Nas artes visuais (ou plásticas) a situação não foi diferente, de modo que o surgimento de uma pintura nacional acontece logo depois da criação da Academia Imperial de Belas Artes. O fato importante é que os professores que aqui estiveram eram franceses e não portugueses, como se poderia esperar. Isso porque, a Academia surgiu no Brasil antes do que em Portugal, fazendo, inclusive, com que os portugueses reivindicassem direitos em relação à colônia, fato bastante incomum. A partir desse indício já se pode supor que os paradoxos também se estendem para a pintura. Em texto que prefacia o importante livro A Arte Brasileira, de Gonzaga-Duque, Tadeu Chiarelli comenta o projeto da Academia Imperial de Belas Artes durante a gestão de Araújo Porto Alegre como diretor, que:

Os nacionalismos literários latino-americanos,

(...) voltava-se para a construção idealizada de

do Romantismo aos dias de hoje, têm essa ca-

uma “mitologia brasileira”, baseada em obras

racterística de uma reivindicação que não co-

de gênero histórico, voltadas para a glorifica-

nhece muito bem os limites dos direitos e das recusas, correndo sempre o risco de misturar razões políticas e econômicas com razões estéticas, e de querer eliminar um inimigo que, do ponto de vista da história cultural, é constitutivo de sua identidade (PERRONE-MOISÉS, 1997, p. 249-250).

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#7 artigos ensaios

ção dos valores ideológicos do Império. Não existe mais aquilo que se percebia, pelo menos em tese, no cerne da Academia no período em que foi fundada: o embate entre posturas estéticas antagônicas acabou cedendo lugar a uma proposta homogeneizadora de produção artística, voltada para uma função muito clara (CHIARELLI, 1995, p. 18-19).

Ora, vale lembrarmos, a partir das considerações acima, que os próprios apoios que deram base para a construção de uma iconografia nacional foram fruto da idealização histórica, empreendida pela criação, em 1838, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que teve como função a criação da história do Brasil. Tal Instituto serviu muito mais como fonte subsidiária do fortalecimento do discurso patriótico do que como centro de documentação e registros efetivos. Desse modo, podemos entender que grande parte da expressão artística esteve marcada por discursos fictícios de realidade, sem que se pudesse reconhecer, de fato, o lugar de colônia dominada por nação européia. Depois de alguns saltos temporais, poderemos novamente observar o projeto de uma arte nacional no Modernismo na década de 1920. Figuras como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Tarsila do Amaral, estiveram envolvidos em projetos de atualização da experiência brasileira colo100

nial frente aos novos rumos da produção artística francesa. No entanto, novos paradoxos se apontam para esse período. Como já apontou Icléia Cattani(2004), a “atualização, tanto na arte quanto na cultura, foi elaborada a partir de um desejo de modernidade, mais que de condições efetivas existentes na sociedade” (p. 10). Esse viés, daquele que buscou um modelo de cultura moderna, parece importante para refletirmos sobre a relação entre colonizado e colonizador. Cattani também faz uma revisão histórica e analisa o modernismo da arte brasileira confrontando a idéia de vanguarda, aplicada aqui, com a perspectiva de retorno à ordem. Tratase essa última idéia de uma característica observada na Europa na qual as tendências vanguardistas acabam se aliando a certa herança da tradição, ocasionando uma sistematização das vanguardas de tal modo a representarem novos padrões tais quais os acadêmicos. A autora observa que, ao transferirem, por exemplo, as referências do cubismo para o Brasil como uma atualização vanguardista, os artistas, como Tarsila do Amaral, na verdade estavam trabalhando, ao mesmo tempo, na divulgação da vanguarda e do retorno à ordem, uma vez que as técnicas aprendidas na Europa tiveram como fonte adeptos do retorno à ordem. Mais uma vez mostrando que os conflitos foram constantes na constituição dos projetos nacionais, ainda que, embora paradoxais, tais procedimentos estivessem bastante relacionados com o contexto nacional. Afinal, como afirma Perrone-Moisés(1997): 101


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ção dos valores ideológicos do Império. Não existe mais aquilo que se percebia, pelo menos em tese, no cerne da Academia no período em que foi fundada: o embate entre posturas estéticas antagônicas acabou cedendo lugar a uma proposta homogeneizadora de produção artística, voltada para uma função muito clara (CHIARELLI, 1995, p. 18-19).

Ora, vale lembrarmos, a partir das considerações acima, que os próprios apoios que deram base para a construção de uma iconografia nacional foram fruto da idealização histórica, empreendida pela criação, em 1838, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que teve como função a criação da história do Brasil. Tal Instituto serviu muito mais como fonte subsidiária do fortalecimento do discurso patriótico do que como centro de documentação e registros efetivos. Desse modo, podemos entender que grande parte da expressão artística esteve marcada por discursos fictícios de realidade, sem que se pudesse reconhecer, de fato, o lugar de colônia dominada por nação européia. Depois de alguns saltos temporais, poderemos novamente observar o projeto de uma arte nacional no Modernismo na década de 1920. Figuras como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Tarsila do Amaral, estiveram envolvidos em projetos de atualização da experiência brasileira colo100

nial frente aos novos rumos da produção artística francesa. No entanto, novos paradoxos se apontam para esse período. Como já apontou Icléia Cattani(2004), a “atualização, tanto na arte quanto na cultura, foi elaborada a partir de um desejo de modernidade, mais que de condições efetivas existentes na sociedade” (p. 10). Esse viés, daquele que buscou um modelo de cultura moderna, parece importante para refletirmos sobre a relação entre colonizado e colonizador. Cattani também faz uma revisão histórica e analisa o modernismo da arte brasileira confrontando a idéia de vanguarda, aplicada aqui, com a perspectiva de retorno à ordem. Tratase essa última idéia de uma característica observada na Europa na qual as tendências vanguardistas acabam se aliando a certa herança da tradição, ocasionando uma sistematização das vanguardas de tal modo a representarem novos padrões tais quais os acadêmicos. A autora observa que, ao transferirem, por exemplo, as referências do cubismo para o Brasil como uma atualização vanguardista, os artistas, como Tarsila do Amaral, na verdade estavam trabalhando, ao mesmo tempo, na divulgação da vanguarda e do retorno à ordem, uma vez que as técnicas aprendidas na Europa tiveram como fonte adeptos do retorno à ordem. Mais uma vez mostrando que os conflitos foram constantes na constituição dos projetos nacionais, ainda que, embora paradoxais, tais procedimentos estivessem bastante relacionados com o contexto nacional. Afinal, como afirma Perrone-Moisés(1997): 101


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(...) a mestiçagem é um fato consumado na América Latina e, em termos culturais e artísticos, produz resultados originais. Vários de nossos escritores encararam essa mestiçagem como transculturação, como uma síntese que não seria uma assunção soberana e tranqüila do Ser, mas uma síntese sempre provisória, em processo, aberta a novas aventuras do ser americano (p. 255).

É depois do segundo pós-guerra que a arte brasileira começa a configurar elementos de base para o que hoje se convencionou chamar de Arte Contemporânea. Pensando na relação com o projeto de uma arte nacional, Tadeu Chiarelli(1995) aponta que: A crítica e os artistas locais, em sua maioria descompromissados com tais necessidades, iriam operar diálogos extremamente salutares com a arte e o pensamente artístico internacional, cumprindo, talvez, finalmente, a predileção pela diversidade na arte aqui produzida (p.52).

Mas, embora Chiarelli aponte essa despreocupação com o elemento nacional, ainda notamos que a própria con102

figuração que leva em conta a diversidade já é parte de um discurso que vinha demonstrado através da produção artística dos outros períodos, como havia apontado Perrone-Moisés. Nesse sentido, poderíamos pensar que as mesclas de referências culturais seriam mais uma continuidade do que uma descontinuidade no empreendimento artístico brasileiro. De fato, os textos selecionados de Mário Pedrosa e Fernando Cocchirale, que a partir de agora tomaremos como objeto de análise, demonstram estar de acordo com as perspectivas desse novo contexto apontado por Chiarelli. No entanto, há um traço comum que pode ser notado nos dois textos críticos, e que se somam a todo o panorama construído até agora por este artigo: elementos de afirmação de uma arte nacional diante da produção artística internacional. E, nesse sentido, podendo ser enfocadas como uma tentativa, não de definição de uma identidade nacional própria, mas de criar uma situação de equivalência entre as sociedades dominadoras e as nossas, do Brasil e da América Latina, dominadas. Para auxiliar as observações acerca dos textos, utilizarei algumas noções da teoria pós-colonialista, que, embora polêmica, pode contribuir substancialmente para análises como esta, que busca entender um pouco mais sobre possíveis marcas de um discurso do colonizado. Essa teoria ganha força nas décadas de 1950 e 60 com as publicações de Frantz Fanon. A base da reflexão prevê a relação de poder entre colonizados e colonizadores. Segundo Tomaz Tadeu da Silva(2007): 103


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(...) a mestiçagem é um fato consumado na América Latina e, em termos culturais e artísticos, produz resultados originais. Vários de nossos escritores encararam essa mestiçagem como transculturação, como uma síntese que não seria uma assunção soberana e tranqüila do Ser, mas uma síntese sempre provisória, em processo, aberta a novas aventuras do ser americano (p. 255).

É depois do segundo pós-guerra que a arte brasileira começa a configurar elementos de base para o que hoje se convencionou chamar de Arte Contemporânea. Pensando na relação com o projeto de uma arte nacional, Tadeu Chiarelli(1995) aponta que: A crítica e os artistas locais, em sua maioria descompromissados com tais necessidades, iriam operar diálogos extremamente salutares com a arte e o pensamente artístico internacional, cumprindo, talvez, finalmente, a predileção pela diversidade na arte aqui produzida (p.52).

Mas, embora Chiarelli aponte essa despreocupação com o elemento nacional, ainda notamos que a própria con102

figuração que leva em conta a diversidade já é parte de um discurso que vinha demonstrado através da produção artística dos outros períodos, como havia apontado Perrone-Moisés. Nesse sentido, poderíamos pensar que as mesclas de referências culturais seriam mais uma continuidade do que uma descontinuidade no empreendimento artístico brasileiro. De fato, os textos selecionados de Mário Pedrosa e Fernando Cocchirale, que a partir de agora tomaremos como objeto de análise, demonstram estar de acordo com as perspectivas desse novo contexto apontado por Chiarelli. No entanto, há um traço comum que pode ser notado nos dois textos críticos, e que se somam a todo o panorama construído até agora por este artigo: elementos de afirmação de uma arte nacional diante da produção artística internacional. E, nesse sentido, podendo ser enfocadas como uma tentativa, não de definição de uma identidade nacional própria, mas de criar uma situação de equivalência entre as sociedades dominadoras e as nossas, do Brasil e da América Latina, dominadas. Para auxiliar as observações acerca dos textos, utilizarei algumas noções da teoria pós-colonialista, que, embora polêmica, pode contribuir substancialmente para análises como esta, que busca entender um pouco mais sobre possíveis marcas de um discurso do colonizado. Essa teoria ganha força nas décadas de 1950 e 60 com as publicações de Frantz Fanon. A base da reflexão prevê a relação de poder entre colonizados e colonizadores. Segundo Tomaz Tadeu da Silva(2007): 103


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Nosso discurso sobre o período colonial não Ela parte da idéia de que o mundo contemporâ-

coloca uma oposição nós/eles (os portugueses)

neo, no momento mesmo em que supostamen-

porque o poder que interpelamos já mudou de

te se torna globalizado, só pode ser adequada-

mãos. Não devemos, então, responder apenas

mente compreendido se considerarmos todas as

aos fatos que ocorrem durante o período co-

conseqüências da chamada “aventura colonial

lonial por mais que eles ainda se façam sentir

européia” (p. 125).

em nossa “desorganização identitária” (nosso modo Macunaíma de ser?), mas precisamos

Ou seja, parte da idéia de que para se entender os lugares ocupados por uma cultura que teve sua história marcada por situações de colonização é preciso levar em conta as relações de poder estabelecidas entre os povos dominadores e os dominados. É com Edward Said, e sua obra Orientalismo de 1978, que os estudos dessa teoria ganham suas configurações contemporâneas. Said estabelece a relação entre o ocidente e o oriente, mostrando que o oriente nada mais é do que uma criação do ocidente, que vê o oriental como o outro inferior. Nesse sentido, se estabelecem relações de poder nítidas entre o colonizador e o colonizado. No entanto, no caso Brasil, uma leitura pós-colonial não poderia ater-se simplesmente a essas relações dicotômicas, uma vez que, como já apontei anteriormente, temos uma colonização peculiar e transcultural. De acordo com a pesquisadora Eloína Prati dos Santos(2006), 104

enfrentar nossa neo-colonialidade cultural e econômica, mais sutil e sem confrontos muito visíveis, meio perdidas no mundo globalizado desses tempos pós-modernos (p.186).

Levando em consideração todas as constatações elencadas, é possível que elementos desse discurso se encontrem diluídos em reflexões sobre a arte brasileira, mesmo que, por vezes, não sejam totalmente claros e conscientes. Isso porque, segundo a professora Ana Mae Barbosa(1995) “A consciência de ser colonizado dos brasileiros é titubeante, confusa e mal-explicitada”(p. 1). Embora esse traço possa ser notado também em outros objetos, trabalharei aqui numa perspectiva focada na segunda metade do século XX, tomando o texto de Pedrosa de 1976 e o de Cocchiarale de 2000. Desde o título, Mário Pedrosa já propõe, de modo aparentemente irônico, tratar de questões nacionais. “Discurso aos Tupiniquins ou Nambás”, insinua a intenção de discu105


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Nosso discurso sobre o período colonial não Ela parte da idéia de que o mundo contemporâ-

coloca uma oposição nós/eles (os portugueses)

neo, no momento mesmo em que supostamen-

porque o poder que interpelamos já mudou de

te se torna globalizado, só pode ser adequada-

mãos. Não devemos, então, responder apenas

mente compreendido se considerarmos todas as

aos fatos que ocorrem durante o período co-

conseqüências da chamada “aventura colonial

lonial por mais que eles ainda se façam sentir

européia” (p. 125).

em nossa “desorganização identitária” (nosso modo Macunaíma de ser?), mas precisamos

Ou seja, parte da idéia de que para se entender os lugares ocupados por uma cultura que teve sua história marcada por situações de colonização é preciso levar em conta as relações de poder estabelecidas entre os povos dominadores e os dominados. É com Edward Said, e sua obra Orientalismo de 1978, que os estudos dessa teoria ganham suas configurações contemporâneas. Said estabelece a relação entre o ocidente e o oriente, mostrando que o oriente nada mais é do que uma criação do ocidente, que vê o oriental como o outro inferior. Nesse sentido, se estabelecem relações de poder nítidas entre o colonizador e o colonizado. No entanto, no caso Brasil, uma leitura pós-colonial não poderia ater-se simplesmente a essas relações dicotômicas, uma vez que, como já apontei anteriormente, temos uma colonização peculiar e transcultural. De acordo com a pesquisadora Eloína Prati dos Santos(2006), 104

enfrentar nossa neo-colonialidade cultural e econômica, mais sutil e sem confrontos muito visíveis, meio perdidas no mundo globalizado desses tempos pós-modernos (p.186).

Levando em consideração todas as constatações elencadas, é possível que elementos desse discurso se encontrem diluídos em reflexões sobre a arte brasileira, mesmo que, por vezes, não sejam totalmente claros e conscientes. Isso porque, segundo a professora Ana Mae Barbosa(1995) “A consciência de ser colonizado dos brasileiros é titubeante, confusa e mal-explicitada”(p. 1). Embora esse traço possa ser notado também em outros objetos, trabalharei aqui numa perspectiva focada na segunda metade do século XX, tomando o texto de Pedrosa de 1976 e o de Cocchiarale de 2000. Desde o título, Mário Pedrosa já propõe, de modo aparentemente irônico, tratar de questões nacionais. “Discurso aos Tupiniquins ou Nambás”, insinua a intenção de discu105


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tir questões da arte tendo como interlocutores populações coloniais que se desenvolveram a partir de um base nativa indígena. Trata-se o texto de uma reflexão sobre o contexto da arte por volta da década de 1970, procurando mostrar as possibilidades de os países colonizados ganharem evidência no cenário internacional da produção artística. Pedrosa parte do pressuposto que os países ricos e desenvolvidos encaminharam de tal modo sua produção artística para o capitalismo que a arte se encontraria submetida ao mercado, e que o frenético ritmo imposto pelas sociedades industriais seria castrador dos potenciais criativos, conduzindo tudo para um mesmo padrão tecnológico e mercantil. Fora das áreas cosmopolitas, no entanto, o que aconteceria em relação à arte seria diferente. Trata-se do, “nascimento de um quarto reino mais para lá dos três tradicionais da natureza, o animal, o vegetal, o mineral, quer dizer, o reino da arte” (PEDROSA, 2006a, p. 467). Isso porque, a produção artística fora das áreas ricas estaria mais ligada à natureza, sendo orgânica à essência criativa e não ao mercado que a consome. Enquanto as metrópoles inauguram vanguardas e mais vanguardas para se adequarem às tendências da clientela, os países subdesenvolvidos guardam a possibilidade de não estarem contagiados “pelos poderosos complexos sado-masoquistas que reinam na sociedade da riqueza, da prosperidade, da saturação cultural para serem levados ao suicídio coletivo”(p. 469). Depois de apontar algumas ques106

tões específicas ligadas à arte corporal, como o caso de Piero Manzoni e de Rudolf Schwarszkogler, os quais Pedrosa considera de uma regressão patética, uma vez que se reduzem unicamente à relação do artista consigo mesmo, conclui, dizendo que: “Entretanto, abaixo da linha do hemisfério saturado de riqueza, de progresso e de cultura, germina a vida. Uma arte nova ameaça brotar” (p.471). Vejamos, a idéia central de Pedrosa pode ser apontada como uma tentativa de mostrar que a força da arte latino-americana mostra-se cada vez mais diante da ausência de perspectivas para a produção artística cosmopolita, absolutamente corrompida pelo capitalismo. Nesse sentido, a perspectiva seria de valorizar aquilo que temos de diferente frente a uma arte padronizada pelo mercantilismo. Mas o que faria o crítico pensar que não seríamos também corrompidos por tais perspectivas? Qual seria a novidade da arte latino-americana? Em princípio, algumas questões contextuais devem ser levadas em conta. Em primeiro ponto, lembremos que Mário Pedrosa foi um importante ativista da esquerda política no Brasil, tendo participado de movimentos comunistas e socialistas. Em decorrência dos golpes de estado, Estado Novo e Golpe Militar, teve de se exilar, tendo morado em Paris, Nova Iorque e Santiago do Chile, local onde estava no momento da escrita desse texto, no último ano de seu exílio. No Brasil, dedicou-se arduamente na divulgação de 107


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tir questões da arte tendo como interlocutores populações coloniais que se desenvolveram a partir de um base nativa indígena. Trata-se o texto de uma reflexão sobre o contexto da arte por volta da década de 1970, procurando mostrar as possibilidades de os países colonizados ganharem evidência no cenário internacional da produção artística. Pedrosa parte do pressuposto que os países ricos e desenvolvidos encaminharam de tal modo sua produção artística para o capitalismo que a arte se encontraria submetida ao mercado, e que o frenético ritmo imposto pelas sociedades industriais seria castrador dos potenciais criativos, conduzindo tudo para um mesmo padrão tecnológico e mercantil. Fora das áreas cosmopolitas, no entanto, o que aconteceria em relação à arte seria diferente. Trata-se do, “nascimento de um quarto reino mais para lá dos três tradicionais da natureza, o animal, o vegetal, o mineral, quer dizer, o reino da arte” (PEDROSA, 2006a, p. 467). Isso porque, a produção artística fora das áreas ricas estaria mais ligada à natureza, sendo orgânica à essência criativa e não ao mercado que a consome. Enquanto as metrópoles inauguram vanguardas e mais vanguardas para se adequarem às tendências da clientela, os países subdesenvolvidos guardam a possibilidade de não estarem contagiados “pelos poderosos complexos sado-masoquistas que reinam na sociedade da riqueza, da prosperidade, da saturação cultural para serem levados ao suicídio coletivo”(p. 469). Depois de apontar algumas ques106

tões específicas ligadas à arte corporal, como o caso de Piero Manzoni e de Rudolf Schwarszkogler, os quais Pedrosa considera de uma regressão patética, uma vez que se reduzem unicamente à relação do artista consigo mesmo, conclui, dizendo que: “Entretanto, abaixo da linha do hemisfério saturado de riqueza, de progresso e de cultura, germina a vida. Uma arte nova ameaça brotar” (p.471). Vejamos, a idéia central de Pedrosa pode ser apontada como uma tentativa de mostrar que a força da arte latino-americana mostra-se cada vez mais diante da ausência de perspectivas para a produção artística cosmopolita, absolutamente corrompida pelo capitalismo. Nesse sentido, a perspectiva seria de valorizar aquilo que temos de diferente frente a uma arte padronizada pelo mercantilismo. Mas o que faria o crítico pensar que não seríamos também corrompidos por tais perspectivas? Qual seria a novidade da arte latino-americana? Em princípio, algumas questões contextuais devem ser levadas em conta. Em primeiro ponto, lembremos que Mário Pedrosa foi um importante ativista da esquerda política no Brasil, tendo participado de movimentos comunistas e socialistas. Em decorrência dos golpes de estado, Estado Novo e Golpe Militar, teve de se exilar, tendo morado em Paris, Nova Iorque e Santiago do Chile, local onde estava no momento da escrita desse texto, no último ano de seu exílio. No Brasil, dedicou-se arduamente na divulgação de 107


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seus ideais políticos, tendo sido responsável pela publicação de importantes artigos em nome de uma política socialista democrática. Foi um dos mais importantes críticos de arte da história do Brasil, tendo pensado a obra de arte tanto no aspecto do conteúdo e da forma quanto do contexto de produção e inserção dela. Nesse sentido, buscou sempre entender o que seria adequado para a arte no Brasil diante da curta história que tinha. Dessas informações já se pode depreender algumas respostas. A forte crítica ao mercantilismo nas artes certamente filia-se a suas ideologias esquerdistas, que sempre estiveram combatendo os imperialismos. Nos anos 1970, o processo de compressão das distâncias entre países não estava demarcado, como ficaria no final da década de 1980, fato que possibilitava crer que as fronteiras entre arte nacional e internacional ainda fossem sólidas. Nessa perspectiva, podese entender as expectativas de que os países ainda menos desenvolvidos pudessem guardar um ideal de pureza frente ao mundo economicamente corrompido. Outra questão importante diz respeito à produção artística que vinha se desenvolvendo no Brasil nesse período. Vale lembrar que na década de 1960 a arte brasileira de vanguarda foi totalmente influenciada pelo experimentalismo de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape. Segundo Viviane Matesco (2006):

Provenientes do Neoconcretismo – movimento que significa uma humanização da linguagem construtiva através de uma investigação, baseada na noção de olhar corporificado de Merleau Ponty – Oiticica, Pape e Clark radicalizaram o desvio do projeto construtivo ao negar a esfera estética mediante novas práticas artísticas (p. 532).

Mário Pedrosa não só esteve atento a essas novas perspectivas como foi um grande entusiasta, escrevendo diversas apreciações sobre as inovações imprimidas. Ao falar sobre esse grupo de artistas, principalmente de Hélio Oiticica e de Lygia Clark, apontou que, diferentemente do que se produziu na arte dos períodos anteriores, não eram mais seguidores dos movimentos vanguardistas internacionais, mas sim precursores deles. Pedrosa notava na produção desse período uma forte possibilidade de mudança, percebendo que rompiam com a contemplação pacífica dos períodos anteriores, instigando no espectador a participação ativa. Em texto sobre Hélio Oiticica, descreve: Invadia-se de cor, sentia o contato físico da cor, ponderava a cor, tocava, pisava, respirava cor. Como na experiência dos bichos de Clark, o espectador deixava de ser um contemplador

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seus ideais políticos, tendo sido responsável pela publicação de importantes artigos em nome de uma política socialista democrática. Foi um dos mais importantes críticos de arte da história do Brasil, tendo pensado a obra de arte tanto no aspecto do conteúdo e da forma quanto do contexto de produção e inserção dela. Nesse sentido, buscou sempre entender o que seria adequado para a arte no Brasil diante da curta história que tinha. Dessas informações já se pode depreender algumas respostas. A forte crítica ao mercantilismo nas artes certamente filia-se a suas ideologias esquerdistas, que sempre estiveram combatendo os imperialismos. Nos anos 1970, o processo de compressão das distâncias entre países não estava demarcado, como ficaria no final da década de 1980, fato que possibilitava crer que as fronteiras entre arte nacional e internacional ainda fossem sólidas. Nessa perspectiva, podese entender as expectativas de que os países ainda menos desenvolvidos pudessem guardar um ideal de pureza frente ao mundo economicamente corrompido. Outra questão importante diz respeito à produção artística que vinha se desenvolvendo no Brasil nesse período. Vale lembrar que na década de 1960 a arte brasileira de vanguarda foi totalmente influenciada pelo experimentalismo de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape. Segundo Viviane Matesco (2006):

Provenientes do Neoconcretismo – movimento que significa uma humanização da linguagem construtiva através de uma investigação, baseada na noção de olhar corporificado de Merleau Ponty – Oiticica, Pape e Clark radicalizaram o desvio do projeto construtivo ao negar a esfera estética mediante novas práticas artísticas (p. 532).

Mário Pedrosa não só esteve atento a essas novas perspectivas como foi um grande entusiasta, escrevendo diversas apreciações sobre as inovações imprimidas. Ao falar sobre esse grupo de artistas, principalmente de Hélio Oiticica e de Lygia Clark, apontou que, diferentemente do que se produziu na arte dos períodos anteriores, não eram mais seguidores dos movimentos vanguardistas internacionais, mas sim precursores deles. Pedrosa notava na produção desse período uma forte possibilidade de mudança, percebendo que rompiam com a contemplação pacífica dos períodos anteriores, instigando no espectador a participação ativa. Em texto sobre Hélio Oiticica, descreve: Invadia-se de cor, sentia o contato físico da cor, ponderava a cor, tocava, pisava, respirava cor. Como na experiência dos bichos de Clark, o espectador deixava de ser um contemplador

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passivo, para ser atraído a uma ação que não estava na área de suas cogitações convencionais cotidianas, mas nas áreas das cogitações do artista, e destas participava, numa comunicação direta, pelo gesto e pela ação (PEDROSA, 2006b, p. 144).

Ora, toda essa admiração e expectativa em relação aos rumos da arte brasileira, e também latino-americana de um modo mais geral, previam certamente avanços efetivos para a arte internacional. No Brasil, a arte desse grupo descrito estava afastada dos mercados e das industrializações, atuando de modo progressivo na transformação social. Essas evidências, provavelmente, faziam com que Pedrosa olhasse a produção européia e norte-americana com restrições e, até, certo desprezo. Agora, também são possíveis observações acerca de referências ligadas à ideologia colonial que se apresentam no texto do crítico. Grande parte de seu Discurso, como ele mesmo chama, sustenta-se em comparações entre as sociedades ricas e desenvolvidas – dominadoras/colonizadoras – e as pobres e subdesenvolvidas – dominadas/colonizadas. Tais comparações tratam das relações de poder, denotando, de modo um pouco idealizado, que aqueles que não são dotados de poder não estão contaminados pela sujeira da sociedade mercantil. O próprio discurso pós-colonial, ainda em 110

uma configuração mais marxista, aparece claramente em seu texto. Marca disso é a referência direta que Mário Pedrosa faz à Frantz Fanon, quando, ao comentar sobre a revolução possível do que o terceiro mundo em relação nova arte, diz: “Será esta uma das faces mais vitais deste prisma revolucionário em gestação nas entranhas convulsas dos povos que Fanon chamou os ‘danados da terra’ ” (p. 470). Pedrosa mostra ter consciência da contribuição que os latino-americanos poderiam dar para o mundo da arte. Mas, ao tratar desse fato, pode-se depreender de sua argumentação comparações entre dominador e dominados, sem sugerir soluções efetivas que possam ser colocadas em práticas. O que fica evidente é sua preocupação diante da importância, para os povos colonizados, de se conhecer o passado e as condições históricas que formalizaram a situação colonial, preocupação que também é fundamental para a teoria póscolonial: As populações destituídas da América Latina carregam consigo um passado que nunca lhes foi possível sobrepujar ou sequer exprimir, quer dizer, fazê-lo teoricamente; porque tal expressão nos chega em livros na maior parte deformados ou disfarçados nas más historiografias de origem metropolitana (PEDROSA, 2006a, p. 469).

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passivo, para ser atraído a uma ação que não estava na área de suas cogitações convencionais cotidianas, mas nas áreas das cogitações do artista, e destas participava, numa comunicação direta, pelo gesto e pela ação (PEDROSA, 2006b, p. 144).

Ora, toda essa admiração e expectativa em relação aos rumos da arte brasileira, e também latino-americana de um modo mais geral, previam certamente avanços efetivos para a arte internacional. No Brasil, a arte desse grupo descrito estava afastada dos mercados e das industrializações, atuando de modo progressivo na transformação social. Essas evidências, provavelmente, faziam com que Pedrosa olhasse a produção européia e norte-americana com restrições e, até, certo desprezo. Agora, também são possíveis observações acerca de referências ligadas à ideologia colonial que se apresentam no texto do crítico. Grande parte de seu Discurso, como ele mesmo chama, sustenta-se em comparações entre as sociedades ricas e desenvolvidas – dominadoras/colonizadoras – e as pobres e subdesenvolvidas – dominadas/colonizadas. Tais comparações tratam das relações de poder, denotando, de modo um pouco idealizado, que aqueles que não são dotados de poder não estão contaminados pela sujeira da sociedade mercantil. O próprio discurso pós-colonial, ainda em 110

uma configuração mais marxista, aparece claramente em seu texto. Marca disso é a referência direta que Mário Pedrosa faz à Frantz Fanon, quando, ao comentar sobre a revolução possível do que o terceiro mundo em relação nova arte, diz: “Será esta uma das faces mais vitais deste prisma revolucionário em gestação nas entranhas convulsas dos povos que Fanon chamou os ‘danados da terra’ ” (p. 470). Pedrosa mostra ter consciência da contribuição que os latino-americanos poderiam dar para o mundo da arte. Mas, ao tratar desse fato, pode-se depreender de sua argumentação comparações entre dominador e dominados, sem sugerir soluções efetivas que possam ser colocadas em práticas. O que fica evidente é sua preocupação diante da importância, para os povos colonizados, de se conhecer o passado e as condições históricas que formalizaram a situação colonial, preocupação que também é fundamental para a teoria póscolonial: As populações destituídas da América Latina carregam consigo um passado que nunca lhes foi possível sobrepujar ou sequer exprimir, quer dizer, fazê-lo teoricamente; porque tal expressão nos chega em livros na maior parte deformados ou disfarçados nas más historiografias de origem metropolitana (PEDROSA, 2006a, p. 469).

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#7 artigos ensaios

Diante das idéias lançadas, pode-se notar na reflexão de Pedrosa que está voltada para a compreensão dos caminhos da arte, comparando a situação de países dominadores com a de dominados, mas que traz traços idealizados, como o novo que o dominado pode oferecer por não estar corrompido pelas estruturas de poder. Essa postura, que tantas outras vezes já se afirmou em nossa produção crítica e literária, segue aquele padrão dicotômico do BEM contra o MAL, que, em virtude de um passado de injustiças de poder, atribui aos grupos colonizados a postura daqueles que podem finalmente vencer e mostrar que também são capazes. Desse modo, Mário Pedrosa aproxima-se da prática discursiva do colonizado, que pretende mostrar sua diferença como elemento revolucionário, em busca ou de um reconhecimento efetivo internacional, ou de uma auto-afirmação que possa ser paliativa para o fortalecimento da identidade nacional. Curiosamente, o texto de Fernando Cocchiarale, escrito em 2000, apresenta diversas similaridades com o de Pedrosa. Embora distante temporalmente do momento da escrita de Pedrosa, Cocchiarale também apresenta um panorama da arte, mostrando possibilidades para inserção da arte brasileira, e também latino-americana, nos circuitos internacionais. Fernando Cocchiarale, não por acaso, toma emprestado a expressão de Hélio Oiticica “Da adversidade vivemos” para o seu texto crítico. O autor é pontual e perspicaz em tal abordagem, fazendo um levantamento que parte de uma 112

análise das situações coloniais da América Latina, observando, com excelência, possibilidades de se enxergar essa realidade e as relações de poder que se estabelecem entre elas e o centro europeu e estadunidense. Partindo para observações artísticas, o crítico novamente é muito consciente ao apontar que a posição da produção latinoamericana frente ao panorama internacional é, ainda, muitas vezes a do exotismo e do compromissado com as realidades políticas e sociais. No entanto, Cocchiarale vê um potencial no Brasil, numa leitura muito próxima daquela já feita por Mário Pedrosa, que poderia tornar a arte produzida aqui reconhecida e destacada diante do mundo. Para o autor, a arte contemporânea brasileira encontra-se residente numa tradição artística brasileira que há quatro décadas vem constituindo um campo consistente de referências visuais. Trata-se de “um passado moderno e contemporâneo que poucos países talvez possuam” (COCCHIARALE, p. 501). Nesse sentido, traça um percurso histórico pela produção artística mostrando caminhos para a origem dessa tendência da arte brasileira, passando pela antropofagia, Bienal de São Paulo, criação do MAM, entre outros acontecimentos importantes. Também comenta sobre a importância dos projetos de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape, apontando, inclusive, que a produção desses três artistas ligados ao experimentalismo de origem neoconcreta permitiu: 113


#7 artigos ensaios

Diante das idéias lançadas, pode-se notar na reflexão de Pedrosa que está voltada para a compreensão dos caminhos da arte, comparando a situação de países dominadores com a de dominados, mas que traz traços idealizados, como o novo que o dominado pode oferecer por não estar corrompido pelas estruturas de poder. Essa postura, que tantas outras vezes já se afirmou em nossa produção crítica e literária, segue aquele padrão dicotômico do BEM contra o MAL, que, em virtude de um passado de injustiças de poder, atribui aos grupos colonizados a postura daqueles que podem finalmente vencer e mostrar que também são capazes. Desse modo, Mário Pedrosa aproxima-se da prática discursiva do colonizado, que pretende mostrar sua diferença como elemento revolucionário, em busca ou de um reconhecimento efetivo internacional, ou de uma auto-afirmação que possa ser paliativa para o fortalecimento da identidade nacional. Curiosamente, o texto de Fernando Cocchiarale, escrito em 2000, apresenta diversas similaridades com o de Pedrosa. Embora distante temporalmente do momento da escrita de Pedrosa, Cocchiarale também apresenta um panorama da arte, mostrando possibilidades para inserção da arte brasileira, e também latino-americana, nos circuitos internacionais. Fernando Cocchiarale, não por acaso, toma emprestado a expressão de Hélio Oiticica “Da adversidade vivemos” para o seu texto crítico. O autor é pontual e perspicaz em tal abordagem, fazendo um levantamento que parte de uma 112

análise das situações coloniais da América Latina, observando, com excelência, possibilidades de se enxergar essa realidade e as relações de poder que se estabelecem entre elas e o centro europeu e estadunidense. Partindo para observações artísticas, o crítico novamente é muito consciente ao apontar que a posição da produção latinoamericana frente ao panorama internacional é, ainda, muitas vezes a do exotismo e do compromissado com as realidades políticas e sociais. No entanto, Cocchiarale vê um potencial no Brasil, numa leitura muito próxima daquela já feita por Mário Pedrosa, que poderia tornar a arte produzida aqui reconhecida e destacada diante do mundo. Para o autor, a arte contemporânea brasileira encontra-se residente numa tradição artística brasileira que há quatro décadas vem constituindo um campo consistente de referências visuais. Trata-se de “um passado moderno e contemporâneo que poucos países talvez possuam” (COCCHIARALE, p. 501). Nesse sentido, traça um percurso histórico pela produção artística mostrando caminhos para a origem dessa tendência da arte brasileira, passando pela antropofagia, Bienal de São Paulo, criação do MAM, entre outros acontecimentos importantes. Também comenta sobre a importância dos projetos de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape, apontando, inclusive, que a produção desses três artistas ligados ao experimentalismo de origem neoconcreta permitiu: 113


#7 artigos ensaios

(...) a formulação de questões que a arte internacional hoje em dia consagra como essenciais para a contemporaneidade: a quebra das categorias convencionais que dividem as práticas artísticas em pintura, escultura e gravura, (...)a participação do espectador e, finalmente, a integração entre arte e vida, que, no caso, surge enquanto transbordamento da proposta neoconcreta de integração da espacialidade da obra com o espaço real (COCCHIARALE, p. 504-505).

Depois desse percurso de reflexões sobre a arte brasileira, o autor conclui que os entraves nos caminhos artísticos no Brasil não estão exatamente na produção, mas sim na falta de um circuito consistente que possa dar conta de fortalecer o mercado, tornando-o dinâmico e descentralizado, e movido por profissionais qualificados e especializados. Nesse sentido, mostrando os potenciais da arte brasileira, e reivindicando, principalmente ao Estado, condições mais profissionais para que a produção nacional se alavanque. Os apontamentos feitos por Fernando Cocchiarale são excelentes. Extremamente lúcidos de nossa condição atual, e das necessidades que temos, no Brasil, para estarmos em acordo com os mercados internacionais. As reflexões iniciais sobre a condição colonial da América Latina são muito esclarecedoras, uma vez que trazem a tona toda essa divergência 114

entre como o outro nos olha e como nós mesmos nos olhamos, mostrando que pensar a América Latina, seja por nós ou por outros, é levar em conta uma enorme pluralidade e não um simples pensar em um grupo coeso. Nesse contexto, o crítico aponta a importância da produção intelectual latino-americana, que dá notícias sobre sua realidade de modo reflexivo. Ainda assim, tal produção não libertou os países latino-americanos “dos velhos clichês que num passado ainda recente os associavam redutivamente às fazendas, às bananas, à preguiça e a festas eternas” (COCCHIARALE, 2006, p. 500). No entanto, em meio a seu discurso crítico, também temos diversas marcas do que poderíamos chamar de traços de um discurso colonial, daquele que enxerga a possibilidade na valorização da diferença em relação ao dominador. Ao fim de sua sábia leitura acerca da América Latina, Cocchiarale afirma que a história quis atribuir esse lugar de fronteira para essa parte do continente, mas faz a seguinte ressalva: “Posição de inclusão que nos colocou, pela distância de seu núcleo central, num ponto privilegiado da alteridade cultural em relação a esses países” (p. 501). Embora saibamos o sentido que o autor pretende, nota-se certa retórica próxima do discurso do outro. Reconhecendo em nós mesmos o valor exótico daquilo que a condição inferiorizada nos rendeu. Bastante próximo, aliás, da fala de Pedrosa. Outro elemento que também é de se notar, refere-se a uma visão ligeiramente idealizada frente à produção nacional, 115


#7 artigos ensaios

(...) a formulação de questões que a arte internacional hoje em dia consagra como essenciais para a contemporaneidade: a quebra das categorias convencionais que dividem as práticas artísticas em pintura, escultura e gravura, (...)a participação do espectador e, finalmente, a integração entre arte e vida, que, no caso, surge enquanto transbordamento da proposta neoconcreta de integração da espacialidade da obra com o espaço real (COCCHIARALE, p. 504-505).

Depois desse percurso de reflexões sobre a arte brasileira, o autor conclui que os entraves nos caminhos artísticos no Brasil não estão exatamente na produção, mas sim na falta de um circuito consistente que possa dar conta de fortalecer o mercado, tornando-o dinâmico e descentralizado, e movido por profissionais qualificados e especializados. Nesse sentido, mostrando os potenciais da arte brasileira, e reivindicando, principalmente ao Estado, condições mais profissionais para que a produção nacional se alavanque. Os apontamentos feitos por Fernando Cocchiarale são excelentes. Extremamente lúcidos de nossa condição atual, e das necessidades que temos, no Brasil, para estarmos em acordo com os mercados internacionais. As reflexões iniciais sobre a condição colonial da América Latina são muito esclarecedoras, uma vez que trazem a tona toda essa divergência 114

entre como o outro nos olha e como nós mesmos nos olhamos, mostrando que pensar a América Latina, seja por nós ou por outros, é levar em conta uma enorme pluralidade e não um simples pensar em um grupo coeso. Nesse contexto, o crítico aponta a importância da produção intelectual latino-americana, que dá notícias sobre sua realidade de modo reflexivo. Ainda assim, tal produção não libertou os países latino-americanos “dos velhos clichês que num passado ainda recente os associavam redutivamente às fazendas, às bananas, à preguiça e a festas eternas” (COCCHIARALE, 2006, p. 500). No entanto, em meio a seu discurso crítico, também temos diversas marcas do que poderíamos chamar de traços de um discurso colonial, daquele que enxerga a possibilidade na valorização da diferença em relação ao dominador. Ao fim de sua sábia leitura acerca da América Latina, Cocchiarale afirma que a história quis atribuir esse lugar de fronteira para essa parte do continente, mas faz a seguinte ressalva: “Posição de inclusão que nos colocou, pela distância de seu núcleo central, num ponto privilegiado da alteridade cultural em relação a esses países” (p. 501). Embora saibamos o sentido que o autor pretende, nota-se certa retórica próxima do discurso do outro. Reconhecendo em nós mesmos o valor exótico daquilo que a condição inferiorizada nos rendeu. Bastante próximo, aliás, da fala de Pedrosa. Outro elemento que também é de se notar, refere-se a uma visão ligeiramente idealizada frente à produção nacional, 115


#7 artigos ensaios

quando o autor se refere a um reconhecimento que nossa arte tem recebido nas últimas décadas. Aponta Cocchiarale(2006) que “Tanto a Europa quanto os Estados Unidos descobriram, enfim, nossa singular sintonia com as questões universais da arte, relativizando a velha curiosidade em torno das manifestações típicas de um país tropical” (p. 501). A terminologia escolhida aproxima-se, por coincidência, àquela aplicada pelo colonizador ao encontrar uma terra passível de exploração. Ao apontar tal ocorrência como um descobrimento da arte brasileira, o autor fortalece esse lugar do colonizado. Falando sobre os anos 1960, o autor comenta que “a arte produzida no Brasil já possuía referências essenciais próprias que emprestavam sentido singular à sua inserção nas questões da vanguarda internacional” (p. 5005). Nesse trecho acaba por reafirmar, como também faz em outras passagens, a necessidade de um projeto nacional e de uma estrutura artística que possibilite uma tradição genuinamente brasileira. Ou seja, nota-se claramente a necessidade de reconhecer no Brasil uma autonomia que legitime sua produção. De modo geral, percebe-se na crítica de Fernando Cocchiarale uma clareza sobre as condições nacionais e sobre a história e representação colonial. No entanto, isso não exclui a presença de elementos, em seu texto, que idealizem, no Brasil, perspectivas internacionais, que possam levar ao reconhecimento efetivo de sua trajetória de sucesso artístico. 116

Não se pode negar uma tendência do discurso do colonizado, que busca reconhecimento de sua obra para que se legitime a sua importância e autonomia. Por essa amostragem, rápida e restrita, pode-se constatar a possibilidade de que esse discurso perpassa nossa produção crítica, talvez mais do que costumamos pensar. Ou, melhor, talvez não estejamos acostumados a pensar sobre tal perspectiva, simplesmente ignorando esse importante fator histórico de nossa constituição nacional. Quando optei por essa abordagem, buscando alguns elementos que possam levar a pensar sobre a perspectiva do discurso colonial na produção de Pedrosa e Cocchiarale, foi por notar que alguns traços ligados a tal questão se apresentam com freqüência na crítica de arte no Brasil, mas, de nenhuma forma, tenho a intenção de dizer que esse é um problema ou caminho equivocado do discurso crítico. Pretendo concluir este artigo, não com assertivas, mas deixando aberto um caminho que talvez seja fundamental para entendermos um pouco mais sobre a nossa crítica e produção de artística. A perspectiva da Teoria Colonial tem sido importante para alguns estudos da literatura de países colonizados, exatamente por clarear essas relações complexas entre colonizado e colonizador. Uma leitura mais atenta de nossa produção crítica, dando abertura para essa reflexão, pode ser fundamental não apenas pela constatação dos elementos ideológicos que nos cercam, mas pela consciência de um 117


#7 artigos ensaios

quando o autor se refere a um reconhecimento que nossa arte tem recebido nas últimas décadas. Aponta Cocchiarale(2006) que “Tanto a Europa quanto os Estados Unidos descobriram, enfim, nossa singular sintonia com as questões universais da arte, relativizando a velha curiosidade em torno das manifestações típicas de um país tropical” (p. 501). A terminologia escolhida aproxima-se, por coincidência, àquela aplicada pelo colonizador ao encontrar uma terra passível de exploração. Ao apontar tal ocorrência como um descobrimento da arte brasileira, o autor fortalece esse lugar do colonizado. Falando sobre os anos 1960, o autor comenta que “a arte produzida no Brasil já possuía referências essenciais próprias que emprestavam sentido singular à sua inserção nas questões da vanguarda internacional” (p. 5005). Nesse trecho acaba por reafirmar, como também faz em outras passagens, a necessidade de um projeto nacional e de uma estrutura artística que possibilite uma tradição genuinamente brasileira. Ou seja, nota-se claramente a necessidade de reconhecer no Brasil uma autonomia que legitime sua produção. De modo geral, percebe-se na crítica de Fernando Cocchiarale uma clareza sobre as condições nacionais e sobre a história e representação colonial. No entanto, isso não exclui a presença de elementos, em seu texto, que idealizem, no Brasil, perspectivas internacionais, que possam levar ao reconhecimento efetivo de sua trajetória de sucesso artístico. 116

Não se pode negar uma tendência do discurso do colonizado, que busca reconhecimento de sua obra para que se legitime a sua importância e autonomia. Por essa amostragem, rápida e restrita, pode-se constatar a possibilidade de que esse discurso perpassa nossa produção crítica, talvez mais do que costumamos pensar. Ou, melhor, talvez não estejamos acostumados a pensar sobre tal perspectiva, simplesmente ignorando esse importante fator histórico de nossa constituição nacional. Quando optei por essa abordagem, buscando alguns elementos que possam levar a pensar sobre a perspectiva do discurso colonial na produção de Pedrosa e Cocchiarale, foi por notar que alguns traços ligados a tal questão se apresentam com freqüência na crítica de arte no Brasil, mas, de nenhuma forma, tenho a intenção de dizer que esse é um problema ou caminho equivocado do discurso crítico. Pretendo concluir este artigo, não com assertivas, mas deixando aberto um caminho que talvez seja fundamental para entendermos um pouco mais sobre a nossa crítica e produção de artística. A perspectiva da Teoria Colonial tem sido importante para alguns estudos da literatura de países colonizados, exatamente por clarear essas relações complexas entre colonizado e colonizador. Uma leitura mais atenta de nossa produção crítica, dando abertura para essa reflexão, pode ser fundamental não apenas pela constatação dos elementos ideológicos que nos cercam, mas pela consciência de um 117


#7 artigos ensaios

fator histórico internalizado em nós e que, às vezes, fazemos questão de esquecer.

Referências Bibliográficas BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação pós-colonialista no Brasil. In: Comunicação e Educação, vol 1 n. 02, 1995. Visitado em 02/09/2008. Disponível em www.revcom2.portcom.intercom.org.br CATTANI, Icléia. Icléia Cattani. Organização de Agnaldo Farias. Rio de Janeiro: Funarte, 2004. CHIARELLI, Tadeu. Gonzaga-Duque:a moldura e o quadro da arte brasileira. In: GONZAGA-DUQUE. A arte Brasileira. Introdução e Notas de Tadeu Chiarelli. Campinas: Mercado de Letras, 1995 COCCHIARALE, Fernando. Da adversidade vivemos. In: Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Org. Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006 MATESCO, Viviane. O corpo na arte contemporânea brasileira. In: Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Org. Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006 PEDROSA, Mário. Discurso aos Tupiniquins ou Nambás. In: Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Org. Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006a PEDROSA, Mário. Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio 118

Oiticia. In: Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Org. Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006b Perrone-Moisés, Leyla. Paradoxos do nacionalismo literário na América Latina. In: Estud. av. vol.11 no.30 São Paulo May/Aug. 1997. Visitado em 10/10/2008. Disponível em www.scielo.br/pdf/ea/v11n30/v11n30a15.pdf SAID, Edward. Orientalismo. O oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. SANTOS, Eloína Prati dos. Uma viagem até a brasilidade:personagem pós-moderno e pós-colonial e romance indianista brasileiro. In: Letras de Hoje. Porto Alegre, v. 41, n. 3, p. 185-200, setembro, 2006. Visitado em 11/10/2008. Disponível em www.revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/ viewFile/628/459 SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

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fator histórico internalizado em nós e que, às vezes, fazemos questão de esquecer.

Referências Bibliográficas BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação pós-colonialista no Brasil. In: Comunicação e Educação, vol 1 n. 02, 1995. Visitado em 02/09/2008. Disponível em www.revcom2.portcom.intercom.org.br CATTANI, Icléia. Icléia Cattani. Organização de Agnaldo Farias. Rio de Janeiro: Funarte, 2004. CHIARELLI, Tadeu. Gonzaga-Duque:a moldura e o quadro da arte brasileira. In: GONZAGA-DUQUE. A arte Brasileira. Introdução e Notas de Tadeu Chiarelli. Campinas: Mercado de Letras, 1995 COCCHIARALE, Fernando. Da adversidade vivemos. In: Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Org. Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006 MATESCO, Viviane. O corpo na arte contemporânea brasileira. In: Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Org. Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006 PEDROSA, Mário. Discurso aos Tupiniquins ou Nambás. In: Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Org. Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006a PEDROSA, Mário. Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio 118

Oiticia. In: Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. Org. Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006b Perrone-Moisés, Leyla. Paradoxos do nacionalismo literário na América Latina. In: Estud. av. vol.11 no.30 São Paulo May/Aug. 1997. Visitado em 10/10/2008. Disponível em www.scielo.br/pdf/ea/v11n30/v11n30a15.pdf SAID, Edward. Orientalismo. O oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. SANTOS, Eloína Prati dos. Uma viagem até a brasilidade:personagem pós-moderno e pós-colonial e romance indianista brasileiro. In: Letras de Hoje. Porto Alegre, v. 41, n. 3, p. 185-200, setembro, 2006. Visitado em 11/10/2008. Disponível em www.revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/ viewFile/628/459 SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

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#7 artigos ensaios

Grupo Varal de gravura: a construção de um sonho coletivo Franquilandia G.R. Raft1

Resumo: O artigo apresenta um breve panorama das Artes Plásticas no Estado do Espírito Santo traçado a partir da atuação do Grupo Varal de Gravura, cuja gênese e trajetória se confundem com o desenvolvimento do ensino de Artes na Universidade Federal do Espírito Santo na década de 90, sobretudo pelo envolvimento e comprometimento dos professores, artistas e alunos com a gravura, sua técnica e poética. Palavras-chave: gravura, Grupo Varal de Gravura, artes. Abstract: GRUPO VARAL DE GRAVURA: The BUILD of a collective dream The article presents a brief view of the Plastic arts in Espírito ¹Franquilandia G.R.Raft (Vitória, ES, Brasil) é bacharel em Artes Plásticas

pela Universidade Federal do Espírito Santo (2007). Atualmente faz parte da equipe de tutores à distância do curso de licenciatura em Artes Visuais, modalidade EAD da Universidade Federal do Espírito Santo. Além de pesquisar sobre a história da gravura artística no Brasil e no Espírito Santo, trabalha em seu ateliê particular com gravura em metal, xilogravura e fotogravura.

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#7 artigos ensaios

Grupo Varal de gravura: a construção de um sonho coletivo Franquilandia G.R. Raft1

Resumo: O artigo apresenta um breve panorama das Artes Plásticas no Estado do Espírito Santo traçado a partir da atuação do Grupo Varal de Gravura, cuja gênese e trajetória se confundem com o desenvolvimento do ensino de Artes na Universidade Federal do Espírito Santo na década de 90, sobretudo pelo envolvimento e comprometimento dos professores, artistas e alunos com a gravura, sua técnica e poética. Palavras-chave: gravura, Grupo Varal de Gravura, artes. Abstract: GRUPO VARAL DE GRAVURA: The BUILD of a collective dream The article presents a brief view of the Plastic arts in Espírito ¹Franquilandia G.R.Raft (Vitória, ES, Brasil) é bacharel em Artes Plásticas

pela Universidade Federal do Espírito Santo (2007). Atualmente faz parte da equipe de tutores à distância do curso de licenciatura em Artes Visuais, modalidade EAD da Universidade Federal do Espírito Santo. Além de pesquisar sobre a história da gravura artística no Brasil e no Espírito Santo, trabalha em seu ateliê particular com gravura em metal, xilogravura e fotogravura.

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#7 artigos ensaios

Santo State, drawn starting from the performance of the Grupo Varal de Gravura (engraving group), whose genesis and history mingle with the development of education Arts at the Espírito Santo Federal University in the 1990’s, particularly the involvement and commitment of teachers, artists and students with the engraving, its technique and poetic. Word-key: engraving, Grupo Varal de Gravura, arts.

Não havia projeto no papel, nada planejado previamente. No início eram apenas algumas pessoas das mais diversas origens, reunidas para fazer gravura, sem maiores pretensões. A gênese do Grupo Varal de Gravura no Centro de Artes da UFES acumula uma série de fatos e circunstâncias que mostram a maneira como construíram e compartilharam, ao longo da década de 90, um trabalho que, embora coletivo, manteve o caráter heterogêneo e diversificado das pesquisas e experimentações individuais. Na Universidade Federal do Espírito Santo, em plena efervescência dos anos 90, Maria das Graças Rangel iniciou seu trabalho como professora no ateliê de gravura em metal. Certamente já não havia nos movimentos estudantis a utópica participação política das décadas anteriores. Entretanto, o surgimento do Grupo Varal de Gravura coincidiu com um momento de grande agitação cultural dentro da instituição: O Centro de Artes da UFES promovia anualmen122

te o Festival de Verão de Nova Almeida, que se tornou um referencial para o estudante de artes, tanto no que se refere à teoria e história da arte quanto à prática artística. Havia o grupo Queima com intensa produção de cerâmica. Outro grupo – Isto não é uma rosa – funcionava como ateliê coletivo e apontava o caminho da diversidade de técnicas, na contramão dos grupos Queima e Varal de Gravura que se dedicavam especificamente a técnicas desenvolvidas nos ateliês onde foram concebidos como grupos. Naturalmente, as dissonâncias afloravam e os interesses comuns aglutinavam aqueles que pensavam de modo semelhante. No caso do Grupo Varal de Gravura, os fatores determinantes para a composição e permanência do grupo foram as afinidades entre eles, a sede de pesquisa e o impulso de produzir gravura. Maria das Graças havia herdado de seu professor Raphael Samú a paixão pelo ateliê, ao qual se dedicava intensamente como aluna até 1978, quando se tornou professora de gravura e desenho do Centro de Artes da UFES. Inicialmente ministrava a disciplina xilogravura e no início da década de 90 assumiu o ateliê de gravura em metal. Desde a criação da cadeira de gravura em 1961 e a árdua montagem dos ateliês durante as décadas de 60 e 70, este era um dos momentos mais favoráveis à produção de gravura no Centro de Artes da UFES. Os limites clássicos que tratavam a arte como se o processo, os suportes e os materiais estivessem desagregados estavam caindo por terra desde a chegada dos professo123


#7 artigos ensaios

Santo State, drawn starting from the performance of the Grupo Varal de Gravura (engraving group), whose genesis and history mingle with the development of education Arts at the Espírito Santo Federal University in the 1990’s, particularly the involvement and commitment of teachers, artists and students with the engraving, its technique and poetic. Word-key: engraving, Grupo Varal de Gravura, arts.

Não havia projeto no papel, nada planejado previamente. No início eram apenas algumas pessoas das mais diversas origens, reunidas para fazer gravura, sem maiores pretensões. A gênese do Grupo Varal de Gravura no Centro de Artes da UFES acumula uma série de fatos e circunstâncias que mostram a maneira como construíram e compartilharam, ao longo da década de 90, um trabalho que, embora coletivo, manteve o caráter heterogêneo e diversificado das pesquisas e experimentações individuais. Na Universidade Federal do Espírito Santo, em plena efervescência dos anos 90, Maria das Graças Rangel iniciou seu trabalho como professora no ateliê de gravura em metal. Certamente já não havia nos movimentos estudantis a utópica participação política das décadas anteriores. Entretanto, o surgimento do Grupo Varal de Gravura coincidiu com um momento de grande agitação cultural dentro da instituição: O Centro de Artes da UFES promovia anualmen122

te o Festival de Verão de Nova Almeida, que se tornou um referencial para o estudante de artes, tanto no que se refere à teoria e história da arte quanto à prática artística. Havia o grupo Queima com intensa produção de cerâmica. Outro grupo – Isto não é uma rosa – funcionava como ateliê coletivo e apontava o caminho da diversidade de técnicas, na contramão dos grupos Queima e Varal de Gravura que se dedicavam especificamente a técnicas desenvolvidas nos ateliês onde foram concebidos como grupos. Naturalmente, as dissonâncias afloravam e os interesses comuns aglutinavam aqueles que pensavam de modo semelhante. No caso do Grupo Varal de Gravura, os fatores determinantes para a composição e permanência do grupo foram as afinidades entre eles, a sede de pesquisa e o impulso de produzir gravura. Maria das Graças havia herdado de seu professor Raphael Samú a paixão pelo ateliê, ao qual se dedicava intensamente como aluna até 1978, quando se tornou professora de gravura e desenho do Centro de Artes da UFES. Inicialmente ministrava a disciplina xilogravura e no início da década de 90 assumiu o ateliê de gravura em metal. Desde a criação da cadeira de gravura em 1961 e a árdua montagem dos ateliês durante as décadas de 60 e 70, este era um dos momentos mais favoráveis à produção de gravura no Centro de Artes da UFES. Os limites clássicos que tratavam a arte como se o processo, os suportes e os materiais estivessem desagregados estavam caindo por terra desde a chegada dos professo123


#7 artigos ensaios

res Freda Jardim, o casal Raphael e Jerusa Samú e os irmãos João Vicente e Maurício Salgueiro. Enquanto na Europa as heranças do pós-moderno e o movimento em torno da arte conceitual e do hich-tech alimentavam discursos dos críticos de arte, no Brasil a transição da ditadura militar para um estado democrático propiciava um movimento de reação dos artistas em todos os segmentos. Nas artes plásticas a retomada à pintura e a hibridização de elementos da cultura popular e erudita. Em alta, as Bienais Internacionais de São Paulo e a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, berço da exposição Como vai você, geração 80? Nas vizinhas Argentina e Colômbia havia ainda a arte engajada, baseado na arte-mobilização a serviço do questionamento do sistema político, nos mesmos moldes do mexicano Taller Popular de Gravura, de 1910. Nas artes gráficas desenvolvidas nesses países ao longo de sua história é perceptível – pelo conteúdo social de suas abordagens, pelo resgate de temáticas indigenistas e populares – um diálogo aberto com os muralistas mexicanos José Clemente Orozco, Diego Rivera e David Siqueiros. Inevitavelmente a história política dos países perpassa a cultura e povoa as criações artísticas. No caso da gravura brasileira, embora houvesse arte engajada nos Clubes de Gravura que se multiplicaram no país a partir dos anos 50, as propostas panfletárias nunca foram tão fortes e perderam o sentido com a progressiva abertura política concretizada em meados da década de 80. 124

Na UFES, com a atuação dos novos professores provenientes do eixo cultural Rio – São Paulo, o Curso de Artes que em sua origem estava fundamentado no ensino de cópias de modelos gregos e paisagens bucólicas, entrou em um lento processo de transformação, acentuado, no caso da gravura, inicialmente pelas oficinas de formação dos professores do Centro de Artes. As oficinas ministradas por Antonio Grosso, Regina Silveira, Dionísio Del Santo e Rubem Grilo traziam à Universidade as novidades técnicas do universo artístico. No ano de 1974, por exemplo, numa dessas oficinas, Regina Silveira ensinou aos artistas e professores capixabas como utilizar a retícula na serigrafia. A Semana de Arte de São Mateus, cuja primeira edição aconteceu em 1974, também foi um grande passo para além dos muros da Universidade, aproximando a comunidade da prática artística e incitando o aluno a produzir arte a partir da realidade que o circunda, renunciando de vez o padrão rígido dos modelos gregos e das paisagens européias. Depois vieram os Festivais de Verão de Nova Almeida. Na área das artes gráficas, Vitória recebia exposições nacionais e internacionais, quer fossem realizadas nas Galerias Homero Massena, Galeria de Arte e Pesquisa, Espaço Universitário ou Álvaro Conde. Assim, no final dos anos 80 e início dos anos 90, os alunos de artes, freqüentadores dos espaços culturais capixabas, tiveram a chance de ver em exposição gravuras dos artistas: Rubem Grilo, Dionísio Del San125


#7 artigos ensaios

res Freda Jardim, o casal Raphael e Jerusa Samú e os irmãos João Vicente e Maurício Salgueiro. Enquanto na Europa as heranças do pós-moderno e o movimento em torno da arte conceitual e do hich-tech alimentavam discursos dos críticos de arte, no Brasil a transição da ditadura militar para um estado democrático propiciava um movimento de reação dos artistas em todos os segmentos. Nas artes plásticas a retomada à pintura e a hibridização de elementos da cultura popular e erudita. Em alta, as Bienais Internacionais de São Paulo e a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, berço da exposição Como vai você, geração 80? Nas vizinhas Argentina e Colômbia havia ainda a arte engajada, baseado na arte-mobilização a serviço do questionamento do sistema político, nos mesmos moldes do mexicano Taller Popular de Gravura, de 1910. Nas artes gráficas desenvolvidas nesses países ao longo de sua história é perceptível – pelo conteúdo social de suas abordagens, pelo resgate de temáticas indigenistas e populares – um diálogo aberto com os muralistas mexicanos José Clemente Orozco, Diego Rivera e David Siqueiros. Inevitavelmente a história política dos países perpassa a cultura e povoa as criações artísticas. No caso da gravura brasileira, embora houvesse arte engajada nos Clubes de Gravura que se multiplicaram no país a partir dos anos 50, as propostas panfletárias nunca foram tão fortes e perderam o sentido com a progressiva abertura política concretizada em meados da década de 80. 124

Na UFES, com a atuação dos novos professores provenientes do eixo cultural Rio – São Paulo, o Curso de Artes que em sua origem estava fundamentado no ensino de cópias de modelos gregos e paisagens bucólicas, entrou em um lento processo de transformação, acentuado, no caso da gravura, inicialmente pelas oficinas de formação dos professores do Centro de Artes. As oficinas ministradas por Antonio Grosso, Regina Silveira, Dionísio Del Santo e Rubem Grilo traziam à Universidade as novidades técnicas do universo artístico. No ano de 1974, por exemplo, numa dessas oficinas, Regina Silveira ensinou aos artistas e professores capixabas como utilizar a retícula na serigrafia. A Semana de Arte de São Mateus, cuja primeira edição aconteceu em 1974, também foi um grande passo para além dos muros da Universidade, aproximando a comunidade da prática artística e incitando o aluno a produzir arte a partir da realidade que o circunda, renunciando de vez o padrão rígido dos modelos gregos e das paisagens européias. Depois vieram os Festivais de Verão de Nova Almeida. Na área das artes gráficas, Vitória recebia exposições nacionais e internacionais, quer fossem realizadas nas Galerias Homero Massena, Galeria de Arte e Pesquisa, Espaço Universitário ou Álvaro Conde. Assim, no final dos anos 80 e início dos anos 90, os alunos de artes, freqüentadores dos espaços culturais capixabas, tiveram a chance de ver em exposição gravuras dos artistas: Rubem Grilo, Dionísio Del San125


#7 artigos ensaios

to, Maria Emília Moura Campos, Paulo Pardini, João Câmara, Herculano Ferreira, Clébio Maduro e Emir Magalhães, entre outros. Muitas destas exposições foram acompanhadas de palestras e oficinas, o que incitava ainda mais a produção local emergente. Em 1992, a partir da necessidade de ampliar o tempo de dedicação dos praticantes, às terças-feiras havia o ateliê livre de gravura em metal, funcionando na mesma sala onde era ministrada a disciplina. Muitos dos que freqüentavam as aulas de Maria das Graças também iam às terças-feiras para o ateliê. Havia alunos, professores e pessoas da comunidade 126

envolvidas na intensa produção de imagens que movimentava o ateliê livre de gravura em metal. Ainda que sem escopos pré-definidos, a iniciativa de abrir o ateliê não só para os acadêmicos, mas também para a participação da comunidade, desmitificava a prática artística como campo restrito a artistas consumados e experientes. Tal proposta se encaixava perfeitamente no conceito de arte contemporânea e apontava um novo caminho onde a gravura deixava de ser território para artistas – obstinados e treinados em seus ateliês entre ácidos, buris e goivas – para tornar-se mutante, híbrida, aberta, linguagem capaz de absorver os processos contemporâneos de produção de imagens e tornar-se espaço de pesquisa viável, acessível e democrático. O grupo, que até meados de 1993, compartilhava despretensiosamente o interesse pela gravura foi ampliado nos encontros de ateliê livre e contava com quinze participantes assíduos, todos adeptos da gravura em metal: Maria das Graças Rangel, Joyce Brandão, Yara Mattos, Raquel Baelles, Edelza Flor, Iliamara Cardoso, Márcio Luiz dos Santos, Natália Branco, Nilza Souza, Samira Margotto, Virginia Collistet, Andressa Silly, José Carlos Gomes Júnior, Sandra Gabler e Célia Ribeiro. As três primeiras eram professoras da UFES e estavam sempre trabalhando juntas, Raquel e Edelza eram da comunidade e os outros eram alunos de Maria das Graças. O ateliê era movimentado e as prensas, disputadíssimas. A produção era bastante heterogênea e intensa. Havia na 127


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to, Maria Emília Moura Campos, Paulo Pardini, João Câmara, Herculano Ferreira, Clébio Maduro e Emir Magalhães, entre outros. Muitas destas exposições foram acompanhadas de palestras e oficinas, o que incitava ainda mais a produção local emergente. Em 1992, a partir da necessidade de ampliar o tempo de dedicação dos praticantes, às terças-feiras havia o ateliê livre de gravura em metal, funcionando na mesma sala onde era ministrada a disciplina. Muitos dos que freqüentavam as aulas de Maria das Graças também iam às terças-feiras para o ateliê. Havia alunos, professores e pessoas da comunidade 126

envolvidas na intensa produção de imagens que movimentava o ateliê livre de gravura em metal. Ainda que sem escopos pré-definidos, a iniciativa de abrir o ateliê não só para os acadêmicos, mas também para a participação da comunidade, desmitificava a prática artística como campo restrito a artistas consumados e experientes. Tal proposta se encaixava perfeitamente no conceito de arte contemporânea e apontava um novo caminho onde a gravura deixava de ser território para artistas – obstinados e treinados em seus ateliês entre ácidos, buris e goivas – para tornar-se mutante, híbrida, aberta, linguagem capaz de absorver os processos contemporâneos de produção de imagens e tornar-se espaço de pesquisa viável, acessível e democrático. O grupo, que até meados de 1993, compartilhava despretensiosamente o interesse pela gravura foi ampliado nos encontros de ateliê livre e contava com quinze participantes assíduos, todos adeptos da gravura em metal: Maria das Graças Rangel, Joyce Brandão, Yara Mattos, Raquel Baelles, Edelza Flor, Iliamara Cardoso, Márcio Luiz dos Santos, Natália Branco, Nilza Souza, Samira Margotto, Virginia Collistet, Andressa Silly, José Carlos Gomes Júnior, Sandra Gabler e Célia Ribeiro. As três primeiras eram professoras da UFES e estavam sempre trabalhando juntas, Raquel e Edelza eram da comunidade e os outros eram alunos de Maria das Graças. O ateliê era movimentado e as prensas, disputadíssimas. A produção era bastante heterogênea e intensa. Havia na 127


#7 artigos ensaios

produção local a preocupação com a aplicação da técnica, mas, sobretudo, a frenética e constante experimentação de suportes e materiais. Em paralelo, as aulas de gravura em metal fervilhavam. Maria das Graças Rangel conseguiu enviar alguns de seus alunos de Gravura em Metal para estagiar na Casa da Moeda. Esta oportunidade surgiu quando a aluna Natália Branco fez duas visitas ao Departamento de Desenhos e Matrizes, em busca de um referencial para sua monografia, em 1992. A partir da tentativa de viabilizar uma exposição que mostrasse o trabalho da aluna Natália Branco na época de conclusão do curso, o grupo que já se reunia há tempos e estava em plena produção, foi oficializado. Tereza Norma Tommasi lançou a idéia e Maria das Graças levou a sugestão para o grupo. O entusiasmo contagiou os freqüentadores do ateliê livre de gravura em metal. A escolha do nome do grupo foi uma árdua busca de duas semanas, em que todos os participantes escreviam as sugestões no quadro negro e a submetiam a aprovação dos demais. Finalmente, Yara Mattos sugeriu Grupo Varal de Gravura, pois a produção intensa já não cabia nos secadores horizontais e começou se espalhar em varais esticados nas paredes do ateliê. O nome foi aprovado e o grupo batizado. O logotipo ficou a cargo de Márcio Luiz, que já trabalhava na área de publicidade e propaganda. A primeira exposição, em parceria com a Casa da Moeda do Brasil, aconteceu no ano de 1993, de julho a setembro, 128

no Espaço Cultural Yázigi, em Vitória. Foi a mola propulsora da oficialização do grupo de pesquisa e experimentação em gravura. Constava na programação, a defesa pública da tese de graduação de Natália Branco, cuja banca examinadora era composta pela orientadora Maria das Graças Rangel, Almerinda da Silva Lopes e Evandro Carlos Jardim. A mostra contemplava três exposições: a de gravura em metal, de Natália Branco e Maria das Graças Rangel, a primeira exposição do Grupo Varal de Gravura e a exposição da Casa da Moeda do Brasil, com trabalhos dos artistas gravadores de talho-doce. Natália Branco havia pesquisado os aspectos técnicos e artísticos da cédula brasileira e aí estava o ponto de ligação do Grupo Varal de Gravura e a Casa da Moeda do Brasil. Foram realizados dois workshops. Todo este movimento em torno da gravura foi articulado para ocorrer simultaneamente nas três unidades do Yázigi – Praia do Canto, Jardim da Penha e Jardim Camburi. A primeira mostra do Grupo Varal de Gravura teve grande repercussão na imprensa local e na Universidade. Afinal, o GVG foi lançado em uma coletiva com a participação de integrantes da Casa da Moeda do Brasil! A agitação e o burburinho nos corredores da Universidade levaram muitos a procurar o grupo, que a esta altura já estava fechado e firmado como Grupo Varal de Gravura. Depois da primeira exposição, a única pessoa admitida no grupo foi Mercedes Falchetto que tinha uma pesquisa consistente em xilogravura. 129


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produção local a preocupação com a aplicação da técnica, mas, sobretudo, a frenética e constante experimentação de suportes e materiais. Em paralelo, as aulas de gravura em metal fervilhavam. Maria das Graças Rangel conseguiu enviar alguns de seus alunos de Gravura em Metal para estagiar na Casa da Moeda. Esta oportunidade surgiu quando a aluna Natália Branco fez duas visitas ao Departamento de Desenhos e Matrizes, em busca de um referencial para sua monografia, em 1992. A partir da tentativa de viabilizar uma exposição que mostrasse o trabalho da aluna Natália Branco na época de conclusão do curso, o grupo que já se reunia há tempos e estava em plena produção, foi oficializado. Tereza Norma Tommasi lançou a idéia e Maria das Graças levou a sugestão para o grupo. O entusiasmo contagiou os freqüentadores do ateliê livre de gravura em metal. A escolha do nome do grupo foi uma árdua busca de duas semanas, em que todos os participantes escreviam as sugestões no quadro negro e a submetiam a aprovação dos demais. Finalmente, Yara Mattos sugeriu Grupo Varal de Gravura, pois a produção intensa já não cabia nos secadores horizontais e começou se espalhar em varais esticados nas paredes do ateliê. O nome foi aprovado e o grupo batizado. O logotipo ficou a cargo de Márcio Luiz, que já trabalhava na área de publicidade e propaganda. A primeira exposição, em parceria com a Casa da Moeda do Brasil, aconteceu no ano de 1993, de julho a setembro, 128

no Espaço Cultural Yázigi, em Vitória. Foi a mola propulsora da oficialização do grupo de pesquisa e experimentação em gravura. Constava na programação, a defesa pública da tese de graduação de Natália Branco, cuja banca examinadora era composta pela orientadora Maria das Graças Rangel, Almerinda da Silva Lopes e Evandro Carlos Jardim. A mostra contemplava três exposições: a de gravura em metal, de Natália Branco e Maria das Graças Rangel, a primeira exposição do Grupo Varal de Gravura e a exposição da Casa da Moeda do Brasil, com trabalhos dos artistas gravadores de talho-doce. Natália Branco havia pesquisado os aspectos técnicos e artísticos da cédula brasileira e aí estava o ponto de ligação do Grupo Varal de Gravura e a Casa da Moeda do Brasil. Foram realizados dois workshops. Todo este movimento em torno da gravura foi articulado para ocorrer simultaneamente nas três unidades do Yázigi – Praia do Canto, Jardim da Penha e Jardim Camburi. A primeira mostra do Grupo Varal de Gravura teve grande repercussão na imprensa local e na Universidade. Afinal, o GVG foi lançado em uma coletiva com a participação de integrantes da Casa da Moeda do Brasil! A agitação e o burburinho nos corredores da Universidade levaram muitos a procurar o grupo, que a esta altura já estava fechado e firmado como Grupo Varal de Gravura. Depois da primeira exposição, a única pessoa admitida no grupo foi Mercedes Falchetto que tinha uma pesquisa consistente em xilogravura. 129


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Realizada a primeira exposição, o grupo intensificou sua produção e expôs em todo o Estado do Espírito Santo, se espalhou pelo Brasil e pelo mundo. Alcançar o reconhecimento de gestores culturais e o apoio dos espaços institucionais era algo importante para viabilizar os projetos do grupo e as exposições futuras. Tereza Norma Tomassi, coordenadora do Espaço Cultural Yázigi nos dez primeiros anos de funcionamento do espaço em Vitória, fez parte da iniciativa de oficialização e elaboração da primeira mostra do Grupo Varal de Gravura. Maria Helena Lindenberg sempre esteve muito integrada às ações realizadas na UFES, pois foi professora adjunta de litografia e diretora do Centro de Artes. No início da década de 90 era a chefe do Departamento Estadual de Cultura – DEC. Outra personagem muito importante nesta narrativa, que participava das ações de apoio nos bastidores, era a arte-educadora Débora Schindler, amiga de Maria das Graças Rangel e Maria Helena Lindenberg. Débora, que também é gravadora, residente nos Estados Unidos, havia realizado mostra individual de seus trabalhos em Vitória na Galeria de Arte da UFES em 1978 e no ano de no ano de 1982, na Galeria Levino Fanzeres, que funcionava numa das salas do piso superior do Teatro Carlos Gomes. Além da exposição realizada em 1993 no Espaço Cultural Yázigi, posteriormente o contato da UFES com a Casa da Moeda do Brasil resultou em oportunidades de estágios 130

nos anos seguintes dos quais participaram as alunas de gravura em metal: Andressa Silly, Roseane Gouveia, Leila Batista Rocha e Nilza Souza. O Grupo Varal de Gravura fez viagens internacionais ministrando oficinas e expondo seus trabalhos, participando de palestras, debates e intercâmbios com artistas e institui131


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Realizada a primeira exposição, o grupo intensificou sua produção e expôs em todo o Estado do Espírito Santo, se espalhou pelo Brasil e pelo mundo. Alcançar o reconhecimento de gestores culturais e o apoio dos espaços institucionais era algo importante para viabilizar os projetos do grupo e as exposições futuras. Tereza Norma Tomassi, coordenadora do Espaço Cultural Yázigi nos dez primeiros anos de funcionamento do espaço em Vitória, fez parte da iniciativa de oficialização e elaboração da primeira mostra do Grupo Varal de Gravura. Maria Helena Lindenberg sempre esteve muito integrada às ações realizadas na UFES, pois foi professora adjunta de litografia e diretora do Centro de Artes. No início da década de 90 era a chefe do Departamento Estadual de Cultura – DEC. Outra personagem muito importante nesta narrativa, que participava das ações de apoio nos bastidores, era a arte-educadora Débora Schindler, amiga de Maria das Graças Rangel e Maria Helena Lindenberg. Débora, que também é gravadora, residente nos Estados Unidos, havia realizado mostra individual de seus trabalhos em Vitória na Galeria de Arte da UFES em 1978 e no ano de no ano de 1982, na Galeria Levino Fanzeres, que funcionava numa das salas do piso superior do Teatro Carlos Gomes. Além da exposição realizada em 1993 no Espaço Cultural Yázigi, posteriormente o contato da UFES com a Casa da Moeda do Brasil resultou em oportunidades de estágios 130

nos anos seguintes dos quais participaram as alunas de gravura em metal: Andressa Silly, Roseane Gouveia, Leila Batista Rocha e Nilza Souza. O Grupo Varal de Gravura fez viagens internacionais ministrando oficinas e expondo seus trabalhos, participando de palestras, debates e intercâmbios com artistas e institui131


#7 artigos ensaios

ções da Europa e Estados Unidos. Paralelamente ocorreram várias exposições no Brasil e na América Latina: Porto Alegre, Curitiba, Argentina, Colômbia. Historicamente o grupo representa para o Espírito Santo uma iniciativa bem sucedida que levou a produção artística capixaba ao mundo inteiro e ampliou a visão dos artistas gravadores que participaram deste empreendimento. Em 1994, a exposição O que se vê, o que se sonha: O Conjunto Arquitetônico Capixaba na Visão dos Gravadores aconteceu na Galeria Homero Massena e no Espaço de Arte da CODESA, em Vitória e também no Palácio das Artes em Belo Horizonte, Minas Gerais e ainda no Espaço de Arte da Livraria A Edição, no Shopping Vitória. No mesmo ano o grupo participou do 46º SBPC, na UFES, apresentando a comunicação: Grupo Varal de Gravura: Resultado de uma Didática Aberta. Nesta oportunidade foi relatada a experiência do trabalho em equipe, numa abordagem que reiterava os pilares da formação do grupo: o respeito à diferença e a valorização do conhecimento individual, elementos decisivos para o desenvolvimento de propostas coletivas. Em 1995, o Grupo Varal de Gravura expôs no Espaço Cultural Xerox, em Vitória e no Espaço Cultural Consultime, em Vila Velha. Em março de 1996 participaram do 24º Congresso Americano de Gravura, realizado na Universidade de West Virginia, nos Estados Unidos da América, expondo noventa 132

trabalhos realizados no ateliê livre de gravura em metal do Centro de Artes da UFES. Nesta viagem vários contatos com gravadores americanos, propiciaram uma maratona de exposições e participações em eventos de arte nos Estados Unidos. Dois fatos foram importantes para viabilizar a ida do Grupo aos Estados Unidos: havia um convênio de cooperação cultural entre a UFES e a Universidade de West Virginia e a participação da artista Deborah Schindler, que era na época, a coordenadora cultural do Programa Companheiros das Américas em Washington. Sete integrantes do Grupo Varal de Gravura viajaram pelos Estados Unidos participando de exposições, palestras e woskshops. Nesta viagem estiveram nos espaços culturais do Centro Cultural Brasil/Estados Unidos; na Universidade de Boston e na Lincoln Galery, Rhode Island, além do West Virginia State College Foundation, em Charleston. No retorno à Vitória realizaram a exposição Miniprint no Espaço Cultural Skill. No ano de 1997, de volta aos Estados Unidos o Grupo participou do Encontro Gravura Contemporânea Brasileira, exposição itinerante iniciada em janeiro na Haggerty Art Center Gallery, na Universidade de Dallas; que percorreu ao longo do ano, várias instituições nas cidades do Texas e da Louisiania. No segundo semestre de 1997, enquanto circulavam as exposições nos Estados Unidos, aqui no Brasil mostraram suas gravuras na Galeria de Arte Espaço Universitário, em Vitória e no Museu Metropolitano de Curitiba. 133


#7 artigos ensaios

ções da Europa e Estados Unidos. Paralelamente ocorreram várias exposições no Brasil e na América Latina: Porto Alegre, Curitiba, Argentina, Colômbia. Historicamente o grupo representa para o Espírito Santo uma iniciativa bem sucedida que levou a produção artística capixaba ao mundo inteiro e ampliou a visão dos artistas gravadores que participaram deste empreendimento. Em 1994, a exposição O que se vê, o que se sonha: O Conjunto Arquitetônico Capixaba na Visão dos Gravadores aconteceu na Galeria Homero Massena e no Espaço de Arte da CODESA, em Vitória e também no Palácio das Artes em Belo Horizonte, Minas Gerais e ainda no Espaço de Arte da Livraria A Edição, no Shopping Vitória. No mesmo ano o grupo participou do 46º SBPC, na UFES, apresentando a comunicação: Grupo Varal de Gravura: Resultado de uma Didática Aberta. Nesta oportunidade foi relatada a experiência do trabalho em equipe, numa abordagem que reiterava os pilares da formação do grupo: o respeito à diferença e a valorização do conhecimento individual, elementos decisivos para o desenvolvimento de propostas coletivas. Em 1995, o Grupo Varal de Gravura expôs no Espaço Cultural Xerox, em Vitória e no Espaço Cultural Consultime, em Vila Velha. Em março de 1996 participaram do 24º Congresso Americano de Gravura, realizado na Universidade de West Virginia, nos Estados Unidos da América, expondo noventa 132

trabalhos realizados no ateliê livre de gravura em metal do Centro de Artes da UFES. Nesta viagem vários contatos com gravadores americanos, propiciaram uma maratona de exposições e participações em eventos de arte nos Estados Unidos. Dois fatos foram importantes para viabilizar a ida do Grupo aos Estados Unidos: havia um convênio de cooperação cultural entre a UFES e a Universidade de West Virginia e a participação da artista Deborah Schindler, que era na época, a coordenadora cultural do Programa Companheiros das Américas em Washington. Sete integrantes do Grupo Varal de Gravura viajaram pelos Estados Unidos participando de exposições, palestras e woskshops. Nesta viagem estiveram nos espaços culturais do Centro Cultural Brasil/Estados Unidos; na Universidade de Boston e na Lincoln Galery, Rhode Island, além do West Virginia State College Foundation, em Charleston. No retorno à Vitória realizaram a exposição Miniprint no Espaço Cultural Skill. No ano de 1997, de volta aos Estados Unidos o Grupo participou do Encontro Gravura Contemporânea Brasileira, exposição itinerante iniciada em janeiro na Haggerty Art Center Gallery, na Universidade de Dallas; que percorreu ao longo do ano, várias instituições nas cidades do Texas e da Louisiania. No segundo semestre de 1997, enquanto circulavam as exposições nos Estados Unidos, aqui no Brasil mostraram suas gravuras na Galeria de Arte Espaço Universitário, em Vitória e no Museu Metropolitano de Curitiba. 133


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Ainda em 1997, o Grupo Varal de Gravura intermediou a vinda de gravadores dos Estados Unidos à Vitória. A Galeria Homero Massena recebeu a mostra coletiva Prints from the University of Dallas in Texas. Foram expostas obras de 10 jovens gravadores texanos, sob a curadoria do professor Juergen Strunck, que acompanhou a exposição em Vitória e realizou um curso de xilogravura no Centro de Artes da UFES, promovido pela ARCO – Cooperativa dos Artistas e Educadores, da qual faziam parte Tereza Norma Tommasi, Maria Helena Lindenberg e Maria das Graças Rangel. Enquanto acontecia a exposição dos alunos na Galeria Homero Massena, Juergen Strunck mostrava seu trabalho no Espaço Cultural Yágizi. O intercâmbio cultural gerado por estas iniciativas movimentava o ambiente acadêmico em torno de pesquisas, visitas aos espaços culturais e participação dos alunos em palestras realizadas. Em agosto de 1998 levaram a exposição Panorama da Arte Capixaba – Grupo Varal de Gravura para a Alemanha em comemoração ao Brasil 500 anos. A exposição intermediada pela Embaixada do Brasil em Colônia e pelo Instituto Cultural Brasileiro na Alemanha esteve em cartaz nas cidades de Colônia e Berlim nos meses de agosto e setembro de 1998. O projeto que levou a exposição do Grupo Varal de Gravura ao circuito alemão de arte contava com dezoito trabalhos produzidos por quatorze integrantes do grupo. A oportunidade de expor na Alemanha surgiu por ini134

ciativa de um dos funcionários da área cultural da Embaixada do Brasil na Alemanha, Emídio Gonçalves Paiva, que estava passando férias em Vila Velha, sua terra natal e ansiava realizar uma mostra de trabalhos de artistas capixabas na Embaixada. A partir de um contato com José Gomes, Emídio chegou ao Grupo Varal de Gravura, que a esta altura, já acumulava as experiências das exposições e itinerâncias anteriores. Entretanto coube a cooperativa ARCO, a produção da exposição e a captação de recursos para a viagem ao exterior. O Grupo Varal de Gravura também enviava trabalhos para o Miniprint International of Cadaqués, na Espanha e para a Fiera Milenaria di Gonzaga, em Montova, na Itália. Em 1999, mostraram em Vitória, na Galeria de Arte e Pesquisa da UFES e no Museu do trabalho em Porto Alegre, os trabalhos que haviam participado da exposição na Alemanha. Também participaram da coletiva Vitória 448 – Visão da minha Vitória ás vésperas do novo milênio, promovida pela Casa Porto das Artes Plásticas. Em 2000, o Grupo Varal de Gravura, já com reduzido número de participantes, voltou aos Estados Unidos e expôs na Birke Art Gallery, West Virginia University e no Riggleman Hall, Old Library, University of Charleston. Fizeram-se presentes cinco integrantes do Grupo Varal de Gravura na I Mostra Internacional de Mini Gravura, realizada de dezembro de 1999 a março de 2000, no Museu de Arte 135


#7 artigos ensaios

Ainda em 1997, o Grupo Varal de Gravura intermediou a vinda de gravadores dos Estados Unidos à Vitória. A Galeria Homero Massena recebeu a mostra coletiva Prints from the University of Dallas in Texas. Foram expostas obras de 10 jovens gravadores texanos, sob a curadoria do professor Juergen Strunck, que acompanhou a exposição em Vitória e realizou um curso de xilogravura no Centro de Artes da UFES, promovido pela ARCO – Cooperativa dos Artistas e Educadores, da qual faziam parte Tereza Norma Tommasi, Maria Helena Lindenberg e Maria das Graças Rangel. Enquanto acontecia a exposição dos alunos na Galeria Homero Massena, Juergen Strunck mostrava seu trabalho no Espaço Cultural Yágizi. O intercâmbio cultural gerado por estas iniciativas movimentava o ambiente acadêmico em torno de pesquisas, visitas aos espaços culturais e participação dos alunos em palestras realizadas. Em agosto de 1998 levaram a exposição Panorama da Arte Capixaba – Grupo Varal de Gravura para a Alemanha em comemoração ao Brasil 500 anos. A exposição intermediada pela Embaixada do Brasil em Colônia e pelo Instituto Cultural Brasileiro na Alemanha esteve em cartaz nas cidades de Colônia e Berlim nos meses de agosto e setembro de 1998. O projeto que levou a exposição do Grupo Varal de Gravura ao circuito alemão de arte contava com dezoito trabalhos produzidos por quatorze integrantes do grupo. A oportunidade de expor na Alemanha surgiu por ini134

ciativa de um dos funcionários da área cultural da Embaixada do Brasil na Alemanha, Emídio Gonçalves Paiva, que estava passando férias em Vila Velha, sua terra natal e ansiava realizar uma mostra de trabalhos de artistas capixabas na Embaixada. A partir de um contato com José Gomes, Emídio chegou ao Grupo Varal de Gravura, que a esta altura, já acumulava as experiências das exposições e itinerâncias anteriores. Entretanto coube a cooperativa ARCO, a produção da exposição e a captação de recursos para a viagem ao exterior. O Grupo Varal de Gravura também enviava trabalhos para o Miniprint International of Cadaqués, na Espanha e para a Fiera Milenaria di Gonzaga, em Montova, na Itália. Em 1999, mostraram em Vitória, na Galeria de Arte e Pesquisa da UFES e no Museu do trabalho em Porto Alegre, os trabalhos que haviam participado da exposição na Alemanha. Também participaram da coletiva Vitória 448 – Visão da minha Vitória ás vésperas do novo milênio, promovida pela Casa Porto das Artes Plásticas. Em 2000, o Grupo Varal de Gravura, já com reduzido número de participantes, voltou aos Estados Unidos e expôs na Birke Art Gallery, West Virginia University e no Riggleman Hall, Old Library, University of Charleston. Fizeram-se presentes cinco integrantes do Grupo Varal de Gravura na I Mostra Internacional de Mini Gravura, realizada de dezembro de 1999 a março de 2000, no Museu de Arte 135


#7 artigos ensaios

do Espírito Santo – MAES, em Vitória. O projeto foi realizado com benefícios da Lei Rubem Braga e teve como curadores membros do Grupo Varal de Gravura – Natália Branco, Maria das Graças Rangel e José Gomes. Além destes, trabalharam na organização da mostra as artistas Mercedes Falchetto e Raquel Baelles. No júri estavam Raphael Samú, Cláudio Mubarac e Rubem Grilo, que exibiram suas gravuras numa exposição coletiva na Galeria Espaço Universitário, na UFES. Da grande mostra realizada no MAES participaram 29 países e 12 estados brasileiros representados por 195 artistas, sendo 82 brasileiros e 113 estrangeiros. Um evento de gravura 136

grandioso e bem elaborado que contribuiu para diminuir a defasagem cultural do Estado. O Grupo Varal de Gravura esteve em atividade intensa de 1993 a 1998. Daí em diante, aos poucos foi se dissolvendo, cada um seguindo seu caminho. As exposições de 1999 e 2000 contavam com menos da metade dos integrantes da formação inicial da equipe. Considerando todas as dificuldades de se trabalhar em conjunto, principalmente numa área não rentável financeiramente, é louvável que tenham permanecido juntos por tanto tempo. O esforço individual e a dedicação à arte tornam cada um destes artistas parte da história do Centro de Artes da UFES, pois não houve ainda nenhuma manifestação coletiva depois deles que alcançasse a repercussão que eles conseguiram, tanto no Brasil quanto no exterior. Percorreram territórios longínquos, divulgaram a arte capixaba e cumpriram o papel de arte-educadores, à medida que todas as exposições do grupo eram acompanhadas por ações educativas voltadas ao público infanto-juvenil. A experiência coletiva que os membros do Grupo Varal de Gravura vivenciaram neste período, participando tão intensamente da rotina um do outro e compartilhando as etapas de construção da arte em toda sua complexidade fez com que acreditassem que juntos poderiam concretizar sonhos. A saudade e a nostalgia com que relatam sua história dão sinais de que tudo valeu à pena. 137


#7 artigos ensaios

do Espírito Santo – MAES, em Vitória. O projeto foi realizado com benefícios da Lei Rubem Braga e teve como curadores membros do Grupo Varal de Gravura – Natália Branco, Maria das Graças Rangel e José Gomes. Além destes, trabalharam na organização da mostra as artistas Mercedes Falchetto e Raquel Baelles. No júri estavam Raphael Samú, Cláudio Mubarac e Rubem Grilo, que exibiram suas gravuras numa exposição coletiva na Galeria Espaço Universitário, na UFES. Da grande mostra realizada no MAES participaram 29 países e 12 estados brasileiros representados por 195 artistas, sendo 82 brasileiros e 113 estrangeiros. Um evento de gravura 136

grandioso e bem elaborado que contribuiu para diminuir a defasagem cultural do Estado. O Grupo Varal de Gravura esteve em atividade intensa de 1993 a 1998. Daí em diante, aos poucos foi se dissolvendo, cada um seguindo seu caminho. As exposições de 1999 e 2000 contavam com menos da metade dos integrantes da formação inicial da equipe. Considerando todas as dificuldades de se trabalhar em conjunto, principalmente numa área não rentável financeiramente, é louvável que tenham permanecido juntos por tanto tempo. O esforço individual e a dedicação à arte tornam cada um destes artistas parte da história do Centro de Artes da UFES, pois não houve ainda nenhuma manifestação coletiva depois deles que alcançasse a repercussão que eles conseguiram, tanto no Brasil quanto no exterior. Percorreram territórios longínquos, divulgaram a arte capixaba e cumpriram o papel de arte-educadores, à medida que todas as exposições do grupo eram acompanhadas por ações educativas voltadas ao público infanto-juvenil. A experiência coletiva que os membros do Grupo Varal de Gravura vivenciaram neste período, participando tão intensamente da rotina um do outro e compartilhando as etapas de construção da arte em toda sua complexidade fez com que acreditassem que juntos poderiam concretizar sonhos. A saudade e a nostalgia com que relatam sua história dão sinais de que tudo valeu à pena. 137


#7 ensaios

*Os dados deste artigo resultam de entrevistas realizadas com os membros do Grupo Varal de Gravura e com o professor Raphael Samú e ainda, dados cedidos pelos gestores culturais de Vitória: Jerusa Samú, Bernadette Rubim Teixeira e José Augusto Nunes Loureiro.

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#7 ensaios

*Os dados deste artigo resultam de entrevistas realizadas com os membros do Grupo Varal de Gravura e com o professor Raphael Samú e ainda, dados cedidos pelos gestores culturais de Vitória: Jerusa Samú, Bernadette Rubim Teixeira e José Augusto Nunes Loureiro.

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#7 artigos ensaios entrevistas

José Roca - curador da 8ª Bienal do Mercosul Coletiva de Imprensa realizada em 03/08/2010 Imagens: Denis Nicola

Introdução “O próximo curador da Bienal do Mercosul é Colombiano. Nascido em Barranquilla, formou-se em Arquitetura pela Universidad Nacional de Colômbia; especializou-se em Estudos Críticos pela Whitney Independet Study Program, em New York e possui mestrado em Design e Gestão de Edificações Culturais pela Ecole dArchitecture Paris-Villemin, Paris. Atualmente divide o seu tempo entre Bogotá (Colômbia) e a Filadélfia (EUA) onde, entre outros projetos, atualmente é diretor artístico da Philagrafika 2010: The Grafic Unconscious - um festival de artes gráficas contemporâneas que acontece simultaneamente em vários espaços expositivos da Filadélfia.” Diversificado e amplo, o currículo do próximo curador da Bienal do Mercosul é o seu cartão de visitas antes de começar a coletiva de imprensa que foi realizada numa sala do hotel Plaza São Rafael, no centro da cidade. Durante esta tarde fria, em meados de agosto, José Roca apresenta alguns vislumbres sobre o que pretende realizar nos espaços visitados alguns dias antes para a 8ª edição da mostra. Tratando de ressaltar que, embora tenha ainda pela rente um longo caminho até a concretização da Bienal no ano que vem, determinadas idéias e temas já norteiam algumas das suas expectativas. 141


#7 artigos ensaios entrevistas

José Roca - curador da 8ª Bienal do Mercosul Coletiva de Imprensa realizada em 03/08/2010 Imagens: Denis Nicola

Introdução “O próximo curador da Bienal do Mercosul é Colombiano. Nascido em Barranquilla, formou-se em Arquitetura pela Universidad Nacional de Colômbia; especializou-se em Estudos Críticos pela Whitney Independet Study Program, em New York e possui mestrado em Design e Gestão de Edificações Culturais pela Ecole dArchitecture Paris-Villemin, Paris. Atualmente divide o seu tempo entre Bogotá (Colômbia) e a Filadélfia (EUA) onde, entre outros projetos, atualmente é diretor artístico da Philagrafika 2010: The Grafic Unconscious - um festival de artes gráficas contemporâneas que acontece simultaneamente em vários espaços expositivos da Filadélfia.” Diversificado e amplo, o currículo do próximo curador da Bienal do Mercosul é o seu cartão de visitas antes de começar a coletiva de imprensa que foi realizada numa sala do hotel Plaza São Rafael, no centro da cidade. Durante esta tarde fria, em meados de agosto, José Roca apresenta alguns vislumbres sobre o que pretende realizar nos espaços visitados alguns dias antes para a 8ª edição da mostra. Tratando de ressaltar que, embora tenha ainda pela rente um longo caminho até a concretização da Bienal no ano que vem, determinadas idéias e temas já norteiam algumas das suas expectativas. 141


#7 artigos ensaios entrevistas

Quando perguntado sobre seus planos e perspectivas resultantes do primeiro encontro com a diretoria da Bienal do Mercosul, José Roca respondeu: José Roca - Apresentei as idéias pra a 8ª Bienal do Mercosul e expliquei que nos últimos projetos curatoriais em que trabalhei tratava-se de um tema, mas não meramente um tema, mas sim uma estratégia curatorial. Por exemplo, em Medelín, onde trabalhei em 2007 e convidei, entre outros, uma curadora brasileira, Ana Paula Cohen, onde pudemos trabalhar 142

a idéia da Hospitalidade. Mas a hospitalidade era um pouco mais do que um “tema”, pois havia artistas que trabalhavam idéias como parasitismo, simbiose, a relação entre o ‘hóspede’ e o ‘anfitrião’. Digamos que trabalhamos a hospitalidade como um “tema”, mas também como estratégias na quais um espaço recebia á outro, ou seja, a hospitalidade se articulava em formas de acionar uma cidade. Mas o tema nunca é somente a idéia, é uma forma de estratégia que quero aplicar aqui. E o tema em geral, que estou tratando, mas que, todavia ainda não o tenho totalmente concebido, nasce de uma espécie de um “mal-entendido” que tem na Bienal do Mercosul, com relação ao seu próprio nome, uma vez que tem o nome de uma construção Supranacional de um tratado de livre comércio. Talvez vocês já estejam familiarizados com o nome, mas essa ambigüidade olhando de fora, ainda existe esta essa associação entre o Mercosul, um tratado de livre comércio e a Bienal. Daí surge a idéia de pensar como se define um território, desde as questões geográficas, políticas e cultural. As realizações geográficas entendidas como país, as políticas entendidas como Estado e as culturais como nação. Creio que trabalharei isso como as poéticas do território, como um sentido geral, onde isto vai ter declinações, que em alguns casos serão expositivas, e em outros serão ativadoras da cena local. Quando perguntado sobre sua percepção como estrangeiro da Bienal do Mercosul, e como a mesma é vista 143


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Quando perguntado sobre seus planos e perspectivas resultantes do primeiro encontro com a diretoria da Bienal do Mercosul, José Roca respondeu: José Roca - Apresentei as idéias pra a 8ª Bienal do Mercosul e expliquei que nos últimos projetos curatoriais em que trabalhei tratava-se de um tema, mas não meramente um tema, mas sim uma estratégia curatorial. Por exemplo, em Medelín, onde trabalhei em 2007 e convidei, entre outros, uma curadora brasileira, Ana Paula Cohen, onde pudemos trabalhar 142

a idéia da Hospitalidade. Mas a hospitalidade era um pouco mais do que um “tema”, pois havia artistas que trabalhavam idéias como parasitismo, simbiose, a relação entre o ‘hóspede’ e o ‘anfitrião’. Digamos que trabalhamos a hospitalidade como um “tema”, mas também como estratégias na quais um espaço recebia á outro, ou seja, a hospitalidade se articulava em formas de acionar uma cidade. Mas o tema nunca é somente a idéia, é uma forma de estratégia que quero aplicar aqui. E o tema em geral, que estou tratando, mas que, todavia ainda não o tenho totalmente concebido, nasce de uma espécie de um “mal-entendido” que tem na Bienal do Mercosul, com relação ao seu próprio nome, uma vez que tem o nome de uma construção Supranacional de um tratado de livre comércio. Talvez vocês já estejam familiarizados com o nome, mas essa ambigüidade olhando de fora, ainda existe esta essa associação entre o Mercosul, um tratado de livre comércio e a Bienal. Daí surge a idéia de pensar como se define um território, desde as questões geográficas, políticas e cultural. As realizações geográficas entendidas como país, as políticas entendidas como Estado e as culturais como nação. Creio que trabalharei isso como as poéticas do território, como um sentido geral, onde isto vai ter declinações, que em alguns casos serão expositivas, e em outros serão ativadoras da cena local. Quando perguntado sobre sua percepção como estrangeiro da Bienal do Mercosul, e como a mesma é vista 143


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fora do Brasil, respondeu: Roca – Bom, as duas últimas edições teve um caráter mais de uma bienal de arte internacional. Como sou estrangeiro, mesmo sendo da Colômbia, sempre estou envolvido como um olhar sobre o meio artístico no que passa no resto da América Latina, e como na 2ª Bienal a Colômbia foi o país convidado, então isso tomou muita repercussão no meio local. Teve uns 10 artistas que participaram e fizeram instalações, cada um com certa importância, e isso teve, como efeito, o fato de que toda a cena artística colombiana passasse a conhecer a Bienal do Mercosul, pois houve uma representação colombiana importante. E eu sinto que também sou estrangeiro mais participei como um dos curadores da Bienal de São Paulo, então também minha percepção em relação à Bienal do Mercosul esta um pouco viciada, pois visa um pouco no que acontece na de São Paulo, mas o que sinto é que a Bienal do Mercosul teve uma consolidação do seu espaço. Aqui é um lugar onde as coisas são muito bem feitas, de modo sério, onde o componente do projeto educativo é central, não periférico nem acessório e sim como parte integral da proposta curatorial. Tenho uma percepção parecida, digamos, olhando de fora. Quando eu vim pela primeira vez, foi na 5ª Bienal e conheço muito bem o Gabriel Pérez-Barreiro e o seu projeto. E também conheço Victória Noorthoorn, quando a convidei para um projeto realizado na Colômbia há alguns anos atrás, então conheço a bienal como um insider também. 144

Sobre nomes e a participação dos países: Roca – Estamos em processo de viajem e pesquisa, mas certamente não será pensada como representações nacionais, e talvez nem como supranacionais, ou transterritoriais, mas será como artistas que estão tocando seus temas de como se constitui um território, ou seja, falando em termos do que acontece na vida real, digamos que uma nação digital, que é uma nação, mas não tem territórios, é uma cultura que está espalhada. Também a noção de micro-nações que são essas construções fictícias de nação, que são ás vezes construções artísticas, mas em alguns casos se tem um território físico definido, onde são zonas de autonomia poética, mas não autonomia política. Esses tipos de questionamentos são coisas que me interessam observar, que artistas estão interessados nisso. Creio que não haja nenhum tema, sendo nesta ou em outras propostas de bienais ou similares, que ainda não tenha sido tratado anteriormente. A cartografia, por exemplo, é um dos temas conceituais da curadoria contemporânea, a idéia de nomadismo, enfim... tudo isso. Mas são temas que não estão esgotados. Acredito que não tenha nenhum tema que seja trabalhado uma única vez. Todos eles podem ser revisitados dependendo da forma como se foca eles. São, todavia, sempre questões válidas. Sobre a importância do projeto pedagógico: Roca – A Bienal em si tem dois componentes: as estraté145


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fora do Brasil, respondeu: Roca – Bom, as duas últimas edições teve um caráter mais de uma bienal de arte internacional. Como sou estrangeiro, mesmo sendo da Colômbia, sempre estou envolvido como um olhar sobre o meio artístico no que passa no resto da América Latina, e como na 2ª Bienal a Colômbia foi o país convidado, então isso tomou muita repercussão no meio local. Teve uns 10 artistas que participaram e fizeram instalações, cada um com certa importância, e isso teve, como efeito, o fato de que toda a cena artística colombiana passasse a conhecer a Bienal do Mercosul, pois houve uma representação colombiana importante. E eu sinto que também sou estrangeiro mais participei como um dos curadores da Bienal de São Paulo, então também minha percepção em relação à Bienal do Mercosul esta um pouco viciada, pois visa um pouco no que acontece na de São Paulo, mas o que sinto é que a Bienal do Mercosul teve uma consolidação do seu espaço. Aqui é um lugar onde as coisas são muito bem feitas, de modo sério, onde o componente do projeto educativo é central, não periférico nem acessório e sim como parte integral da proposta curatorial. Tenho uma percepção parecida, digamos, olhando de fora. Quando eu vim pela primeira vez, foi na 5ª Bienal e conheço muito bem o Gabriel Pérez-Barreiro e o seu projeto. E também conheço Victória Noorthoorn, quando a convidei para um projeto realizado na Colômbia há alguns anos atrás, então conheço a bienal como um insider também. 144

Sobre nomes e a participação dos países: Roca – Estamos em processo de viajem e pesquisa, mas certamente não será pensada como representações nacionais, e talvez nem como supranacionais, ou transterritoriais, mas será como artistas que estão tocando seus temas de como se constitui um território, ou seja, falando em termos do que acontece na vida real, digamos que uma nação digital, que é uma nação, mas não tem territórios, é uma cultura que está espalhada. Também a noção de micro-nações que são essas construções fictícias de nação, que são ás vezes construções artísticas, mas em alguns casos se tem um território físico definido, onde são zonas de autonomia poética, mas não autonomia política. Esses tipos de questionamentos são coisas que me interessam observar, que artistas estão interessados nisso. Creio que não haja nenhum tema, sendo nesta ou em outras propostas de bienais ou similares, que ainda não tenha sido tratado anteriormente. A cartografia, por exemplo, é um dos temas conceituais da curadoria contemporânea, a idéia de nomadismo, enfim... tudo isso. Mas são temas que não estão esgotados. Acredito que não tenha nenhum tema que seja trabalhado uma única vez. Todos eles podem ser revisitados dependendo da forma como se foca eles. São, todavia, sempre questões válidas. Sobre a importância do projeto pedagógico: Roca – A Bienal em si tem dois componentes: as estraté145


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gias ativadoras e estratégias expositivas. Estes componentes, que em si mesmos, fazem com que o projeto esteja sobreposto no território local, como num território mais amplo como o RS. E isto só é possível ocorrer, esta presença a bienal através do projeto pedagógico que é “a posteriori” ao projeto curatorial. Mas também poderemos trabalhar com um curador pedagógico, que ainda não está confirmado, mas será um artista, e que tenha experiência no trabalho pedagógico. A idéia é cruzar o projeto curatorial com o projeto pedagógico como forma de integrar-se entre si, e que não seja somente um acessório. De certa forma é o que já fez por aqui Luiz Camitzer entre outros. De modo geral, o projeto pedagógico é uma das marcas distintas da Bienal do Mercosul. Sobre o questionamento quanto ao modelo Bienal: Roca – Eu penso muito sobre isso, até devido ao que tratamos de fazer em Medelin, que era algo como o de re-implan146

tar este modelo de bienal, e de questionar o que é uma bienal hoje em dia. Mas parece-me difícil de responder esta pergunta, pois “o que é uma bienal?” depende sempre “para que?” ou “para quem?”. Pois o modelo de bienal mais tradicional, que tenha curador, tema, artistas e obras, onde se coloca tudo num mesmo edifício por um tempo determinado, até funciona bem! Então temos muitos exemplos de fóruns como em Basel ou em Miami, onde se discute muito o futuro do modelo bienal. E é curioso como sempre acontece em lugares onde já tem bienais. E se questiona “para que outra bienal?”. E é por algum motivo que este local ou comunidade tem. Por ter uma necessidade de uma ampliação da visibilidade do local... ou seja, por algum motivo as estão fazendo. Mas a função de uma bienal é, por um lado, mostrar a produção artística de uma região para si mesma e para o cenário internacional. Já por outro lado, é também um modo de familiarizar a cena do local onde ocorre o evento com as linguagens globais. Para isso, do ponto de vista das políticas culturais, pois todos sabemos que é uma forma de destacar determinado local no mapa cultural do mundo, que tem a ver com as necessidades das classes criativas, e etc... mas de qualquer forma é um modelo que tem que ser sempre repensado, e eu sempre penso analisando sobre aquilo que necessita a cena local, e às vezes não se trata de um problema de modelo, pois pode ser o mesmo modelo, mas com outra forma de atuação. Dependerá do contexto ao qual o lugar esta inserido e das necessidades de cada local. 147


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gias ativadoras e estratégias expositivas. Estes componentes, que em si mesmos, fazem com que o projeto esteja sobreposto no território local, como num território mais amplo como o RS. E isto só é possível ocorrer, esta presença a bienal através do projeto pedagógico que é “a posteriori” ao projeto curatorial. Mas também poderemos trabalhar com um curador pedagógico, que ainda não está confirmado, mas será um artista, e que tenha experiência no trabalho pedagógico. A idéia é cruzar o projeto curatorial com o projeto pedagógico como forma de integrar-se entre si, e que não seja somente um acessório. De certa forma é o que já fez por aqui Luiz Camitzer entre outros. De modo geral, o projeto pedagógico é uma das marcas distintas da Bienal do Mercosul. Sobre o questionamento quanto ao modelo Bienal: Roca – Eu penso muito sobre isso, até devido ao que tratamos de fazer em Medelin, que era algo como o de re-implan146

tar este modelo de bienal, e de questionar o que é uma bienal hoje em dia. Mas parece-me difícil de responder esta pergunta, pois “o que é uma bienal?” depende sempre “para que?” ou “para quem?”. Pois o modelo de bienal mais tradicional, que tenha curador, tema, artistas e obras, onde se coloca tudo num mesmo edifício por um tempo determinado, até funciona bem! Então temos muitos exemplos de fóruns como em Basel ou em Miami, onde se discute muito o futuro do modelo bienal. E é curioso como sempre acontece em lugares onde já tem bienais. E se questiona “para que outra bienal?”. E é por algum motivo que este local ou comunidade tem. Por ter uma necessidade de uma ampliação da visibilidade do local... ou seja, por algum motivo as estão fazendo. Mas a função de uma bienal é, por um lado, mostrar a produção artística de uma região para si mesma e para o cenário internacional. Já por outro lado, é também um modo de familiarizar a cena do local onde ocorre o evento com as linguagens globais. Para isso, do ponto de vista das políticas culturais, pois todos sabemos que é uma forma de destacar determinado local no mapa cultural do mundo, que tem a ver com as necessidades das classes criativas, e etc... mas de qualquer forma é um modelo que tem que ser sempre repensado, e eu sempre penso analisando sobre aquilo que necessita a cena local, e às vezes não se trata de um problema de modelo, pois pode ser o mesmo modelo, mas com outra forma de atuação. Dependerá do contexto ao qual o lugar esta inserido e das necessidades de cada local. 147


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Sobre os espaços expositivos já consagrados de Porto Alegre e a utilização dos mesmos: Roca – Já os conheço, mas eu também vou agregar alguns outros componentes que ativarão outros espaços da cidade com obras que tenha um sentido diferente do visual, como som, cheiro, sensação térmica. É outra forma de ver a cidade, através destas intervenções pontuais que irão acontecer. Mas ainda é cedo pra falar sobre isso! Quando perguntado se as possibilidades que o projeto pedagógico ofereceu durante a última bienal, onde, através de edital público, a cena local poderia inscrever oficinas e abrir os seus ateliers para diversas atividades ligada à área artística, assim como a mostra Projetáveis, realizada no Santander Cultural, também executada através de edital público, e se isso talvez seja uma nova maneira de trabalhar dentro do modelo desgastado de bienal, ele respondeu:

Roca – Bom... eu tenho um componente que eu penso que será importante para a bienal, num sentido de termos é um pouco mais histórico, todavia é um pouco cedo ainda. Não porque se pense que será uma coisa que não será receptível, mas que ainda temos que averiguar números e ver a sua viabilidade... se é sustentável. Mas a principal preocupação que tenho é “como ativar a cena local?”. Isso porque eu tenho “pânico” aos projetos de PowerPoint, que aparece nos fóruns de 148

curadores. E vendo assim é maravilhoso, mas se perguntar aos artistas eles vão dizer “que foi um desastre, que nada funcionou”. Mas quando se vê a apresentação do curador, tudo parece maravilhoso. Então temos que analisar bem para que a Bienal fale com as pessoas que são o seu público mais natural, que é o da cena artística local, embora ela ‘fale’ muito mais também, e não somente como este público. Quando perguntado sobre uma perspectiva quanto ao número de artistas participantes da 8ª Bienal: Roca - Acredito que deva haver num consenso com o lugar. Por exemplo, na paralela da última Bienal de Veneza, havia cerca de 73 lugares de exposição, sendo que alguns eram muito afastados. E isso não funciona, pois não é útil. Também há um limite para a capacidade que o visitante tem na visitação nos espaços expositivos, pois quando tem demasiado número de artistas, de obras ou de lugares, se torna muito difícil de ver tudo. Isto causa até uma frustração no público por não poder ver este ou aquele trabalho. Eu gosto de uma coisa um pouco mais compacta. Por exemplo, na Philagrafika (http://www.philagrafika.org) tinha cerca de 35 artistas no espaço principal, mas cada um tinha trabalhos e instalações mais contundentes e importantes, mais uns 5 artistas na coleção histórica. E depois havia mais de 80 projetos independentes, que se poderia ser visitados ou não em paralelo ao projeto da exposição, mas que não fora organizado pela equipe curatorial. Estas mostras 149


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Sobre os espaços expositivos já consagrados de Porto Alegre e a utilização dos mesmos: Roca – Já os conheço, mas eu também vou agregar alguns outros componentes que ativarão outros espaços da cidade com obras que tenha um sentido diferente do visual, como som, cheiro, sensação térmica. É outra forma de ver a cidade, através destas intervenções pontuais que irão acontecer. Mas ainda é cedo pra falar sobre isso! Quando perguntado se as possibilidades que o projeto pedagógico ofereceu durante a última bienal, onde, através de edital público, a cena local poderia inscrever oficinas e abrir os seus ateliers para diversas atividades ligada à área artística, assim como a mostra Projetáveis, realizada no Santander Cultural, também executada através de edital público, e se isso talvez seja uma nova maneira de trabalhar dentro do modelo desgastado de bienal, ele respondeu:

Roca – Bom... eu tenho um componente que eu penso que será importante para a bienal, num sentido de termos é um pouco mais histórico, todavia é um pouco cedo ainda. Não porque se pense que será uma coisa que não será receptível, mas que ainda temos que averiguar números e ver a sua viabilidade... se é sustentável. Mas a principal preocupação que tenho é “como ativar a cena local?”. Isso porque eu tenho “pânico” aos projetos de PowerPoint, que aparece nos fóruns de 148

curadores. E vendo assim é maravilhoso, mas se perguntar aos artistas eles vão dizer “que foi um desastre, que nada funcionou”. Mas quando se vê a apresentação do curador, tudo parece maravilhoso. Então temos que analisar bem para que a Bienal fale com as pessoas que são o seu público mais natural, que é o da cena artística local, embora ela ‘fale’ muito mais também, e não somente como este público. Quando perguntado sobre uma perspectiva quanto ao número de artistas participantes da 8ª Bienal: Roca - Acredito que deva haver num consenso com o lugar. Por exemplo, na paralela da última Bienal de Veneza, havia cerca de 73 lugares de exposição, sendo que alguns eram muito afastados. E isso não funciona, pois não é útil. Também há um limite para a capacidade que o visitante tem na visitação nos espaços expositivos, pois quando tem demasiado número de artistas, de obras ou de lugares, se torna muito difícil de ver tudo. Isto causa até uma frustração no público por não poder ver este ou aquele trabalho. Eu gosto de uma coisa um pouco mais compacta. Por exemplo, na Philagrafika (http://www.philagrafika.org) tinha cerca de 35 artistas no espaço principal, mas cada um tinha trabalhos e instalações mais contundentes e importantes, mais uns 5 artistas na coleção histórica. E depois havia mais de 80 projetos independentes, que se poderia ser visitados ou não em paralelo ao projeto da exposição, mas que não fora organizado pela equipe curatorial. Estas mostras 149


#7 artigos ensaios

eram realizadas independentemente uma as outras. Isso dava ao visitante muitas coisas para ver, mas embora acompanhase o projeto curatorial da mostra, não era parte da mesma. É ainda difícil falar em números agora. Acredito que talvez algo entre 60 e 100 artistas... ou provavelmente bem menos do que isso. Não quero que seja uma coisa enorme. Preferiria que tivesse menos artistas e com obras mais significativas. Sobre o momento econômico do Brasil frente ao resto do mundo e as possibilidades que este cenário poderiam trazer para a 8ª Bienal do Mercosul: Roca - Sim, acredito que sim. Eu penso que o Brasil segue sendo como algo que esta no imaginário coletivo do mundo. Não é tão difícil de vir ao Brasil. Isso em comparação a Bogotá, por exemplo, que chama menos atenção particularmente. De todas as maneiras, nós não vamos ser tão “Panlatinoamericanos”, mas para romper a idéia de territorialidade, que é tão fechada, cada um dos sub-temas das mostras, provavelmente, trará um artista de outra parte para apoiar a lógica curatorial de cada tema. Então teremos artistas ‘puramente’ latino-americanos, mas com artistas de muitas outras partes quando for necessário.

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#7 artigos ensaios

eram realizadas independentemente uma as outras. Isso dava ao visitante muitas coisas para ver, mas embora acompanhase o projeto curatorial da mostra, não era parte da mesma. É ainda difícil falar em números agora. Acredito que talvez algo entre 60 e 100 artistas... ou provavelmente bem menos do que isso. Não quero que seja uma coisa enorme. Preferiria que tivesse menos artistas e com obras mais significativas. Sobre o momento econômico do Brasil frente ao resto do mundo e as possibilidades que este cenário poderiam trazer para a 8ª Bienal do Mercosul: Roca - Sim, acredito que sim. Eu penso que o Brasil segue sendo como algo que esta no imaginário coletivo do mundo. Não é tão difícil de vir ao Brasil. Isso em comparação a Bogotá, por exemplo, que chama menos atenção particularmente. De todas as maneiras, nós não vamos ser tão “Panlatinoamericanos”, mas para romper a idéia de territorialidade, que é tão fechada, cada um dos sub-temas das mostras, provavelmente, trará um artista de outra parte para apoiar a lógica curatorial de cada tema. Então teremos artistas ‘puramente’ latino-americanos, mas com artistas de muitas outras partes quando for necessário.

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#7 artigos ensaios entrevistas

Luis Carlos Mandelli - presidente da 8ª Bienal do Mercosul Entrevista realizada em 10/08/2010 por Alexandre Nicolodi e Denis Nicola Imagens: Denis Nicola

Introdução Luis Carlos Mandelli faz parte da Bienal do Mercosul desde a sua criação. O atual presidente da mostra participa, desde 1996, do Conselho de Administração da Fundação Bienal do 153


#7 artigos ensaios entrevistas

Luis Carlos Mandelli - presidente da 8ª Bienal do Mercosul Entrevista realizada em 10/08/2010 por Alexandre Nicolodi e Denis Nicola Imagens: Denis Nicola

Introdução Luis Carlos Mandelli faz parte da Bienal do Mercosul desde a sua criação. O atual presidente da mostra participa, desde 1996, do Conselho de Administração da Fundação Bienal do 153


#7 artigos ensaios entrevistas

Mercosul. Natural de Porto Alegre, Mandelli é um empresário bem sucedido, um líder natural e já acostumado ao cargo em que se encontra: já foi presidente do SESI/SENAI e da FIERGS, entre outras muitas realizações em frente ao cenário empresarial do RS e do país. Embora também tenha participado da coletiva de imprensa que apresentou o próximo curador da bienal, realizamos uma conversa mais íntima com ele na sede da Fundação Bienal do Mercosul, onde ele expõe as suas expectativas neste novo desafio que esse cargo que desempenha.

Panorama Crítico - Qual a expectativa para este período que antecede a realização da 8ª Bienal do Mercosul? Luis Carlos Mandelli – Primeiramente encontrar um ambiente mais favorável do ponto de vista de recursos. A 7ª Bienal foi marcada por uma dificuldade muito grande devido à crise financeira mundial que explodiu em setembro de 2008 com a quebra do Lehman&Brothers, onde houve um baque nas receitas das empresas, conseqüentemente nos resultados e, subsequentemente, também dos recursos. Imaginamos que essa situação não venha acontecer nesse um ano. Digamos assim, não há nenhuma nuvem negra no horizonte. A 7ª edição, mesmo com todo o constrangimento financeiro, foi uma boa Bienal. Então havendo a possibilidade de um projeto um pouco maior, queremos retomar uma bienal bastante semelhante às anteriores. Então achamos que esse é o cenário que nós 154

estamos encontrando pela frente, do ponto de vista de mobilização e de poder realizá-la. Creio que existe também um momento importante, este ano será realizada a 29ª Bienal de São Paulo, então digamos assim, o “mote” Bienal está bastante no ar, então de certa maneira a Bienal de São Paulo nos ajuda, ela tem uma mídia muito expressiva, onde muitas pessoas acabam ouvindo falar repetidamente de Bienal e isso, evidentemente desperta também uma atenção para a Bienal do Mercosul. Fato que acredito ser bastante positivo. Sobre o projeto curatorial, talvez a única coisa que eu tenha a acrescentar sobre o que o Roca falou (leia a entrevista com curador), seja a identificação do curador com os espaços disponíveis. Aparentemente ele se encantou com Porto Alegre e os espaços oferecidos, então acho que a intervenções nesse espaço devam ser bastante interessantes. Percebemos o entusiasmo dele com os espaços, por exemplo, ele ficou encantado com a chaminé do Gasômetro, e está pensando alguma coisa para ela...

PN – Inclusive o José Roca (curador da 8ª Bienal) comentou que pretende realizar muitas coisas com intervenções públicas... LCM – Sim, ele pretende explorar bastante estes espaços públicos. Outra coisa muito relevante é que ele pretende entender bem a cultura local, fazer alguma interposição, algum resgate de coisas históricas. Creio que isso possa vir a ser bastante interessante. 155


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Mercosul. Natural de Porto Alegre, Mandelli é um empresário bem sucedido, um líder natural e já acostumado ao cargo em que se encontra: já foi presidente do SESI/SENAI e da FIERGS, entre outras muitas realizações em frente ao cenário empresarial do RS e do país. Embora também tenha participado da coletiva de imprensa que apresentou o próximo curador da bienal, realizamos uma conversa mais íntima com ele na sede da Fundação Bienal do Mercosul, onde ele expõe as suas expectativas neste novo desafio que esse cargo que desempenha.

Panorama Crítico - Qual a expectativa para este período que antecede a realização da 8ª Bienal do Mercosul? Luis Carlos Mandelli – Primeiramente encontrar um ambiente mais favorável do ponto de vista de recursos. A 7ª Bienal foi marcada por uma dificuldade muito grande devido à crise financeira mundial que explodiu em setembro de 2008 com a quebra do Lehman&Brothers, onde houve um baque nas receitas das empresas, conseqüentemente nos resultados e, subsequentemente, também dos recursos. Imaginamos que essa situação não venha acontecer nesse um ano. Digamos assim, não há nenhuma nuvem negra no horizonte. A 7ª edição, mesmo com todo o constrangimento financeiro, foi uma boa Bienal. Então havendo a possibilidade de um projeto um pouco maior, queremos retomar uma bienal bastante semelhante às anteriores. Então achamos que esse é o cenário que nós 154

estamos encontrando pela frente, do ponto de vista de mobilização e de poder realizá-la. Creio que existe também um momento importante, este ano será realizada a 29ª Bienal de São Paulo, então digamos assim, o “mote” Bienal está bastante no ar, então de certa maneira a Bienal de São Paulo nos ajuda, ela tem uma mídia muito expressiva, onde muitas pessoas acabam ouvindo falar repetidamente de Bienal e isso, evidentemente desperta também uma atenção para a Bienal do Mercosul. Fato que acredito ser bastante positivo. Sobre o projeto curatorial, talvez a única coisa que eu tenha a acrescentar sobre o que o Roca falou (leia a entrevista com curador), seja a identificação do curador com os espaços disponíveis. Aparentemente ele se encantou com Porto Alegre e os espaços oferecidos, então acho que a intervenções nesse espaço devam ser bastante interessantes. Percebemos o entusiasmo dele com os espaços, por exemplo, ele ficou encantado com a chaminé do Gasômetro, e está pensando alguma coisa para ela...

PN – Inclusive o José Roca (curador da 8ª Bienal) comentou que pretende realizar muitas coisas com intervenções públicas... LCM – Sim, ele pretende explorar bastante estes espaços públicos. Outra coisa muito relevante é que ele pretende entender bem a cultura local, fazer alguma interposição, algum resgate de coisas históricas. Creio que isso possa vir a ser bastante interessante. 155


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Eu, da minha parte, quando assumi falei na palavra “interiorização” que acho de extrema importância. O RS tem algumas cidades pólos muito expressivas economicamente e culturalmente. Citando algumas: Passo Fundo realiza a jornada literária, que é um sucesso nacional; Caxias hoje é um centro econômico e cultural muito forte, Passo Fundo e Caxias hoje com duas Universidades muito atuantes; nós também temos Pelotas que possui uma vida cultural importante; Santa Maria com a presença acadêmica extremamente importante através da universidade e pelo meio cultural; Erechim também tem um pólo universitário muito importante... enfim, poderia citar outras aqui também! Por exemplo, tivemos uma manifestação espontânea do pessoal da Universidade de Bagé que solicitou para que fosse realizado alguma atividade relacionada com a Bienal na região da fronteira. O que pra mim foi uma manifestação interessante, porque veio deles, inclusive oferecendo espaços públicos da Universidade Federal de Bagé. Achamos que o projeto de interiorização é um projeto que não deve ser somente durante a Bienal, ele deve começar bem antes, e é aí que acho que pode ser uma parte interessante. O fato de acontecerem eventos antes da Bienal cria também um panorama muito propicio para uma visitação mais intensa na Bienal do Mercosul. Eu, como presidente, gostaria de ter um público bastante expressivo na 8ª edição da Bienal, pois acredito que a Bienal do Mercosul é algo consolidado, então realmente precisamos sedimentar bem esta consolidação com 156

a fluência de mais público. PN - Poderíamos dizer que essa dinâmica de interiorização será um diferencial na 8ª Bienal do Mercosul? Isso com relação às outras edições e até mesmo com o modelo Bienal? LCM - Nós temos já um diferencial construído ao longo dos anos que é o projeto pedagógico. Isso é algo do qual não se abre mão! Agora, a mistura do projeto pedagógico com a interiorização é algo que pode e deve ser aprofundado. Desde a 6ª edição já acontecem as formações de professores no interior do Estado. Na 7ª edição tivemos as residências que levava a Bienal até o interior. Mas ainda não temos isso bem formalizado na cabeça, mas antes do fim do ano pretendo reunir as lideranças dessas cidades que citei, e de outras também importantes, para saber das possibilidades de engajamento deles. Creio que isso seja uma coisa que, digamos assim, vai nos mobilizar sem duvidas, mas também pode ser interessante no sentido de consolidar talvez um modelo de Bienal com bastante itinerância, ou seja, com bastante presença em outras geografias.

PN – O curador José Roca comentou que a 8ª Edição não será pensada com representações nacionais, qual a sua visão? LCM - Focarmos as representações nacionais me parece ser um limitante. Roca está tratando a arte como algo que supera fronteiras, muito mais como algo que está na criatividade 157


#7 artigos ensaios entrevistas

Eu, da minha parte, quando assumi falei na palavra “interiorização” que acho de extrema importância. O RS tem algumas cidades pólos muito expressivas economicamente e culturalmente. Citando algumas: Passo Fundo realiza a jornada literária, que é um sucesso nacional; Caxias hoje é um centro econômico e cultural muito forte, Passo Fundo e Caxias hoje com duas Universidades muito atuantes; nós também temos Pelotas que possui uma vida cultural importante; Santa Maria com a presença acadêmica extremamente importante através da universidade e pelo meio cultural; Erechim também tem um pólo universitário muito importante... enfim, poderia citar outras aqui também! Por exemplo, tivemos uma manifestação espontânea do pessoal da Universidade de Bagé que solicitou para que fosse realizado alguma atividade relacionada com a Bienal na região da fronteira. O que pra mim foi uma manifestação interessante, porque veio deles, inclusive oferecendo espaços públicos da Universidade Federal de Bagé. Achamos que o projeto de interiorização é um projeto que não deve ser somente durante a Bienal, ele deve começar bem antes, e é aí que acho que pode ser uma parte interessante. O fato de acontecerem eventos antes da Bienal cria também um panorama muito propicio para uma visitação mais intensa na Bienal do Mercosul. Eu, como presidente, gostaria de ter um público bastante expressivo na 8ª edição da Bienal, pois acredito que a Bienal do Mercosul é algo consolidado, então realmente precisamos sedimentar bem esta consolidação com 156

a fluência de mais público. PN - Poderíamos dizer que essa dinâmica de interiorização será um diferencial na 8ª Bienal do Mercosul? Isso com relação às outras edições e até mesmo com o modelo Bienal? LCM - Nós temos já um diferencial construído ao longo dos anos que é o projeto pedagógico. Isso é algo do qual não se abre mão! Agora, a mistura do projeto pedagógico com a interiorização é algo que pode e deve ser aprofundado. Desde a 6ª edição já acontecem as formações de professores no interior do Estado. Na 7ª edição tivemos as residências que levava a Bienal até o interior. Mas ainda não temos isso bem formalizado na cabeça, mas antes do fim do ano pretendo reunir as lideranças dessas cidades que citei, e de outras também importantes, para saber das possibilidades de engajamento deles. Creio que isso seja uma coisa que, digamos assim, vai nos mobilizar sem duvidas, mas também pode ser interessante no sentido de consolidar talvez um modelo de Bienal com bastante itinerância, ou seja, com bastante presença em outras geografias.

PN – O curador José Roca comentou que a 8ª Edição não será pensada com representações nacionais, qual a sua visão? LCM - Focarmos as representações nacionais me parece ser um limitante. Roca está tratando a arte como algo que supera fronteiras, muito mais como algo que está na criatividade 157


#7 artigos ensaios entrevistas

das pessoas do que nas fronteiras físicas. Dentro disso seria incoerente termos representações nacionais, com esse rótulo. Evidente que teremos artistas de vários lugares, mas sem representar com o rótulo de um artista de um país. Veja bem, o próprio Roca, por exemplo, é colombiano, mas ele vive transitando por Paris, Nova York... agora por aqui também, na Philadelphia, etc.. Eu que sou novato nesse território, estava olhando vários artistas, e todos tem presenças supranacional, e cada vez mais. Então esse modelo por países, que era até 2005 não existe, pois ele se esgota muito rapidamente. Enfim... acredito que as idéias novas são pelo lado dessa interiorização, um pouco pelo lado da divulgação, que é algo importante para consolidar a presença da Bienal do Mercosul no calendário cultural do RS. Como é uma iniciativa “comunitária” onde nós queremos somar, pois temos o apoio decisivo da prefeitura de Porto Alegre e do Estado, através da cedência de espaços e Lei de incentivo à cultura e etc. Ou seja, é um evento que envolve bastante gente daqui, das mais diversas esferas públicas de atuação. Acho que esse é o conceito, Bienal tem que ser uma coisa... ou melhor, a arte tem que ser uma coisa inclusiva. Acho que essa é a nossa idéia de maneira geral.

PN – Já existe alguma previsão, ou expectativa quanto ao tempo de duração da próxima Bienal? LCM - Pretendemos que a 8ª Bienal seja um pouco mais longa que a 7ª edição. Na Bienal passada, devido a alguns cortes no 158

orçamento, as mostras fechavam às segundas-feiras, e para a próxima pretendemos que ela seja continua, até porque essa pausa de um dia atrapalha o projeto pedagógico. A duração tem que ser algo bem consolidado com o curador, com a disponibilidade dos artistas presentes, enfim... mas não é uma coisa que será decidida agora, porém a intenção é que seja mais longa que a passada sem fechar às segundas-feiras. Porque isso é um dia a menos para a visitação escolar, o que já é uma logística complicada você agendar visitas de segunda à sexta, imaginem de terça à sexta, comprime muito e a logística fica mais difícil para se trabalhar!

PN – Na 7ª edição da Bienal, a escolha do curador, e do projeto curatorial, se deu através de um edital aberto. Como ocorreu a escolha do curador para a próxima edição da Bienal do Mercosul. LCM - Na última foi uma convocação aberta via internet, nesse ano foi um pouco diferente. Criou-se dentro da Fundação Bienal do Mercosul, durante esses anos todos, uma consciência de como deveria ser o curador. Nos diretores essa consciência também foi criada, assim como no conselho. Na 7ª Bienal fizemos a convocatória, onde recebemos e analisamos muita gente, e assim passou-se a conhecer muita gente... então, para esta edição, fizemos uma coisa um pouco diferente. Tínhamos uma referência das pessoas que ficamos conhecendo no processo, algumas até porque estiveram visitando 159


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das pessoas do que nas fronteiras físicas. Dentro disso seria incoerente termos representações nacionais, com esse rótulo. Evidente que teremos artistas de vários lugares, mas sem representar com o rótulo de um artista de um país. Veja bem, o próprio Roca, por exemplo, é colombiano, mas ele vive transitando por Paris, Nova York... agora por aqui também, na Philadelphia, etc.. Eu que sou novato nesse território, estava olhando vários artistas, e todos tem presenças supranacional, e cada vez mais. Então esse modelo por países, que era até 2005 não existe, pois ele se esgota muito rapidamente. Enfim... acredito que as idéias novas são pelo lado dessa interiorização, um pouco pelo lado da divulgação, que é algo importante para consolidar a presença da Bienal do Mercosul no calendário cultural do RS. Como é uma iniciativa “comunitária” onde nós queremos somar, pois temos o apoio decisivo da prefeitura de Porto Alegre e do Estado, através da cedência de espaços e Lei de incentivo à cultura e etc. Ou seja, é um evento que envolve bastante gente daqui, das mais diversas esferas públicas de atuação. Acho que esse é o conceito, Bienal tem que ser uma coisa... ou melhor, a arte tem que ser uma coisa inclusiva. Acho que essa é a nossa idéia de maneira geral.

PN – Já existe alguma previsão, ou expectativa quanto ao tempo de duração da próxima Bienal? LCM - Pretendemos que a 8ª Bienal seja um pouco mais longa que a 7ª edição. Na Bienal passada, devido a alguns cortes no 158

orçamento, as mostras fechavam às segundas-feiras, e para a próxima pretendemos que ela seja continua, até porque essa pausa de um dia atrapalha o projeto pedagógico. A duração tem que ser algo bem consolidado com o curador, com a disponibilidade dos artistas presentes, enfim... mas não é uma coisa que será decidida agora, porém a intenção é que seja mais longa que a passada sem fechar às segundas-feiras. Porque isso é um dia a menos para a visitação escolar, o que já é uma logística complicada você agendar visitas de segunda à sexta, imaginem de terça à sexta, comprime muito e a logística fica mais difícil para se trabalhar!

PN – Na 7ª edição da Bienal, a escolha do curador, e do projeto curatorial, se deu através de um edital aberto. Como ocorreu a escolha do curador para a próxima edição da Bienal do Mercosul. LCM - Na última foi uma convocação aberta via internet, nesse ano foi um pouco diferente. Criou-se dentro da Fundação Bienal do Mercosul, durante esses anos todos, uma consciência de como deveria ser o curador. Nos diretores essa consciência também foi criada, assim como no conselho. Na 7ª Bienal fizemos a convocatória, onde recebemos e analisamos muita gente, e assim passou-se a conhecer muita gente... então, para esta edição, fizemos uma coisa um pouco diferente. Tínhamos uma referência das pessoas que ficamos conhecendo no processo, algumas até porque estiveram visitando 159


#7 artigos ensaios entrevistas

a própria Bienal, alguns inclusive foram sub-curadores. Disso fizemos uma lista com cerca de sete ou oito nomes, e nesses nomes resolvemos nos focar, e o (José) Roca veio de um desses. Reunimos-nos e percebemos que ele possuía as condições que acreditávamos serem as ideais, mas entre um curador reunir as condições e ter a viabilidade com as datas e projeto, pois é um trabalho que se inicia cerca de uma ano e oito meses de antecedência e exige uma disponibilidade e envolvimento muito grandes, além de que é preciso que o curador entenda a Bienal do Mercosul, quais nossas metas e missão. Afinal enviamos um caixote com material para o Roca! Um “volumão” contendo material de todas as Bienais passadas! (risos) Adiantando um pouco as coisas, pra nós da fundação é um grande orgulho, embora eu até me exclua um pouco deste orgulho, pois até então eu não tinha nada a ver com o fato, dizer que a Bienal do Mercosul receberá no dia 23 de agosto representantes do MoMA. Que veio entender e olhar nossas melhores práticas no projeto pedagógico. Virá uma comitiva expressiva e passará uma tarde inteira conosco, organizaremos algumas apresentações para eles sobre isso. Então Porto Alegre sendo considerada por Nova York para mostrar suas melhores práticas, isso é uma coisa de orgulho para nós, esse reconhecimento vindo de apenas sete edições da Bienal do Mercosul. Esse ano recebemos muitos convites para apresentarmos o projeto pedagógico em diversos lugares do Brasil. São essas coisas que queremos consolidar, o Rio Grande do 160

Sul tem três grande eventos culturais: a Bienal do Mercosul, a Feira do Livro de Porto Alegre e a Jornada Literária de Passo Fundo. Eu penso que essas coisas importantes que se conquistam não se podem perder, e para isso tem que estar sempre melhorando e aperfeiçoando, e aqui de certa maneira se criou essa condição para avançarmos.

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a própria Bienal, alguns inclusive foram sub-curadores. Disso fizemos uma lista com cerca de sete ou oito nomes, e nesses nomes resolvemos nos focar, e o (José) Roca veio de um desses. Reunimos-nos e percebemos que ele possuía as condições que acreditávamos serem as ideais, mas entre um curador reunir as condições e ter a viabilidade com as datas e projeto, pois é um trabalho que se inicia cerca de uma ano e oito meses de antecedência e exige uma disponibilidade e envolvimento muito grandes, além de que é preciso que o curador entenda a Bienal do Mercosul, quais nossas metas e missão. Afinal enviamos um caixote com material para o Roca! Um “volumão” contendo material de todas as Bienais passadas! (risos) Adiantando um pouco as coisas, pra nós da fundação é um grande orgulho, embora eu até me exclua um pouco deste orgulho, pois até então eu não tinha nada a ver com o fato, dizer que a Bienal do Mercosul receberá no dia 23 de agosto representantes do MoMA. Que veio entender e olhar nossas melhores práticas no projeto pedagógico. Virá uma comitiva expressiva e passará uma tarde inteira conosco, organizaremos algumas apresentações para eles sobre isso. Então Porto Alegre sendo considerada por Nova York para mostrar suas melhores práticas, isso é uma coisa de orgulho para nós, esse reconhecimento vindo de apenas sete edições da Bienal do Mercosul. Esse ano recebemos muitos convites para apresentarmos o projeto pedagógico em diversos lugares do Brasil. São essas coisas que queremos consolidar, o Rio Grande do 160

Sul tem três grande eventos culturais: a Bienal do Mercosul, a Feira do Livro de Porto Alegre e a Jornada Literária de Passo Fundo. Eu penso que essas coisas importantes que se conquistam não se podem perder, e para isso tem que estar sempre melhorando e aperfeiçoando, e aqui de certa maneira se criou essa condição para avançarmos.

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#7 artigos ensaios entrevistas

Porto Alegre, mundo e lugar nas Bienais do Mercosul Entrevista com Bianca Knaak Por Marcos Fioravante e Talitha Motter

INTRODUÇÃO A Bienal do Mercosul, assunto inesgotável e de caráter importantíssimo, já que estamos em Porto Alegre, local onde ocorre esta exposição. Surgida em 1997 e com a aparente preocupação em ser um marco cultural do Mercado Comum dos países do Sul/ Mercosul, num momento de crise desse Bloco Econômico, hoje essa preocupação já não parece mais tão clara. Como afirma Profª Drª Bianca Knaak , que possui uma produção extensa relacionada com a Bienal do Mercosul, incluindo sua tese de Doutorado em História, intitulada As Bienais de Artes Visuais do Mercosul: utopias & protagonismos em Porto Alegre 1997 – 2003 (referência fundamental para qualquer pesquisa que aborde essa temática), na entrevista realizada, a Bienal poderia ser chamada de Bienal de Porto Alegre, ou até mesmo, Bienal Iberê Camargo. Segundo ela, o mais importante é compreender quais questões a “nossa” Bienal Periférica levanta dentro do sistema de arte local, perceber até onde vai a sua repercussão, entender as relações econômicas que permeiam esse grande evento. A partir da entrevista a nós concedida no dia 09 de novembro de 2009, na sala 54 do Instituto 162

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Porto Alegre, mundo e lugar nas Bienais do Mercosul Entrevista com Bianca Knaak Por Marcos Fioravante e Talitha Motter

INTRODUÇÃO A Bienal do Mercosul, assunto inesgotável e de caráter importantíssimo, já que estamos em Porto Alegre, local onde ocorre esta exposição. Surgida em 1997 e com a aparente preocupação em ser um marco cultural do Mercado Comum dos países do Sul/ Mercosul, num momento de crise desse Bloco Econômico, hoje essa preocupação já não parece mais tão clara. Como afirma Profª Drª Bianca Knaak , que possui uma produção extensa relacionada com a Bienal do Mercosul, incluindo sua tese de Doutorado em História, intitulada As Bienais de Artes Visuais do Mercosul: utopias & protagonismos em Porto Alegre 1997 – 2003 (referência fundamental para qualquer pesquisa que aborde essa temática), na entrevista realizada, a Bienal poderia ser chamada de Bienal de Porto Alegre, ou até mesmo, Bienal Iberê Camargo. Segundo ela, o mais importante é compreender quais questões a “nossa” Bienal Periférica levanta dentro do sistema de arte local, perceber até onde vai a sua repercussão, entender as relações econômicas que permeiam esse grande evento. A partir da entrevista a nós concedida no dia 09 de novembro de 2009, na sala 54 do Instituto 162

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#7 artigos ensaios entrevistas

de Artes da UFRGS, em Porto Alegre, selecionamos os trechos a seguir no intuito de verificar como se estabelecem tais situações no circuito local, além de outras, também, importantes para o sistema ampliado das artes.

América Latina, sempre foi a Bienal de São Paulo, e de repente surge a Bienal do Mercosul, já no slogan a maior mostra de arte da América Latina.

MT – Aparece, também, a questão das Bienais Marcos/Talittha – Pensando no âmbito do Mercosul, há como dizer que houve uma unificação cultural a partir da Bienal do Mercosul? Bianca Knaak – Não. A Bienal do Mercosul é uma Bienal em Porto Alegre que tinha como mote inicial congregar em seu palco não só as produções em arte contemporânea do Mercosul, mas da América Latina como um todo. Ela foi crescendo, amadurecendo e, assim como o próprio Mercosul, foi ampliada em número de países signatários, associados e observadores. Uma Bienal do Mercosul no extremo sul do Brasil poderia ser uma Bienal de Porto Alegre, como poderia ser uma Bienal Mário Quintana, ou poderia ser a Bienal Iberê Camargo, poderia ser qualquer nome, é uma Bienal em Porto Alegre, o diferencial dela é que realmente, programaticamente, ela queria ser a maior exposição de arte da América Latina, a maior mostra de arte da América Latina, isso já foi o slogan da Bienal, e nisso ela já chegou disputando com a Bienal de São Paulo. A polaridade: paulistas – gaúchos, nessa busca pela liderança dentro do Mercosul se repete aí também. Eu não sei até que ponto foi intencional, ou se essas coisas acontecem, ato falho, e a gente vai se dando conta. A maior mostra da 164

Periféricas, que vão surgindo em locais que não estão tanto no centro, que seria, no caso do Brasil: eixo Rio – São Paulo, e Porto Alegre buscando se colocar. BK – Sim, periferia da periferia, pois São Paulo já é periferia nessa geografia. Porque foi primeiro Veneza, 56 anos depois São Paulo, daí para frente, Bienais em todos os lugares onde se pode fazer turismo. Inclusive, naqueles, onde a gente nunca pensou em fazer turismo, agora podemos pensar, porque tem uma Bienal (risos). Então, tem a questão das “bienais periféricas” num modelo sem muita novidade, pois o modelo é, a princípio, o mesmo de Veneza. O que é a Bienal de Veneza? É uma feira de exposição, quer dizer, o modelo da Bienal vem das feiras internacionais e as exposições se dão por delegações nacionais, mostras. Até hoje tem pavilhões nacionais (os países que não têm pavilhões têm que alugar, têm que dividir com outros). Tais eventos costumam organizar-se como numa feira das nações para mostrar seus produtos de destaque e, obviamente, tem uma competição aí, tanto que a Bienal de Veneza também premia os melhores, então, tem uma competição. E essas bienais periféricas vêm nem tanto para competir, mas para se afirmarem, para se apresentarem a esse mercado 165


#7 artigos ensaios entrevistas

de Artes da UFRGS, em Porto Alegre, selecionamos os trechos a seguir no intuito de verificar como se estabelecem tais situações no circuito local, além de outras, também, importantes para o sistema ampliado das artes.

América Latina, sempre foi a Bienal de São Paulo, e de repente surge a Bienal do Mercosul, já no slogan a maior mostra de arte da América Latina.

MT – Aparece, também, a questão das Bienais Marcos/Talittha – Pensando no âmbito do Mercosul, há como dizer que houve uma unificação cultural a partir da Bienal do Mercosul? Bianca Knaak – Não. A Bienal do Mercosul é uma Bienal em Porto Alegre que tinha como mote inicial congregar em seu palco não só as produções em arte contemporânea do Mercosul, mas da América Latina como um todo. Ela foi crescendo, amadurecendo e, assim como o próprio Mercosul, foi ampliada em número de países signatários, associados e observadores. Uma Bienal do Mercosul no extremo sul do Brasil poderia ser uma Bienal de Porto Alegre, como poderia ser uma Bienal Mário Quintana, ou poderia ser a Bienal Iberê Camargo, poderia ser qualquer nome, é uma Bienal em Porto Alegre, o diferencial dela é que realmente, programaticamente, ela queria ser a maior exposição de arte da América Latina, a maior mostra de arte da América Latina, isso já foi o slogan da Bienal, e nisso ela já chegou disputando com a Bienal de São Paulo. A polaridade: paulistas – gaúchos, nessa busca pela liderança dentro do Mercosul se repete aí também. Eu não sei até que ponto foi intencional, ou se essas coisas acontecem, ato falho, e a gente vai se dando conta. A maior mostra da 164

Periféricas, que vão surgindo em locais que não estão tanto no centro, que seria, no caso do Brasil: eixo Rio – São Paulo, e Porto Alegre buscando se colocar. BK – Sim, periferia da periferia, pois São Paulo já é periferia nessa geografia. Porque foi primeiro Veneza, 56 anos depois São Paulo, daí para frente, Bienais em todos os lugares onde se pode fazer turismo. Inclusive, naqueles, onde a gente nunca pensou em fazer turismo, agora podemos pensar, porque tem uma Bienal (risos). Então, tem a questão das “bienais periféricas” num modelo sem muita novidade, pois o modelo é, a princípio, o mesmo de Veneza. O que é a Bienal de Veneza? É uma feira de exposição, quer dizer, o modelo da Bienal vem das feiras internacionais e as exposições se dão por delegações nacionais, mostras. Até hoje tem pavilhões nacionais (os países que não têm pavilhões têm que alugar, têm que dividir com outros). Tais eventos costumam organizar-se como numa feira das nações para mostrar seus produtos de destaque e, obviamente, tem uma competição aí, tanto que a Bienal de Veneza também premia os melhores, então, tem uma competição. E essas bienais periféricas vêm nem tanto para competir, mas para se afirmarem, para se apresentarem a esse mercado 165


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internacional. Vocês sabiam que tem uma em Curitiba? Bienal Vento Sul, já aconteceu sua quinta edição. Essa quinta edição foi curada pelo Ticio Escobar, que foi curador do Paraguai em pelo menos três Bienais do Mercosul. Tem a do Fim do Mundo, vocês sabem, a Bienal do Fim do Mundo, em Ushuaia, e eu acho que esse ano foi a segunda, ou o ano passado a segunda, que foi curada pelo Alfons Hug, que já foi duas vezes curador da Bienal de São Paulo, e também da Mostra Transversal da 4ª Bienal do Mercosul. Então, além das Bienais se proliferarem muito pertinho, ao ponto da gente nem notar, - a de Curitiba já está na quinta edição e vocês dois nunca tinham ouvido falar, e a do Fim do Mundo então? A primeira do Fim do Mundo, foi curada pela Leonor Amarante, que foi uma das curadoras da Segunda e da Terceira Bienal do Mercosul, e o modelo adotado no Fim do Mundo, é o mesmo daqui, só muda o cenário, incluindo os armazéns e o que a cidade dispõe para estar recebendo isso. O modelo é, também, o de se apresentar para fazer parte desse mercado, se não é de arte por tradição, passa a ser de arte e de turismo. É o abre-alas de um campo de negócios, de investimentos onde a arte é o motivo, ela é o eixo congregador de encontros que poderão gerar outras possibilidades, outros encontros de outra ordem de interesse e economia.

MT – Ela vai ter condições de gerar relações e, também, representa essa busca de uma legitimação, des166

ses locais, para se colocarem internacionalmente. BK – Se apresentar internacionalmente. Sobre a Bienal do Mercosul isso é uma das coisas que se discute muito, afinal com sua proposta de ser a maior mostra de arte na America Latina, ela queria realmente reescrever a história global da arte, como propunha o Frederico Morais, dentro de uma perspectiva não euro-norte-americana. E ela queria fazer isso para se legitimar ou para se internacionalizar? Porque a legitimação, entendo eu, passa antes por um reconhecimento interno. Sabe aquela frase “santo de casa não faz milagre”? A barreira maior para a legitimação de um artista sempre é interna, local. Aquela coisa de o artista ter que sair de sua cidade, fazer sucesso lá fora, para depois olharem para ele com admiração na sua cidade, reconhecendo nele algum valor. Então, a questão da legitimação é sempre primeiro intramuros (nacionalmente). Quando se tem um valor reconhecido aí a legitimação não entra em questão. Mas, legitimar ou não, é uma questão de apresentação pública. Voltando para a Bienal: a Bienal quer realmente dar espaço para seus artistas para que sejam vistos, para que sejam avaliados dentro de um sistema latino americano em primeiro lugar, ou ela simplesmente quer ter esse diferencial para, como diferencial mesmo, competir em um cenário internacional, ser um reduto de latino-americanos que podem ser atraentes internacionalmente por alguma peculiaridade? Essa é uma questão com a qual a Bienal vem lidando a cada edição, e que a gente pode discutir em que momento foi mais para 167


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internacional. Vocês sabiam que tem uma em Curitiba? Bienal Vento Sul, já aconteceu sua quinta edição. Essa quinta edição foi curada pelo Ticio Escobar, que foi curador do Paraguai em pelo menos três Bienais do Mercosul. Tem a do Fim do Mundo, vocês sabem, a Bienal do Fim do Mundo, em Ushuaia, e eu acho que esse ano foi a segunda, ou o ano passado a segunda, que foi curada pelo Alfons Hug, que já foi duas vezes curador da Bienal de São Paulo, e também da Mostra Transversal da 4ª Bienal do Mercosul. Então, além das Bienais se proliferarem muito pertinho, ao ponto da gente nem notar, - a de Curitiba já está na quinta edição e vocês dois nunca tinham ouvido falar, e a do Fim do Mundo então? A primeira do Fim do Mundo, foi curada pela Leonor Amarante, que foi uma das curadoras da Segunda e da Terceira Bienal do Mercosul, e o modelo adotado no Fim do Mundo, é o mesmo daqui, só muda o cenário, incluindo os armazéns e o que a cidade dispõe para estar recebendo isso. O modelo é, também, o de se apresentar para fazer parte desse mercado, se não é de arte por tradição, passa a ser de arte e de turismo. É o abre-alas de um campo de negócios, de investimentos onde a arte é o motivo, ela é o eixo congregador de encontros que poderão gerar outras possibilidades, outros encontros de outra ordem de interesse e economia.

MT – Ela vai ter condições de gerar relações e, também, representa essa busca de uma legitimação, des166

ses locais, para se colocarem internacionalmente. BK – Se apresentar internacionalmente. Sobre a Bienal do Mercosul isso é uma das coisas que se discute muito, afinal com sua proposta de ser a maior mostra de arte na America Latina, ela queria realmente reescrever a história global da arte, como propunha o Frederico Morais, dentro de uma perspectiva não euro-norte-americana. E ela queria fazer isso para se legitimar ou para se internacionalizar? Porque a legitimação, entendo eu, passa antes por um reconhecimento interno. Sabe aquela frase “santo de casa não faz milagre”? A barreira maior para a legitimação de um artista sempre é interna, local. Aquela coisa de o artista ter que sair de sua cidade, fazer sucesso lá fora, para depois olharem para ele com admiração na sua cidade, reconhecendo nele algum valor. Então, a questão da legitimação é sempre primeiro intramuros (nacionalmente). Quando se tem um valor reconhecido aí a legitimação não entra em questão. Mas, legitimar ou não, é uma questão de apresentação pública. Voltando para a Bienal: a Bienal quer realmente dar espaço para seus artistas para que sejam vistos, para que sejam avaliados dentro de um sistema latino americano em primeiro lugar, ou ela simplesmente quer ter esse diferencial para, como diferencial mesmo, competir em um cenário internacional, ser um reduto de latino-americanos que podem ser atraentes internacionalmente por alguma peculiaridade? Essa é uma questão com a qual a Bienal vem lidando a cada edição, e que a gente pode discutir em que momento foi mais para 167


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um lado ou mais para outro. Mas eu não acho que ela tenha que resolver e responder a cada edição isso, muito embora ela alimente e até mesmo provoque debates que perpassam tais questionamentos. Nesse sentido as falas dos curadores endossam algum aspecto, recuam noutros, é diferente a cada edição. E cada Bienal é nova, na medida em que os curadores também vão dizer o que querem com o que estão trazendo. Nesses discursos os artistas são, por vezes, apenas o detalhe, porque eles são escolhidos para “ilustrar” o que os curadores estão propondo, o que eles estão vendo naquele momento. Por isso o que hoje não serve para um, amanhã pode servir para outro, pode ser sensacional para outra tese, noutro contexto. Isso já é um dado da própria história da arte, repleta de resgates e desprezos, de exclusões e inclusões, conforme o tempo e a questões (sociais, políticas, econômicas, estéticas, etc.) que estão por trás dos discursos.

MT – Ou seja, não dá para perceber uma continuidade em cada desenvolvimento da Bienal do Mercosul. BK – A continuidade que eu vejo é no sentido de uma internacionalização do evento. Eu sempre digo, a Bienal do Mercosul já conseguiu o seu lugar no mapa, no mapa mundi das Bienais. Se entrares no Google e puxares “mapa mundi das bienais”, tu vais ver lá, entre muitas, a Bienal do Mercosul. Isso significa que ela já conseguiu um reconhecimento. Isso é resultado do trabalho da sua Fundação que foi competente na escolha dos 168

curadores, que por sua vez, foram competentes na escolha dos artistas que tem replicações e ressonâncias internacionais e que foi competente, sobretudo, gerencialmente para divulgar, para explicar, para mediar essa exposição com o resto do mundo das artes, que é global e ao mesmo tempo desse “tamanhinho” (risos).

MT – Tu podes avaliar crescimentos e melhorias que podem ser feitas ainda na seqüência de bienais? BK – Eu acho que, em certa medida, essa 7ª dá uma guinada na trajetória das Bienais, ela dá uma “virada retórica”. Eu achei que a 6ª foi muito boa, muito bem construída. O fato de ter um olhar estrangeiro da curadoria deu uma mexida na forma de se pensar a produção contemporânea “no” Mercosul, não especificamente “do” Mercosul. Não que isso resolva a questão da legitimação, mas, em termos de sistema, de internacionalização, a 6ª Bienal foi curatorialmente mais eficiente (apesar de que, quem queria ser a mais internacional era a 5ª); A 5ª edição tinha uma pretensão assumida de internacionalização, e ouvíamos que “tem que ser”, e “tem que” diminuir as preferências nacionais para acessar um público mais cosmopolita, então, isso estava muito impregnado no conceito da 5ª Bienal. Agora, quem conseguiu isso foi a 6ª, e menos por uma publicidade e mais por uma amarração curatorial. Essa coisa de buscar um artista que vai buscar uma referência sua, que vai trazer um convidado e que aí o curador vai colocar 169


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um lado ou mais para outro. Mas eu não acho que ela tenha que resolver e responder a cada edição isso, muito embora ela alimente e até mesmo provoque debates que perpassam tais questionamentos. Nesse sentido as falas dos curadores endossam algum aspecto, recuam noutros, é diferente a cada edição. E cada Bienal é nova, na medida em que os curadores também vão dizer o que querem com o que estão trazendo. Nesses discursos os artistas são, por vezes, apenas o detalhe, porque eles são escolhidos para “ilustrar” o que os curadores estão propondo, o que eles estão vendo naquele momento. Por isso o que hoje não serve para um, amanhã pode servir para outro, pode ser sensacional para outra tese, noutro contexto. Isso já é um dado da própria história da arte, repleta de resgates e desprezos, de exclusões e inclusões, conforme o tempo e a questões (sociais, políticas, econômicas, estéticas, etc.) que estão por trás dos discursos.

MT – Ou seja, não dá para perceber uma continuidade em cada desenvolvimento da Bienal do Mercosul. BK – A continuidade que eu vejo é no sentido de uma internacionalização do evento. Eu sempre digo, a Bienal do Mercosul já conseguiu o seu lugar no mapa, no mapa mundi das Bienais. Se entrares no Google e puxares “mapa mundi das bienais”, tu vais ver lá, entre muitas, a Bienal do Mercosul. Isso significa que ela já conseguiu um reconhecimento. Isso é resultado do trabalho da sua Fundação que foi competente na escolha dos 168

curadores, que por sua vez, foram competentes na escolha dos artistas que tem replicações e ressonâncias internacionais e que foi competente, sobretudo, gerencialmente para divulgar, para explicar, para mediar essa exposição com o resto do mundo das artes, que é global e ao mesmo tempo desse “tamanhinho” (risos).

MT – Tu podes avaliar crescimentos e melhorias que podem ser feitas ainda na seqüência de bienais? BK – Eu acho que, em certa medida, essa 7ª dá uma guinada na trajetória das Bienais, ela dá uma “virada retórica”. Eu achei que a 6ª foi muito boa, muito bem construída. O fato de ter um olhar estrangeiro da curadoria deu uma mexida na forma de se pensar a produção contemporânea “no” Mercosul, não especificamente “do” Mercosul. Não que isso resolva a questão da legitimação, mas, em termos de sistema, de internacionalização, a 6ª Bienal foi curatorialmente mais eficiente (apesar de que, quem queria ser a mais internacional era a 5ª); A 5ª edição tinha uma pretensão assumida de internacionalização, e ouvíamos que “tem que ser”, e “tem que” diminuir as preferências nacionais para acessar um público mais cosmopolita, então, isso estava muito impregnado no conceito da 5ª Bienal. Agora, quem conseguiu isso foi a 6ª, e menos por uma publicidade e mais por uma amarração curatorial. Essa coisa de buscar um artista que vai buscar uma referência sua, que vai trazer um convidado e que aí o curador vai colocar 169


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um outro... Fez uma amarração curatorial que é um jogo, já é uma obra, já é um mosaico. E isso abriu, então, para os quatro continentes, se não me engano... Isso foi uma questão de internacionalização definitiva para a Bienal. E aí resultou, no encaminhamento para a 7ª, numa carta aberta para convidar os curadores. Teve 71 propostas e gente mandando projeto de curadoria de 21, 23 países, sabe? Tem pessoas em 23 países se achando em condições de ser o curador da Bienal do Mercosul. É muita gente? Talvez. Mas, por que eles se acham em condições de serem curadores da Bienal do Mercosul? Porque ela existe internacionalmente. Porque ninguém vai bater na porta pedindo emprego numa coisa que não conhece, numa coisa que não existe. Então ela existe, ela está no contexto internacional, ela já é mercado de trabalho, já é uma oportunidade de trabalho também prá curadores. Isso prova que há um crescimento promocional internacional. A 4ª edição começou isso, a 5ª queria muito isso, mas, eu acho que quem resolveu essa situação foi a proposta curatorial do Barreiro na 6ª edição, que também foi pequena, foram só 68 artistas e, entre esses, apenas 6 brasileiros, nenhum gaúcho; foi uma Bienal pequena, ocupou os armazéns do cais, o MARGS e o Santander. Eu acho que teve menos artistas do que tem nessa sétima edição, mas é outra estrutura, é outra montagem, é outro contexto, é outro cenário. Nesta, os armazéns estão mais com cara de Bienal B, parece que está mais solta, mais próxima, ‘tu’ tens um envolvimento bem diferente com as obras. Não dá pra 170

comparar se uma é melhor que a outra. Cada edição foi uma edição. Elas têm que ser pensadas individualmente... Temos que respeitar os curadores. Ver o que o curador está dizendo o que ele vai fazer e olhar se ele fez, se a proposta chegou lá. Aí, tem que pensar cada uma de uma vez e o que dá para comparar é, quantitativamente, quantas obras de uma para a outra, quantos artistas e o que isso representou em termos de artistas, de orçamento, em termos de visibilidade. A meta da Fundação sempre foi essa internacionalização, e isso já está dado, está configurado. Quantitativamente dá pra fazer estas avaliações. A própria Bienal tem um controle disso; a Bienal tem, inclusive, um dispositivo de acompanhamento de exposição de mídia, ou seja, quanto tempo ela teve de mídia televisiva, radiofônica, quantos centímetros de mídia na imprensa, de mídia espontânea, de mídia paga, de público. Então, esses números podem ser checados. Agora, em termos de qualidade a gente vai entrar na subjetividade de cada um, nas preferências. Mas, claro, tiveram as melhores num contexto de visibilidade internacional, mas nenhuma foi completamente ruim, porque cada edição poderá ter coisas que a gente acha ruim e ao mesmo tempo também terá coisas completamente relevantes. Então, eu acho difícil pensar se ela progrediu, se ela teve uma evolução. Cada uma é uma e eu acho que o desafio é a partir da oitava, agora, porque a gente já teve praticamente todos os modelos: das muito caras, das mais baratas, das mais engessadas naquele modelo Bienal de São Paulo até 171


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um outro... Fez uma amarração curatorial que é um jogo, já é uma obra, já é um mosaico. E isso abriu, então, para os quatro continentes, se não me engano... Isso foi uma questão de internacionalização definitiva para a Bienal. E aí resultou, no encaminhamento para a 7ª, numa carta aberta para convidar os curadores. Teve 71 propostas e gente mandando projeto de curadoria de 21, 23 países, sabe? Tem pessoas em 23 países se achando em condições de ser o curador da Bienal do Mercosul. É muita gente? Talvez. Mas, por que eles se acham em condições de serem curadores da Bienal do Mercosul? Porque ela existe internacionalmente. Porque ninguém vai bater na porta pedindo emprego numa coisa que não conhece, numa coisa que não existe. Então ela existe, ela está no contexto internacional, ela já é mercado de trabalho, já é uma oportunidade de trabalho também prá curadores. Isso prova que há um crescimento promocional internacional. A 4ª edição começou isso, a 5ª queria muito isso, mas, eu acho que quem resolveu essa situação foi a proposta curatorial do Barreiro na 6ª edição, que também foi pequena, foram só 68 artistas e, entre esses, apenas 6 brasileiros, nenhum gaúcho; foi uma Bienal pequena, ocupou os armazéns do cais, o MARGS e o Santander. Eu acho que teve menos artistas do que tem nessa sétima edição, mas é outra estrutura, é outra montagem, é outro contexto, é outro cenário. Nesta, os armazéns estão mais com cara de Bienal B, parece que está mais solta, mais próxima, ‘tu’ tens um envolvimento bem diferente com as obras. Não dá pra 170

comparar se uma é melhor que a outra. Cada edição foi uma edição. Elas têm que ser pensadas individualmente... Temos que respeitar os curadores. Ver o que o curador está dizendo o que ele vai fazer e olhar se ele fez, se a proposta chegou lá. Aí, tem que pensar cada uma de uma vez e o que dá para comparar é, quantitativamente, quantas obras de uma para a outra, quantos artistas e o que isso representou em termos de artistas, de orçamento, em termos de visibilidade. A meta da Fundação sempre foi essa internacionalização, e isso já está dado, está configurado. Quantitativamente dá pra fazer estas avaliações. A própria Bienal tem um controle disso; a Bienal tem, inclusive, um dispositivo de acompanhamento de exposição de mídia, ou seja, quanto tempo ela teve de mídia televisiva, radiofônica, quantos centímetros de mídia na imprensa, de mídia espontânea, de mídia paga, de público. Então, esses números podem ser checados. Agora, em termos de qualidade a gente vai entrar na subjetividade de cada um, nas preferências. Mas, claro, tiveram as melhores num contexto de visibilidade internacional, mas nenhuma foi completamente ruim, porque cada edição poderá ter coisas que a gente acha ruim e ao mesmo tempo também terá coisas completamente relevantes. Então, eu acho difícil pensar se ela progrediu, se ela teve uma evolução. Cada uma é uma e eu acho que o desafio é a partir da oitava, agora, porque a gente já teve praticamente todos os modelos: das muito caras, das mais baratas, das mais engessadas naquele modelo Bienal de São Paulo até 171


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a mais relacional e interativa, que foi essa sétima. Então, o que será a próxima? Com o que o curador irá nos surpreender? Ou vai se manter esse perfil. Enfim, eu acho que a identidade da Bienal do Mercosul ainda não está definida, não está amarrada... Talvez a identidade dela seja essa flexibilidade. Mas, ela veio de um modelo muito revolucionário, que foi a primeira, deu uma recrudescida no movimento conservador do modelo entre a 2ª e a 4ª, já a 5ª ventilou um pouco mais, mas não conseguiu sair totalmente do modelo, mas deu uma favorecida, inclusive, na visibilidade da produção nacional. Na quinta a gente teve 14 gaúchos. Vocês conseguem pensar em 14 gaúchos bienáveis? Porque, artista tem muito mais... Mas, bienáveis... Pensando bem talvez até tenha mais que isso e possivelmente alguns não sejam os que estiveram nessas edições. Na Primeira Bienal reclamou-se que não tinham gaúchos, na 2ª, então, homenagearam Iberê Camargo, aí, na 3ª usaram como símbolo o “carretelzinho” do Iberê, que era pra ser o símbolo da Fundação Bienal e usaram na 2ª e na 3ª, só que enquanto isso já estava acontecendo a Fundação Iberê; então, como vai ter uma Bienal com o símbolo do Iberê e uma Fundação Iberê Camargo? Vai ser o Rio Grande do Sul do Iberê Camargo (risos). Então, mudaram, criaram os pontos de interrogação invertidos, o que acabou sendo o símbolo da Fundação Bienal e, agora, cria-se um logo para cada edição, o que não quer dizer que vai se manter essa dinâmica... Bom, aí colocaram Iberê para ser homenageado da 2ª Bienal, ampliaram a participação 172

dos gaúchos na 3ª, que, inclusive, teve a maior representação na proporção de total de artistas. Na 5ª, além dos 14 artistas, havia ainda um curador adjunto e dois assistentes gaúchos. Qual é a melhor? Qual é a pior? Vai depender, porque, de repente, para um é muito brasileiro na mostra, para outro é pouco gaúcho, quando agrada um, não agrada o outro. Então é difícil pensar numa progressão. Eu acho que a identidade da Bienal não está amarrada por conta dessas variações. Mas ela tem constâncias: ainda se remete ao Mercosul e a América Latina nos seus pronunciamentos; ela ainda se mantém com a proposta de ser a maior mostra de arte na América Latina. Mas, ela também aceita esses trânsitos, essas conversas com outras nacionalidades, outras origens, que é uma maneira de sobrevivência no mercado. Então se faz esse investimento para aparecer na cena internacional das artes, na verdade é isso. A Bienal quer ser uma das principais. A Bienal do Mercosul, pelo seu histórico, não veio pra ser uma “bienal periférica”, ela quer ser uma das principais, com certeza. Seja pelo gigantismo, seja pelo experimentalismo. E, como tal, ela tem conseguido se manter interessante.

MT – Como tu vês a participação da Bienal aqui dentro do fraco circuito de arte de Porto Alegre? BK – Se vocês pegarem da primeira Bienal para cá (claro que a gente não vai dizer que é uma linha reta e progressiva) aumentou a quantidade de espaços culturais, públicos e privados, 173


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a mais relacional e interativa, que foi essa sétima. Então, o que será a próxima? Com o que o curador irá nos surpreender? Ou vai se manter esse perfil. Enfim, eu acho que a identidade da Bienal do Mercosul ainda não está definida, não está amarrada... Talvez a identidade dela seja essa flexibilidade. Mas, ela veio de um modelo muito revolucionário, que foi a primeira, deu uma recrudescida no movimento conservador do modelo entre a 2ª e a 4ª, já a 5ª ventilou um pouco mais, mas não conseguiu sair totalmente do modelo, mas deu uma favorecida, inclusive, na visibilidade da produção nacional. Na quinta a gente teve 14 gaúchos. Vocês conseguem pensar em 14 gaúchos bienáveis? Porque, artista tem muito mais... Mas, bienáveis... Pensando bem talvez até tenha mais que isso e possivelmente alguns não sejam os que estiveram nessas edições. Na Primeira Bienal reclamou-se que não tinham gaúchos, na 2ª, então, homenagearam Iberê Camargo, aí, na 3ª usaram como símbolo o “carretelzinho” do Iberê, que era pra ser o símbolo da Fundação Bienal e usaram na 2ª e na 3ª, só que enquanto isso já estava acontecendo a Fundação Iberê; então, como vai ter uma Bienal com o símbolo do Iberê e uma Fundação Iberê Camargo? Vai ser o Rio Grande do Sul do Iberê Camargo (risos). Então, mudaram, criaram os pontos de interrogação invertidos, o que acabou sendo o símbolo da Fundação Bienal e, agora, cria-se um logo para cada edição, o que não quer dizer que vai se manter essa dinâmica... Bom, aí colocaram Iberê para ser homenageado da 2ª Bienal, ampliaram a participação 172

dos gaúchos na 3ª, que, inclusive, teve a maior representação na proporção de total de artistas. Na 5ª, além dos 14 artistas, havia ainda um curador adjunto e dois assistentes gaúchos. Qual é a melhor? Qual é a pior? Vai depender, porque, de repente, para um é muito brasileiro na mostra, para outro é pouco gaúcho, quando agrada um, não agrada o outro. Então é difícil pensar numa progressão. Eu acho que a identidade da Bienal não está amarrada por conta dessas variações. Mas ela tem constâncias: ainda se remete ao Mercosul e a América Latina nos seus pronunciamentos; ela ainda se mantém com a proposta de ser a maior mostra de arte na América Latina. Mas, ela também aceita esses trânsitos, essas conversas com outras nacionalidades, outras origens, que é uma maneira de sobrevivência no mercado. Então se faz esse investimento para aparecer na cena internacional das artes, na verdade é isso. A Bienal quer ser uma das principais. A Bienal do Mercosul, pelo seu histórico, não veio pra ser uma “bienal periférica”, ela quer ser uma das principais, com certeza. Seja pelo gigantismo, seja pelo experimentalismo. E, como tal, ela tem conseguido se manter interessante.

MT – Como tu vês a participação da Bienal aqui dentro do fraco circuito de arte de Porto Alegre? BK – Se vocês pegarem da primeira Bienal para cá (claro que a gente não vai dizer que é uma linha reta e progressiva) aumentou a quantidade de espaços culturais, públicos e privados, 173


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os cursos de especialização em artes, e hoje chove curador independente por aqui também – todo mundo agora é curador independente, senão, entre outros motivos, tá fora do mercado. Então, está assim de críticos-curadores independentes, de agentes culturais e instituições que estão atuando sistemicamente e que vem nessa esteira, pós primeira Bienal. Se foi programaticamente conseqüência da Bienal, não dá para afirmar, a gente não tem como medir isso, mas cronologicamente sim, sabemos que isso aconteceu a partir de 1996/97 e, com a continuidade da Bienal, isso vem se incrementando. Não dá para negar, a Bienal está aí no tempo, ela tem uma constância, ela tem uma permanência, ela tem um projeto que foi anunciado, lá no primeiro catálogo, que é um projeto civilizador, que é um projeto de educar a sociedade para as artes visuais, qualificar essa sociedade a partir das artes visuais, portanto ela tem conseqüências pedagógicas. Não é a toa que o serviço educativo, a ação educativa da Bienal do Mercosul sempre foi a menina dos olhos da Fundação Bienal. A própria Bienal, como um todo, é um projeto pedagógico. Então, tem muita coisa que acontece em Porto Alegre a partir da Bienal: o Santander Cultural vem depois da Bienal, o Memorial do Mercosul terminou a reforma depois da Bienal, dizem inclusive que o MARGS foi reformado para receber a primeira Bienal. O espaço CEEE vem depois da Bienal, a Cinemateca enfim, várias instituições (privadas e públicas) seguem, se inspiram, num modelo de gestão que é o modelo já testado aqui, pela Bienal. Mesmo 174

tendo uma programação que não é exclusiva de artes visuais, tanto entidades privadas de interesse público quanto instituições públicas dentro desse mesmo modelo de gestão, se organizam de formas variadas, mas muito semelhantes a Bienal. Qual é a diferença? É que a Bienal faz uma exposição a cada dois anos enquanto estes espaços têm uma programação que se multiplica no tempo. No entanto, a maioria dessas exposições, ainda que reunidas, não alcançam o impacto social que tem uma Bienal. Apesar da constância – as exposições estão continuamente acontecendo – não tem o poder mobilizador (midiático) que tem uma Bienal. Aí, também pesam gestão de recursos, divisão de marketing, uma série de outras estratégias empresariais bem gerenciadas, e que a Bienal... bem ela é fundada e formada por empresários que sabem, “tiram de letra” como organizar isso, como atualizar isso para esse campo.

MT – Sem os custos da Bienal o circuito local não seria fortalecido, não seria mais variado e democrático? BK – Até um tempo atrás as pessoas se dividiam facilmente entre contrários e simpatizantes do projeto Bienal. Ou eram devotas dessa Bienal, ou eram contra, radicalmente contrárias. Entre outras coisas diziam que a Bienal roubaria nossos recursos, tiraria todo o dinheiro do Rio Grande do Sul destinado para a cultura e as artes e não deixaria nada para outras áreas ou para os pequenos empreendedores, não plantaria nada de continuidade ou fomento ao circuito. Eu acho que o problema 175


#7 artigos ensaios entrevistas

os cursos de especialização em artes, e hoje chove curador independente por aqui também – todo mundo agora é curador independente, senão, entre outros motivos, tá fora do mercado. Então, está assim de críticos-curadores independentes, de agentes culturais e instituições que estão atuando sistemicamente e que vem nessa esteira, pós primeira Bienal. Se foi programaticamente conseqüência da Bienal, não dá para afirmar, a gente não tem como medir isso, mas cronologicamente sim, sabemos que isso aconteceu a partir de 1996/97 e, com a continuidade da Bienal, isso vem se incrementando. Não dá para negar, a Bienal está aí no tempo, ela tem uma constância, ela tem uma permanência, ela tem um projeto que foi anunciado, lá no primeiro catálogo, que é um projeto civilizador, que é um projeto de educar a sociedade para as artes visuais, qualificar essa sociedade a partir das artes visuais, portanto ela tem conseqüências pedagógicas. Não é a toa que o serviço educativo, a ação educativa da Bienal do Mercosul sempre foi a menina dos olhos da Fundação Bienal. A própria Bienal, como um todo, é um projeto pedagógico. Então, tem muita coisa que acontece em Porto Alegre a partir da Bienal: o Santander Cultural vem depois da Bienal, o Memorial do Mercosul terminou a reforma depois da Bienal, dizem inclusive que o MARGS foi reformado para receber a primeira Bienal. O espaço CEEE vem depois da Bienal, a Cinemateca enfim, várias instituições (privadas e públicas) seguem, se inspiram, num modelo de gestão que é o modelo já testado aqui, pela Bienal. Mesmo 174

tendo uma programação que não é exclusiva de artes visuais, tanto entidades privadas de interesse público quanto instituições públicas dentro desse mesmo modelo de gestão, se organizam de formas variadas, mas muito semelhantes a Bienal. Qual é a diferença? É que a Bienal faz uma exposição a cada dois anos enquanto estes espaços têm uma programação que se multiplica no tempo. No entanto, a maioria dessas exposições, ainda que reunidas, não alcançam o impacto social que tem uma Bienal. Apesar da constância – as exposições estão continuamente acontecendo – não tem o poder mobilizador (midiático) que tem uma Bienal. Aí, também pesam gestão de recursos, divisão de marketing, uma série de outras estratégias empresariais bem gerenciadas, e que a Bienal... bem ela é fundada e formada por empresários que sabem, “tiram de letra” como organizar isso, como atualizar isso para esse campo.

MT – Sem os custos da Bienal o circuito local não seria fortalecido, não seria mais variado e democrático? BK – Até um tempo atrás as pessoas se dividiam facilmente entre contrários e simpatizantes do projeto Bienal. Ou eram devotas dessa Bienal, ou eram contra, radicalmente contrárias. Entre outras coisas diziam que a Bienal roubaria nossos recursos, tiraria todo o dinheiro do Rio Grande do Sul destinado para a cultura e as artes e não deixaria nada para outras áreas ou para os pequenos empreendedores, não plantaria nada de continuidade ou fomento ao circuito. Eu acho que o problema 175


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não é a Bienal, entendeu? Com certeza Porto Alegre é muito melhor com Bienal. Porque sem Bienal o que vai acontecer? Vai continuar a minguada programação cultural que conhecemos tentando fazer alguma coisa no entorno temporal da Bienal. Então, isso significa que ela está provocando novos projetos, ela está incomodando os “pequenos produtores”. Enquanto ela está incomodando, ela está provocando coisas, criando espaços. O pessoal tem que aprender agora a fazer coisas, entre as Bienais, não durante as Bienais. Fazer coisas potentes e ocupar esse intervalo que a Bienal dá e que deixa um vácuo, um vazio promocional quase inexplicável. Nossos museus e espaços culturais públicos não tem o mínimo que necessitam para atuar, nem mesmo pessoal suficiente. Todos os problemas, todas as coisas que a gente reclama, em termos de sistema gaúcho que não consegue se constituir, que não consegue se consolidar, museu que não consegue fazer acervo, não consegue trocar uma lâmpada, nem arrumar um ar condicionado, muito menos manter uma programação, restaurar suas obras, enfim, esses não são problemas da Bienal. A Bienal não veio para resolver isso, a Bienal veio para fazer o que ela está fazendo. A Bienal é organizada por uma fundação de direito privado e interesse público, mas, por ser uma Fundação Privada ela tem liberdade e autonomia para propor/fazer o que quiser. O interesse público ser reconhecido sob esse modelo e como tal é problema do poder público, não é da Bienal. É atribuição do Estado, em conformidade com a legislação vigente, reconhe176

cer isso ou aquilo como de interesse para o conjunto maior da sociedade. Se alguém está botando dinheiro demais na Bienal, de menos noutras produções, não é problema da Bienal. A Bienal está disputando o mercado com suas regras empresariais, que é como ele se coloca, e com muita competência. Os outros gestores é que não estão sabendo fazer, por diferentes razões e, às vezes, porque dependem de um investimento direto do Estado. Eu acho que temos que botar as críticas onde cabem as críticas e não simplesmente demonizar a Bienal, porque a Bienal está nos dizendo que é possível promover artes visuais no Rio Grande do Sul. E dinheiro tem. Então, o que a Fundação Bienal tem que outros gestores, outras instâncias promotoras de arte não têm deveria ser nossa primeira investigação. Talvez não tenham um projeto tão mobilizador quanto o de uma Bienal. Mas enfim, alguma coisa está fora de ordem e, acredito eu, a culpa não é da Bienal. Ela no máximo é sintoma, é consequência. Agora claro, se existe recurso para promoção das artes visuais, enquanto ninguém usar esse dinheiro, a Fundação Bienal vai correr atrás e vai usar. Tanto ela como a Fundação Iberê Camargo, que também vive de leis de incentivo e PPP (parcerias público-privadas). E o núcleo gerencial de uma e de outra também é praticamente o mesmo. Se vocês pegarem as instâncias maiores, a direção e tal, a maioria de seus ocupantes se não estão, já estiveram na Fundação Bienal do Mercosul; eles sabem como fazer, eles sabem como organizar, tanto é que fizeram essas Fundações. Então, sabe, 177


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não é a Bienal, entendeu? Com certeza Porto Alegre é muito melhor com Bienal. Porque sem Bienal o que vai acontecer? Vai continuar a minguada programação cultural que conhecemos tentando fazer alguma coisa no entorno temporal da Bienal. Então, isso significa que ela está provocando novos projetos, ela está incomodando os “pequenos produtores”. Enquanto ela está incomodando, ela está provocando coisas, criando espaços. O pessoal tem que aprender agora a fazer coisas, entre as Bienais, não durante as Bienais. Fazer coisas potentes e ocupar esse intervalo que a Bienal dá e que deixa um vácuo, um vazio promocional quase inexplicável. Nossos museus e espaços culturais públicos não tem o mínimo que necessitam para atuar, nem mesmo pessoal suficiente. Todos os problemas, todas as coisas que a gente reclama, em termos de sistema gaúcho que não consegue se constituir, que não consegue se consolidar, museu que não consegue fazer acervo, não consegue trocar uma lâmpada, nem arrumar um ar condicionado, muito menos manter uma programação, restaurar suas obras, enfim, esses não são problemas da Bienal. A Bienal não veio para resolver isso, a Bienal veio para fazer o que ela está fazendo. A Bienal é organizada por uma fundação de direito privado e interesse público, mas, por ser uma Fundação Privada ela tem liberdade e autonomia para propor/fazer o que quiser. O interesse público ser reconhecido sob esse modelo e como tal é problema do poder público, não é da Bienal. É atribuição do Estado, em conformidade com a legislação vigente, reconhe176

cer isso ou aquilo como de interesse para o conjunto maior da sociedade. Se alguém está botando dinheiro demais na Bienal, de menos noutras produções, não é problema da Bienal. A Bienal está disputando o mercado com suas regras empresariais, que é como ele se coloca, e com muita competência. Os outros gestores é que não estão sabendo fazer, por diferentes razões e, às vezes, porque dependem de um investimento direto do Estado. Eu acho que temos que botar as críticas onde cabem as críticas e não simplesmente demonizar a Bienal, porque a Bienal está nos dizendo que é possível promover artes visuais no Rio Grande do Sul. E dinheiro tem. Então, o que a Fundação Bienal tem que outros gestores, outras instâncias promotoras de arte não têm deveria ser nossa primeira investigação. Talvez não tenham um projeto tão mobilizador quanto o de uma Bienal. Mas enfim, alguma coisa está fora de ordem e, acredito eu, a culpa não é da Bienal. Ela no máximo é sintoma, é consequência. Agora claro, se existe recurso para promoção das artes visuais, enquanto ninguém usar esse dinheiro, a Fundação Bienal vai correr atrás e vai usar. Tanto ela como a Fundação Iberê Camargo, que também vive de leis de incentivo e PPP (parcerias público-privadas). E o núcleo gerencial de uma e de outra também é praticamente o mesmo. Se vocês pegarem as instâncias maiores, a direção e tal, a maioria de seus ocupantes se não estão, já estiveram na Fundação Bienal do Mercosul; eles sabem como fazer, eles sabem como organizar, tanto é que fizeram essas Fundações. Então, sabe, 177


#7 artigos ensaios

eu acho muito cômodo e um pouco ingênuo ficar reclamando da Bienal, eu acho que tem outras coisas aí que tem que receber críticas, tratamentos, investimentos, mas não é eliminando a Bienal que essas coisas automaticamente vão se resolver. Porque sem a Bienal vai sobrar know-how para a Fundação Iberê Camargo, e aí vamos querer acabar com ela também?

Marcos Fioravante de Moura é estudante do curso de Bacharelado em Artes Visuais na UFRGS e bolsista de iniciação científica do Acervo Artístico da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo no Instituto de Artes – UFRGS. Talitha Bueno Motter é laureada no curso de Bacharelado em Física na UFRGS, e atualmente cursa Bacharelado em Artes Visuais, também, na UFRGS. Bianca Knaak é professora de História, Teoria e Crítica de Arte do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS. Entre 1999 e 2002 dirigiu, simultaneamente, o Museu de Arte Contemporânea e o Instituto Estadual de Artes Visuais do Rio Grande do Sul. Possui vários artigos publicados sobre arte e artistas nacionais e realizou curadorias de arte contemporânea no estado gaúcho e em São Paulo. Em 2008 apresentou sua tese de Doutorado em História sobre as Bienais do Mercosul junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS.

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#7 artigos ensaios

eu acho muito cômodo e um pouco ingênuo ficar reclamando da Bienal, eu acho que tem outras coisas aí que tem que receber críticas, tratamentos, investimentos, mas não é eliminando a Bienal que essas coisas automaticamente vão se resolver. Porque sem a Bienal vai sobrar know-how para a Fundação Iberê Camargo, e aí vamos querer acabar com ela também?

Marcos Fioravante de Moura é estudante do curso de Bacharelado em Artes Visuais na UFRGS e bolsista de iniciação científica do Acervo Artístico da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo no Instituto de Artes – UFRGS. Talitha Bueno Motter é laureada no curso de Bacharelado em Física na UFRGS, e atualmente cursa Bacharelado em Artes Visuais, também, na UFRGS. Bianca Knaak é professora de História, Teoria e Crítica de Arte do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS. Entre 1999 e 2002 dirigiu, simultaneamente, o Museu de Arte Contemporânea e o Instituto Estadual de Artes Visuais do Rio Grande do Sul. Possui vários artigos publicados sobre arte e artistas nacionais e realizou curadorias de arte contemporânea no estado gaúcho e em São Paulo. Em 2008 apresentou sua tese de Doutorado em História sobre as Bienais do Mercosul junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS.

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#7

#7 #7

ensaio visual artigos ensaios entrevistas

Fotogramas: Uma Nova Narrativa por adreson

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ensaio visual artigos ensaios entrevistas

Fotogramas: Uma Nova Narrativa por adreson

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#7 artigos ensaios entrevistas ensaio visual

Fotogramas “Os efeitos do encanto entorpecente o deixaram aos poucos. Agora que as luzes estavam acesas e a realidade retornara, olhou ao redor.” John Fante

A

s primeiras experiências fotográficas foram realizadas sem câmera e resultaram em imagens que hoje chamamos fotogramas. Estas experiências foram fundamentais para o avanço dos processos fotográficos. Os experimentos de Talbot Fox e Niepce, realizado quase um século antes, foram resgatados por artistas como Moholy-Nagy e Man Ray. Produzindo trabalhos que foram importantes para o movimento dadaísta e surrealista do começo do século XX. Através da busca de um trabalho que fosse diferente da minha produção fotográfica comecei a investir numa experimentação de uma prática simples que é a do fotograma. Indo além dos exercícios básicos (folhas e objetos simples) das aulas de fotografia no laboratório, explorei composições e resultados através do processo tradicional (já quase histórico). Utilizando referências da tipografia, anatomia, gravuras medievais, mapas estelares e inclusive a própria fotografia. São como elementos sintáticos de uma linguagem em formação, buscando ser autônoma apesar de ser constituída de inúmeras “citações” ou apropriações de elementos visuais pré-existentes em sua totalidade. 182

Sobre as imagens As imagens deste ensaio não se propõem a criar novos enredos ou outras perspectivas, mas trazem a lembrança de que “é preciso reinventar os modos de habitar o mundo” (BOURRIAUD, 2009) e estas reflexões (sobre o mundo e como nos relacionamos com ele) são necessárias e uma das razões da Arte estar presente no espaço da universidade . As imagens propõe ao público e aos artistas que deve-se usar o mundo para criar novas narrativas, não resignar-se a uma contemplação passiva. Há uma miríade de elementos: tipografia (caracteres e palavras), circuitos eletrônicos, jogos, esqueletos, corpos, absurdo, non-sense, fragmentos de outras fotografias, mapas, gravuras antigas e até meus próprios desenhos. Sobre os temas escolhidos é possível afirmar que, além de constituir parte de meu repertório cultural, também representam os infinitos pensamentos que nem sempre se concatenam, em meio a uma rotina acelerada e desconexa que induz a fazer tudo ao mesmo tempo, numa crescente vertiginosa. As características formais das composições: saturação, fragmentação, sobreposição, assimetria, equilíbrio, densidade, complexidade, multiplicidade; são parte do objetivo de elaborar imagens diversas, únicas entre si, mesmo contendo o mesmo conjunto de elementos pictóricos. Adreson Sá

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Fotogramas “Os efeitos do encanto entorpecente o deixaram aos poucos. Agora que as luzes estavam acesas e a realidade retornara, olhou ao redor.” John Fante

A

s primeiras experiências fotográficas foram realizadas sem câmera e resultaram em imagens que hoje chamamos fotogramas. Estas experiências foram fundamentais para o avanço dos processos fotográficos. Os experimentos de Talbot Fox e Niepce, realizado quase um século antes, foram resgatados por artistas como Moholy-Nagy e Man Ray. Produzindo trabalhos que foram importantes para o movimento dadaísta e surrealista do começo do século XX. Através da busca de um trabalho que fosse diferente da minha produção fotográfica comecei a investir numa experimentação de uma prática simples que é a do fotograma. Indo além dos exercícios básicos (folhas e objetos simples) das aulas de fotografia no laboratório, explorei composições e resultados através do processo tradicional (já quase histórico). Utilizando referências da tipografia, anatomia, gravuras medievais, mapas estelares e inclusive a própria fotografia. São como elementos sintáticos de uma linguagem em formação, buscando ser autônoma apesar de ser constituída de inúmeras “citações” ou apropriações de elementos visuais pré-existentes em sua totalidade. 182

Sobre as imagens As imagens deste ensaio não se propõem a criar novos enredos ou outras perspectivas, mas trazem a lembrança de que “é preciso reinventar os modos de habitar o mundo” (BOURRIAUD, 2009) e estas reflexões (sobre o mundo e como nos relacionamos com ele) são necessárias e uma das razões da Arte estar presente no espaço da universidade . As imagens propõe ao público e aos artistas que deve-se usar o mundo para criar novas narrativas, não resignar-se a uma contemplação passiva. Há uma miríade de elementos: tipografia (caracteres e palavras), circuitos eletrônicos, jogos, esqueletos, corpos, absurdo, non-sense, fragmentos de outras fotografias, mapas, gravuras antigas e até meus próprios desenhos. Sobre os temas escolhidos é possível afirmar que, além de constituir parte de meu repertório cultural, também representam os infinitos pensamentos que nem sempre se concatenam, em meio a uma rotina acelerada e desconexa que induz a fazer tudo ao mesmo tempo, numa crescente vertiginosa. As características formais das composições: saturação, fragmentação, sobreposição, assimetria, equilíbrio, densidade, complexidade, multiplicidade; são parte do objetivo de elaborar imagens diversas, únicas entre si, mesmo contendo o mesmo conjunto de elementos pictóricos. Adreson Sá

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Expediente Editores Alexandre Nicolodi Denis Nicola Conselho Editorial Maria Ivone dos Santos Neiva Maria Fonseca Bohns Paulo Gomes Paula Ramos Design Editorial Natália Gomes Design de Web Adreson Sá

ISSN 1984-624X Panorama Crítico. Revista Bimestral de Arte Contemporânea


#7

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