Livro - Conflitos no Campo MA

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ExpEdiEntE

Comissão pastoral da tErra - Cpt m aranhão

Rua do Sol, 457, Centro - CEP 65.020 - 590

São Luís - MA

Fone: 98 3222 - 4243

E-mail: cptmaranhao@yahoo.com.br

CoordEnação E xECutiva

Antonio Gomes de Morais

Márcia Palhano da Cruz

Ronilson Costa

Comissão Pastoral da Terra é um organismo ligado à Comissão para o serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, da CNBB. A CPT é membro da Pax Christi Internacional.

apoio

MISEREOR, ASFOCO, COPERAXION

parCEria

CIMI, NERA, GEDMMA

Contribuíram Com os dados

SMDH, MST, Diocese de Brejo, FETAEMA, Diogo Cabral

projE to gráfiCo E diagramação

Isabela Freire

fotografias

Ronilson Costa

Arquivo CPT Maranhão

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 5 FLÁVIO LAZZARIN TABELA DE CONFLITOS 8 ASSASSINATOS NO CAMPO: A DITADURA NUNCA ACABOU 28 WAGNER CABRAL DA COSTA MINERAÇÃO, AGRONEGÓCIO E LUTAS TERRITORIAIS NO MARANHÃO 36 HORÁCIO ANTUNES DE SANT’ANA JÚNIOR A PEQUENA CENTRAL HIDRELÉTRICA DO CÔCO: O BREVE CENÁRIO E OS FUTUROS CONFLITOS EM BARRA DO CORDA, MARANHÃO 40 LUCIANO ROCHA DA PENHA VIÚVAS DA PRECISÃO 43 STEFANO WROBLESKI A GEOGRAFIA DOS CONFLITOS NO CAMPO NO MARANHÃO 2015 - 2016 46 SAULO BARROS DA COSTA JOSÉ DO NASCIMENTO SANTOS LENÔRA CONCEIÇÃO MOTA RODRIGUES CARLOS DOS SANTOS BATISTA
(...) vocês encontrarão as comunidades atingidas pela violência explícita do capital e do estado e as comunidades que, diariamente, vivem o sofrimento da insegurança e da incerteza quanto ao futuro de seus territórios.

APRESENTAÇÃO

Estamos apresentando o relato da violência contra o campesinato no ano de 2015. São dados estarrecedores de um processo que, com significativos aumentos estatísticos, continua em 2016, sem que haja um sinal que indique que a brutalidade do avanço do capital e do estado sobre indígenas, camponeses, quilombolas e comunidades tradicionais possa parar ou ser parado no curto prazo.

Se confrontarmos os dados atuais dos conflitos no campo no Maranhão com os dados da década de 80 – o tempo sombrio da UDR – descobrimos que hoje os números são bem mais assustadores.

As informações que publicamos estão aparentemente divergindo das do Caderno de Conflitos 2016 da CPT Nacional e este descompasso pode ser ardilosamente utilizado por instituições e pela mídia mal intencionadas para criticar e invalidar a pesquisa, fruto da colaboração da FETAEMA, CPT, CIMI, SMDH, Justiça nos Trilhos, Diocese de Brejo e MST. Com efeito, o Centro Nacional de Documentação “Dom Tomás Balduíno” registra anualmente só as ocorrências da violência contra as comunidades camponesas em conflito no Brasil, enquanto nós listamos todas as comunidades que continuam ameaçadas por latifundiários e empresas e esquecidas pelas inoperâncias e morosidade das políticas públicas fundiárias do estado, em que pese a ausência de significativas e recentes ocorrências. Assim, nesta tabela vocês encontrarão as comunidades atingidas pela violência explícita do capital e do estado e as comunidades que, diariamente, vivem o sofrimento da insegurança e da incerteza quanto ao futuro de seus territórios.

Não conseguimos ainda estudar estatisticamente os dados que estamos apresentando. O que podemos comunicar, por en-

quanto, é que entre o ano de 2015 e abril de 2016, registramos um total de 345 comunidades em conflito, envolvendo mais de trinta mil famílias. Os dados evidenciam que se trata predominantemente de comunidades tradicionais e, entre elas, os quilombolas correspondem a cerca de um terço do total. Fazendeiros, grileiros, madeireiros, mineradoras, hidroelétricas, grandes empresas e o Estado aparecem como as categorias sociais que mais praticam violência contra o campesinato maranhense. Os dados confirmam uma tendência nacional: se no período de 2000-2007 sem-terra e assentados eram as categorias sociais mais envolvidas em conflitos, a partir de 2008, povos e populações tradicionais, com aumentos exponenciais, passam a ocupar o primeiro lugar em todos os estados da União.

É necessário ressaltar que, sem sombra de dúvida, estes números estão bem longe da realidade. Apesar do esforço de fornecer uma documentação completa da violência no campo, não conseguimos cobrir todas as regiões do Maranhão e, assim, muitos conflitos continuam sem visibilidade. Além disto, o nosso relato apresenta lacunas, sobretudo, com relação ao número de famílias envolvidas.

Os números espantam e indignam, mas não queremos nos limitar à denúncia documentada das violências e dos seus responsáveis e considerar as famílias camponesas simplesmente como vítimas ou como atingidas pelas empresas capitalistas e pelo estado. Além do denuncismo e do vitimismo, temos que perceber e tornar visíveis os amplos processos de organização, articulação e mobilização do campesinato maranhense. As inúmeras famílias envolvidas em conflitos constituem, antes de tudo, o desafio

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para as articulações e os movimentos mais maduros para acelerar a unificação das lutas. A nossa, é sim, compaixão indignada, mas em função de enfrentamentos não adiáveis.

E para entender melhor o tamanho do desafio para as lutas camponesas, faz mister analisar sinteticamente as investidas capitalistas sobre o bioma Cerrado e seus povos e comunidades.

Pouco ainda sabemos sobre o Programa MATOPIBA, mas o pouco que sabemos é suficiente para tentar uma análise de seus impactos socioambientais. Trata-se, com efeito, de um programa que se articula em inúmeros projetos, aparentemente localizados e sem organicidade, mas que, de fato, correspondem a algo detalhadamente planejado e previsto. Infelizmente, os camponeses já tiveram experiências desta lógica do progresso, sofrendo as violentas investidas do Programa Carajás. Depois da Amazônia Legal, agora é a vez do Cerrado. E os atores deste delírio desenvolvimentista são os de sempre: capital transnacional; Estado com governo federal e governos estaduais e municipais; Estado com o poder judiciário e as polícias; grileiros e cartórios; jagunços e pistoleiros sem ou com CNPJ. Tudo avalizado por uma opinião pública amplamente desinformada pela mídia e deformada pela crença quase religiosa no desenvolvimento “sustentável”.

Infraestrutura para o MATOPIBA?

A Ômega Energia construirá um parque de energia eólica entre Paulino Neves e Barreirinhas. Para viabilizar o projeto, vai custear uma rodovia entre as sedes dos dois municípios, obra que o governador Flávio Dino inclui na segunda etapa do programa “Mais Asfalto”, mas que de fato é a serviço da empresa. O empreendimento prevê ao todo a instalação de 35 projetos eólicos em Tutóia e Paulino Neves e a instalação de cerca de 500 aerogeradores. Para distribuir a energia gerada pelo parque eólico, será construída uma linha de transmissão, com 240 km de extensão, até a subestação de Miranda do Norte.

Na Bahia, povos e comunidades tradicio-

nais, infelizmente, já têm experiências dos graves impactos dos parques eólicos: grilagem de terra, contratos de arrendamento extorquidos omitindo informações e coletando assinaturas sem que as comunidades possam se dar conta de que perderam o controle físico e cultural do seu território. Além disto, há a alteração da paisagem, a mortandade de várias espécies de pássaros em migração sazonal, as interferências eletromagnéticas e o barulho constante, que podem causar sérios prejuízos a saúde humana. O uso capitalista da energia eólica desenvolvida em grandes parques, além de gerar lucros para os privilegiados de sempre, contradiz a possibilidade de sistemas eólicos de pequeno porte que, junto com a energia solar, seriam extremamente importantes e realmente alternativos para comunidades rurais e urbanas.

Em curto prazo, teremos assim, inéditas categorias camponesas no Maranhão: atingidos pelos parques eolicos e atingidos pelos linhões.

E o Estado? Em 29 de fevereiro de 2016, em Palmas, os governadores da região do MATOPIBA assinaram um acordo de cooperação com o Japão. Em sua fala o governador do Maranhão destacou as potencialidades do litoral maranhense, a disponibilidade de terras agricultáveis e a riqueza de gás natural no nosso estado. O porto de Itaqui foi o principal argumento do discurso de Flávio Dino. Todos nós, porém, suspeitamos que a Ilha confirmará a sua “vocação” de corredor de escoamento também a partir da produção granjeira e minerária do MATOPIBA, não só pelas obras de ampliação e fortalecimento do Porto de Itaqui, mas também pela construção de mais dois portos: o de Cajueiro pela WPR e o Porto Mearim em Bacabeira pela Aurizônia Empreendimentos S/A (Aesa). Além disso, a localização estratégica do Porto Mearim cria oportunidade para mais um Pólo Industrial em Bacabeira (com despejo judicial já emanado!), com perspectiva de atrair e desenvolver cadeias produtivas nas áreas de óleo, gás e energia, produtos agropecuários, manufaturados,

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minérios e metálicos e serviços.

Em suma, o MATOPIBA provoca, com uma aceleração extraordinária, a redefinição da geografia da Grande São Luís, que inclui, além dos municípios da Ilha e Alcântara, os municípios de Bacabeira, Rosário e Santa Rita.

Toda essa reestruturação da Região Metropolitana de São Luís comporta investidas violentas contra os territórios das comunidades tradicionais de posseiros, quilombolas, pequenos agricultores e criadores, pescadores e catadores de caranguejo e contra os ecossistemas do litoral, mangue e campos inundáveis da Baixada. Sem medo de desmentidas, podemos falar em milhares de famílias atingidas e ameaçadas por estes empreendimentos.

Não podemos nos omitir em denunciar que pivôs desta trágica empreitada são as prefeituras da Grande São Luís, a SEINC (Secretaria de Indústria e Comércio do Estado do Maranhão) e o Poder Judiciário. As prefeituras reveem o Plano Diretor e aprovam a Lei de Zoneamento, que transformam territórios tradicionais em zonas industriais, quase sempre, sem conhecimento da população que será atingida. Funcionários das empresas, normalmente “assessorados” por jagunços, convencem os moradores da inelutabilidade do empreendimento e extorquem, às vezes com ameaças, o consenso e a assinatura dos moradores. As indenizações impostas pela SEINC premiam vultuosamente os grileiros e compensam com esmolas miseráveis os posseiros. A própria SEMA (Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais), também neste caso, ignora a legislação ambiental vigente e faz “vista grossa” para a destruição dos manguezais (considerados ecossistemas de preservação permanente (APP), segundo o inciso VII do artigo

4º da Lei Federal Brasileira nº 12.651, de 25 de maio de 2012), e dos campos naturais inundáveis da Baixada (tutelados pela Constituição do Maranhão e pelo Decreto Estadual nº

11.900, de 11 de junho de 1991). O Estado, de acordo com as empresas, disponibiliza para a desapropriação por utilidade pública terras

de não comprovada propriedade – griladas – a que seguem as liminares de despejo do Poder Judiciário. Não esqueçamos que na absoluta maioria dos casos trata-se de terras públicas sob a jurisdição do ITERMA ou da SPM (Secretaria do Patrimônio da União) e passíveis de arrecadação sumária.

Neste Caderno, encontramos a tabela com a listagem dos conflitos ativos no Estado do ano de 2015 até julho de 2016 e, em seguida, quatro artigos de pesquisadores. O primeiro é de autoria de Wagner Cabral da Costa, que descreve, também a partir das recentes conjunturas, o estado de exceção do Maranhão no contexto mais amplo da exceção brasileira. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior, em seguida, nos rastros do extinto Programa Grande Carajás, apresenta a continuidade dos violentos impactos socioambientais no Estado, que revelam, mais uma vez e de forma cabal, que o “atraso” da região não é devido à falta de “desenvolvimento”, mas sim, uma consequência do próprio desenvolvimento. Luciano Rocha da Penha, não nos faz esquecer a Usina de Estreito, mas, descrevendo os impactos da pequena hidroelétrica de Côco, Barra do Corda, nos oferece um exemplo da capacidade destrutiva das PCHs, que afetam bacias hidrográficas, territórios e vida dos povos originários e comunidades tradicionais. Enfim, Stefano Wrobleski, Repórter Brasil, nos fala de uma ferida antiga do Maranhão: o trabalho escravo. São as falas de Andreia e Thereza, do Bairro Codó Novo, que reapresentam o sofrimento dos migrantes sazonais e das suas famílias. Mais uma realidade de opressão, invisível aos olhos da opinião pública e do Estado. Por fim, temos a colaboração de Saulo Barros da Costa, Geógrafo e assessor da CPT/MA, e do NERA, com o texto A Geografia dos Conflitos no Campo no Maranhão, uma breve análise sobre a concentração dos conflitos no estado, suas características e os principais fatores responsáveis por esse cenário de violência e instabilidade contra povos e comunidades camponesas. □

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muniCípio

10
nomE do Conflito nº dE famílias CatEgoria agrEssor Barra do Corda Monte Castelo 400 Ribeirinhos Barragem/Empresa ECBrasil- Energias complementares do Brasil Geração de Energia Eletrica S/A Barra do Corda Choua 8 Ribeirinhos Barragem/Empresa ECBrasil- Energias complementares do Brasil Geração de Energia Eletrica S/A Barra do Corda Faz. Ourives/Camburi 10 Ribeirinhos Fazendeiro Barreirinhas Canto do Veloso 15 Posseiros Fazendeiro Barreirinhas Santa Cruz 30 Quilombolas Fazendeiro Barreirinhas Palmeira dos Ferreira 58 Posseiros S/I Barreirinhas Anajá dos Dias 25 Posseiros Suzano Papel e Celulose Barreirinhas/Santo Amaro do Maranhão Comunidades dos Lençóis Maranhenses 1100 Agroextrativista ICMBIO Belágua Pau Ferrado 2 32 Agroextrativista Fazendeiro Belágua Estiva do Alfredo 13 Agroextrativista Fazendeiro Belágua Olho d’Água dos Diniz 101 Posseiros Fazendeiro Belágua Forquilha 19 Ribeirinhos Fazendeiro Belágua Rio Grande dos Lopes 26 Posseiros Grileiro Belágua Andresa 30 Posseiros Grileiros Belágua Guarimanzinho 35 Posseiros Grileiros Belágua Pau Ferrado 55 Agroextrativista Suzano Papel e Celulose Belágua Cupira 40 Posseiros Suzano Papel e Celulose Belágua Domingos 12 Posseiros Suzano Papel e Celulose Belágua Estiva da Josefa 32 Posseiros Suzano Papel e Celulose
12 muniCípio nomE do Conflito nº dE famílias CatEgoria agrEssor Belágua Galegas 11 Posseiros Suzano Papel e Celulose Belágua Mirinzal 14 Posseiros Suzano Papel e Celulose Belágua Pilões 13 Posseiros Suzano Papel e Celulose Belágua Rio 2 Paus 30 Posseiros Suzano Papel e Celulose Belágua Santaninha 22 Posseiros Suzano Papel e Celulose Belágua Vertente 20 Posseiros Suzano Papel e Celulose Benedito Leite Espinhos 15 Ribeirinhos Fazendeiro Benedito Leite Forquilha 19 Ribeirinhos Fazendeiro Bequimão Ramal de Quindiua 60 Quilombolas Fazendeiro Bequimão Conceição 15 Quilombolas Fazendeiro Bom Jardim Brejinho das Onças 100 Posseiros Fazendeiros; Madeireiros Bom Jardim/São João do Caru/Alto Alegre do Pindaré Terra Indígena Caru/ Guajajara ‒ Indígenas Madeireiros Bom Jesus das Selvas Gleba Vila Esperança 75 Assentados Madeireiros Bom Jesus das Selvas São Francisco 42 Assentados Madeireiros Bom Jesus das Selvas/ Santa Luzia Fazenda Rodominas 134 Assentados Fazendeiro Brejo Escalvado 18 Posseiros Fazendeiro Brejo Estreito 18 Posseiros Fazendeiro Brejo Bandeira 36 Posseiros Fazendeiro Brejo Data Genipapo São Bento 48 Posseiros Fazendeiro Brejo Funil 58 Quilombolas Fazendeiro Brejo Boa Vista 27 Quilombolas Fazendeiro Brejo Arraial/Depósito 22 Quilombolas fazendeiro Brejo Alto Bonito 64 Quilombolas Fazendeiro Brejo Bom Princípio 48 Quilombolas Fazendeiro

muniCípio

Brejo

Brejo

Brejo

Brejo

13
CatEgoria
nomE do Conflito nº dE famílias
agrEssor
Quilombolas Fazendeiro
Saco das Almas 859
Santa Alice 58 Posseiros Mineradora
Bom Princípio
20 Quilombola Mineradora
2
São João dos Pilões 50 Posseiros Sojeiro
Caxingó 30 Assentados Fazendeiro
Cacima do Boi/ Feitoria/Cajueiro 60 Posseiros Grupo João Santos/ Cana de açucar -Bambu
Carrancas 1 Posseiro sojeiro Buriticupu P.A. Vila União Portugal/Com.Vila Concórdia 54 Assentados Mineradora Vale Buriticupu Vila Casa Azul S/I Assentados Mineradora Vale Buriticupu Vila Pindaré/Presa de Porco 800 Assentados Mineradora Vale Buriticupu Com. Vila Labote 30 Posseiros Mineradora Vale Buriticupu Centro dos Farias 43 Posseiros Mineradora Vale Buriticupu 21 de maio 380 ‒ Mineradora Vale Buriticupu Pau Ferrado S/I ‒ Mineradora Vale
Bom Jesus das Selvas/Amarante do Maranhão Terra Indígena Arariboia/92 aldeias/ Guajajara, Gavião,Guajá 2000 Indígenas Madeireiros Cantanhede Tambá 52 Quilombolas Fazendeiro Carolina Ponta da Serra 52 Sem Terra Fazendeiro Cedral Engole 33 Quilombolas Fazendeiro Centro Novo do Maranhão Quadra 40 30 Assentados ‒Chapadinha Lagoa Amarela 24 Posseiros Fazendeiro Chapadinha Mangueira 25 Posseiros Fazendeiro Chapadinha Macajuba 30 Posseiros Fazendeiro Chapadinha São José 1 Posseiros Fazendeiro Chapadinha Rumo 25 Posseiros Fazendeiro
Buriti
Buriti
Buriti
Buriticupu/Buritirana/

muniCípio nomE do Conflito nº dE famílias CatEgoria agrEssor

Chapadinha Resex Chapa Verde 100 Posseiros Fazendeiro

Chapadinha Pavi / Placas / Riacha da Cruz S/I Assentados Fazendeiro

Chapadinha Tiúba 26 Posseiros Fazendeiro

Chapadinha Baturité 100 Assentados Mineradora

Chapadinha TQ Barro Vermelho 680 Quilombolas Mineradoras

Chapadinha/Mata Roma Muquém/Taboquinha/ Jacu 1 Posseiros Fazendeiro

Codó Buriti Corrente 42 Assentados Costa Pinto / cana-de-açúcar

Codó Monta Barro 18 Quilombolas Costa Pinto / cana-de-açúcar

Codó Queimadas 26 Quilombolas Costa Pinto / cana-de-açúcar

Codó Três Irmãos 36 Quilombolas Costa Pinto / cana-de-açúcar

Codó Parnaso 18 Quilombolas Costa Pinto / cana-de-açúcar

Codó Cocal 46 Posseiros Costa Pinto/ Cana de açucar

Codó Limão 50 Posseiros Costa Pinto/ Cana de açucar

Codó São Domingos 12 Posseiros Costa Pinto/ Cana de açucar

Codó Cacimba de Areia 25 Posseiros Costa Pinto/ Cana de açucar

Codó Paiol de Barro 22 Posseiros Costa Pinto/ Cana de açucar

Codó Estiva 13 Posseiros Costa Pinto/ Cana de açucar

Codó Jerusalém 16 Quilombolas Empresa Gessomar

Codó Amparo 15 Posseiros Fazendeiro

Codó Barro Vermelho 15 Posseiros Fazendeiro

Codó Lagoa do Leme 28 Posseiros Fazendeiro

Codó São Cristovão 12 Posseiros Fazendeiro

Codó Mata Virgem 23 Quilombolas Fazendeiro

15
18 muniCípio nomE do Conflito nº dE famílias CatEgoria agrEssor Matinha Anajá 22 Posseiros Sojeiro Matinha Sítio Ponte de São Luís/Roque 1 Matões Coités 70 Quilombolas Sojeiro Matões Tanque da Rodagem 150 Quilombolas Suzano Papel e Celulose Matões São João 40 Quilombolas Suzano Papel e Celulose Matões do Norte Santo Antonio 50 Quilombolas Fazendeiro Matões do Norte Lago do Coco 60 Quilombolas Fazendeiros / INCRA Milagres do Maranhão Panela 15 Posseiros Fazendeiro Milagres do Maranhão Gameleira 50 Posseiros Fazendeiro Milagres do Maranhão Vaza do Meio 30 Posseiros Fazendeiro Milagres do Maranhão Lagoa Seca 75 Posseiros Fazendeiro Milagres do Maranhão Veado Branco 20 Posseiros Grileiro Milagres do Maranhão Santa Helena 28 Posseiros Sojeiro Miranda do Norte Carro Quebrado 30 Quilombolas Mirinzal Rio do Curral 55 Quilombolas Fazendeiro / Empresário Construção Civil Mirinzal Mata de Pantaleão 23 Quilombolas Fazendeiro / Empresário Construção Civil Mirinzal Maiabi 36 Quilombolas Fazendeiro / Empresário Construção Civil Mirinzal Axixá 12 Quilombolas Fazendeiro / Empresário Construção Civil Montes Altos Rancharia Sítio 5 Posseiros ‒

muniCípio nomE do Conflito nº dE famílias CatEgoria agrEssor

Nova Olinda do Maranhão/Zé Doca/ Centro Novo do Maranhão/Araguanã/ Santa Luzia do Paruá/Centro do

da Prata S/I Quilombolas Fazendeiro

Perimirim Capoeira Grande S/I Quilombolas Fazendeiro / criadores de búfalos

Peritoró Boa Esperança 23 Agroextrativistas João Castelo

Pirapemas Leão ‒ Quilombolas fazendeiro

Pirapemas Bicas ‒ Quilombolas Fazendeiro

Pirapemas Parnamarim ‒ Quilombolas Fazendeiro

Pirapemas São Benedito ‒ Quilombolas Fazendeiro

Pirapemas Panaca ‒ Quilombolas Fazendeiro

Pirapemas Afoga Bode ‒ Quilombolas Fazendeiro

Pirapemas Pontes 211 Quilombolas Fazendeiro

Pirapemas Salgado ‒ Quilombolas Fazendeiro

Pirapemas Santo Onório ‒ Quilombolas Fazendeiro

20
Terra Indígena Alto Turiaçu Kaapor 360 Indígenas Madeireiros
Nova Caldo Quente 87 Quilombolas Fazendeiro Paço do Lumiar Pindoba 320 Agricultores Empresário / Construção Civil Paço do Lumiar Iguaiba 180 Agricultores Empresário / construção civil Palmeirândia São José 45 Posseiros Fazendeiro Palmeirândia Cruzeiro 64 Quilombolas Fazendeiro Parnarama Cocalinho 134 Quilombolas Fazendeiro Parnarama Guerreiro 80 Quilombolas Suzano Papel e Celulose Pastos Bons Lagoa do Boi 1 Posseiros Fazendeiro Paulino Neves Morro Branco 32 Posseiros Fazendeiro Pedro do Rosário Imbiral/Cabeça Branca 30 Quilombolas Fazendeiro / Madeireiros Perimirim Pericumã S/I Quilombolas Fazendeiro Perimirim Rio
Guilherme/ Maranhãozinho
Olinda

muniCípio nomE do Conflito nº dE famílias CatEgoria agrEssor

Plmeirândia P.A. Dibom 1 486 Assentados

Presidente Sarney Rio Fundo 23 Agroextrativista Fazendeiro

Presidente Sarney Pirinã 60 Quilombolas Fazendeiro

Presidente Vargas Caldeirões S/I Assentados Eletronorte

Presidente Vargas Parazim S/I Posseiros Eletronorte

Presidente Vargas Vila Esperança S/I Posseiros Eletronorte

Presidente Vargas Buriti S/I Posseiros Eletronorte

Presidente

21
Vargas Primeiros Campos S/I Assentados Empresário
Presidente Vargas Cavianã S/I Quilombolas Empresário
Empresário
Vargas Barreiras S/I
Empresário
Vargas Campestre S/I Quilombolas Empresário
Vargas Bom Jesus S/I Quilombolas Empresário Presidente Vargas Sapucaial 115 Quilombolas Empresário
Construção Civil Presidente Vargas Acampamento Irmã Dorothy 30 Sem Terra Fazendeiro Presidente Vargas Lagoa Grande 53 Quilombolas Fazendeiro Primeira Cruz Zelina 34 Assentados Fazendeiro Primeira Cruz São Raimundo / Rosarinho 16 Posseiros Fazendeiro Riachão Alegre 42 Assentados Fazendeiro Riachão Campo Grande 205 Assentados Fazendeiro Riachão Erthel Rural 18 Posseiros Fazendeiro Riachão Gleba Lageado 10 Posseiros Fazendeiro Riachão Pau Ferrado 1 ‒ ‒Riachão Sacupira 107 Assentados Fazendeiro Rosário Miranda 68 Quilombolas Empresa Mineração Vila Nova Industrial Rosário São Miguel 500 Quilombolas e Agroextrativista Fazendeiro/ Madeireiros/Mineração Santa Helena Vivo 53 Quilombolas Fazendeiro Santa Helena Benfica 35 Quilombolas Fazendeiro
Presidente Vargas Bom Jardim 23 Quilombolas
Presidente
Quilombolas
Presidente
Presidente
/
25 muniCípio nomE do Conflito nº dE famílias CatEgoria agrEssor São Benedito do Rio Preto Bacuri 30 Posseiros Fazendeiro São Benedito do Rio Preto São Domingos 13 Quilombolas Fazendeiro São Benedito do Rio Preto Alegria do Raul 36 Agroextrativista Suzano Papel e Celulose São Domingos do Azeitão Tabuleirão 30 Posseiros Fazendeiro São José de Ribamar Engenho 20 Agricultores Empresário / construção civil São José de Ribamar São Brás - Macaco 150 Posseiros Empresário / Construção Civil São José de Ribamar Matinha 66 Posseiros ‒São José de Ribamar Riozinho 61 Posseiros ‒São Luis Cajueiro/ Guarimanduba/ Andirobal/Parnauaçu 180 Pescadores Empresa Vale / Suzano Papel e Celulose/ Empresa WPR São Luis Camboa dos Frades 80 Pescadores MPX Energia S/A São Luís Sítio São Benedito 200 Posseiros Empresário São Luís Rio dos Cachorros 47 Pescadores Empresário / Construção Civil São Luís São Joaquim 40 Posseiros Empresário / Construção Civil São Luís Tagipuru 100 Posseiros Empresário/Construção Civil São Luís Taim 120 Pescadores Empresários / Construção Civil São Luís Tinai São Bruno 300 Agricultores Empresários Construção Civil São Luís Ilhinha 50 Pescadores Mineradora Vale São Luís Mãe Chica 60 Pescadores MPX Energia S/A São Luís Vila Conceição 500 Posseiros MPX Energia S/A São Luís P.A. Conceição 29 Assentados São Luís Cassaco Quebra Pote S/I posseiros ITERMA São Luís Gonzaga do Maranhão Santarem 72 Quilombolas Fazendeiro
26
nomE do Conflito nº dE famílias CatEgoria agrEssor São Luís Gonzaga do Maranhão São Pedro 33 Quilombolas Fazendeiro São Mateus do Maranhão Alto Grande 35 Quilombolas Fazendeiro São Mateus do Maranhão Vila Nova 117 Quilombolas Fazendeiro São Raimundo das Mangabeiras Bacuri 180 Assentados Fazendeiro São Raimundo das Mangabeiras Riachão 40 Ribeirinhos Fazendeiro São Raimundo das Mangabeiras Torre-Sambaibinha 216 Posseiros Fazendeiro São Vicente Ferrer Charco 95 Quilombolas Fazendeiro São Vicente Ferrer Juçaral 55 Quilombolas Fazendeiro São Vicente Ferrer Ilha d’Água 50 Quilombolas Fazendeiro Satubinha Sapucaia do Albino 40 Quilombolas Fazendeiro Senador La Rocque Salete Moreno 72 Sem Terra Fazendeiro Senador La Rocque Cipó Cortado 160 Sem Terra Fazendeiro Serrano Do Maranhão Açude/ItenoVista Alegre 32 Quilombolas Fazendeiro Serrano Do Maranhão Campo Novo 28 Quilombolas Fazendeiro Serrano Do Maranhão Cabanil 94 Quilombolas Fazendeiro Serrano Do Maranhão Bacabal do Paraíso 28 Quilombolas Fazendeiro Serrano Do Maranhão Mariano dos Campos 38 Quilombolas Fazendeiro Serrano Do Maranhão Cabanil 94 Quilombolas Fazendeiro Serrano Do Maranhão Santa Rosa 40 Quilombolas Fazendeiro / criadores de búfalos Serrano Do Maranhão Brasília S/I Quilombolas Fazendeiro / criadores de búfalos
Do Maranhão Ponta S/I Quilombolas Fazendeiro / criadores de búfalos
Do Maranhão Santa Filomena S/I Quilombolas Fazendeiro / criadores de búfalos
muniCípio
Serrano
Serrano
27 muniCípio nomE do Conflito nº dE famílias CatEgoria agrEssor Serrano Do Maranhão Nazaré 48 Quilombolas Fazendeiro / Empresário Construção Civil Timbiras Abundância 26 Posseiros Fazendeiro Timbiras Alegria 300 Posseiros Fazendeiro Timbiras Canafístula 50 Posseiros Fazendeiro Timbiras Campestre do Catulo 427 Agroextrativista Fazendeiro Tuntum Baixão do Gato e Tamanquinho 70 Posseiros ‒Turilândia Campo novo 28 Quilombolas Fazendeiro Turilândia Pindobal de Fama 43 Quilombolas Fazendeiro Tutoia Ilha Grande do Paulino 30 Agroextrativista Fazendeiro Urbano Santos Bom Princípio 16 Posseiros Fazendeiro Urbano Santos Baixão dos Loteros 25 Posseiros Fazendeiro Urbano Santos Juçaral 8 Posseiros Suzano Papel e Celulose Urbano Santos São Raimundo 72 Posseiros Suzano Papel e Celulose Urbano Santos Santa Maria S/I ‒ ‒Urbano Santos Centro Seco 25 Posseiros Suzano Papel e Celulose Urbano Santos Santa Rosa / Bacabal 60 Posseiros Suzano Papel e Celulose Viana Povo gamela de Taquaritiua/Centro do Antero/Nova Vila/ Tabocal 280 Indígenas Fazendeiro Zé Doca Acampamento Nova Esperança 12 Sem Terra Fazendeiro total dE famílias 30.691

ASSASSINATOS NO CAMPO: A DITADURA NUNCA ACABOU

WAGNER CABRAL DA COSTA , HISTORIADOR E PROFESSOR DA UFMA, MEMBRO DA SMDH

Numa coletânea de artigos lançada em 2010, um grupo de pesquisadores se fez uma pergunta provocativa: “O que resta da ditadura no Brasil”, passados já 25 anos da redemocratização do país? Em meio ao balanço de continuidades e rupturas do regime militar, alguns autores chegaram a uma conclusão aparentemente contraditória: “Resta tudo menos a ditadura, é claro”. Ou seja, não vivemos sob a baioneta dos militares, há garantia de liberdades políticas, eleições são

realizadas periodicamente, partidos e candidatos disputam “ideias e projetos” de sociedade, mas, sempre existe um “mas”, prevalecem no cotidiano determinadas estruturas de poder e de riqueza que delimitam claramente os limites dessa democracia, configurando uma “exceção brasileira”.

Consideramos importante retomar esse debate para a avaliação da questão agrária no Maranhão e no Brasil, por dois motivos em especial: a) o trágico número de assassi-

natos no campo (uma cruel estatística visibilizada pelos Cadernos de Conflitos da CPT desde 1985), e b) a complexa conjuntura de 2015-16, caracterizada pela polarização política e pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, num golpe parlamentar alimentado pela “cruzada judiciária” (Operação Lava Jato), pelos interesses oportunistas da mídia e do capital, bem como pelas mobilizações contra a corrupção. Assim, nos últimos meses, o país foi tomado por debates e lutas contra o golpe e “a volta da ditadura”, defendendo a continuidade da presidente e o legado dos governos petistas, em termos de mobilidade social das classes populares, bem como expansão e institucionalização de direitos sociais e trabalhistas. No Maranhão, embora eleito por um amplo e contraditório condomínio multipartidário (unificado em torno da “mudança” e do “combate à oligarquia Sarney”), o governador do estado buscou se apresentar e se projetar nacionalmente como “paladino da democracia e da legalidade”, embora maculado e ridicularizado, ao final, pelas trapalhadas envolvendo as manobras do vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão, dignas de constar nos anais de qualquer congresso estudantil.

À luz dessa conjuntura, retomar o debate sobre a “exceção brasileira” pode abrir algumas pistas analíticas de mais amplo alcance, para além do calor do momento. Mas, antes de mais nada, o que entendemos como “estado de exceção”?

Em seus escritos, o italiano Giorgio Agamben chama atenção que “a criação vo -

luntária de um estado de emergência permanente tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos”, com o que a “produção da emergência permanente” tende a se tornar uma técnica de poder e um paradigma de governo dominante na política contemporânea. Dessa forma, o filósofo recusa uma oposição tradicional e cristalizada entre “Estado de Direito vs. Estado de Exceção” (ou Democracia vs. Ditadura) para, ao contrário, ressaltar a convivência e predomínio do “estado de exceção” no interior mesmo das “democracias ocidentais”, com sua rotina aparente de liberdades, direitos, partidos e eleições.

Nessa perspectiva, podemos apontar a existência no mundo globalizado de duas modalidades principais de “emergências” produtoras do “estado de exceção”, cada qual legitimando, a seu modo, políticas de controle e exclusão de direitos, combinadas a uma terceira modalidade, em ascensão na América

Latina:

A gestão do medo e da insegurança coletiva: corporificada no “paradigma da Lei e da Ordem”, essa “emergência permanente” assume quer a forma da “guerra contra o terrorismo”, quer a dimensão da “guerra contra as drogas”, ambas patrocinadas e conduzidas pelos Estados Unidos em escala planetária.

A “emergência econômica”, do combate à crise do sistema capitalista e da “retomada do desenvolvimento econômico”, com o que se submetem governos e políticas públicas aos ditames do neoliberalismo, com a submissão ao mercado financeiro, ao agro-

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Consideramos importante retomar esse debate para a avaliação da questão agrária no Maranhão e no Brasil, por dois motivos em especial: a) o trágico número de assassinatos no campo (...), e b) a complexa conjuntura de 2015-16, caracterizada pela polarização política e pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, num golpe parlamentar...

negócio e ao modelo de reprimarização (primário-exportador), para ficar nas características do caso brasileiro.

A “emergência” ditada pelo combate à corrupção, com o avanço do processo de judicialização da política, tornando o sistema político cada vez mais tutelado pelo poder judiciário. Assumindo a forma de uma “cruzada judiciária”, tal processo tem como modelo paradigmático a “Operação Mãos Limpas”, na Itália, que desmontou as bases dos principais partidos do país (socialista e democrata cristão), a partir da investigação da corrupção no financiamento eleitoral.

Da primeira “emergência”, o exemplo nacional mais recente foi a aprovação da Lei Antiterrorismo, uma lei resultante da pressão internacional nas vésperas das Olimpíadas e sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 16 de março deste ano, sintomaticamente apenas um mês antes da aprovação do processo de impeachment pela Câmara. Uma lei amplamente denunciada por possibilitar a criminalização dos movimentos sociais, na esteira da repressão já existente de movimentos de quilombolas, indígenas, comunidades tradicionais, sem-teto e sem-terra, dos protestos populares contra as obras da Copa e das Olimpíadas, bem como da juventude que se mobilizou nas manifestações de junho de 2013 e no movimento de ocupação de escolas.

Ao lado do “combate ao terrorismo”, a política de “guerra às drogas” foi mantida sem questionamentos, numa “guerra civil” não declarada, com mais de 50 mil mortes

anuais, que mantém e reproduz a violência e a letalidade policiais, conduz ao extermínio da juventude negra das periferias, além de ocasionar o encarceramento em massa, gerando a 4a maior população carcerária do mundo (mais de 600 mil presos), o crescimento de facções criminosas (a partir do negócio bilionário do tráfico e do recrutamento nas prisões superlotadas), os massacres (como o do Carandiru), as rebeliões e cabeças cortadas (em Pedrinhas e além). Quanto à “emergência econômica”, esta é bem conhecida pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo, pelos sem-terra, quilombolas, povos indígenas e comunidades tradicionais, que sofrem no dia a dia os efeitos da manutenção e expansão de um modelo econômico que privilegia a construção de hidrelétricas, os grandes projetos de mineração e o agronegócio. Um modelo que é herança direta da colonização, do genocídio e da escravidão, reconstruído a partir da ditadura militar e rebatizado pelos governos petistas (de forma pomposa) como “projeto nacional neodesenvolvimentista” (dos PAC’s 1 e 2 ‒ Programa de Aceleração do Crescimento), um projeto simbolizado nos últimos anos pelos conflitos em torno da construção da hidrelétrica de Belo Monte (em Altamira/Pará).

Por ocasião da inauguração dessa usina pela presidente (em 5 de maio de 2016), às vésperas da aceitação do processo de impeachment no Senado, o “Movimento Xingu Vivo para Sempre” lançou um manifesto que sintetiza a lógica da exceção, de uma ditadura que nunca acabou no campo brasi-

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Quanto à “emergência econômica”, esta é bem conhecida pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo, pelos sem-terra, quilombolas, povos indígenas e comunidades tradicionais, que sofrem no dia a dia os efeitos da manutenção e expansão de um modelo econômico que privilegia a construção de hidrelétricas, os grandes projetos de mineração e o agronegócio.

leiro, evitando educadamente o uso do palavrão iniciado com F:

“Fazem com você o que você fez conosco; mas nem assim, Dilma Hoje você se rebaixou a inaugurar a mais nefasta das obras do governo petista, aquela que manchou a imagem do Brasil em todo o mundo. Uma iniciativa que você herdou das mesmas mentes doentias que te torturaram na prisão... Hoje você sobrevoou nosso rio, Dilma, mas obviamente não viu e cheirou a podridão das centenas de toneladas de peixes mortos que a sua usina produz diariamente, e que geraram multa milionária à sua Norte Energia. Não se importando, você se atreve a falar tolices sobre preservação do meio ambiente”.

O manifesto lembra ainda uma dimensão cada vez mais presente no capitalismo global, que se expressa por meio da trágica transformação da exceção em extinção, pois não se trata somente da destruição do meio ambiente, mas sim, da aniquilação da própria vida, da morte da Mãe-Terra. Uma extinção presente nos projetos agropecuários, nas barragens, nos correntões que devastam o cerrado e matam

os rios, no desastre no porto de Barcarena/ PA (onde morreram mais de cinco mil bois, em out/2015), na tragédia de Mariana/MG (nov/2015), ocasionada pela ruptura da barragem da mineradora SAMARCO (pertencente à Vale e à BHP Billiton), matando dezenas de pessoas e reduzindo a barro, lama e pó todo o vale do Rio Doce. Crônica de uma morte anunciada há três décadas pelo poeta Carlos Drummond de Andrade:

O Rio? É doce.

A Vale? Amarga. Ai, antes fosse

Mais leve a carga.

Entre estatais

E multinacionais, Quantos ais!

Quantas toneladas exportamos De ferro?

Quantas lágrimas disfarçamos Sem berro?

No Maranhão, o processo de “modernização conservadora e oligárquica” teve

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início na ditadura a partir dos projetos agropecuários financiados pela SUDAM e pela SUDENE, assim como da implantação da Lei de Terras do governo José Sarney (1969), que facilitou e promoveu a grilagem, a pistolagem e a concentração da propriedade. Depois, nos anos 1970-1980, surgiu o “Projeto Grande Carajás”, com a ferrovia da Vale, a implantação da Alumar e a ampliação do porto do Itaqui, seguidos pelas madeireiras, pelas usinas de ferro-gusa, pelas carvoarias ‒ tudo anunciado como a “salvação” e o “progresso do Maranhão”. Já na década de 1990, começou a expansão da soja, acompanhada pela cana-de-açúcar, pelo eucalipto, pela pecuária (com o controle da febre aftosa) ‒ estas, as novas fronteiras do agronegócio.

Hoje, o projeto do MATOPIBA mantém a miragem e a propaganda do mesmo modelo devastador dos recursos naturais, excludente socialmente e violador dos direitos humanos. Projeto que necessita de mais terras, águas e recursos, bem como de pla-

taformas de exportação, para o que conta com o apoio do governo estadual visando a construção de dois novos portos (porto do Mearim, em Bacabeira, e porto da WPR, no Cajueiro), ameaçando, mais uma vez, comunidades tradicionais em nome dos interesses do “desenvolvimento” segundo o capital. A mobilização das comunidades da ilha de São Luís em defesa da criação da reserva extrativista do Tauá-Mirim aponta para a história das inúmeras formas de resistência e luta contra tal “modelo de desenvolvimento”, defendido a cada passo pelo governo de plantão, seja dos oligarcas José Sarney e João Castelo, seja do trabalhista Jackson Lago, seja do comunista Flávio Dino. Tal conflito, aliás, exemplifica a esquizofrenia (ou dupla personalidade, talvez) do atual governo, que, no planalto de Brasília, se mostra um vigoroso defensor da democracia contra o golpe, mas, quando retorna à planície maranhense, se transforma, em pleno voo, em ardoroso combatente do mesmo e velho e atrasado modelo agroexportador, produtor

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da exceção e da violação de direitos, muito embora “doure a pílula” com um discurso de “mudança”, que se traduz na ideia de um “choque de capitalismo” suavizado com “Mais IDH”.

Além da continuidade do modelo primário-exportador, a ditadura nunca acabou no campo brasileiro, pois nunca acabaram a pistolagem, as ameaças e os assassinatos de trabalhadores, trabalhadoras, quilombolas, indígenas e sem-terra, bem como a impunidade de uma polícia e de uma justiça ‒ enfim, um Estado ‒ a serviço do latifúndio.Somente no período 2003-2015 (anos dos governos Lula e Dilma), a CPT registrou 490 assassinatos em todo o país, sendo 43 no Maranhão (8,8%), número que chega a 50 se contarmos os 7 assassinatos já ocorridos em 2016. O Maranhão, aliás, é o infeliz hexacampeão nacional de conflitos no campo (no período 2010-2015), situação que se agrava ainda mais se levarmos em consideração a metodologia adotada neste caderno, o qual incorpora “as comunidades que continuam ameaçadas por latifundiários e empresas e esquecidas pela inoperância e morosidade das políticas públicas fundiárias do estado, em que pese a ausência de significativas e recentes ocorrências”, ou seja, “comunidades que diariamente vivem o sofrimento da insegurança e da incerteza quanto ao futuro de seus territórios”.

Para dar somente um exemplo: das 594 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Palmares em nosso estado, apenas 55 foram devidamente tituladas (9,3%), enquanto outras 337 comunidades (56,7%) estão com processos de titulação parados no INCRA ou no ITERMA (dados da Comissão Pró-Índio de São Paulo).

Já o levantamento do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) das mortes de indígenas no período 2003-2014 aponta a existência de 686 assassinatos, dos quais 374 (54,5%) ocorreram no Mato Grosso do Sul, zona de fronteira do agronegócio da soja. Trata-se de uma situação de genocídio e guerra aberta dos fazendeiros contra os índios Guarani (povos Ñandeva e Kaiowá). Tais estatísticas brutais evidenciam o “estado de exceção permanente” no campo brasileiro, para além de qualquer discurso de apaziguamento e conciliação.

O agravamento da situação no campo foi também denunciado no Maranhão, onde cinco indígenas foram mortos somente em 2015-2016, sendo 4 guajajaras em Amarante (março-abril/2016) e ainda a liderança Eusébio Ka’apor (abril/2015). Em nota conjunta, entidades, movimentos e pesquisadores exigiram:”Parem o genocídio indígena!”

“Não dá para naturalizar esses crimes. Não dá para ser conivente. Não dá para não denunciar. Não dá para não se indignar. Apenas o Governo do Maranhão e o Governo Federal agem como se tudo estivesse normal, contribuindo para uma segunda morte destas vítimas, através de sua invisibilização (e também com um terceiro sepultamento, pois são recorrentes os casos de difamação dos assassinados nos municípios onde estão seus territórios)... Dessa forma, o ‘diálogo’, anunciado pelo Governo do Maranhão, transforma-se numa tentativa de brecar a reação, enquanto os povos acumulam vítimas, enquanto enterram seus mortos, enquanto as terras ficam estéreis por incêndios criminosos. Até quando isso continuará?” (CPT-MA, CIMI-MA, GEDMMA/UFMA, Jornal Vias de

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“Não dá para naturalizar esses crimes. Não dá para ser conivente. Não dá para não denunciar. Não dá para não se indignar. Apenas o Governo do Maranhão e o Governo Federal agem como se tudo estivesse normal, contribuindo para uma segunda morte destas vítimas, através de sua invisibilização (...)”

Fato, MOQUIBOM, NERA/UFMA, Pastorais Sociais da CNBB NE-V, Povo Gamela).

Quanto à terceira modalidade da exceção, relativa à tutela do poder judiciário, em termos da questão agrária pode ser entendida a partir de diversos processos, tais como, a revisão da legislação pelo Congresso Nacional (Código Florestal, Código da Mineração), as prisões arbitrárias, os despejos judiciais, a suspensão e violação de direitos em nome do “interesse nacional”, a exemplo da ação popular contra o licenciamento ambiental da duplicação da ferrovia da Vale, rejeitado por tribunal federal com a justificativa das “necessidades de exportação do país”, em virtude da crise econômica. Mas onde ficam, então, os direitos das comunidades atingidas pela duplicação da ferrovia? No limbo da “emergência permanente”, efeito da suspensão da lei em nome da lei (do capital).

Não devemos, ainda, nos esquecer da impunidade dos assassinatos no campo. Pois, segundo os dados dos Cadernos de Conflito da CPT, dos 1.268 casos (com 1.678 vítimas) de assassinatos no campo no Brasil, entre 1985 e 2013, apenas 106 casos foram levados a julgamento (8,4%), resultando na condenação de 26 mandantes (2%) e 85 executores (6,7%). O cenário é ainda pior no Maranhão, com 128 casos de assassinato (138 vítimas) no período 1985-2013, dos quais apenas 4 (3,1%) foram julgados, resultando em nenhum mandante condenado e somente 2 executores condenados (1,6%). Assim, infelizmente, têm sido extremamente comuns os episódios que reiteram o descompromisso histórico do poder judiciário estadual com o fim da impunidade:

“As entidades querem manifestar sua indignação e revolta em relação à decisão unânime da

3º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA) de ‘despronunciar’ os fazendeiros Manoel de Jesus Martins Gomes e Antônio Martins Gomes, que por decisão da Juíza da Comarca de São João Batista seriam levados ao Tribunal do Júri acusados de serem mandantes do assassinato de Flaviano Pinto Neto, liderança do Quilombo Charco, município de São Vicente Ferrer (MA), no dia 30 outubro de 2010. Esta decisão é uma triste repetição do posicionamento do TJ-MA quando se trata do assassinato de lideranças camponesas ‒ quilombolas por latifundiários neste estado” (nota assinada por: Articulação Nacional de Quilombos, Cáritas, CPT, CIMI, MOQUIBOM, SMDH, Irmãs de Notre Dame, em 02 de outubro de 2015).

Uma vez mais, o caso de Belo Monte é simbólico por colocar em perspectiva histórica mais ampla a questão do “estado de exceção permanente” no campo, também sob o prisma da tutela do judiciário, pois, conforme bem lembrou o manifesto do “Movimento Xingu Vivo para Sempre”:

“[Dilma], hoje você disse: ‘eu sou vítima de uma injustiça’, e reclamou de ritos ilegais que te atingem; mas você tratou com escárnio dezenas de processos jurídicos contra Belo Monte, inclusive na Comissão Interamericana de Direitos Humanos [CIDH] da Organização dos Estados Americanos [OEA], a quem você apelou quando se sentiu ameaçada em seu poder. Você fala em golpe do Congresso contra a sua pessoa, mas fez com que todas as nossas frágeis possibilidades de defesa no Judiciário fossem anuladas por meio da AGU, via nefastas Suspensões de Segurança. Entre você e nós, não temos dúvida de quem foi mais privado de Justiça”.

Ou seja, muito antes de avançar sobre parcela específica das elites políticas do país, por meio da “cruzada contra a corrupção”, o poder judiciário já cumpria um papel de exceção e tutela no campo brasileiro, de ar-

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O cenário é ainda pior no Maranhão, com 128 casos de assassinato (138 vítimas) no período 1985-2013, dos quais apenas 4 (3,1%) foram julgados, resultando em nenhum mandante condenado e somente 2 executores condenados (1,6%).

bítrio, autoritarismo e seletividade em favor dos grandes projetos, do latifúndio e do agronegócio.

A “exceção brasileira”, portanto, pode ser pensada em termos de sua tríplice dimensão de produção de “emergências permanentes” (em nome da segurança, da crise econômica ou da “cruzada judiciária” ‒ sintetizadas desde sempre pelo binômio “Ordem e Progresso”), “emergências” que têm funcionado, ao longo do processo de redemocratização pós-1985, como técnicas de dominação e paradigmas de governo, mesmo que contraditoriamente combinadas a um reformismo fraco (“lulismo”), uma “cidadania de consumidores” e a políticas públicas de garantia, institucionalização e expansão de direitos (caso da controversa experiência dos

governos petistas, com seu singular e esgotado condomínio de conciliação).

No laboratório da “exceção à brasileira”como regra geral, inventada e reinventada desde os tempos coloniais do genocídio e da escravidão, o campo foi um dos locais onde a barbárie, o arbítrio e as contradições sempre estiveram presentes, com conflitos latentes, mas usualmente muito agudizados. Em suma, no campo a ditadura nunca acabou e a democracia tem sido, quando muito, uma ficção bem-intencionada e comportada.

Cabe-nos pensar, como propõe Walter Benjamin, a que conceitos de história e de luta política correspondem essa análise, bem como suas implicações na crítica da atual conjuntura de novas (e velhas) “emergências”.

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MINERAÇÃO, AGRONEGÓCIO E LUTAS TERRITORIAIS NO MARANHÃO

HORÁCIO ANTUNES DE SANT’ANA JÚNIOR, SOCIÓLOGO E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO (UFMA). COORDENADOR DO GRUPO DE ESTUDOS DESENVOLVIMENTO MODERNIDADE E MEIO AMBIENTE (GEDMMA)

No sudeste do Pará, no início dos anos 1960, foram mapeadas significativas reservas minerais e, principalmente, gigantescas jazidas de minério de ferro. A divulgação desse mapeamento fez com que a região passasse a ser considerada como atrativa para investimentos nacionais e multinacionais.

Para garantir as condições econômicas, institucionais e de infraestrutura para exploração minerária e compondo um vasto programa de desenvolvimento regional e de dinamização da economia da Amazônia

oriental brasileira, o governo brasileiro da ditadura civil/militar de 1964 a 1985 criou o Programa Grande Carajás (PGC).

O PGC foi um programa de ação muito além da exploração do minério do ferro e atuou em três grandes frentes integradas: a) projetos mínero-metalúrgicos; b) projetos agropecuários e florestais; c) projetos de infraestrutura (ferrovias, rodovias, portos e barragens), sendo um catalisador de “desenvolvimento regional”, cujo raio de ação compreendeu boa parte da Amazônia oriental.

Na ampla rede de infraestrutura criada a partir do PGC, destacam-se a Estrada de Ferro Carajás, inaugurada em 28 de fevereiro de 1985; o complexo portuário de São Luís; uma extensa malha de rodovias; vários aeroportos; grandes hidrelétricas, em especial, a Hidrelétrica de Tucuruí.

O projeto de dinamização da economia local levou à exploração cada vez mais intensa de várias fontes de matéria-prima, através de diversificadas atividades produtivas. Assim, o ciclo da mineração na Amazônia passou a ter proporções crescentes a partir do Programa Grande Carajás. Em período recente, outras áreas como as regiões de Oriximiná e de Juruti Velho (no Pará) e o entorno da Reserva Biológica do Gurupi (no Maranhão) passaram a ser exploradas, de onde são extraídos e exportados diversos recursos minerais.

O PGC foi extinto oficialmente em 1991, porém, mesmo após sua extinção, continuou exercendo forte influência na sua região de abrangência, alterando fortemente os biomas, as paisagens e os modos de vida dos povos e comunidades locais, alterou profundamente a história, a geografia e o ambiente da Amazônia oriental e suas consequências continuam presentes na vida cotidiana das cidades, dos povoados rurais, dos povos indígenas, dos quilombolas, dos ribeirinhos, das comunidades tradicionais.

A infraestrutura gerada ao longo das últimas décadas consiste em uma extensa rede de rodovias como a Estrada de Ferro Carajás, que está em processo de duplicação, além de se interligar à Ferrovia Norte-Sul, em construção; o Complexo Portuário de São Luís, em permanente expansão, com a construção e planejamento de novos píeres

e portos; a hidrelétrica de Estreito, na divisa com o Tocantins; uma série de termelétricas, dentre as quais destacamos a Termelétrica do Porto do Itaqui, no município de São Luís e que produz energia com base em carvão mineral importado da Colômbia, e o Complexo de Termelétricas do Parnaíba, que produz energia com base no gás natural extraído no município de Santo Antônio dos Lopes e redondezas. Associados a essa infraestrutura, existem oito usinas de processamento de ferro gusa ao longo da Estrada de Ferro Carajás; uma gigantesca indústria de alumina e alumínio (Alumar), no município de São Luís; bases para estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale), também em São Luís; um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de Alcântara ‒ CLA), em Alcântara; grandes fazendas de monocultura agrícola mecanizada (soja, sorgo, milho) e de plantio de eucalipto no sul e sudeste do estado; exploração madeireira, principalmente, na Pré-Amazônia Maranhense e no cerrado; fazendas de criação de búfalos, na Baixada Maranhense; ampliação da pecuária bovina extensiva, em todo o Maranhão; projetos de carcinicultura, no litoral; projetos de expansão do turismo em várias partes do estado; processos de prospecção e exploração de petróleo e gás natural; construção de grandes avenidas e especulação imobiliária nas cidades maiores, isso para ficar somente com os exemplos mais expressivos.

A instalação de um grande conjunto de empreendimentos agropecuários, industriais, madeireiros, de transporte e de exploração marítima tem provocado profundos impactos socioambientais e culturais, alte-

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O PGC (...) alterou profundamente a história, a geografia e o ambiente da Amazônia oriental e suas consequências continuam presentes na vida cotidiana das cidades, dos povoados rurais, dos povos indígenas, dos quilombolas, dos ribeirinhos, das comunidades tradicionais.

rando biomas e modos de vida de populações locais, através de reordenamento social, econômico e espacial de áreas destinadas à implantação dos mesmos.

A Amazônia oriental, assim, desde a década de 1960, tem sido alvo de políticas desenvolvimentistas promovidas pelos governos federal e estaduais, contando com a participação ativa de grandes grupos econômicos privados e com o financiamento de agências multilaterais de desenvolvimento e bancos estatais e privados, levando à implantação de grandes projetos industriais, de extração mineral, pesqueiros, turísticos, agropecuários e à expansão do desmatamento de áreas florestais, do cerrado e de manguezais. São múltiplas as consequências (políticas, sociais, culturais, ambientais, religiosas e étnico/raciais) e a presença de conflitos socioambientais e, associados ao domínio e uso de territórios e de seus recursos naturais, apresenta-se como um processo cada vez mais recorrente.

Velhos e novos projetos e programas de

desenvolvimento são retomados ou elaborados com uma ampla justificação na busca de superação da pobreza e dos baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) que, no caso do Maranhão, em especial, apresentam-se recorrentemente entre os piores do país. No entanto, seus efeitos objetivos fazem com que a riqueza produzida não seja apropriada localmente, a não ser por diminutos setores da elite local, que se colocam como intermediários para a garantia de processos de acumulação do grande capital.

Esse cenário desenvolvimentista no Maranhão tem provocado a expulsão de milhares de agricultores de suas terras (segundo o censo de 2000, 40,2% da população maranhense vivia no campo; no censo de 2010, essa porcentagem cai para 36,9%), o desmantelamento da produção familiar rural, o inchaço desordenado e perverso dos centros urbanos. Sendo o estado brasileiro com a maior porcentagem de pessoas vivendo no campo, o Maranhão tem como uma de suas marcas a denominada pobreza rural, princi-

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palmente, em função da concentração exacerbada da terra, que dificulta, quando não impede, que camponeses produzam para sua sobrevivência e para a comercialização e cria obstáculos para que reproduzam seu modo de vida. Um dos efeitos nefastos para a população local é o fato de o Maranhão ter se tornado, nos últimos anos, um dos estados brasileiros com maior quantidade de imigrantes, pois a dificuldade, quando não impossibilidade, de produzir na própria terra tem levado principalmente homens jovens a buscar a sorte em outras paragens, sujeitando-se a toda sorte de exploração. Assim, cabe também ao Maranhão o título de maior exportador de trabalhadores para o trabalho escravo.

Observando os indicadores sociais, percebe-se que, após quarenta anos de projetos de desenvolvimento, o Maranhão permanece sendo um dos estados com os maiores índices de pobreza do Brasil, com os piores indicadores de concentração de terras e riquezas, bem como, de poder político.

Por outro lado, como esses projetos colocam em evidência as diferentes lógicas de apropriação dos territórios. Duas lógicas de ocupação e uso territorial, diametralmente confrontantes, podem ser destacadas: de um lado, uma lógica que pode ser atribuída a grandes empreendedores industriais, agropecuários ou madeireiros e planejadores estatais, que percebe o território como “espaço vazio” e disponível para fortes intervenções ambientais e sociais, desconsiderando os grupos sociais locais e seus modos de vida, isto é, invisibilizando-os; de outro lado, a lógica típica de grupos locais tradicionalmente estabelecidos e cujo modo de vida, historicamente, se constituiu como pouco agressivo ao meio, pois percebem o território como sendo pleno de significados, fonte de subsistência e espaço de realização de seus modos de vida e de expressão de sua cultura ancestral, demandando, assim, sua conservação. A expansão da acumulação de capital através de processos produtivos apresentados como sendo de desenvolvimento, re-

sultando no confronto de lógicas diferenciadas de ocupação e uso de territórios e recursos, leva a processos conflitivos, na medida em que os questionamentos das decisões políticas e das ações associadas aos projetos de desenvolvimento se expressam em forma de resistência por meio da mobilização coletiva. Com o conflito, se intensifica a violência, a grilagem e a perseguição de lideranças comunitárias, que se constituem em traços históricos da luta pela terra no Maranhão e na Amazônia. Assim, podemos dizer que o “atraso” da região não é devido à falta de “desenvolvimento”, mas sim, uma consequência do próprio desenvolvimento.

Apesar do verniz de “modernidade” com o qual os empreendimentos buscam se apresentar, quando seus objetivos não são prontamente alcançados, a força bruta é acionada, provocando ameaças e mortes. Mais uma vez, boa parte das instâncias do poder público apoia essas ações com decisões judiciais favoráveis aos empreendimentos, despejos promovidos pelas polícias estaduais, acobertamento de ações violentas e assassinatos. Boa parte dos grupos sociais ameaçados e confrontados busca sair da invisibilidade e reage na tentativa de fazer valer direitos, muitos deles juridicamente garantidos, procurando resistir ao papel de simples vítimas ofertadas no altar do deus feroz e devorador do desenvolvimento e lutar pela garantia de seu bem viver. □

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A PEQUENA CENTRAL HIDRELÉTRICA DO CÔCO: O BREVE CENÁRIO E

OS

FUTUROS CONFLITOS EM BARRA DO CORDA, MARANHÃO

LUCIANO ROCHA DA PENHA , PROFESSOR E PESQUISADOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA/CAMPUS DE GRAJAÚ

O século XXI vem passando por diversas transformações velozes no que diz respeito aos aparatos tecnológicos espaciais, a partir dos sistemas de engenharia (SANTOS e SILVEIRA, 2006), tendo como base os ajustes espaciais (HARVEY, 2005). No que tange às construções das hidrelétricas, territórios nos rincões da Amazônia e do Nordeste brasileiro, parecem ser corriqueiros uma vez que em alguns recortes desses territórios, as bacias hidrográficas têm potenciais e volumes de água fundamentais. Dessa forma, as construções das usinas hidrelétricas são

justificadas pelo estado e suas instituições como sendo fundamentais para o “desenvolvimento produtivo do país”.

Está em curso, desde o ano de 2003, mais uma estratégia de construção de uma hidrelétrica no Brasil. O projeto de construção da Pequena Central Hidrelétrica ‒ PCH Côco, a ser construída na bacia hidrográfica do rio Mearim, localizar-se-á no município de Barra do Corda, centro-sul do estado do Maranhão e terá a potência de 13,70 MW. O referido empreendimento preocupa principalmente as populações que serão atingidas

diretamente. Mesmo com as audiências públicas, ainda há dúvidas de que, mesmo sendo um “pequeno empreendimento”, os impactos negativos para estas populações, possam ser mais drásticos do que se pode imaginar. O PCH Côco está em sua gênese, conforme o Estudo do Impacto Ambiental ‒ EIA, realizado pela empresa ‒ Rodrigo Pedroso Energia ‒ RPE L.T.D.A. no ano de 2011”.

O município de Barra do Corda possui, atualmente, aproximadamente 82.830 pessoas, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ‒ IBGE, dessas 51.648 pessoas vivem na cidade e 31.182 vivem no campo, ou seja, 37,64%. Isso demonstra que a população atingida pela barragem será significativa.

O quadro 1 mostra as comunidades rurais e os números de famílias atingidas pela barragem a ser construída.

QUADRO 1. Comunidades rurais que serão atingidas diretamente

de-se afirmar que mais de 30 deles serão impactados e que todos fazem parte dessa bacia hidrográfica. Daí as proporções das lutas serem mais intensas, uma vez que envolvem diversas populações principalmente as do campo que serão impactadas diretamente.

Até o momento, a Pequena Central Hidrelétrica ‒ PCH Côco não é destaque nos sites da Agência Nacional de Energia Elétrica ‒ ANEEL, contudo, o EIA já está consolidado desde o ano de 2011, segundo RPE (2011).

Sabendo disso, a população que será diretamente atingida já está se mobilizando e buscando apoio via instituições como a Comissão Pastoral da Terra ‒ CPT, o Ministério Público de Barra do Corda e a Universidade Federal do Maranhão ‒UFMA/Campus de Grajaú, no intuito de conseguir resistir à construção da Hidrelétrica e a sua barragem.

Essa é uma função das instituições não estatais relacionadas diretamente com as populações que serão impactadas com a construção da barragem, uma vez que as experiências com as construções das hidrelétricas de Tucuruí, Estreito, Balbina e Belo Monte foram nefastas, conforme os trabalhos de Maia e Guerra (2015) e Vidal (2015). O que chama atenção é o trabalho de Bermann (2013), que identificou a fragilidade do Ministério Público Federal, que, diante das ações judiciais contra a forma com que a hidrelétrica de Belo Monte estava e foi construída, obteve insucessos através das decisões de juízes. A partir disso, pergunta-se: será que quando a PCH Côco for construída o Ministério Público Federal terá o mesmo insucesso? Esperamos que não! □

REFERÊNCIAS

Fonte: Comissão Pastoral da Terra – seção Dom Pedro, 2016.

No entanto, quando se verificam os municípios ao entorno de Barra do Corda, po-

BERMANN, Célio. A resistência ás obras hidrelétricas na Amazônia e a fragilização do Ministério Público Federal. Novos Cadernos NAEA, v.16, n. 2, p. 97-120, 2013.

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ComunidadE nÚmEro dE famílias São José do Mearim 220 Tamarindo do Barro Branco 95 São José do Japão 64 Ipiranga 450 Santa Vitória 370 Baixão do Côco 25 Monte Castelo 400 Choua 8 total 1.632

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA

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VIÚVAS DA PRECISÃO

STEFANO WROBLESKI, REPÓRTER BRASIL

A pobreza extrema e a falta de perspectiva de empregos em Codó, um município com 118 mil habitantes no Maranhão, leva semanalmente dezenas de trabalhadores a deixar suas casas e cruzar o país em busca de trabalho. Quem fica são as mulheres ‒ esposas e irmãs dos migrantes ‒, que cuidam sozinhas, por meses ou anos, dos filhos que ficam para trás. Como o dinheiro enviado pelos homens para casa é pouco, o principal meio de sobrevivência destas famílias é o Bolsa Família, que alcança dois terços das 27 mil famílias do município.

“Um dia tem só arroz, outro dia não tem nada pra comer. A vida aqui é dura demais”, lamenta Andreia Pires da Conceição, que vive em uma pequena casa na periferia de Codó. O pai de cinco dos seus seis filhos mudou-se para São Paulo em busca de em-

prego e acabou ficando. Depois que o casal se separou, ele só entra em contato por telefone e não envia dinheiro para os filhos.

Na casa de Andreia, hoje, são 17 pessoas que compartilham o espaço de seis cômodos e dependem do Bolsa Família que ela, sua cunhada e sua mãe recebem por manter as crianças na escola. Além da frequência escolar, a renda mensal também é critério no programa federal e não pode ultrapassar os R$ 154 por pessoa da família.

Alcançando dois terços das famílias de Codó, Bolsa Família é o principal meio de sobrevivência do município, que carece de oportunidades de trabalho

Além do Bolsa Família e do arroz plantado pelo pai de Andreia, a renda em casa é complementada pelo que dois dos seus três irmãos de Andreia, que estão no interior do

Mato Grosso, conseguem mandar. Eles trabalham descarregando caminhões de soja, em jornada exaustiva que começa ao meio-dia e, às vezes, termina só depois das 23h, segundo contam à mãe, Tereza, de 57 anos. Mas nem sempre o dinheiro chega. Não é todo mês que os irmãos conseguem guardar parte do salário para enviar a Tereza, Andreia e as crianças.

Além da soja, é principalmente na construção civil e na cana-de-açúcar que os migrantes acabam encontrando trabalho. É entre migrantes empregados nestes setores que está a maior parte das 413 vítimas de trabalho escravo resgatadas em todo o país entre 2003 e 2014 que eram de Codó ‒ um dos maiores polos de saída de migrantes do país. Dos libertados, apenas 14 eram mulheres, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra. A proporção reflete uma tendência de todo o país: na maioria, os homens trabalham fora, enquanto as mulheres cuidam da casa e das crianças.

Dos 413 resgatados da escravidão em todo o país que são de Codó, 14 eram mulheres. Enquanto os homens trabalham fora, as mulheres cuidam da casa e das crianças

As longas viagens feitas por estes trabalhadores deixa saudade aos que ficam e reduzem a rede de proteção dos que vão. No caso de Tereza, a mãe de Andreia, o contato com os filhos que partiram para o Mato Grosso é difícil. Valdivino, um dos rapazes, não dá notícias desde dezembro de 2015, quando teve seu celular roubado. “Ele ficou só, enquanto os companheiros vieram tudinho. Depois que os outros vieram foi que a gente teve notícia que ele tá lá, trabalhando.

Faz mais de três meses que nós conversamos com ele da última vez”, conta Tereza.

A casa de Andreia e Tereza fica em Codó Novo, um dos bairros mais vulneráveis da cidade, em que o esgoto atravessa a céu aberto as ruas de barro. Antes de migrar para o bairro periférico, a família vivia na zona rural, onde o cultivo da terra garantia um mínimo de comida na mesa. Mas a família foi expulsa por um latifundiário e, por R$ 50 por mês, aluga hoje a casa onde está há três anos. “Estamos nesse bairro porque não temos casa em lugar nenhum”, diz Tereza. Apesar da expulsão do local onde eles moravam, José Rocha, pai de Andreia, caçou um pequeno pedaço chão a 60 quilômetros de casa, onde cultiva o arroz que garante o sustento mínimo da família. Flávia Moura, pesquisadora da Universidade Federal do Maranhão e autora da dissertação de mestrado “Escravos da Precisão: economia familiar e estratégias de sobrevivência de trabalhadores rurais em Codó”, explica que a população de Codó, apesar de estar em uma cidade grande, é composta por trabalhadores muito atrelados à terra: “Por mais que tenha havido uma predominância do latifúndio, os trabalhadores insistem em manter a roça de subsistência. A migração é muito mais estratégica porque não circula dinheiro na cidade. Há só algumas pequenas empresas na cidade, mas elas não seguram a economia”.

O bairro de Andreia é um dos que mais recebe novas famílias, as quais são forçadas a sair da zona rural para a cidade e que, sem mais espaço para a agricultura de subsistência, veem seus homens viajando para garantir a sobrevivência com o dinheiro

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“ Por mais que tenha havido uma predominância do latifúndio, os trabalhadores insistem em manter a roça de subsistência. A migração é muito mais estratégica porque não circula dinheiro na cidade. Há só algumas pequenas empresas na cidade, mas elas não seguram a economia”.

que sobrar. No município, de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, a população em área urbana subiu de 56% para 68% entre 1991 e 2010, apesar de um crescimento populacional de 0,86% no período. O dado mostra que, com uma população quase estagnada, o aumento de pessoas na cidade vem principalmente da migração de famílias do campo.

São estas novas famílias da cidade que mais concentram os migrantes de Codó que serão escravizados pelo Brasil. Cerca de um terço dos 413 trabalhadores resgatados que eram do município declararam aos fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego residirem em Codó Novo ou em Santa Teresinha, um bairro vizinho.

BAIRROS VULNERÁVEIS

Endereços de origem dos resgatados da es-

cravidão de Codó mostram que um terço saiu da vizinhança de Andreia.

Quando viviam na zona rural, o pai de Andreia trabalhava com a ajuda dos filhos e netos cultivando a terra e fazendo crescer os alimentos que sustentariam a família pelo ano. Já Andreia e Tereza, além de cuidar da casa, se ocupavam da retirada dos cocos de babaçu, presentes nas terras de toda a região de Codó. Com o fruto, elas faziam azeite e carvão. A atividade é tradicional para as mulheres do campo desta parte do Maranhão, que costumam usar os produtos do babaçu em casa ou vendê-los na cidade, complementando a renda da família. □

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Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk

A GEOGRAFIA DOS CONFLITOS NO CAMPO NO MARANHÃO 2015 - 2016 *

SAULO BARROS DA COSTA, GEÓGRAFO, ASSESSOR CPT MARANHÃO

JOSÉ DO NASCIMENTO SANTOS, GEÓGRAFO, MEMBRO NERA - UFMA

LENÔRA CONCEIÇÃO MOTA RODRIGUES, GEÓGRAFA, MEMBRO NERA - UFMA

CARLOS DOS SANTOS BATISTA, GEÓGRAFO, MEMBRO NERA - UFMA

A dimensão dos conflitos no campo no Maranhão revela duas dimensões iniciais para a presença das relações conflitantes neste contexto, a saber: a existência de modelos históricos de violência no campo, como o fazendeiro e o grileiro, que trazem toda a bagagem senhorial colonial escravizadora destrutiva para a sociedade; e os novos (velhos) arranjos de controle e dominação dos territórios e da natureza, através de empresas locais, regionais, nacionais e internacionais, como a Suzano Papel e Celulose S. A. e o Grupo Costa Pinto, valorizados pelo grande capital como as novidades para a expansão do modelo global capitalista, que possuem centro de comando e decisão, também pela política pública, representadas no Plano de Desenvolvimento Agropecuário MATOPIBA. O modelo referido é novo (velho), com novidades modernas, como a agricultura mecanizada e os agrotóxicos, mas com os mesmos objetivos de transformação dos territórios em fábricas de produção industrial de commodities agrícolas e destruição dos modos tradicionais de produção, comprometendo o bem viver dos povos e comunidades tradicionais no Maranhão.

A Geografia dos conflitos do Maranhão revela um quadro que se perpetua com as gerações camponeses, povos e comunidades tradicionais, que sofrem com a intervenção direta do agressor fazendeiro. Os dados re-

gistrados pelo regional Maranhão revelam sua presença histórica como forma de perpetuar as relações de controle e dominação no campo (e na cidade), do controle e concentração fundiária e, ainda, das formas perversas de subjugação e humilhação.

Muitos dos conflitos também reproduzem outra dimensão pertinente, que é o fôro. O fôro é o concreto saque às dimensões materiais e simbólicas dos sujeitos do campo, do aprisionamento da mão de obra e das formas identitárias tradicionais, descritas na “roça de meia” ou no pagamento em diárias de trabalho e “linhas da produção”. São 6.701 quilombolas reféns da dominação senhorial e registradas nesses dois anos, com o alarmante número de 859 famílias num único conflito, no território quilombola Saco da Almas, município de Brejo, Baixo Parnaíba maranhense.

Em segundo lugar, o agressor e causador de conflitos no campo, com 28 ocorrências de conflitos, são os produtores de eucalipto, sejam plantadores, empresas como a Suzano Papel e Celulose S. A., sejam os camponeses que arrendam terras ao modelo da silvicultura nos moldes industriais e concentrados. As 1.460 famílias denunciam essa prática diante de destruição da natureza para o plantio, como também da abertura espacial de rotas de comercialização, armazenamento e logística. No município de Matões, 190 famílias quilombolas, do território Tanque de

*Agradecemos a participação fundamental do Núcleo de Pesquisa em Questões Agrárias (NERA), da Universidade Federal do Maranhão e dos demais pesquisadores do Núcleo.

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Rodagem e São João, vivenciam o conflito com a tentativa permanente da empresa Suzano Papel e Celulose S. A. de expandir as áreas de cultivo. As estratégias passam pelas queimadas criminosas do cerrado como também pela invasão do território. O formato industrial requer estruturas de escoamento e armazenamento, descrevendo outros conflitos, como a construção do Porto do Cajueiro, no território tradicional de pescadores Cajueiro, Guarimanduba, Andirobal e Parnauaçu. São 180 famílias em

conflitos com a Suzano Papel e Celulose S. A., que se utiliza de milícia privada armada, como a empresa fantasma Leões Dourados, e é financiada pelo grupo WTorre S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda. O que também está na rota do empreendimento é o Morro do Egito, mais antigo território sagrado de cultura africana no Maranhão, que pode desaparecer como resultado do conflito e do avanço do modelo do MATOPIBA que está implementado no Maranhão.

OCORRÊNCIA DE CONFLITO POR CATEGORIA AUTORA NO MARANHÃO 2014 - 2015

Fonte: CEDOC Dom Tomás Balduino – CPT, 2016

Organização: NERA - UFMA

A categoria povos e comunidades tradicionais, constituída por agroextrativistas, indígenas, pescadores, quebradeiras de coco, quilombolas e ribeirinhos, é a que mais sofre conflitos no campo no Maranhão, totalizando 172 ocorrências, que equivale a 19.826 famílias. O avanço do grande capital sobre os territórios revela o modelo do agronegócio que, além da busca pelo controle dos territórios, atualmente, possui outras variáveis, como: a disputa pela água, elemento

fundamental para os plantios e a mineração; a própria mineração, objetivando a extração do subsolo, que é fundamental para a reprodução desses sujeitos em conflito; e a transformação da natureza em fontes de energia, como nas baterias de carvão, que produzem diretamente para os autofornos das guzeiras espalhados pelo Estado. É o agro-hidro-mínero-negócio se articulando em conflitos e avanços sobre os territórios.

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MARANHÃO 2014 - 2015

Fonte: CEDOC Dom Tomás Balduino – CPT, 2016

Organização: NERA – UFMA

A espacialidade da concentração dos conflitos no campo, no Estado do Maranhão, revela uma concentração na mesorregião leste, apontando para onde o capital tem deixado suas forças e investido em novas ações. Não desconexo do formato histórico do agronegócio dos anos 1970, representado no PRODECER II no cerrado maranhense, as práticas se repetem com o objetivo de expandir a dominação e a destruição do cerrado. Outro elemento importante é que no leste se concentram diversos territórios tradicionais que possuem uso comum da terra, revelando a prática de terra comum como marca dos povos no Estado do Maranhão. Essa forma de conceber o território tem sido alvo dos avanços do capital sobre a região, questionando a posse tradicional e fomentando estratégias de grilagem de terras. Conjunturalmente, com objetivo de questionar essa forma tradicional de conceber os territórios, o Governador Flávio Dino

(PC do B) desenvolveu a implementação do Programa + IDH, que tem como objetivo, entre as suas práticas, a regularização fundiária. Essa ação, dentre tantas questões, atrai para os territórios tradicionais outros modos de atuação, segundo a regularização fundiária, requisito para que muitos implementos sejam estabelecidos, como o próprio plantio de eucalipto e os arranjos produtivos locais previstos no MATOPIBA. Assim, o que está em jogo é a permanência e a garantia territorial, diante do não reconhecimento da ancestralidade que acaba sendo referendada pelo desmantelamento da política nacional fundiária do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), com o sucateamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

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NÚMERO DE OCORRÊNCIA POR CATEGORIAS QUE SOFRERAM CONFLITOS NO
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A grande concentração dos conflitos no campo nos municípios maranhenses na micrroregião da Baixada maranhense e na grande ilha de São Luís revelam a geograficidade do movimento do capital. No município de Bacabeira, a ocorrência do conflito revela 3.000 famílias envolvidas, apontando a estratégia de atuação de grandes empresas, como a possibilidade da construção de um porto na Baía de São Marcos, através da foz do Rio Mearim, que permite acessar o continente, sendo estratégico para o escoamento e a logística industrial. As comunidades

Jambuca, Batista e 49 já carregam o conflito também por resistirem à instalação da Refinaria Premium que, com a sua falência, atraiu outros empreendimentos. A articulação entre poder público e privado caracterizam o conflito, com a pertinente proposta de duplicação da BR 135 e da Ferrovia da Vale. A conjuntura aponta para constantes ações judiciais e novas ações, demandando para as famílias, novas formas de atuação dos pescadores e constantes denúncias das invisibilidades do conflito em questão.

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A questão indígena no Maranhão revela uma das identidades mais exploradas pelo modelo do capital, diante dos conflitos existente e recorrentes, assassinatos, queimadas e criminalização. A Terra Indígena Araribóia, somando 92 aldeias dos povos Guajajara e Awá, isolados, registrando 2.000 famílias estão em conflitos com madereiros, entre os municípios Buriticupu, Buritirana, Bom Jesus das Selvas e Amarante do Maranhão, que atuam cercando os territórios e objetivam romper com a lógica indígena sobre o território. A destruição das florestas pelos madeireirors através do desmatamento criminoso também é associada a pecuária extensiva de fazendas presentes

na Terra Indígena Araribóia criminosamente. A violência toma proporções como no assassinato de Eusébio Ka’apor, 42 anos, da aldeia Xiborendá, na Terra Indígena Alto Turiaçu, em 26 de abril de 2015, que ainda não teve responsabilidade pelos assassinatos. As 360 famílias que se referem a esse conflito então na delimitação dos municípios de Nova Olinda do Maranhão, Zé Doca, Centro Novo do Maranhão, Araguanã, Santa Luzia do Paruá, Centro do Guilherme e Maranhãozinho. Os relatos dos indígenas apontam o uso constantes dos madereiros das emboscadas, ameaças telefônicas e queimadas, destruindo a natureza e ameaçando o modo de vida ancestral.

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A Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão revela o espaço de luta e articulação desses sujeitos em constante ameaça pelo grande capital, pelo poder público e privado. As retomadas dos territórios indígenas e quilombolas são também reforçadas pela Teia, apontando como estratégia de luta a permanência no território, atrelada à sua retomada. Confrontando a criminalização dos povos e comunidades, a Teia é um espaço de formação e de atuação,

revelando que no tecer entre os povos e comunidades, as identidades são retomadas, a descolonização é permanente e o bem viver restaurado, assim como a ancestralidade e a espiritualidade. A Teia é uma das respostas para todos os conflitos descritos neste relatório, como também o espaço de fortalecimento da luta pelos territórios e por sempre “tecer o bem viver”!

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A Teia é uma das respostas para todos os conflitos descritos neste relatório, como também o espaço de fortalecimento da luta pelos territórios e por sempre “tecer o bem viver”

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