Livro - Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão

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NAS ÁGUAS DA RESISTÊNCIA, RECONTAMOS NOSSAS HISTÓRIAS

TEIA DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO MARANHÃO 2022

EXPEDIENTE

Organizadores

BRENO FILIPE MUNIZ LIMA - PESQUISADOR NERA

CINDIA BRUSTOLIN - PROFESSORA UFMA, PESQUISADORA GEDMMA

HEMERSON HERBERT DE SOUSA PEREIRA - CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO - REGIONAL MA

ROSA TREMEMBÉ - POVO TREMEMBÉ, RAPOSA (MA)

ROSIMEIRE DE JESUS DINIZ SANTOS - CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO - REGIONAL MA

ROBERTA FIGUEIREDO LIMA - COORDENADORA DO NERA/UFMA

Revisão

ARIANA GOMES DA SILVA MUNIZ

KUM’TUM AKROÁ GAMELLA - TERRITÓRIO TAQUARITIUA

Ilustrações

BRENO FILIPE MUNIZ LIMA

Projeto gráfico e diagramação

ISABELA FREIRE - PAPELERIA DESIGN

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Nas águas da resistência: recontamos nossas histórias / organização Breno Filipe Muniz Lima... [et al.]. -- 1. ed. -- São Luís, MA : Cindia Brustolin, 2022.

Outros organizadores : Cindia Brustolin, Hemerson Herbert de Sousa Pereira, Rosa Tremembé, Rosimeire de Jesus Diniz Santos, Roberta Figueiredo Lima. Vários autores.

Bibliografia.

ISBN 978-65-00-45962-3

1. Cultura negra 2. Quilombos - Brasil - Maranhão 3. Maranhão - História 4. Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão - História I. Lima, Breno Filipe Muniz. II. Brustolin, Cindia. III. Pereira, Hemerson Herbert de Sousa. IV. Trememb , Rosa. V. Santos, Rosimeire de Jesus Diniz. VI. Lima, Roberta Figueiredo.

22-112518

Índices para católogo sistemático:

CDD-304.28

1. Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão: História 304.28

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

NAS ÁGUAS DA RESISTÊNCIA, RECONTAMOS NOSSAS HISTÓRIAS

TEIA DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO MARANHÃO 2022
Foto: Zeqroz Neto Foto: Zeqroz Neto Foto: Zeqroz Neto
Sumário Prefácio 7 Apresentação 11 Homenagem à Fátima Barros 14 ÁGUA 17 A TEIA NAS ÁGUAS DA RESISTÊNCIA, RECONTA SUA HISTÓRIA - ancestralidade, Território, autonomia, bem viver. 19 FOGO 91 O FOGO DA VIDA - nossa espiritualidade, nosso tambor, nosso maracá 93 SEMENTE 111 PÕE A SEMENTE NA TERRA - resistência, cores, sabores, nosso jeito de ser, sentir, fazer e viver nos territórios, nosso Bem Viver 113 Notas de fim 148 Autoras e Autores 149
Zeqroz Neto
Foto:

Homenagem à Fátima Barros

Carta da Teia em homenagem à Fátima Barros

O eco da voz da resistência, “somos sementes”, por representar o espírito da Teia.

Nossa amiga e irmã, Fátima Barros, partiu vítima da Covid 19. A dor que invade o nosso peito é amenizada com tantas memórias dessa nossa amiga nos Encontrões da Teia.

Fátima sempre compartilhava em nossos barracões uma fala potente, de uma trajetória de luta. Estava conosco nas rodas de tambor, nos rituais dos povos indígenas, nos espaços de partilha dos alimentos, sempre com um sorriso no rosto, disposição e sabedoria.

Teceu amigos e aliados para fortalecer a luta pelo reconhecimento dos territórios quilombolas, a luta por territórios livres e pelo Bem Viver para todos. Uma luta para desconstruir as práticas coloniais que continuam gerando violência e morte entre os povos e comunidades tradicionais. Podemos dizer que ela foi vítima dessa violência, de um governo genocida, que continua apostando que quanto mais morte melhor.

O nosso sentimento é de dor, mas também de esperança. Fátima é SEMENTE, será plantada na mãe terra e vai gerar frutos. Sua alma foi recebida no reinado dos seus ancestrais. A força e alegria dessa mulher negra, forte, linda é a inspiração e a energia para seguirmos na luta por vida e vida em abundância.

Sentiremos muita saudade dessa guerreira. Fátima Barros, semente. Fátima Barros, presente!

Canção para Fátima: Na outra margem do Rio

Na outra margem do Rio, o Grande Rio, espera-me!

Espera-me!

Quantas batalhas travamos neste lado Desde a mais Fundamental pelo Direito de dizer que Existimos.

Descemos ao coração da Terra, a nossa Terra Ancestral.

Onde se fincam Raízes que vêm de longe

De África, mesmo quando não dizias

De Abya Yala, quando apenas diziam: tu tens “cara de índio”

Por ser o óbvio

Eu sou Fátima, filha de Vicência, Tataraneta de Serafina…

Há gerações na Ilha de São Vicente

A ela sempre voltamos porque somos dela

Assim te ouvimos bradar contra a infâmia racista

Que há mais de 500 anos insiste em dominar e destruir nossos corpos-territórios.

Tua Voz sempre Memória venceu portões, ocupou espaços, retomou Território

Em ti, correm os Teus como corre o Araguaia.

Nada, ninguém pode deter a tua força!

Espera-me, amiga-irmã

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Enquanto ainda faremos ecoar a tua/nossa voz contra a infâmia racista

Até que teu/nossos Territórios sejam respeitados

Até que nossos corpos desçam do patíbulo-mercado

Até que tumbeiros e caveirões sejam destruídos

Até que o genocídio dos nossos Povos

Originários daqui e de além-mar seja encerrado

E seus genocidas julgados e condenados

Dança, Fátima Barros

Para seguirmos plantando sementes

Contando histórias insubmissas

Bordando memórias afetivas

Acendendo fogueiras

Kum´Tum Akroá-Gamella

ÀS MARGENS DO RIO GRANDE, TERRITÓTIO TAQUARITIUA

06 DE ABRIL DE 2021

Foto: Acervo da Família Barros Foto: Zeqroz Neto

ÁGUA

Foto: Zeqroz Neto Foto: Zeqroz Neto

A TEIA NAS ÁGUAS DA RESISTÊNCIA, RECONTA SUA HISTÓRIA

ancestralidade, Território, autonomia, bem viver.

Água

A Água foi a simbologia no primeiro dia do Encontrão da Teia na comunidade Água Riquinha, localizada no município de Paulino Neves/ MA. A água esteve presente desde a acolhida/ apresentação dos participantes até o encerramento. Na apresentação, as pessoas se agrupavam por rios, lagoas, riachos para se apresentarem, falando da situação das águas, da sua importância para comunidades/territórios e dos desafios para manter fontes, nascentes, olhos d’água com vida. A simbologia da água apontava os altos e baixos, as curvas, retornos e recomeços, onde as nossas histórias, como córregos, se misturam, se entrelaçam e tecem outros caminhos, como retomadas do Bem Viver para todas e todos, escapando da armadilha de conceber e contar a nossa história como uma linha reta. A água é elemento primordial à nossa existência no planeta e está no centro da luta pela manutenção de sua posse, como garantia da vida.

Focados no elemento água, mergulharemos na história e trajetória da Teia, nesses 10 anos de tecimento. Somos convidados e convidadas a fluir nos rios das memórias dos demais encontrões, na caminhada da Teia.

A TEIA NAS ÁGUAS DA RESISTÊNCIA, RECONTA SUAS HISTÓRIAS:

A TEIA COMO ESPAÇO DE ARTICULAÇÃO E DE LUTA

Kum’tum Akroá Gamella1 TERRITÓRIO TAQUARITIUA, VIANA - MA

A Teia de povos e comunidades tradicionais do Maranhão nasce dentro de uma dinâmica que acho fundamentalmente contracolonial, por que isso? O processo de colonização para se consolidar precisa apagar a pluralidade, ou seja, a pluralidade dos povos, das cosmologias, dos saberes, dos sabores, tem um processo permanente de homogeneização em que esses coletivos são negados para que aquilo que é o programa da colonialidade possa ser implantado. É nessa perspectiva que se juntam povos e comunidades tradicionais no Maranhão, penso que é fundamental resgatar que esse encontro se dá num processo intenso de luta, onde quilombolas, majoritariamente, e indígenas ocupam a sede da Superintendência do Incra no Maranhão para reivindicar do governo brasileiro, aquilo que o Estado se colocou como obrigação: fazer a regularização, e a titulação das terras quilombolas, das terras ocupadas por comunidades quilombolas. É nesse contexto que os povos se encontram, um contexto de luta intensa. Foi em 2011, e foi a primeira vez que as dependências da superintendência Incra no MA foram ocupadas por quase uma semana. Alguns dias foram permitidos o funcionamento (do órgão), mas chegou um momento de paralisar as atividades e de

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ancestralidade, descolonização, território, autonomia, bem viver.

um grupo de quilombolas tomar a difícil decisão de realizar uma greve de fome para protestar, denunciar a violência que seus corpos/ territórios sofrem cotidianamente, sobretudo, pelo fato de o Estado, o governo brasileiro não cumprir a sua atribuição constitucional de demarcação das terras quilombolas.

Esse acampamento está intrinsecamente ligado ao assassinato de Flaviano Pinto Neto ocorrido em 30 de maio de 2010. O acampamento foi gestado nos dias 22 e 23 de maio do ano seguinte, na comunidade Alto Bonito, Brejo (MA). Manoel Gentil, suspeito de ter ordenado o assassinato de Flaviano foi preso em fevereiro pela primeira vez e foi solto logo em seguida. Em abril, houve um segundo mandado de prisão contra ele, que estava foragido. No dia 15 de maio, o Tribunal de Justiça do MA concedeu o habeas corpus, ele continuava foragido. Naqueles dias, em Alto Bonito, foi decidido realizar o acampamento para durar vários dias, não era um protesto. Ele durou de 1 a 14 de junho de 2011, começou no TJ e depois foi para as dependências do Incra.

te fala hoje que a escravidão ilegal, mas houve um tempo que a escravidão era legal, como a tortura era legal, então desde sempre, nós resistimos, nos insurgimos, nos rebelamos contra esse Estado democrático de direito.

[...] não é possível a gente construir nada novo em cima e alicerces velhos.

Em que sentido? Alicerces da colonização. É preciso a gente compreender, desde as nossas ancestralidades, como nossos corpos/ territórios foram controlados e dominados.

E de 2011 para cá foram realizados muitos encontros. Nos primeiros encontros ou reencontros, talvez seja melhor a gente dizer que foram reencontros, porque em algum momento da história, aliás, em todos os momentos da história nós lutamos contra o processo de colonização. Foi exatamente esse processo de luta permanente de resistência, de desobediência permanente ao sistema, e aqui vale dizer, ao estado democrático de direito, porque a gen-

E aí foram se realizando encontros, se fortalecendo e se ampliando. O tom, vamos dizer assim, fundamental desses encontros tem sido que não é possível a gente construir nada novo em cima e alicerces velhos. Em que sentido? Alicerces da colonização. É preciso a gente compreender, desde as nossas ancestralidades, como nossos corpos/territórios foram controlados e dominados. Ou, se a gente pode dizer de uma perspectiva já insubordinada, houve tentativa de controle e dominação dos corpos/territórios. É preciso compreender essa construção colonial e como ela permanece em nossos dias, nas várias dimensões da vida, como que o Estado que nós temos hoje é um Estado que carrega em si as marcas dessa colonização? Ele é a expressão de uma colonialidade que não passa, mesmo que a gente possa dizer que a colonização terminou em 1822, no caso do Brasil, mas a mentalidade dessa colonização permanece nas estruturas de poder. Por exemplo, quando um juiz ou uma juíza do poder judiciário concede uma, vou usar a expressão que nossas comunidades usam, uma eliminar de reintegração a alguém que se apresenta como proprietário, eles dizem que é uma eliminar de reintegração de posse, ora mas essa reintegração de posse via de regra tem sido concedida àqueles que nun-

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ca estiveram na posse, porque elas são concedidas contra as comunidades, contra povos que centenariamente vivem e fazem esses lugares terem vida. Isso é uma expressão da colonização, essa é uma ideologia que perdura onde a propriedade privada é o fundamento, contra o uso comum dos territórios estabelecidos e vivenciados por nossas comunidades e povos tradicionais.

Veja, estamos dizendo dessa expressão da colonialidade quando foi permitida, garantido o direito de os povos serem “ouvidos e informados” nos processos de licenciamento. O que está previsto? A tal da audiência pública, onde a empresa ou governo apresenta um relatório de milhares de páginas aos povos, comunidades, pessoas aos quais o direito à escolarização, a alfabetização foi negada historicamente, mas aí eles consideram que uma audiência pública apresentado esse relatório valida todo o processo, e por aí vai. Podemos lembrar também, como ainda hoje as práticas rituais de cura são perseguidas pela racionalidade da ciência. Como os nossos pajés são criminalizados por realizarem prática de cura ancestral, e são tratados como charlatão, charlatães, como alguém que exerce ilegalmente a profissão médica de cura.

A Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão foi se consolidando como um espaço fundamental de articulação de povos e comunidades que estão desde suas ancestralidades, num movimento anticolonial em defesa dos seus territórios tradicionais. A Teia é desde sempre esse espaço de articulação desses povos, nossos e de comunidades tradicionais que estão nessa luta. Um elemento importante da gente perceber é que essa luta por território não se restringe ao es-

paço “rural”, mas ela se entende também por aquilo que o Estado denomina como espaço urbano. Porque os que estão fazendo luta por moradia em São Luís, vamos pensar, Imperatriz, cidades maiores do Estado, são pessoas cujas comunidades foram expulsas em algum momento pelo latifúndio, pelo Estado a serviço do latifúndio. Então, perceber essas ancestralidades em movimentos urbanos é fundamental. Não tem como não perceber isso com a invisibilização das ancestralidades, ela é parte desse projeto de extermínio desse futuro.

A TEIA NOS POSSIBILITA A TROCA DE SABERES

Anacleta Pires da Silva2 TERRITÓRIO QUILOMBOLA SANTA ROSA DOS PRETOS - (ITAPECURU MIRIM/MA)

A Teia pra mim nada mais é do que um espaço universitário. E essa universidade é onde se trabalha não o conhecimento, mas os saberes. Só através dos saberes, da gente trocando esses saberes, a gente consegue adquirir conhecimentos. A Teia é uma universidade real, que não requer paredes para que a gente pos-

Só através dos saberes, da gente trocando esses saberes, a gente consegue adquirir conhecimentos. A Teia é uma universidade real, que não requer paredes para que a gente possa estar fazendo a garantia da educação que liberta, dos saberes trocados que libertam o sujeito para construir o seu próprio mundo.

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sa estar fazendo a garantia da educação que liberta, dos saberes trocados que libertam o sujeito para construir o seu próprio mundo. Basta o nome Teia. Quando se fala Teia, são linhas entrelaçadas. Essa universidade, eu denomino a Teia, ela nos possibilita a troca dos saberes, a gente faz isso com muita tranquilidade, por meio das relações. Não precisa do professor pronto e acabado, aquele que serve como banco de dados, a gente só precisa compreender isso onde os saberes estão de forma trocada, tanto se aprende, como se ensina. A Teia nos leva a uma educação libertadora, um espaço onde existe a consciência popular, porque se não tivermos essa consciência política popular, a gente não consegue entender que devemos manter ligações, ensinamentos, a partir dessa educação de laços. Ela nos permite também ter essa consciência política para que possa entender a ancestralidade, aquilo que nos norteia para que possamos responder mediante as boas ações. Isso com o entendimento dos ensinamentos dos dons. É onde também consegue estar de forma bem harmoniosa, mediante cada potencialidade que se tem em cada um que faz parte dessa Teia.

Essa potencialidade, quer dizer, o respeito por aquela que sustenta a vida, que é a nossa terra, a Teia parte para mim dessa compreensão dos princípios básicos. A Teia é o princípio básico para que possamos ter uma vida com dignidade a partir desses respeitos, da ancestralidade que fortalece a nossa espiritualidade, a partir das nossas compreensões enquanto parte dessa terra, sem a natureza a gente não consegue. Digo que a Teia é a fonte que permite entender o respeito dos princípios básicos vitais.

A Teia permite compreender as lutas e quem faz as lutas. Quando a gente entende a luta, e quem faz a luta, a gente consegue também se reconhecer ou se desconhecer, porque estar no movimento não significa dizer, estar lutando, por isso, que a gente muita das vezes vê muitas pessoas perdidas no tempo, porque uma coisa é estar na luta e saber o que é lutar, e a gente com a Teia, ela deixa fazer as considerações dela enquanto a casa da convivência. É muito importante entender isso enquanto casa da convivência, porque na casa da convivência a gente tem a sensibilidade de ouvir e saber ouvir, isso é muito forte, isso é muito forte na casa, só a convivência é que prova os nossos conhecimentos, a partir das proximidades afetivas que temos na casa comum.

A TEIA TEM A FUNÇÃO SOCIAL DE CHAMAR PARA REUNIR

José Altair Marques (Seu Zezé)3

TUTÓIA/MA

A Teia tem essa função social também de nos chamar para reunir, para conversar, debater todo esse contexto. E eu fiquei muito animado com a conversa com as pessoas que participaram do encontrão, dos que eu perguntei pra saber um pouco do que eles pensaram, pra saber um pouco de como eles viram tudo isso. Achei tudo muito positivo para todos aqueles que eu conversei com eles. Acho que esse lado positivo da Teia é o que nos anima, não deixa de ter a sua importância social da conversa, do debate, de ter as pessoas se sentindo no contexto, quando participam das discussões. Bem poucos movimentos usam esse espaço todo para que ouçam as pessoas, para que as pessoas participem diretamente, como a Teia. Os grupos nos dão muito isso, essa oportuni-

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dade de falar o que a gente está pensando, de se sentir participante realmente daquele Encontro. Acho positivo a questão da TEIA abordar não só um problema, ela aborda vários problemas dentro daquela reunião, por isso é que é importante.

Nos Encontros da Teia, eu sou muito aquele cara de gostar de participar dessas questões porque nos enriquece, primeiro isso, e depois eu me sinto super bem porque eu me misturo, eu vou pra zuada, eu bato um triângulo, eu bato a cabaça, eu só não canto, mas eu faço muito e me envolvo muito com a parte da animação. Então eu me sinto bem porque quando eu estou ali pra mim o mundo é aquele, o outro mundo fica pra quando eu sair dali, então eu vivo muito a emoção do que a Teia nos proporciona, eu me sinto super bem e fico triste porque acontece questões como o que está acontecendo agora, que nos tira esse direito de participar de mais um encontro, porque é muito bom quando a gente convive com todo aquele povo que a gente vivia uma família e a

alegria de estar encontrando, de estar conversando, de estar em todo aquele movimento, só nos alegra, pois quando a gente vê aqueles movimentos alegres, a gente só melhora a expectativa de vida. Eu me sinto assim e é essa forma como vocês chamam para o grupo e essa participação que nos faz vivos, que nos faz alegres, é uma nova família a Teia e aí a gente se sente ali um membro participativo e isso só fortalece todo esse trabalho, que Deus nos dê força para continuar lutando.

A TEIA COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA

Leidiane de Livramento Santos Régis4 QUILOMBO NAZARÉ, TERRITÓRIO MARIANO DOS CAMPOS, SERRANO/MA

Vejo que na Teia como no próprio Moquibom que são movimentos grandes, é possível uma formação, uma educação contextualizada. É um diálogo de saberes, que vem cada vez mais melhorando nesse sentido. Agora temos os esteios que nenhum foge do outro, todos são importantes. Só essa dificuldade que vejo, como separar, as vezes nem todo mundo escuta. Eu estava no grupo da educação, falamos da luta pela terra, pelo território... é isso tudo, e tem que ser mesmo, a própria terra, a água, a natureza, nossas manifestações culturais, nossas espiritualidades, as mulheres que sofrem. Nesse grupo da educação se trouxe todos esses elementos, mas aí

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nos outros grupos como foi tratado para que nenhum dos esteios percam essa dimensão, essas coisas importantes? Fiquei pensando, porque se tivesse ficado uma outra pessoa no grupo da educação, eu teria ido para ajudar na discussão do eixo das mulheres para justamente trazer isso na hora da partilha, tudo foi assim, discutiu nos grupos e levou para a partilha para todos. Eu acompanhei na hora do eixo de gênero, das mulheres, achei que precisava, se a discussão é gênero, trazer também a discussão dos homoafetivos porque afeta as mulheres homossexuais, as lésbicas, e assim sucessivamente.

Mas para pautar a luta das mulheres quilombolas, das mulheres indígenas, e demais mulheres que também constrõem a Teia é dentro da educação, não podemos desistir, mas enquanto ainda não se consegue colocar isso dentro da educação no quilombo, a gente vem aprendendo nos encontros da Teia para que a gente ali se fortaleça, enquando chega o momento de todo mundo se rebelar, construir e lutar por uma educação democrática e antirracista.

NA TEIA NOS RENOVAMOS E BUSCAMOS O SEGUIMENTO DE CADA APRENDIZADO, DE CADA COSTUME

QUILOMBOLA, SÍTIO RAÍZES, PIRAPEMAS/MA

Com a força e a sabedoria que vem dos nossos ancestrais, dos nossos valores, devemos um grande respeito à Natureza, à Mãe Terra, às nascentes dos rios. Aos poucos, as mudanças foram chegando e quase nos esquecemos do que somos. Graças a Deus a gente teve as Comunidades Eclesiais de Bases (Cebs), foi muito além, agora temos a Teia. Estou triste

porque esse tal Coronavírus ou Covid 19, nem sei como chamar direito, chegou a tal forma que quase parou a nossa vida, aliás, nenhum de nós paramos a vida, sempre temos muito o que fazer, mas houve o impedimento da gente chegar aos outros irmãos e dar as mãos. Mas para tudo Deus dá um jeito e apareceu o tal celular, a internet, o WhatsApp e, por conta de tudo isso, não ficamos totalmente desligados, a gente sempre se ligou. Somos do bem, isso é maravilhoso!

O que foi importante até aqui foi o contexto de ter renovado a nossa esperança no encontro com a Teia de todos os povos (uma referência ao intercâmbio da Teia Maranhão com a Teia da Bahia), foi a busca que a gente teve entre ambos. Dentro da Teia, nos renovamos e buscamos o seguimento de cada aprendizado, de cada costume. Mostrar que os nossos costumes não morreram, não se acabou e tem uma grande importância, essa importância é maravilhosa.

A COZINHA É ESSE ESPAÇO DE DESCOLONIZAÇÃO

Raniere Roseira6 AGENTE DA CPT, COMUNIDADE SABONETE - GRAJAÚ/MA

A Teia nesse conjunto geral de vários fios que a constitui, a cozinha é um desses fios. A cozinha é um espaço muito delicado porque, para começar, a gente de barriga vazia não faz luta. A gente faz luta para não ficar de barriga vazia, não ficar sem comer, não ficar sem plantar. De barriga vazia, não tem luta, como diz num documentário do povo Ashaninka, do Acre, “A gente luta, mas come fruta”. É isso, a gente luta, mas tem que comer, a gente não é de ferro que põe e diz fica aí, e fica aí mesmo,

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esse acaba se deteriorando com o tempo, se acabando, mas é isso, nós precisamos nos alimentar para lutar.

O espaço da cozinha como fio da Teia, é um espaço de descolonização porque são todos e todas que participam da cozinha. Claro, no sentido de dizer homens e mulheres que participam, precisa de um pouco de afinidade, habilidade, seja para qualquer serviço dentro da cozinha. A cozinha é esse espaço de descolonização. Porque para muitos a cozinha é o lugar da mulher, então o homem não vai lá, mas para nós que já estamos nesse processo de Teia sabemos que não é assim. Outra vez participei de um encontro na comunidade da finada dona Dijé. Lá, um homem do Ceará me viu fazendo uma fala no começo do encontro, e depois eu sumi porque eu estava na cozinha. Depois ele me viu na cozinha e disse, rapaz, o que tu estás fazendo aqui, vai para a plenária. Então, é um pouco disso, porque pensa que a cozinha é o lugar das mulheres. Quando tu és homem e começa a fazer essa provocação, começa a perceber, começa a fazer as coisas na cozinha, parece simples, mas não é, aí tu vais descolonizando. A cozinha é espaço de descolonizar e daí vão outros inúmeros exemplos que é um processo de descolonização. E a cozinha é um espaço de autonomia. Como na Teia se dá esse espaço de autonomia, que é a cozinha? Não é só no espaço de fazer fala sobre autonomia, de luta, de enfrentamento, não, a cozinha é um espaço de autonomia. Quando a Teia consegue manter 400, 500 pessoas num encontro de três a quatro dias com alimentos que as comunidades trazem, partilham, isso é autonomia, é soberania alimentar, isso é autonomia da Teia. Então a cozinha tem autonomia, a gente ainda não é

Porque para muitos a cozinha é o lugar da mulher, então o homem não vai lá, mas para nós que já estamos nesse processo de Teia sabemos que não é assim.

100%, mas tem uma grande porcentagem de autonomia na cozinha na Teia. Isso é uma grande conquista, se for colocar em medida, diríamos que 80% hoje, os últimos encontros, uma vez que a gente tem pouca coisa industrializada. É verdade que mais para trás já usamos, mas nos últimos encontros tem sido diferente. A gente tem avançado bastante, tem uma média boa, isso é autonomia, é descolonizar, pois quanto tu usa o óleo de coco, por exemplo, ou a gordura do porco, que são produzidos nos territórios, isso é descolonizar, pois tu deixa de usar o óleo de soja, milho, girassol, oliva que são introduzidos pela indústria, que se a gente não usa esse que é o bom, que está na prateleira, tu é do mato, tu é isolado, isso tu descoloniza, tu vai mostrar os benefícios e malefícios desses aqui, e o nosso orgânico vai para onde?. Então tu começas a fazer a descolonização de que o que está lá prateleira é o que presta, vai trazer mais saúde, e não é isso. Tu fazes esse processo de descolonização quanto tu mostras, o próprio arroz, a gente percebeu durante um tempo esse mais industrial, o nosso arroz comum, plantado, cultivado, pisado, pilado no pilador estava ficando para trás, ninguém cozinhava, tinha até dificuldade. O arroz produzido nas

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A cozinha é esse espaço de descolonização.

comunidades vinha, ficava de mão em mão e voltava para as comunidades porque tinha muito arroz de pacote, “mais fácil de cozinhar”, porque cozinhar para 500 pessoas não é fácil, é bem verdade. Quando tu percebes que esse arroz que tu produziste não te causa tanto mal, o negócio começa a mudar, quando tu começas a sentir, a perceber as diferenças, ver com clareza os malefícios de alguns produtos industrializados, tu passas a valorizar mais o que tens no território.

É, a cozinha é um espaço de formação, alguém pode dizer, fui para o encontro da Teia e fiquei só na cozinha, não ouvir ninguém falando, não ouvi a fala de fulano, então é um espaço de formação da Teia, ninguém está fora da Teia quando tu estás na cozinha, claro que se tu passares três dias na cozinha é prejudicial,

mas ela não está desligada do todo. E na cozinha tu vai falando da tua experiência e ouvindo a experiência de quem está ali contigo. E é tão tal que tu ouves muito mais próximo, porque estás conversando muito mais próximo com aquela pessoa, é diferente da plenária. A plenária tem seus benefícios, mas neste momento a gente percebe a cozinha como espaço de formação, de conhecimento, como espaço de troca de experiência, até mesmo no cozinhar. Como é muita gente na cozinha, muitas pessoas têm seu modo de cozinhar, tem seu molejo de trabalhar, de mostrar, de fazer, de suas habilidades, isso é formação. O cuidado de tratar o peixe, o cuidado de guardar as folhas, as ervas, de armazenar, tudo isso tem um toque de formação, um de conhecimento, aprendizado. E quem vai para a cozinha muitas daque-

A TEIA NAS ÁGUAS DA RESISTÊNCIA,
RECONTA SUA HISTÓRIA: ANCESTRALIDADE, TERRITÓRIO, AUTONOMIA, BEM VIVER.
Foto: Verena Glass Foto: Anouk Mulard Foto: Zeqroz Neto Foto: Zeqroz Neto

las pessoas que trazem seus alimentos para partilhar, muitos deles falam, “essa abóbora veio do sul do Maranhão, veio da baixada”. Sobre o peixe, “ele veio do rio, veio de um tanque”, “esses quiabos vieram lá de Engenho”, uma comunidade indígena em São José de Ribamar, então tudo isso é formação, vai conhecendo muito mais, pode ouvir com mais atenção, mas não pode esquecer que a panela está no fogo.

O ENCONTRO DA TEIA FEZ TODA

A DIFERENÇA NAS NOSSAS VIDAS AQUI DENTRO

Socorro Alves Carvalho7

QUILOMBO COCALINHO, PARNARAMA-MA

Vou falar um pouco sobre o significado da Teia dentro do território, das comunidades quilombolas. Aqui para nós, no território, quando foi pra vim a Teia, muita gente, algumas pessoas aqui no Cocalinho não acreditavam muito na luta, não acreditavam muito na organização. Depois que aconteceu a Teia aqui dentro do território, a gente se sentiu mais fortalecido, tanto dentro do território, como na cidade, a gente ficou bem mais visto dentro da cidade, chamou muito a atenção do pessoal da cidade aqui dentro do nosso território e também uma coisa que eu senti muito foi sobre a organização nossa dentro do território, a gente sempre se organizava, mas depois que a Teia aconteceu aqui, a organização ficou mais forte, a organização das mulheres, tinham umas que não acreditavam muito, mudou bastante, a forma das pessoas lutarem, quando a gente queria alguma coisa era mais dificultoso, depois que aconteceu a Teia tudo mudou. A gente se tornou mais unido e ficou mais fortalecido aqui dentro. Na minha opinião, a Teia foi um ponto chave para comunidade, para

que dentro do nosso território ficasse mais fortalecido, eu senti isso, não só eu como os meus companheiros de luta, se organizam em mutirões, mutirões de quebradeira de coco, tem mutirão para arrancar mandioca, tem mutirões pra tudo, pra junta de coco, pra farinhada e isso eu achei que ficou muito fortalecido, quando a gente quer uma coisa ficou mais fácil, tanto aqui dentro, como em Parnarama, a gente ficou mais forte.

Nós em Parnarama não éramos bem visto, nós éramos o tipo de uma de pessoas quase invisível e depois que a gente sediou o encontro da Teia no território, as coisas mudaram totalmente, as secretarias viram a gente de uma forma diferente, a gente tem nossa identidade, eu não escondo, aqui dentro do território ainda tem algumas pessoinhas que ficam desdobrando, não querem aceitar, mas eu e outras pessoas que somos da luta, a gente sempre quando vai pra cidade, quando vai pros encontros, quando vai ter uma palestra, a gente sempre diz que nós somos uma comunidade quilombola, a gente faz parte desse território e isso pra nós ficou muito mais forte depois do encontro da Teia. Eu sinto bastante que o encontro da Teia fez toda a diferença nas nossas vidas. Na nossa escola, a gente sentiu que as coisas mudaram depois do encontro da Teia, mudou muito as formas da gente abordar os assuntos na escola, a gente já teve várias apresentações e mudou tudo isso depois do encontro da Teia aqui dentro. Na minha opinião, não só na minha, mas se você tiver um contato de mais alguém, com certeza vai falar a mesma coisa. A gente aqui dentro do território, durante essa pandemia, buscou mais entendimento, se organizou também quando tinha encontros, pequenas reuniões, a gente

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sempre dizia, informava sobre o uso da máscara, a gente correu atrás de máscara para todos os moradores, se organizou, correu nas secretarias pedindo apoio, pois não era todos que tinham máscara, mas a gente conseguiu duas etapas para vir máscara, a gente fez uma doação para cada casa, se tivesse quatro pessoas na casa, a gente dava quatro máscaras, nós fizemos a entrega. Isso também veio ajudado pela parte do encontro da Teia. Depois que o encontro da Teia aconteceu aqui dentro, a gente formou esse grupo de mulheres, se fortaleceu mais e, na minha opinião, foi por causa do encontro da Teia. Ficou mais forte a nossa organização, claro que ninguém é perfeito, em cada território não é tudo perfeito, mas eu acho que aqui dentro melhorou muito.

Outra coisa que a gente sempre passava, a gente fazia muito lambedor, eu sempre participo de reunião na sede, eu sempre deixo bem

claro que nós até hoje, eu agradeço muito a Deus, nós não tivemos nenhum caso, acho que foi o único território que não teve nenhum caso foi aqui dentro do território quilombola Cocalinho, a gente se preveniu bastante, teve uma época que a gente não tava aceitando visita de ninguém, a gente evitava ao máximo sair, teve uma época também que foi fechada a entrada, por conta também da gente se proteger, não era dizer que a gente não queria ninguém de fora, mas sim uma forma da gente se proteger é a gente também tive vários apoios de companheiros, a gente sempre procurava conversar com os rapazes aqui de dentro e isso também eu acho que melhorou bastante, as coisas eram um pouco mais dificultoso, eles eram um pouco cegos, mas naquela época que teve o encontro da Teia melhorou muito graças a Deus e as coisas vem melhorando, tem dificuldade que todo territó-

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Foto: Zeqroz Neto

rio tem, ninguém é perfeito, a gente trabalha, mas quando a gente recebe um não, mais na frente a gente recebe um sim, é isso aí. Graças a Deus, eu tô muito feliz e aqui dentro foi combatido, tinha uma época que aqui tinha muita gripe e foi combatido com bastante lambedor, bastante chá de boldo, o nosso território a gente tem tudo isso, as ervas que a gente precisa pra fazer nosso remédio.

OS FIOS DA TEIA DO MARANHÃO

SE ENTRELAÇAM PELO CHÃO DO BRASIL

BEM VIVER: UM CAMINHO POSSÍVEL

QUE SE TECE NA ALIANÇA COM OUTROS POVOS E COMUNIDADES8

A Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão vivenciou uma rica experiência de Intercâmbio com o povo Tupinambá e com a Teia de Povos da Bahia, entre os dias 16 e 23 de abril de 2017.

Durante esse período, articuladoras e articuladores da Teia do Maranhão conheceram o povo Tupinambá, nos territórios Serra do Padeiro, e de Olivença, sul da Bahia. Esteve no Assentamento Terra Vista, na cidade de Arataca/BA e participou da V Jornada Agroecológica, na cidade de Porto Seguro/BA, organizada pela Teia de Povos da Bahia. Na roda de conversa com a Teia do Maranhão, o cacique Babau falou sobre a história do seu povo, as retomadas, o processo organizativo, a autonomia, a luta conjunta para defender os direitos indígenas na Constituição Federal. No diálogo, indígenas, quilombolas e quebradeiras de coco babaçu contaram também suas experiências de luta em defesa do território e sobre o processo de articulação da Teia do Maranhão. Uma caminhada pelo território Serra do Padeiro foi muito importante para o grupo da Teia do Maranhão, conhecer as áreas que o povo Tupinambá fez as retomadas do seu território tradicional, que estavam na posse de não indígenas e, como essas áreas foram reocupadas

ÁGUA 30
Foto: Anouk Mulard

pelo povo em mutirão, o cuidado com a proteção territorial. Compreendo o território como lugar sagrado, morada dos encantados. Na visita pelo território, foi possível conhecer as plantações de cacau, a abundância de outras frutas. As mulheres tupinambá que acompanhavam o grupo diziam: “felizmente o cacau precisa de outras plantas para amadurecer, por isso, que tem muita planta e outras frutas juntas, como o abacate, se não fosse por essa característica desta planta, os fazendeiros teriam derrubado tudo, pois os mesmos não têm consciência de preservação ambiental ou de sistema agroecológicos”.

ARTICULADORAS E ARTICULADORES

PARTILHAM UM POUCO DO QUE VIRAM E SENTIRAM DESSE

ENCONTRO COM O POVO TUPINAMBÁ

DA SERRA DO PADEIRO E OS DE OLIVENÇA, NA BAHIA

Jaleco Akroá Gamella, Território Taquaritiua, Viana (MA), destacou o respeito aos modos de

vida diferentes e as regras locais, a força dos encantados que o povo Tupinambá na comunidade Serra do Padeiro tem.

Genecy Krepym Katejê, Território Krenyê, Tuntum (MA), nós mesmos temos que resolver nossos problemas, não esperar que outros venham fazer por nós. Arão Krepym Katejê, Território Geralda Toco Preto, Itaipava do Grajaú (MA) enfatizou a superação do preconceito, evitando o uso do termo mestiço, que reforça a discriminação contra os indígenas. Conhecer os Tupinambá, serviu para o fortalecimento do Bem Viver, que é possível, que existe, é a luta por autonomia.

A’twyr Krenyê, território Krenyê, Tuntum (MA), o intercâmbio reforçou a ideia de que a luta não é só de um povo, de uma pessoa, mas de todos juntos “uma vara só, se quebra, mas um feixe é mais difícil de quebrar, quase impossível”.

Kaw Krê Gavião, Território Governador Amarante do Maranhão (MA) - É um povo que continua lutando pela sua autonomia e a luta não é so-

A TEIA NAS ÁGUAS DA RESISTÊNCIA, RECONTA SUA HISTÓRIA:
VIVER. 31
ANCESTRALIDADE, TERRITÓRIO, AUTONOMIA, BEM

me abriu novos horizontes sobre a retomada, com a luta do povo Pataxó Hãhãhãe. Meu povo ainda é capitalista e colonizado, meu povo vai retomar o território.

Raimundinho Krenyê, Território Krenyê, Tuntum (MA), aprendi que quem faz a mudança em nosso território somos nós mesmos. É preciso respeitar a dinâmica de cada povo.

Gabão Akroá Gamella, Território Taquaritiua, Viana (MA), vi muita organização e confiança uns com os outros. Participei da oficina de como armazenar corretamente sementes em garrafas pet para o próximo plantio; fui conhecer os jogos indígenas, participei da oficina de como fazer bonecas.

A’twyr Krenyê, Território Krenyê, Tuntum (MA), eu estava colonizado, aprendi a respeitar o próximo. Comecei na Teia no encontro em Santa Helena, lá identificamos que a luta é comum. Aprendi que temos que fazer por nós mesmos, sem ficar pedindo para o Estado.

Genecy Krepym Katejê, Território Krenyê, Tuntum (MA), eu estou descolonizando a espiritualidade, senti uma força grande no território dos parentes Tupinambá e não vou mais fugir do meu destino, vou cuidar das ervas e ensinar remédios.

Raimundo (Sedex), Quilombo Mundico, Território Vivo, Santa Helena (MA), vi muito respeito ao local, conhecer a floresta. O Acampamento Terra Vista, Joelson, uma liderança forte, indicou para nós como toda essa luta começou, com amor, coragem e dignidade.

Edmilson Reis (Ribal), quilombola, Território Janaubeira/Benfica, Santa Helena (MA), aprendemos práticas organizativas, sinto orgulho

de ser quilombola, ter autonomia no território e expor regras, princípios dentro do território. Um planejamento muito importante para a luta.

Esse intercâmbio levou um fio da Teia do Maranhão para a Teia irmã da Bahia, e retornou com esse fio enriquecido das trocas de saberes e sabores que marcaram essa aliança entre os povos e comunidades das Teias.

NO ENCONTRÃO DISCUTIMOS QUE A AUTONOMIA E A RETOMADA COLETIVA SÃO O PILAR DA PERMANÊNCIA DOS POVOS EM SEUS TERRITÓRIOS 1

Ormezita Barbosa9 FORTALEZA/CE

Estamos vivendo um momento de tecer Teias na nossa resistência, os nossos inimigos também se articulam. A destruição dos territórios já existia, atualmente aumentou a crueldade contra nós, eles não têm vergonha de dizer que querem nos matar. Os territórios das comunidades têm riquezas estratégicas para os

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1 Encontrão da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão. Comunidade Alto Bonito, Brejo- MA, 25 a 28 de maio de 2017

nossos inimigos e a nossa tarefa é ser guardiões e guardiãs do território.

Somos marcados pelos encontros da Teia, acho que essa experiência da Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão é uma experiência riquíssima e em alguns aspectos indescritível. A gente faz um mergulho tão profundo na mística dos povos que a gente sai de lá sempre muito fortalecido, é como se a gente mergulhasse numa água que nos renova. A sensação do Encontrão em Água Riquinha é a conexão profunda, e a mim particularmente, é como se eu tivesse voltado para casa, tem coisa que não conseguimos descrever, somente

sentir. Quero dizer que sou marcada por esse sentimento de estar em casa e de acolhimento. E do reconhecimento dessa experiência, o quanto ela fortalece a mim individualmente, a mística com os povos e a espiritualidade e de uma forma mais ampla, ela contribui para processos coletivos intensos.

Uma característica dos encontros da Teia é a participação e o envolvimento onde as comunidades se auto sustentam . Esse espírito colaborativo, solidário e participativo permeia esses processos da Teia. Esse encontro em Água Riquinha trouxe muito forte o debate sobre a autonomia dos povos, num contexto que estamos vivendo de retrocessos e aumento da violência e o Estado cada vez mais negando e inviabilizando as condições dos povos em viver em seus territórios tradicionais, essa inviabilidade é feita de várias formas, não só do ponto de vista da expulsão do território, mas negando a identidade do povo e várias outras perspectivas. No Encontrão discutimos que a autonomia e a retomada coletiva são o pilar da permanência dos povos em seus territórios, além disso, teve o debate sobre o protocolo de consulta da convenção 169 da OIT, da importância da consulta prévia, livre e informada e de como esses instrumentos podem contribuir e fortalecer a luta das comunidades. Um outro elemento desse encontro é o território de Água Riquinha marcado profundamente por desigualdades e violações, principalmente com a instalação do parque Eólico que vem gerando conflitos com as comunidades e como as comunidades vem resistindo, acho que isso vai ajudar que os povos também fortaleçam essa inter-relação, quando um problema de uma comunidade acaba sendo assumido pelo coletivo da Teia, pra mim tem essa riqueza e diversidade de rostos e identidades. O papel das

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mos fazer a autodefesa. Nós organizamos a segurança dele. Deixamos de cair na conversa de Lucélia Santos, Maitê Proença. Criamos a nossa segurança.

Quando o movimento tira pessoas pra ir pra política, nós temos que saber que vai ter traição. Muitos receberam proposta de fazenda, e dinheiro, só pra deixar de ser presidente do sindicato. A Marina privatizou 77 milhões de hectares de florestas públicas e o Lula criou a lei de regulamentação fundiária, regularizando a grilagem pro agronegócio.Lula teve tudo pra fazer a Reforma Agrária e não fez. A Marina criou o SNUC, que hoje está criminalizando os extrativistas.

A criação das Reserva Extrativista era pra ser dirigida por gente de dentro. O domínio do nosso território tem que ser em tudo. A juventude tem que ler. Nós temos um grupo de estudo com 32 jovens.

Presidente do sindicato não ia nem ia nos empates. Cada seringueiro é um líder. Eleição não vai resolver o nosso problema. Nós temos que pensar no governo nosso, nos conselhos nossos.

Os engenheiros florestais querem nos empurrar um projeto de carbono, querem pagar uma bolsa pra não mexer na terra, nem na floresta. Eu já li sobre as comunas de Paris, os conselhos populares fizeram as dívidas dos camponeses. Um evento que simboliza a vontade de viver de todos esses movimentos. A Teia tem que atrapalhar o agronegócio. Eu já chorei muito. Eles estão nos matando de muitas formas. Quando nós aceitamos qualquer projeto que vem deles, sequestro de carbono, hidroelétrica. O latifúndio tem que ser ocupado inteiro.

Sou Nailton Pataxó Hã Hã Hãe, sinto aquela alegria profunda de ver esses momentos todos os dias. Presenciei meu avô dizendo que a gente tinha que sair, porque o chefe do posto arrendou a localidade em que a gente morava. Nós perdemos todo o território, 54 mil hectares de terra. Meu avô queria que a gente fosse pra outra região onde tem índio, mas meu pai não quis. Fomos viver fora da terra. Quando foi 1975 apareceu uma tia que estava desaparecida, com um mapa da nossa terra, que tinha sido guardada por Basílio. Fui colocado como a liderança para reunir as famílias para voltar para terra. Ocupamos uma área de 1700 ha, terra boa, mas não tinha água. O Juiz deu favo-

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Nailton Pataxó Hã Hã Hãe10 TERRA INDÍGENA CARAMURU CATARINA PARAGUASSU, ITAJU DA COLÔNIA (SUL DA BAHIA).

rável. O Antônio Carlos Magalhães disse que tinha que tirar os índios antes da eleição, minha família não aceitou a transferência.

Um tio matou um cara que queria ser cacique. Não me conformei. A Funai disse que eu não podia entrar na área. Ficamos até 1997, com várias reintegrações, polícia batendo em nós. Galdino foi para Brasília por conta da terra, foi quando botaram fogo nele. Um parente nosso naquela situação... a gente disse que não ia mais viver reintegração.

Nós ocupamos a fazenda paraíso, depois ocupamos dez fazendas de uma vez. Morreram dois policiais, aí eles nunca mais quiseram enfrentar nós. O carro caiu na buraqueira. Nós resolvemos que a cada vez que viesse reintegração, nós iríamos ocupar outra fazenda.

Em 19 de abril de 2012, nós tínhamos feito 362 retomadas, retirando fazendeiro de dentro na nossa área. Nós conseguimos fazer o que a FUNAI levou 30 anos com uma ação pra nossa área.

Nós tivemos a escola de formação de lideranças, nós formamos muitos guerreiros, guerreiro bravo, os jovens acreditaram na minha orientação e eles botaram os fazendeiros pra correr.

Nós estamos avançando. Minha implicância de tá transmitindo pro povo é a autodemarcação. Nós pegamos as foices e fomos marcar a extrema da nossa terra, quem fica dentro tá sabendo que tem que sair. Pudemos tirar uma agenda de compromisso, onde é possível um por um primeiro. E ninguém vai ficar com inveja, porque hoje é o índio, amanhã é o negro. Tô com 71 anos, pois tô aqui no Maranhão. Eu nunca tinha dormido em rede, lá pra nós é cama. Eu virei velho ainda novo, porque os velhos morreram, com 42 anos de liderança. Quando vejo muita gente assim como tem aqui, me recordo que nós fizemos as retomadas com 800 participantes, ocupamos 10 fazendas.

Na minha cabeça só vai a gente junto. Se parente achar que a justiça vai dar alguma coisa pra gente, não vai. Uma vez eu estava no INCRA, vi um pessoal dos quilombos dos Macacos, estavam esperando que o INCRA ia desapropriar a terra deles.

A solução do problema tá aqui, cuidar da cultura... Os jovens têm que estar atentos, aprendendo a cultura com os anciãos. A gente tem que se cuidar para não morrer.

Nossa área foi demarcada, piquetada, peri-

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ciada, o governo não pagou, isso é problema deles.

Eu me criei vendo tambor, vendo as pessoas trabalharem, o guia dessa Velha Neném que eu tô falando disse: “vai demorar, vai ser gente presa, mas a chave tá com você, você vai ganhar” Os encantados, os mensageiros de luz, foram os espíritos que ajudaram a gente. Uma velhinha daquela aí tem (aponta para uma senhora no grupo) não sei quantos encantados que estão com ela. É só tomar os banhos na hora certa. Falar dos encantados, todos nós temos um encantado, é só preciso cuidar de cada um dos nossos, tomando os banhos cheirosos com resina de jatobá, ervas e etc.

No artigo 231 da Constituição Federal, no artigo que trata dos povos indígenas, reconhece a nossa própria forma de organização, fala nossa língua, nossos costumes, somos povo, temos cultura. Diz que o Estado tem a obrigação de demarcar nossos territórios, mas como ele não faz, nós temos que fazer autodemarcação. É muito importante cada um fazer a plantação, para manter a nossa alimentação armazenada, pois com a situação que está implantada no nosso país, precisamos cuidar de nós mesmos. É muito importante um Encontro da Teia, para fortalecer a nossa articulação e discutir estratégias de luta, não devemos nos manter tranquilos e devemos nos manter firmes para lutar contra as pessoas que fizeram aquela situação com os Gamella. Nosso povo está distante, mas se for necessário sair podemos vir aqui e fortalecer a luta aqui no Maranhão. Encerro minhas palavras trazendo um dos cantos de nosso encantados.

“Na minha aldeia tem beleza, sei plantar, eu tenho o arco e tenho a flecha para lutar...viva Je-

sus...viva Jesus. Guerreiro vem vê, guerreiro vem cá, guerreiro vem ver a tua aldeia como está... ôô. Ô Guerreiro vem ver, ôôô Guerreiro vem cá.”

Fátima Barros11

TERRITÓRIO ILHA DE SÃO VICENTE, ARAGUATINS/TO

O momento é terrível, é uma conjuntura cruel, né? Cruel quando a gente imagina que em 10 anos assassinaram 300 mil jovens negros. Então isso é de uma violência tão grande, é tão cruel pensar nisso. São... um número maior do que em qualquer guerra e estão matando a juventude, estão matando o futuro, então é terrível, é bárbaro, mas as condições do homem negro, da mulher negra, das crianças negras no Brasil sempre foram precárias. Essa é uma pauta que não é uma pauta de agora, a gente sempre tá colocando o momento tá terrível, o momento é de luta e é de união também, mas assim para o povo negro nunca houve um refrigério, viver como negro no Brasil sempre foi viver no limite o tempo todo, sempre foi viver tendo que debater, tendo que lutar, tendo que fazer um dia de cada vez, porque nada para o negro é por acaso ou fácil. Nós somos cerca de 63% da população brasileira que é composta de afrodescendentes, esse é o maior número de negros fora da África. É o país com o maior número, mas no entanto não é o país que respeita essa diversidade étnica, é um país que continua negando o nosso direito, inclusive o direito de existir. Então viver como negro no Brasil é um desafio, consequentemente é um grande desafio, e viver como mulher negra talvez seja um desafio maior do que viver como homem negro, porque nos mulheres negras somos a base dessa pirâmide social. Somos nós que temos os piores empregos, somos nós que criamos nossos filhos nas piores condições, somos nós que temos que visitar, ver

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nossos maridos encarcerados, nossos filhos encarcerados. Então todo esse processo de violência… ele se volta contra o povo negro sim. Nossos territórios, eles são nossos por direito, o que a gente está exigindo do governo e do Estado Brasileiro é que devolva e que titule, regularize os nossos territórios, mas eles são nossos pela relação que nós temos com a terra, pela relação histórica que nós temos com esses territórios, pela forma como nós sempre cuidamos e vivemos nesses territórios, então por isso que esses territórios são nossos. A família, a minha família, ela tem toda uma história respaldada, e a gente sempre diz: a gente não precisa que outro respalde a gente. Porque quem respalda uma família quilombola, quem respalda uma liderança quilombola é a sua própria história, quem respalda um quilombola é a sua própria história, é sua própria ancestralidade, é a forma de po sicionamento e a relação que nós temos com a nossa história. Então nós temos uma relação e a decisão é retomar os territórios, e isso dar-se-á sim em forma de conflito e a gente já compreende isso, que não tem saída, que não tem saída dentro de aceitar o que o estado quer fazer com a gente, que é levar a gente ao cansaço, é vencer a gente pelo cansaço, e isso não acontecerá, não acontecerá.

Para nós o território quilombola ele é a nossa vida, é a nossa casa, é onde a gente cria os filhos, é onde a gente tem a identidade, é onde a gente ensina os filhos da gente o que é que eles são de fato, é onde a gente

viver como negro no Brasil sempre foi viver no limite o tempo todo, sempre foi viver tendo que debater, tendo que lutar, tendo que fazer um dia de cada vez, porque nada para o negro é por acaso ou fácil.

se reconecta com os nossos ancestrais, é o espaço de vida. E o território é tudo pra gente, é a nossa vida, sem o território, um quilombola não é nem quilombola. Então o território é tudo,é o começo, o meio e o fim.

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Foto: Zeqroz Neto Foto: Anouk Mulard
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Foto: Zeqroz Neto Foto: Verena Glass

“Oh dá licença dona casa, eu já cheguei, eu sou mourão, sou mourão que não bambeia (bis). Eu vim aqui foi meu pai que me mandou, e abalou, abalou, abalou (bis).”

“Vamos, vamos, minha gente, que uma noite não é nada, quem chegou foi a Teia, no romper da madrugada! Vamos ver se nós acaba, com o resto da empreitada!”

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Foto: Andressa Zumpano Foto: Zeqroz Neto

NO ENCONTRO DAS ÁGUAS NA COMUNIDADE ÁGUA RIQUINHA

DE ONDE VIEMOS, QUAIS RIOS PERTENCEMOS, QUAIS SUAS PROBLEMÁTICAS COM ÁGUA?

A Teia mergulhou nas águas da resistência ao fazer o convite aos participantes do Encontrão na comunidade Água Riquinha a mergulhar também, e trazer as memórias, sensações, histórias, a relação com os rios, igarapés, lagos e as problemáticas que estes enfrentam para continuar gerando vida.

O Rio Novo foi representado por moradores da cidade de Paulino Neves (MA) e cantaram uma música que fala das belezas, riquezas e problemas do Brasil. Dona Maria Helena disse que a origem do povo da cidade vem dos Tremembé e Caripuna. O Rio Novo vem sendo afetado pela implantação do Parque Eólico no município. O conjunto de torres de geração de energia, juntamente com a construção de usinas e estradas, alteraram a dinâmica de circulação da água e demais espécies animais e vegetais. As lagoas situadas nos campos de dunas

estavam entre os principais locais de desova dos cardumes que subiam o rio e por meio dos canais e alcançavam as lagoas para realizar a desova nas enxurradas. Para a implantação de uma subestação de energia, uma dessas lagoas foi aterrada, gerando inúmeras perdas às comunidades locais, que tem na atividade de pesca uma das suas principais fontes de reprodução. Além disso, os pescadores também denunciaram as restrições de acesso impostas pela empresa eólica tanto às lagoas situadas entre as dunas, como às áreas de praia. O povo, representando o Rio Parnaíba, ao receber a faixa Nós Somos Viver Bem, cantou “Vai dar tudo certo”, junto com outras músicas da região, incluindo um ponto de Oxum. O Parnaíba constituiu no passado o elo de ligação entre os povos, quando os caminhos eram os rios, a exemplo do povo Tremembé, no trânsito entre o Maranhão e o Ceará ao longo dos séculos XIX e XX. O bispo D. Valdecir falou sobre a problemática das barragens na região. Três Encontrões da Teia foram sediados por comunidades próximas ao Rio Parnaíba - Forquilha, Alto Bonito e Cocalinho - que travam fortes batalhas para garantir seus territórios tradicionais. O Rio Parnaíba sofre forte pressão de empreendimentos ligados principalmente ao agronegócio da soja e do eucalipto.

Quando chamaram o Rio Tocantins, foi cantada uma música que fala das mulheres que vivem nas margens do rio: “quando se quer ser mulher a luta constrói”! A luta dos povos dessa região é pela preservação dos rios e pela manutenção de sua cultura, os quais são ameaçados pelo agronegócio (por exemplo: a plantação de eucalipto). A empresa Suzano Papel e Celulose tem atuado fortemente na região tocantina para ampliação dos plantios

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Foto: Verena Glass

de eucalipto. A ação de fazendeiros ligados à pecuária extensiva constitui elemento da história da região, que pela ação de expulsão dos camponeses e destruição da floresta contribuem para destruir o Rio Tocantins. No Rio Itapecuru vivem as quebradeiras de coco babaçu, pescadores e artesãos. Mateus, de Santa Rita, integrante do GEDMMA cantou a música Eu Sou Feliz na Comunidade: “a nossa comunidade luta por libertação, para formar uma corrente e quebrar a opressão”. O vale do Itapecuru compreende uma das áreas de ocupação colonizadora mais antigas do Maranhão, assim grande parte das comunidades quilombolas no estado concentram-se nessa área e seguem em processo de luta por reconhecimento de seus direitos territoriais. O rio Itapecuru é responsável por abastecer com água cerca de 60% dos lares da capital do Maranhão, contudo agoniza, seja pela ação do envenenamento das suas águas, promovida pelo agronegócio da soja e da cana-de-açúcar desde as nascentes até o médio curso do rio, seja pelas inúmeras cidades aos quais banha e de quem recebe toneladas de esgoto ao longo de todo seu percurso até chegar ao mar.

A HISTÓRIA DA COMUNIDADE DE ÁGUA RIQUINHA,

PAULINO NEVES - MA

Seu Benedito12

COMUNIDADE ÁGUA RIQUINHA, PAULINO NEVES - MA

Atuei nas Comunidades Eclesiais de Base e na Luta Sindical na década de 60, minha família trabalhou na construção de Água Riquinha desde a minha bisavó. As mulheres colhiam água no rio em potes feitos de barro.

O Encontro da Teia é como algo inesperado,

nunca que Água Riquinha receberia uma quantidade tão grande de gente; que agora dá para as pessoas entenderem o movimento, a caminhada que eu fiz pela Igreja Católica.

Luísa Candea de Sousa vinda da região de São João da Cardosa foi a mãe de 6 filhas (Sabrina, Maria, Juana, Luzia, Isabel, Justina) e 2 filhos (Manuel Candea e José Candea) que fundou a comunidade de Água Riquinha em meados do século XIX (1861), no município de Paulino Neves – MA, que atualmente possui um território de aproximadamente de 1.713 ha, e nós temos o título dessa terra pelo ITERMA quando eu era presidente da associação de moradores da nossa comunidade, durante 14 anos. No tempo da fundação da comunidade, nossos ancestrais enfrentavam a escravidão dos povos negros e os indígenas que já habitavam o território, foram expulsos para a região de Fortaleza – CE.

Luísa Candea e sua família encontraram no território de Água Riquinha terra fértil, a abundância de água e rios belíssimos desde sua nascente à chegada no rio São João, território que já era colonizado pelo Arthur Ataíde que se dizia dono das terras. O nome da comunidade ficou como Água Riquinha porque existe no território duas águas, ricas e independentes. Desde a chegada dessa família, a nossa co-

ÁGUA 46
[...] encontraram no território de Água Riquinha terra fértil, a abundância de água e rios belíssimos desde sua nascente à chegada no rio São João [...]

munidade cresceu como se fosse uma aldeia indígena Tremembé já que os casamentos eram realizados internamente na comunidade com pouca interferência de gente de fora do território, e hoje já somos cerca de 300 pessoas. Estamos felizes porque somos uma grande família comunitária descendente da família de dona Luísa Candea e suas filhas e filhos.

Nossa raíz ancestral é Tremembé, principalmente, na região da Tutóia velha onde era o território tradicional e depois os indígenas foram expulsos pela colonização. A Santa da Tutóia velha é uma índia e essa região era composta pelas famílias dos Ataíde, Neves e os Vera. Quando o território de Tutóia Velha foi colocado no mapa, ela estava cercada por 42 fazendas e 12 engenhos de açúcar.

Nossas principais atividades econômicas que estão ligadas a nossa ancestralidade são as roças e a pesca. As nossas casas não eram de alvenaria, isso chegou junto com a associação de moradores da comunidade, junto com a nossa escola e a igreja católica também.

O CONTEXTO DA REGIÃO ONDE ESTÁ LOCALIZADA ÁGUA RIQUINHA

Seu Zezé13

PESCADOR ARTESANAL, TUTÓIA/MA

Quanto ao último encontro da Teia na região, eu fiquei muito surpreso com a questão da Água Riquinha, porque quando a gente começou ali os primeiros encontros, a gente chamava o povo, o povo estava meio arredio, a gente até ficou meio preocupado se eles iam participar integralmente como participaram, mas a surpresa é que eles vieram, participaram. Quanto aos pescadores, eles são muito

arredios para participar da reunião, para participação, mas ali todos aqueles que eu conversei a respeito, eles ficaram muito animados, se animaram muito com a forma da Teia e eu acho positivo. Já venho participando há vários encontros e eu tenho ali aquela função de também falar da Pastoral da Pesca né, que é por onde a gente começou como participante da Pastoral da Pesca e a gente continua lidando com as situações, embora muito difícil, ainda mais agora com toda essa questão da Covid que não deixa reunir. Mas a fé é que logo, logo… isso aí passe e possa se encontrar, possa estar discutindo os assuntos que não são poucos que estão aparecendo aí.

Uma questão que está chamando muito a minha atenção e preocupação é com a questão eólica. Eles agora estão elaborando um projeto que deve sair de Paulino Neves para levar linha para o porto de Pecém, no Ceará. Eles vão usar todo o território da Praia. Não sei se vai ser por terra, se vai ser por água. Está tudo nebuloso, não tem nada explicado, mas as expectativas é que eles vão levar esse linhão até o Ceará e a nossa região aqui ela é muito pescada por terra. É uma área bastante espraiada e muita gente passa por terra, com muita rede, caçoeira, goseira e linha de diversas formas e nós temos aqui um manguezal que vai até Parnaíba, é um berçário. Que eles possam levar essas linhas por dentro do mangue vai ser muito difícil pra pessoas que sobrevivem ali do caranguejo, do camarão, do siri, do marisco, de toda a riqueza que tem no mangue. Vai ser muito difícil pra essas pessoas lidarem com esta linha onde ela vai passar. Então é uma preocupação a mais que a gente está tendo agora, deixando aqui em primeira mão para vocês aí.

A TEIA NAS ÁGUAS DA RESISTÊNCIA, RECONTA SUA HISTÓRIA: ANCESTRALIDADE, TERRITÓRIO, AUTONOMIA, BEM VIVER. 47
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Foto: Verena Glass Foto: Verena Glass Foto: Verena Glass Foto: Verena Glass Foto: Andressa Zumpano

correr, o nosso dia a dia é muito sobre isso, essas questões aí. A colônia até tenta organizar, chama, conversa, mas o resultado é muito pequeno ainda, então a gente fica muito a mercê das ações aí.

Em relação a nossa identidade Tremembé, Tutóia foi um grande aldeamento dos Tremembé, está apagada essa identidade porque muitas coisas ocorreram e hoje a situação é bem diferente daquele período. Então muita gente fica ali e às vezes nem tem essa árvore de família, de onde vem, de onde participa e então as pessoas ficam soltas. É preciso fazer um trabalho para que as pessoas se achem nesse contexto, porque tem que lidar com essas situações, afinal a gente tem um começo e se a gente tem um começo, a gente vem de uma linhagem e Tutóia foi muito forte no passado, essa questão indígena dos Tremembé é por isso que essa fala aqui é muito forte nessa região, inclusive ali em Água Riquinha, que tem pessoas antigas que também “só falta a identidade para eles”.

OS GRANDES PROJETOS E OS IMPACTOS NA VIDA DOS POVOS NA REGIÃO DA DIOCESE DE BREJO.

A diocese de Brejo compreende os municípios de: Araioses, Anapurus, Água Doce, Afonso Cunha, Barreirinhas, Belágua, Brejo, Buriti, Benedito do Rio Preto, Chapadinha, Coelho Neto, Duque Bacelar, Mata Roma, Magalhães de Almeida, Milagres do Maranhão, Paulino Neves, Tutóia, Santana do Maranhão, São Bernardo, Santa Quitéria e Urbano Santos.

A região do Baixo Parnaíba Maranhense tem

ocupação recente, 150 anos, segundo a história oficial, mas sabemos que o povo Tremembé já ocupava a região há muito tempo, assim como os povos Anapuru Muypurá, Canela, Araio, expulsos e massacrados pelo processo de colonização. Hoje sabemos que esses povos não foram extintos, conforme nos quer fazer acreditar a narrativa colonizadora, mas adotaram o silenciamento como estratégia de continuar vivos.

No final da década de 80 e 90, acontece a chegada da monocultura da soja, trazendo a destruição do meio ambiente, poluição das águas dos rios e do mar, a expulsão do homem do campo, do mar. Na década de 1970 se instala, na região do município de Urbano Santos/ MA, o cultivo do eucalipto através das empresas MAFLORA, MARGUSA e Florestal Paineiras, causando grave desmatamento da vegetação nativa (cerrado), o desaparecimento de várias nascentes e riachos, explorando a mão de obra local em situação análoga à do trabalho escravo. Atualmente, a Suzano Energia Renovável é quem detém a produção de eucalipto na região, mas sem poder abrir e cultivar novos campos.

O grupo pernambucano João Santos trabalha com o cultivo de bambu para a produção de celulose, cana para a produção de açúcar e álcool, expulsando a população rural nos municípios de Coelho Neto, Buriti e Duque Bacelar para a periferia.

Atualmente a região enfrenta os problemas causados pelas empresas ÔMEGA e ARGO que implantaram o Parque Eólico, em Paulino Neves/MA, geraram o fechamento dos canais de alimentação das lagoas, a remoção de dunas, dificultando o acesso às áreas de pesca, im-

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pedindo os pescadores de exercer seu ofício, de utilizarem antigos caminhos de acesso às praias que antes eram feitos a pé, forçando-os a criar novas rotas de acesso bem mais distantes e a compra de barcos com motor rabeta. As linhas de transmissão de energia das empresas eólicas citadas impactam drasticamente dezenas de comunidades que tiveram seus territórios invadidos, roças destruídas. A comunidade de Lagoas, no município de Belágua/MA, foi a única que resistiu para que o linhão de transmissão de energia não passasse por seu território, hoje responde processos judiciais impetrado pela empresa ÔMEGA.

[...] o Parque Eólico, em Paulino Neves/MA, gerarou o fechamento dos canais de alimentação das lagoas, a remoção de dunas, dificultando o acesso às áreas de pesca, impedindo os pescadores de exercer seu ofício, de utilizarem antigos caminhos de acesso às praias que antes eram feitos a pé, forçando-os a criar novas rotas de acesso bem mais distantes e a compra de barcos com motor rabeta.

Apesar de todos esses empreendimentos econômicos impactando a vida das pessoas e os territórios, as comunidades continuam resistindo. Resistem com o apoio e as parcerias, como a Diocese de Brejo, Sindicatos, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) e várias outras entidades que têm contribuído com o empoderamento das comunidades para resistir e retornar à sua autonomia e seus modos de vida tradicional.

No município de Tutóia/MA, a empresa DRAGAMAR (agora OCEANA) está escavando o fundo do mar para a mineração de calcário marinho prejudicando a pesca artesanal, alterando as correntes marinhas e ameaçando a vida e a

segurança alimentar de centenas de famílias. Em relação aos impactos causados pelo agronegócio (soja, milho e eucalipto) na região, identificamos que mesmo esses empreendimentos estando distante cerca de 80 km em linha reta, do rio Parnaíba, tem afetado as águas do rio pelos venenos lançados nos campos às suas margens. Todos os cursos d’água estão sendo envenenados e se ligam uns aos outros. Em 2009, o Fórum de Defesa da Vida no Baixo Parnaíba Maranhense apresentou uma denúncia ao Ministério Público Federal e, este entrou com uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a empresa Suzano e a decisão foi positiva. Com a decisão em vigor, a empresa continua impedida de plantar eucalipto na área.

Em Água Riquinha, assentamento do ITERMA, onde achamos que já estava mais tranquilo, na preparação da Teia soubemos da notícia de que um Coronel aposentado está questionando todos os assentamentos da região e diz que é dono de mais de 100 mil hectares de terra nessa região, forte indício de tentativa de grilagem.

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Foto: Anouk Mulard

NAS ÁGUAS E NOS FIOS DA MEMÓRIA, SE TECEM HISTÓRIAS

MEMÓRIAS DOS NOSSOS ENCONTRÕES

A memória entrelaça os fios de um encontro a outro, com relatos de ações políticas, colorindo os feitos que carregam ensinamentos, deixando mostras das possibilidades e dos desafios das lutas, fazendo ressoar um grito de vida, permitindo que os contornos da Teia revelem sempre os traços dos caminhos trilhados no rumo da autonomia, dos projetos comuns, das permanências e transformações necessárias para a liberdade.

O pulso latente, o maracá erguido, a saia rodada, o corpo pintado, a lágrima corrida, o nó na garganta, o riso alto, o calor do sol, a água do igarapé, o cheiro da terra, o aroma da cozinha são entrelaçados nessa escrita da insurgência, fazendo da luta, caminho, laço, vida.

O ACAMPAMENTO NEGRO FLAVIANO EM SÃO LUÍS, DE 01 A 14 DE JUNHO DE 2011

O ACAMPAMENTO15

Kum’tum Akroá Gamella TERRITÓRIO TAQUARITIUA, VIANA/MA

Teia nasce naquele espaço de acampamento que por sua vez tem sua decisão, seu nascimento, na memória martirial de Flaviano. Esse foi um acontecimento germinal. Penso o assassinato de Flaviano como um tempo germinal que jogou luz atrás e projetou para frente. É nessa memória martirial e ancestral que nos encontramos para chegar até onde estamos hoje, que se junta os povos e tomam a decisão política de continuar ou melhor, de retomar

uma aliança que vem de longe, uma aliança contra a violência que é própria desse processo de colonização.

Rosimeire Diniz Santos (Meire Diniz)16 CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO - REGIONAL MA

Cheguei ao prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por volta das 17 horas, do dia 10 de junho de 2011. O auditório central estava cheio de homens e mulheres quilombolas, alguns indígenas e pessoas de entidades apoiadoras, como CPT, CIMI, NERA, Vias de Fato. Na entrada, já se sentia uma alegria contagiante, uma cantoria que misturava as sonoridades do tambor de crioula, com o maracá indígena. Uma energia muito forte! As mulheres de saias rodadas e coloridas bailavam com muita alegria e elegância o tambor de crioula. No meio dessas mulheres, estava Dária Krikati, vestida numa saia colorida, com os seus brincos de penas e miçangas grandes e coloridas, dançando um tambor com os quilombolas. Logo depois, um grande círculo se formou e os indígenas cantaram “pisa ligeiro, quem não pode com a formiga, não assanha o formigueiro”.

A alegria era pela saída de lideranças quilombolas e do Pe. Clemir Batista (CPT/MA) da situação de greve de fome. Depois de terem ficado três dias em jejum, representantes do governo confirmaram que iriam dialogar com os quilombolas sobre a pauta do movimento. Era uma energia contagiante! Conquistas importantes tinham sido alcançadas: a ampla visibilidade para a luta do Moquibom contra a violência e a insegurança no campo, a possibilidade de avançar na pauta política de regularização dos territórios quilombolas e a inicial aliança firmada com povos indígenas, quilombolas e entidades – fase embrionária do que viria se tornar a Teia.

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Essa aliança que emergia ficou marcada nos corpos negros com a tinta de jenipapo trazida pelos indígenas. Durante o acampamento, quase todos os quilombolas estavam com os grafismos indígenas no corpo. Um dos comentários que ouvi naquele dia foi: “como pode? meia dúzia de indígenas no acampamento, e quase todos os quilombolas pintados de jenipapo, parece uma grande aldeia”. [...]

A presença dos indígenas naquele acampamento representou uma novidade e causou incômodo para os agentes do estado. Funcionários do INCRA diziam: “o que esses índios estão fazendo aqui? Por que eles estão juntos, se as pautas são diferentes? Não tem nenhuma pauta indígena aqui no Incra. Não temos nada a ver com os indígenas”.

O movimento de indígenas e quilombolas juntos, “sem sentido” para representantes do Estado, ganhava um sentido preciso e precioso no Acampamento, o caráter público daquele local era reinventado em rodas de conversa, as possibilidades de falar se instalavam em “solo” estatal. Incompreensível para os limites do pensamento individualista que se alastra junto com as fazendas, estradas, linhões e lixões. Mas compreensível aos olhos daqueles que estavam lá para compor um lugar de lutas comuns.

do. No acampamento no INCRA, se fortaleceu junto com os outros povos, porque a cobra quer devorar a todos. Me fortaleci para a luta naquele momento do INCRA. Estou aqui encorajada para lutar pelo meu povo.

Zilmar, Quilombo Charco, São Vicente de Férrer/MA conta:

Funcionários do INCRA diziam: “o que esses índios estão fazendo aqui? Por que eles estão juntos, se as pautas são diferentes? Não tem nenhuma pauta indígena aqui no Incra. Não temos nada a ver com os indígenas”.

Conseguimos trazer Ministros para o INCRA pra saber das nossas exigências pela greve de fome. Foi uma honra lutar. Foi assim que fizemos acontecer. Não devemos ter medo de lutar. Se não lutar, não vamos ter nada. Uma alegria conviver com os irmãos que estão sofrendo juntos. Para o MOQUIBOM, hoje os povos são uma família. “A gente tá sofrendo, mas temos que sorrir, temos que nos animar para a luta”. “Eu tô aqui porque fiz um compromisso com uma pessoa da minha comunidade para mim continuar o que estava fazendo se ele fosse morto.” “Não passou pela minha cabeça medo de morrer, mas passou por mim o medo de perder a comunidade”. “Perdemos ele, mas ganhamos muita coisa. Ele não morreu, mas passou de uma vida para outra e ele fez muito, Flaviano que está hoje nessa luta”... Não podem parar, mas continuar felizes na luta.

As memórias dos fios que se entrelaçam no Acampamento seguem na bagagem daqueles e daquelas que tecem…

Dária Krikati, se refere a esse momento:

Os indígenas têm seus problemas, mas vão levar as coisas boas, o que está sendo discuti-

“Ê meu pai quilombo eu também sou quilombola, a minha luta é todo dia e toda hora (bis). Ê meu pai quilombo Flaviano não morreu, ele tá vivo e tá na luta aqui mais eu!!”(bis)

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“Ê meu pai quilombo eu também sou quilombola, a minha luta é todo dia e toda hora (bis). Ê meu pai quilombo Flaviano não morreu, ele tá vivo e tá na luta aqui mais eu!!”(bis)

Foto: Zeqroz Neto

O FEIXE DE VARAS COMO A FORÇA DA COLETIVIDADE NOS PROCESSOS DE RETOMADAS

Encontrão da Teia, em Mangabeiras, Santa Helena - MA, de 12 a 14 de novembro de 2013

“Temos que ser resistentes como o feixe de varas”.17

“Sobre o fecho de pau, foi uma ideia onde o grupo todo tentou quebrar o fecho e não conseguiu. Os povos têm que ser assim, fortes, felizes.”18

A resistência como união de forças marca as memórias sobre o Encontro dos Povos e Comunidades em Mangabeiras, no ano de 2013, em que a metodologia do feixe de varas, vivenciada pelos participantes, deixou clara a importância da unidade na luta política dos povos, rspeitando suas diferenças culturais. Consolidando-se como imagem da resistência que a coletividade torna possível, inquebrável pela força dos laços que fazem de pequenas varas unidas, um caule frondoso.

No chão em que se tece a Teia, as falas vem da força coletiva das retomadas, dos passos dados, das encantarias, da mãe palmeira, dos sentimentos compartilhados que se expressam no feixe de varas que resiste fortemente às tentativas de quebrá-lo.

Duas abordagens marcaram o encontro: a dinâmica com o feixe de varas e as discussões sobre o Bem Viver. A simbologia do feixe de vara, referenciada por pessoas que participaram do encontro, é uma dinâmica que consiste em pegar uma vara de maniva da mandioca para uma pessoa quebrar. Duas manivas, para uma pessoa quebrar; um feixe, com mais manivas, e uma, duas, três e mais pessoas juntas conseguirem quebrar.

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Emília Leite, quilombola, do Território Quilombola Santo Antônio do Costa, São Luiz Gonzaga/MA, articuladora do Moquibom na Teia, diz que sempre que pensa nesse encontro, lembra dessa dinâmica19:

“Em várias comunidades tinha informação de uma atividade que ia acontecer no Centro Mangabeira, em 2013, que era do movimento Moquibom. A diocese perguntou se eu poderia participar. Aceitei e fui. Tinham muitas comunidades quilombolas do Maranhão e outras comunidades de outros estados do Brasil e vários povos indígenas do Maranhão. Dos 11 povos do Maranhão, sete estavam presentes. Ainda não usávamos essa denominação de Teia, foi um encontro dos povos e comunidades tradicionais, falamos das nossas lutas, das nossas resistências, teve uma simbologia que nos representa bastante que foi o feixe de vara. O pessoal levou uma vara e conseguiram quebrar, depois foram colocando mais varas juntas e mais pessoas para quebrar e a gente viu que não conseguia quebrar. Foi marcante porque deu para entender que se nós nos unirmos, governo ou qualquer outra coisa que vier não vai conseguir nos vencer”

espaço comum de partilha de sofrimentos e firmaram a necessidade do “levante”, que já estava ocorrendo em várias comunidades, mas que se potencializaria, ganharia força, se estivessem juntos. E na perspectiva da unidade, novos encontros foram marcados e a noção de Bem Viver e unidade na luta foram sendo fortalecidas e levadas para os territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais 3

“Temos que ser resistentes como o feixe de varas”.

As memórias da importância da luta coletiva continuaram sendo trazidas nos Encontrões

seguintes:

Edimilson Reis (Ribal)20

Na retomada do território na comunidade de Janaubeira-Benfica, em 2013, iniciou com um acampamento que ainda hoje resiste. Ribal disse: “Temos que ser resistentes como o feixe de varas… Cada vez que vamos para um encontro, uma atividade, a gente se fortalece mais... Quando estamos ao lado do companheiro, a gente se torna mais forte… Se a gente se unir, a gente fica mais forte”.

A simbologia do feixe de vara mostrou que as lutas de resistência de povos e comunidades estavam acontecendo no Maranhão, só que de forma isolada. Uma comunidade que luta isolada é mais fácil de ser vencida. O feixe de varas e a tentativa quebrá-lo fortaleceu as perspectivas gestadas no Acampamento (refere-se ao acampamento do INCRA de 2011), quando quilombolas e indígenas forjaram um

Durante o encontro, agradeceu à família mãe MOQUIBOM, que colaborou com defensores/ advogados para estarem presentes na audiência e continuou: “Não é porque estamos assentados, que baixamos a cabeça, continuamos na luta, colaborando com outros companheiros”.

Zilmar21 , quilombola, comunidade Charco, São Vicente Férrer/MA, (Trecho do Relatório VI Encontrão - Território Forquilha - nota de rodapé). se refere a 2013 trazendo a retomada do quilombo do Charco: “A gente juntou o MOQUIBOM e pensamos numa solução para

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3 (SANTOS, 2019)

tirar eles dali. Acampamos dentro do curral deles e nos mudamos pra dentro. Mandamos recado para eles tirarem em um mês o gado…

A gente mexe farinha pra eles e eles vendem e recebem muito dinheiro do nosso trabalho [...].

A comunidade acampada já estava sem comida, e resolveram matar uma vaca para comer. Eles correram e tiraram o gado. Se a gente quer ficar no território, tem que ter coragem.”

Ezequiel22, quilombola, comunidade São João da Mata, Território Retiro, Anajatuba/MA, (Trecho do Relatório VI Encontrão - Território Forquilha - nota de rodapé). também relata um feito de luta, quando César Pires entrou e cercou a área do território deles. “Fui de casa em casa, pra arrancar os mourão que ele tava colocando… Não se briga um só, mas tem que se juntar mais gente pra lutar. Chamei todos. Comeram boi no processo de retomada. A casa que César Pires fez foram as mulheres que derrubaram. Precisa a juventude, mulheres, homens se engajarem na luta. César Pires, Ivo Gomes, deputados estaduais que são os maiores latifundiários. A luta tem que ser feita pelos povos. Em Anajatuba, têm 21 pessoas presas por conta da luta pela derrubada das cercas nos campos. Essa luta é nossa, essa luta é do Povo. Foi excelente nossa luta.” E a Teia vai se inscrevendo assim, pelas mãos de gente que cultiva coragem, perseverança e fé na força coletiva, na autonomia e nas retomadas.

“NOSSA ESCRITURA SÃO OS NOSSOS PÉS”

Encontrão da Teia na comunidade do Taim, São Luís - MA, 26 a 28 de novembro de 2014.

Raimundo Moreira, Território Santa Maria do Moreira, Codó (MA) diz que uma das frases que

Os pés [...] já vinham marcando o chão, a terra, profundamente, fazendo da relação de pertencimento, de conhecimento, o laço duradouro que a tinta não pode apagar, que o barulho não conseguiu silenciar.

Tá lá, na raiz profunda do território, no velho buritizal, na água que insiste em brotar. Tá aqui, lembrando a profundidade da vida.

marcou muito esse encontro foi a de Demetriz Gamela: “Nossa escritura são os nossos pés”. Os pés marcaram Raimundo no encontro do Taim e já vinham marcando o chão, a terra, profundamente, fazendo da relação de pertencimento, de conhecimento, o laço duradouro que a tinta não pode apagar, que o barulho não conseguiu silenciar. Tá lá, na raiz profunda do território, no velho buritizal, na água que insiste em brotar. Tá aqui, lembrando a profundidade da vida.

A frase ressoa de troncos velhos, de raízes profundas ao encontro daqueles que não sentem mais o toque do chão… que se asseguram na verdade falha das paredes e dos papéis... do carimbo, das autoridades arbitrárias…

Demetriz Gamela23 conta que: “O povo começou a sentar o pé. Quando a gente vai. Nossa escritura são os nossos pés. Cada hora conhecemos pessoas que estão no mesmo barco. Já nos sentimos mais seguros. Já nos

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Foto: Zeqroz Neto Foto: Verena Glass Foto: Verena Glass
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Foto: Verena Glass Foto: Ronilson Costa Foto: Zeqroz Neto

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