adolescentes Bullying [texto] Ana Sofia Rodrigues [ilustração] Fotolia
Tipos de bullying Pode ser exercido bullying físico, verbal, psicológico, social ou relacional. E, às vezes, os autores combinam todos eles, numa mistura explosiva
O termo bullying banalizou-se na linguagem quotidiana, mas ainda subsiste muito desconhecimento sobre o tema. Com o aumento da violência em geral, infelizmente, não se perspetivam tempos de bonança.
Que
violência
é esta?
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I
ntencional. Prejudicial. Repetido ao longo do tempo. Estas são palavras e expressões incontornáveis quando se fala de bullying. Susana Carvalhosa, uma das investigadoras portuguesas que estuda há mais tempo este fenómeno, alerta: “Nem todas as situações que são apresentadas nos meios de comunicação social são exemplos de bullying. Obviamente que são graves, mas várias vezes são agressões pontuais”. E esclarece: “Para que haja bullying é necessário que haja intencionalidade de causar dano e humilhar a vítima e há um desequilíbrio de poder, através do qual o agressor pretende obter vantagens sociais de liderança perante os pares. E, muito importante, acontece repetidamente, ao longo do tempo”. Seria muito difícil listar todos os comportamentos possíveis numa situação de bullying. Como refere Allan L. Beane, especialista e consultor internacional sobre o tema, no seu livro Proteja
o seu filho do bullying (Porto Editora), “em termos de crueldade, as crianças conseguem ser incrivelmente criativas”. Desde bater, empurrar, roubar, beliscar, atirar com coisas, a insultar, troçar, ameaçar e amesquinhar, passando por excluir alguém de um grupo ou espalhar rumores maldosos pelas redes sociais... Pode ser exercido bullying físico, verbal, psicológico, social ou relacional. E, várias vezes, os autores combinam todos eles, numa mistura explosiva, que pode levar a que o alvo, em situações limite, tente mesmo o suicídio. Um estudo divulgado, no início do ano, pela Unesco, revelou que dois em cada dez alunos são vítimas de bullying. São cerca de 246 milhões de crianças e adolescentes, no mundo inteiro. No que toca ao chamado cyberbullying, segundo o mesmo estudo, nos últimos três anos, as denúncias aumentaram 87 por cento em todo o mundo. Só na Europa, onde mais de 80 por cento
Dois em cada dez alunos são vítimas de bullying. São cerca de 246 milhões de crianças e jovens, no mundo inteiro das crianças e adolescentes entre os cinco e os 14 anos têm telemóvel, o cyberbullying aumentou de oito por cento (em 2010) para 12 por cento (em 2014), entre as crianças dos nove aos 12 anos. Por isso, a Unesco exige uma resposta global centrada na prevenção e no combate a estes fenómenos: “Proteger as crianças do bullying não pode ser apenas um imperativo ético ou um objetivo das políticas sociais e de saúde pública. É uma questão de direitos humanos!”. Informação é essencial
É unânime a certeza de que o bullying afeta a saúde, o bem estar emocional e o rendimento escolar das crianças. Os alvos podem sofrer de distúrbios de sono, dores de cabeça e de estômago, falta de apetite, fadiga, baixa autoestima, ansiedade, depressão, vergonha e até pensamentos suicidas. Cicatrizes psicológicas e emocionais que podem ficar para a vida adulta. Os autores do bullying são igualmente afetados e, mais tarde, têm maior tendência para se envolverem em comportamentos de risco. No entanto, sendo um tema tão falado, o verdadeiro impacto destes atos parece ainda ser desconhecido por muitos, nomeadamente pelas www.paisefilhos.pt 53
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Há uma maior tolerância à violência por parte dos jovens, por isso são cada vez mais aqueles que a validam como resposta
Sinais de alerta Vários estudos revelam que mais de 60 por cento das vítimas de bullying não contam aos pais nem aos amigos o que se está a passar. Estar muito atento é meio caminho andado. Eis alguns sinais que podem indiciar que algo se passa com o seu filho: l Durante o fim de semana parece feliz, mas ao domingo à noite começa a ficar preocupado e tenso; l Durante a semana, queixa-se frequentemente de dores de cabeça, de barriga ou enjoos matinais, antes de ir para a escola; l Grandes alterações de humor:
maior abatimento, maior tristeza, mas também maior irritabilidade; l Alterações de sono e pesadelos; l Regressão em alguns comportamentos, como enurese noturna; l Sinais corporais – arranhões, nódoas negras, feridas – sem explicação; l Alterações alimentares, como perda de apetite; l Material escolar frequentemente danificado; l Baixa de rendimento escolar, como sinal de ansiedade e falta de concentração.
próprias crianças e jovens. Sónia Seixas, psicóloga educacional e investigadora com doutoramento na área do bullying e com vários livros publicados sobre o tema, visita frequentemente escolas em todo o país para sessões de formação e sensibilização. “Costumo mostrar vários vídeos de campanhas anti-bullying muito bem feitas. E o espanto em relação às consequências vê-se nas caras dos miúdos… Muitos dizem: ‘Nunca tinha pensado nisto…’ O primeiro passo é torná-los conscientes!”, defende. “Nas sessões, são eles que percebem que o bullying é um fenómeno maldoso e que deixa marcas. Ao estarem todos juntos a ouvir as mesmas coisas, quase que os obriga a tomar uma posição contra. Percebem que é errado e ficam com menos vergonha de atuar em prole da defesa das vítimas. Felizmente, a grande maioria dos miúdos nas nossas escolas são observadores. O nosso grande desafio é torná-los observadores ativos!”. Paralelamente, a formação dos educadores é 54 Pais&filhos março 2017
imprescindível. Muitos estudos revelam, por exemplo, que oito a dez por cento das denúncias feitas aos professores são ignoradas. Sónia Freitas, coordenadora do projeto anti-bullying “Houses of Empathy” da Associação Par – Respostas Sociais, chama a atenção: “Todas as escolas deveriam ter uma política anti-bullying. Os professores, técnicos e pais até podem ter muito boa vontade, mas a informação muitas vezes perde-se. Os adultos precisam de formação, sobretudo para desconstruirem algumas ideias que têm sobre o tema”. E exemplifica: “É muito frequente o bullying pela exclusão. E, enquanto adultos, quando vemos um grupo de miúdos que não se estão a ofender, nem a agredir-se, achamos que está tudo bem. Somos pouco sensíveis às situações de, por exemplo, não deixarem uma criança brincar com eles. O bullying pela exclusão acaba, muitas vezes, por ter danos mais graves do que uma agressão”. O ideal é prevenir
A prevenção poderia ser uma abordagem certeira. “Era fundamental haver políticas para trabalhar estes temas com as crianças desde o pré-escolar! De outra forma, estamos sempre a tentar tapar buracos. A intervir em vez de prevenir”, defende Sónia Freitas. Sónia Seixas partilha essa opinião. “Logo no jardim de infância começam a notar-se perfis, por um lado, com sinais de prepotência e, por outro, com sinais de submissão. No pré-escolar, a educação para as emoções era importantíssima. Há tantas dinâmicas que se podem criar para ajudar a desenvolver as competências emocionais, comunicativas, sociais, interativas, de empatia… Tornar a criança apta à relação com o outro é imprescindível”. Ainda mais no contexto dos dias de hoje, em que
Bom ponto de partida “Um lar com uma vida de qualidade pode influenciar de forma significativa a capacidade do seu filho se relacionar com os outros e de lidar com os problemas da vida”. Allan L. Beane, no seu livro “Proteja o seu filho do bullying”, deixa dez sugestões, que podem funcionar como fatores protetores. 1. Ensine-o a valorizar a regra de ouro: “Trata os outros como gostarias de ser tratado”. 2. Seja um bom exemplo, mostrando autocontrolo, bondade, empatia e sensibilidade.
3. Crie regras familiares consistentes e consequências para quem as quebrar. 4. Ensine o seu filho a respeitar a autoridade, começando por si. Isto implica não tolerar qualquer desrespeito e reforçar o comportamento positivo. 5. Incentive amizades de qualidade, com pessoas que sejam bondosas e que aceitem os outros. 6. Incentive a expressão de sentimentos. Ajude-o a desenvolver um vocabulário sentimental rico para que consiga expressar melhor o que sente. 7. Fomente uma autoestima positiva,
a agressividade e a violência ganharam terreno. Os estudos recentemente divulgados de violência de jovens no namoro e de violência dos filhos contra os pais são sintomáticos. O estudo da Unesco, citado no início deste texto, destaca, por exemplo, que um terço dos inquiridos acha o bullying normal e, por isso, não o denunciou. Há uma maior tolerância à violência por parte dos jovens, por isso são cada vez mais aqueles que a validam como resposta. “A agressividade ‘treina-se’ todos os dias”, afirma Ana Bispo Ramires, psicóloga clínica, especialista em psicologia da performance. E exemplifica: “Observamos isto nas pequenas coisas do dia a dia. Na forma como os miúdos entram numa loja e fazem dela um playground, danificando material e não respeitando o trabalho dos funcionários… Quando maltratam um animal… Quando levantam a voz aos amigos… Quando respondem mal aos avós e aos pais… Tudo isto é treino! Estão a aprender que aquele seu comportamento é admissível e aceitável, pois o adulto não os está a corrigir”. E desenvolve o “diagnóstico”: “As pessoas hoje em dia andam todas num limiar de sobrevivência, de burnout e de exaustão emocional violentíssimo e transversal. Muitas vezes, chegamos sem energia a casa, sem disponibilidade para ‘olhar’, identificar, que o que foi outrora um impulso, transforma-se a cada dia num comportamento treinado e adquirido...”. Sónia Freitas concorda: “Quando legitimamos estes comportamentos, estamos a dar uma mensagem poderosíssima à criança. Enquanto são pequeninos, vamos gerindo… mas depois quando crescem viram-se contra os pais”. Impor limites é, por isso, absolutamente necessário e preventivo. Sónia Seixas partilha a mesma opinião, mas desabafa: “Os pais, hoje em dia, estão em tantas
respeitando e estimando a sua natureza. Pesquise os pontos fortes do seu filho e certifique-se de que ele os conhece. 8. Ajude-o a aliviar o stress. Exercício físico regular ou técnicas de relaxamento podem ajudar, assim como uma dieta equilibrada e um diálogo interno positivo. 9. Incentive a ajuda ao próximo e o trabalho em equipa. 10. Tenha conversas com o seu filho sobre bullying. Por exemplo, sempre que vir cenas de bullying na televisão, discuta-as com ele e explique-lhe que não as deve tolerar nem participar nelas.
frentes, coitados… Não consigo censurá-los mais para além daquilo que eles já se autocensuram! Mas que os miúdos não estão a ser acompanhados, não estão. E está a dar muito mau resultado. Vemos alguns vídeos e pensamos: ‘Como é que é possível adolescentes serem tão violentos uns com os outros? E, em vez de terem vergonha do que fizeram, filmam, divulgam e vangloriam-se… Alguma coisa de muito errado se passa…”. A boa notícia é que se os comportamentos violentos são aprendidos também os mais positivos o podem ser. Solidariedade social, empatia, comunicação assertiva, gestão emocional, cooperação são, por exemplo, competências trabalhadas com sucesso pelo programa “Houses of Empathy” em casas de acolhimento de jovens, junto de um público muito vulnerável. Pensando concretamente nas questões do bullying, a coordenadora do projeto destaca a importância deste tipo de intervenção: “Os atuais jovens com falta de competências emocionais vão ser pais e irão perpetuar estes modelos. Temos que travar isto. Temos que começar numa geração, para garantir que as próximas já estejam mais preparadas”.
Objetivo principal “A grande maioria dos miúdos nas nossas escolas são observadores. O grande desafio é torná-los observadores ativos”, defende a psicóloga educacional Sónia Seixas
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