Alice Crowne - Lola

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Rose Madeo


Lola

Alice Crowne

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Informações Editoriais Todos os Direitos Reservados © Alice Crowne, 2016 Autora: Alice Crowne Layout: Anne Mendes Revisão, Diagramação e Capa: Luna Meyer


Sobre a Editora A Editora Parada Lésbica tem como foco principal ser um espaço de apoio e divulgação para a literatura voltada a mulheres homoafetivas, além de prestar apoio para as autoras deste segmento. Estamos vinculadas ao portal Parada Lésbica. Visite nosso site e saiba mais: http://editora.paradalesbica.com.br

Sobre a Autora Alice Crowne é formada em Propaganda e Publicidade e Letras e atualmente cursa mestrado em Imagem e Som com estudos de genero “gender and genre” voltados para o yaoi (genero de animacao japonesa sobre homossexualidade masculina). Grande fa de anime(animacao japonesa) e manga (quadrinhos japoneses) e autores de ficcao como Neil Gaiman, Fuyumi Ono e Charlaine Harris, inspira-se no mesmos para escrever fanfics e contos homossexuais.


Capítulo 1 Tinha 17 anos e cursava o último ano escolar em um colégio interno só para meninas. Os dias se seguiam tediosos e monótonos, não se podia rir, não se podia conversar ou distrair-se durante as aulas ou seríamos seriamente repreendidas pelas irmãs que lecionavam, dirigiam e até mesmo limpavam o local. E assim passei grande parte da minha vida, falava pouco, estudava muito, era uma boa aluna embora não fosse a com maiores notas, dava um certo orgulho aos meus pais e professores, fosse pelas notas ou pelo comportamento e todos achavam que eu teria um futuro promissor. A monotonia dos dias era apenas quebrada quando algumas vezes nos reuníamos no quarto de algumas garotas para conversar, sempre em voz baixa, sobre alguma coisa, coisas bobas como quando alguma garota conseguia esconder alguma revista de moda na mala quando voltava de algum feriado prolongado com os pais. Contávamos histórias inocentes de menina, de coisas que aconteceram em nossas vidas, desde peças que pregávamos em outras meninas, já que havia certa rivalidade com algumas meninas da outra ala do dormitório por algum motivo que nunca vim a saber, contávamos sobre nossos amores, primeiros beijos e passávamos horas idealizando como seria o nosso homem perfeito, todas adoravam este assunto, exceto eu. Parece bobo dizer hoje que nos meus 17 anos eu nunca tivera um relacionamento com alguém, não saía sorrateiramente nas tardes de domingo para ir ao correio enviar uma carta para um namorado como minhas colegas faziam, nunca havia beijado nenhum garoto, ou segurado sua mão, ou mesmo conversado com um rapaz, com exceção do meu irmão e primos. A ideia de ter um namorado não me desagradava mas também não conseguia ver o que havia de tão especial nisso e por que isto causava tanta euforia nas outras meninas. Não que eu não fosse bonita. No auge da minha adolescência, até que tinha um certo charme, mas nenhuma característica que chamasse a particularmente a atenção. Rosto simétrico, cabelos castanho claro, opacos e lisos que acho que iam até o ombro, olhos castanhos também, algumas sardas no nariz que tenho desde criança. Não tinha o costume de tomar sol por ter vergonha de usar roupas de banho, então era sempre muito branca. Resumindo, não tinha nada de especial, era tão comum como qualquer outra pessoa no mundo. Ou assim achava na minha complexada mente adolescente.

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E os dias se arrastavam os mesmos no colégio, me fazia ansiar pelo fim do ano letivo, quando eu finalmente poderia ir embora daquele lugar, embora não tivesse me decidido ainda para qual faculdade iria ou que curso faria após o colégio. Até aquela terça-feira, em que conheci Lola. Transferida de outro colégio, Lola, com a minha idade, era tudo aquilo que eu queria ser, esperta, extrovertida, engraçada e muito bonita. Não tinha como não notar, embora nos fosse proibido usar maquiagem e termos que usar aquele uniforme horrível azul e branco, Lola tinha uma beleza natural, não sei dizer se eram seus olhos amendoados e tão escuros que eram quase pretos, ou se era o longo cabelo sedoso e ondulado que descia em forma de cascata por suas costas e que contrastava perfeitamente com sua pele bronzeada de sol. Tinha os lábios vermelhos naturalmente, cílios longos e não sei ao certo o que mais me chamava a atenção dela, só sei que cada vez que ela passava por mim, sentia meu coração batendo tão forte que parecia querer fugir do meu peito, e que batia cada vez mais forte quando eu sentia o suave perfume que Lola deixava no ar por alguns segundos toda vez que passava por mim.

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Capítulo 2 sabia ao certo o que estava sentindo naquele momento. Não sabia se era inveja por ela ser tudo o que eu mais desejava ser, não sabia se era curiosidade por ela ser tão diferente das pessoas que eu estava acostumada a ver todos os dias no colégio, ou se de fato, sentia algo a mais por aquela menina. Era tímida e Lola estava sempre cercada de colegas ao redor dela, por causa da minha timidez isso me intimidava muito para tentar puxar algum assunto com ela. Além do que, sobre o que conversaria? Minha vida era tão interessante quanto um jornal velho, não teria nenhum assunto que pudesse interessar a ela. Mas foi Lola quem rompeu o silêncio um dia. - Este lugar está vago? Fui tirada de meu devaneio de repente por esta pergunta, pega tão de surpresa que para o meu desespero não consegui responder. Abri minha boca, mas nenhuma palavra saiu dela, então só confirmei com a cabeça. Lola sorriu e se sentou ao meu lado aquele dia na aula. Sempre me sentava naquele mesmo lugar, embora as demais trocassem de lugar de tempo em tempos para ficarem mais próximas das amigas e confidenciarem pequenas conversas através de bilhetinhos. Não trocamos mais nenhuma palavra até o fim da aula, que me causava uma dualidade imensa, não conseguia prestar atenção alguma na aula, ou na lição, não via a hora das aulas acabarem, mas por outro lado, o cheiro do cabelo de Lola me intoxicava de tal maneira que me peguei por vários momentos de olhos fechados, só sentindo aquele doce cheiro vindo daquela cascata escura de ondas. Quase morri quando ela sem querer tocou minha mão para emprestar uma caneta, acho que percebeu que eu fiquei meio corada, porque depois disso não parava de sorrir para mim, sempre que me virava para observá-la, ela sorria em retribuição ao meu olhar, embora eu não sorrisse de volta, só corasse mais. Quando o sinal tocou, fui a primeira a sair da sala, aliviada por poder ficar um pouco só com meus pensamentos, um tanto confusos no momento, mas enquanto pensava isso, senti que me puxavam pelo braço, me virei e vi que Lola me segurava. Segurando-me, conduziu-me contra o fluxo de meninas que saía da sala, voltando novamente para a nossa sala de aula, agora vazia. Fechou a porta, me encarou e como quem não precisa tomar coragem pra dizer o que sente, soltou de uma vez:

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- Qual é o seu problema comigo? Pega de surpresa de novo, não conseguia falar, depois de algum momento consegui finalmente formular uma frase: - Ne-nenhum problema. Por que acha que tenho algum problema com você? - Você me olha de maneira estranha, nunca sorri de volta ou conversa comigo. Consigo conversar com todas aqui, mas até parece que você foge de mim. Mal sabia ela que essa era a verdade. - Acho que você...me intimida um pouco. Com seu jeito extrovertido, quero dizer. Lola de alguma maneira achou isso engraçado, e então eu a vi rir, e era como se toda a minha vida tivesse sido vivida apenas para apreciar aquele momento, parecia um anjo enquanto sorria pra mim, rindo da minha timidez. Tinha dentes perfeitos, sua risada tinha um som tão belo que quando percebi, estava rindo também. - Fico feliz que seja só timidez, você parece uma boa pessoa, mas é tão quieta as vezes que foi só assim que consegui me aproximar. - Disse ela, me olhando nos olhos, mas ainda sorrindo. Sorri de volta. - Posso me sentar ao seu lado amanhã na aula, de novo? - Se você quiser, claro que pode. Prometo tentar não ser tão estranha. – Disse meio sem jeito. Ela foi em direção à porta pra sair, mas ao se aproximar, fez algo inesperado e me abraçou. - O seu jeito ...não é estranho, é bonitinho. E soltando-se do abraço, saiu da sala, me deixando só, com o cheiro dela no meu uniforme, ainda sentindo o calor dos seus braços, ainda fiquei ali, parada, por uns minutos, as pernas incapazes de me obedecer. Não havia mais dúvidas, estava apaixonada por Lola.

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Ok, eu não tinha certeza se aquilo era paixão, primeiro porque nunca havia me apaixonado antes, a não ser por galãs de revista que eu obviamente nunca conheceria, e segundo porque fui criada com pais católicos que embora não praticantes me ensinaram que mulheres apenas se apaixonam por homens, então se casam e tem filhos com eles. Achava aquilo curioso, pois aquele sentimento não me parecia de maneira alguma errado. Era um misto de curiosidade com aventura e uma urgência tão grande de estar junto á ela que meu coração só se acalmava quando ao ir para aula pela manhã, a via entrar radiante pela porta da sala de aula, e então meu coração se afundava em ansiedade quando as luzes se apagavam após o jantar, indicando que deveríamos ir para os dormitórios, e então uma longa noite me separaria dela novamente. Achando que eu apenas sentia timidez perto dela, Lola começou a me arrastar para todos os lugares em que ia, o que fez com que eu me enturmasse mais com as garotas do colégio, algo que não consegui fazer em anos, ela fez em semanas. Ficamos muito amigas também e bem próximas, o que naquela época para mim, era só o que importava. Não precisava de mais nada se Lola estivesse ao meu lado, e acho que depois de algum tempo, ela começou a perceber meus reais sentimentos por ela.

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Capítulo 3 Foi o pior feriado que consigo me recordar. Nossos pais foram nos buscar numa quarta-feira para passarmos um feriado prolongado em casa. Não que não gostasse dos meus pais, mas eu era uma adolescente e o conflito de gerações e gostos sempre acabava limitando a conversa, e claro que nunca me entendiam, e eu a eles. Mas o pior nem era isso, era que não conseguia me concentrar em absolutamente nada! Cada programa de televisão que tentava assistir, cada livro que tentava ler, cada pessoa com quem tentava conversar, não ocupava minha mente por mais do que dez minutos. Tão logo um curto período de tempo passasse, vinha a figura de Lola em meu pensamento me distrair de qualquer coisa que tentasse fazer. Até em sonho, via aquele sorriso, aqueles cabelos longos e aquela maravilhosa figura que tanto me fazia falta agora. Fazia-me tanta falta que não fiquei desanimada em ter que voltar ao colégio no domingo à tarde como sempre acontecia ao voltar para lá depois de alguns dias em casa. Quando cheguei já era o fim de tarde, e fiquei tão feliz ao encontrar Lola no jardim, cercada de amigas, como sempre, que acho que nem me despedi dos meus pais ao sair do carro. Fui correndo até ela, sentei-me ao seu lado e ouvia com atenção enquanto ela contava para as outras meninas o que havia feito no feriado. Ao contrário de mim, parecia ter se divertido muito. Contara que saíra com amigas, não sem que eu sentisse umas pontadas de ciúmes, que fora visitar os avós com sua família, que assistira filmes cujas estórias ela contava animada às demais. Ficava ali sentada, ouvindo atenta a tudo que ela falava, sem ousar interromper, a não ser quando me perguntava alguma coisa, ou quando concordava para deixa-la ciente de que eu estava prestando atenção. Conforme ia anoitecendo, uma a uma, as garotas iam se levantando e voltando para o dormitório, algumas reclamavam e diziam que o domingo era o único dia livre que tinham pra fazer o que queriam, mas que isso de nada adiantava quando não se tinha nada pra fazer. Já estava escuro e o tempo havia esfriado um pouco quando a última estudante se levantou e juntou-se às demais no dormitório. Ao longe algumas meninas bem mais novas, talvez alunas da sexta ou sétima série, desistiam de perseguir um esquilo que entraram em uma árvore e parecia não querer mais sair de lá para deixar que elas o per-

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seguissem e voltaram para o colégio emburradas por penderem a mascote recém descoberta. Estava sozinha com Lola, que reclamando do frio, sentou-se mais perto de mim, quase encostando o braço contra o meu. Foi ela quem quebrou o silêncio: - Ainda não sei o que você fez no feriado. - Na verdade, não fiz muita coisa interessante. – Respondi com um sorriso tímido. - Não viu ninguém interessante? Amigos...quem sabe um namorado ou alguém especial. - Alguns amigos, mas nenhum deles tinha muitas novidades pra contar e estavam ocupados com outras coisas. – Tentei ignorar o resto da pergunta, fingindo não ter ouvido ou ter esquecido. - Você tem um namorado? – Insistiu Lola. Ela não ia desistir tão fácil, como podia achar tanta facilidade para me perguntar estas coisas quando mal conseguia olhar pra ela sem corar? - Não, claro que não. Namorado? Eu? Até parece. – Virei o rosto para o lado, morrendo de vergonha, acho até que a minha voz saiu um pouco nervosa e aos tropeços. - Não sei por que você se surpreende tanto com a pergunta, seria normal. Você é bonita, inteligente, interessante. Não respondi. Apenas sorri sem jeito, querendo poder esconder meu rosto, querendo que alguém de repente me chamasse e me desse alguma desculpa para acabar com aquele assunto. Mas a conversa não pararia por aí. Lola não desistia tão fácil e com certeza já sabia dos meus sentimentos e parecia se divertir com as minhas reações. - Já beijou algum garoto alguma vez? Nem consegui responder, apenas sacudi a cabeça negativamente. - E garota? Sacudi a cabeça novamente, de maneira que meus cabelos cobriam meu rosto já muito corado, que eu tentava esconder de Lola. - Vo-você pergunta cada coisa, Lola... Me deitei na grama na qual estava sentada, virando meu rosto para o outro lado, sem coragem de sequer olhar para o lado. - Não sei qual o problema com as minhas perguntas, é natural que já

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tenha tido uma experiência assim, a maioria das meninas já tiveram, não precisa se envergonhar disso. Não acho que minha pergunta tenha nada de mais. Nunca conversou sobre isso? Ignorei a pergunta e apenas perguntei, sentindo aquela costumeira pontada de ciúmes que sempre sentia quando imaginava Lola com alguma outra pessoa. - E você? – Perguntei, sem encará-la, minha voz um pouco fria e apática. – Já beijou alguém? Ouvi-a soltar uma risada, aquela deliciosa risada que sempre enchia meu coração de felicidade. - Claro que já. Já faz alguns anos, nem foi grande coisa. Imaginava que seria melhor. Ainda sem olhá-la, senti que se deitava ao meu lado no gramado, podia sentir o calor que emanava do seu corpo bem próximo ao meu. Lola continuou a falar: - O rapaz parecia que ia me engolir, não sabia o que fazer com a língua, acabou babando em cima de mim. Com a garota foi bem melhor, mais delicado, mais gostoso... Não sei explicar. Foi diferente. O ciúme me devorava por dentro, tanto que não conseguia pensar em nada para responder, nem ao menos conseguia ouvir o que ela continua dizendo, sentia uma tristeza, uma angústia por não ter sido eu do lugar daquela menina, uma inveja e ao mesmo tempo uma raiva enorme: daquela menina, de mim mesma, de Lola, da vida, de tudo. Enquanto travava uma luta de sentimentos dentro de mim, senti uma mão quente e macia segurar meu queixo, fazendo com que eu virasse meu rosto um pouco. Olhei para cima e vi Lola sorrindo como um anjo, apoiando-se sobre seu braço, com o corpo bem próximo ao meu. Não tinha ideia do que ela estava fazendo, minha expressão foi de emburrada para surpresa. Arregalei os olhos, encarando-a. - Você fica tão bonitinha quando fica enciumada ou com vergonha, não deveria esconder o seu rosto de mim. E então Lola se inclinou sobre o meu corpo e eu fechei meus olhos, sem saber como reagir. Senti as mechas de seu cabelo roçando em meu rosto delicadamente enquanto sentia sua respiração sobre minha pele. E em seguida, senti seus lábios quentes e macios nos meus, num beijo suave e maravilhoso. Não tinha ideia alguma do que fazer. Mas me sentia tão bem. Era como se de repente, o chão tivesse se tornado nuvem, como se eu

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flutuasse e não houvesse mais nada ao nosso redor. Nem me importava mais com o vento frio da noite, pelo contrário, sentia todo o meu corpo quente, não sabendo dizer se aquele calor emanava de mim ou de Lola que estava praticamente sobre mim, apoiada apenas em seu braço, mas com o seu tronco quase se encostando ao meu. Queria que aquela sensação durasse para sempre. Não sabia exatamente o que fazer, então apenas me deixei levar e retribuí.

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Capítulo 4 Os dias que se seguiram foram com certeza os melhores dias dos quais posso me lembrar. É certo que minha vida mudou no instante em que Lola colocou seus pés pela primeira vez no colégio em que eu estudava, mas depois daquele feriado, do nosso beijo sob o luar e de toda a felicidade que sentia ao saber que meu amor era correspondido, a vida era simplesmente bela. Se antes, ao acordar, sentia uma ansiedade enorme para vê-la, agora ao acordar essa ansiedade era maior ainda, pois sabia que ela também deveria sentir a mesma ansiedade para me ver e embora não pudéssemos demonstrar em público todos estes nossos sentimentos, achávamos diferentes maneiras de mostrar o afeto que tínhamos uma para com a outra. Ainda me lembro como era gostosa a sensação de segurar a mão de Lola no banco do refeitório quando sentávamos lado a lado, ou mesmo na biblioteca quando ficávamos perto para estudar e acabávamos passando a tarde toda assim, sem trocar palavra alguma por horas muitas vezes. Palavras não eram necessárias, sabíamos o que cada uma sentia e isso nos era suficiente. Conforme o tempo passava, Lola não se contentava apenas com estas pequenas manifestações inocentes de carinho e notei que me provocava, pouco a pouco despertando sentimentos até então desconhecidos para mim. Percebia que algumas vezes ela propositalmente encostava seu corpo no meu quando me beijava, ou roçava seu seio no meu braço quando íamos ler algo juntas na biblioteca. Às vezes até mesmo erguia um pouco as saias sob a sua carteira e então me pedia para pegar algo que ela deixara cair no chão. Demorou algum tempo para entender o que ela estava tentando fazer comigo. Eu tinha pouquíssima informação sobre estes assuntos e nenhuma experiência. Achava que estas coisas apenas aconteciam entre homens e mulheres, embora às vezes me perguntasse como mulheres faziam isso com outras mulheres já que a anatomia nos limitava para diversas coisas. Logo mais descobriria como estas coisas aconteciam quando ao chegar ao dormitório, vi Lola sentada na minha cama, balançando uma pequena chave prateada em seus dedos. - De onde é esta chave? – Perguntei, olhando para aquele pequeno objeto metálico que Lola sacudia em seus dedos, sorrindo. Ainda sorrindo, respondeu:

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- Do quartinho de depósito de materiais esportivos. O depósito de materiais esportivos era uma pequena construção fora da escola, ao lado das quadras, não muito maior do que um quartinho de almoxarifado, do tamanho de uma pequena sala e cheio de materiais esportivos como bolas, cordas, redes, obstáculos, colchonetes, raquetes e etc. - Como conseguiu a chave? – Perguntei pegando-a de suas mãos e examinando-a nas minhas. - Encontrei por acaso na porta na aula de educação física esta manhã. Alguém deve ter esquecido na fechadura, então eu peguei. Existem outras cópias, nem sentirão falta. Devolvi a chave em suas mãos e novamente, Lola começou a rodá-la em seu dedo pelo pequeno anel do chaveiro que prendia a chave junto a uma pequena plaquinha com o nome e o número da sala que ela abria. - Você ainda não entendeu porque esta chave é tão interessante? - Por que podemos pegar bolas e material esportivo para praticar algum esporte depois das aulas?- Não entendia onde Lola queria chegar com aquela conversa. Lola riu algo e depois senti seus braços em torno dos meus, e fiquei feliz por estarmos sozinhas no dormitório, já que Lola não tinha o costume de abraçar suas amigas e eu teria que dar algumas explicações por conta deste deslize. - Não acha que poderíamos usar o lugar para ficarmos a sós, sem nos preocuparmos em sermos pegas por alguém? Sorri com a ideia de podermos finalmente ficar a sós por algum tempo já que raramente podíamos nos dar a este pequeno luxo, e desde o nosso primeiro beijo, só havíamos conseguido nos beijar mais duas vezes, uma vez na biblioteca e outra no banheiro, beijos rápidos e sempre temendo sermos pegas. De fato a ideia de Lola funcionou muito bem, e todos os dias nos esgueirávamos para o quartinho de materiais durante diferentes horários, sempre indo para lá separadas e nunca ao mesmo tempo para não levantar nenhuma suspeita. Era ótimo finalmente ficar sozinha com ela, não fazíamos nada de mais, nos beijávamos e nos abraçávamos avidamente, claro, pois era o raro momento em que podíamos fazer isso, era quase como um

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sonho. Ou até mesmo apenas deitava no colo de Lola e ela acariciava meu rosto enquanto eu enrolava meus dedos nas ondas do cabelo dela enquanto conversávamos sobre vários assuntos. Mas teve um dia que tudo foi bem diferente. Estávamos no nosso local secreto ao final das aulas quando uma chuva muito forte começou. Não estávamos presas, mas se chegássemos ambas ensopadas no colégio, levantaríamos suspeitas então optamos por ficarmos por lá até a chuva passar. Foi neste dia que tudo aconteceu. Já era tarde e nada da chuva nos dar uma trégua, já estava ficando nervosa, achando que logo dariam por nossa falta e que viriam nos procurar, mas depois pensei bem e achei que se viessem nos procurar, seria depois da chuva passar, o que nos daria tempo suficiente para voltar. Porém Lola não parecia muito preocupada, aliás, parecia bem tranquila já que havia puxado alguns colchonetes e os esticado em pilhas pelo chão, formando uma espécie de cama baixinha, onde se deitou e ficou lendo um dos livros de sua mochila enquanto eu reclamava da chuva. Não havia janelas no depósito, a não ser um pequeno vitrô para ventilação, que sempre ficava aberto, o que permitia um pouco de luz dentro do lugar mas não deixava a chuva molhar o interior do local. Tão logo ficou escuro demais para Lola continuar a sua leitura, colocou o livro novamente dentro da mochila e fez sinal para que eu me deitasse ao seu lado. Obedeci e ficamos assim, deitadas e abraçadas uma a outra. Não ousamos acender a luz do quartinho, embora já fosse quase noite. Tinha os olhos fechados quando senti os lábios de Lola nos meus, quentes e úmidos, num beijo delicioso, porém pela primeira vez ao mesmo tempo em que sentia seu beijo, sentia também suas mãos suavemente pousando sobre meus seios, e vendo que não resistia ao seu toque, as mãos lentamente começaram a massagear meus seios lentamente em movimentos longos e circulares. Não tinha porque sentir vergonha de estar ali com a garota que eu amava e que me amava também, seu toque era tão macio e delicado que eu ansiava para senti-lo em minha pele, então guiei as mãos de Lola para os botões do meu uniforme, e elas habilmente abriram cada botão com facilidade e rapidez, costumados já a esta pequena tarefa todos os dias. Fiz o mesmo com o uniforme de Lola. Senti seus braços me erguerem pelos ombros e me guiarem até que fiquei de joelhos em frente dela, suas mãos tão rápidas deslizavam meu uniforme pelos meus ombros, logo alcançando meu sutiã e abrindo-o com admirável facilidade, mal conseguia acompanha-la e só tive tempo de acabar de desabotoar sua blusa e desliza-la pelos

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seus ombros juntamente com as alças do sutiã pois logo em seguida senti suas mãos cobrirem meus seios e fui incapaz de me mover, apenas sentindo o toque quente e delicado das mãos de Lola sobre minha pele. Quando achava que nada poderia ser melhor do que aquela sensação, fui deitada novamente na nossa cama improvisada e as mãos foram substituídas por lábios úmidos e quentes ao redor dos seus seios, sentia a língua de Lola brincando com meus mamilos, me sentindo um pouco desconfortável naquele momento por ter seios pequenos, mas como Lola não parecia se incomodar com este fato, me entreguei de vez a tudo aquilo e comecei a massagear os seios dela com as mãos, sentindo a pele morna e macia e os mamilos rijos entre meus dedos. Deixava-me guiar por Lola, que era tão inexperiente quanto eu, mas não tinha timidez alguma e logo senti sua mão deslizar entre minhas pernas, por baixo da minha saia e corei quando me olhou, com o corpo sobre o meu e sorrindo disse: - Nossa, como você fica molhada fácil, mal te toquei e você já está assim. Fechei os olhos e pensei em milhares de coisas para responder, mas apenas tive forças pra murmurar: - Continue, por favor... E foi o que fez, senti seus dedos deslizarem para dentro da minha calcinha e me tocarem gentilmente, deslizando para baixo e para cima, me causando uma sensação incrível e indescritível. Sentia-me tão bem de repente que nada mais importava. Não sentia vergonha, não sentia timidez, apenas queria que a garota que eu tanto amava sentisse o mesmo que eu estava sentindo, então alcancei sua coxa com a minha mão, que deveria estar um pouco trêmula, e fui deslizando-a por entre as pernas de Lola também, exatamente como ela fizera comigo, e acredito que era o ela esperava já que não houveram objeções da parte dela. Ficamos assim por algum tempo, nos tocando, sentindo novas e deliciosas sensações, foi algo que fluiu normalmente, éramos apenas duas meninas apaixonadas descobrindo uma a outra, aprendendo mais sobre nossos corpos e, portanto nenhuma de nós atingiu o clímax, mas nem por isso deixo de considerar esta a minha primeira experiência sexual. Continuava virgem, continuava sem saber como era ter um orgasmo, mas ainda me lembro deste dia com muito carinho, pois considero esta a minha “primeira vez”.

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Nós apenas nos tocávamos, até que Lola olhou pelo pequeno vitrô do quartinho e sussurrou: - A chuva já passou...é melhor irmos antes que deem por nossa falta. Ela só podia estar de brincadeira, eu não queria sair de lá nunca mais. De repente, fiquei muito brava com Lola, mas a pequena consciência que ainda restava de mim dizia que era o certo a se fazer. Além do mais, podíamos continuar em um outro dia, ir embora era o mais sábio a se fazer. Sem a menor vontade, me levantei e comecei a me vestir. Arrependi-me por não trazer lenços de papel em minha mochila, sentia-me um pouco molhada e um pouco suada também, o que me fez ter menos vontade ainda de me vestir. Lola vestiu-se bem mais rápido do que eu e ficou me esperando próxima a porta. Quando arrumei tudo do jeito que estava para não levantar suspeitas e passei por ela, notei que tinha na boca os dedos com os quais me tocara e sorrindo disse: - Você tem um gosto estranho... Olhei pra ela, muito vermelha, sem entender o porque ela tinha me dito aquilo, com certeza pra me ver ficar tímida novamente. Ela sorriu mais e me dando um beijo rápido nos lábios, sussurrou antes de sairmos: - Mas é bom, e eu gostei.

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Capítulo 5 Voltamos para o colégio sem levantar suspeitas, como voltamos separadas, cada uma deu uma desculpa diferente quando nos perguntaram onde estávamos e por sermos discretas não desconfiaram de nada. Porém acabamos perdendo a hora do jantar e ficamos sem comer, tudo bem, um pequeno preço por um momento incrível de felicidade. Nada me tiraria aquela felicidade. Nos dias que se seguiram era possível notar uma enorme diferença em mim, embora andasse mais arrumada e bem vestida na medida do possível desde o momento em que me apaixonei perdidamente por Lola, agora havia em mim um brilho que eu não sei de onde emanava, mas era algo que todas notavam até mesmo meus pais perceberam, e claro, acharam que eu estava apaixonada, mas por um menino. Lola também mudou depois daquele dia, não a mesma mudança que eu tive, mas ficou bem mais audaciosa, sabia que definitivamente eu era sua agora, e por vezes sentia sua mão me tocando quando sentávamos lado a lado, não importando se estávamos sozinhas ou não. Eu ficava desesperada com medo de ter alguma reação e alguém notasse e isso, claro, divertia muito Lola. Ela adorava me provocar e eu não resistia mais a ela, agora que tínhamos nosso lugar secreto, não me sentia mais frustrada com suas ações e as vezes, até revidava. Por falar em nosso local secreto, agora nos encontrávamos lá frequentemente, no começo variava entre uma ou duas vezes na semana, mas acredito que já nos sentíamos tão a vontade e tão confiantes que nem nos preocupávamos mais e começamos a frequentar o local sempre que nos dava vontade. E esse foi o nosso grande erro. Sempre que íamos até o depósito de materiais esportivos, Lola tirava a chave da porta depois de trancá-la e guardava no bolso da saia ou na mochila, para não cometer o erro de esquecer a chave na porta e assim, perdermos nosso local secreto. Nosso excesso de confiança foi nosso ponto fraco, nem passou por nossas cabeças que alguém teria uma chave reserva. Claro, agora faz todo o sentido do mundo, se você perde uma chave, você faz uma cópia da chave reserva, como eu e Lola não pensamos nisso antes? Quando Lola achou aquela chave, achamos que apenas a professora de educação física teria a chave da sala, e como ela não

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morava no colégio como as demais professoras, não teríamos problema. Mas devem ter feito uma cópia da chave dela e guardado para emergências. E foi o que aconteceu. Depois de quase dois meses usando o quartinho para nossos encontros, ficamos tão habituadas a ele, tão seguras e confiantes ali que nem nos demos conta que havíamos acendido a luz quando o céu escureceu um pouco. Distraídas e entre beijos e carícias, nem nos demos conta de quando a porta se abriu. A luz havia nos traído e uma professora havia vindo verificar se havia por engano, deixado a luz acesa. Estávamos seminuas, uma sobre a outra, nos beijando; nem tínhamos como justificar ou dar alguma desculpa, não havia como negar nosso romance. Sem saber o que nos aguardava, fomos lado a lado seguindo a professora, incertas do que nos aconteceria. Deixaram-nos esperando na antessala da diretora, só a professora entrou, e podíamos ouvir os gritos abafados pela porta fechada, algo muito ruim nos esperava. Lola me olhou com o rosto cheio de culpa e pela primeira vez a notei preocupada. Estávamos de mãos dadas, ela apertou a minha de leve e eu tentei sorri mas acho que não consegui. Sentia a mão de Lola gelada na minha e olhei de lado pra ela, tive a sensação de ver uma lágrima escorrer pelo seu rosto, mas não consegui ter certeza, seus cabelos escuros e cacheados caíam pelo seu rosto já olhava fixamente para o chão. A professora saiu e eu senti meu coração querendo pular para fora do meu peito, que engraçado, a primeira vez que senti isso foi com Lola, e agora novamente, era com Lola, mas numa situação totalmente diferente, e também o sentimento não era aquele sentimento gostoso de antes. Quando tomei coragem de me levantar e caminhar para a sala da diretora, a professora me segurou, íamos entrar separadas. Lola seria a primeira e senti seus dedos deixarem os meus conforme entrou na sala e soltou minha mão. Sentei-me novamente e esperei, esperei sem conseguir pensar em mais nada, senão no meu medo e desespero e no fato de eu não poder estar com Lola quando ela mais precisava de mim ao seu lado. Depois do que pareceu uma eternidade, Lola saiu e só teve tempo de me dar um olhar triste e sair em direção ao dormitório. A professora me puxou pra dentro da sala. A diretora, uma senhora nos seus sessenta e poucos anos, meio cheinha, cabelos ondulados e tingidos de loiro, normalmente tão bran-

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quinha estava num tom vermelho arroxeado, pensei que teria um infarto a qualquer momento, ainda assim, tentou não gritar comigo, mas dizia tudo tão nervosamente que mal conseguia entender suas palavras, mas basicamente me lembro de que eu era uma vergonha pra escola, que este tipo de comportamento não era admitido ali, além de ser errado, feio, sujo, pecaminoso e mais algumas coisas. Obviamente meus pais seriam chamados, mas nada mais seria feito a fim de evitar-se um escândalo. Não abri minha boca, apenas balancei a cabeça concordando com tudo, querendo sair de lá o mais rápido possível e encontrar minha Lola. Mas não a encontrei. Não a encontrei no dormitório, nem nas salas, nem no banheiro...me perguntei se a diretoria havia lhe chamado novamente, e então de repente, percebi que a bronca não havia sido tão ruim quanto eu esperava, esperava gritos, até esperava tapas já que naquela época algumas professoras ainda aderiam à punição física, esperava escândalos mas tirando a bronca que mal consegui entender, não havia sido de todo o ruim, ao menos não tão ruim quanto eu esperava, e teríamos nossa vida novamente como antes, nada me separaria do amor de Lola. Era o que eu achava. Tarde da noite e eu não havia encontrado ela ainda, mas sabia que estava lá, suas coisas estavam lá. Era muito orgulhosa e talvez estivesse em algum lugar escondendo as lágrimas de mim? Talvez. Embora eu quisesse muito que compartilhasse seus sentimentos comigo, sabia que não choraria perto de mim. Com esta ideia em mente, fui me deitar. Não sei que horas eram quando finalmente peguei no sono, mas logo em seguida acordei sentindo que alguém se deitava ao meu lado. Estranhei e achei que estava sonhando, mas ao sentir um abraço ao redor do meu corpo percebi que não era um sonho, senti então lábios próximos ao meu ouvido e alguém sussurrava “eu te amo”. Virei-me para ver Lola, deitada ao meu lado. Olhei para ela e ela sorriu pra mim, um sorriso triste, ainda não tinha a visto triste. - Onde você estava? Não achei você em lugar nenhum. Lola mexia no meu cabelo, enrolando-o em seu dedo e depois soltando. - Conversando com a diretora, ela ligou para os meus pais e eles vem me buscar amanhã cedo, assinei os papéis de transferência, vou ter que ir embora. - O quê? Como assim, Lola? Por quê? - Por causa do que aconteceu, meu anjo.

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Não podia acreditar que Lola ia embora, simplesmente não podia. A abracei forte. - Mas a diretora não me disse nada de mais, não chamou os meus pais, disse que isso ia ficar por isso mesmo para evitar um escândalo. Não foi assim com você? - Não. Comigo foi diferente. – E dizendo isso, virou-se para o outro lado na cama e então foi a minha vez de abraça-la, falando baixinho e com cuidado pra não deixar que nos ouvissem. Se alguma garota ouviu, nunca soube. - Como assim foi diferente? Senti-a segurar o meu braço que estava sobre seu corpo. - Sabe, você estuda tanto, vai ser uma grande profissional um dia em qualquer coisa que você decida ser um dia, tem notas boas, nenhuma mancha no registro escolar...eu por outro lado, vim transferida de outra escola por mau comportamento ou o que eles julgavam ser mau comportamento e penso em ser modelo ou atriz quando me formar na escola. Não preciso de boas notas ou ficha limpa na escola pra isso, por isso eu disse que forcei você a ficar comigo hoje no depósito de materiais esportivos. Tendo em conta o meu histórico escolar do outro colégio e você nunca tendo se comportado mal na vida, a diretora acreditou. Vou ser transferida novamente, fiz minhas malas e meus pais virão me buscar pela manhã. Não tive resposta, apenas puxei Lola pra perto de mim e quando ela se virou, coloquei meu rosto em seu peito e chorei como uma criança enquanto ela acariciava meus cabelos, senti seus lábios na minha testa e logo depois, adormeci. Ao acordar, Lola não estava mais lá. Não sei a que horas deixou a minha cama e nem a que horas deixou o colégio, mas dela só restaram boatos do ocorrido e uma enorme tristeza e solidão dentro de mim. Por sorte em alguns meses me formaria do colégio e iria embora daquele lugar que me trazia tantas lembranças do meu primeiro amor.

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Capítulo 6 Tinha 20 anos e trabalhava como fotógrafa em meu próprio estúdio, era um hobby que pagava minhas contas e a minha faculdade. Morava num apartamento bem pequeno, mas suficiente para uma pessoa viver confortavelmente, não que eu passasse muito tempo alí, comia em lanchonetes próximas ao estúdio e às vezes dormia lá mesmo dependendo da quantidade de serviço que eu tinha. Era perto da faculdade também, o que ajudava consideravelmente. Tinha um namorado, não era lindo, mas era gente boa, gentil e simpático e me apoiava muito, nos víamos pouco, pois ele trabalhava do outro lado da cidade e assim como eu, às vezes trabalhava até tarde também, então só nos víamos aos finais de semana. Eram quase cinco da tarde quando a campainha do estúdio tocou. - Pode entrar. – Gritei para a pessoa na porta, provavelmente a modelo que seria fotografada para um catálogo de roupas femininas de luxo. Estava colocando filme na máquina, sim, naquela época não existiam máquinas digitais ainda, de costas para a modelo, mas já havia visto tantas, todas pareciam idênticas, perfeitamente plásticas, nenhum fio de cabelo fora do lugar, sorrisos brancos e artificiais. Quando você fotografa uma, é como se fotografasse todas. - Com licença, onde posso me trocar? – Ouvi a voz da modelo atrás de mim. Sem dar muita importância, respondi: - Ali atrás tem um trocador e um pequeno camarim, suas roupas estão lá, maquiagens e o que mais precisar. Avise-me quando estiver pronta. Ouvi o barulho dos saltos contra o assoalho indicando que ela havia ido para o trocador. Levantei-me e arrumei a câmera no tripé, a iluminação, o cenário e tudo o mais, ainda de costas ouvi o barulho dos saltos se aproximarem de mim novamente, e sem muito ânimo, enquanto arrumava a altura do tripé perguntei: - Qual o seu nome e idade? – Tinha que perguntar, não podia tirar fotos de menores de idade sem autorização dos pais e tinha que conferir se agência havia me mandado a garota certa. - Lidia, tenho 20 anos, por quê? - Por nada, querida. Coisas do trabalho. Agora por favor, se puder

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ficar ali na frente pra eu poder medir a luz... - Claro. E através do foco da câmera eu pude ver aquela garota na minha frente não era Lidia, era Lola. Havia cortado o cabelo bem curtinho, pouco abaixo da orelha, mais curto atrás, havia mudado um pouco, claro, mas ainda assim era ela, pude notar mesmo através da maquiagem pesada e dos cílios postiços. Fiquei pasma olhando-a. Como estava bonita. Não havia mudado muito, mas estava tão linda, era com certeza a modelo mais bonita que eu já havia fotografado. E acho que eu a encarei por algum tempo, pois ela me olhou preocupada e perguntou: - Fiz alguma coisa errada? Não era isso que eu deveria vestir? Exagerei na maquiagem, no cabelo...? Somente mexi a cabeça negativamente e comecei a testar a luz, o foco e tudo o mais. Ela com certeza não estava me reconhecendo. Também não era pra menos, eu também havia mudado. Deixei meu cabelo crescer, embora usasse uma trança no momento, ele chegava até o meio das minhas costas agora e tinha uma aparência bem melhor do que antigamente, assim como eu não tinha mais espinhas e meu rosto ficara bem mais simétrico, eram os hormônios da adolescência, eu acho. Usava óculos também, noites e noites de trabalho resultaram no que os médicos chamaram de presbiopia, ou vista cansada, mas pelo menos o grau não era muito alto. Comecei a fotografá-la sem dizer uma palavra, mas com mil coisas passando em minha cabeça: por que havia mudado o seu nome? Às vezes modelos usam outros nomes que soam mais artísticos, seria o caso? Saberia quem eu era? Desconfiaria pelo menos? Porém logo esses pensamentos me abandonaram, pois Lola era incrivelmente fotogênica e ficava linda em todos os ângulos, em todas as poses e posições, sob qualquer tipo de iluminação. Também era muito boa seguindo os meus pedidos, seus sorrisos eram espontâneos, suas expressões eram perfeitas e em menos tempo do que eu podia imaginar todo o trabalho estava feito, todas as fotos tiradas para o catálogo e embora tenha ficado feliz em não passar mais uma noite trabalhando já que as fotos ficaram ótimas e não precisaram ser refeitas, por outro lado, isso significava que meu tempo com Lola havia se esgotado. Já era tarde quando Lola veio se despedir:

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- Com licença. Deixei todas as roupas no trocador do jeitinho em que estavam quando cheguei, se precisar de mim é só ligar no telefone do portfolio que a agência te mandou, e será que eu poderia pedir a cópia de algumas fotos? Se não for incomodar, poderia manda-las para a agência? - Claro, sem problema. – Arrisquei perguntar seu endereço. – Mas não prefere que eu mande as fotos pra sua casa? Não seria incômodo algum pra mim e você as receberia mais rápido. - Não, mande pra agência mesmo, assim eles podem até tirar uma cópia pro meu portfólio se acharem conveniente. Não sei por que me surpreendi, Lola sempre foi uma garota difícil. Respirei fundo, tomei coragem e perguntei: - Onde você mora? Está meio tarde, não quer uma carona? Há essas horas vai ser difícil arrumar um táxi por aqui. O metrô é meio longe e o último ônibus passou há uns 40 minutos atrás. Ela pensou bem e concordou com a cabeça. - É mesmo, o metrô é meio longe e eu com estes saltos...ok, eu aceito uma carona. Mas só se não for te desviar muito do seu caminho. Ela me falou seu endereço e de fato ela morava bem longe do meu apartamento e bem longe dali, mas qualquer que fosse o seu endereço eu a levaria com o maior prazer, mesmo que me dissesse que morava em outro mundo. Fechei o estúdio e fui para o carro acompanhada de Lola que se sentou do meu lado e pacientemente me deu as instruções de como chegar a sua casa, quando não estava me guiando, conversávamos sobre assuntos banais de nossos dia a dia e eu ia aprendendo o que se passava na vida dela no momento. Disse que o emprego como modelo era temporário, não queria seguir carreira, era um meio difícil de trabalhar e sabia que com o tempo teria que encontrar outro trabalho, mas por enquanto pagava suas contas e o que sobrava, guardava para poder estudar. Era mais um “bico”, trabalhava meio expediente em outro lugar, porém nunca me disse onde era então não insisti afinal ela me tratava como uma pessoa que acabara de conhecer por algum motivo, achei melhor não ser bisbilhoteira. Chegamos à sua casa depois de quase uns 30 minutos, era uma casinha estreita e comprida no meio de muitos estabelecimentos comerciais. Acho que ela quis agradecer a carona e então me convidou para entrar e tomar alguma coisa.

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Aceitei na mesma hora. Era uma casa bem pequena, mas confortável embora bem bagunçada. Não me importei nem um pouco e tentei saber mais de sua vida através de seus objetos, mas as únicas fotos eram dela posando como modelo. - Não fiz compras esta semana e não tenho nada de bom pra te servir...é meio tarde pra um café então aceita um chá? Fui devolvida ao mundo real pela voz de Lola, ainda perdida em devaneios vendo suas fotos, dei um “uh-hum” como resposta à sua pergunta e alguns minutos depois ela voltou com uma caneca de chá fumegante que me entregou. Sentamo-nos e ela me mostrou alguma de suas fotos, propagandas, catálogos, pôsteres entre outros trabalhos enquanto eu sorvia o chá lentamente, só prestava atenção em Lola e nem sabia ao certo do que era o chá que eu estava tomando, nem importava. Era tarde quando saí de sua casa e mais tarde ainda quando cheguei ao meu apartamento, pensei em tomar um banho e deitar, mas senti o perfume de Lola impregnado em minha roupa e não tive coragem de tomar banho, tomaria quando acordasse, deitei-me na cama e dormi sentindo o cheiro de Lola e era como se ela estivesse deitada ao meu lado mais uma vez.

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Capítulo 7 Às vezes a vida nos reserva algumas surpresas, e às vezes elas são muito agradáveis. Algumas fotos que tirei de Lola teriam que ser tiradas novamente por causa de algumas exigências do cliente e novamente Lola entrou em meu estúdio. E mais duas e mais três vezes. Normalmente odeio o tipo de cliente que não deixa claro desde o começo o tipo de trabalho que ele quer, mas neste caso, fiquei imensamente feliz e acho que não cobraria as horas extras de trabalho se não estivesse já no contrato. Na verdade, isso fez com que me aproximasse novamente de Lola, que ainda insistia em ser chamada de Lidia, e acreditando que morava bem perto dela, sempre me deixava leva-la para casa, e ela sempre me convidava para entrar e conversávamos, ríamos e as vezes eu até a ajudava a arrumar sua casa. Era muito bom tê-la de volta. Tão bom que quando o catálogo de roupas ficou pronto e fui convidada para o desfile da coleção e eu soube que infelizmente ela não estaria desfilando, o que me explicaram depois ser um problema de contrato de agências de modelos quando eu comentei que achava isso incrivelmente injusto, foi Lola quem eu convidei para me acompanhar e não o meu namorado. Disse-lhe que achava injusto que a modelo das fotos não desfilar e que por isso a convidaria, ele concordou, disse que achava estes eventos entediantes e depois soube que ele pensou que não o havia convidado por ciúmes, afinal ele estaria num evento cheio de modelos. Não era o caso, mas acho que para ele foi mais confortante pensar assim. Precisa impressionar Lola, olhava e remexia em meu guarda-roupa e nada me parecia bom o suficiente para a ocasião, era a minha chance de reconquistar aquele ser quase divino para mim. Resolvi que nada que eu tinha era bonito o bastante e nem ficava bem em mim, então fiz algo que há muito tempo não fazia e fui às compras. Perambulei por horas olhando vitrines e mais vitrines, provei diversos vestidos, tinha que ser perfeito e impecável. Continuava muito pálida e nenhuma cor caía muito bem em mim, até que provei um vestido que tinha uma cor que era um meio termo de vermelho queimado com vinho, a princípio não me agradou, mas quando o vesti, caiu como uma luva. É incrível o que podemos fazer por amor, de repente deixava toda a

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minha timidez e insegurança de lado e carregava em uma sacola um vestido que deixava praticamente metade das minhas costas à mostra, que não tinha alças e que delineava a minha cintura de maneira acentuada. Ainda assim o comprei e agora procurava acessórios para combinar. Fiquei um pouco tímida quando me imaginei completamente vestida no evento, mas me preocuparia com isso depois. Confesso que até a noite do evento não conseguia me concentrar no meu trabalho e muito menos conseguia dormir. Tudo o que fazia era ensaiar o que dizer, pra não parecer boba na frente de Lola, ensaiava e ensaiava, ficava me olhando no espelho pra ver se parecia boba enquanto fingia rir e falava comigo mesma. Mal conseguia me concentrar no trabalho quando o dia finalmente chegou, então resolvi que era inútil tentar, fechei o estúdio e fui pra casa mais cedo. Não sei dizer ao certo quantas horas passei me preparando para a noite, mas o resultado final me deixou bem satisfeita. O vestido deixava minha silhueta bem feminina já que era bem marcado na cintura e depois ficava bem solto um pouco acima do joelho. Nunca usei nada sem alças, mas o decote ligeiramente em forma de coração fazia o meu busto parecer maior, o que me deixou bem contente. As costas de fora me incomodavam um pouco, então decidi deixar o cabelo solto para cobrir um pouco, mas como eram lisos e sem graça, fiz alguns cachos usando bobes, não duraram muito tempo, ficando apenas ligeiramente encaracolados nas pontas. Continua com uma aparência meio sem graça, então coloquei uma fina tiara dourada no cabelo, brincos dourados com pedrinhas de brilhante e uma corrente com um pequeno pingente também de brilhantes, era a única joia que eu tinha herança da minha avó, mentalmente a agradeci pelo bom gosto. Saí andando devagar, ainda não estava acostumada com os saltos altos e respirei fundo durante todo o trajeto, sentindo meu coração novamente desesperado de ansiedade. Era um espaço enorme para realizações de eventos, estava cheio de gente, não conhecia nenhuma delas com exceção de um ou outro que lembrava já ter visto de outros lugares, do trabalho, de revistas, mas nenhum deles me interessava no momento, procurava naquele mar de ternos e vestidos a minha adorada Lola. Depois de muitas apresentações, apertos de mão e alguns drinques, finalmente a encontrei. Estava linda, tinha um vestido longo preto que deixava seus ombros à mostra, usava um belo colar de pedrinhas brilhantes e brincos combinando, tinha os cabelos curtos soltos, cain-

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do ao lado de seu rosto, contrastando com a sua pele de uma maneira quase divina junto à maquiagem que só ressaltava mais a sua incrível beleza. Conversava animadamente com algumas pessoas, mas quando me viu, veio em minha direção, me cumprimentou calorosamente e me arrastou para me apresentar às pessoas com que conversava. Não fazia ideia de quem eram e nem fiz muita questão, só Lola me interessava naquele lugar. Acho que nunca fui apresentada a tantas pessoas em uma só noite, Lola me mostrou suas colegas de trabalho, outras modelos, outros fotógrafos, ela conhecia muita gente, como sempre, continuava muito comunicativa e extrovertida, eu sorria ao ver que sua personalidade nada havia mudado nesses anos. Exageramos um pouco na bebida já que toda hora alguém propunha um brinde, não era e ainda não sou muito acostumada a beber, e lá pelo quarto ou quinto drinque eu já estava um pouco animada, Lola ria de mim, dizendo que nunca havia me visto tão tagarela e risonha, era verdade. Ela também bebia muito mais do que eu, mas o álcool não a alterava tanto quanto alterava a mim. Infelizmente os poucos canapés de tamanho miniatura que comemos não foram suficientes para driblar o álcool e antes do fim da noite estávamos as duas bem alteradas por cause dele. Dividimos um táxi para voltar pra casa, afinal Lola ainda acreditava que eu morava perto de onde ela morava então surgiu a ideia de dividir a corrida já que voltaríamos para lugares próximos. Ela ria alto ao meu lado e quando o táxi a deixou em casa dispensei-o e resolvi que ficaria com ela, mal conseguia se equilibrar em seus sapatos e temi que se machucasse. Ajudei-a sentar-se no sofá e tirei seus sapatos e fui fazer um café forte para ajudar a deixa-la mais sóbria, mas mal conseguíamos tomar, Lola ria muito, de qualquer coisa que falasse, e eu começava a rir também e mal conseguia engolir o café sem engasgar. Gostaria de dizer que tivemos uma noite perfeita e romântica, mas o que aconteceu foi tão espontâneo que eu não poderia prever o rumo da situação. Lola com a cabeça deitada no encosto do sofá virou seu rosto para mim e me olhando profundamente nos olhos, perguntou ficando séria de repente: - Por que você é sempre tão boa comigo? É assim com todas as modelos que fotografa? Sorri e encarei-a com o braço apoiado no sofá e a cabeça apoiada em minha mão.

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- Não. É porque você é especial, Lola. Ela sorriu com aquele sorriso que tanto me encantava, com aqueles dentes brancos e perfeitos. - Já disse que não me chamo Lola e você ainda insiste. Tudo bem é um bom apelido, não me importo. Antes que eu pudesse protestar sobre ela continuar escondendo quem era, ela colocou o dedo indicador nos meus lábios indicando para que eu não falasse nada e então falou novamente: - Eu já sei qual é a sua, não sei como descobriu, mas eu tenho uma queda por você, sempre séria trabalhando, pensa que nunca percebi que me olhava sempre que achava que eu não estava olhando? Você não sabe ser discreta. Sorri novamente e sacudi a cabeça negativamente, realmente havia sido pega por ela novamente, igual acontecera anos atrás. - Só está falando isso porque bebeu demais, você nem se importa comigo. – Falei em tom de brincadeira. Ela então me olhou profundamente com aqueles olhos escuros, tão escuros que quase via meu reflexo neles, se aproximou do meu rosto e me deixei levar achando que apenas me beijaria, mas quando senti seus lábios tocarem os meus também senti suas mãos me empurrando e me fazendo cair deitada em seu sofá, seu beijo tinha o gosto doce do café. Coloquei minhas mãos ao redor de seu rosto enquanto a beijava, mas ela as deslizou para o meio de suas costas e abaixou o zíper de seu vestido até a metade, me fazendo deslizá-lo para baixo onde suas mãos não mais o alcançavam, e eu obedientemente abri-o, revelando suas costas nuas. Beijava meu pescoço e entre leves sugadas e lambidas podia sentir seus dentes roçando a minha pele e isso me deixou completamente excitada. Seus lábios foram descendo pelo meu pescoço parando ao final do decote do meu vestido. Então ela se levantou e foi para o quarto. Fiquei um pouco confusa e a segui para então encontra-la na cama apenas de calcinha e cinta-liga que segurava uma fina meia cor de pele em suas coxas. Olhei pra ela um pouco perdida e ela engatinhou até mim, me olhou e disse apenas: - Seu vestido vai amassar, tire-o. Obedeci e me deitei na cama com ela, e em meio a carícias, beijos e toques, sussurrei em seu ouvido:

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- Não sabe como esperei este momento, Lola. Ela sorriu pra mim: - Você insiste em me chamar assim. Se te deixa contente, então eu serei a sua Lola. Não dormi em casa naquela noite.

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Capítulo 8 Meu namorado não aceitou muito bem quando lhe contei toda a verdade, ouvi coisas que nunca pensei que ouviria dele, mas se eu disser que esperava que ele me entendesse e perdoasse eu estaria mentindo. A verdade é que eu sabia muito bem o que eu estava fazendo e sabia as consequências de tudo isso e aceitei o que quer que fosse acontecer. Antes que eu pudesse terminar com ele, ele terminou comigo. Tudo bem. Foi mais fácil assim eu acho, mas todo fim de relacionamento vem com alguns preços: tive que parar de frequentar alguns lugares para não encontra-lo, perdi algumas amizades, alguns contatos, algumas facilidades, ambas as famílias se desapontam com você, no meu caso você ainda fica como a vilã de toda a situação, mas se era o preço pra estar com Lola novamente, pagaria com muito prazer, e pagaria em dobro se precisasse. Os meses que se seguiram ao lado dela foram os melhores, me sentia inspirada, meu trabalho nunca fluiu tão bem, me sentia feliz e disposta. Sentia-me capaz de tudo. Saíamos muito para nos divertir, Lola adorava passear e ver e fazer coisas novas, e era justamente o que me faltava. Em meio a tanto trabalho eu evitava a diversão a fim de dedicar meu tempo livre aos estudos ou ao trabalho de alguma forma, e isso me fez muito bem até o momento que a vida não era mais cor de rosa e o cinza triste da realidade me fez descer da nuvem de êxtase da qual eu me encontrava. Primeiro foram as notas na faculdade, meus passeios com Lola, as noite mal dormidas, as noites em que eu não dormia por chegar em casa quase no horário da aula começaram a surtir efeitos nas provas e trabalhos, em alguns meses, estava a ponto de perder o semestre, logo eu, uma aluna relativamente boa, esforçada e que jamais perdia prazos. Depois foram as dívidas. Lola tinha gostos caros e como ganhava pouco em seu trabalho e não era sempre que um trabalho de modelo aparecia comecei a arcar com alguns de seus gastos e ajuda-la nas despesas, porém eram muitas e toda vez que tentava conversar com ela a respeito do assunto, mudava rapidamente o foco, saía brava justificando seus gastos e argumentando quanto e como eram necessários, discutia comigo ou simplesmente me fazia esquecer o assunto por hora com beijos e carícias que eu, claro, nunca resistia. Eu compreendia Lola, era ambiciosa e sabia o que queria; novamente algo que faltava em mim, não tinha grandes ambições, uma vista mo-

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desta com certo conforto me bastava. Mas Lola almejava ser grande e para isso precisava de contatos, de amizades influentes e para tal precisava ir a festas e eventos, o que demandava altos custos em roupas, sapatos, joias, acessórios e horas em salões de beleza. Além de tudo, havia o combustível extra que gastava da minha cada até a dela e as várias vezes que tive que busca-la em festas às altas horas da noite quando não conseguia uma carona de volta. Para poder continuar bancando os sonhos dela, comecei a dobrar o expediente de trabalho, mal voltava para casa para dormir. Sugeri então que Lola morasse comigo para dividirmos nosso aluguel ao invés de eu pagar o meu e o dela. Ela não gostou nada da ideia, disse que precisava de espaço e privacidade para praticar teatro, curso que ela finalmente começara já que agora podia arcar com os custos porque eu a ajudava nos demais. Então sugeri morar com ela e a reação foi ainda pior. Não toquei mais no assunto. É claro que isso me magoava muito e pouco a pouco me despedaçava por dentro, mas o mais importante era estar com Lola. Não me sentia usada e a única infelicidade que eu tinha era de não poder suprir as necessidades e caprichos da mulher que eu amava. Jurei que nada lhe faltaria. Suas necessidades eram a minha prioridade. Deixei a faculdade, afinal havia perdido o semestre de qualquer forma e era um custo alto que eu poderia investir em outras coisas. Mas quanto mais eu dava, mais Lola queria. Não me pedia nada, mas dava indiretas que se eu não podia dar a ela o que ela queria era porque então não deveria a amar o suficiente, ou que não acreditava em seu potencial e nem que ela seria grande um dia. Então quando o dinheiro acabou, pedi dinheiro emprestado aos meus pais. Eles nunca me cobraram de volta, acho que tiveram pena da minha situação embora não soubessem de tudo, apenas de que eu me afundara em dívidas. Todos nós temos limites, e o meu foi quando cheguei à casa de Lola e encontrei ali uma festinha particular. Modelos, atores, diretores de teatro e mais pessoas as quais nem me importei saber o que eram. Lola ria com eles, esbanjando sorrisos e flertes, enquanto me tratava dura e seca, quase de maneira rude na frente deles. Perdi a paciência, botei um basta naquela situação e mandei todos embora, embora a casa não fosse minha, pagava por quase tudo ali dentro e me senti no direito de fazê-lo. Lola me olhava séria encos-

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tada no batente da porta da sala, não conseguia ler nada em sua expressão, talvez um misto de desprezo e desapontamento? Não sei dizer, tinha um olhar vazio e apático e então disse: - Vai embora. – Sua voz era tão vazia quanto sua expressão. Então foi para o seu quarto e ouvi a porta bater e a chave passar no trinco. Me sentei no sofá da sala, com os cotovelos nos joelhos e as mãos na cabeça. Acho que fiquei assim uns vinte ou trinta minutos até que percebi que Lola não sairia do quarto e nem me deixaria entrar e então fui pra casa. Lola sempre fora geniosa e não me surpreendi quando não atendeu aos meus telefonemas. Nem aos meus recados no seu trabalho, nem os bilhetes que passava por baixo da porta de sua casa, já que tocar a campainha, bater e chamar era inútil. Um dia ao passar pela sua casa novamente levei um enorme susto. Veio como um baque e então uma pontada aguda no meu peito. Havia uma placa de imobiliária em sua casa. Desesperada, toquei a campainha em vão, bati na porta até meus punhos doerem e por causa do enorme barulho que eu fiz, um dos vizinhos veio ver o que estava acontecendo. - Moça, não tem ninguém mais aí. – Ouvi a voz do vizinho, um senhor por volta dos seus setenta anos, dizer. – A moça que morava aí foi embora há alguns dias. - Como assim foi embora? Foi embora pra onde? Com quem? – Minha voz soava aflita e desesperada. - Não sei, mas vieram colocar essa placa aí há uns dois dias. - E então chamou sua esposa:- Querida, vem aqui fora. A amiga da moça que morava aqui do lado quer saber se a gente sabe pra onde ela foi. Sua esposa saiu então, uma senhora também por volta da mesma idade, porém parecia mais jovem já que seu cabelo era tingido e não branco como os do marido. Notei na hora que era uma daquelas senhoras que aposentadas e sem muito o que fazer, passava os dias a bisbilhotar a vida dos vizinhos e a comentar a vida alheia. Ela me deu uma olhada longa e desdenhosa como se detestasse Lola e a mim por consequência já que perguntava por ela. - Pra onde ela foi eu não sei. – Disse ainda com desdém em sua voz. – Mas foi embora com um senhor de meia idade em um carro muito bonito. – Me olhou bem nos olhos e ironicamente acrescentou: – Talvez esse senhor seja o pai dela, ou um tio...ou quem sabe, não é?

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Nem me virei pra responder. Andei em direção ao carro, me sentei ao volante e atônita ligava os fatos em minha mente. Havia sido trocada. Pela descrição eu fazia ideia de quem era, tinha um estúdio de filmes independentes e uma má reputação, dirigia algumas peças e embora não tivesse muito sucesso ninguém sabia de onde ele tirava tanto dinheiro para suas produções e estilo de vida. Trocada. Quando eu não mais podia pagar pelos caprichos de Lola ela simplesmente arranjou alguém que podia e....foi embora. Sem mais nem menos. Sem ao menos me avisar. Fui apenas um degrau para ela, talvez o primeiro de muitos que ela subiria para atingir seus objetivos de vida. Foi baixo, disso tenho certeza e sim, me senti usada e descartada. Mas queria a felicidade dela acima de tudo e embora sentisse rancor e angústia, um lado meu se sentia feliz por pelo menos ter sido útil para que Lola fosse alguém um dia. Aquilo doeu como uma punhalada no peito, mas não havia remédio que amenizasse essa dor que infelizmente só passou depois de muito tempo. Mas passou. Não guardei ressentimentos do que houve, entendo porque Lola fez isso e sei que diferente de mim, ela seguia seus sonhos quaisquer que fossem e que faria de tudo para conquista-los. Aos poucos paguei minhas dívidas, retornei às aulas quando o semestre terminou e novamente a vida era monótona e vazia para mim.

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Capítulo 9 Depois que consegui esquecer tudo o que Lola havia me feito da última vez que nos encontramos passei a procura-la. No início tinha esperanças de acha-la em vários lugares e procurei-a avidamente. Com o tempo e após muitas frustrações comecei a desanimar da minha busca e até desisti. Às vezes as coisas acontecem e não importa o que aconteça, elas não mudam. São pra ser assim e assim o são. E não há muito a se fazer a respeito. Me formei seis meses mais tarde do que a minha turma, mas ainda assim, agora tinha um diploma que me permitia trabalhar em empresas maiores e não mais por conta, mas continuava com o mesmo emprego e a mesma vida mesmo após me formar. Pensava e queria fazer algo de novo, mas não sabia ao certo o quê. Folheei uma revista por falta do que fazer. Sabe quando se está entediada, mas quando pensa em fazer algo já se sente cansada e você volta a um estado de tédio novamente? Estava entediada, mas não queria fazer nada a respeito, embora não quisesse sentir tédio. Às vezes não fazemos sentido mesmo e pouco nos importa. Então peguei a primeira revista da pilha e a folheei. Eram aquelas revistas femininas de fofocas, aquelas que você compra para outras pessoas lerem porque você não tem o mínimo interesse em saber o que se passa na vida de um ator milionário que acabou de se divorciar e nem quer saber como a vida falsa de outras pessoas é melhor do que a sua em vários aspectos, mesmos que as fotos sejam forjadas e a realidade seja outra. As modelos gostavam de folheá-la e devanearem sobre um dia terem uma vida tão bela e perfeita quanto a das pessoas das revistas. E foi assim, sem a menor vontade de fazê-lo que entre anúncios de produtos para cabelos e produtos de beleza, que encontrei Lola. Estava bem mais magra do que poderia me lembrar, os cabelos alisados e as sobrancelhas mais finas e delineadas de acordo com a moda do momento. Quando se trabalha com modelos é fácil acompanhar as tendências. De maneira geral parecia mais madura, bom, já fazia pelo menos uns quatro anos que eu não a via, é claro que ela pareceria mais madura, mas seus traços também eram mais delicados, como os de uma pintura. Mas fora isso, era a mesma Lola que eu havia perdido pela segunda vez anos atrás. O anúncio era sobre aulas de ballet, mostra-a apenas em uma pose

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de bailarina em um palco, em letras grandes e rebuscadas havia apenas o título “Aulas de ballet clássico”, um nome e um telefone. Teria Lola posado para o anúncio ou estaria lecionando ballet agora? O nome impresso na página não era o de Lola, mas sim Olga. Bom, aparentemente Lola gostava de trocar de nomes, ela poderia muito bem ser Olga. Acho que cada vez que trabalhava com algo novo usava um nome diferente. Esperava que além do nome, também tivesse mudado sua atitude. Havia perdoado, mas esperava realmente que ainda fosse a Lola pela qual me apaixonei um dia na escola e que não precisou mais do que alguns segundos pra me conquistar. Tomei coragem, respirei fundo e liguei para a escola de ballet. Uma voz feminina atendeu ao telefone. Era uma secretária, daquelas extremamente e excessivamente meigas, cheia de diminutivos na fala, me tratando por “querida”. Pelo menos, em menos de cinco minutos havia me matriculado para aulas de ballet. Só começariam na próxima semana, o que me dava algum tempo para acalmar minha ansiedade. Comprei todo o uniforme necessário. Fiquei horrível de malha justa e cabelo preso, mas esperava que não reparassem em mim já que todas estariam vestidas da mesma maneira. Finalmente o dia da primeira aula chegou e para meu horror, quando cheguei a sala já estava cheia de mulheres, a maioria estava se alongando, outras ajudando umas as outras e como eu estava no horário, todas me olharam, não de maneira ruim, mas eu queria chamar a mínima atenção possível, e notei que talvez devesse chegar mais cedo para me alongar ou algo do tipo. Todas aguardavam a professora. Eu procurava Lola entre elas, mas nenhuma delas sequer lembrava-a. Talvez Lola só tivesse posado para o anúncio e eu tivesse perdido meu tempo ali. De repente todas correram e se enfileiraram ao lado do espelho, em fila, paralelas á barra que usavam para se alongar. Fiquei meio perdida, sem fazer o que fazer, então apenas fiz o mesmo que todas, sem notar que era porque a professora havia chegado. Só percebi a presença da professora quando uma voz firme falou atrás de mim, corrigindo minha postura: - Coluna ereta, novata. Fiquei gelada. Era a voz de Lola. Mas num impulso, obedeci.

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Fiquei tentando ver o rosto da professora, mas ela estava de costas para mim, arrumando a postura das alunas, depois foi para frente da sala e falava nomes que eu não entendia, com uma voz firme e determinada, chamando pelo nome todas as que estavam errando. Com medo de que ela me repreendesse na frente da sala, nem ousava olhar para ela, olhava as meninas da minha frente e copiava com a maior precisão possível todos os seus movimentos. Quando todas se viravam na direção oposta, eu tentava olhar para Lola meio de lado, mas nunca conseguia vê-la num bom ângulo, e a aula toda fiquei nessa tortura para vê-la, alimentando minhas expectativas. Finalmente consegui vê-la quando foi fazer uma demonstração para as alunas, tinha movimentos perfeitos e graciosos, parecia flutuar quando dançava e era indiscutivelmente Lola. - Tá dormindo em pé, novata? Atenção! Fui tirada do meu devaneio pela voz firme de Lola, porém pude notar que não falava de maneira rude, apenas firme, mas sorria como se dissesse para eu não me importar com a repreensão. E assim seguiu-se a aula. Eu não era a única que Lola ficava constantemente repreendendo, era uma professora um tanto séria agora. Sorri sem nem ao menos perceber quando notei o quanto havia mudado. Era uma pessoa melhor e maior, como queria ser da última vez que nos vimos. No final da aula queria me aproximar e conversar com ela, mas ela foi a primeira a deixar a sala e não tive escolha senão seguir o bando de alunas que se dirigia ao vestiário. Não sabia, mas algumas alunas tomavam banho ali e não tinham a menor vergonha de desfilarem nuas pelo vestiário. Fiquei um tanto desconfortável. Não que isso me incomodasse, mas toda aquela intimidade entre as alunas, toda aquela liberdade ainda me eram estranha e nova. Não me levem a mal, não me sentia atraída por mulheres. Me sentia atraída unicamente por Lola, ela era a primeira e única para mim, nenhuma outra mulher me chamava a atenção e não sentia atração alguma por elas. Por homens talvez um pouco...mas mulheres tinham formas tão parecidas com as minhas, na maioria das vezes, melhores do que as minhas e isso me despertava certa inveja e competitividade. A não ser por Lola, criatura mais perfeita sob meus olhos, a qual não me importaria em ser inferior ou menos atraente. Não sei se alguém já se sentiu assim, amando uma pessoa. Indepen-

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dente do seu sexo, do seu gênero, de sua forma física. Era algo estranho, mas amava a pessoa Lola, pouco me importando se tinha o mesmo sexo do que eu. Acreditava em alma gêmea naquela época e Lola era definitivamente a minha. Algumas pessoas encontram sua cara metade e muitas vezes ela tem o sexo oposto. No meu caso não era assim e pouco me importava. Meu amor era maior do que qualquer rótulo ou denominação. Se isso me tornava lésbica, bissexual ou qualquer outra coisa, não me incomodava nem um pouco. Sinto pena de quem se limita a procurar sua alma gêmea apenas no sexo oposto, pois podem estar cegos para a felicidade que está muitas vezes tão próxima. Sem olhar muito para os lados, me debrucei sobre o banco e comecei a tirar as sapatilhas e a meia, quando notei uma mão delicada no meu ombro e me virei para ver quem era. - Já já você pega o jeito, não desanime. Era Lola que me olhava sorrindo com carinho. Fiquei meio sem jeito de ter sido pega de surpresa, ainda mais numa posição um tanto constrangedora. Só balancei a cabeça afirmativamente e tentei esboçar um sorriso. Ela sorriu de volta, aquele lindo sorriso que sempre acabava com qualquer uma de minhas defesas. - Então te vejo depois de amanhã na aula, hein? Se puder chegar mais cedo, eu ensino alguns alongamentos que vão te ajudar a melhorar. Ela saiu do vestiário e fiquei ali, sem entender por que me tratava daquela maneira agora. Não teria me conhecido novamente? Seriam as roupas? O cabelo preso? Não entendia como eu poderia me lembrar dela tão perfeitamente e ela parecia se esquecer de tudo sobre mim. Ou talvez fingisse... Talvez Lola realmente fosse uma boa atriz, podendo fingir sentimentos que não tinha ou esconder sentimentos que tinha. Queria descobrir por que sempre aparecia e depois sumia da minha vida... Seria Lola um ser sobrenatural ou divino que aparecia na vida de pessoas como eu para bagunçar tudo e depois sumir novamente? Não sabia ainda, mas certamente iria descobrir.

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Capítulo 10 Diz a lenda que antigamente os seres humanos possuíam duas cabeças, quatro braços e quatro pernas e Zeus intimidado pelo poder dos seres humanos dividiu-os em dois seres, seres como somos hoje, uma cabeça, dois braços e duas pernas. E a partir deste dia o objetivo dos homens seria encontrar a sua outra metade. Se esta lenda tivesse um fundo de verdade, eu cria que Lola fora ligada a mim um dia a mim, tamanha era minha necessidade de estar junto dela. Portanto era difícil me concentrar nas aulas de balé. Já era naturalmente desastrada e por que não dizer, um pouco desengonçada. Sabe aquelas pessoas que tudo o que fazem é gracioso, andam com estilo e imponência, e que parece que até quando caem, caem com graça e leveza? Bom, definitivamente esta não era eu. Com exceção do meu trabalho, a fotografia, para o resto eu não tinha o menor jeito. Fosse com dança, fosse com classe, fosse com um estilo imponente. Em certo ponto o balé me ensinou algumas coisas: a ter uma postura melhor e a não tentar nunca mais aprender nenhum tipo de dança, era um desperdício de tempo e uma enorme frustração. Frustração que eu aguentava aula após aula, pois me trazia uma enorme recompensa. Passei então a ser uma aluna aplicada, que chegava mais cedo do que todas e ia embora depois que todas se foram. Até me acostumei a me vestir e a tomar banho no vestiário, ainda corava um pouco e mal dirigia a palavra às minhas colegas ali dentro tamanho era o meu embaraço, mas acho que depois da primeira vez que te veem nua você meio que se acostuma, e também jamais olhei minhas colegas com “maus olhos” por assim dizer. Como já mencionei, era estranho, mas apenas Lola despertava este sentimento em mim, de querer tocá-la, beijá-la e possui-la. De alguma forma e por algum motivo, Lola era especial e única para mim. Claro me depois da escola me envolvi com algumas pessoas. Tive até um noivo, veja só...mas este sentimento de sentir-se plena e sentir que a outra pessoa te completa de algum modo que você não sabe ao certo, só acontecia com Lola e foi pensando assim que um dia cheguei para ela depois da aula e a convidei para sair. Já havia a convidado antes e a segunda vez foi mais fácil. Minha voz nem tremeu embora minhas mãos tivessem ficado geladas. Resolvi perguntar logo após Lola comentar depois da aula:

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- Nossa, que fome. Nessas horas acho ruim a academia não ter uma cantina ou algo do tipo... Convidei-a para sair, assim, no meio da conversa, emendando um assunto no outro como quem não quer nada, afinal depois de nosso último desentendimento tive medo de parecer muito formal e ter uma resposta negativa. - É, eu também estou com fome. Vamos sair e comer alguma coisa? - Não seria má ideia. Eu aceito seu convite. E a conversa teria sido perfeita se tivesse parado por ali, mas Lola continuou: - Meninas, quem mais está com fome? Vamos sair todas e comer alguma coisa? A novata está fazendo um convite. Quem mais quer vir com a gente? Eu e a minha boca grande e a minha falta de articulação. Repetia pra mim mesma “Não é “vamos sair para comer alguma coisa”, é “você gostaria de sair para comer alguma coisa?”....”você gostaria” e não “vamos sair...” burra, burra, burra! Queria que a terra se abrisse e me engolisse tamanha era a raiva de mim mesma. Mas, paciência. Agora já tinha falado e lá fomos nós e mais um bando de meninas tagarelas para a lanchonete que ficava a uns quatro quarteirões dali mais ou menos. Nem ao menos sabia do lugar e não era o qual eu me referi quando chamei todas, quero dizer, quando tentei chamar Lola e acidentalmente dei a entender que convidava todas, para ir comer. Queria levar Lola em um lugar calmo, onde pudéssemos conversar em paz, jantar tranquilamente e eu pudesse me afogar em sua beleza. E de algum modo, na minha ansiedade, eu acabei comendo hambúrgueres, que até que eram bons, com colegas que eu mal conhecia e mal conversei com Lola. Conversa vai e conversa vem, acabei entrando na conversa também. A maioria das estudantes era mais nova do que eu e vida pessoal era o assunto principal. Na medida do possível eu me esquivava de perguntas muito pessoais, mas para não dar muito na cara, menti algumas vezes. Não menti para impressioná-las, apenas não queria discutir assuntos pessoais com meninas que mal conhecia. Mas ao contrário de mim, elas adoravam saber uma da vida das outras e a fofoca rolava solta em nossa mesa. Mal conseguia ver Lola de onde eu estava sentada. Paralela a mim, mais três garotas tampavam minha visão já que Lola sentara-se do mesmo lado da mesa que eu. Não que eu estivesse escolhido onde me sentar, fui praticamente empurrada ali por um bando de meninas

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afobadas e falantes que nem pareciam mais com as bailarinas graciosas e disciplinadas que eu conhecia das minhas aulas. Porém nem tudo foi tão ruim, com o passar do tempo as garotas, uma a uma foram se dissipando e sobrou apenas eu, Lola e mais duas. Essas duas esperavam por alguém que uma delas havia ligado para busca-las, então Lola se levantou para ir e eu me levantei atrás dela. Voltamos para a academia onde nossos carros estavam, e sim ela dirigia um carro agora, o que foi uma pena, pois a minha segunda abordagem seria ao oferecer-lhe uma carona. Como esta abordagem falhou, resolvi ser direta e me aproximei dela, dessa vez planejei antes o que falar: - Eu gostaria de saber se você gostaria de sair um dia desses. -Sentia-me orgulhosa por dentro por ter dito a coisa certa agora. – Só você e eu. – Adicionei, caso ela entendesse errado novamente. Mas pela expressão em seu rosto, acho que não deveria ter acrescentado a última parte do diálogo. Ela me olhou firme, depois deu um sorriso meio inconformado, olhou para o lado e depois me encarou novamente, mas dessa vez, mais amena. - Eu sei onde você está querendo chegar. - Sabe? - Sei. Não pense que é a primeira vez que isso acontece. - Que o quê acontece? - Que alguma aluna acha que por eu ser simpática depois das aulas, especialmente com as novas alunas, que eu estou dando em cima delas. Não é isso, eu só quero que vocês não se sintam mal se eu dou bronca e exijo muito de vocês, só quero mostrar que posso ser dura nas aulas, mas fora delas sou uma pessoa legal, pra não acharem que eu sou uma megera mal amada. - Ahhh... - Nem sabia o que responder, então disfarcei o real motivo da pergunta e me fiz de desentendida. Colocou a mão no meu ombro e sorrindo pra mim e disse: - Você é uma garota muito legal. É engraçada, é amável, é gentil e embora meio desengonçada, você tem potencial. Não me leve a mal, sei que deve estar confundindo as coisas agora, mas sei que logo encontrará um rapaz bom que vai saber retribuir este seu sentimento que talvez nem seja real como você imagina que seja. Por favor, não pense mal de mim.

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E como se não fosse confuso o suficiente, completou: - Se eu gostasse de mulheres, tenho certeza que me apaixonaria por alguém exatamente como você. E sorrindo, entrou no carro e se foi. E eu fiquei ali, parada, confusa, tentando entender aquilo tudo sem no final entender nada.

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Capítulo 11 E foi assim que eu fiquei: Embasbacada. Essa é a melhor palavra que define a minha reação. Aliás, acho desnecessário dizer que não frequentei mais as aulas de balé. Ver Lola e saber que ela não retribuía mais os mesmos sentimentos me dava uma sensação horrível. Não era tristeza, era mais do que isso. Era o vazio e a solidão de antes, maiores por saber que ainda por cima, não teria chance alguma com ela, já que agora, de repente, não se interessava mais por mulheres. O que eu poderia fazer? Não poderia esperar que mudasse se havia descoberto sua orientação sexual verdadeira. Não poderia trocar de sexo. Logo, não havia mais chances. Passei um tempo digerindo tudo isso. Não tinha vontade de sair de casa e nem fazer nada. Ficava imaginando como a Lola que havia me feito descobrir o amor por outra mulher teria descoberto não compartilhar mais a mesma orientação que eu. Teria falado isso apenas pra me dar um fora? Um fora que não fosse me machucar? Bom, um fora que não me machucasse diretamente, afinal não foi por causa de algo que eu fiz ou deixei de fazer, ou uma atitude ou minha personalidade. Era algo que eu não tinha culpa ou escolha. Entender que talvez Lola tivesse falado isso pra não me machucar me fez sentir um carinho especial por ela. Às vezes não a entendia, mas sabia que fazia algo para o meu bem. Talvez estivesse me poupando de algo como fez comigo no colégio quando éramos meninas? Não sei dizer. Mas sentia que mesmo meus momentos com ela sendo tão breves, sabia que ao menos tinham uma finalidade. Sabia que pela terceira vez havia ficado sem ela e que tudo tem um limite, mas não conseguia de maneira nenhuma me livrar das memórias antigas, não conseguia superá-la e também não acreditava em sua nova heterossexualidade. Tudo o que ela me disse soava como algo para proteger, assim como aconteceu na minha infância. Soube através de ligações que Lola não mais estava lecionando balé naquela academia. Senti-me como se tivesse perdido meu amor novamente, e dessa vez por minha própria culpa já que nunca mais fui até lá para vê-la. Fiquei péssima, podia nunca mais vê-la e isso me magoava muito. Resolvi que o melhor seria esquecer. Superá-la, encontrar outra pessoa.

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Precisava me distrair, comecei a sair depois do expediente, comecei a ir ao cinema, ao shopping, fui até a bares, mas não adiantava muito, nem ao menos bebia. Mas isso me mantinha ocupada e tirava meu foco de outra desilusão com Lola. E foi assim, tentando esquecê-la e tentando superá-la que eu a encontrei novamente. Foi numa noite em que a reencontrei. Havia ido ao teatro onde havia uma comédia em cartaz com uma crítica muito boa. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir no meio da apresentação que Lola fazia parte dela. Mal acreditei. Em uma cena, vi Lola entrar em cena. Não dançava na apresentação, ela atuava como a esposa ciumenta do personagem principal e o mais engraçado era que a personagem tinha o mesmo nome dela. Lola havia de fato se dedicado ao teatro, talvez desse aulas de balé durante o dia e a noite atuava, como já havia me dito, o trabalho como atriz não pagava muito bem e nem era muito constante então ela sempre precisava trabalhava em outro emprego. Quando fui trocada pelo diretor de teatro senti-me desamparada, mas vendo-a atuar me fez entender que talvez isso tivesse sido necessário, ela estava ótima e cativou o público muito mais do que o personagem principal que não tinha tanto carisma quanto ela. Novamente isso me fez crer que nossos encontros e desencontros tinham um significado, tinham um motivo de ser e talvez estivessem até predestinados. Ao final da peça fiquei cercando os fundos do teatro tentando encontra-la, mas Lola não saía e comecei a perder as esperanças de me encontrar com Lola novamente. E quando eu já achava que não a encontraria, ouvi uma voz atrás de mim: - Oi moça, procurando alguém? Virei-me e vi um moço atrás de mim, me lembrei dele na peça, fazia um personagem mais secundário e vinha abrindo um pacote de cigarros. Aparentemente havia saído para compra-los. - Sim. Eu conheço a moça que fez a esposa do personagem principal, Lola. - Ahhh, nesse caso, venha comigo, eu te levo até ela. Então o segui e ele me levou até os camarins, e lá encontrei minha Lola.

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Agora que eu havia notado, tinha os cabelos lisos. Não estranhei, era a moda da época. Estava comprido e alisado, igual as modelos da revista que ditam a moda. Ficou bem nela, embora preferisse suas ondas originais, ficava bem com cabelos lisos também. Tirando isso, era a mesma, continuava magra como da última vez que a vira, o que me fazia acreditar que ainda lecionava balé, mas não perguntei para não aborrecê-la com o que me disse da última vez que nos encontramos. Começava a achar que ela havia me dito aquilo para o meu próprio bem, então não me convinha saber seus motivos. Confesso que não o fiz com medo de perde-la novamente também. Quando a vi, a cumprimentei timidamente e qual foi a minha surpresa quando recebi um abraço caloroso e apertado, e a ouvi dizer: - É tão bom te ver aqui. Fico feliz que tenha gostado da peça! A abracei bem apertado e não consegui falar nada, mas meus olhos se encheram de lágrimas e precisei limpa-los quando senti os dedos de Lola em meus cabelos, acariciando-os delicadamente. Lola me apresentou o resto dos atores que contracenavam com ela, todas as histórias parecidas com a dela, mas todos muito simpáticos e divertidos. Me senti enturmada como não me sentia em anos, todos tinham suas peculiaridades e isso os tornava muito divertidos e únicos. Embora fosse tarde da noite, nenhum deles estava cansado e me convidaram para ir a uma casa noturna. Minha primeira reação foi negar, estava cansada e tinha algum trabalho agendado para o outro dia, embora fosse um sábado, mas vendo Lola me pedir de maneira tão doce e meiga, não consegui negar e os acompanhei até o local. A música alta era quase ensurdecedora e mal conseguia ouvir o que meus novos companheiros conversavam, e ficou ainda mais difícil de entendê-los depois de um ou dois drinques que foram gentilmente oferecidos por Lola. Nós conversamos um pouco conforme era possível com aquela música alta, conversamos sobre o trabalho e sobre algumas coisas do passado. Notei que Lola se mostrava um pouco confusa quanto a algumas partes, o que me fez crer que ou eu tinha tudo muito vívido porque havia significado muito para mim, mas o fato dela não se lembrar assim tão bem me fez crer que talvez aquilo não tivesse tido muito significado para ela. Ou talvez depois de tantos anos fosse mesmo difícil lembrar de tudo em seus detalhes, a não ser para mim que revivia estas memórias vividamente em minha mente quase todos os dias.

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Achava engraçado que todos tinham o mesmo nome de seus personagens, achei diferente que os atores tivessem nomeado seus personagens com seus próprios nomes. Acho que isso tornava as coisas mais reais, que fazia a atuação mais real, e fiquei feliz que a realidade parasse por aí, não podia imaginar Lola casada com alguém, mesmo com aquele rapaz tão simpático, e fiquei aliviada em ver que eram apenas amigos e que o casamento era apenas na ficção. Ficamos ali até quase amanhecer, meu trabalho se arrastou no sábado e não havia nada que ocupasse minha mente senão Lola, a não ser pela horrível dor de cabeça, fruto da privação de sono, música alta e álcool. Não tive como lutar contra a minha resolução de superá-la, e a noite, lá estava eu novamente no teatro, assistindo a sua peça. E o fato se repetiu no domingo, na segunda e na terça-feira, quando recebi um pequeno embrulho dos atores: uma caixinha com ingressos para todas as apresentações.

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Capítulo 12 Assisti a todos os seus espetáculos. Todos. Todas as noites durante todos os dias em que a peça seguiu em cartaz, todas as apresentações. Era a primeira fã do grupo, ou melhor, da atriz principal. Lógico que este meu comportamento chamou a atenção de todos, o que me desapontou um pouco foi que o primeiro a quem minha atitude se fez notar foi o rapaz que atuava como o marido de Lola, uma noite eu estava saindo quando o ouvi gritando com passos apressados atrás de mim. - Ei, espere aí! Virei-me para ver quem e por que me chamava. - Eu queria conversar com você. Olhei-o como quem diz “pois então diga o que quer” ingenuidade a minha, achei que ele talvez trouxesse algum recado de Lola. - Eu notei que vem nos ver todas as noites, estaria interessada em algum ator, por assim se dizer? Olhei para ele sorrindo. - É, acho que pode-se dizer que quase isso. Por quê? - Hmmm...porque se este ator em questão for eu, eu queria lhe dar isso. Entregou-me então um pequeno pedaço de papel dobrado, ao abri-lo notei um número. Provavelmente era seu telefone. Sorri e o devolvi. - Sinto muito, mas não é você. - É uma pena. – Respondeu ele, ligeiramente chateado. – Sabe, você é muito bonita, achei que tivesse alguma chance. Mas poderia então perguntar-lhe qual foi o ator que cativou seu coração? - Acho que não há problemas em lhe contar. Mas só que não foi um ator, foi uma atriz. Não me entendam mal, o rapaz era bonito. Cabelos bem pretos, pele bem branca, olhos cor de mel, rosto jovial e simpático, esbelto e bem mais alto do que eu, do tipo brincalhão e carismático mas eu só tinha olhos para Lola. Ele forçou uma expressão fingida de espanto em tom de brincadeira e então sorriu.

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- Eu não achei que você era dessas...mas eu não te recrimino. Ela é linda, não é? E tem talento. - Entre muitas outras qualidades. - Você fala como se a conhecesse a muito tempo. - E a conheço. - Ah, essa história eu quero ouvir. E então contei a nossa história rapidamente, não toda, apenas o que aconteceu no colégio. Ela trabalhava com ele, não queria que ele pensasse que Lola era uma pessoa ruim ou instável, contei apenas do quão importante ela havia sido para mim e de como havia me protegido. Ele ficou visivelmente emocionado. - Nunca imaginei que ela fosse assim tão especial. Quero dizer, ela é uma pessoa incrível mas nunca pensei que pudesse ser mais do que eu já a considerava. - Ela nunca mencionou nada com você? Ou com algum de vocês? - Não que eu me lembre. Mas ela não é muito de conversar sobre o passado. Veja, somos atores, e muito de nós não nos orgulhamos do passado que não é nenhum pouco glamuroso. Não foi fácil chegar ao palco de um teatro e muitos de nós, senão todos nós, chegamos aqui por contatos, não muito corretos na maioria das vezes. Mas agora que você mencionou, acho que eu ouvi sobre um amor da época da escola ou algo assim. Só nunca desconfiei que era uma garota, embora deva admitir que já a tenha visto saindo com mulheres anteriormente. Acho que ele notou minha expressão um pouco surpresa e corrigiu: - Mas não no momento. No momento ela não está saindo com ninguém, não se preocupe. Eu sorri, ele era um rapaz muito extrovertido. - Olhe, gostei de você e você parece estar bem apaixonada, então eu vou intermediar um encontro entre vocês duas, o que acha? Afinal o que é um ator senão um mensageiro do amor, não é mesmo? E então fez uma pose como se fosse um cupido e eu ri do seu bom humor, me despedindo e agradecendo a boa ação que me havia sido proposta. Achei que ele entraria em contato dali a alguns dias e fiquei surpresa quando meu telefone tocou bem cedinho no outro dia. Eu ainda estava em casa, havia acabado de levantar e logo achei que era algum problema com algum cliente e atendi com uma voz meio mau humo-

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rada. - Alô. - Bom dia, minha admiradora. Sabe quem é? - Lo-Lola? - Adivinhou. Eu tive uma conversa com um colega ontem a noite... então quer dizer que a senhorita ia a todas as peças só para me ver? Que bonitinho. Mas poderia ter sido mais direita e me falado antes. Estou doida pra te convidar pra sair desde que fomos à casa noturna. - Deveria ter me convidado então. - Eu não...e entregar o ouro fácil assim pra você, de mão beijada? Não...tinha que fazer você correr atrás um pouquinho, né? De quem acha que foi a ideia da caixinha com os ingressos? Lola, sempre um passo a minha frente. Sorri lembrando como ela costumava me fazer de boba sempre planejando tudo de antemão. Acabamos combinando de almoçarmos juntas já que ela trabalhava próxima de onde eu trabalhava, não muito, mas a vontade de nos vermos era tanta que algumas estações lotadas não pareciam um grande incômodo. Tentei não lembrar o passado, pois toda a minha experiência me dizia que esta era uma área perigosa, então nos focamos no presente. Soube que não trabalhava mais de modelo já que me disse trabalhar em uma confeitaria durante o dia. Ainda não conseguia se manter apenas como atriz. Morava em um pequeno flat com uma estudante de intercâmbio russa e uma gatinha preta de olhos caramelo. Quando perguntei o nome da gatinha, ela apenas me respondeu: - Eles não precisam de nome, nós é que precisamos. Nós que temos que dar nomes a todas as coisas para achar que são nossas. Eu não vejo nenhum animal chamando o outro pelo nome e mesmo assim eles parecem saber quando algum bicho se dirige a eles, não? Ri. Era verdade. - Sei lá, eu a chamo de “gatinha” as vezes, mas é meio bobo conversar com um gato, então eu apenas a alimento e dou carinho e um lar, sem conversas. Se eu quisesse puxar conversa com ela pediria referências já que ela mora comigo agora. Mas minha colega de quarto a chama de “Masha”, acho que é algum nome russo ou algo assim. Aliás, você poderia ir conhecê-las, o que acha?

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- Eu adoraria. Ela ficou toda empolgada. - Olha, eu já vou avisando que eu não fico muito em casa e tudo é uma bagunça, viu? Não repare. Mas não se preocupe pelo menos eu vou te esperar com algo bem gostoso, tá? - Claro, mas não precisa se incomodar... - Não, é bom ter visitas. Especialmente visitas como você. Me deixe mimá-la um pouco pra te fazer sentir bem como você me fez quando foi me ver atuando. Vou te contar um segredo: quando eu te via lá, olhava só pra você, como se eu estivesse atuando só pra você e todas as outras cadeiras estivessem vazias e só você ali, me olhando... E dizendo isso olhou o relógio, soltou um palavrão, mexeu na bolsa, deixou o dinheiro referente ao que havia consumido na mesa e saiu correndo. Mas quando estava no meio do quarteirão, virou-se pra mim e gritou: - Ei! Obrigada pelo almoço! E me mandou um beijo. E então saiu correndo novamente. Corei ao ver que todos que olhavam, mas por dentro, podia pular de felicidade.

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Capítulo 13 O lugar onde Lola morava era pequeno, e se Lola já era bagunceira, a amiga russa conseguia ser ainda pior. Falava nossa língua com um sotaque quase indecifrável, logo eu apenas sorria e concordava com o que quer que ela falasse. Lola preparou vários quitutes, o que me surpreendeu, nunca pensei que fosse tão talentosa usando o forno. Fez várias coisas que deve ter aprendido em seu trabalho e tudo tinha um gosto maravilhoso. Depois que comemos fomos assistir algo na televisão, mas era impossível encontrar o sofá debaixo de uma pilha de roupas que precisava ser dobrada e passada, a russa falava alto com alguém no telefone, alguém que falava o mesmo idioma dela pois eu não entendia nenhuma palavra do que dizia, e isso meio que tornava difícil de eu conseguir um momento mais romântico com Lola. Foi então que ela sugeriu: - E se fôssemos para o teatro? -Hmmm, pode ser. Alguma peça interessante em cartaz? - Na verdade não. Não tem nada em cartaz. - Então? - Você vai ver. – Revirou os olhos como se enfezada por eu ainda não ter entendido o que estava propondo. Dirigi até o teatro e estranhei o fato de estar todo apagado e sem ninguém ali dentro aparentemente. Porém Lola foi me puxando pelo braço até a porta. - Mas como é que você vai entrar? Não tem ninguém? E pra quê? Ela então tirou uma chave de sua bolsa e abriu a porta fazendo um gesto como se aquilo fosse um passe de mágica. Levei um golpe certeiro da nostalgia, lembrei-me da primeira vez que Lola nos achou um lugar reservado, como esse, para ficarmos a sós. Foi então que entendi o que ela pretendia e sorri, sendo tomada pela nostálgica felicidade. Lola seguiu adiante, acendendo luzes e abrindo portas, até que abriu as portas do auditório. Acendeu as luzes e foi bem diferente ver tudo tão vazio e silencioso, podia ouvir o eco dos meus passos. - Como você tem a chave daqui? – Perguntei, me assustando com o som da minha voz sendo repetida pelo eco.

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- Tenho uma cópia porque venho aqui às vezes para ensaiar. O diretor não se importa e só tenho acesso até aqui, então tudo bem. Não se preocupe pelo que eu sei alguns outros atores tem as chaves, mas não vem aqui com frequência, muito menos a noite. Somente a segui, curiosa para saber o que aconteceria a seguir. Lola foi até o palco, me levando pela mão e então me deixou parada ali, bem no centro e saiu. Sumiu por alguns minutos e eu fiquei me perguntando onde teria ido. Teria ido embora? Teria me deixado ali sozinha? Teria feito uma brincadeira comigo? Senti então dois feixes principais de luz ofuscar meus olhos, e então ouvi mais refletores se acenderem e senti o calor da iluminação intensa das luzes do palco sobre mim. Quando finalmente havia me acostumado com a intensidade das luzes e tirava os braços que cobriam meu rosto e principalmente meus olhos, vi Lola em minha frente. Caminhava contra a luz que formava um halo em volta dela e fazia com que cada vez mais ao se aproximar de mim parecesse mais um anjo descendo do céu. Seus braços encontraram o meu corpo e eu a senti me abraçando forte e seus lábios contra o meu em um beijo profundo e ávido no qual eu me deliciosa. Senti seus braços se apertarem contra o meu corpo conforme nosso beijo ficava mais intenso, senti que aos poucos Lola erguia minha blusa também, e apesar no receio de estar em um lugar diferente e tão amplo, me deixei levar e deixei que seus dedos longos e macios me despissem pouco a pouco. Vagarosamente também ia despindo-a pouco a pouco, entre beijos que não só se limitavas aos lábios, mas se estendiam também pelo meu pescoço, ombros e ouvido, úmidos e delicados sobre a minha pele. Sentia o calor de seu corpo, o cheiro doce de sua pele e de seu cabelo impregnando em minha volta. Quando dei por mim estava no chão do palco, deitada sobre nossas roupas, Lola estava sobre mim, me beijando enquanto eu sentia seus dedos percorrendo os lugares mais íntimos do meu corpo. Era uma sensação maravilhosa, tão maravilhosa que eu precisava que ela sentisse também, logo a deitei sobre o chão e comecei a tocá-la. Lola achou graça e sorriu pra mim: - Não achei que você fosse do tipo que gostasse de tomar a iniciativa e a liderança, mas se você é, vá em frente. Sou toda sua. Depois que Lola disse isso não mais pude me controlar e só parei

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quando já sem forças a ouvi gemer e soltar seu corpo sobre o meu, ofegante e com a respiração pesada. Me sentia no céu novamente, estava exausta como ela, e queria muito tomar um banho e deitar na minha cama e dormir, mas estava satisfeita como não me sentia em anos. Saímos depois de verificar se tudo estava da mesma maneira como havíamos encontrado e fomos para o meu apartamento. Tomamos banho e devo confessar que debaixo do chuveiro tudo recomeçou, e quando terminamos eu estava na minha cama, cansada como se tivesse corrido uma maratona, deitada ao lado de Lola que dormia profundamente vestindo apenas uma calcinha e uma camiseta que eu havia emprestado a ela. Acariciei seus cabelos úmidos e senti que Lola deu uma pequena estremecida. - Por que você não fica aqui morando comigo? - Mmmm...- respondeu ela com um pequeno resmungo, abrindo apenas um olho e depois fechando novamente. - Isso foi um sim? – Perguntei sorrindo. Ela fez que “sim” com a cabeça e deu um leve sorriso, depois segurou a mão que afagava seus cabelos, a beijou, puxou para perto de si e não soltou mais. Fechei os olhos e deitada ao seu lado, com minha mão sendo segurada pela dela e próxima ao seu corpo, adormeci. Uma vez o autor Lewis Carroll escreveu em seu livro “Alice no País das Maravilhas” um diálogo entre Alice e o Coelho Branco, Alice perguntava “Quanto tempo dura o que é eterno? “e o coelho respondeu à menina “Às vezes, apenas um segundo.” No meu caso, o que era eterno havia apenas durado cerca de seis meses, quando cheguei em casa e não encontrei mais as coisas de Lola, e no lugar onde costumavam ficar, apenas um bilhete. “Minha querida,” - começava assim o bilhete, o que me fazia crer que não havia partido com alguma mágoa ou ressentimento. “é com imensa tristeza que me despeço da mulher mais incrível que já conheci. Me despeço com uma carta por não ter coragem de te olhar nos olhos enquanto te digo adeus. Sei que o que faço é covarde e que você merecia muito mais do que este pedaço de papel, mas quero que a minha despedida seja tranquila e não regada à lágrimas, que as lembranças que tem de mim sejam boas e nunca tristes e também porque jamais poderia suportar vê-la chorando.” Continuei lendo:

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“Agradeço por estes meses todos comigo, sei que não sou a pessoa mais fácil de entender ou conviver e apenas parto porque finalmente posso dizer que uma peça obteve sucesso e saímos em turnê, não posso abandonar o grupo, e não sei quando vou retornar e por isso não quero que fique me esperando. Não é justo com você, quero que seja livre para encontrar uma pessoa que te faça feliz enquanto eu estiver ausente e para isso, por mais que doa, preciso me despedir de você.” E terminava a carta com “Adeus”, mas no lugar da assinatura, pude ver em meio às lágrimas que embaçavam os meus olhos que não havia assinado o nome “Lola”, mas sim o nome “Larissa”.

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Capítulo 14 Escolha suas batalhas com sabedoria e saiba quais pode vencer e quais não pode. Obviamente não podia mais ganhar a batalha e bastava apenas me entregar. Por mais patético que isso soasse aos meus ouvidos era isso que eu sentia e foi pensando nisso que resolvi seguir em frente. Seria assim tão ruim seguir os padrões da sociedade, achar um bom homem, me casar com ele, ter um lar, uma família e ser considerada “normal”? Esta ideia certamente agradaria meus pais, por que então não tentar? Afinal, o que eu tinha a perder? Sem Lola não tinha motivos para não arriscar, minha felicidade não poderia mais depender de uma pessoa tão instável quanto ela. Foi pensando assim que comecei a sair com um rapaz que conheci com o trabalho, não era modelo, longe disso, trabalhava com edição de revistas e embora fosse muito simpático e carismático estava bem fora dos padrões de modelo. Não que não fosse belo, era bonito com seus quase um metro e oitenta de altura, cabelos levemente ondulados bem escuros, quase pretos, e olhos castanhos, rosto quadrado e simétrico, mas não tinha aquela beleza vulgar dos modelos os quais eu fotografava. Algo me incomodava neles aliás, assim como as modelos, tinham sorrisos falsos e plásticos, e se tinha algo que me deixava extremamente desapontada era com o comportamento destes homens, achando que todos em sua volta lhe deviam cultuar por sua beleza, suas personalidades podres eram escondidas com cativantes sorrisos em fotos e foi justamente comentando isso com um colega fotógrafo que o conheci. Chegou timidamente e riu do meu comentário soltando um “Acho que alguém aqui não teve um bom dia de trabalho. Mas relaxe, você se acostuma. O seu trabalho é só fotografar e o deles, parecerem bonitos, evite conversar e vai levar esse trabalho na maior tranquilidade”. Ficamos conversando depois, trocando fatos e experiências acontecidos conosco, o que eu passava com modelos mesquinhos e superficiais ele passava com editores que exigiam coisas sem sentido, e por mais que nossa conversa fosse sobre trabalho ela terminou em um convite para sair, o qual eu aceitei, mais por educação do que por interesse. Os dias foram passando, os convites se tornaram mais frequentes, e os dias viraram semanas, que viraram meses e sem eu que ao menos

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notasse estávamos namorando. Eu o amava, tinha certeza de que sentia por ele algo especial, porém também sabia que não o amava como amara Lola. Sabia que ninguém nunca substituiria o lugar dela dentro de mim, poderia sim amar outra pessoa, porém nunca tanto quanto ela. Claro que ele nunca soube disso e o amor que eu podia lhe oferecer não era pouco e lhe bastava e éramos felizes assim. Felizes o suficiente para que depois de alguns anos ele me pedisse em casamento. Eu sabia que este dia chegaria, e queria que ele fosse adiado para sempre se possível pelo simples motivo de que eu ainda tinha esperanças de encontrar Lola novamente. Anos se passaram e não tive nenhum sinal dela, nunca mais a vi ou ouvi falar dela mas eu ainda nutria a esperança de que apareceria e me arrebataria para sempre para um mundo onde pudéssemos enfim estar juntas. Pedi alguns dias para pensar e nestes dias fui a todos os lugares onde eu pudesse encontra-la, a primeira casa onde morara, seus antigos empregos, a agência de modelos, a escola de balé, o grupo de teatro, ninguém tinha notícias dela, ninguém sabia por onde andava e isso parecia tão normal da parte dela, não contar sobre sua vida pessoal que fiquei brava como todos, menos eu pareciam não se importar com o bem estar de Lola. Meu último recurso foi voltar ao colégio o qual estudamos quando éramos jovens. Foi bem difícil me lembrar onde era. Peguei algumas informações com meus pais, mas fazia tanto tempo que não iam até lá que dirigi horar por caminhos errados e direções contrárias até encontrar o lugar. Subi correndo as escadas sem nem ao menos notar que a fachada estava mudada, que o colégio tinha outro nome e que não mais era um colégio interno, e sim um colégio normal agora. Acho que os colégios internos haviam saído da moda. Cheguei correndo à recepção e só então percebi a mudança. Os móveis, os quadros nas paredes, os funcionários. Não havia mais nenhum dos antigos funcionários, se havia não conseguia reconhecer nenhum, mas em uma primeira análise, ninguém ali dentro parecia ter mais de trinta ou quarenta anos de idade. Para o meu desespero e decepção ninguém ali soube me informar nada sobre o registro das alunas do antigo colégio. O prédio havia sido vendido, a direção havia sido mudada e ninguém sabia onde os antigos registros escolares poderiam estar. Havia anos que o colégio

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interno tinha deixado de existir para dar lugar ao novo colégio. Mesmo assim, deixei meu telefone para o caso de descobrirem algo, mas eu não tinha fé alguma de que me ligariam em breve, aliás, não tinha fé alguma de que algum dia me ligariam com alguma informação. Decepcionada, voltei pra casa pronta para dar a resposta á proposta recebida. E sem esperanças de encontrar Lola, que nunca havia desaparecido por tanto tempo assim, o que me fez acreditar que sumiria para sempre agora, eu aceitei a proposta. Celebramos e planejamos juntos nossos casamentos. Me sentia bem. Os preparativos para o casamento me mantinham ocupada e de uma certa forma quando aceitei a proposta coloquei um ponto final em todo o meu passado e estava pronta para recomeçar. Queria recomeçar. Queria uma nova vida com um outro alguém que me fizesse esquecer a pessoa que mais amei em toda a minha vida e por um momento me pareceu que aquilo tudo serviria para me dar uma nova chance de ser feliz. Meu futuro marido estava muito empolgado, seus pais gostavam de mim e eu conhecia e me dava bem com quase toda a família, exceto com sua irmã, que morava em outra cidade com o marido e dela eu só sabia o nome, Anna. A cada dia que passava e a data se aproximava mais eu ficava na expectativa de que Lola apareceria e impediria que eu me casasse, mas faltando apenas três dias senti uma profunda tristeza ao perceber que isso jamais aconteceria, e embora essa tristeza fosse visível, muitos julgaram ser parte do nervosismo e da ansiedade pelo grande dia. Chegou o tão esperado dia e eu me preparava para andar pelo longo corredor decorado da igreja, embora não fosse católica e nem religiosa estava emocionada, assim como toda a minha família que via aquela “garotinha” finalmente se casando, e na igreja ainda por cima, em uma época em que nem todas fazia mais isso. Eu estava vivendo o sonho dos meus pais. Ao som da marcha nupcial eu notei todos os olhares virados em minha direção e acho que corei um pouco. Tentei focalizar apenas meu noivo ali no altar e sorrir, ignorando todos a minha volta já que aqueles olhares tanto me incomodavam embora soubesse que eram olhares admiradores pois ouvia pequenos comentários sobre o fato de eu estar muito bonita e elegante. Devia estar de fato bonita, o vestido era todo trabalhado com rendas e bordados, tinha pouco brilho já que era feito de cetim e natural-

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mente brilhava. As alças deixavam meus ombros à mostra, mas o véu os cobria. Tinha os cabelos presos em penteado com cachos, flores e pontinhos brilhantes. Me sentia bonita de verdade e me sentia calma, como se ao entrar por aquele corredor deixasse todo o meu passado para trás. Quando cheguei ao altar pude finalmente observar todos ao redor, notei todos ali, amigos, colegas, parentes. Olhei os mais próximos a nós, nossos pais, nossos padrinhos, familiares...e avistei próxima a mim, ao lado de um rapaz que eu nunca havia visto, possivelmente o cunhado do meu marido, Lola. Tamanha foi a minha surpresa ao perceber que a irmã do marido, a suposta Anna, era na verdade Lola. Não era a toa que notava tamanha semelhança entre ele e Lola, eram irmãos! Fiquei pasma olhando para ela, que olhava de volta sorrindo. Precisei me concentrar para prestar atenção ao que o padre dizia e não cometer uma gafe no meio do meu próprio casamento mas tudo que eu pensava era que Lola iria a qualquer momento impedir aquele casamento, mas o momento dos votos, das alianças e do beijo chegaram e ela não proferiu palavra alguma, o que me encheu de ódio e decepção no dia que deveria ser “o mais feliz da minha vida” segundo o que me haviam ensinado. Assistira a tudo em silêncio, sorrindo para mim. E se houve um momento em que a odiei, foi aquele, no qual esperei que me salvasse e ela não fez nada por mim. Mas também, agora não me cabia tais sentimentos, era uma mulher casada.

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Capítulo 15 No momento em que vi Lola no altar sabia que meu casamento estava fadado ao fracasso no dia em que ele se realizou. Mas mesmo assim resolvi que eu seria uma boa esposa, afinal Lola tivera sua chance, não uma, mas várias chances ao longo de anos, inclusive assistira ao meu casamento e não se manifestara e nem ao menos proferiu uma palavra a respeito, e o pior, havia se casado também. Havia desistido de mim? Há quanto tempo? Teria maquiavelicamente planejado tudo? Todos os seus movimentos, todas as suas aparições e desaparições? Estas eram questões que me tiravam o sono, mas que com o passar dos dias e com a rotina do casamento eu pouco a pouco fui esquecendo e “aceitando”. Como já disse, havia resolvido me casar e ser uma boa esposa, no dia em que decidi me casar decidi também enterrar o meu passado e isso significava enterrar Lola nele também, então mesmo que jamais esperasse encontra-la em tal situação não podia voltar atrás na minha promessa. No dia a dia era fácil não pensar em Lola, a vida de casada consumia muito do meu tempo, quase todo o tempo livre que eu tinha, fosse com tarefas domésticas que agora vinham em dobro, ou com discussões da vida a dois como contas, aquisições, projetos futuros e etc. Meu marido era bom, era calmo, centrado, amável e ajudava sempre nas tarefas, muitas vezes fazendo mais do que eu fazia. Fazia questão de pagar a maior parte das contas embora eu insistisse em dividir meio a meio, era gentil e eu não podia me queixar de nada, nada me faltava... ...a não ser aquele vazio que ficara no lugar em que Lola costumava ocupar. O que complicava era quando havia encontros de família. Eram poucas vezes durante o ano mas sempre que aconteciam eu nunca conseguia agir normalmente, ficava encarando Lola, olhando-a de longe, prestando atenção ao que fazia, ao que falava e como o clima ficava meio estranho por causa disso eu sempre tentava evitar estes encontros familiares, ao ponto que isto começou a gerar algumas discussões entre eu e meu marido e não me sobrou muita escolha senão comparecer a estes encontros e tentar agir o mais normalmente possível. Todo verão íamos para a casa de campo dos pais do meu marido e lá a família toda se encontrava durante as férias, ficávamos alguns dias

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e depois voltávamos cansados de não ter o que fazer ali a não ser descansar, porém aquele ano foi diferente, encontramos Lola e seu marido lá também. A noite estava quente e os insetos não deixavam dormir, aparentemente os insetos apenas me importunavam já que todos estavam dormindo e só eu me sentia incomodada por eles, então me levantei e temendo acordar alguém, fui para o jardim, onde havia um velho banco no qual me sentei. A noite estava fresca e agradável e pelo menos ali os insetos me deram alguma paz. Senti uma mão quente no meu ombro depois de um tempo. - Posso me sentar? Me virei e vi Lola, de camisola fina, chinelos e carregando dois copos de chá gelado, o qual ela me ofereceu quando se sentou ao meu lado sem esperar respostas. Aceitei, o chá caiu muito bem com aquele calor. - Não consegue dormir também? – Perguntei. - Não...e você? - Também não. Insetos. Lola riu e tomou um gole de chá. - Comigo também. Um inseto gigante roncando do meu lado. - Seu marido? - Sim. – Remexeu nos bolsos da camisola e tirou um cigarro e um isqueiro, acendeu-o, deu uma longa tragada e depois se virou pra mim me oferecendo. Recusei, não fumava. - Seu marido não ronca? – Perguntou novamente após outra longa tragada. - Não. Se ronca, nunca escutei nenhum ruído. - Sorte a sua, se deu melhor do que eu na sua escolha. - Acho que sim. – Respondi timidamente sem entender muito bem por que ela falava deste jeito. – Você não parece muito feliz com seu marido, vocês brigaram? Lola riu e tragou seu cigarro mais uma vez, já perto do fim agora. - Não, pra brigarmos teríamos que ter algum tipo de relação. Eu finjo que não sei que ele tem outra e ele finge que eu não sei de nada e que sou uma esposa modelo.

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Olhei para Lola com certo pesar enquanto ela pagava seu cigarro já no final, depois fiquei sem jeito com tais revelações e fixei meu olhar no meu copo de chá pela metade, sem coragem de encará-la ou comentar algo. Havia julgado Lola muito mal, estava presa em um relacionamento infeliz. Senti novamente aquela mão quente, afagava meu cabelo, gentilmente colocando-o para trás de modo que Lola pudesse ver meu rosto, olhei para ela que me olhava com pesar também e sorria gentilmente. - Você se mostra infeliz com o que eu disse, mas sente o mesmo, não sente? Eu noto como me olha...você é como eu e sente falta de carinhos que só uma mulher pode te oferecer, não é? Não respondi, apenas fechei os olhos e deixei que Lola afagasse os meus cabelos. Senti suas mãos irem para o meu rosto, meus ombros, meus braços. E então senti que me puxava em sua direção e me puxava para um beijo, o qual foi tão mágico quanto qualquer outro de seus beijos, mesmo tendo um gosto amargo de cigarro misturado a amargura daquela Lola que agora sofria em um casamento infeliz. E era assim toda vez que nos encontrávamos, sempre dávamos uma maneira de escapar dos olhares públicos e ficarmos um tempo a sós, como quando éramos adolescentes e nos amávamos escondidas. Já não tinha que fugir dos encontros familiares e eu me mostrava disposta e animada para os mesmos, o que deixava meu marido muito feliz e orgulhoso de mim e talvez por isso ele nunca tenha suspeitado de nada. Já o marido de Lola eu não sei ao certo se suspeitava de algo, nem se o que ela me disse sobre ele era verdade, mal tínhamos tempo de ficar a sós então nunca conversávamos sobre nossas vidas particulares. E foi assim que a esposa perfeita que jurou deixar o passado para trás começou a ter um caso com a cunhada. Não me orgulhava nenhum pouco do que fazia e a culpa cada vez me consumia mais e mais, e com o passar do tempo nem a ansiedade para ver Lola conseguia apagar esta culpa, eu queria pôr um fim naquilo tudo, mas Lola se mostrava resoluta em não deixar o marido, logo eu não a teria a não ser que fosse de maneira infiel, e se eu deixasse meu marido, ficaria sem ele e sem Lola, então não tinha escolha a não ser aprender a viver com a culpa. Por diversas vezes ensaiei dizer a verdade e confessar meu crime a meu marido, mas nunca achava a coragem para fazê-lo, apenas o fazia em minha mente e sabia que o dia que contasse tudo perderia tudo.

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Porém não se pode fugir da verdade por muito tempo e certo dia aconteceu algo que mudou completamente a minha perspectiva dos fatos e me fez tomar decisões drásticas. Após semanas de desconfiança confirmei que estava grávida. E isso mudou completamente a minha vida. Primeiro porque não poderia criar um filho num casamento de mentira, logo a primeira decisão foi contar toda a verdade para o meu marido que pediu o divórcio obviamente, mas ele era um homem bom e jurou não entregar Lola ao seu irmão, esta era a condição, se o fizesse eu não reclamaria minha parte de nada, do carro nem da casa, mas mesmo assim, ele dividiu tudo que era meu por direito e ainda manteve sua promessa. Depois contei para Lola que estava esperando um filho, que estava me divorciando e me mudando para uma casa no centro da cidade, que ali podíamos começar vida nova, nós três, eu, ela e o bebê, mas Lola era covarde demais para abandonar o conforto que o marido lhe dava. Não esperava mesmo que aceitasse o meu convite e também não me importei, que fosse para o inferno com suas escolhas erradas, eu tinha agora um pequeno ser dentro de mim para me preocupar, alguém que dependia de mim e de minhas escolhas, Lola já era adulta o suficiente para fazer as suas escolhas, pena sempre escolher as erradas. Minha filha nasceu numa manhã de Abril, uma menina saudável com olhos e cabelos castanhos ligeiramente ondulados, lembrava bastante meu marido tendo apenas alguns traços meus como nariz e lábios, e era certamente a garotinha mais linda que eu já vira na vida. Risonha e esperta enchia minha nova casa de alegria. Nunca mais cruzei com Lola novamente, mas é como dizem, quando paramos de procurar também paramos de encontrar e acho que como nunca mais quis encontra-la nunca mais a vi. Lola foi e sempre será o grande amor da minha vida e eu jamais vou me esquecer de todos os momentos que passamos juntos mas Lola tomou todas as decisões erradas na vida embora eu tivesse lhe oferecido várias escolhas e por mais que a amasse chega uma hora na vida de todos em que não podemos mais ir atrás de algo que já está perdido há muito tempo e só existe ainda por que uma das partes ainda não desistiu de tentar. Além disso com a maternidade e o emprego não me sobrava tempo nenhum para pensar em Lola, quer dizer, naquela Lola do colégio, naquela Lola que eu fotografava, aquela que me deu aulas de balé, que virou uma ótima atriz de teatro e que um dia se casou com o homem errado e foi infeliz com ele, nessa Lola eu já não pensava mais. Pensava apenas na Lola que me chamava de “mamãe”.

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Epílogo Na casa ao lado uma moça por volta da mesma idade dela descarregava caixas e mais caixas de um carro estacionado em frente ao seu. Carregava com dificuldade algumas caixas menores enquanto carregadores subiam as escadas do pequeno sobrado com as caixas maiores. Subiu as escadas acompanhando-os, colocou a caixa no chão e começou a desempacotar retirando as várias camadas de jornal que protegiam o conteúdo da caixa. Um vaso que colocou em cima da mesa de centro da sala, quadros que colocou encostados na parede, planejando onde iria pendurá-los assim que achasse a caixa de ferramentas com martelo e pregos. Retirou mais alguns bibelôs de porcelana que colocou organizadamente na prateleira da estante, alguns porta retratos com fotos de uma moça em um longo vestido branco acompanhada do pai na igreja foram abertos e suas fotos foram retiradas, colocadas novamente na caixa e os porta retratos colocados de lado, e por fim, embrulhado sob várias camadas protetoras de jornal de plástico bolha, tirou um porta retrato ao qual ficou olhando por vários minutos até decidir coloca-lo em posição de destaque bem no meio da prateleira principal da estante da sala. Nele podia-se ver duas garotas sorrindo, uma com cabelos longos e escuros, bem ondulados e com olhos igualmente escuros, ao lado de uma garota ligeiramente mais baixa, com cabelos lisos e castanhos, a garota parecia pálida e sem graça, mas sorria feliz junto a outra, ambas com uniforme escolar na frente das escadarias de um colégio antigo. Saiu distraída com o carrinho cor de rosa com a menininha rechonchuda sentadinha nele. A garotinha brincava e mordia alguns bichinhos de borracha e estava entretida em enfiá-los todos na boca para o deleite de sua mãe que a observava com carinho e admiração. Estava tão distraída que nem percebeu quando a nova vizinha, uma moça de sua idade, cabelos longos ondulados e escuros como seus olhos, lhe desejou “bom dia” ao passar, também não percebeu quando esta ficou olhando-a por algum tempo, até que estivesse longe, sorriu alegremente e então subiu para a sua nova casa carregando uma caixa com certa dificuldade enquanto acompanhava os carregadores. Tudo bem, elas ainda teriam várias outras oportunidades de se reencontrar e certamente muito o que conversar.

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Questões Frequentes Por que a personagem principal não tem nome? Trata-se de uma narrativa de uma anônima, de uma pessoa tão centrada em outra pessoa que a sua própria individualidade não é importante. Nem ao menos cheguei a me decidir por um nome. Por que só a Lola tem nome na estória? É só quem existe para narradora, no mundo dela só a Lola é importante e só a Lola. Logo só a Lola tem nome, só ela “existe” na estória como personagem. Como você escolheu os nomes das garotas que a personagem identifica como Lola? Não são nomes de namoradas, não são nomes de amores platônicos e a Anna não é a Anna colunista.ão nomes “universais”, e quando eu digo universais eu digo que por exemplo, tem Lydia no Brasil, nos EUA, na Rússia, nos países latinos e etc. Aliás, a ordem dos nomes forma o nome LOLA: Lydia, Olga, Larissa e Anna. Isso não é por acaso. :) Onde a estória de passa? Não sei se foi todo mundo que notou que a estória não tem tempo e nem lugar, é proposital, não é preguiça não. É pra estória não ficar “velha”, do tipo “nossa, quando eu li este conto ainda não tinham inventado o aparelho “x” pra ligar para as pessoas!”. Sobre o lugar, basicamente porque eu teria que conhecer bem o lugar que seria ambientado, se fosse em São Paulo teria que me preocupar com detalhes do tipo “mas no lugar “x” a essa hora da noite nem passa táxi” por exemplo, e assim por diante. Então é um lugar sem nome e espaço. Você vivenciou o que a narradora vivenciou? Já teve uma “Lola” na sua vida? A personagem que narra é você? Acho que todos nós procuramos certas qualidades nas pessoas, mas não, nunca fui obcecada por uma pessoa a este ponto, o que eu acho ótimo hehehe. Mas eu vejo muitas pessoas com “padrões”, procuran-

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do uma pessoa em outra e só se dando mal na vida por causa disso. Acho que todos conhecem o tipo, aquela mulher que só procura cafajeste? Bem isso. De onde Lola surgiu? Bom, primeiro eu acho um nome universal que se enquadraria no fato do local não ser definido, se eu nomeasse a personagem de, sei lá “Mitsuko” ela obrigatoriamente seria japonesa. Lola não trás nacionalidade nenhuma, pelo menos não pra mim. Vem do nome Dolores, que era o nome da Lolita (Dolores Haze), é tanto latino quanto qualquer outra nacionalidade (eu pesquisei, tem Lola em tudo que é parte do mundo) e a inspiração principal foi mesmo a Lolita do livro. Não a parte meiga da escola, a parte Lydia por exemplo.

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Aviso Este livro foi adiquirido gratuitamente através do site da Editora Parada Lésbica: http://editora.paradalesbica.com.br Por favor, se for compartilhar dê os devidos créditos e colabore com a autora.


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