CAIUAN TURRI
EDUARDO CORREA
VITOR ROCHA
FELIPE PARDINI
VICTÓRIA RODRIGUES
GUILERME PARANHOS
Ficha catalográfica: 1º Edição 2016 Revisão Gramatical Victoria Rodrigues Produção Gráfica Felipe Pardini Preparação dos Originais Vitor Pinheiro Projeto da Capa Eduardo Correa Coordenador de projeto Guilherme Paranhos Produção Tipográfica Caiuan Santos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Entrelinhas do design editorial SANTOS, Caiuan / CORREA, Eduardo / PARDINI, Felipe / PARANHOS, Guilherme / RODRIGUES, Victoria / PINHEIRO, Vitor; São Paulo - University, 2016). ISBN 6547801294 000-00000 CDD-000.0 Todos os direitos reservados desta edição reservados á Editora University Ltda. Rua do Gordinho, 330 01325-000, São Paulo tel: (11) 3293-8150 e-mail: info@universityltda.com
Apresentação: O livro nunca é tão somente preso a seu conteúdo, os indivíduos tateiam pelos livros examinando também seu formato, tamanho e textura. Um bom projeto de design editorial, assegura que tais aspectos de um livro reflitam seu tema central e conteúdo abordado pelo autor. Os livros acompanharam a história da humanidade até então; evoluindo seus padrões e acompanhando a evolução da tecnologia, sendo tal adaptação do livro ao seu uso que levou ao padrão de livros que conhecemos atualmente, justamente pela necessidade de adaptar o livro ao usuário de uma forma cada vez mais eficiente, confortável e dinâmica. A leitura e a composição do livro adaptam-se a seu leitor e ao público ao qual é apresentada. Pode-se dizer que atualmente, devido à evolução tecnológica, a leitura migrou em sua grande parte para o meio digital, e seu conteúdo é altamente mais amplo e de fácil acesso se comparado à função que a mesma desempenhava na Idade Média, por exemplo. O livro em questão refletirá tais questões “anatômicas”, assim como apresentará seu conteúdo de uma forma dinâmica a fim de proporcionar uma leitura mais fluida e agradável. Em Entrelinhas do Design Editorial, será apresentada uma coletânea de textos que guiem e introduzam o leitor ao universo da composição editorial, permeando, desta forma, temas essências para a composição de um livro.
Sumรกrio: 01 02 03
O LIVRO
10
A FORMA DO LIVRO
16
O LIVRO PARA OS DIAS DE HOJE
46
Steven Heller e Veronique Vienne.
Alberto Manguel.
Richard Hendel.
60
A IMAGEM COMO NARRATIVA
82
LAYOUT
Alberto Manguel.
John Foster.
04 05
118
O CORPO DO LIVRO
Ellen Lupton.
COR
Lisa Rousseau.
09 10 11
106
08
TIPOGRAFIA
126
METÁFORAS E TIPOGRAFIA
138
LEGIBILIDADE EM TEXTOS
144
Marian Bantjes.
Iñigio Jerez.
Thiago Justo.
Colaboradores, Bibliografia.
156
Entrelinhas do Design Editorial | O Livro | 7
06 07
96
SOBRE GRIDS
Josef Muller-Brockmann.
Entrelinhas do Design Editorial | O Livro | 8
HISTÓRIA DO LIVRO
Steven Heller & Veronique Vienne.
01 02 03
Richard Hendel.
Entrelinhas do Design Editorial | O Livro | 9
Alberto Manguel.
01
O LIVRO
Steven Heller e VĂŠronique Vienne. 100 ideias que mudaram o design grĂĄfico.
Desde que Gutenberg inventou o tipo móvel no século XV, o livro tem sido um laboratório para escritores, artistas, designers e tipógrafos. E, apesar do advento da mídia digital, a impressão não acabou. John Plunkett, diretor de criação da revista Wired, previu que a informação comum migraria para a mídia eletrônica, mas que o conteúdo substancial permaneceria no domínio impresso. maiores níveis de percepção. Até mesmo os componentes mais rudimentares de design (a textura do papel, a qualidade da tipografia e o estilo do cabeçalho) são mais do que apenas minúcias estéticas. O papel do designer sempre tem sido o de auxiliar o leitor, complementando a narrativa.
conteúdo substancial permaneceria no domínio impresso
”
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“
Enquanto um grande texto evoca imagens mentais, um grande design dará ao leitor
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Na edição de 1908 do livro Ecce Homo, de Nietzsche, o arquiteto e designer Henry van de Velde substituiu uma composição antiquada com ornamentação Art Nouveau. Enquanto a maioria dos editores de livros ficava satisfeita em criar páginas de texto ininterrupto, alguns editores mais esclarecidos buscavam a total integração entre tipografia e imagem. No início do século XX, o design também se tornou uma parte integrante do Zang Tumb Tuuum, virou a composição de livros de cabeça para baixo, ao introduzir, na mesma página, múltiplas tipografias em pesos e tamanhos variados; o tipo foi ainda colocado de uma maneira que evocava o barulho das máquinas e motores descritos no texto. Em 1923, o artista e designer russo El Lissitzky colaborou com o poeta Vladimir Mayakovsky em uma coleção de poemas chamada Dlia Golossa, criada para ser lida em voz alta em reuniões públicas: Lissitzky transformou o texto tipográfico em pictogramas, proporcionando ao leitor sugestões adicionais a seguir para inflexão e significado.
Ecce Homo (1908) Friedrich Nietzsche, designer: Henry Van de Velde.
Zang Tumb Tuuum (1912) Filippo Tommaso Marinetti.
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Dlia Golossa (1923) Vladimir Mayakovsky, designer: El Lissitzky.
Entrelinhas do Design Editorial | O Livro | 14 S,M,L,XL (1997) Jonathan Barnbrook, designers: Bruce Mau, Rem Koolhaas e Damien Hirst.
E a obra Depero Futurista, de Fortunato Depero, encadernada com dois parafusos de metal, dinamizava a tipografia para que a leitura do texto fosse como experimentar um automóvel em alta velocidade. Estes livros não eram apenas embalagens neutras, mas palcos sobre os quais texto e imagem atuavam. A inovação no design de livros não é definida somente por mudanças radicais. A obra The Alphabet (1918), de Frederic Goudy, é baseada em uma composição de eixo central (quando a tipografia é centrada sobre o plano de impressão ou superfície) originária das tradições italianas e francesas na publicação de livros (séculos XVII e XVIII), mas não encadernadas como eles. Este livro foi composto por letras e ornamentos do próprio Goudy No final do século XX, ocorreu um revival experimental. Volumes como S,M,L,XL,
“ ”
de Bruce Mau e Rem Koolhaas, e Damien Hirst (1997), de Jonathan Barnbrook, (este
um verdadeiro catálogo de pop-ups, encartes, lâminas e corte e vinco), não apenas testaram os limites do livro, mas redefiniram o “livro como objeto”.
livro como objeto
O crescente papel do designer de livros, como modelador e provedor de conteúdo, acentuado pelas novas tecnologias, continua a tornar o livro impresso um terreno cada vez mais fértil para a criatividade.
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(influenciados pelo passado), em um esforço para alcançar equilíbrio e harmonia.
02
A FORMA DO LIVRO Alberto Manguel. Uma histรณria da leitura.
Minhas mãos, escolhendo um livro que quero levar para a cama ou para a mesa de leitura, para o trem ou para dar de presente, examina a forma tanto quanto o conteúdo. Dependendo da ocasião e do lugar que escolhi para ler, prefiro algo pequeno e cômodo, ou amplo e substancial. Os livros declaram-se por meio de seus títulos, seus autores, seus lugares num catálogo ou numa estante, pelas ilustrações em suas capas; declaram- se também pelo tamanho. Em diferentes momentos e em diferentes lugares, acontece de eu esperar que certos livros tenham determinada aparência, e, como ocorre com todas as formas, esses traços cambiantes fixam uma qualidade precisa para a definição do livro. Desde os primórdios, os leitores exigiram livros em formatos adaptados ao uso que dos, às vezes oblongos, de cerca de 7,5 centímetros de largura; cabiam confortavelmente na mão. Um livro consistia de várias dessas tabuletas, mantidas talvez numa bolsa ou caixa de couro, de forma que o leitor pudesse pegar tabuleta após tabuleta numa ordem predeterminada. É possível que os mesopotâmicos também tivessem livros encadernados de modo parecido ao dos nossos volumes: monumentos funerários de pedra neo-hititas representam alguns objetos semelhantes a códices talvez uma série de tabuletas presas umas às outras dentro de uma capa, mas nenhum livro desses chegou até nós. Nem todos os livros da Mesopotâmia destinavam-se a ser segurados na mão. Existem textos escritos em superfícies muito maiores, tais como o Código de Leis da Média Assíria, encontrado em Assur e datado do século XII a. C., que mede 6,2 metros quadrados e traz o texto em colunas de ambos os lados. Obviamente, esse “livro” não se destinava a ser carregado, mas erguido e consultado como obra de referência. Nesse caso, o tamanho devia ter também um significado hierárquico: uma tabuleta pequena poderia sugerir um negócio privado; um livro de leis nesse formato tão grande com certeza aumentava, aos olhos do leitor mesopotâmico, a autoridade das leis.
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pretendiam lhes dar. As tabuletas mesopotâmicas eram geralmente blocos de argila quadra-
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CĂłdigo de Leis da Media Assiria, SĂŠculo XII a.C.
Escrita Cuneiforme, Tabuletas Mesopotamicas.
Independentemente do que um leitor pudesse desejar, o formato de um livro era limitado, claro. A argila era conveniente para fazer tabuletas e o papiro (as hastes secas e divididas de uma espécie de junco) podia ser transformado em rolos manuseáveis; ambos eram relativamente portáteis. Mas nenhum dos dois era próprio para a forma de livro que substituiu tabuletas e rolos: o códice, ou feixe de páginas encadernadas. Um códice de tabuletas de argila seria pesado e impraticável, e, embora tenha havido códices feitos de papiro, esse material era quebradiço demais ou o velino (ambos feitos de peles de animais, mediante procedimentos diferentes) podiam ser cortados ou dobrados em diversos tamanhos. Segundo Plínio, o Velho, o rei Ptolomeu do Egito, desejando manter como segredo nacional a produção do papiro, a fim de favorecer sua biblioteca de Alexandria, proibiu a exportação do produto, forçando assim seu rival Eumenes, soberano de Pérgamo, a descobrir um outro material para os livros de sua biblioteca. A crer em Plínio, o édito do rei Ptolomeu levou à invenção do pergaminho em Pérgamo no século II a. C., embora os documentos mais antigos em pergaminho que conhecemos hoje datem de um século antes. Esses materiais não eram usados exclusivamente para um tipo de livro: havia rolos feitos de pergaminho e, como dissemos, códices feitos de papiros, mas eram raros e pouco práticos. No século IV e até o aparecimento do papel na Itália, oito séculos depois, o pergaminho foi o material preferido em toda a Europa para fazer livros. Não só era mais resistente e macio que o papiro, como também mais barato, uma vez que o leitor que quisesse livros escritos em papiro (apesar do decreto de Ptolomeu) teria de importá-los do Egito a um custo considerável.
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para ser dobrado em brochuras. Por outro lado, o pergaminho
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Pergaminho em Pergamo, Século II a.C.
O códice de pergaminho logo se tornou a forma comum dos livros para autoridades e padres, viajantes e estudantes na verdade, para todos aqueles que precisavam transportar em boas condições seu material de leitura de um lugar para o outro e consultar qualquer parte do texto com facilidade. Ademais, ambos os lados da folha podiam conter texto e as quatro margens de uma página de códice facilitavam a inclusão de glosas e comentários, permitindo ao leitor pôr seu dedo na história participação que era muito mais difícil na leitura de um rolo. A própria organização dos textos, antes divididos conforme a capacidade de um rolo (no caso da Ilíada de Homero, por exemplo, é provável que a divisão do poema em 24 livros tenha resultado do fato de que ele normalmente ocupava 24 rolos), mudou. O texto agora podia ser organizado segundo seu conteúdo, em livros ou capítulos, ou tornar-se ele mesmo um componente, quando várias obras menores eram convenientemente reunidas em um volume único de fácil manejo. Os desajeitados rolos possuíam uma superfície limitada - desvantagem da qual temos hoje aguda consciência, ao voltar a esse antigo formato de livro em nossas telas de computador, que revelam apenas uma parte do texto de cada vez, à medida que “rolamos” para cima ou para baixo.
O códice, por outro lado, permitia que o leitor pulasse rapidamente para outras páginas e assim retivesse um sentimento da totalidade sentimento composto pelo fato de que em geral o texto inteiro permanecia nas mãos dele durante toda a leitura. O códice tinha outros méritos extraordinários: destinando-se originalmente a ser transportado com facilidade e, portanto, sendo necessariamente pequeno, cresceu em tamanho e número de páginas, tor-
“
nando-se, senão ilimitado, pelo menos muito maior do que qualquer livro anterior. Marcial, poeta do século I, admirava-se com os poderes mágicos de um objeto pequeno o suficiente
Homero em páginas de pergaminho! A Ilíada e todas as aventuras De Ulisses, inimigo do reino de Príamo! Tudo enfeixado em um pedaço de pele dobrado em várias pequenas folhas!
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para caber na mão e, ao mesmo tempo, portador de uma infinidade de maravilhas:
As vantagens do códice prevaleceram: por volta do ano 400, o rolo clássico estava
eram oferecidos como presente a altos funcionários, quando
quase abandonado e a maioria dos livros
de sua nomeação; acabaram se tornando presentes particulares
era produzida como folhas reunidas de
também, e os cidadãos ricos começaram a se presentear com livre-
formato retangular. Dobrado uma vez,
tes nos quais escreviam um poema ou uma dedicatória.
o pergaminho tornava-se um fólio; dobrado duas vezes, um in-quarto: dobrado mais uma vez, um in-octavo. No século XVI, os formatos das folhas dobradas já haviam se tornado oficiais: na França, Entrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 22
Encadernados em chapas de marfim finamente decoradas,
em 1527, Francisco I decretou tamanhos-padrões de papel em todo o reino; quem infringisse a regra era jogado na prisão. De todas as formas que os livros assumiram ao longo do tempo, as mais populares foram aquelas que permitiam ao leitor mantê-lo confortavelmente nas mãos. Mesmo na Grécia e em Roma, onde os rolos costumavam ser usados para todos os tipos de texto, as cartas particulares eram em geral escritas em pequenas tabuletas de cera reutilizáveis, protegidas por bordas elevadas e capas decoradas. Com o tempo, as tabuletas cederam lugar a folhas reunidas de pergaminho fino, às vezes de cores diferentes, usadas para rabiscar anotações rápidas ou fazer contas. Em Roma, por volta do século III esses livretes perderam seu valor prático e passaram a ser estimados em função da aparência das capas.
“
Logo, livreiros empreendedores começaram a fazer pequenas coleções de poemas pequenos livros de presente cujo mérito estava menos no conteúdo do que na elaborada ornamentação.
pequenos livros de presente cujo mérito estava menos no conteúdo do que na elaborada ornamentação
”
onde seria guardado. Os rolos eram armazenados em caixas de madeira (semelhantes a caixas de chapéu), com rótulos de argila no Egito e de pergaminho em Roma, ou em estantes com etiquetas (o index ou titulus) à mostra, para que o livro pudesse ser facilmente identificado. Os códices eram guardados deitados, em prateleiras feitas com esse objetivo. Descrevendo a visita a uma casa de campo na Gália por volta do ano 470, Caio Sólio Apolínário Sidônio, bispo de Auvergne, mencionou várias estantes de livros que variavam segundo o tamanho dos códices que deviam guardar: “Havia também livros em quantidade; poderias ter a impressão de estar olhando para aquelas prateleiras à altura do peito (plantei) que os gramáticos usam, ou para as estantes em forma de cunha (cunei) Entrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 23
”
O tamanho de um livro, fosse um rolo ou um códice, determinava a forma do lugar
do Ateneu, ou para os armários (armaria) lotados dos livreiros”. De acordo com Sidônio, os livros que encontrou lá eram de dois tipos: clássicos latinos para os homens e livros de devoção para as mulheres.
Códice - Codex Conciliorum Albeldensis, 976.
Tendo em vista que boa parte da vida dos europeus da Idade Média passava-se em ofícios religiosos, não surpreende que um dos livros mais populares da época fosse o livro de orações pessoais ou livro de horas, comumente representado em pinturas da Anunciação. Escrito em geral à mão ou impresso em formato pequeno, em muitos casos iluminado com requinte e opulência por mestres da arte, continha uma coleção de serviços curtos denominada “oficio menor da abençoada Virgem Maria”, recitados em vários momentos do dia e da noite. Tendo por modelo o oficio divino os serviços completos ditos diariamente pelo clero, o oficio menor compreendia os Salmos e outros trechos das Escrituras, bem como hinos, Entrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 24
o oficio dos modos, orações especiais para os santos e um calendário. Esses volumes pequenos eram eminentemente instrumentos portáteis da devoção, podendo ser usado pelo crente tanto em serviços públicos da igreja como em orações privadas. Seu tamanho tornava-os adequados às crianças: por volta de 1493, o duque Gian Galeazzo Sforza, de Milão, mandou fazer um livro de horas para seu filho de três anos, Francesco Maria Sforza, Il Duchetto, que, representado em uma das páginas, aparecia conduzido por um anjo da guarda através de uma região inóspita. A decoração dos livros de horas era luxuosa, mas variava de acordo com o cliente e o que ele podia pagar. Muitas representavam o brasão da família ou um retrato do leitor. Os livros de horas tornaram-se presentes de casamento convencionais para a nobreza e, mais tarde, para a burguesia rica. No final do século XV, os iluminadores de livros de Flandres já dominavam o mercado europeu, despachando delegações comerciais para toda a Europa, criando o equivalente às nossas listas de casamento. O belo livro de horas encomendado para o casamento de Ana da Bretanha em 1490 foi feito do tamanho da mão dela. Destinava-se a um único leitor, absorto tanto nas palavras das orações, repetidas mês após mês, ano após ano, como nas sempre surpreendentes ilustrações, cujos detalhes jamais seriam totalmente decifrados e cuja urbanidade as cenas do Velho e do Novo Testamento acontecem em paisagens modernas trazia as palavras sacras para um cenário contemporâneo ao do leitor.
Livro de Horas, 1943.
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Assim como volumes pequenos serviam a propósitos específicos, os grandes volumes atendiam a outras necessidades dos leitores. Por volta do século V, a Igreja católica começou a produzir enormes livros de culto missais, corais, antifonários que, expostos sobre um atril no meio do coro, permitiam que os leitores seguissem as palavras ou notas musicais sem nenhuma dificuldade, como se estivessem lendo uma Entrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 26
inscrição monumental. Há um belo antifonário na biblioteca da abadia de Saint Gall, contendo uma seleção de textos litúrgicos em letras tão grandes que podem ser lidas a uma boa distância, seguindo-se a cadência de cantos melódicos, por coros de até vinte cantores; a vários metros de distância, posso ver as notas com absoluta clareza, e gostaria que meus livros de referência pudessem ser consultados com a mesma facilidade. Alguns desses livros de culto eram tão imensos que tinham de ser postos sobre rodinhas para que pudessem ser movidos. No entanto, muito raramente saíam Antifornário, Século V.
do lugar. Decorados com latão ou marfim, protegidos com cantos de metal, fechados por fivelas gigantescas, eram livros para serem lidos comunalmente e à distância, desautorizando qualquer leitura íntima ou sentimento de posse individual.
Visando ler um livro de maneira confortável, os leitores inventaram engenhosos aperfeiçoamentos para o atril e a escrivaninha. Há uma estátua de são Gregório, o Grande, feita de pedra pigmentada em Verona, em algum momento do século XIV, e preservada no Victoria and Albert Museum de Londres: ela mostra o santo numa espécie de mesa de leitura articulada, que lhe permitia apoiar o atril em diferentes ângulos ou levantá-lo para poder sair. Uma gravura do século XIV mostra um estudioso numa biblioteca cheia de livros, escrevendo numa mesa com atril octogonal que lhe permite trabalhar de um lado, depois girar a mesa e ler os livros já dispostos nos outros sete lados. Em 1588, o engenheiro italiano Agostino Ramelli, a serviço do rei da França, publicou rotativa”, que Ramelli apresenta como “uma bela e engenhosa máquina, muito útil e conveniente para as pessoas que têm prazer no estudo, em especial para aquelas que sofrem de indisposição ou que estão sujeitas à gota, pois com esse tipo de máquina um homem pode ver e ler uma grande quantidade de livros sem sair do lugar: ademais, tem esta excelente conveniência que é a de ocupar pouco espaço no lugar onde é colocada, como qualquer pessoa de discernimento pode apreciar vendo o desenho”. (Um modelo em escala real dessa maravilhosa roda de leitura apareceu no filme Os três mosqueteiros, dirigido em 1974 por Richard Lester.) Assento e mesa de leitura podiam se combinar num único móvel. A engenhosa cadeira de rinha (assim chamada por ter sido representada em ilustrações de briga de galo) foi feita na Inglaterra no inicio do século XVIII, especificamente para bibliotecas. O leitor sentava-se a cavalo nela, de frente para a estante atrás da cadeira, e apoiava-se nos braços largos, obtendo suporte e conforto. Às vezes um dispositivo de leitura surgia de um tipo diferente de necessidade. Benjamin Franklin conta que, durante o reinado da rainha Maria, seus ancestrais protestantes escondiam as Bíblias inglesas, mantendo-as “abertas e presas com fitas sob um banco portátil”. Sempre que o trisavô de Franklin lia para a família, “punha o banco de cabeça para baixo sobre os joelhos, virando as páginas sob as fitas. Um dos meninos ficava na porta para avisar se via chegando o apparitor, que era um oficial da corte espiritual. Nesse caso, o banco voltava à posição normal e a Bíblia continuava escondida como antes”.
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um livro que descrevia uma série de máquinas. Uma delas era uma “mesa de leitura
Fazer um livro artesanalmente, fossem os imensos volumes presos aos atris ou os requintados livretes feitos para mãos de criança, era um processo longo e laborioso. Uma mudança ocorrida na Europa na metade do século XV não só reduziu o número de horas de trabalho necessárias para produzir um livro, como aumentou enormemente a produção de livros, alterando para sempre a relação do leitor com aquilo que deixava de ser um objeto único e exclusivo confeccionado pelas mãos de um escriba. A mudança, evidentemente, foi a invenção da imprensa. Em algum momento da década de 1440, um jovem gravador e lapidador do arcebispado da Mogúncia, cujo nome completo era Johannes Gensfleisch zur Laden zum Entrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 28
Gutenberg (que o espírito prático do mundo dos negócios abreviou para Johann Gutenberg), percebeu que se poderia ganhar em rapidez e eficiência se as letras do alfabeto fossem cortadas na forma de tipos reutilizáveis, e não como os blocos de xilogravura então usados ocasionalmente para imprimir ilustrações. Gutenberg experimentou durante muitos anos, tomando emprestadas grandes quantias de dinheiro para financiar o empreendimento. Conseguiu criar todos os elementos essenciais da impressão tais como foram usados até o século XX: prismas de metal para moldar as faces das letras, uma prensa que combinava características daquelas utilizadas na fabricação de vinho e na encadernação, e uma tinta de base oleosa nada que já existisse antes. Por fim, entre 1450 e 1455 Gutenberg produziu uma Bíblia com 42 linhas por página o primeiro livro impresso com tipos e levou as páginas impressas para a Feira Comercial de Frankfurt. Por um extraordinário golpe de sorte, temos uma carta de um certo Enea Silvio Piccolomini ao cardeal de Carvajal, datada de 12 de março de 1455, em Wiener Neustadt, contando a Sua Eminência que vira a Bíblia de Gutenberg na feira.
Não vi nenhuma Bíblia completa, mas vi um certo número de livretes [cadernos] de cinco páginas de vários dos livros da Bíblia, com letras muito claras e dignas, sem quaisquer erros, que Vossa Eminência teria sido capaz de ler sem esforço e sem óculos. Várias testemunhas disseram-me que 158 exemplares foram completados, enquanto outros dizem que havia 180. Não estou certo da quantidade, mas da conclusão dos livros, se podemos crer nas pessoas, não tenho dúvidas. Soubesse eu de vossas vontades, teria certamente comprado um exemplar. Vários desses livretes de cinco páginas foram mandados para o próprio imperador. Tentarei, tanto quanto possível, conseguir que uma dessas Bíblias seja posta à venda e comprarei um exemplar para vós. Mas temo que isso prontos já havia clientes a postos para comprá-los. Os efeitos da invenção de Gutenberg foram instantâneos e de alcance extraordinário, pois quase imediatamente muitos leitores perceberam suas grandes vantagens: rapidez, uniformidade de textos e preço relativamente barato. Poucos anos depois da impressão da primeira Bíblia, máquinas impressoras estavam instaladas em toda a Europa: em 1465 na Itália, 1470 na França, 1472 na Espanha, 1475 na Holanda e na Inglaterra, 1489 na Dinamarca. (A imprensa demorou mais para alcançar o Novo Mundo: os primeiros prelos chegaram em 1533 à Cidade do México e em 1638 a Cambridge, Massachusetts.) Calculou-se que mais de 30 mil in cunabula (palavra latina do século XVII que significa “relacionado ao berço”, usada para descrever os livros impressos antes de 1500) foram produzidos nesses prelos. Visto que as edições do século XV costumaram ser de menos de 250 exemplares e dificilmente chegavam a mil, a façanha de Gutenberg deve ser considerada prodigiosa. De repente, pela primeira vez desde a invenção da escrita, era possível produzir material de leitura rapidamente e em grandes quantidades.
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não seja possível, devido à distância e porque, dizem, antes mesmo de os livros ficarem
Talvez seja útil não esquecer que a imprensa, apesar das óbvias previsões de “fim do mundo”, não erradicou o gosto pelo texto escrito à mão. Ao contrário, Gutenberg e seus seguidores tentaram imitar a arte dos escribas, e a maioria dos incunabula tem uma aparência de manuscrito. No final do século XV, embora a imprensa estivesse bem estabelecida, a preocupação com o traço elegante não desaparecera e alguns dos exemplos mais memoráveis de caligrafia ainda estavam por vir. Ao mesmo tempo em que os livros se tornavam de acesso mais fácil e mais gente aprendia a ler, mais pessoas também aprendiam a escrever, freqüentemente com estilo e grande distinção; o século XVI tornou-se não apenas a era da palavra escrita, como também o século dos grandes manuais de caligrafia. É Entrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 30
interessante observar a freqüência com que um avanço tecnológico -como o de Gutenberg antes promove do que elimina aquilo que supostamente deve substituir, levado-nos a perceber virtudes fora de moda que de outra forma não teríamos notado ou que consideraríamos sem importância. Em nosso tempo, a tecnologia dos computadores e a proliferação de livros em CD-Rom não afetaram até onde mostram as estatísticas a produção e venda de livros na antiquada forma de códice. Aqueles que vêem nos computadores a encarnação do diabo (como Sven Birkerts os retrata numa obra dramaticamente intitulada Elegias a Gutenberg) abrem espaço para que a nostalgia domine a experiência. Por exemplo, 359437 livros novos (sem contar panfletos, revistas e periódicos) foram acrescentados em 1995 às já amplíssimas coleções da Biblioteca do Congresso. O súbito aumento da produção de livros depois de Gutenberg enfatizou a relação entre o conteúdo e a forma física de um livro. Por exemplo: uma vez que se destinava a imitar os caros volumes feitos à mão da época, a Bíblia de Gutenberg era comprada em folhas reunidas e encadernada pelos compradores em grandes e imponentes tomos em geral in-quartos medindo cerca de trinta por quarenta centímetros destinados a ficar expostos sobre um atril. Uma Bíblia desse tamanho em velino teria exigido a pele de mais de duzentas ovelhas (“uma cura certa para a insônia”, comentou o livreiro e antiquário Alan G. Thomas). Mas a produção rápida e barata levou a um mercado maior, composto por gente que podia comprar exemplares para ler em particular e que, portanto, não precisava de livros com tipos e formatos grandes; os sucessores de Gutenberg começaram então a produzir volumes menores, volumes que cabiam no bolso.
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os sucessores de Gutenberg começaram então a produzir volumes menores, volumes que cabiam no bolso
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Em 1453, Constantinopla caiu para os turcos otomanos e muitos dos eruditos gregos que tinham fundado escolas nas praias do Bósforo partiram para a Itália. Veneza tornou-se o novo centro do saber clássico. Cerca de quarenta anos depois, o humanista italiano Aldus Manutius (que ensinara latim e grego a alunos brilhantes como Pico della Mirandola), achando difícil ensinar sem dispor de edições cuidadosas dos clássicos em formatos práticos, decidiu exercer as artes de Gutenberg e criou uma editora própria, na qual poderia produzir exatamente o tipo de livro que seus cursos pediam. Aldus escolheu Veneza para instalar sua impressora, a fim de aproveitar a presença dos estudiosos orientais, e provavelmente empregou como revisores e compositores outros exilados, Entrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 32
refugiados cretenses que haviam sido escribas. Em 1494, Aldus começou um ambicioso programa de publicações que produziria alguns dos volumes mais belos da história da imprensa: primeiro em grego Sófocles, Aristóteles, Platão, Tucídides e depois em latim Virgílio. Horácio, Ovídio. Na concepção de Aldus, esses ilustres autores deveriam ser lidos “sem intermediários” na língua original e quase sem anotações e glosas e, para possibilitar aos leitores “conversar livremente com os mortos gloriosos”, publicou livros de gramática e dicionários junto com os textos clássicos. Não somente buscou os serviços dos especialistas locais, como também convidou humanistas eminentes de toda a Europa inclusive luminares como Erasmo de Roterdã para ficar com ele em Veneza. Uma vez por dia, esses estudiosos reuniam-se na casa de Aldus para discutir os títulos que publicariam e que manuscritos seriam usados como fontes confiáveis, repassando as coleções de clássicos estabelecidas nos séculos anteriores. “Onde os humanistas medievais acumulavam, os renascentistas discriminavam”, observou o historiador Anthony Grafton. Aldus discriminava com olho infalível: à lista de escritores clássicos acrescentou as obras dos grandes poetas italianos, entre eles Dante e Petrarca.
À medida que as bibliotecas particulares cresciam, os leitores começaram a achar os volumes grandes não apenas difíceis de manusear e desconfortáveis para levar de um lado a outro, como inconvenientes para guardar. Em 1501, confiante no sucesso de suas primeiras publicações, Aldus respondeu à demanda dos leitores produzindo uma coleção de livros de bolso in-octavo metade do tamanho do in-quarto, impressos com elegância e editados meticulosamente. Para manter baixos os custos da produção, decidiu imprimir mil exemplares de cada vez, e, para usar a página de forma mais econômica, utilizou um tipo recém-desenhado, o itálico ou grifo, criado pelo talhador e fundidor de tipos Francesco Griffo, que também talhou o primeiro tipo romano no qual a fim de assegurar uma linha mais equilibrada. O resultado foi um livro que parecia muito mais simples do que as edições manuscritas ornamentadas, aquelas que haviam sido populares durante toda a Idade Média um volume de sobriedade elegante. O mais importante para o possuidor de uma edição de bolso de Aldus era o texto, impresso com clareza e erudição não um objeto ricamente decorado. Um sinal de sua popularidade pode ser visto na Lista de preços das prostitutas de Veneza, de 1536 um catálogo das melhores e piores madames profissionais da cidade, no qual o viajante era informado sobre uma certa Lucrezia Squarcia, “que se diz amante da poesia” e sempre “traz consigo um livreto de Petrarca, um Virgílio e às vezes até um Homero”. O tipo itálico de Griffo (usado pela primeira vez numa xilogravura que ilustrava uma coleção de cartas de santa Catarina de Siena, impressa em 1500) atraía gentilmente a atenção do leitor para a delicada relação entre as letras; de acordo com o crítico inglês moderno sir Fracis Meynell, os itálicos diminuíam a velocidade dos olhos do leitor, “aumentando sua capacidade de absorver a beleza do texto”.
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as maiúsculas eram menores do que as letras ascendentes (altura total) da caixa baixa,
Uma vez que eram mais baratos do que os manuscritos, em especial os iluminados, e tendo em vista que se podia comprar um substituto idêntico caso algum exemplar se perdesse ou fosse danificado, esses livros tornaram-se, aos olhos dos novos leitores, símbolos não tanto de riqueza, mas de aristocracia intelectual, além de ferramentas essenciais de estudo. Os livreiros e papeleiros haviam produzido, no tempo da Roma antiga e nos primórdios da Idade Média, livros como mercadoria a ser comerciada, mas o custo e o ritmo de sua produção engrandeciam os leitores com uma sensação de privilégio por possuírem algo único. Depois de Guttenberg, pela primeira vez na história centenas de leitores possuíam exemplares idênticos do mesmo livro, e (até que um leitor impriEntrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 34
misse no volume marcas particulares e uma história pessoal) o livro lido por alguém em Madri era o mesmo lido por alguém em Montpellier. O empreendimento de Aldus teve tanto sucesso que suas edições logo foram imitadas em toda a Europa: na França, por Gryphius, em Lyon, bem como por Colines e Robert Estienne em Paris: nos Países Baixos, por Plantin em Antuérpia e Elzevir em Leiden, Haia Utrecht e Amsterdã. Quando Aldus morreu, em 1515, os humanistas que compareceram ao funeral colocaram em torno de seu caixão, como sentinelas eruditas, os livros que escolhera com tanto carinho para imprimir. O exemplo de Aldus e de outros como ele estabeleceu o padrão para no mínimo cem anos de impressão na Europa. Mas, nos dois séculos seguintes, as exigências dos leitores mudaram novamente. As numerosas edições de livros de todo tipo ofereciam uma escolha ampla demais; a competição entre editores, que até então apenas estimulara edições melhores e o interesse maior do público, começou a produzir livros de qualidade muitíssimo inferior. Na metade do século XVI, um leitor poderia escolher entre mais de 8 milhões de livros impressos, “talvez mais do que todos os escribas da Europa haviam produzido desde que Constantino fundara sua cidade no ano de 330”. Obviamente, essas mudanças não foram súbitas nem ocorreram em toda a Europa, mas, em geral, a partir do final do século XVI “os livreiros-editores já não estavam preocupados em prestigiar o mundo das letras: buscavam apenas publicar livros cuja venda fosse garantida. Os mais ricos fizeram fortuna em cima de livros com mercado garantido, reimpressões de velhos sucessos, obras religiosas tradicionais e, sobretudo, dos Pais da Igreja”. Outros monopolizaram o mercado escolar com glosas de palestras eruditas, manuais de gramática e folhas para hornbooks, uma espécie de cartilha.
O hornbook, em uso do século XVI ao século XIX, era em geral o primeiro livro posto nas mãos de um estudante. Muito poucos sobreviveram até nossos dias. O hornbook consistia de uma fina armação de madeira, geralmente de arvalho, com cerca de 23 centímetros de comprimento e doze ou quinze centímetros de largura, sobre a qual ficava uma folha onde era meros e o padre-nosso. Tinha um cabo e era coberto com uma camada transparente de chifre, para proteger da sujeira; a tábua e a folha de chifre eram então presas por uma fina moldura de latão. O paisagista e discutível poeta inglês William Shenstone descreve o princípio em The schoolmistress [A professora] com estas palavras: Seus livros de estatura pequena eles tomavam nas mãos, os quais com translúcido chifre seguros estão, para impedir o dedo de molhar a letra imaculada.
Hornbook, Século XVI.
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impresso o alfabeto e, às vezes, os nove nú-
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Seus livros de estatura pequena eles tomavam nas mãos, os quais com translúcido chifre seguros estão, Para impedir o dedo de molhar a letra imaculada
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Livros semelhantes, conhecidos como “tábuas de oração”, foram usados na Nigéria, nos séculos XVIII e XIX, para ensinar o Corão. Eram feitos de madeira lustrada, com um cabo na parte de cima. Os versos eram escritos numa folha de papel colada diretamente na tábua. Livros que cabiam no bolso, livros em formato amigo, livros que o leitor sentia que podiam ser lidos em muitos lugares, livros que não seriam considerados inoportunos fora de uma biblioteca ou mosteiro: esses livros surgiram com as mais diam pequenos livretes e baladas (descritos em The winter’s tale [Conto de inverno] como apropriados “a homem, ou mulher, de todos os tamanhos”) que ficaram conhecidos como chapbooks no século seguinte. O tamanho preferido dos livros populares foi o in-octavo, uma vez que uma única folha podia produzir um livrete e dezesseis páginas. No século XVIII, talvez porque agora os leitores quisessem relatos completos dos eventos narrados nas histórias e baladas, as folhas foram dobradas em doze partes e os livretes engordaram para 24 páginas de brochura. A coleção de clássicos produzida por Elzevir da Holanda nesse formato alcançou tal popularidade entre os leitores menos abastados, que o esnobe conde de Chesterfield foi levado a comentar: “Se por acaso tiveres um clássico de Elzevir no bolso, não o mostre nem o mencione”.
Tábuas de Oração, Séculos XVIII e XIX.
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variadas aparências. Ao longo do século XVII, mascates ven-
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Juvenile Chapbooks, Século XVIII.
A brochura de bolso como a conhecemos hoje só surgiu muito tempo depois. A era vitoriana, que assistiu à formação na Inglaterra da Associação dos Editores, da Associação dos Livreiros, das primeiras agências comerciais, da Sociedade dos Autores, do sistema de direitos autorais e do romance de um volume a seis xelins, também foi testemunha do nascimento das coleções de livros de bolso. Porém, os livros de formato grande continuaram a entulhar as estantes. No século XIX, publicavam-se tantos livros em formatos enormes que um desenho de Gustave Doré representa um pobre funcionário da Biblioteca Nacional de Paris tentando carregar um desses tomos imensos.
O objeto que o leitor tinha agora em mãos um romance popular ou um manual de ciências num confortável in-octavo encadernado em pano azul, protegido às vezes com invólucros de papel nos quais também se podiam imprimir anúncios era muito diferente dos volumes encadernados em marroquim do século anterior. Agora o livro era um objeto menos aristocrático, menos proibitivo, menos grandioso. Compartilhava com o leitor uma certa elegância de classe média que era econômica, mas agradável um estilo que o designer William Morris transformaria numa indústria popular, mas que em última análise no caso de Morris tornou-se um novo objeto de luxo: um estilo baseado na beleza convencional das coisas do cotidiano. (Morris, na verdade, modelou seu livro ideal metade do século XIX, a medida de excelência não era a raridade, mas uma combinação de prazer e praticidade sóbria. Surgiam bibliotecas em quartos-salas e casas geminadas, e seus livros eram adequados à posição social do resto da mobília. Na Europa dos séculos XVII e XVIII, pressupunha-se que os livros deveriam ser lidos no interior de uma biblioteca pública ou particular. No século seguinte, os editores publicavam livros que se destinavam a ser levados para fora, livros feitos especialmente para viajar. Na Inglaterra, a nova burguesia desocupada e a expansão das ferrovias combinaram-se para criar um súbito anseio por viagens longas, e os viajantes letrados descobriram que precisavam de material de leitura com conteúdo e tamanho específicos. (Um século depois, meu pai ainda fazia distinção entre os livros encadernados em couro verde de sua biblioteca, os quais ninguém tinha permissão para retirar daquele santuário, e as “brochuras ordinárias” que ele deixava amarelar e fenecer sobre a mesa de vime do pátio e que às vezes eu resgatava e levava para o meu quarto, como se fossem gatinhos perdidos.)
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baseado nos volumes de Aldus.) Nos novos livros que atendiam à expectativa do leitor na
Em 1792, Henry Walton Smith e sua esposa Anna abriram uma pequena banca de jornais na Little Grosvenor Street, em Londres. W. H. Smith & Son, 56 anos depois, abriam a primeira banca de livros de ferrovia, na estação de Euston, em Londres. Logo estava vendendo coleções como Routledge’s Railway Library Traveller’s Library Run & Read Library, Romances Ilustrados e Obras Célebres. O formato desses livros apresentava pequenas variações, mas eram principalmente in-octavos, com uns poucos (Um cântico de Natal, de Dickens, por exemplo) publicados em meio-octavo e encadernados em papelão. As bancas de livros (a julgar por uma fotografia da banca de W. H. Smith em Blackpool North, tirada em 1896) vendiam também revistas e jornais, para Entrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 40
que os viajantes tivessem ampla escolha de material de leitura. Em 1841, Christian Bernhard Tauchnitz, de Leipzig, havia lançado uma das mais ambiciosas coleções de brochuras. Com a média de um título por semana, publicou mais de 5 mil volumes em seus primeiros cem anos, pondo em circulação algo em torno de 50 a 60 milhões de exemplares. Embora a escolha dos títulos fosse excelente, a produção não estava à altura do conteúdo. Os livros eram um tanto quadrados, impressos em tipos minúsculos, com capas tipograficamente idênticas, que não eram atraentes nem para os olhos, nem para as mãos. Dezessete anos depois, a editora Reclam publicou em Leipzig uma edição em doze volumes de traduções de Shakespeare. Foi um sucesso imediato, ao qual a Reclam deu seguimento subdividindo a edição em 25 pequenos volumes com capa em papel cor de rosa, ao preço sensacional de 1 pfennig decimal cada. Todas as obras escritas por autores alemães mortos havia trinta anos caíram em domínio público em 1867, e isso permitiu que a Reclam desse continuidade à coleção com o título de Universal-Bibliothek. A editora começou com o Fausto de Goethe e prosseguiu com Gogol, Pushkin, Björnson, Ibsen, Platão e Kant. Na Inglaterra, coleções de “clássicos” New Century Library, World’s Classics, Pocket Classics, Everyman Library competiram em sucesso, mas sem superá- la, com a Universal-Bibliothek, que durante muito tempo continuou a ser o padrão das coleções em brochura.
Até 1935. Um ano antes, depois de passar um fim de semana na casa de Agatha Christie e seu segundo marido, em Devon, o editor inglês Allen Lane, esperando o trem para voltar a Londres, procurou algo para ler na banca de livros da estação. Não achou nada que o atraísse entre as revistas populares, os livros de capa dura, e a ficção barata, ocorrendo-lhe então que era necessária uma linha de livros de bolso baratos, mas bons. De volta a The Bodley Head, onde trabalhava com seus dois irmãos, Lane pôs o plano em ação. Publicariam uma coloridas. Elas não atrairiam apenas o leitor comum: seriam uma tentação para todos que soubessem ler, intelectuais ou ignorantes. Os livros seriam vendidos não apenas em livrarias e bancas de livros, mas em papelarias, tabacarias e casas de chá. Na The Bodley Head, o projeto foi recebido com desprezo pelos colegas mais velhos de Lane e pelos editores, que não tinham interesse em vender-lhe direitos de reimpressão de seus sucessos em capa dura. Os livreiros também não se entusiasmaram, pois seus lucros diminuiriam e os livros seriam “embolsados”, no sentido condenável da palavra. Mas Lane perseverou e acabou obtendo permissão para reimprimir vários títulos: dois já publicados por The Bodley Head Ariel, de André Maurois, e The mysterious affair at Styles, de Agatha Christie e outros de autores de sucesso, como Ernest Hemingway e Dorothy L. Sayers, além de obras de escritores atualmente menos conhecidos como Susan Ertz e E. H. Young.
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coleção de reimpressões dos melhores autores em brochuras bem
Agora Lane precisava de um nome para sua coleção, “não um nome impressionante como World Classics, nem meio condescendente como Everyman”. As primeiras escolhas foram zoológicas: um golfinho, depois uma toninha (já usada pela Faber & Faber) e finalmente um pingüim. Ficou assim: Penguin. Em 30 de julho de 1935, os primeiros Entrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 42
dez livros da Penguin foram lançados a 6 pence cada volume. Lane havia calculado que quebraria mesmo se vendesse 17 mil exemplares de cada título, mas as primeiras vendas não passaram nem de 7 mil. Ele então foi visitar o comprador da enorme cadeia de lojas Woolworth, um tal de Clifford Prescott, que vacilou: a idéia de vender livros como qualquer outra mercadoria, junto com pares de meias e latas de chá, parecia-lhe um tanto ridícula. Por acaso, naquele exato momento a senhora Prescott entrou no escritório do marido. Consultada sobre o que achava da idéia, manifestou-se com entusiasmo. Por que não, perguntou ela? Por que não tratar os livros como objetos do dia-a-dia, tão necessários e tão disponíveis quanto meias e chá? Graças à senhora Prescott, fechou-se Penguin Books, 1935.
o negócio.
George Orwell resumiu sua reação, como leitor e como autor, a essa novidade:
”
“Na qualidade de leitor, aplaudo os Penguin Books; na qualidade de escritor, excomungo-
-os. [...] O resultado poderá ser uma inundação de reimpressões baratas que irão prejudicar as bibliotecas circulantes (a madrasta do romancista) e restringir a publicação de novos romances. Isso seria uma coisa excelente para a literatura, mas péssima para o negócio”. Orwell estava errado. Mais do que suas qualidades específicas (a ampla distribuição, o custo baixo, a excelência e variedade dos títulos), a grande realização da Penguin foi
simbólica: saber que uma coleção imensa de literatura podia ser comprada por quase todas as pessoas em quase todos os lugares, de Túnis a Tucumán, das ilhas Cook a Reikjavik
(são tais os frutos do expansionismo britânico que comprei e li livros da Penguin em todos esses lugares), deu aos leitores um símbolo de sua própria ubiqüidade.
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“
Por que não tratar os livros como objetos do dia a dia, tão necessários e tão disponíveis quanto meias e chá?
A invenção de novas formas para livros é provavelmente infinita, e contudo poucas formas estranhas sobrevivem. O livro em forma de coração feito por volta de 1475 por um clérigo nobre, Jean de Montchenu, contendo poesias líricas iluminadas; o minúsculo livrete na mão direita de uma jovem holandesa da metade do século XVII, pintada por Bartholomeus van der Helst; o menor livro do mundo, o Bloemhofje ou Jardim fechado, que foi escrito na Holanda em 1673 e mede 0,8 por 1,25 centímetro, menor que um selo comum; o descomunal in fólio de James Entrelinhas do Design Editorial | A forma do livro | 44
Audubon, Birds of America [Pássaros da América], publicado entre 1827 e 1838, levando o autor a morrer pobre, sozinho e louco; o par de volumes de tamanho liliputiano e gigantesco das Viagens de Gulliver, criados em 1950 por Bruce Rogers para o Clube das Edições Limitadas de Nova York nenhum desses perdurou, exceto como curiosidade. Mas os formatos essenciais aqueles que permitem ao leitor sentir o peso físico do conhecimento, o esplendor de grandes ilustrações ou o prazer de poder carregar um livro numa caminhada ou levá-lo para a cama esses permanecem.
Bloemhofje ou Jardim Fechado, 1673.
Na metade da década de 1980, um grupo internacional de arqueólogos dos Estados Unidos, fazendo escavações no enorme oásis Dakhleh, no Saara, encontrou, no canto de um andar acrescentado a uma casa do século IV, dois livros completos: um manuscrito antigo de três ensaios políticos do filósofo ateniense sócrates e um registro de quatro anos de transações financeiras do administrador de uma propriedade local. Esse livro de contabilidade é o mais antigo exemplo completo que temos de um códice, ou volume encadernado, e é muito parecido com nossas brochuras, exceto pelo fato de ser feito de madeira e não de papel. Cada folha de madeira, de 12,5 centímetros de largura por 33 centímetros de altura e 1,5 milímetro de espessura, tem quatro furos no lado esquerdo, para serem unidos por um cordão em volumes de oito folhas. Uma vez que o livro deveria ser usado durante quatro anos, tinha de ser “robusto, portátil, fácil de usar e durável”. Com pequenas variações circunstanciais, essas exigências do leitor anônimo persistem e concordam com as minhas, dezesseis vertiginosos séculos depois.
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Birds of America, Entre 1827 e 1838, James Audubon.
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03 LIVROS PARA OS DIAS DE HOJE
Richard Hendel. O design do livro.
Não é somente o que o autor escreve num livro que vai definir o assunto do livro. Sua forma física, assim como sua tipografia, também o definem. Cada escolha feita por um designer causa algum efeito sobre o leitor. Este efeito pode ser radical ou sutil, mas normalmente está fora da capacidade do leitor descreve-lo. Um romance alto e fino, ou um pequeno e quadrado, informa que o livro não é aquilo que seria de esperar. As monografias de pequeno formato (11,8 x 20,3), que George Mackie usou para a Edinburgh University Press nos anos 1970, parecem certamente mais faces de manusear do que inchada monografia acadêmica da época, de tamanho exagerado. Alguns tipos de design – o design industrial, por exemplo – estimulam a variação significativamente seus projetos. Contudo, quando uma mudança é radical demais, como alguns pensaram a respeito do design do Edsel, o objeto deixa de corresponder à imagem que as pessoas têm dele. Um pacote de aveia todo em preto com a tipografia que pareça um pôster de circo do século XIX poderia ser uma esplendida peça de design gráfico, mas provavelmente iria confundir aqueles que só estão pensando num bom café da manhã. Uma vez contratei um jovem estudante que estava ansioso para aprender design de livro. A primeira tarefa que lhe dei foi o design de um livro de história militar inglesa do século XVII. Algumas semanas depois, ele voltou com um design num tipo sem serifa, em corpo 8, sem justificação à direita e disposto de forma assimétrica na página. O design era bonito e estimulante, mas não parecia correto para aquele livro, cujos leitores poderiam achar a tipografia difícil de ler e aparência do livro igualmente perturbadora. Diante dos meus comentários, o estudante retrucou que dar aos leitores a oportunidade de verem as palavras num contexto inesperado poderia forçá-los a pensar sobre o que o autor estava dizendo. Na época, tive certeza de que o designer estava totalmente errado, mas, agora, acho que, sob certas circunstâncias, a atitude do novato poderia estar correta. Os designers podem trilhar dois caminhos diferentes. Existem aqueles que julgam que o design do livro não deveria refletir uma época ou um local particular e há aqueles que acham que deveria refletir o gosto contemporâneo. Cada uma dessas atitudes tem seus méritos e seus problemas.
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e a mudança. Espera-se dos projetistas de automóvel que dentro de alguns anos mudem
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Os designers podem trilhar dois caminhos diferentes. Existem aqueles que julgam que o design do livro não deveria refletir uma época ou um local particular e há aqueles que acham que deveria refletir o gosto contemporâneo. Cada uma dessas atitudes tem seus méritos e seus problemas
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Uma produção de Ricardo II feita na época do fascismo estabelece uma relevância contemporânea que realça a peça e ao mesmo tempo permanece fiel ao texto de Shakespeare não possa ser feita com a tipografia no estilo Bauhaus. Contudo, os designers devem ter em mente que, ao usar uma tipografia inesperada, poderiam tornar o leitor mais consciente da aparência das letras do que daquilo que estão dizendo. A novidade não é necessariamente uma virtude. Se um design deve se diferente do inesperado, isso deveria acrescentar algum nível de sentido ao texto; de outra forma, é apenas uma fraca desculpa para o excêntrico. Os livros duram. Guardamo-los em bibliotecas para podermos lê-los anos depois acham que um design que segue abertamente a moda coloca-se entre o autor e o leitor. No entanto, será possível fazer o design de um livro que não reflita de alguma forma a época em que ele é feito? A atemporalidade pode ser inatingível. É fácil examinar vários livros e saber imediatamente quando e onde foram feitos seus projetos gráficos. Entre muitas maneiras de fazer o design de um livro, há três abordagens principais: Uma tipografia tão neutra quanto possível, que não sugira época nem lugar.Uma tipografia alusiva, que de propositalmente o sabor de um tempo passado.Uma tipografia nova, que apresente o texto de forma única. Um design tradicional, sem defeitos é tão difícil de fazer quanto criar um novo. A tipografia clássica, feita com correção, não é mais fácil de projetar do que alguma coisa mais em voga; o tradicionalista não está evitando, necessariamente, o trabalho difícil. Pode ser que seja bem mais trabalhoso fazer uma tipografia tradicional, porque essa espécie de design raramente usa vinhetas ou decoração; é puro, no sentido de que o estilo, o corpo e a disposição do tipo obedecem ás regras aceitas da “boa tipografia”.
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de terem sidos impressos. Aqueles designers que tentam fazer livros neutros, atemporais,
Uma tipografia alusiva pode ser ao mesmo tempo mais fácil e mais perigosa do que um design tradicional. Os enfeites, como os ornatos tipográficos (vinhetas, florões), ou os estilos de letras que evocam outras épocas fornecem instrumentos prontos. Seu uso pode oferecer soluções fáceis uma vez de resolver realmente os problemas – isto é, descobrir como relacionar a tipografia com o texto especifico. Ou as alusões podem relevar-se confusas. O design alusivo deixa pressupor que o leitor fará a mesma ligação visual que o designer fez. Muitas vezes, porém, o alusivo torna-se Entrelinhas do Design Editorial | Livros para o dia de hoje | 50
elusivo. Ocasionalmente haverá quem discorde – como quando o designer presume que o design significa uma coisa e o leitor, outra. Certa feita, usei um tipo sem serifa da virada do século para os títulos de um livro sobre os nativos americanos do século XIX; a fonte que eu usei sugeria (para mim) o Velho Oeste. Vendo isso com olhos diferentes, o autor não conseguiu entender por que eu iria querer usar tipos que estavam tão evidentemente fora de sintonia com a época e o lugar de seu livro. Quando perguntei a Robert Bringhurst sobre a tipografia alusiva, ele reconheceu o quanto ele pode ser ardiloso. Quando leio um original, começo imediatamente a procurar em minha alusão ou relações tipográficas. Faço a mim mesmo, automaticamente, a pergunta: Quais são as fontes que poderiam fazer justiça a este livro? Existe um tipo da mesma época (tipos do século XVII para um livro do século XVII, etc.) ou um tipo do mesmo lugar (tipo francês para um livro francês etc.), ou algum que incorpore uma atitude intelectual semelhante (tipo neoclássico para um livro sobre o neoclassicismo; um tipo de vanguarda para um livro sobre as vanguardas, ou escrito por um artista de vanguarda etc). No entanto, as coisas muitas vezes não são tão simples.
Penguin Classics, book covers, 1950.
Não existe um caractere nativo-americano, nem afro-americano, um tipo da Grécia antiga ou da China antiga, nem da Nova Guiné. Então, o que eu faço quando estou fazendo o design de um livro sobre literatura nativa americana, ou uma antologia de textos afro-americanos, ou uma nova tradução de Platão ou do I Ching? Encontro ás vezes um paralelo dentro da tradição da tipografia europeia/americana, e assim faço uma espécie de dupla alusão. Se eu fizer isso, posso ficar satisfeito comigo mesmo, mas vou ter de aceitar que pouquíssimos leitores, mesmo que sejam bem-informados em matéria de tipografia, conseguirão entender a hipermetáfora.Frequentemente, nesses casos, o melhor que posso esperar é a neutralidade tipográfica. é quando se está projetando uma coleção, como a Library of America ou as excelentes Editions Pléiade da Gilliarmard. Em alguns casos – por exemplo, nos Penguin Classics – é permitido um pouco de alusão tipográfica. Pode-se escolher uma fonte diferente para cada livro da coleção Penguin, mas o tamanho da página, mancha e suas margens devem geralmente ser os mesmos. Isso implica uma grande neutralidade, que se sobrepõe a todas as decisões tipográficas subsequentes.
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A neutralidade também é necessária em outras circunstâncias. O exemplo mais obvio
É claro que a maioria das alusões tipográficas são invisíveis ao leitor comum. Quanto a mim, prefiro, acreditar, porém, que as pessoas são sensíveis mesmo a percepções e sensações das quais não tem consciência. Assim, prefiro acreditar que essa alusão tem importância, mesmo para leitores que não as percebem. Contudo, prefiro que as alusões tipográficas sejam, em sua maioria, sutis, de modo que até mesmo aqueles leitores de grande acuidade tipográfica não as considerem espalhafatosas, vulgares ou opressivas. Eu poderia viver muito bem, como Nicolas Jenson ou Thomas Cobden-Sanderson, com uma única fonte para usar em tudo. E se eu tivesse de viver desse jeito, teria de tornar minhas alusões tipográficas ainda mais sutis – ou faze-las totalmente fora do texto, Entrelinhas do Design Editorial | Livros para o dia de hoje | 52
na ornamentação e na paginação. Todavia, essas alusões, muitas vezes, são muito pesadas. As alusões feitas fora do texto, mediante a escolha do tipo e o emprego de detalhes tipográficos (o tratamento das citações, o uso de versais, etc.), são frequentemente muito mais sutis e, por conseguinte, são para mim mais satisfatórias. Para mim, a história do tipo é um assunto muito imperioso, mas é uma história confinada mais ou menos à Europa e à América e ao período de 1460 até o presente. Essa é uma pequena parte do tempo e da geografia humana. A geometria da página escrita é outro assunto que considero fascinante – em um alcance muito mais amplo – onde quer e quando quer que foram feitos livros manuscritos. As alusões a essas histórias figuram entre os prazeres da verdadeira erudição. Mas uma boa parte do meu trabalho é com textos que estão totalmente fora da trama histórica, e eu não desistiria por nada dos prazeres da alusão. Por outro lado, mesmo aqueles designers que rejeitam qualquer noção de alusão podem não ser capazes de evitar alguma referência. Nos dias de hoje, por exemplo, a tipografia neutra dos anos 1960 parece típica daquela época. Como disse Michael Rock, as fontes são ricas do gesto e do espirito de sua própria época – até mesmo a Helvetica e a Univers podem parecer francamente evocativas.
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as fontes são ricas do gesto e do espirito de sua própria época – até mesmo a Helvetica e a Univers podem parecer francamente evocativas
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A novidade cria suas próprias regras. O design novo, como a música nova, pode facilmente esconder seus defeitos. Essa dissonância terá sido intencional, ou é incompetência? A tipografia inovadora é um tipo de tipografia alusiva. Proclama seu caráter novo da mesma forma que a tipografia alusiva insinua conexões, mas também pode confundir o leitor e ser totalmente errada para o texto. Devemos preocupar-nos em evitar o excesso, em não sacrificar o texto ao design da moda ou empurrar o livro para o gueto das tipografias efêmeras. Contudo, isso não torna necessariamente, o design tradicional a melhor solução. O designer Merle Armitage queixou-se certo dia de que o design de livro tinha uma reverencia exagerada pelo passado. Observando que Stanley Morrison, o historiador da impressão inglesa, preconizara a obediência ás convenções, Armigate perguntou: “Onde é fácil apego à tradição colocou o Império Britânico hoje? ’’ Na sua opinião, o design devia olhar para frente e ser agressivamente contemporâneo.
Livro: Martha Graham, The Early Years, Merle Armitage, 1937.
“Quando se olha para trás rejeita-se a oportunidade de tomar atitudes novas e significativas, afins com a nossa época em particular. ” E conclui seu Redezvous with the Book com um apelo ao espirito voltado para o presente: “Nossa responsabilidade é, portanto, refletir nosso lugar, nosso tempo e nossa atitude e, embora vivamos num período de transição (1949), nunca houve um tempo, um lugar e uma atitude como os nossos”. O que Armigate faria com a tipografia da nossa época? David Byrne, no prefácio a
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The end of Print, obra de David Carson, diz que cada sociedade tem o ambiente visual que merece”. Mas a quem cabe decidir o que a sociedade merece? Até que ponto os designers
cada sociedade tem o ambiente visual que merece. Mas a quem cabe decidir o que a sociedade merece? Até que ponto os designers devem ser agressivos em romper com a tradição?
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devem ser agressivos em romper com a tradição?
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Designers como Carson, que já não parecem interessados em apenas transmitir a mensagem do autor, querem proporcionar experiências comum a múltiplos leitores e preferem, em vez disso, introduzir uma serie de ambiguidade e uma multiplicidade de sentidos, chegando ao ponto de compor o texto de uma maneira tão arbitraria que nem sempre fica claro que palavras se seguem a que palavras. Querem usar seus próprios tipos porque, para eles as fontes antigas perderam o sentido, já foram vistas demais. Como sou irremediavelmente tradicional, não quero ser co-autor, mas nenhum designer consegue evitar inteiramente influenciar a forma como um texto será lido. Minha intenção é, no mínimo, sair do caminho do texto. Mesmo o menor detalhe que saiu errado – uma Entrelinhas do Design Editorial | Livros para o dia de hoje | 56
vinheta num título corrente que ficou um pouquinho grande demais – pode ser tão irritante quanto raspar a unha num quadro-negro. Frequentemente tenho a oportunidade de ouvir audiolivros e sei que a maneira como leitor lê em voz alta é muitíssimo parecida com o modo de um designer fazer um design. Quando estou ouvindo, presto demasiada atenção ao leitor que lê rápido demais ou devagar demais, ou que tem um sotaque ligeiramente
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estranho ou uma voz desagradável, ou ainda que enfatiza as silabas erradas. Os erros de pronuncia, o equivalente auditivo das gralhas, são intoleráveis.
pode ser tão irritande quanto raspar a unha num quadro-negro
”
Presumindo que o designer procure não causar prejuízo, tente ser invisível nesse sentido, outra coisa não pode fazer o design que dar cor ao texto. Em 1968, a Hammermill Paper Company publicou The Trial of Six Designers. Seis designers de livro foram convidados a fazer o design do livro de Franz Kafta, O Processo. Essa ideia foi especialmente útil, porque raraEntrelinhas do Design Editorial | Livros para o dia de hoje | 57
mente os leitores tem oportunidade de ver o mesmo livro em seis designs diferentes. Mesmo aqueles leitores que nunca pensaram em design de livro ou que são incapazes de distinguir um tipo de letra de outro podem ver como as mesmas palavras parecem diferentes quando dispostas de uma maneira diversa. Usando o mesmo formato, nenhum designer escolheu a mesma fonte ou a mesma paginação. Como era o único com que eu estava familiarizado, o design de Georg Salter pareceu-me correto. As primeiras impressões são poderosas. Na primeira vez em que alguma coisa se apossa de nossa imaginação, essa versão dela passa a ser o marco; não temos nada para compará-la. Somente depois de ver diversas soluções é que podemos fazer um julgamento apurado. The Trial Six Designers, Hammermill Paper Company, 1968.
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04 05
Alberto Manguel.
John Foster.
04
A IMAGEM COMO NARRATIVA Alberto Manguel. Uma histรณria da leitura.
Uma das primeiras imagens de que me lembro, com plena consciência de ter sido criada sobre a tela e pintada por mão humana, foi um quadro de Vincent Van Gogh, de barcos de pesca sobre a praia de Saintes-Maries. Eu tinha nove ou dez anos, e uma tia, que era pintora, me convidara para ir ao seu ateliê para conhecer o local onde ela trabalhava. Era verão em Buenos Aires quente e úmido. O pequeno aposento estava frio e tinha um cheiro maravilhoso de tinta e óleo; as telas armazenadas, apoiadas umas nas outras, me pareciam livros deformados no sonho de alguém que soubesse vagamente o que eram livros e os houvesse imaginado enormes, feitos de uma única página dura e grossa; local de pensamentos particulares, fragmentados e livres. Em uma estante de livros baixa, havia volumes grandes de reproduções coloridas, a maioria publicada pela firma suíça Skira, um nome que, para ela, era sinônimo de excelência. Minha tia puxou o volume dedicado a van Gogh acomodou-me em uma poltrona e pôs o livro sobre os meus joelhos. Em seguida deixou-me só.
Barcos de Pesca Sobre a Praia de Saintes-Maries, 1888, Van Gogh.
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os esboços e os recortes de jornal que minha tia havia pendurado na parede sugeriam um
A maioria dos meus livros tinha ilustrações que repetiam ou explicavam a história. Algumas, eu sentia, eram melhores do que outras: eu preferia as reproduções de aquarelas, da minha edição alemã dos contos de fada de Grimm, as ilustrações a nanquim da minha edição inglesa. Creio que, a meu juízo, aquelas ilustrações condiziam melhor com a forma como eu imaginava um personagem ou um lugar, ou forneciam mais detalhes para completar minha visão daquilo que a pagina me dizia estar acontecendo, realizando ou corrigindo as palavras. Gustave Flaubert opunha-se de forma intransigente a ideia de ilustrações acompanharem as palavras. Ao longo da sua vida, recusou-se a admitir que qualquer ilus-
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tração acompanhasse uma obra sua porque achava que imagens pictóricas reduziam o universal ao singular. “Ninguém jamais vai me ilustrar enquanto eu estiver vivo”, escreveu ele, “porque a descrição literária mais beta e devorada pelo mais real ao desenho. Assim que um personagem e definido pelo lápis, perde seu caráter geral, aquela concordância com milhares de outros objetos conhecidos que leva o leitor a dizer: ‘eu já vi isso·, ou ‘isso deve ser assim ou assado’. Uma mulher desenhada a lápis parece uma mulher, e só isso. A ideia, portanto, está encerrada, completa, e todas as palavras, então, se tornam inúteis, ao passo que uma mulher apresentada por escrito evoca milhares de mulheres diferentes. Por conseguinte, uma vez que se trata de uma questão de estética, eu formalmente rejeito todo tipo de ilustração.”’ Nunca concordei com essas segregações inflexíveis.
Contos de Fada, Irmãos Grimm.
”
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“
porque a descrição literária mais beta e devorada pelo mais real ao desenho. Assim que um personagem e definido pelo lápis, perde seu caráter geral
Entrelinhas do Design Editorial | Imagem como narrativa | 64
Mas as imagens que minha tia me
A praia multicolorida de van Gogh vinha à tona com frequência
apresentou naquela tarde não ilustravam
na imaginação da minha infância. Em algum momenta do século
nenhuma história. Havia um texto: a vida
XVI, o eminente ensaísta Francis Bacon observou que, para os
do pintor, fragmentos das cartas ao seu
antigos, todas as imagens que o mundo dispõe diante de nós já se
irmão, que não Ii senão muito mais tarde,
acham encerradas em nossa memória desde o nascimento. “Des-
o título das pinturas, sua data e local. Mas,
se modo, Platão tinha a concepção”, escreveu ele, “de que todo
em um sentido muito categórico, aquelas
conhecimento não passa de recordação; do mesmo modo, Salomão
imagens se mantinham isoladas desafiado-
proferiu sua conclusão de que toda novidade não passa de esque-
ras, me aliciando para uma leitura. Nada há
cimento. ”’ Se isso for verdade estamos todos refletidos de algum
via para eu fazer exceto olhar para aquelas
modo as numerosas e distintas imagens que nos rodeiam, uma
imagens: a praia cor de cobre, o barco
vez que elas já são parte daquilo que somos: imagens que criamos
“
vermelho, o mastro azul. Olhei para elas de-
e imagens que emolduramos; imagens que compomos fisicamente,
morada e atentamente. Nunca as esqueci.
e não imagens que se formam espontaneamente na imaginação; imagens de rostos, arvores, prédios, nuvens, paisagens, instrumentos, agua, fogo, e imagens daquelas imagens pintadas, esculpidas, encenadas, fotografadas, impressas, filmadas.
de que todo conhecimento não passa de recordação; do mesmo modo, Salomão proferiu sua conclusão de que toda novidade não passa de esquecimento.
Quer descubramos nessas imagens circundantes lembranças desbotadas de uma beleza que, em outros tempos, foi nossa (como sugeriu Platão), quer elas exijam de nós uma interpretação nova e original: por meio de todas as possibilidades que nossa linguagem tenha a oferecer (como Salomão intuiu), somos essencialmente criaturas de imagens, de figuras. As imagens, assim como as histórias, nos informam. Aristóteles sugeriu que todo processo de pensamento requeria imagens. “Ora, no que concede a alma pensante, as imagens tomam o lugar das percepções diretas; e, quando a alma afirma ou nega que essas imagens são boas ou, más, está igualmente as evita ou as persegue. Portanto a alma nunca pensa sem uma do som e do tato, suprem a imagem mental a ser decifrada. Mas, para aqueles que podem ver, a existência se passa em um rolo de imagens que se desdobra continuamente, imagens capturadas pela visão e realçadas ou moderadas pelos outros sentido imagens cujo significado (ou suposição de significado) varia constantemente, configurando uma linguagem feita de imagens traduzida em palavras e de palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e compreender nossa própria existência. As imagens que formam nosso
“
mundo são símbolos, sinais, mensagens e alegorias. Ou talvez seja, apenas presenças vazias que completamos com o nosso desejo experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja caso as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos.
Portanto a alma nunca pensa sem uma imagem mental.
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imagem mental.”’ Sem dúvida, para o cego, outras formas de percepção, sobretudo por meio
Mas qualquer imagem pode ser Iida? Ou, pelo menos, podemos criar uma leitura para qualquer imagem? E, se for assim, toda imagem encerra uma cifra simplesmente porque esta parece a nós, seus espectadores, um sistema autossuficiente de signos e regras? Qualquer imagem admite tradução em uma linguagem compreensível, revelando ao espectador aquilo que podemos chamar de Narrativa da imagem, com “N” maiúsculo? As sombras na parede da caverna de Platão, os letreiros
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de neon em estrangeiro cuja língua não falamos, o formato de uma nuvem que Hamlet e Polônio veem no céu, certa tarde, o letreiro Bois-Charbons que (segundo André Breton) se lê Police quando visto de determinado ângulo, a escrita que os antigos sumérios acreditavam poder Ier nas pegadas dos pássaros sobre a lama do rio Eufrates, as figuras mitológicas que os astrônomos gregos identificavam na concentração dos pontos assinalados por estrelas distantes, o nome de Alá que o fiel vislumbrou num abacate aberto e no logotipo dos artigos esportivos da Nike, a escrita ardente de Deus na parede do palácio de Baltazar, sermões e livros que Shakespeare encontrou em pedras e em regatos, as cartas do tarô por meio das quais o viajante de Calvino lia narrativas universais em O castelo dos destinos cruzados, paisagens e imagens identificadas por viajantes do século XVIII nos veios de pedras de mármore, o bilhete rasgado de um quadro· de avisos e realojado em uma pintura de Tàpies, o rio de Heráclito que é também o fluxo do tempo, as folhas de chá no fundo de uma xícara na qual os sábios chineses acreditam poder ler nossas vidas, o vaso estilhaçado do Sahib Lurgan que quase se recompõe por inteiro diante dos olhos incrédulos de Kim, a flor de Tennyson na parede gretada, os olhos do cão de Neruda nos quais o poeta descrente via Deus, o Hekohau rongorongo, ou “pau que fala”, da ilha da Páscoa, que sabemos guardar uma mensagem indecifrada até hoje, a cidade de Buenos Aires.
Figura Mitológica.
Tenis esportivo (Nike), 1999.
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Para o cego Jorge Luis Borges, era “um mapa de minhas iluminações e de meus fracassos”, os pontos de costura na roupa de Kisima Kamala, alfaiate de Serra Leoa, nos quais ele viu o futuro alfabeto da escrita mande, a baleia errante que são Brendan tomou por uma ilha, os três picos das Montanhas Rochosas que delineiam o perfil de três irmãs contra o céu ocidental do Canadá, a geografia filosófica de um jardim japonês, os cisnes selvagens em Coole, nos quais Yeats decifrou nossa transitoriedade tudo isso
“
oferece ou sugere, ou simplesmente comporta, uma leitura limitada apenas pelas nossas aptidões. “Como saber se cada pássaro que cruza os caminhos do ar não é um imenso
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mundo de prazer, vedado por nossos cinco sentidos?”, indagou William Blake.
Como saber se cada pássaro que cruza os caminhos do ar não é um imenso mundo de prazer, vedado por nossos cinco sentidos?, indagou William Blake.
”
Se a natureza e os frutos do acaso são passíveis de interpretação, de tradução em palavras comuns, no vocabulário absolutamente artificial que construímos a partir de vários sons e rabiscos, então talvez esses sons e rabiscos permitam, em troca, a construção de um acaso ecoado e de uma natureza espelhada, um mundo paralelo de palavras e imagens mediante o qual podemos reconhecer a experiência do mundo que chamamos de real. “Pode ser chocante falar da Divina comédia ou da Mona Lisa como uma “réplica”, diz Elaine Scarry, autora de um livro incomum sobre o significado da beleza, “visto serem eles tão desprovidos de antecedentes, porém o mundo recorda o fato de que algo ou alguém, deu origem a criação mos acrescentar que o objeto recém-nascido pode, por sua vez, dar origem a uma miríade de objetos recém-nascidos as experiências receptivas do espectador ou do leitor que, todos e cada um deles, também o contêm. Quando eu tinha catorze ou quinze anos, nosso professor de história, que nos mostrava slides de arte pré-histórica, nos pediu que imaginássemos o seguinte: durante toda a sua vida, um homem vê o sol se pôr, ciente de que isso assinala o fim do clico de um deus cujo nome sua tribo não pronuncia. Certo dia pela primeira vez, o homem ergue a cabeça e, subitamente, com toda a clareza, vê o sol de fato mergulhar em um Iago de chamas. Em resposta (e por razoes que ele não tenta explicar), o homem afunda as mãos na lama vermelha e pressiona a palma das mãos de encontro há parede da sua caverna. Após um tempo outro homem vê as marcas da pruma das mãos e sente-se atemorizado, ou comovido, ou simplesmente curioso e, em resposta (e por n razoes que ele não tenta explicar), se põe a contar uma história. Em algum local dessa narrativa, não mencionado mas presente, encontra-se antes de tudo o pôr-do-sol contemplado e o deus que morre todo dia, antes do cair da noite, e o sangue desse deus derramado pelo céu ocidental. A imagem da origem a uma história, que, por sua vez, dá origem a uma imagem. “O consolo do discurso·, disse o melancólico filósofo Soren Kierkegaard (e poderia ter acrescentado, “e de criar imagens”), e que ele me traduz ponto universal.
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dessas obras e permanece silenciosamente presente no objeto recém-nascido. Ao que pode-
Formalmente as narrativas existem no tempo, e as imagens, no espaço. Durante a idade Média, um único painel pintado poderia representar uma sequência narrativa, incorporando o fluxo do tempo nos Iimites de um quadro espacial, como ocorre nas moderna histórias em quadrinhos, com o mesmo personagem aparecendo várias vezes em uma paisagem unificadora a medida que ele avança pelo enredo da pintura. Com o desenvolvimento da perspectiva, na Renascença, os quadros se congelam
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em um instante único: o momento da visão tal como percebida do ponto de vista do espectador. A narrativa, então, passou a ser transmitida por outros meios: mediante “simbolismo, poses dramáticas, alusões a literatura, títulos”’ ou seja, por meio daquilo que o espectador, por, outras fontes, sabia estar ocorrendo. Ao contrário das imagens, as palavras escritas que constantemente para além dos limites da página: a capa e a quarta capa de um livro não estabelecem os limites de mesmo texto, que nunca existe integralmente como em todo físico, mas apenas em frações ou resumos. Podemos, com um rápido esforço do pensamento, evocar um verso de “The Rime of the Ancient Mariner” ou um resumo de vinte palavras de Crime e castigo mas não os livros inteiros: sua existência repousa na estável corrente de palavras que os encerra, a qual! flui do início até o fim, da capa até a quarta capa, no tempo que concedemos a leitura desses livros.
”
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“
sua existência repousa na estável corrente de palavras que os encerra, a qual! flui do início até o fim, da capa até a quarta capa, no tempo que concedemos a leitura desses livros.
As imagens, porém, se apresentam a nossa consciência instantaneamente, encerradas pela sua moldura a parede de uma caverna ou de um museu em uma superfície especifica. Os botes de pesca de van Gogh, por exemplo foram para mim, naquela primeira tarde, prontamente reais e definitivos. Com o correr do tempo, podemos ver mais ou menos coisas em uma imagem, sondar mais fundo e descobrir mais detalhes, associar e combinar outras imagens, emprestar-lhe palavras para contar o que vemos mas, em si mesma, uma imagem existe no espaço que ocupa, independentemente do tempo que reservamos para contempla-la: só vários anos mais tarde fui notar que um dos botes tinha o
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nome Amitie pintado no casco. Mais tarde, também, vim a saber que, em junho de l888, van Gogh, que estava em Aries, caminhara o longo percurso até Saintes-Maries-de-la-Mer, uma aldeia de pescadores há qual ciganos de toda a Europa ainda boje fazem uma peregrinação anual. Em Saintes-Maries, ele fez desenhos de botes e de casas, e depois transformou esses desenhos em pinturas. Foi a primeira vez que viu o Mediterrâneo. Tinha 35 anos seis meses depois, cortaria sua orelha esquerda para dar de presente, embrulhada em uma folha de jornal, para uma prostituta de um bordel próximo. Para mim, todas essas informações vieram mais tarde os por menores, os detalhes geográficos, a cronologia, o incidente da orelha amputada, que, a exemplo do círculo a mão livre traçado por Giotto ou do pincel que o rei Carlos V apanhou para Ticiano, fazia parte da história convencional da arte que nos era ensinada na escola de forma graciosa e elas apoiaram ou questionaram a validade da minha primeira leitura. Mas no início não havia nada exceto a própria pintura. E desse ponto fixo no espaço que partimos. Histórias e comentários, legendas e catálogos, museus temáticos e livros de arte tentam guiar-nos através de escolas distintas, de épocas distintas e de países distintos. Mas aquilo que vemos quando percorremos as salas de uma galeria, ou quando contemplamos imagens em uma tela, ou quando seguimos as páginas sucessivas de um volume de reproduções termina por escapar de tais inibições. Vemos uma pintura como algo por seu contexto; podemos saber algo sobre o pintor e sobre o seu mundo; podemos ter alguma ideia das influencias que moldaram são a visão; se tivermos consciência do anacronismo, podemos ter o cuidado de não traduzir essa visão pela nossa mas, no fim, o que vemos não e nem a pintura em seu estado fixo, nem uma obra de arte aprisionada nas coordenadas estabelecidas pelo museu para nos guiar.
O que vemos e a pintura traduzida nos termos da nossa própria experiência. Conforme Bacon sugeriu, infelizmente (ou felizmente) só podemos ver aquilo que, em algum feito ou forma, nós já vimos antes. Só podemos ver as coisas para as quais já possuímos imagens identificáveis, assim como só podemos ler em uma língua cuja sintaxe, gramatica e vocabulário já conhecemos. Na primeira vez em que vi os botes de pesca de van Gogh, coloridos de forma radiante, algo em mim reconheceu algo espelhado neles. Misteriosamente, toda imagem supõe que eu a veja. Quando lemos imagens de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas, fotografadas, edifio que é limitado por uma moldura para um antes e um depois e, por meio da arte de narrar histórias (sejam de amor ou de ódio), conferimos a imagem imutável uma vida infinita e inesgotável. Andre Malraux, que participou tão ativamente da vida cultural e da vida política francesa no século XX (como soldado, romancista e ministro da Cultura pioneiro na Franca), argumentou com lucidez que, ao situarmos uma obra de arte entre as obras de arte criadas antes e depois dela, nos, os espectadores modernos, tomávamo-nos os primeiros a ouvir aquilo que ele chamou de “canto da metamorfose”- quer dizer, o diálogo que uma pintura ou uma escultura trava com outras pinturas e esculturas, de outras cultura e de outros tempos. No passado, diz Malraux, quem contemplava o portal esculpido de uma igreja gótica só poderia fazer comparações com outros portais esculpidos, dentro da mesma área cultural; nos, ao contrário, temos a nossa dispositivo incontáveis imagens de esculturas do mundo inteiro (desde as estatuas da Suméria aquelas de Elefanta, desde os frisos da Acropole até os tesouros de mármore de Florença) que falam para nós em uma
“
língua comum, de feitios e formas, o que permite que nossa reação ao portal gótico seja retomada em mil outras obras esculpidas. A esse precioso patrimônio de imagens reproduzidas, que está a nossa disposição na página e na tela, Malraux chamou “museu imaginário”.
museu imaginário
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cadas ou encenadas, atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa. Ampliamos
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Frisos da Acropole.
Estatuas da SumĂŠria 3100 a.c.
Tesouros de Mรกrmore de Florenรงa.
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E no entanto os elementos da nossa resposta, o vocabulário que empregamos para desentranhar a narrativa que uma imagem encerra (sejam os botes de van Gogh ou o portal da Catedral de Chartres), são determinados não só pela iconografia mundial mas também por um amplo espectro de circunstancias, sociais ou privadas, fortuitas ou obrigatórias. Construímos nossa narrativa por meio de ecos de outras narrativas, por meio da ilusão do auto reflexo, por meio do conhecimento técnico e histórico, por meio da fofoca, dos devaneios, dos preconceitos, da iluminação, dos escrupulos, da ingenuidade, da compaixão, do engenho. Nenhuma narrativa suscitada por uma imagem e definitiva ou
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exclusiva, e as medidas para aferir a, sua justeza variam segundo as mesmas circunstancias que dão origem a própria narrativa. Ao percorrer um museu no século I d.C., o amante rejeitado Encolpius vê as numerosas imagens de deuses pintadas pelos grandes artistas do passado Zeus, Protogenes, Apeles e exclama, em sua angustia solitária: “Então mesmo os deuses nos céus são abalados pelo amor! ”. Encolpius reconhece nas cenas mitológicas que o cercam, e que representam as aventuras amorosas do Olimpo, reflexos das suas próprias emoções. As pinturas o comovem porque parecem, metaforicamente, falar dele. As pinturas são emolduradas pela sua apreensão e pelas circunstancias; elas agora existem no tempo de Encolpius e compartilham o passado, o presente e o futuro dele. As obras tomaram-se autobiográficas. Stendhal, em seu relato de uma visita a Florencia em 1817, descreveu os efeitos do seu encontro com a arte italiana em termos que, mais tarde, tomaram-se sintomáticos de uma doença psicossomática diagnosticável. “Ao sair da igreja de Santa Croce”, escreveu ele, “senti uma palpitação no coração. A vida se esvaía de mim enquanto eu caminhava, e tive medo de cair. A chamada síndrome de Stendhal afeta visitantes (sobretudo de países da América do Norte e da Europa, exceto a Itália) que veem as obras-primas da Renascença pela primeira vez. Algumas dessas obras de arte colossais as assombra, e a experiência estética, em julgar de ser uma experiência de revelação e de conhecimento, torna-se caótica e simplesmente desnorteante, a autobiografia como pesadelo.
A imagem de uma obra de arte existe em algum local entre percepções: entre aquela que o pintor imaginou e aquela que o pintor pôs na tela; entra aquela que podemos nomear e aquela que os contemporâneos do pintor podiam nomear; entre aquilo que lembramos e aquilo que aprendemos; entre o vocasocial, e um vocabulário mais profundo, de símbolos ancestrais e secretos. Quando tentamos ler uma pintura, ela pode nos parecer perdida em um abismo de incompreensivo ou, se preferirmos, em um vasto abismo que e uma terra de ninguém, feito de interpretações múltiplas. O crítico pode resgatar uma obra de arte até o ponto da reencarnação; o artista pode repudiar uma obra de arte até o ponto da destruição. Auguste Renoir conta como, por ocasião do seu regresso da Itália, em companhia de um amigo, foi visitar Paul Cezanne, que trabalhava no Midi. O amigo de Renoir teve um violento ataque de diarreia e pediu algumas folhas para se limpar. Cezanne lhe ofereceu uma folha de papel. “Era uma das aquarelas mais perfeitas de Cezanne; ele a havia jogado no meio das pedras depois de ter trabalhado nela como um escravo, durante vinte sessões.”
L’Après-Midi à Naples Paul Cezanne.
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bulário comum, adquirido, de um mundo
Leituras críticas acompanham imagens desde o início dos tempos, mas nunca efetivamente copiam, substituem ou assimilam as imagens. “Não explicamos as imagens”, comentou com sagacidade o historiador da arte Michael Baxandall, “explicamos comentários a respeito de imagens. “Se o mundo revelado em uma obra de arte permanece sempre fora do âmbito dessa obra, a obra de arte permanece sempre fora do âmbito da sua apreciá-lo critica. “A forma”, escreve Balzac, “em suas representações, e aquilo que
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ela e em nos: apenas um artifício para comunicar ideias, sensações, uma vasta poesia. Toda imagem e um mundo, um retrato cujo modelo apareceu em uma visão sublime, banhada de luz, facultada por uma voz interior, posta a nu por um dedo celestial que aponta, no passado de uma vida inteira, para as próprias fontes da expressão. ” Nossas imagens mais antigas silo simples linhas e cores borradas. Antes das figuras de antílopes e de mamutes, de homens a correr e de mulheres férteis, riscamos traços ou estampamos a palma das mãos nas paredes de nossas cavernas para assinalar nossa presença, para preencher um espaço vazio, para comunicar uma memória ou um aviso, para sermos humanos pela primeira vez. Por “mais antigas”, e claro, queremos dizer “mais novas”: aquilo que foi visto pela primeira vez, no alvorecer mais remoto em nossa memória, quando essas imagens surgiram para nossos ancestrais puras e portentosas, incontaminadas pelo habito ou pela experiência, livres da vigilância da crítica. Ou, talvez, não completamente livres, como sugeriu Rudyard Kipling: Quando o rubor de um sol nascente caiu pela primeira vez no verde e no dourado do Éden, nosso pai Adão sentou-se sob a arvore e, com um graveto, riscou na argila; E o primeiro e tosco desenho que o mundo viu foi um jubilo para o coração vigoroso desse homem, até o Diabo cochichar, por trás da folhagem é bonito, mas será Arte?
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“
Quando o rubor de um sol nascente caiu pela primeira vez no verde e no dourado do Éden, Nosso pai Adão sentou-se sob a Arvore e, com um graveto, riscou na argila; E o primeiro e tosco desenho que o mundo viu foi um jubilo para o coração vigoroso desse homem, Até o Diabo cochichar, por trás da folhagem é bonito, mas será Arte?
Para o bem ou para o mal, toda obra de arte é acompanhada por sua apreciação crítica, a qual, por sua vez, dá origem a outras apreciações críticas. Algumas destas transfonam-se, elas mesmas, em obras de arte, por seus próprios méritos: a interpretação que Stephen Sondheim fez da pintura La Grande Jatte, de Georges Seurat, os comentários de Samuel Beckett sobre a Divina comedia, de Dante, os comentários musicais de Mussorgsky sobre as pinturas de Vilctor Gartman, as leituras pictóricas que Henry Fuseli fez de Shakespeare, as traduções que Marianne Moore fez de La Fontaine, a versão de Thomas Mann
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da oeuvre musical de Gustav Mahler. O romancista argentino Adolfo Bioy Casares sugeriu, certa vez, uma cadeia infinita de obras de arte e de seus comentários, a começar por um único poema do século XV, do poeta espanhol Jorge Manrique Bioy sugeriu a construção de uma estátua para o compositor de uma sinfonia baseada em uma peça sugerida pelo retrato de um tradutor dos “Dísticos sobre a morte de seu pai”, de Manrique. Cada obra de arte se expande mediante incontáveis camadas de leituras, e cada leitor remove essas camadas a fim de ter acesso a obra nos termos do próprio leitor. Nessa última (e primeira) leitura, nós estamos sós.
La Grande Jatte Georgous Seurat, criação (1884 - 1886).
Ser capaz (e ter disposição) de ler uma obra de arte e crucial. Em 1864, o crítico de arte inglês John Ruskin, reagindo com ira
sistema coerente para ler as imagens, similar
esclarecida contra o conformismo da sua época, proferiu uma
aquele que criamos para ler a escrita (um
palestra no Rusholme Town Hall perto de Manchester, na qual
sistema implícito no próprio código que
repreendeu a plateia por não dar bastante valor a arte e atribuir
estamos decifrando). Talvez, em contraste
demasiada importância ao dinheiro. O propósito da palestra era
com um texto escrito no qual o significado
convencer as pessoas eminentes de Rusholme da necessidade
dos signos deve ser estabelecido antes que
de uma boa biblioteca pública, coisa que Ruskin considerava um
eles possam ser gravados na argila, ou no
serviço público essencial em qualquer cidade digna, no Reino Uni-
papel, ou atrás de uma tela eletrônica,
do. Mas, no decorrer da sua argumentação, Ruskin ficou cada vez
o código que nos habilita a ler uma imagem,
mais inflamado e censurou violentamente as pessoas ilustres
conquanto impregnado por nossos conheci-
do local por haverem “desprezado a Ciência”, “desprezado
mentos anteriores, e criado após a imagem
a Arte”, “desprezado a Natureza”. “Eu afirmo que os senhores
se constituir de um modo muito semelhante
desprezaram a Arte! ‘Como?’, os senhores vão me retrucar.
aquele com que criamos ou imaginamos
‘Pois não temos exposições de arte com muitas de extensão?
significados para o mundo a nossa volta,
E não pagamos milhares de libras por simples pinturas? E não
construindo com audácia, a partir desses
temos escolas de Arte e instituições artísticas, mais do que qual-
significados, um senso moral e ético, para
quer nação jamais teve? ’ Sim, e verdade, mas tudo isso existe em
vivermos. Nos últimos anos do século XIX,
proveito do comercio. Os senhores se contentariam em vender
o pintor James McNeill Whistler, esposan-
quadros assim como vendem a porcelana assim como ferro; os se-
do essa ideia de uma criação inexplicável,
nhores tomariam o pão da boca de todas as o ações, se pudessem;
resumiu seu ofício em poucas palavras:
como não podem fazê-lo, seu ideal de vida e postar-se nas aveni-
“A arte acontece”.” Não sei se ele disse com
“
das, como aprendizes de Ludgate, e berrar para todos os passantes:
um sentimento de resignação ou de alegria.
‘O que lhe falta?’. “E como eles não davam a mínima para as obras
da humanidade e atribuam todo o valor ao lucro financeiro e ao estimulo da ganancia, Ruskin lhes disse que haviam se transformado em criaturas que “desprezam a compaixão”, broncos incapazes de se importar com os semelhantes. Como eram incapazes de ler as imagens que a arte tinha a lhes oferecer, ele acusou seus contemptor lhes de serem também moralmente analfabetos. Ruskin nutria esperanças elevadas quanto a utilidade da arte.
A arte acontece
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Não sei se e possível algo como um
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John Foster. Fundamentos essenciais do design grรกfico.
As suas mãos estão pairando uma perto da outra. Aquilo que parecia um lanche inocente agora parece algo muito melhor. Se pudesse pegar essa faca colocada ao lado de seu antigo prato você cortaria essa tensão sexual e a serviria de aperitivo. Você avança e toca no limite invisível que definiu seu relacionamento até agora. Trata-se apenas de uma questão de alguns centímetros avançando suavemente pelo ar, mas nada mais voltará a ser como antes. Significa algo esse movimento sutil. Significa tudo. Vivemos as nossas vidas governados por regras simples que determinam as repercussões de cada um de nossos passos. Passar a maior parte de nosso tempo suportando essas regras é, em essência, o que faz o mundo girar. É a maneira como as pessoas progridem
“
e trabalham juntas, e funciona em cenários sociais e de negócios. Porém, são as poucas que desejamos ser, que realmente definem a nossa vida.
Se você ainda não percebeu como isso se relaciona com o leiaute, então sabe muito pouco sobre o design (e sobre a vida), o que é lamentável
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ocasiões em que não agimos de acordo com as regras, como as crianças malcomportadas
Enquanto sociedade, raramente percebemos quando as coisas estão “certas”. Supostamente é assim que as coisas devem ser. Em um leiaute, não reparamos quando os elementos estão
“
alinhados e bloqueados em um movimento sincronizado, de certa forma congelado se em perfeita harmonia. Apesar disso, o mais leve movimento de uma parte da tipografia, ou uma ligeira rotação de um elemento gráfico criam um mundo de possibilidades. Será que isso é tensão?
”
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Será que isso é tensão?
Alegria, esperança, tristeza, violência, paixão? Uma coisa é certa: existe algo! Você sabe o quanto sabe? Pois você só sente isso. O leiaute é uma ferramenta simples, embora surpreendentemente eficaz. Como qualquer outra ferramenta, precisa ser usada com mãos habilidosas para realmente fornecer toda a energia disponível. Picasso passou pelo árduo processo do aprendizado de pintar de maneira realista, antes de ficar à vontade para expandir a forma humana de modo a mudar para sempre a maneira pela qual vemos a imagem. Você, o designer do dia a dia, deve tomar nota e estudar os mestres dos princípios básicos do leiaute. Procure conhecer os designers suíços das décadas de 1950 e 1960.
Olimpidas de Munique, poster 1972, Max Bill.
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Ciencia e Caridade, 1987, Picasso.
Adrian Frutiguer, Univers poster.
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Certamente, alguma forma de leiaute, a organização dos objetos em uma forma plana, já existia nas tabuletas rúnicas, nos pergaminhos egípcios, e naquelas páginas manuscritas detalhadas de maneira insana da Bíblia. Porém, nos tempos modernos, foram os suíços que descobriram o espaço nu em branco diante de nós, e então eles começaram a estruturar elementos em cima (Helvetica, alguém duvida?) de maneira tão organizada que o fundamento do design da página finalmente se revelou para nós. Um dos designers de meu escritório tinha um pôster cheio de pequenos esboços de designs suíços clássicos do passado e eu nunca deixei de me maravilhar com eles que eram para serem vistos como pôsteres de 1,2 m de altura e funcionavam exatamente tão bem como selos do correio. Tão forte é a aderência às linhas simples da grade/grid, tão perfeito o equilíbrio entre tão poucos itens, que eles simplesmente não podem falhar. Fazer Entrelinhas do Design Editorial | Layout | 87
o teste do estrabismo, assumindo que está sentado na frente da tela do computador, já estraga o seu golpe de vista, e só permite que uma lasca de luz se esgueire na visualização dessas belezas. O tipo pode ficar borrado, mas o leiaute básico vai permanecer tão forte que é deslumbrante.
Pergaminhos Egípcios.
O problema para o resto do mundo é que simplesmente nós não somos suíços (existem uns poucos alemães que pensam desse jeito, é claro, mas a maioria fica em apuros). Acontece que tudo o que parecia simples a respeito dessa forma de leiaute no final das contas não era nada simples. Era preciso certa mentalidade e uma enorme quantidade de comedimento para fazer o design dessa maneira. Também era muito chato sempre seguir as regras. Mas é bom lembrar: você precisa conhecer as regras para poder quebrá-las. Porém, não se tratava apenas das regras do design. As necessidades básicas para a produção de uma peça impressa e a rígida sequência de registros para algo feito à máquina significava que os designers precisam ser artesãos rigorosos quando chegavam ao leiaute. Ter itens alinhados com as guias de uma grade/grid invisível quase sempre significava alinhá-los com linhas
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reais, desenhadas, linhas azuis não reproduzíveis em cada camada ou na base da área do leiaute.
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Ao levar isso em consideração, você pode notar que a “quebra” da grade era algo que não acontecia com muita frequência.
Também era muito chato sempre seguir as regras. Mas é bom lembrar: você precisa conhecer as regras para poder quebrá-las
Na medida em que a impressão se tornou o principal meio de comunicação, esses princípios básicos do leiaute se tornaram os fundamentos da organização de uma página. A legibilidade e a navegação foram amplamente melhoradas, e fica imediatamente evidente quando algo é produzido de modo não profissional. O leiaute se tornou muito mais parecido com a arquitetura do que com a pintura. Mas isso nem sempre foi assim. O design gráfico funciona em ciclos, pelo menos tanto quanto eu posso dizer, com base na análise das publicações que tratam do assunto. Atravessamos períodos clean, nos quais a forma permanece fortemente como o caminho pavimentado pelos suíços. Um pouco antes de ficarmos tristes até as lágrimas, um grupo de designers fantásticos (normalmente com orçamento apertado), revolucionou isso e nos empurrou para um período de confusão. Eu gosto dessa época de leiautes cheios de complexidades que comportam análises detalhadas. Desde Entrelinhas do Design Editorial | Layout | 89
os tipos e as imagens em multicamadas (que não eram feitos com computador, diga-se de passagem), de Vaughan Oliver, a contracultura das imagens psicodélicas da década de 1960, os xeroxes explosivos de Art Chantry, até a desconstrução da palavra escrita de David Carson, o trabalho desses designers nos envolve em um leiaute desafiador. Sobraram tantos remanescentes das regras que a quebra de todas elas se torna ainda mais impressionante.
Art Chantry.
Capa do CD Doolittle, Vaughan Oliver.
Desconstrução da Palavra, David Carson.
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Ambas as escolas encontraram muitos imitadores, e as características comuns dos mestres do leiaute se tornam aparentes. Criar uma página envolvente é um trabalho difícil, seja usando poucos ou muitos elementos para isso. Pouca gente de fato nasce possuidora de uma linguagem própria. Designers corajosos prolongaram a verdadeira definição do que significaria fazer o leiaute de uma página. Os meus “momentos de leiaute” favoritos são quando o criador molda uma concepção para fazer um projeto mediano de uma nova maneira: Reid Miles esmagando vidro sobre o seu design e depois fotograo “leiaute” em sua pele e depois tirando uma foto, são exemplos que me vêm à mente. Esses designs 3D orgânicos exibidos em modo de 2D levam o “leiaute” para outro universo. A propósito, é para este outro universo que caminha o leiaute. Na medida em que a mídia digital se apresenta como o principal meio de comunicação, a organização das informações nunca foi tão importante. Se você entendia que a grade/grid era importante para a página impressa, saiba que ela é absolutamente vital para a versão digital. Essa forma de design continua sendo um longo caminho a percorrer, mas eu sei que o leiaute bem-sucedido logo estará na moda. Estarei pacientemente esperando por isso, enquanto baixo os meus e-mails, conforme avanço a minha mão pela mesa para tocar na sua…
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fando-o, Stefan Sagmeister fazendo Martin Woodtli esculpir
Stefan Sagmeister, body.
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Estarei pacientemente esperando por isso, enquanto baixo os meus e-mails, conforme avanço a minha mão pela mesa para tocar na sua…
GRID
Josef Muller-Brockman.
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Ellen Lupton.
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SOBRE GRIDS Josef Muller-Brockmann. GG Barcelona 2012
O uso de grelhas como um sistema de organização espacial é a expressão de uma postura mental mostra que o designer concebe os seus trabalhos em termos construtivos, orientados para o futuro. É a manifestação de uma ética profissional: o trabalho do designer deve basear-se num pensamento de índole matemática, claro transparente, prático, funcional e estético. O seu trabalho deve ter contributo para a cultura geral, passando a fazer parte dessa própria cultura. Uma criatividade construtivista, inteligível e passível de ser analisada, pode influenciar e elevar o bom gosto da sociedade, da cultura das formas e das cores. Um designer objetivo, comprometido com um bem comum, bem estruturado e refinado, constitui a base de uma cultura democrática. Um design construtivista significa converter ceitos formais rigorosos, responde às exigências de clareza, transparência e da integração de todos os fatores que também são de máxima importância sociopolítica da sociedade. Trabalhar com sistemas de grelhas significa submeter-se a leis de validade universal. A aplicação de sistemas de grelhas significa vontade de integrar ordem e clareza; significa vontade de chegar ao essencial, de condensar; significa preferir racionalizar os processos criativos e técnico-produtivos; significa vontade de integrar os elementos formais, cromáticos e materiais; significa vontade de dominar a superfície e o espaço; significa adotar uma atitude positiva, orientada para o futuro; significa a implicação pedagógica e a influência do próprio trabalho no trabalho de outros. Cada tarefa criativa de composição visual é a manifestação do caráter do designer, um reflexo visual é a manifestação do caráter do designer, um reflexo do seu saber, da sua habilidade e da sua mentalidade.
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as leis da composição em soluções práticas. O trabalho, sistemático e de acordo com con-
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índole matemática, claro transparente, prático, funcional e estético
”
A grelha subdivide uma superfície bidimensional em áreas menores; ou então subdivide um espaço tridimensional em volumes menores. As áreas (ou volumes) podem ter dimensões idênticas ou diferentes. A altura de uma das áreas corresponde a um determinado número de linhas de texto corrido; a largura dos campos é idêntica à largura das colunas de texto. A altura e a largura são indicadas em medidas tipográficas; pontos e cíceros. Os campos separados uns dos outros por espaços intermediários (goteiras), de tal modo que as imagens não toquem umas nas outras. As goteiras servem igualmente para preservar a legibilidade. Por outro lado, estes espaços intermediários permitem posicionar adequadamente as legendas das imagens e ilustrações. A distância vertical entre os campos mede uma, duas ou mais linhas de textos. to em retículas consegue-se ordenar e posicionar melhor os elementos integrantes de um layout: os textos, as imagens, as ilustrações e as cores. Estes elementos são adaptados ao tamanho das retículas da grelha, encaixando perfeitamente nas suas medidas. A ilustração mais pequena corresponde à mais pequena das retículas. A grelha de uma página inteira integra um número mais alto ou mais reduzido de retículas. Todas as tabelas, fotografias, ilustrações e demais elementos gráficos ocupam o espaço de uma, duas, três ou quatro retículas. Deste modo obtém-se uma determinada uniformidade na disposição da informação visual. A grelha determina as dimensões e proporções constantes do espaço disponível. Não existe nenhum limite para o número de divisões praticadas numa grelha. De um modo geral, interessa salientar que cada projeto deve ser estudado cuidadosamente para obter o sistema de grelhas específico, que melhor corresponda às exigências do trabalho. A regra de tamanho das ilustrações grandes, mais tranquila é a impressão causada pela composição. Entenda como um sistema de controle, uma grelha ajuda a organizar racionalmente uma superfície ou um volume. Usada como sistema ordenador, uma grelha obriga a uma maior honestidade no uso dos elementos gráficos. Exige ao designer que se adapte ao problema que tem em mãos e que o analise. Impulsiona o pensamento analítico e proporciona uma solução do problema em bases lógicas e critérios objetivos. Se os textos e as imagens forem posicionados de modo sistemático, os elementos prioritários tornam-se mais evidentes.
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A distância horizontal depende do corpo da letra e das ilustrações. Com este parcelamen-
Estilos de Grid.
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Uma grelha convenientemente adequada ao problema em estudo torna mais fácil: a: estruturar objetivamente a argumentação com os meios da comunicação visual e entender a hierarquia dos conteúdos; b: compor o texto corrido e posicionar o material ilustrativo de forma lógica e sistemática; c: dispor o texto e as ilustrações de modo compacto e rítmico: d: mostrar o material visual de forma que seja facilmente inteligível, transparente e estruturado de forma interessante. Entre as várias razões que justificam o uso de grelhas para organizar o texto e as ilustrações estão as seguintes: razões económicas: Um dado problema resolve-se em menos tempo e com custos mais reduzidos; razões racionais: os problemas, quer sejam simples razões de postura mental: a apresentação sistemática dos conteúdos, das sequências de acontecimentos e soluções de problemas deveria ser por razões sociais e educativas , uma expressão do nosso sentido de responsabilidade e uma contribuição construtivista
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para a cultura da sociedade.
Usada como sistema ordenador, uma grelha obriga a uma maior honestidade no uso dos elementos gráficos
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ou complexos, podem ser resolvidos de forma coerente, e com estilo característico;
Os sistemas de grelhas são usados por tipógrafos, gráficos, fotógrafos e designers de exposições para resolver problemas de apresentações visuais, em duas ou três dimensões. O tipógrafo e o artista gráfico usam sistemas de grelhas para conceber o layout de anúncios publicitários em jornais, folhetos, catálogos, livros, periódicos, etc. O designer de exposições usa grelhas para conceber os seus planos de apresentações. Ao ordenar os espaços dentro da estrutura obtida com uma grelha, o designer poderá facilmente dispor os seus textos, diagramas e fotografias, seguindo critérios objetivos e funcionais. Os elementos textuais e/ou pictóricos são apresentados nos tamanhos predefinidos pela grelha. O tamanho dos diversos elementos é determinado segundo a sua importância no contexto do tema. A incorporação de todos os elementos gráficos nas malhas de um sistema de grelha cria confiança.
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A informação hierarquizada com títulos, subtítulos, textos, ilustrações, imagens e legendas, todos eles dispostos na grelha de uma forma lógica, será não somente lida mais rápida e facilmente, mas também melhor entendida e retida na memória. Este é um facto cientificamente provado e o designer deverá tê-lo sempre em mente. Também se podem usar grelhas com sucesso para criar a identidade visual das empresas. Esta abordagem engloba todos os meios visuais de informação, desde o cartão de visita até ao stand de exposições: todos os impressos para uso interno e externo, material de publicidade, veículos de carga e passageiros, placas com nome e letreiros de edifícios, etc.
Identidade Visual do Banco Itaú, Alexandre Wollner.
Grid Construção e Desconstrução, Timothy Samara.
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Exposição em Grid.
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O CORPO DO LIVRO
Ellen Lupton. Design Writing Research. Nova York, Kiosk, 1996.
Nos anos 1920, Lazlo Moholy-Nagy viu a câmara fotográfica como extensão do corpo humano, um instrumento que permite ao frágil olho biológico parar o tempo, atravessar distâncias extremas, aumentar paisagens invisíveis e penetrar estruturas opacas. Todos os objetos manufaturados para uso são extensões do corpo comida, móveis, abrigos e ferramentas não estão localizados numa região segura “fora” do corpo, mas ao con-
“
trário, são continuações do corpo, virando-o do avesso. Como Elaine Scarry escreveu, não existe diferença fundamental entre um objeto que é tão externo e descartável como uma luva
... um instrumento que permite ao frágil olho biológico parar o tempo, atravessar distâncias extremas, aumentar paisagens invisíveis e penetrar estruturas opacas.
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e outro interno e permanente como um órgão artificial. Ambos tornam-se parte do corpo.
”
Qual poderia ser, então, a relação entre a escrita, a tipografia e o corpo? No Ocidente a escrita vem sendo historicamente vista como secundária em relação à fala: enquanto esta parece dar voz imediata ao ser interno, a escrita é um atributo externo, uma tecnologia intelectual que emprega um código artificial. A fala parece ter nascido naturalmente dos órgãos biológicos do corpo, enquanto a escrita depende da mediação de instrumentos externos como cinzel, caneta, lápis, teclado. Toda cultura instintiva produz alguma forma de discurso oral; um sistema de escrita, ao contrário, deve ser deliberadamente desenhado. Mas se alguém visse a escrita como extensão do corpo, como um membro artificial ou uma lente de contato? Como uma cadeira que suporta o esqueleto humano, a escrita supleEntrelinhas do Design Editorial | O corpo do livro | 108
menta a capacidade de falar: é mais permanente que efêmera, resiste às mudanças de tempo e lugar permanecendo legível na ausência de seu autor. Uma outra maneira da escrita ser uma extensão do corpo: trata-se de um subproduto físico, um traço material da atividade humana. Diferentemente do discurso oral, a escrita deixa, atrás de si, uma marca visível. Como produto final do chamado “processo de pensamento”, a escrita então se assemelha aos excrementos humanos. É também, semelhante aos cabelos, às unhas
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e à superfície da pele cada um deles uma parte do corpo que é continuamente regenerada, ainda que biologicamente morta, desconectável, descartável. A escrita é como o sangue, o suor, o sêmen, a saliva e outras substâncias que o corpo produz e elimina periodicamente.
A escrita é como o sangue, o suor, o sêmen, a saliva e outras substâncias que o corpo produz e elimina periodicamente
Na linguagem editorial e tipográfica, nos referimos ao corpo de um trabalho como sua “parte principal”, sua parte central, substancial. Quando nos referimos ao “corpo” de uma pessoa, invocamos uma divisão entre dentro e fora: corpo e alma, corpo e mente. Similarmente, o termo tipográfico “corpo” sugere uma divisão entre dentro e fora, entre o que pertence propriamente a um texto e seus “membros” secundários ligados a ele: anotações, notas de rodapé, títulos e subtítulos, figuras, apêndices. Uma das tarefas do designer gráfico é articular visualmente as diferenças entre os elementos ramente “fora” do texto? Ao contrário, poderíamos ver essas partes destacáveis, externas, como órgãos “internos”, sistemas de sustentação da vida, fundamentos para a forma do significado. Como uma extensão do texto, um elemento como uma anotação, uma nota de rodapé, figura ou apêndice é uma parte integral do corpo abrindo a pele do texto, virando-a do avesso. Enquanto o “corpo” de um texto é tipicamente associado a um único autor, notas, anotações, figuras e apêndices são órgãos utilizados para transportar material externo, para trocar informação com outros documentos. Tais órgãos alimentam, impregnam e, algumas vezes, desfiguram, infectam, o corpo interior. As válvulas desses órgãos servem não apenas para absorver, mas também para expelir, excretar. Elas geram substâncias deixando uma marca, uma trilha de argumentos em excesso no aparente autocontido “corpo” do trabalho.
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secundários e o “corpo” do texto. Mas, esses membros ficam segu-
Os órgãos do texto são áreas para elaboração, expansão, transbordo como a liberação periódica de sêmen ou sangue pelo corpo. Por exemplo, notas de rodapé sustentam o texto por baixo; elas representam a fundamentação da pesquisa. Porém, não constituem uma simples base ou pedestal passivo, mas sim um sistema de raízes vital que alimenta o trabalho através de uma rede subterrânea de outros textos. Notas de rodapé podem servir como âncoras mínimas ou como redes loquazes/eloqüentes que facilitam o entendimento do corpo. Documentando a troca de fluidos entre textos, as notas de rodapé diagramam a paternidade das idéias. “A própria mão pode ser alterada, redesenhada, reparada através, por exemplo, Entrelinhas do Design Editorial | O corpo do livro | 110
de uma luva de amianto (permitindo que a mão atue em materiais como se fosse indiferente à temperaturas de 500º); a luva de beisebol (permitindo à mão receber pancadas contínuas, como se fosse imune a elas); uma foice (aumentando muitas vezes a escala e a ação cortante da mão); de um lápis (dotando a mão de uma voz), e assim por diante, através de centenas de outros objetos. A mão material (queimável, quebrável, pequena e silenciosa) agora se torna a mão artificial (inqueimável, inquebrável, grande e infinitamente sonora/falante).” Exemplo: Nota de rodapé.
A própria mão pode ser alterada, redesenhada, reparada
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”
Anotações/explicações (gloss): do grego glossa, glotta, significa língua. 1. Uma breve explicação (como nas margens ou entre as linhas de um texto) de uma palavra ou expressão difícil ou obscura. 2. Uma falsa e, geralmente, errônea interpretação. 3. Um comentário contínuo, acompanhando um texto. Uma anotação/explicação pode ser um elemento oficial numa página ou uma anotação escrita à mão. Livros de biblioteca são geralmente cheios de anotações de diversos Entrelinhas do Design Editorial | O corpo do livro | 112
leitores. Um livro é então não somente lido por muitos, mas escrito por muitos. Figura: 1. Forma corporal, especialmente de uma pessoa. 2. Um diagrama ou ilustração sustentando um texto. Lombada/Espinha: 1. Coluna vertebral. 2. Algo parecido a uma espinha, o eixo chefe ou sustentação principal de um objeto ou organismo. Pé: 1. A parte terminal da perna do vertebrado, sobre a qual o indivíduo se apoia. 2. Algo parecido a um pé em aparência ou uso. Nota de rodapé: 1. Uma nota de referência, explicação, ou comentário, localizado abaixo do texto numa página impressa. 2. Algo que está subordinadamente relacionado a um trabalho maior: comentário.
Exemplo: Estrutura do livro.
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Exemplo: Estrutura do livro.
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Apêndice: 1. Crescimento exterior ou processo físico, especificamente o órgão físico apêndice, comumente sujeito à remoção cirúrgica. 2. Material suplementar adicionado ao final de uma peça escrita, consistindo geralmente de tabelas diagramas, glossários, etc. Cabeçalho/Título: 1. A divisão superior do corpo que contém o cérebro, boca e órgãos dos sentidos. distintas, localizadas no início de uma passagem, com objetivo de introduzir ou categorizar. Marcar páginas com uma dobra: O canto da página virado para dentro, especialmente em um livro. Corpo: 1. A substância física organizada de um animal ou planta, quer esteja vivo ou morto. 2. O organismo morto, cadáver. 3. O tronco de uma pessoa ou árvore, em oposição à sua cabeça, membros, galhos ou raízes. 4. A parte principal de um trabalho literário ou jornalístico: texto.
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2. Uma palavra ou série de palavras em geral tipograficamente
COR
Lisa Roussoau.
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COR
Lisa Rousseau. Fundamentos essenciais do design grรกfico.
Muito cedo eu descobri que a arte, de qualquer jeito, forma ou formato, seria a minha vocação. Cheguei a essa conclusão de uma maneira incomum, ao começar na área gráfica trabalhando como impressora. Eu gostava da ideia de transferir grandes manchas de tinta por meio de um tubo dentro da máquina impressora, e de ter a capacidade de administrar a transferência dessa tinta para o papel, para reproduzir algo. Eu trabalhava em parceria com um designer para realizar seus objetivos estéticos. cores, até especificar uma determinada cor e quebrar suas propriedades para que ela seja impressa, para mim, trata-se de um processo completo. De uma forma um pouco estranha, eu me sentia como o artista nesta equação.
As relações pessoais e as experiências culturais influenciam no modo como interpretamos as cores
”
As relações pessoais e as experiências culturais influenciam no modo como interpreta-
mos as cores. A cor afeta tudo. Dependendo do lugar onde vivemos, carregamos as nossas percepções e os nossos preconceitos em relação à cor em cada situação. As cores têm
diversos significados em muitas culturas e em diferentes partes do mundo. As percepções da cor são subjetivas.
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As variáveis das cores são infinitas. Do fato de olhar para o mundo e identificar as
Portanto, existem algumas cores que têm apelo universal, e outras não. No mundo ocidental podemos considerar uma determinada cor adequada, mas ela pode ter um impacto negativo considerável em outras partes do mundo. A escolha de uma cor precisa se conectar com o público-alvo. Quando você trabalhar para um cliente ou fizer autopromoção, procure antecipadamente obter dados para a adoção de uma cor “conhecida”, ou se deve experimentar a expressão de uma nova cor. Determine qual papel ela desempenhará no ambiente do design e descubra o que essa cor significa no resto do mundo. Seja responsável, faça a lição de casa e obtenha respostas. A cor é tudo. O que seria da nossa vida e do nosso mundo sem ela? Como haveríamos de nos referir às coisas? A cor é o reflexo da luz. Os arco-íris são criados quando a luz bran-
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ca é dividida por gotículas de água. Quando todas as cores estão presentes em um espectro de luz visível, ela é percebida como branca. Na área do design gráfico, o branco é considerado como a ausência de cor, e também uma superfície disponível para aplicar cores até indicação em contrário.
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O significado individual das cores nas sociedades ocidentais mudou no decorrer dos anos, mas os conceitos a seguir em geral são válidos: Preto: é a cor da autoridade e do poder. É popular na moda, pois faz as pessoas parecerem mais magras.
A cor é tudo. O que seria da nossa vida e do nosso mundo sem ela? Como haveríamos de nos referir às coisas?
O preto é eterno. Os sacerdotes vestem preto para mostrar submissão a Deus. Branco: é utilizado pelas noivas ocidentais para simbolizar pureza e inocência. O branco reflete a luz e é considerada a cor do verão. Os médicos e as enfermeiras vestem branco para indicar assepsia. Vermelho: é a cor do amor. Os carros vermelhos são alvos populares entre os ladrões, e supostamente são mais visados pela polícia com relação à velocidade. Rosa: é uma cor romântica. Ela simboliza estima, agradecimento, graça, felicidade, admi-
Azul: é uma das cores mais populares. Provoca a reação contrária do vermelho. Pacífico e tranquilo, o azul faz o corpo produzir substâncias químicas calmantes. O azul é a cor do céu e do oceano. Verde: simboliza a natureza. É calmante e refrescante. As pessoas que vão aparecer na televisão aguardam em “salas verdes” para relaxar. Quase sempre os hospitais usam o verde porque isso proporciona relaxamento aos pacientes. Amarelo: absorve a atenção e é considerada uma cor que transmite otimismo. É a cor mais difícil para o olho assimilar, então ela pode se tornar opressiva se for usada em excesso. Roxo: é a cor da realeza. Ela conota luxo, riqueza, e sofisticação. É considerada feminina e romântica. Marrom: é a cor da terra e é abundante na natureza. O marrom simboliza o lar e a amizade. O marrom-claro implica autenticidade, enquanto o marrom-escuro é semelhante à madeira, ao couro, e tem a mesma solidez tranquilizadora. O âmbar, um marrom-dourado, representa coragem e energia.
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ração, amor, amizade, harmonia e compaixão.
As cores também podem ser classificadas como “quentes” ou “frias”. As cores quentes residem na área vermelha do espectro de cores, e incluem o laranja e o amarelo. As cores frias ficam na área azul do espectro e incluem o roxo e o verde. Algumas cores, como o cinza e o marrom, são consideradas “neutras”. Um fator importante na impressão em cores é o substrato, na maioria das vezes, o papel. O papel branco age como o “branco” da nossa imagem, e é por isso que os papéis brancos brilhantes (revestidos) produzem os melhores resultados. Esse tipo de papel brilhante permite que a tinta seque na superfície dele, o que faz as cores parecerem mais vibrantes. O papel fosco quase sempre fornece melhor qualidade no tato do material impresso, por apresentar uma superfície aveludada, e a tinta tem um tempo
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de secagem maior, pois esse tipo de papel tem alto nível de absorção, o que faz a tinta penetrar mais profundamente, agindo como uma esponja. Isso pode causar o efeito de decalcar as cores e faz as margens da imagem pareceram menos vivas. É realmente impressionante como uma imagem pode ter um efeito diferente da aparência pretendida quando se usa o papel errado. Portanto, definir o tipo de papel adequado é um elemento essencial do design em relação à cor que não deve ser desprezado. Para orientações, troque ideia com o seu impressor, certamente isso lhe evitará muitas dores de cabeça. O meu entendimento é que a criação e a implementação andam de mãos dadas. Uma não limita a outra. Eu poderia falar sem parar a respeito das cores e do processo impressão. Quando eu era impressora, olhava para o serviço e estudava as decisões a serem tomadas para criar o que estava imprimindo. Depois de um tempo, não aguentava mais isso. Eu precisava fazer o design! Por mais absurdo que esse caminho parecesse, ele realmente se tornou uma abordagem holística e catártica de fazer design. Simplesmente aconteceu de eu começar pelo fim, e de trabalhar o meu caminho de volta ao começo. A desconstrução do “final”, para mim, fortaleceu o começo. Se o design não pode ser impresso, ele permanece estagnado. A impressão libera a ideia do design. É assim que as mensagens significativas são transmitidas.
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Se o design não pode ser impresso, ele permanece estagnado. A impressão libera a ideia do design. É assim que as mensagens significativas são transmitidas
TIPOGRAFIA
09 10 11 Thiago Justo.
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IĂąigio Jerez.
Marian Bantjes.
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TIPOGRAFIA
Marian Bantjes. Fundamentos essenciais do design grรกfico.
Fazer tipografia é como escrever. Você aprende os elementos básicos para construir algumas frases simples. Você aprende um pouco mais, para ser mais eloquente. Você pratica, conforme um conjunto confuso de regras e exceções. E, finalmente, você aprende a quebrar as regras e parte para a expressão pessoal. É claro que, infelizmente, aqui não há espaço suficiente para ensiná-lo sequer os elementos básicos da tipografia. Então, em vez disso, eu resolvi redigir um apelo apaixonado para impedir que você prejudique a mim e aos outros com algumas péssimas práticas usuais. A tipografia malfeita me faz estremecer de dor. A primeira coisa que eu preciso fazer é lhe dizer para que esqueça tudo o que seu professor de datilografia do colegial lhe ensinou. A máquina de escrever, embora fosse muito boa para as secretárias na década de 1970, é hoje um equipamento primitivo. Pense nela como
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na direção de uma Ferrari. Aprenda a dirigi-la sem esbarrar em nada.
A tipografia malfeita me faz estremecer de dor
”
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um carrinho de bate-bate de um parque de diversões. Agora você cresceu e está sentado
Existem muitos conceitos a desaprender. Para começar não coloque dois espaços no final de um período. Pare com isso já e, por favor, nunca mais me deixe ver isso novamente. Depois, apesar de você ser “pra frente”, não sublinhe textos para dar ênfase, nem para destacar títulos de livros ou revistas. Para esse fim, use o itálico. Algumas vezes use bold para ênfase, embora normalmente itálico seja melhor. E não use a tabulação para abrir parágrafos. A tabulação tem finalidades específicas, e sinalizar parágrafos não é uma delas. Não discuta sobre isso comigo. Apenas faça o que estou lhe dizendo. Existe uma razão para se determinar o início de um parágrafo: indicar que “um novo pensamento começa ali”. Então, você deve usar algum método. Mas vamos fingir por um momento que os espaços entre linhas, as aberturas de parágrafos (que devem ser criadas
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em folhas de estilo padrão) e outros recursos custem dinheiro. Vamos dizer 100 reais. Toda vez que você iniciar um parágrafo vai lhe custar 100 reais. Você vai usar um espaço entre linhas e uma abertura de parágrafo? Portanto, são 200 reais! Não faça isso. Use um método, é tudo o que você precisa. Outra forma de economizar dinheiro na abertura de parágrafos é quando você tem o início de uma seção, ou um cabeçalho: você pode
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(deve) eliminar a o recuo do parágrafo, no início do texto, depois da pausa ou do cabeçalho. Não queira parecer o The New Yorker. Eles fazem isso de maneira errada e são pessoalmente responsáveis pela elevação de minha pressão arterial.
Não discuta sobre isso comigo. Apenas faça o que estou lhe dizendo
Existe uma razão para se determinar o início de um parágrafo: indicar que “um novo pensamento começa ali”. Então, você deve usar algum método. Mas vamos fingir por um momento que os espaços entre linhas, as aberturas de parágrafos (que devem ser criadas em folhas de estilo padrão) e outros recursos custem dinheiro. Vamos dizer 100 reais. Toda vez que você iniciar um parágrafo vai lhe custar 100 reais. Você vai usar um espaço entre linhas Entrelinhas do Design Editorial | Tipografia | 129
e uma abertura de parágrafo? Portanto, são 200 reais! Não faça isso. Use um método, é tudo o que você precisa. Outra forma de economizar dinheiro na abertura de parágrafos é quando você tem o início de uma seção, ou um cabeçalho: você pode (deve) eliminar a o recuo do parágrafo, no início do texto, depois da pausa ou do cabeçalho. Não queira parecer o The New Yorker. Eles fazem isso de maneira errada e são pessoalmente responsáveis pela elevação de minha pressão arterial.
Jornal The New Yorker.
Verifique se você usa aspas e apóstrofos de verdade. É algo tão básico que me aborrece ter de explicar isso. Algumas pessoas as chamam de “aspas inteligentes”, mas o apelido é irrelevante. Embora a aparência das aspas varie conforme o estilo dos caracteres, as aspas de fechamento devem ter a forma da vírgula, e as aspas de abertura devem ser iguais, só que invertidas. Muitas vezes elas parecem pequenos seis ou noves, mas nem sempre. O apóstrofo tem sempre a mesma forma da vírgula e deve ser exatamente igual às aspas de fechamento simples (quando ela está invertida, trata-se apenas de aspas de abertura simples e não do apóstrofo). Esses outros caracteres, que normalmente vão para cima e para baixo e não têm a mesma forma da vírgula, são chamados de plicas ou duplas plicas, e são como agulhas para os meus olhos quando usadas no lugar das aspas e dos apóstrofos.
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Quando eu as vejo em algum documento, sinto dor física. Por favor, eu não estou brincando.
Quando eu as vejo em algum documento, sinto dor física. Por favor, eu não estou brincando
Existe um uso correto para as plicas: indicar pés e polegadas, e também segundos (tanto como medida de tempo como subunidade de graus): por exemplo, eu tenho 5´ 4´´ de altura (plica = pés, duplas plicas = polegadas). A subtortura deste gênero é ver as polegadas e os pés representados por aspas e apóstrofos. Eu não tenho 5’ 4” de altura, isso é completamente absurdo. A questão é que as aspas não são marcas de estilo, elas têm um significado. E, por falar nisso, o significado das aspas é indicar que algo foi dito (ou pensado, ou citado como exemplo), e não, como tantos parecem acreditar, para dar ênfase. Reforçando o conceito: use itálico (ou bold) para ênfase e aspas para citação. Elas também são úteis para indicar o sentido de ironia, que normalmente é um efeito inesperado quando erroneamente as usamos para dar ênfase. Atenção: peixe “fresco” é “peixe supostamente fresco”, quer dizer Muitos ficam confusos a respeito do uso de hífens e de travessões, mas isso é realmente muito simples. Os hífens (-) são usados para manter as coisas unidas, os travessões m (—) são usados para manter as coisas separadas, e os travessões n (–) são usados para indicar um intervalo. Se você puder substituir o traço pela palavra “a” (ou por “de” e “até”), então deve ser um travessão n (muito comum em intervalos de datas “1960 a 2007” ou “de 1960 até 2007”). Se o traço cria uma pausa ou um aparte, ele deve ser um travessão. Mas se você estiver unindo duas palavras, então deve usar o hífen, por exemplo, amoreira-do-brasil. Simples assim. O duplo hífen, usado na digitação, deve ser trocado pelo travessão. Algumas pessoas, e eu não sou uma delas, preferem usar o traço simples com espaço em ambos os lados, em vez do travessão. A respeito disso, eu quero dizer: “não seja tão tolo e use o caractere adequado” [Nota do editor: em muitos países de fala inglesa, o traço simples com espaço em ambos os lados é a forma de pontuação aceita para indicar a pausa ou o aparte].
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que é tudo menos fresco. Vejo isso todo dia em lojas e seria engraçado se não doesse tanto.
Quando for necessário definir o corpo do texto, não nos deixe atordoados e doentes com espaçamento variável entre as letras de linha a linha. Por favor, mude a configuração padrão para “justificado” no programa de editoração, para que o espaçamento seja zero por cento no texto inteiro. Quer dizer, o espaçamento entre as suas letras nunca deve espremer nem oscilar, não importa o que você veja nos jornais diários ou em revistas populares. Os designers de tipos passam muito tempo calculando o espaço correto entre cada par de letras. Por favor, respeite essa competência (se você ainda não ouviu o designer de tipos Lucas de Groot falar a
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respeito do assunto dos pares de kerning, você vai se juntar a mim e nos recolhermos à nossa insignificância). Porém, lembre-se de que usar comprimentos de linhas mais curtos pode causar problemas no espaçamento entre palavras. O seu texto justificado está com linhas cheias de vazios e caminho de rato? Aumente o comprimento da linha, reduza o tamanho do tipo, acrescente alguma hifenização, e, em caso de dúvida, defina o texto como desalinhado. Será que notei você quase perder o fôlego quando eu disse a palavra “hifenização”? Não me inclua na ridícula vingança do mundo corporativo contra os hífens. Pegue um livro, uma revista, ou um jornal decente. Confira: hífens! Um exército de pequenos e gloriosos hífens presentes todos os dias, ajudando a nos proteger contra os demônios do espaçamento entre palavras. Dificilmente os percebermos, tão acostumados estamos com o serviço que nos prestam. Se estiver usando o texto justificado, acione a hifenização, não permita mais do que duas ou três em uma sequência, e você estará prestando um grande serviço a todos nós. Mas, se estiver trabalhando sob alguma proibição de hífens, apenas defina o texto como desalinhado e nos livre de cair em rios de espaços em branco entre as palavras.
O texto desalinhado também pode (preferivelmente deve) ser hifenizado, especialmente em linhas de comprimentos mais curtos, mas o que simplesmente me assusta é a grande frequência com que sou assaltada pelos pequenos blocos com títulos e chamadas de matérias desnecessariamente hifenizados, mal hifenizados, ou com tantas quebras de linhas malfeitas em relação ao conjunto do texto ou à maneira como é lido. O texto ampliado é uma coisa, tem a atenção que merece, mas se um pequeno bloco de texto ficar sozinho em um título ou chamada, ou ainda no caso de uma legenda, verifique todas as linhas, levando da significa. Forma? Sim, forma! Qual forma deveria ter uma pequena peça com tipografia display? Falando em geral, pequena e pesada. Ela deve ter linhas mais curtas no topo e embaixo, e um pouco mais larga no meio. Neste caso, estamos pensando em um homem de meia-idade, e não na mulher cheia de curvas: a chamada deve ser curta e grossa.
Neste caso, estamos pensando em um homem de meiaidade, e não na mulher cheia de curvas: a chamada deve ser curta e grossa
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em conta como são lidas, quais informações devem estar juntas e o que a forma final
Está na moda colocar muito espaço entre linhas, o que me choca no fundo da alma. Faixas, faixas! Por que motivo você gostaria de ler longos corpos de faixas horizontais? Toda a questão de definir a mancha texto gira em torno de facilitar a leitura. O bloco de texto deve ser coesivo, apenas com o espaço necessário para a respiração entre as linhas, e não a ponto de fazer nossos olhos saltarem de uma linha para a seguinte. Por isso é tão cansativo ler esses tipos de textos. Listas, marcadores/bullets e recuos. Vamos pensar nos marcadores/bullets e nos recuos: o primeiro ponto, eles aparecem juntos,
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unidos em sua violência mútua. Não use marcadores/bullets sem recuar o texto seguinte, e verifique se o recuo se alinha corretamente embaixo da primeira linha. O mesmo vale para as listas numeradas, e tome cuidado em especial com os números que terão dígitos duplos ou triplos. Pense nisso antecipadamente, então defina uma tabulação de modo que os números se alinhem à direita sob o último dígito ou período ou qualquer marca que venha em seguida, então se permita colocar um travessão simples “n” ou um travessão “m”, e defina outra tabulação para alinhar seu texto à esquerda. Bloqueie e carregue. E, por falar nisso, os marcadores/ bullets são bolinhas e não balas de canhão, então que sejam pequenos! Grandes o suficiente para que se possa vê-los, mas não tão grandes que espantem o leitor ao visualizá-los. A questão é criar hierarquia e ordem; portanto, mantenha tudo limpo e arrumado.
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A questão é criar hierarquia e ordem; portanto, mantenha tudo limpo e arrumado
Na medida do possível, não me venha com todas as letras digitadas em maiúsculas, se você tiver versaletes de verdade disponíveis. Elas vêm num formato separado das fontes Type 1, ou incluídas na maioria das fontes Open Type. Se você não as tiver, não as falsifique tornando-as maiúsculas encolhidas, ou usando aquele estúpido botão (Tt) dos softwares de editoração que deforma o desenho original da letra. Nesse caso, usar maiúsculas serve. Mas, em qualquer escolha, dê-lhes um pequeno espaçamento entre as letras: de 50 a 100 unidades, para uso no texto corrido, talvez mais, quando utilizado em títulos e cabeçalhos. Em todos os casos, mantenha consistência. Ela é a chave de tudo. Não use maiúsculas aqui, e minúsculas ali. Se usar algarismos antigos [ou elzeverianos, com ascendentes e descendentes], use-os do começo ao fim (e, em geral, se estiver usando algarismos antigos,
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você também deve usar minúsculas. Usar maiúsculas e algarismos antigos juntos é terrível!). Se usar itálico para ênfase, use do começo ao fim. Tome uma decisão e a mantenha. Ou então, se você mudar de estilo, mude-o completamente, do começo ao fim. Agora, uma palavra ou duas sobre o texto de títulos e chamadas, quer dizer, o texto que fica sozinho, em destaque no corpo do documento, normalmente em tamanhos maiores do que o texto. Não confie no espaçamento de letras definido pelo software ou pelo designer de tipos, em corpos maiores a maioria dos tipos disponíveis precisa de algum ajuste. A primeira conduta necessária é um ajuste geral das letras. Quanto maiores forem, mais concentradas devem ficar. Então, quase sempre será preciso fazer algum ajuste manual de kerning. Preste atenção para a tipografia, exagere-a, acrescente espaço entre as letras que se tocam ou ficam muito próximas umas das outras, aproxime-as quando elas estiverem afastadas. De maneira similar, você provavelmente precisará ajustar a entrelinha de um tipo maior e, de novo, quanto maior o corpo, menor a proporção entre o corpo e a entrelinha. Exagere, exagere, exagere. O título é para ser visto! Não desmereça a tipografia deixando-a abandonada, virando-se por conta própria, parecendo uma garota com o vestido preso na roupa debaixo.
Existe muito mais para se conhecer nesta área, mas essas ideias básicas vão aliviar muito sofrimento. Para saber mais, você deve ler tudo em que você puder colocar as mãos referente à tipografia. [O editor sugere: Projeto Tipográfico – Análise e produção de fontes digitais, de Claudio Rocha e Primeiros socorros em tipografia, de Hans Peter Willberg e Friedrich Forssman.] Junto com os tipógrafos de toda parte, você vai afastar os bárbaros dos nossos portões, livrando--nos da invasão das atrocidades tipográficas.
Primeiros Socorros em Tipografia, 2007, Hans Peter Willberg e Friedrich Forssman.
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Projeto Tipográfico – Análise e produção de fontes digitais, 2005, Claudio Rocha.
Siga em frente. Faça direito e faça bem-feito
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Siga em frente. Faça direito e faça bem-feito.
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METÁFORAS E TIPOGRAFIA Iñigo Jerez. Barcelona, Catalunha Cuatro matices de un stándar tipográfico. Una tipografía para EINA. EINA. Centre Universitari de Disseny y Art de Barcelona, 2015.
Recorremos à metáforas para explicar coisas complexas. A tipografia não é [complexa], mas como em tantas outras disciplinas técnicas as comparações nos ajudam a imaginar, relacionar, entender e explicar seu uso e seus processos criativos. Uma dessas metáforas é a música; podemos transladar sua capacidade para criar ambientes e transmitir emoções para a tipografia e sua capacidade para condicionar a informação que transmite. Imaginemos uma canção e sua letra: seja qual seja a mensagem (transcendental, sentimental ou de protesto), será a melodia o que determinará nossa emoção ao escutá-la. Poderíamos compor infinitas versões e todas seriam válidas. Tanto se ela
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se harmoniza ou se contrasta com o sentido da letra, a música afetará decisivamente nossa
Recorremos à metáforas para explicar coisas complexas
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percepção da mensagem.
Tendemos a padronizar e etiquetar (pop, rock, folk, etc.) mas afortunadamente as fronteiras entre os estilos [gêneros] são difusas. E o mesmo ocorre com a tipografia, temos assumido algumas categorias formais mas podemos misturá-las. A metáfora da música pode parecer exagerada ou demasiado sutil – e ela é – e precisamente por isso me agrada. Seria perfeita se quando lemos essa música esteja apagada, ou no melhor dos casos, ouví-la a um volume bem discreto. Ou estarmos tão acostumados a ela que nem nos damos conta de que está tocando. Outra metáfora interessante é a da voz. A tipografia é a voz por meio da qual recebemos a mensagem impressa, e as características dessa voz condicionam o modo como a percebeEntrelinhas do Design Editorial | Metáforas e Tipografia | 140
mos. Pensemos na TV e nos apresentadores dos telejornais. Porque todos se parecem tanto entre si? Têm uma expressão corporal contida, uma vocalização impecável, um tom de voz neutro e uma modulação perfeita. Nos comunicam as mensagens com clareza sem transmitir emoção. São fotogênicos, estão discretamente maquiados e são muito convencionais com suas roupas, e mesmo que de vez em quando algo fuja dessas normas como a estampa
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de uma gravata, é bem provável que nem nos demos conta disso. Todos se parecem porque nos acostumamos a um padrão “lógico” e “confiável” com o qual nos sentimos confortáveis, e que consegue nos fazer crer que não têm influência sobre as notícias.
A tipografia é a voz por meio da qual recebemos a mensagem impressa
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Quando selecionamos uma tipografia definimos uma voz, podemos ser neutros ou expressivos, ou escolher entre a infinidade de matizes que existem entre esses dois extremos. Quando desenhamos uma tipografia, criamos uma voz. Para mim a metáfora favorita é a do pão e dos pastéis. Ao fazer pão sempre combinamos os mesmos elementos: água, farinha, fermento e sal. Ao desenhar uma tipografia também amassamos sempre os mesmos ingredientes: altura de X, largura, peso, contraste, eixo, modulação, ligaduras e ligações etc. E o resultado é ótimo na medida em que as proporções e a qualidade da mistura sejam as corretas. Não é uma receita complicada, Sem dúvida, mesmo tendo ingredientes tão básicos, as formas e variedades do pão são quase infinitas. Não há dois pães artesanais iguais: um pouco a mais ou a menos de sal, o tipo da farinha, a qualidade da água, a temperatura do forno, o tempo de cocção, a técnica de amassar… Uma pequena mudança na receita, nos ingredientes ou na elaboração fará que o resultado seja diferente.
Helvetica Neutros e Gothic Texture Quadrata Expressivos.
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mas não podemos nos equivocar com o equilíbrio entre as partes.
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Anatomia do Tipo, professor Fabio Silveira.
Com a tipografia acontece o mesmo que com o pão, levamos cinco séculos combinando os mesmos elementos, as mesmas variáveis, e apesar dos resultados serem parecidos, não encontraremos nunca duas tipografias idênticas. Igualmente com o pão, quando não queremos complicar a vida escolhemos o que já conhecemos e sabemos que vai funcionar. E o que acontece com os pastéis? Nesse caso além da farinha, água e fermento incorporamos outros ingredientes mais “expressivos”, que abrirão novas possibilidades. Mas cuidado, não convém abusar de doces e tortas e tampouco dos pastéis. Os pães correspondem às tipografias de texto corrido, aquelas de uso diário – o pão sem sal seria uma sem serifa, aquele com sal, as letras serifadas. E a pastelaria corresponderia às tipografias display, esponjosas, cremosas doces, muito doces e inclusive exageradas. Podem alegrar nosso dia, mas não convém nos excedermos.
Tipografias Display, Dual, Massimo Vignelli.
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LEGIBILIDADE DE TEXTOS IMPRESSOS Thiago Justo. Revista tecnologia grรกfica.
Legibilidade é a facilidade de distinguir as letras impressas em uma página e a capacidade de distingui-las entre si. Para que um texto tenha essa qualidade, o leitor precisa identificar suas letras de maneira rápida e precisa. Quando lemos um texto, não observamos letra por letra, mas sim blocos de letras. Por essa razão, conseguimos identificar palavras conhecidas, mesmo quando estão fora de ordem. Nossa leitura também é mais focada na metade superior das letras. Sendo assim, conseguimos identificar melhor palavras grafadas em caixa alta e baixa (maiúsculas e minúsculas) do que palavras compostas somente em caixa alta. Também lemos mais rapidamente famílias tipográficas tivo que tipos serifados costumam ser mais legíveis que os tipos sem serifa. As letras que compõem uma família de tipos sem serifa possuem formas bem parecidas entre si,
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enquanto os tipos serifados possuem os desenhos das letras bem mais distintos, fazendo com que seja muito mais fácil distinguir uma letra da outra.
Legibilidade é a facilidade de distinguir as letras impressas em uma página e a capacidade de distingui-las entre si
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que possuem maior diferenciação de formas em sua metade superior. É por esse mo-
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Texto caixa-alta.
Serifa e sem serifa.
Caixa-alta, Caixa-baixa.
Quando falamos de legibilidade de texto impresso, o grande fator será, sem dúvida, o tamanho. Quanto menor o corpo do texto, mais difícil será sua leitura. Existe também a relação entre o tamanho do corpo do texto e sua altura. Para que uma letra seja legível, sua altura não pode ser muito pequena, pois isso atrapalha a distinção entre letras. Hastes ascendentes e descendentes muito pequenas também atrapalham na distinção entre letras, como nos pares p-q e h-n. Tipos com tamanhos entre 8 e 11 pontos costumam ser bem legíveis, mas vai depender muito da altura da letra. Quanto menor a altura, maior terá que ser o tamanho da letra para que ela seja legível. Tipos impressos com corpo menor do que 8 pontos costumam ser pouco legíveis. Caso precise usar tipos com menos de 8 pontos, opte por famílias tipográficas que possuem uma grande altura para melhorar a legibilidade do texto. Vou falar agora um pouco sobre como as principais tecnologias de impressão se comportam ao reproduzir textos em corpos pequenos. A melhor tecnologia para a reprodução de tipos pequenos é, sem dúvida, o offset. As caraterísticas de forma planográfica e tinta pastosa resultam em imagens impressas bem nítidas. Desse modo, os textos se apresentam com as bordas bem marcadas e regulares. A rotogravura — sistema de impressão direto, com forma encavográfica e cilíndrica — possui certa dificuldade na reprodução de textos ou detalhes muito finos. Isso se deve às características da forma que, por ser encavográfica, reticula todos os elementos que compõem a página, inclusive os textos. É por essa razão que os textos impressos em rotogravura sempre possuem as bordas serrilhadas.
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Teste de Legibilidade.
Entrelinhas do Design Editorial | Legibilidade m textos impressos | 148 Ascendentes, descendentes, altura de X.
ImpressĂŁo em offset.
Outros fatores que dificultam a reprodução de textos pequenos são a velocidade de impressão (a rotogravura trabalha em altas velocidades), o tempo de escoamento da tinta — que é líquida — e as características da superfície do suporte a ser impresso. De maneira geral, em rotogravura, é possível reproduzir textos sem serifa com tamanho de corpo superior a 6 pontos. O tamanho mínimo para textos em negativo ou serifados deve ser maior, entre 8 e 10 pontos. Para reprodução de textos muito pequenos, é preciso aude modo a minimizar o efeito de serrilha dos textos, resultando em bordas e contornos mais nítidos e, portanto, mais fáceis de ler. A flexografia possui limitações de reprodução de textos pequenos semelhantes aos presentes em rotogravura. Trata-se também de um sistema de impressão direto, que utiliza formas relevográficas flexíveis, geralmente confeccionadas em fotopolímeros, fixadas em cilindros rotativos, utilizando tintas líquidas e que imprimem em grande velocidade. O impresso obtido em flexografia sempre apresenta o efeito squash. Esse borrão é consequência do uso da forma em alto relevo, que sofre um esmagamento durante o processo de impressão, devido ao fato de ser flexível. Geralmente é possível reproduzir em flexografia textos sem serifa com corpo superior a 6 pontos. O tamanho mínimo para textos em negativo deve ser maior — entre 8 e 12 pontos —, pois textos em negativo são mais vulneráveis aos ajustes de volume de tinta, que podem causar entupimentos, deixando-os ilegíveis. Tipos serifados também requerem corpo maior, pois serifas pequenas e detalhes finos são facilmente perdidos durante a impressão. Entre outros fatores que influenciam na reprodução de textos pequenos em flexografia estão o tipo de substrato usado, a cobertura de tinta, a absorção de tinta pelo substrato e a pressão utilizada durante o processo de impressão.
Impressão em rotogravura.
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mentar a lineatura de gravação das imagens no cilindro impressor,
A serigrafia — processo direto permeográfico — também possui algumas limitações na reprodução de textos de corpos pequenos. As características desse processo resultam em impressos com uma ótima cobertura de tinta (possibilitando inclusive tinta com relevo) e bordas relativamente disformes, devido à trama do tecido usado como forma (tela) de impressão. Nesse sistema de impressão, a lineatura de impressão está diretamente relaciona-da com a quantidade de fios do tecido utilizado na tela de impresEntrelinhas do Design Editorial | Legibilidade m textos impressos | 150
são. Os pontos reproduzidos devem ser sempre maiores do que a largura de dois fios mais a abertura da malha do tecido. Quanto mais fina a trama do tecido, mais difícil será a passagem da tinta e melhor será a reprodução de detalhes pequenos e finos, que não irão borrar, com um depósito grande de tinta propiciado por tecidos de tramas mais grossas.
Impressão em Flexografia, efeito squash.
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Largura, espessura e tamanho do tecido com fios, (Serigrafia).
Portanto, para reproduzir textos pequenos é preciso utilizar tecidos com fios e trama bem finos. O tipo de papel e tinta também terão grande influência no processo de impressão. A impressão digital — sistema de impressão que não utiliza formas de impressão —, apesar da variedade de tecnologias de impressão, tipos de equipamentos e de tinta, também possui certas limitações na impressão de textos de corpo pequenos. Impressoras eletrofotográficas — conhecidas como impressoras laser — que trabalham com toner em pó possuem a característica de reproduzir imagens com bordas relativamente irregulares e com muitos pontos avulsos, devido às partículas dispersas de toner Entrelinhas do Design Editorial | Legibilidade m textos impressos | 152
que se depositam aleatoriamente no substrato de impressão. Dessa forma, as bordas dos textos impressos são sempre irregulares, dificultando a leitura de textos muito pequenos. Apesar dessas limitações, textos sem serifa com corpo superior a 4 pontos são impressos com boa legibilidade. Já as impressoras jato de tinta (inkjet) que utilizam tinta líquida como elemento entintador imprimem imagens com as bordas relativamente irregulares em função das gotas de tintas serem pulverizadas pelos bicos ejetores (nozzles) dos cabeçotes de impressão. Minúsculos pontos de tinta aleatórios no impresso são consequência dessa característica do sistema de impressão inkjet. Bordas irregulares e pontos avulsos.
Nesse sistema, a legibilidade de textos pequenos está diretamente ligada à resolução de impressão do equipamento e ao volume de tinta da gota expelida pelos bicos ejetores. Quanto maior a resolução da impressora, menor o volume de tinta da gota formada, resultando em uma melhor impressão de textos pequenos e detalhes finos. Dois fatores de grande influência na leitura do texto impresso são o contraste entre o texto e o fundo, e a escolha das cores utilizadas. No entanto, esse assunto Sistema injeket, gotas de tinta pulverizadas.
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é um pouco extenso e merece um outro artigo.
Colaboradores: Steven Heller Steven Heller usa muitos chapéus (além do New York Yankees): para 33 anos ele foi diretor de arte do New York Times, originalmente desenvolvida sobre a página e de quase trinta anos com o New York Times resenha. Atualmente, ele é co-presidente do AMF Designer como autor Departamento, consultor especial do Presidente do ASV para novos programas e grava os visuais coluna para o New York Times resenha.
Veronique Vienne Uma vida em ambos os lados do Atlântico duas carreiras: diretor de arte e escritor duas línguas: francês e inglês uma paixão: impressos lista cronológica das actividades profissionais (freelance ou em casa).
Alberto Manguel Nasceu em 1948, em Buenos Aires. Passou a infância em Israel, onde seu pai era embaixador argentino, e estudou na Argentina. Viveu na Espanha, na França, na Inglaterra e na Itália, ganhando a vida como leitor para várias editoras. Autor de livros de ficção e não ficção, também contribui regularmente para jornais e revistas do mundo inteiro. Atualmente vive em Buenos Aires, onde é diretor da Biblioteca Nacional.
Richard Hendel É diretor-associado, diretor de produção e designer da editora da University of North Carolina, Chapel Hill.
John Foster Artista de Minneapolis. Criador do feiticeiro Sparkles. Trabalhos apresentados na juxtapoz, hi-frutose e cosmopolita Alemanha.
Josef Muller-Brockmann Josef Müller-Brockmann foi um célebre designer gráfico suiço e professor século xx. Estudou design, arquitecto e história da arte. Além disso, trabalhou como consultor de design europeu. Suas obras tinham sido expostos em Zurique, Hamburgo e Berna.
Ellen Lupton Ellen Lupton é curadora de design contemporâneo no Museu Nacional de Design Cooper-Hewitt, na cidade de Nova Iorque e diretor do programa de Design Gráfico AMF Maryland Institute College of Art (MICA) em Baltimore. Um autor de vários livros e artigos sobre design, ela é um público de espírito crítico, freqüente conferencista, e AIGA medalhista de ouro.
Lisa Rousseau Sou Controladora de desenvolvimento de negócios comerciais na BBC onde sou responsável pela condução dos negócios oportunidades de desenvolvimento para a BBC conteúdo e IP através do grupo. Eu tenho um foco especial sobre as oportunidades de mídia digital e de condução receitas comerciais.
Iñigio Jerez Iñigo Jerez Quintana nasceu em Palma de Mallorca em 1972. Estudou ilustração na Escola de Artes e Ofícios em Palma de Mallorca e design gráfico na Escola Massana e Parsons School.
Marian Bantjes Marian Bantjes é designer, tipógrafa, escritora e ilustradora, trabalhar a nível internacional a partir de sua base em uma pequena ilha ao largo da costa ocidental do Canadá, perto de Vancouver. Ela é membro da Alliance Graphique Internationale (AGI), e regularmente fala sobre o seu trabalho e pensamentos em conferências e eventos em todo o mundo.
Thiago Justo Thiago Justo é instrutor de pré-impressão da Escola Senai Theobaldo De Nigris.
Bibliografia: HELLER, Steven e VIENNE, Veronique (2013) 100 ideias que mudaram o design gráfico. Editora: Rosari Ltda. MANGUEL, Alberto (1997) Uma história da leitura. Editora: Companhia das letras Ltda. HENDEL, Richard (1999) O design do livro. Editora: Ateliê Editorial Ltda. MILMANN, Debbie (2012) Fundamentos essenciais do design gráfico. Editora: Rosari Ltda. BROCKMAN-MULLER. Josef (2016) Sistemas de grelhas, Um manual para designers gráficos. Editora: GG. JEREZ, Iñigio (2015) Metáforas e tipografias, de Barcelona, Catalunha. Cuatro matices de un stándar tipográfico. Una tipografía para EINA. EINA. Centre Universitari de Disseny y Art de Barcelona, 2015. Legibilidade em textos impressos. Disponível em http://www.revistatecnologiagrafica.com. br/index.php?option=com_contenteview=articleeid=5798:legibilidade-de-textos-impressosecatid=38:producao-graficaeItemid=184. Acessado em 22 de novembro de 2016.
Este livro foi composto em King’s Caslon, Minion Pro, Open Sans e Proxima Nova, diagramado no Adobe Indesign CC, para o projeto interdisciplinar de design editoial da UAM. Foi impresso e acabado pela Alphagraphics Bela Vista. São Paulo, 2016.