Cem anos de Glória
2022 © PARC MALOU
AUGUSTO MALTA
Direção Editorial Flávia Ragazzo de Barros Projeto Gráfico Rafael Maia Design Kauan Machado Revisão Irene Canadinhas Fotos Acervo Opportunity Fundo de Investimento Imobiliário, Instituto Moreira Salles, Biblioteca Nacional Ilustração da capa Klaus Reis Foram realizados todos os esforços para identificar a autoria das imagens deste livro. Nos casos em que isso não foi possível, seguimos o artigo 45, II, da Lei nº 9.610 de 1998: Art. 45. Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público: I - as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores; II - as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais.
{ Cem anos de Glória
]
O fut uro do Rio de Janeiro t em um belo passado pela frent e
O Hotel Glória já nasceu grandioso, com um nome que era prenúncio de uma tra-
jetória fascinante. Em 1922, em um Rio de Janeiro efervescente, o primeiro cinco estrelas do Brasil se debruçava sobre o mar com sua arquitetura inspirada nos
balneários da Riviera Francesa. Hospedou presidentes, artistas de cinema, autoridades internacionais e astros da música em um ambiente de glamour e sofisticação. Seus salões assistiram às melhores festas, foram palco de decisões políticas e receberam eventos que marcaram a história do Rio.
Aos poucos, acompanhando o avanço das décadas e as mudanças na socie-
dade, o hotel foi se adaptando a uma nova existência, sem nunca perder sua aura de grande marco da cidade. Agora, aos 100 anos, muda mais uma vez e
ganha seu melhor presente: o Opportunity Imobiliário revive no coração dos cariocas a memória do Glória.
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O grande significado do local para a cidade foi a inspiração para recuperar o que um dia foi um hotel de luxo. Essa é a maneira de o Opportunity Imobiliário reco-
nhecer um símbolo carioca, identificado com os valores de quem mora e de quem
quer morar ali. O privilégio de ter os jardins de Burle Marx e a Marina da Glória como extensão do seu espaço de lazer e a vista eterna para a baía de Guanabara o colocam como um dos lugares mais desejados para se viver.
Este livro faz parte desse esforço em recuperar uma história que é tão cara aos cariocas. Essa memória ultrapassa os muros do Hotel Glória, tem início
no começo do século 20, com as obras de modernização da cidade conduzi-
das pelo prefeito Pereira Passos, passa pela grandiosa — e pouco conhecida
— Exposição Internacional do Centenário da Independência em 1922, pela impressionante trajetória do bairro da Glória e se estende por anos de um Rio de Janeiro exuberante e cosmopolita.
Com certeza, a recuperação dos 100 anos do Glória será, também, um marco na
história da cidade. Os dias do Glória estão de volta com o Opportunity Imobiliário. Um novo jeito de viver e morar. Na página ao lado, a vista permanente do Glória.
OPPORTUNITY FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
Cem anos de Glória
O futuro do Rio de Janeiro tem um belo passado pela frente
WAGNER ZIEGELMEYER
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Sumário
Os incríveis anos 1920 p16
Um farol de modernidade p28
N asciment o de um ícone carioca p32
Diferent es est ilos com sot aque francês p36
A hist ória do Rio em um bairro
Cem anos de Glória p62
p48
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Galeria
Nesta página, registros do Baile dos Artistas de 1954. À esquerda, jantar de gala em um dos salões do Hotel Glória.
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À direita, Pixinguinha toca na Boate Béguin com o Conjunto Velha Guarda. Na página ao lado, cenas do espetáculo Quem Roubou meu Samba.
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Nesta página, imagens do Baile a Fantasia na Piscina de 1955. Ao lado, a Miss Universo Miriam Stevenson curte o Carnaval no Glória no mesmo ano.
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{ Os incríveis anos 1920
— Na década de 1920, o arquiteto francês Joseph Gire, responsável pelo projeto do Hotel Glória, vinha com frequência ao Rio de Janeiro. Desembarcava na estação
de passageiros do porto e se deparava com o edifício Touring, desenhado por ele,
com sua torre neoclássica e vitrais art déco. Pegava um ônibus jardineira, aberto nas laterais, e saía pela Avenida Beira Mar contemplando os projetos de sua autoria: Copacabana Palace, A Noite, Praia do Flamengo e uma série de residências
icônicas das famílias mais importantes da cidade — conta Márcio Roiter, diretor do Instituto Art Déco Brasil.
Era a década do centenário da independência brasileira, e a capital da república de
então mostrava que estava alinhada às metrópoles mais modernas do mundo. Maior vitrine do país em um momento de afirmação da nacionalidade brasileira, o Rio de Janeiro passava naquele momento por uma série de remodelações, como
a derrubada do Morro do Castelo, a regularização da orla da Lagoa Rodrigo de Freitas e a inauguração do bairro da Urca como conhecemos hoje.
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O movimento havia começado alguns anos antes, no começo do século, quan-
do o prefeito Francisco Pereira Passos se inspirou no litoral da França para abrir avenidas e construir edifícios em uma grande reforma urbanística. Demoliu casas, alargou ruas para uma cidade mais
arejada e iluminada e construiu as avenidas
Beira Mar e Atlântica, adotando um mo-
delo europeu de arquitetura. Em 1908, a Exposição Nacional Comemorativa do 1º
Centenário da Abertura dos Portos apre-
sentou um novo Rio de Janeiro aos visitantes brasileiros e estrangeiros.
— Em 1922, outro evento se tornou um
cartão de visitas da cidade, a Exposição
do Centenário da Independência. A partir dele, visitar o Rio passou a ser uma obri-
gação de toda pessoa com cultura no mundo. Os frequentadores dos elegantes salões parisienses se acostumaram a vir para N. VIGGIANI
cá, por exemplo. A cidade era o playground
do turista internacional, que vinha encon-
trar o contraste entre selva e civilização,
o Carnaval, os prédios maravilhosos, o maior arranha-céu da América Latina, os melhores hotéis e a beleza das praias — afirma Márcio. Na página 16, edifício A Noite, na Praça Mauá, em imagem da década de 1930. Acima, a Avenida Beira Mar na Praia da Glória por volta de 1920. Ao lado, primeiro time de garçons do Hotel Glória.
A nascente publicidade da época conta bem essa história. Os cartazes das com-
panhias marítimas primeiro e, em seguida, das aéreas mostram uma paisagem exuberante — muitas vezes, sem nada escrito neles para explicar.
Cem anos de Glória
Os incríveis anos 1920
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J. PINTO
Cem anos de Glória
Os incríveis anos 1920
— Não era necessário nomear o Rio de Janeiro. Quem visse o Pão de Açúcar
ou a Enseada de Botafogo com o Corcovado, ainda sem o Cristo Redentor, já sabia do que se tratava — conta o diretor do Instituto Art Déco Brasil.
Nesse cenário, desenrolam-se os primeiros anos do Hotel Glória, considerado
pela imprensa o mais luxuoso da América do Sul na época. Até sua inauguração, o Rio de Janeiro não tinha hotéis de padrão internacional que atendessem às expectativas de luxo e conforto dos hóspedes vindos da Europa e dos Estados
Unidos. Antes de 1922, era comum, inclusive, que muitos deles alugassem palacetes para suas estadias. Em 1906, durante a III Conferência Pan-ameri-
cana, o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Elihu Root, ocupou uma residência particular na Praia de Botafogo e ali ofereceu um banquete para as autoridades presentes na cidade.
À esquerda, Albert Einstein em visita ao Instituto Oswaldo Cruz em 1925. O físico se hospedou no Hotel Glória na ocasião.
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Além de famílias abastadas, empresários e políticos, o Rio de Janeiro era visitado por companhias de teatro, balé e ópera, que passaram a incluir a América do Sul em suas turnês no começo do século. Para esses artistas, também o
Glória passou a ser uma opção, pois, até a sua inauguração, não havia hotéis na
cidade com banheiro e telefone em todos os quartos. Assim, o Glória nasceu
preparado para o turismo internacional, bem como viagens de negócios e de estado. Também tinha imensos salões públicos e podia abrigar grandes eventos internacionais e a vida social da classe alta.
Um elemento-chave para entender o Rio de Janeiro dessa época é a praia, que
se tornava um hábito cada vez mais popular entre habitantes e visitantes. Se, no século 19, os banhos medicinais eram o objetivo de quem frequentava a orla,
nos anos 1920, o número de banhistas em busca de lazer fez a prefeitura estabelecer regras para quem quisesse entrar no mar — incluindo a curiosa proibição de vozerios e ruídos no local. Naturalmente, também a indumentária praia-
na mudou. Depois dos pesados trajes de banho em algodão, com ombros, joelhos e pescoços cobertos e o uso de chapéus, os cariocas passaram a incorNa página oposta, banhistas na Praia do Flamengo na década de 1920.
porar o maiô, mais bem-comportado do que a peça atual, mas já deixando corpos masculinos e femininos em evidência.
Cem anos de Glória
Os incríveis anos 1920
GUILHERME SANTOS
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Cem anos de Glória
Os incríveis anos 1920
O bonde era o meio de transporte oficial na cidade e o automóvel já impunha um
ritmo diferente. A vida urbana fervilhava com as novidades vindas de todo o mun-
do: pelo Hotel Glória, passaram celebridades como o cientista Albert Einstein e a bailarina Isadora Duncan, além de centenas de chefes de estado, diplomatas, executivos e artistas internacionais.
— Na década seguinte, assistimos a uma continuidade desse movimento de efer-
vescência e presença internacional no Rio de Janeiro. Em 1933, chega aos cinemas o filme Flying Down to Rio, com Ginger Rogers e Fred Astaire. Em 1938, o Normandie, um dos navios mais luxuosos da época, com capacidade para duas mil pessoas,
viajou à cidade para um cruzeiro de Carnaval com um custo de 120 mil dólares por cabine. Foi um sucesso — narra Márcio.
Nas imagens, o cardápio do Réveillon de 1923 no Glória e um jantar no hotel no ano de sua inauguração.
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Cem anos de Glória
Os incríveis anos 1920
“O projeto da renovação do Glória é histórico e pode ser um marco para um bairro em que há outros edifícios espetaculares. Muitas famílias tinham casas imponentes ali antes de 1922, mas os prédios começaram a surgir depois da construção do hotel. O bairro já era importante, mas depois do Glória ficou ainda mais.”
MÁRCIO ROITER Diretor do Instituto Art Déco Brasil 27
] Um farol de modernie
PHOTO BIPPUS RIO
O dia 7 de setembro de 1922 marcou a abertura do maior evento que a América Latina já tinha visto até então. A Exposição Internacional do Centenário da
Independência, que motivou a construção do Hotel Glória para receber alguns de seus 3 milhões de visitantes, contou com a participação de 14 países e se
estendeu até 1923. Foi um marco na afirmação da nacionalidade brasileira, além de sua entrada na modernidade.
— A exposição trazia os maiores progressos da época, e o Glória sem dúvida é um deles. Suas histórias se misturam de tal forma que é impossível falar do
hotel sem lembrar desse grande evento para o qual o mundo inteiro veio ao Brasil. O Glória é a cereja do bolo, um dos legados que a exposição deixou — afirma o diretor do Instituto Art Déco Brasil, Márcio Roiter.
Na inauguração, 200 mil pessoas assistiram a um espetáculo em que seis mil expositores nacionais e estrangeiros mostraram o que havia de mais moderno no mundo em áreas como indústria, artes, ciências e comércio. Estendendo-se
do Passeio Público até onde fica hoje o aeroporto Santos Dumont, suas luzes podiam ser vistas desde o outro lado da baía de Guanabara.
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O dia inicial da exposição marcou a primeira transmissão por rádio do Brasil, com
discurso do presidente Epitácio Pessoa. A trilha sonora era a ópera O Guarani, de Carlos Gomes, transmitida diretamente do Teatro Municipal, onde a orquestra se apresentava. Ao lado do Brasil, França, Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Dinamar-
ca, Suécia, Tchecoslováquia, Bélgica, Noruega, Portugal, Japão, México e Argentina estabeleceram entre si uma saudável disputa de ideias e tecnologias.
Além do Hotel Glória e do Copacabana Palace, também encomendado para
a exposição, é possível visitar hoje quatro edifícios construídos para o even-
to: o pavilhão de Administração se tornou o Museu da Imagem e do Som; o Anteriormente e na página ao lado, a Exposição Internacional do Centenário da Independência iluminada.
palácio da França, a Academia Brasileira de Letras; o palácio das Indústrias é
o Museu Histórico Nacional; e o pavilhão de Estatística é hoje o Centro Cultural do Ministério da Saúde.
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Um farol de modernidade
THIELE & KOLLIEN
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_ Nasciment o d e um ícone carioca
— A história do Glória começa dois anos antes de sua inauguração. Em 1920, o
presidente Epitácio Pessoa reuniu dois dos maiores empresários do turismo no Rio de Janeiro para viabilizar a construção de hotéis na cidade para a Exposição
Internacional do Centenário da Independência. Octávio Guinle propôs o Copacabana Palace, já que a família tinha um alqueire de terras coladas ao mar no bairro,
mas o hotel não ficou pronto a tempo de abrigar os visitantes da exposição. Não foi o caso do Glória — conta o historiador Milton Teixeira.
O segundo empresário convocado pelo presidente foi Octávio da Rocha Miranda,
da Rocha Miranda & Filhos, responsável pela primeira linha de ônibus do Rio de Janeiro. Oriundo de uma família proprietária de fazendas de café, não era rival dos
Guinle, pelo contrário. Mantinham uma relação de amizade e, além de dividirem o
mesmo arquiteto — Joseph Gire — para os projetos do Hotel Glória e do Copacabana Palace, contaram com a mesma equipe de engenheiros alemães especialistas em concreto na construção das obras.
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Inaugurado em 15 de agosto de 1922, com celebrações que duraram três dias,
o Glória hospedou todas as delegações oficiais estrangeiras que vieram à ex-
posição e seus respectivos chefes de estado. A localização era estratégica:
próximo ao centro, de frente para o mar, vizinho do Palácio do Catete e com fácil acesso à exposição. Os anúncios publicados na época destacavam os quartos modernos que recebiam a brisa fresca do oceano, a cozinha francesa, o bar americano e os salões exuberantes.
— Podemos traçar o passado daquele terreno por meio de uma pintura de Lean-
dro Joaquim, do século 18. Antes, havia ali uma fazenda. Um pouco atrás, ficava
um casarão enorme e, na base, uma casa usada para banhos de mar. Durante muitos anos, esse conjunto sobreviveu, chegando a aparecer nos primeiros cartões-postais antes da construção da Avenida Beira Mar — revisita o historiador.
Nos anos seguintes à sua construção, o Glória passou a hospedar políticos e presidentes da república que exerciam seu mandato no Palácio do Catete.
A partir de 1934, Getúlio Vargas estabelece o Palácio Guanabara como resiNa abertura do capítulo, um dos primeiros jantares no Glória. Na página ao lado, anúncio da construtora com imagem do hotel.
dência dos presidentes, abandonando o Hotel Glória, mas, mesmo assim,
muitos políticos continuaram a se hospedar ali. Assim, o Glória ganhou o apelido de Hotel dos Presidentes.
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Nascimento de um ícone carioca
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] Diferent es est ilos com sot aque francês
Composição clássica, elementos decorativos em relação de quase equilíbrio
entre o ornamentado e o vazio e uma decoração exuberante em seu interior:
assim foi concebido o primeiro hotel cinco estrelas do Brasil. A descrição, no entanto, não se aplica só ao Glória, mas a diferentes edifícios de um Rio de Ja-
neiro que construía seguindo a tendência internacional do ecletismo e de olho em tudo o que vinha da França.
— O ecletismo internacional é um dos momentos mais complexos da história da arquitetura, porque é preciso uma cultura arquitetônica muito grande para dominar todo o conjunto que ele propõe. Existe, ali, uma liberdade de
estilos e materiais, uma porta aberta para a conciliação, e o mundo inteiro construía dessa forma na época em que o Glória foi criado — explica William S.M. Bittar, professor e arquiteto.
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Com origem nas revoluções industriais, o ecletismo permite que se façam alusões a todas as linguagens — entre elas, o estilo clássico, cujos elementos estão presentes no Glória.
— Muita gente afirma que se trata de um edifício neoclássico, mas isso não é
correto. Na França, o neoclássico tem seu ápice no século 18 e vai até a ascen-
são de Napoleão, que o incorpora. No Brasil, chega atrasado, com a vinda da corte portuguesa, e dura até o fim do século 19. Assim, no contexto do ecletismo internacional, não se pode dizer que o Glória é neoclássico, mas classicizante — conta William.
Nada mais natural em uma cidade em que o afrancesamento era símbolo de
poder econômico e diretamente associado à elite cultural. Inspirado em construções de balneários europeus — assim como seu contemporâneo Copacabana Palace —, o Glória traz elementos presentes nos grandes hotéis da RivieAo lado, fachada do Hotel Copacabana Palace em 1925.
ra Francesa. Em ambos, fachada e interior estabelecem uma mensagem de luxo que remete às cidades costeiras mais elegantes da época.
Cem anos de Glória
Diferentes estilos com sotaque francês
AUGUSTO MALTA
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Cem anos de Glória
Diferentes estilos com sotaque francês
— Nos anos 20, a arquitetura era uma das responsáveis por trazer a França ao Rio de Janeiro. São exemplos disso o Copacabana Palace e o Glória, mas também outros edifícios na orla da Praia do Flamengo, como o Biarritz. O Glória era, literalmente, um portal para a Riviera Francesa, com a murada que
quase chegava ao mar e sua vista panorâmica deslumbrante. Levava argamassa importada na fachada, ardósia na cobertura, mármores de todas as
cores, luxo nos elevadores. Sua grande inovação foi trazer a Europa para a hotelaria no Brasil — afirma o arquiteto.
Um dos grandes responsáveis por essa inovação foi o arquiteto francês
Joseph Gire. Depois de atuar na Exposição Universal de Paris em 1900 e de projetar edifícios frequentados pela alta sociedade parisiense durante a belle
époque, mudou-se para a Argentina. Era um movimento natural naquele co-
meço de século, quando muitos profissionais franceses migravam para as Américas, sedentas de estética europeia.
Na página anterior, o edifício Praia do Flamengo, de autoria de Joseph Gire.
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Na Argentina, Gire conduziu o projeto de escolas, prédios públicos, residências, palácios e bancos, muitos deles incluídos no Patrimônio Arquitetônico e Histórico Argentino. Após alguns anos no país, fundou seu escritório no Rio de
Janeiro e se tornou o arquiteto oficial da família Guinle. Na cidade, atuou primeiramente no projeto do Palácio das Laranjeiras, atual residência oficial do governador do estado do Rio de Janeiro.
A partir de então, o arquiteto e sua família passaram a viver entre o Rio de Janeiro e Paris. Em terras cariocas, teve uma prolífica carreira, ajudando a dar forma à
cidade que conhecemos hoje. Além de residências e prédios célebres e dos dois
hotéis símbolo da cidade — Glória e Copacabana Palace —, é responsável pelo Ao lado, recorte do edifício Joseph Gire (A Noite) na década de 1930.
edifício Touring, no porto, e pelo edifício A Noite, inaugurado em 1929 e, durante muito tempo, o maior arranha-céu da América do Sul.
Cem anos de Glória
Diferentes estilos com sotaque francês
ALFREDO KRAUSZ
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Cem anos de Glória
Diferentes estilos com sotaque francês
O estilo art déco de formas simplificadas do A Noite — rebatizado edifício Joseph Gire após a morte do arquiteto, em 1933 — é exemplo da capacidade desse pro-
fissional em transitar entre diferentes linguagens. No Glória, com seu estilo clas-
sicizante, a decoração inclui uma série de ornamentos, como guirlandas de flores, colunas para a marcação dos vãos e desenhos que emolduram as janelas.
— Essa era a linguagem daquele momento para aquele tipo de programa, um
hotel que pretendia ser um pedaço da França no Brasil. Tanto no Glória quanto no Copacabana Palace, esses elementos estão muito presentes no início, mas vão
se perdendo ao longo do tempo. Aos poucos, suas fachadas decoradas e rebuscadas ficaram mais limpas e se adaptaram às diferentes épocas que esses edifícios atravessam — finaliza William.
Na página ao lado, o arquiteto francês Joseph Gire, responsável pelo projeto do Glória.
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Cem anos de Glória
Diferentes estilos com sotaque francês
“Todo edifício tem seus ciclos. O Hotel Glória vai continuar a existir na memória dos seus bailes, do teatro, dos grandes eventos, de sua efervescência. Agora, como diz Ítalo Calvino em seu livro As Cidades Invisíveis, os deuses antigos foram embora e em seu lugar entram deuses com outros sotaques. É o que vai acontecer ali.”
WILLIAM S.M. BITTAR Professor e arquiteto 47
• A hist ória do Rio em um bairro
JORGE KFURI
— O bairro da Glória é um laboratório de experiências que serão aproveitadas pelo Rio de Janeiro. Grande parte da história da cidade passa pelo local, e ali ocorrem
inovações que depois se generalizaram. O caso do bonde e do metrô são bons exemplos, mas o Hotel Glória também faz parte desse movimento. Ele completa
o projeto da Avenida Beira Mar que se iniciou com o prefeito Pereira Passos e já nasce bem-sucedido — afirma Paulo Knauss, professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense.
Quando nasceu, na Rua do Russel, 632, no bairro da Glória, o Hotel Glória já esta-
va cercado de uma boa infraestrutura: em meio aos jardins à beira-mar, de frente para a nobreza da balaustrada, das escadarias e dos lampadários do Monumento
à Abertura dos Portos e rodeado pelos prédios públicos mais importantes da cidade, entre eles, o Palácio do Catete, sede da Presidência da República. Também
contava com a vista magnífica da Baía da Guanabara, que hoje se descortina de
suas janelas. Era o cenário ideal para um pioneiro do turismo moderno e internacional se estabelecer em 1922.
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Mas a história desse lugar, a princípio muito alagadiço, repleto de cursos d' água e lagoas, é muito anterior — começa mais de mil anos antes da colonização europeia no Brasil. Das dezenas de aldeias indígenas tupinambás que ocupavam o Rio de Janeiro, a mais famosa era a Carioca, que se estabeleceu ao lado do atual
Outeiro da Glória — e que, anos mais tarde, virou sinônimo de quem nasce na
cidade. Com a chegada dos franceses e dos portugueses, o atual bairro da Glória começa um ciclo de mudanças que transformaram o local radicalmente.
— Ali se desenvolveram três indústrias basilares da história do Rio de Janeiro. A primeira, no começo do século 16, foi a olaria construída pelos franceses,
uma fábrica de telhas destinada a abastecer a construção militar. A segunda,
uma pedreira, também essencial na construção civil. Por fim, temos a pesca, Ao lado, ressaca na Avenida Beira Mar na altura do Bairro da Glória.
inclusive, de arrastão. As três indústrias foram fundamentais na construção da vida na cidade — conta Paulo.
Cem anos de Glória
A história do Rio em um bairro
CARLOS BIPPUS
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AUGUSTO STAHL
Cem anos de Glória
A história do Rio em um bairro
Um grande marco na ocupação desse espaço é a atual Igreja da Glória, inaugurada em 1739. Consolidou-se, assim, a paisagem do bairro e seu nome. A igreja assistiu, nos séculos seguintes, à tomada daquelas terras — primeiramente, por chácaras, depois por casas coloniais e, por fim, por palacetes neoclássicos —, visão que se propagou mundo afora.
No século 19, acontecem duas importantes inovações na Glória que depois se estenderiam por toda a cidade. Em 1864, é inaugurada pela The Rio de Janeiro City
Improvements Company Limited a primeira estação de tratamento de esgoto da cidade. Quatro anos depois, aparecem os primeiros bondes a tração animal e, em 1892, o bairro assiste maravilhado aos primeiros bondes elétricos do Brasil.
Na página anterior, a igreja Nossa Senhora da Glória do Outeiro em foto de 1865.
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— Toda a história do Rio de Janeiro está na Glória, as inovações decisivas pas-
sam por ali. Não à toa, o bairro é uma das áreas da cidade com maior densidade de patrimônio histórico preservado e tombado. Além do Hotel Glória e da
Igreja da Glória, temos edifícios como o Palácio São Joaquim, construído para ser a residência do primeiro cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, a Igreja Positivista, exemplar único em todo o mundo, e o complexo da Beneficência Portuguesa, que é belíssimo. Não são prédios que podem ser encontrados em outras cidades — afirma o professor.
Com a chegada do século 20 e as reformas conduzidas por Pereira Passos, a
Glória se reinventa. São dessa época diversos aterros e a abertura da Avenida Beira Mar, que modificam a paisagem. Depois do Monumento a Pedro Álvares Cabral e do Relógio da Glória, inaugura-se a Praça Paris em 1929, com seus Ao lado, os Jardins da Glória, atual Praça Paris, em 1929.
jardins geométricos, lago e chafariz, declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 2012.
Cem anos de Glória
A história do Rio em um bairro
AUGUSTO MALTA
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LUOMAN
Cem anos de Glória
A história do Rio em um bairro
— Os ciclos da cidade estão todos contidos no bairro. Do ponto de vista imobiliário, a Glória passa por todas as gerações. Do colonial ao modernista, há
ali uma sucessão de prédios de arquitetura pública e privada que é extraordinária — pontua Paulo.
Nos anos 1960, o Parque do Flamengo se estabelece como um moderno centro de lazer em que espaços para a prática esportiva se misturam ao paisa-
gismo assinado pelo internacionalmente renomado Roberto Burle Marx, com sua flora nativa diversa — são mais de 11 mil árvores de 190 espécies. Idealizado pela arquiteta Lota de Macedo Soares, foi projetado, em suas palavras, como um ato de amor, criando um organismo vivo na cidade feito para o homem e na medida dele. Atualmente, ali se encontram marcos importantes do
Rio de Janeiro, como o Museu de Arte Moderna (MAM), o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial e a Marina da Glória.
Na página oposta, Parque do Flamengo e o Pão de Açúcar ao fundo.
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— O bairro da Glória é, hoje, uma parte da cidade destinada à inovação do patrimônio histórico, um laboratório de como tratar o legado do Rio de Janeiro. Temos
exemplos significativos: a Villa Aymoré, um campus universitário onde antes ficava um conjunto de casas em estilo eclético construído em 1910; o hospital Glória
D'Or, no antigo complexo da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Bene-
ficência de 1840; e a Companhia de Dança Deborah Colker, instalada na antiga Acima, a aeronave Graf Zeppelin sobrevoa o Hotel Glória em 1930. Ao lado, panorama do bairro da Glória na década de 1890.
casa do pintor Victor Meirelles. São projetos de qualidade, um prenúncio do que
pode acontecer na cidade toda. Nesse sentido, acredito que o Glória, em sua nova fase, também vai ser um exemplo marcante — finaliza Paulo.
Cem anos de Glória
A história do Rio em um bairro
JUAN GUTIERREZ
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Cem anos de Glória
A história do Rio em um bairro
“O Glória, primeiro hotel de turismo moderno da cidade, é um exemplo de que o Rio de Janeiro se reinventa a partir da Glória. Hoje, o bairro se tornou um espaço de inovação no tratamento do patrimônio histórico. Ali, não haverá mais o hotel, mas a memória da história do prédio está preservada.”
PAULO KNAUSS Professor do Departamento de História da UFF 61
] Cem anos de Glória
A história de um edifício passa pelos personagens que percorreram seus salões, quartos e corredores. No Hotel Glória, essa lista contempla uma constelação de personalidades que se tornaram ícones de toda uma geração: do primeiro homem a pisar na lua, Neil Armstrong, à mítica Marylin Monroe; do cientista
Albert Sabin ao bailarino russo Mikhail Baryshnikov; do cubano Fidel Castro às estrelas Charlton Heston, Ava Gardner, Vivien Leigh, Fred Astaire, Ginger Ro-
gers, Jane Fonda e Roger Moore; de Maria Callas a Pelé; de Luciano Pavarotti a Jacques Cousteau; de Madonna a Mikhail Gorbachev.
O Hotel dos Presidentes, como era conhecido, recebeu quase todos os mandatários brasileiros: Epitácio Pessoa, Washington Luiz, Getúlio Vargas, Jus-
celino Kubitschek, José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Havia uma intensa programação de conferências e congressos de diferentes áreas, e era comum
a presença de jornalistas no lobby do hotel em busca de furos de reportagem com políticos, empresários e artistas.
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Símbolo de requinte, seus jantares à luz de velas e ao som de violinos, com
maitres de casaca e cravo na lapela, eram frequentados por hóspedes vestindo smoking e vestido de gala. Depois dos anos 1960, acompanhando as transformações da sociedade carioca e de todo o mundo, o hotel se torna mais
despojado, sem nunca perder sua aura de luxo. Até a sua desativação, em 2008,
aconteceu ali o icônico Concurso de Fantasias do Hotel Glória, uma disputa entre celebridades como Clóvis Bornay e Evandro Castro Lima.
Também a Boate Béguin marcou época, capitaneada por Eduardo Tapajós, que,
em 1948, adquiriu o hotel da família Rocha Miranda com o italiano Arturo Brandi. No mesmo local onde, anos mais tarde, funcionou o celebrado Teatro Gló-
ria, a sociedade carioca dos anos 1950 curtia a vida noturna e assistia a shows ZIEGELMEYER
nacionais e internacionais de nomes como Josephine Baker, Bidu Saião, Dolo-
res Duran, Pixinguinha e Cacilda Becker. Na primeira piscina tropical do Rio de
Janeiro, inaugurada em 1951, o cenário também era de festa, com seus banhos noturnos e bailes de Carnaval.
Hoje, 100 anos depois de sua inauguração, o Glória se prepara para retomar Acima, brasão que compunha a fachada do Hotel Glória e a frase em latim: Glória a todas as estações. Ao lado, a escolha da Rainha do Carnaval na piscina do Glória em 1964.
uma trajetória que faz parte da história do Rio de Janeiro. Um caminho de
muitas festas, grandes decisões políticas, negociações importantes e celebrações que marcaram época se transforma e passa a ter uma nova narrativa. Que venham os próximos 100 anos.
Cem anos de Glória
Cem anos de Glória
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Galeria
Nesta página e ao lado, o Carnaval de 1958 no Hotel Glória.
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Nesta página, o Baile dos Artistas de 1958. Ao lado, bastidores do show No País dos Cadillacs.
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O Carnaval de 1958 em registros da Life Magazine.
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Uma nova hist ória Agradecemos especialmente aos órgãos que, de forma célere, criaram as condições que possibilitaram o novo uso para o imóvel, transformando-o em residencial e permitindo que hoje pudéssemos homenagear os 100 anos deste ícone da cidade do Rio de Janeiro.
• SMDEIS - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação; departamentos: Subsecretaria de Controle e Licenciamento
• • • • •
Ambiental e Subsecretaria de Controle e Licenciamento Urbanístico
Geo-Rio - Fundação Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro Iphan - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional CET-Rio - Companhia de Engenharia de Tráfego do RJ FPJ - Fundação Parques e Jardins
IRPH - Instituto Rio Patrimônio da Humanidade
IMAGEM ILUSTRATIVA DA FACHADA DO GLÓRIA RESIDENCIAL RIO DE JANEIRO
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Agradeciment os
Para este livro, somos imensamente gratos às valiosas contribuições de: Márcio Roiter, diretor do Instituto Art Déco Brasil Milton Teixeira, historiador
Paulo Knauss, professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense William S.M. Bittar, professor e arquiteto
Referências Este conteúdo foi produzido com base em pesquisa realizada
no Acervo do Hotel Glória. Além disso, contou com informações de: Livros
Joseph Gire: a construção do Rio de Janeiro moderno, de Roberto Cabot Hotel Glória: um tributo à era Tapajós, de Maria Clara Tapajós Metrópole à Beira Mar, de Ruy Castro Website
ogloria.art.br Pesquisa Histórica
Projeto de Heloisa Frossard para o Hotel Glória
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@parcmalou