alô alô mundo!

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alô alô mundo! cinemas de invenção na geração 68

Curadoria Paola Marugán e Marc Martínez


alô alô mundo! cinemas de invenção na geração 68

Quantas revoluções são necessárias para mudar este mundo? Após as revoltas sociais que começaram em 2009, capitalistas financeiros, coachers, monoteístas radicais, managers, gurus neoliberais e qualquer tipo de viciado do capital tem fortalecido as diferenças entre centro/periferia, homem/mulher, branco/preto, humano/animal, homossexual/heterossexual, natureza/cultura. E já gritamos: chega! Em nome de Che Guevara, Black Panthers, Internacional Situacionista, Glauber Rocha, John Cage, Pierre Boulez, Pagu, Martin Luther King, Harvey Milk, Tucumán Arde, Rosa Parks, Judy Chicago e as damas da WomanHouse, o comandante Marcos, a Revolução Sandinista, e tantas outras que quebraram os aparelhos que produziam verdade para construírem um mundo mais habitável. Em torno ao mítico ano de 1968 encontram-se uma série de rupturas no cinema e na arte contemporânea angloeuropeia, que vão desarticular as antigas formas estabelecidas de pensar as linguagens artísticas, em uma confluência entre vanguarda artística e militância política. No contexto espanhol, a prática cinematográfica sofre uma mudança importante devido ao surgimento de uma indústria cinematográfica promovida pela administração franquista, tendo como resultado um cinema idealista e esteticamente limitado. Aliás, será em 1969 que uma mudança radical vai se produzir em relação ao chamado "posibilismo cinematográfico" representado pelo Nuevo Cine Español. Um momento de inflexão em que pipocam uma série de práticas cinematográficas que são realizadas em um terreno ilegal, que supõem um rompimento estético com o cinema anterior e que surgem de uma interessante mestiçagem entre diversas manifestações artísticas. Na América Latina, os regimes totalitários impedem a livre expressão e a divulgação das obras de arte. Entretanto, não cessam os fluxos de interconexões planetárias entre artistas, cineastas, poetas, performers, desenhistas e sonhadores por meio de redes como a Arte Correio, cujo caldeirão principal é o continente americano. No Brasil, o Golpe Militar de 1964 sepultou o sonho da cidade de Brasília como símbolo da modernidade. Consequentemente, o cinema passa a expressar a consciência do novo regime antidemocrático por meio das alegorias. O manifesto Estética da Fome de Glauber Rocha define as formas de expressão do Cinema Novo. Uma estética em sintonia com a condição de periferia econômica e geográfica, que é transformada na própria forma criativa como uma potencialidade. Em dezembro de 1968 publica-se o AI-5, a partir do qual o regime militar dissolve o congresso e outorga-se plenos poderes. Isto leva à suspensão de grande parte dos direitos civis e constitucionais. Esse decreto supõe o fim do Cinema Novo. Contudo, um cinema de vanguarda vai surgir da insatisfação das formas estéticas do aparelho cinematográfico industrial. Esse movimento propõe uma radicalização de uma proposta estética na criação de uma linguagem cinematográfica propriamente tropicalista. alô alô mundo! cinemas de invenção na geração 68 coloca em um mesmo cenário essas éticas e estéticas de dois cinemas de vanguarda, para traçarem uma série de conexões transatlânticas, transcinematográficas, transmazônicas, transfeministas e transrevolucionárias entre o Brasil e a Espanha. Uma travessia que permita compreender de que maneira esses filmes expõem suas próprias condições históricas e por sua vez e que forneça de novas leituras ao nosso presente.

Paola Marugán e Marc Martínez


Programa Brasil

Hitler Terceiro Mundo. José Agrippino de Paula. 1968. 71'. Paranóia, culpa, desejo frustrado, miséria e tecnologia em um país subdesenvolvido. Narrativa fragmentária, enquadramentos distorcidos, berros e barulhos.

Viagem ao Fim do Mundo. Fernando Cony Campos. 1968. 96' Enquanto aguarda a chamada para o embarque em seu avião, um rapaz procura na banca de jornais uma leitura para aviagem, "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis.

Copacabana, Mon Amour. Rogério Sganzerla. 1970. 71'. O longa-metragem experimental baseado quase exclusivamente em longos planos sequência e improvisações para a câmera. Filmada em color e produzida pela produtora Belair.

Sem Essa Aranha. Rogério Sganzerla.1970. 92’. Um filme da produtora Belair em que a marginalidade é uma necessidade e não uma escolha. Um trabalho genuinamente experimental e brasileiro, clandestino, um filme-grito, visceral e com amplas conexões com o contexto atual.

Mangue-Bangue. Neville D’Almeida. 1971. 62’. Este trabalho é uma defesa do caráter experimental do cineasta. Ele defende que "Cinema é Verdade" (contra a idéia de representação da verdade). O filme se inscreve também no conceito de não-narração, segundo o artista Hélio Oiticica.


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Meteorango Kid - O Herói Intergalático. André Luiz Oliveira. 1970. 84’. Filme trash tupiniquim de heróis. No centro de tudo, um jovem crucificado entre o dever da inconformidade política e moral da família burguesa.

Câncer. Glauber Rocha. 1972. 86' O filme não tem uma estória linear. São três personagens dentro de uma ação violenta. O diretor experimenta com a técnica e o problema da resistência de duração do plano cinematográfico.

A Idade da Terra. Glauber Rocha. 1980. 160'. No seu último filme, o diretor propõe uma sintonia o anti-sintonia de sons e imagens que constroem um retrato do Brasil e um auto-retrato dele mesmo. O roteiro está baseado em um poema do poeta Baiano Antônio Castro Alves.

Só no Carnaval. Eunice Gutman. 1982. 12’. Documentário sobre o ritual de travestir-se, estritamente limitado ao período do Carnaval, a que se refere o título. O filme foi realizado com uma equipe basicamente feminina.

Zona Zul. Henrique Faulhaber. 1972. 21'. Diário cinematográfico da vida de um grupo de jovens no bairro de Copacabana. Como fio condutor, uma história de ficção criada a partir de um matrimonio, um assassinato e um garoto da rua.


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Agripina é Roma-Manhattan. Hélio Oiticica. 1972. 16'. Em Manhattan, uma moça cria uma postura entre um monumento e uma prostituta. O cenário transforma-se em uma Roma neoclássica, onde aquilo mais mundano aproxima-se a alguma transcendência.

Alma no olho. Zózimo Bulbul. 1973. 11’. Metáfora sobre a escravidão e a busca da liberdade através da transformação interna do ser, num jogo de imagens de inspiração concretista. Música de John Coltrane.

In Out (Antropofagia). 1973/74. 8’27.

Anna

María

Maiolino.

O filme é um desenrolar de acontecimentos. Cada acontecimento é finito no seu sentido, enquanto aponta para o próximo em direção à infinitude da diversidade do processo desde o seu inicio até o fim.

Manhã

Cinzenta.

Olney

São

Paulo.

1969.

21'

Um golpe de estado num país imaginário da América Latina. O poder. A repressão. O filme que levou seu realizador aos porões da ditadura. Montagem caleidocóspia, desintegra signos da luta contra o Sistema.


Programa Espanha

Nocturno 29. Pere Portabella. 1968. 83'. Uma suite de situações aparentemente inconexas giram sempre ao redor de um desenvolvimento temático que acaba unificando o filme. É a obra mais anti-burguesa do diretor.

Manderley. Jesús Garay. 1980. 105'. O filme é uma reflexão sobre a frustração, o desejo, o masoquismo, a loucura, o delírio, da ausência de sexualidade como meio de acesso à felicidade e o passo do tempo.

Informe General. Pere Portabella. 1976. 173’. Filme rodado durante os meses após da morte do ditador General Franco. É um filme-documentário realizado com as técnicas de um filme-ficção. As intervenções dos personagens descortinam a questão da transição de uma ditadura para um estado de direito. Orfeo Filmado en el Campo de Batalla. José Antonio Maenza. 1969. 37'. Tristes imagens de um bairro de operários de uma cidade inauguram este filme. O diretor apresenta um proletariado passivo, resignado e conformista, enquanto os jovens tentam a revolução.

El Lobby Contra el Cordero. José Antonio Maenza. 1968. 100'. O primeiro filme de Maenza filmado em Zaragoza. “... este filme foi feito com um foco 500w. uma câmera Paillard antiquíssima e 21.157 pesetas”.


 Función de Noche. Josefina Molina. 1981. 90'. A atriz espanhola Lola Herrera e o seu ex-marido conversam, discutem sobre a vida que tiveram juntos. O filme acontece no camarim dela.

Hortensia/Beancé. José Antonio Maenza, 1969. O último trabalho inconcluso do artista aragonês. Um experimento audiovisual realizado em uma casa burguesa de Barcelona, em que residiam os membros da equipe artística e técnica. Mais uma vez, as fronteiras entre a vida e a arte abertas em um trânsito continuo. Las intrigas de Sylvia Couski. Adolfo Arrieta. 1974. 73'. A história é uma desculpa para criar um conto em uma cidade inventada, uma cidade de travestis que tratam de reviver a Belle Époque das celebrações da arte.

Arrebato. Iván Zulueta. 1979. 105'. A história de um diretor de cinema em crise criativa e pessoal. A estréia deste filme de culto, foi no contexto da chamada “Movida madrileña”.

A-MAL-GAM-A. Iván Zulueta. 1976. 33'. Um trabalho realizado em super 8 baseado na experimentação da linguagem cinematográfica; o uso dos novos recursos técnicos da época e uma influência clara das artes visuais, com um discurso crítico e provocador.


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La Edad del Silencio. Gabriel Blanco. 1978. 9'. Estremecedora radiografia da repressão cultural do ditador Franco, a tortura e o anseio por atingir a liberdade. Curta-metragem de animação com uma grande capacidade expressiva e dramática, realizada em colaboração com o desenhista OPS.

Travelling. Lluis Rivera. 1972. 10'. Apresentação do processo técnico de um filme. A obra filma-se a si mesma em um processo de degradação da imagem.

Miró l'Altre. Pere Portabella. 1969. 15'. O filme foi realizado por conta da exposição Miró l’Altre, organizada pelo Colégio de Arquitetos de Barcelona.


AGRADECIMENTOS A equipe da Cinemateca do Museo da Arte Moderna de Rio de Janeiro (MAM-RJ), Juliana Jambo, Cyntia Nogueira, Pere Portabella e a equipe da produtora Films 59, Vicente Ponce, Alejo Loren, a equipe de Teatron, os programadores das filmotecas e dos diferentes espaรงos e uma especial gratidรฃo para os espaรงos independentes pela luta cotidiana.


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