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A ARTE DE ACONSELHAR serviço de curadoria particular ganha fôlego no brasil, conquista interessados em ter um acervo sob medida e ajuda os novos colecionadores a evitarem erros comuns, como a compra de obras falsificadas
ontrariando o dito popular, um conselho pode, sim, ser bom e
o amadurecimento do mercado artístico e cultural brasileiro ocor-
ser vendido. principalmente quando se trata de coleções de
rido nas últimas décadas abriu oportunidades para que mais pessoas
arte, de design ou mesmo de antiguidades. apesar de ainda
tenham acesso a obras e informações até então restritas a grupos
ser uma área relativamente nova no brasil, o serviço de consultoria
seletos. se antes os compradores iam diretamente a galerias e lei-
para coleções privadas vem ganhando fôlego e pode ser de grande
lões e decidiam em vernissages fechadas qual seria o próximo item
valia para quem pretende aventurar-se no colecionismo sem cair
de suas coleções, hoje há muitas outras possibilidades. feiras, clubes
em erros comuns, como comprar obras falsas, superfaturadas ou até
de colecionadores, vendas pela internet, galerias e lojas revelam que
mesmo se arrepender por adquirir algo fora de seu gosto.
o mercado está aquecido e cada vez mais acessível.
A art advisor Patricia Cornish (à esquerda) e sua cliente, a colecionadora Juliana Muchon: a curadoria privada permite ao colecionador fazer compras mais seguras e pode ir de uma opinião até a indicação de artistas em ascensão
foto Mário águas
TEXTO Alessandra Simões
foto Mรกrio รกguas
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Como resultado do aumento da oferta, entra em cena a figura do curador privado, também conhecido como art advisor (conselheiro de arte). “Quando o comprador tem um especialista para ajudá-lo, o processo se torna muito mais seguro e prazeroso”, diz a art advisor patricia cornish, de são paulo. a colecionadora Juliana Muchon, cliente de patricia, conta que começou a comprar arte quando buscava um presente original para celebrar seu primeiro ano de casamento. encontrou a consultora em uma exposição e, a partir daí, deu início à sua coleção particular. “O trabalho do conselheiro é essencial. Afinal, ele pode dar desde uma simples indicação até apresentar obras de artistas que estejam despontando”, afirma Juliana.
PRIMEIROS PASSOS pesquisa e informação são essenciais para quem pretende se tornar um colecionador, defende a consultora Julie belfer, que atua na capital paulista. “aproveito meu repertório e minha rede de relacionamentos para encontrar obras ou artistas que se aproximem das expectativas de cada colecionador. Minha tática é buscar uma obra que se encaixe em um conjunto de critérios, como gosto pessoal do cliente e valor oferece cursos, palestras, viagens e visitas relacionadas ao tema.
minho importante para construir uma coleção de qualidade”, diz
SEGUNDO A CONSULTORA GABRIELA LOYOLA, O MERCADO NACIONAL DE ARTE ESTÁ EM FRANCA EXPANSÃO
gabriela, citando uma pesquisa segundo a qual o mercado de arte
ser um pouco mais nebuloso, uma vez que ainda não existe um
no brasil cresce em média 20% ao ano, com valorização das obras
serviço sistematizado de design advisor no país. “Isso é reflexo de
em torno de 15%, muito acima da inflação.
um mercado muito novo, em formação. ainda há certa carência de
segundo gabriela loyola, proprietária do picta escritório de arte, em Joinville (sc), o mercado nacional está em franca expansão e o surgimento de novos colecionadores é impulsionado pelo maior acesso às obras e aumento na quantidade de informações disponíveis sobre o tema. “transformar isso em conhecimento é um ca-
Mas se a ideia for iniciar uma coleção de design, o percurso pode
profissionais que possam contextualizar criteriosamente a produção contemporânea nacional e selecionar o que é de fato autoral”, afirma o arquiteto, designer e curador Bruno Simões, que fez parte da equipe do escritório triptyque e hoje comanda um ateliê próprio em são paulo. “com isso, os próprios designers, como é o meu caso, acabam preenchendo essa lacuna e fazendo o papel de curadores.” Acima, Gabriela Loyola, proprietária do Picta Escritório de Arte, em Joinville (SC). À esquerda, “Belle Epoque Rural” (2014), do fotógrafo paulistano Marcelo Tinoco, uma das obras do acervo da empresa
fotos pena filho | clube do MaM | galeria arte hall (divulgação)
artístico e mercadológico da peça”, explica a consultora, que também
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fotos pena filho | clube do MaM | galeria arte hall (divulgação)
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Nesta página, obras do acervo de consultores, galerias e clubes de colecionadores: 1. Ruas de Junho, do coletivo Mídia Ninja (acervo do Clube do MAM); 2. Two Figures, do pintor inglês Henry Cliffe (acervo de Patricia Cornish); 3. Composição III, de Ester Grinspum (acervo do Clube do MAM); 4. Colour Within, da artista inglesa Sandra Blow (acervo de Patricia Cornish); 5. Libélula, de autoria do mineiro Pedro David (acervo da Galeria Arte Hall); 6. A World Without People, do britânico Paul Wright (acervo de Patricia Cornish); 7. Place Vendôme, Paris, do fotógrafo paulista Lucas Lenci (acervo da Galeria Arte Hall)
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contemporâneos têm investido cada vez mais em design. outro mercado que requer conhecimento e certos cuidados é o de antiguidades. “como em todo setor, há pessoas bem-intencionadas e outras nem tanto. consultar catálogos e livros, visitar museus e ir a leilões ajudam a aprimorar o repertório sobre o tema”, aconselha o especialista e colecionador de arte e antiguidades augusto luitgards, de brasília. “de qualquer forma, o investimento em uma consultoria é muito compensador, pois evita prejuízos ao cliente.”
MERCADO POSSÍVEL boas opções para comprar obras a preços mais acessíveis são as novas galerias voltadas a linguagens reproduzíveis, como a fotografia, e os clubes de colecionismo, que vêm crescendo no brasil. no primeiro caso, um exemplo é a fotospot, em são paulo. fundada em 2010, a galeria trabalha com três linhas de fotografia: décor, voltada à decoração, select, com imagens numeradas, e fine art, com tiragens limitadas, numeradas e assinadas por fotógrafos renomados. “caso um cliente se interesse por uma obra que não seja do nosso acervo, nós o aconselhamos da mesma forma, pois ficamos felizes que ele confie em nossa opinião”, afirma Lucas Len-
afirma o designer Bruno Simões
ci, fotógrafo e proprietário da fotospot. outra possibilidade são os clubes de colecionadores, como o do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, que reúne obras de fotografia, peças de design e gravuras. a assinatura de cada clube é anual e dá direito às obras comissionadas pelo MaM para cada edição. “o colecionador tem contato com uma linha consistente, proposta por curadores com visão de longo prazo e discernimento sobre as pesquisas e produções contemporâneas”, afirma Felipe Chaimovich, curador do museu. com sede na capital paulista, a arte hall trabalha em parceria com
O designer explica que, além de identificar o gosto artístico e a
galerias e outras instituições ligadas à arte para oferecer obras assina-
sensibilidade do cliente, o consultor pode mostrar que o verdadeiro
das e numeradas de importantes nomes da cena contemporânea, em
design autoral não é o das lojas, mas, sim, o dos ateliês, já que ainda
tiragem limitada. “o público-alvo desse clube são jovens colecionadores
não existem galerias especializadas em design no país.
que ainda não podem ter uma peça única de um artista renomado, mas
nos estados unidos e na europa, há um número expressivo de cura-
já conseguem adquirir um trabalho assinado, por um preço acessível
dores da área de design que também prestam serviço para coleções
e com poder de valorização”, explica florence antonio, fundadora da
particulares, justamente de olho nas criações de vanguarda. “a atual
galeria. “É uma forma de ajudar o novo colecionador a percorrer com
geração de designers mundo afora é particularmente talentosa. existem
segurança os melhores caminhos do circuito de arte contemporânea.”
todos os tipos de estéticas, técnicas e processos sendo experimentados. É uma produção capaz de impulsionar coleções significativas”, afirma simões, lembrando que, como referência global, os grandes museus
Acima, o arquiteto, designer e curador Bruno Simões, que comanda um ateliê em São Paulo. Segundo ele, como não há galerias especializadas em design no Brasil, os ateliês acabam sendo a melhor opção para comprar peças autorais
fotos Mário águas | cássio vasconcellos | walter firMo | fotospot (divulgação)
“AINDA HÁ CERTA CARÊNCIA DE PROFISSIONAIS QUE POSSAM CONTEXTUALIZAR CRITERIOSAMENTE A PRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA NACIONAL”,
fotos nelson kon | acervo faMília vilanova artigas
fotos Mário águas | cássio vasconcellos | walter firMo | fotospot (divulgação)
Nesta página, obras do acervo da galeria dedicada à fotografia contemporânea Fotospot, de São Paulo. Acima, Litoral de Camamu, Bahia, de Cássio Vasconcellos, que integra o livro e a exposição Aéreas do Brasil. Abaixo, a obra Puxador de Xaréu, de Walter Firmo, um dos mais importantes fotógrafos brasileiros
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Acervo Particular especialistas em arte, design e antiguidades ensinam os passos básicos para quem quer começar uma coleção particular ARtE Patricia Cornish (à direita) detalha as etapas fundamentais do trabalho de aconselhamento para uma coleção de obras de arte n Conhecer o cliente:
Acima, imagens da edição de 2014 do MADE – Mercado, Arte e Design, criado por Waldick Jatobá e com curadoria de Bruno Simões: jovens talentos do design em evidência no mercado nacional
rios para as decisões de compra, como período da história da arte, suporte (pintura, gravura, vídeoarte ou escultura), gênero (paisagem, retratos, abstrato) ou mesmo se a coleção será baseada em obras de um único artista ou de vários. com isso, garantimos que o dinheiro do cliente seja investido da melhor forma possível.” n Pesquisa e orçamento: “nessa fase, ajudo o cliente a conhecer o que está disponível no mercado brasileiro. Minha pesquisa vai desde galerias e feiras de arte até casas de leilão e marchands. outra opção é a importação, embora as taxas possam elevar o preço da obra em até 60%. Mas, caso o colecionador opte por um trabalho importado, trabalhamos para trazê-lo. depois da sondagem de mercado, avaliamos os preços
das obras comercializadas e definimos o orçamento a ser investido pelo cliente na coleção. É importante também estabelecer em que prazo as aquisições serão feitas, pois nem sempre o orçamento permite comprar tudo de uma só vez.” n Respeitar o orçamento: “considero cada cliente como um projeto, já que é uma relação profissional de médio a longo prazo. o art advisor caminha na velocidade do cliente, tanto em termos de orçamento quanto no tempo em que cada obra será encontrada.” patricia também atende colecionadores que queiram fazer aquisições de obras de arte como investimento. “nesse caso, a dinâmica é muito parecida com a do mercado de ações, ou seja, sempre existe o risco
de perda, caso o preço da obra caia. do mesmo modo, o seu valor pode aumentar consideravelmente.”
DESIgn Curadora e jornalista especializada em design, Adélia Borges, que já foi diretora do Museu da Casa Brasileira (MCB), na capital paulista, explica que o ponto de partida para começar uma coleção de design é buscar informação. “recomendo que seja estabelecido um foco para a coleção, para evitar que o colecionador saia procurando peças a esmo.” segundo ela, é possível garimpar pérolas a preços acessíveis. “através do olhar do curador, dá para descobrir novos e promissores nomes e apostar neles. É um processo apaixonante.”
fotos Mário águas | rafael renzo (divulgação) | clube do MaM | galeria arte hall (divulgação)
“essa etapa demanda tempo. converso muito com os meus clientes sobre seus gostos, hobbies, viagens, músicas, cores e artistas preferidos. procuro entender suas fontes de inspiração e reflexão. a coleção de arte tem de ser uma extensão de seu dono e não a imposição do art advisor.” n Avaliar o espaço: “visito o local onde a coleção vai ‘morar’, avalio se há espaço disponível para todas as obras que o cliente quer comprar e se as condições são adequadas para conservá-las. se for um ambiente corporativo, procuro traduzir a essência do negócio nas obras escolhidas. não vejo problema no fato de o cliente pedir trabalhos que combinem com sua decoração, já que a obra de arte sempre acrescenta algo de subjetivo ao ambiente onde o colecionador vive ou trabalha.” n Definir a linha curatorial: “É preciso determinar que história a coleção vai contar sobre seu dono. a partir dessa definição, estabelecemos crité-
para o curador e colecionador waldick Jatobá, a internet é uma fonte inesgotável de informação. criador do Made – Mercado, arte e design, feira realizada anualmente em são paulo e bastante direcionada ao colecionismo, ele afirma que o design está entre os setores mais criativos da cultura brasileira atualmente. “fernando e humberto campana estão entre os cinco maiores designers do mundo. além disso, a nova geração está produzindo um design autoral, fresco, genuíno.”
AntIguIDADES
fotos Mário águas | rafael renzo (divulgação) | clube do MaM | galeria arte hall (divulgação)
Segundo Augusto Luitgards, o primeiro passo é conversar com colecionadores mais experientes. Isso evita que o futuro colecionador invista em peças que depois serão descartadas da coleção. “ele deve ter em mente que não poderá colecionar tudo, portanto, é preciso fazer um recorte, escolher um tema, um período histórico, uma escola, ou seja, algo que dê unidade à coleção”, explica. outra dica importante: “É preciso ter muito cuidado com a procedência das aquisições para não adquirir obras falsificadas.”
SERVIÇO n
Adélia Borges: adeliaborges.com
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Arte Hall: artehall.com.br
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Augusto Luitgards: amourafilho@uol.com.br / 61 3323-1174
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Bruno Simões: ateliebrunosimoes.com
n
Clube de Colecionadores do MAM: mam.org.br/faca-parte/
clube-de-colecionadores n
Fotospot: fotospot.com.br
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Julie Belfer: juliebelfer.com
n
MADE: mercadodeartedesign.com.br
n
Patricia Cornish: galeriapatriciacornish.com
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Picta Escritório de Arte: picta.art.br
À direita, a luminária Roda Pião, criação do Estúdio Sérgio J. Matos (acervo do Clube do MAM). No alto, a obra Asa, de Pedro David (Clube do MAM), e, acima, Cuia com Alça, de Andrea Bandoni (Clube do MAM)