DO CENÁRIO INDUSTRIAL À VISÃO AMBIENTAL

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Faculdade de Arquitectura Universidade de Lisboa

DO CENÁRIO INDUSTRIAL À VISÃO AMBIENTAL Reabilitação da Fábrica da Samaritana I n s e r i d a n o N o v o Pa r q u e U r b a n o d e X a b r e g a s Patrícia Isabel Fernandes Ferreira Projecto para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura DOCUMENTO DEFINITIVO Equipa de Orientação: Professor Arquitecto António Pedro Pacheco Professor Doutor Arquitecto José Aguiar Jurí: Professor Doutor João Cabral presidente Professor Arquitecto António Pedro Pacheco orientador Professor Doutor António Santos Leite vogal

Lisboa, Dezembro 2018



DO CENÁRIO INDUSTRIAL À VISÃO AMBIENTAL Reabilitação da Fábrica da Samaritana Inserida no Novo Parque Urbano de Xabregas

Lisboa, Dezembro 2018





RESUMO Dotada de uma ambiência única na cidade de Lisboa, Xabregas apresenta sucessivas camadas históricas, que se reflectem hoje numa enorme desordem urbana. À semelhança de toda a zona oriental de Lisboa, a desindustrialização deixou ao abandono os seus edifícios e levou as pessoas. Com o passar dos anos, Lisboa foi-se esquecendo do oriente, criando aqui um cenário decadente. Hoje começamos novamente a olhar para o potencial que aqui encontramos. O enquadramento morfológico de Xabregas, no qual se insere um vasto património arquitectónico, terá um papel predominante nesta mudança de cenário, sendo que os espaços verdes que o compõem suportam um equilibrado sistema ecológico que se reflecte no bem estar dos habitantes de uma cidade. Assim como a agricultura urbana, que se pretende como um ponto importante intrínseco aos espaços verdes urbanos. Os seus benefícios socias e comunitários são já reconhecidos, pelo que, mais importante que manter esta lógica, será desenvolvê-la, para que a sua continuidade e desenvolvimento prevaleça. Atento a isto e em complemento a um novo parque urbano, a Fábrica da Samaritana aparece, como um novo ponto que se desenvolve em torno de uma cultura ambiental acessível a todos. A sua reabilitação, consciente do seu valor patrimonial, passa por dar-lhe um novo uso onde prevaleçam as relações comunitárias, o desenvolvimento e a divulgação, reflectido na criação de um ambiente que fortaleça boas praticas ambientais.

Título Do Cenário Industrial à Visão Ambiental Subtítulo Reabilitação da Fábrica da Samaritana Inserida no Novo Parque Urbano de Xabregas Aluno Patrícia Isabel Fernandes Ferreira Equipa de Orientação Professor Arquitecto António Pedro Pacheco Professor Doutor Arquitecto José Aguiar Mestrado Integrado em Arquitectura Faculdade de Arquitectura Universidade de Lisboa

Lisboa, Dezembro 2018

Palavras-chave

PATRIMÓNIO INDUSTRIAL; CAMINHO DO ORIENTE; ESPAÇO VERDE; VALE

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ABSTRACT Endowed with a unique ambience in the city of Lisbon, Xabregas presents successive historical layers, which reflect today a huge urban disorder. As seen in all eastern Lisbon, deindustrialization left its buildings behind and drove people with it. Over the years, Lisbon has forgotten the East, creating a decadent scenario. Today, we start again looking into the potential found there. The morphological framework of Xabregas – which includes a vast architectural heritage – will have a predominant role in this change of scenery, wherein the green spaces that compose it support a balanced ecological system, that is reflected in the well-being of the inhabitants of a city. Just like urban agriculture, it is intended as an important point intrinsic to urban green spaces. Its social and community benefits are already recognized, so more important than maintaining this logic, will be to develop it, so that its continuity and development prevails. Aware of this and in addition to a new urban park, the Fábrica da Samaritana appears as a new point that develops around an environmental culture accessible to all. Its rehabilitation, conscious of its patrimonial value, is to give it a new usage, where community relations, development and dissemination prevail, reflected in the creation of an environment that strengthens good environmental practices.

Title From an Industrial Scenario to the Environmental View Sub-Title Rehabilitation of the Fábrica da Samaritana Inserted in the New Urban Park of Xabregas Name Patrícia Isabel Fernandes Ferreira Advisors Team Professor Architect António Pedro Pacheco Professor Doctor Arquitecto José Aguiar Master Degree in Architecture Faculdade de Arquitectura Universidade de Lisboa

Lisbon, December 2018

Keywords

INDUSTRIAL HERITAGE; “WAY OF THE EAST”; GREEM SPACE; VALLERY

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os textos do presente documento foram escritos segundo o acordo ortogrรกfico de 1990.



Entre os que vão passando por mim e vão deixando as suas marcas, agradeço a todos aqueles que contribuíram para esta conquista. Aos professores pela partilha de conhecimentos. Carolina, Rafa e Sofia, por terem alivado o processo com amizade e entreajuda. Ao Guedes pela especial ajuda e incentivo. Ao João, pela companhia ao longo destes anos. Cristiana e Fábio, por terem um lugar especial fora desta esfera. E sobretudo ao Ricardo, pela presença e persistência, fundamental para esta conclusão. Pai, Mãe e Pedro, por serem a melhor família que poderia ter.

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ÍNDICE Introdução

1

CAPÍTULO I . TEMA

9

I.01 Lisboa Industrial Caminho do Oriente I.02 Espaços Verdes Urbanos

12 20 27

Proveito Social e Ambiental

28

Do Rural ao Urbano

31

Estrutura Verde

39

I.03 Agricultura Urbana

45

CAPÍTULO II . TERRITÓRIO

53

II.01 O Vale

55

II.02 Xabregas

65

Cemitério das Fábricas II.03 A Fábrica CAPÍTULO III . OPORTUNIDADES E ESTRATÉGIAS III.01 Reabilitação

71 71 87 89

III.02 Referências Arquitectónicas

102

Propor um Futuro que Lembra o Passado

115

III.03 Estratégias Urbanas

123

III.04 Estratégias Arquitectónicas

131

A Praça e o Núcleo Arquitectónico

131

A Fábrica

135

Considerações Finais

163

Bibliografia

167

Anexos

177

XV



ÍNDICE DE FIGURAS 001. Waterloo Bridge, Overcast Weather

Claude Monet, 1904 in http://art-monet.com/1900_85.html

002. Fondation Cartier

Jean Nouvel, 1994 in https://www.fondationcartier.com/en/building

003. Dois Guindastes Artur João Goulart, 1961 in Arquivo Fotográfico CML

004. Panorâmica sobre a zona industrial e Avenida 24 de Julho

autor desconhecido, 1905 in Arquivo Fotográfico CML

005. Evolução da linha de costa de Lisboa na zona oriental

Co-autoria

006. Mapa altimétrico de Lisboa Co-autoria

007. Mapa hidrográfico de Lisboa Co-autoria

008. Implosão da primeira chaminé da antiga Fábrica de Gás

Autor desconhecido, 1950 in Arquivo Fotográfico CML

009. Exposição do Mundo Português Eduardo, fotógrafo e coleccionador, 1940 in Arquivo Fotográfico CML

010. Fotografia aérea sobre a zona de Belém

Kurt Pinto, 1939 in Arquivo Fotográfico CML

011. Fotografia aérea do Caminho do Oriente

Autor desconhecido, 1950 in Arquivo Fotográfico CML

012. Percurso. Caminho do Oriente Co-autoria

013. Gravura de Santa Apolónia

Autor desconhecido, 1872 in https://desenvolturasedesacatos.blogspot.com/2015/05/ estacao-de-santa-apolonia-em-lisboa-150.html

014. Armazéns da Fábrica Abel Pereira da Fonseca

Horácio Novais, anos 30 . in https://paixaoporlisboa.blogs.sapo.pt/tag/abel+pereira+da+fonseca

015. Instalações da Companhia Industrial de Portugal

Autor desconhecido, anos 50

in http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.com/2015/02/rua-do-beato-xi.html

XVII


016. Fábrica de Gás da Matinha Eduardo, fotógrafo e coleccionador, 1949 in Arquivo Fotográfico CML

017. Parque das Nações e estação do Oriente Gabriele Basilico, 2003 in Arquivo Fotográfico CML

018. Límite Urbano

Gabriela Albergaria, 2016 in https://www.gabrielaalbergaria.com/Li-mite-urbano-series

019. Frederick Law Olmsted

John Singer Sargent, 1895 in https://pt.wikipedia.org/wiki/Frederick_Law_Olmsted

020. Poppy Field

Claude Monet, 1879 in https://artsandculture.google.com/asset/poppy-field/xQGTinA-MPxcVg ?hl=pt-PT

021. A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte Georges-Pierre Seurat, 1884 in https://en.wikipedia.org/wiki/A_Sunday_Afternoon_ on_the_Island_of_La_Grande_Jatte

022. Central Park

Olmsted & Vaux, 1870 in https://untappedcities.com/2013/07/16/the-new-york-city-that-never-was -what-central-park-could-have-looked-like/

023. Masterplan – Cidade X Campo

Luca De Rossi Fischer in https://www.archdaily.com.br/br/791440/projeto-brasileiro-recebe-men cao-honrosa-no-concurso-pensar-la-vivenda-vivir-la-ciudad

024. Uma Nova Paisagem

Gonçalo Ribeiro Telles, 2003 in A Utupia e os Pés na Terra, pág. 111.

025. Sistema Verde de Lisboa Co-autoria

026. Esquema da Estrutura Verde de Lisboa

Gonçalo Ribeiro Telles, 1997 in Plano Verde de Lisboa: Componente do Plano Director Municipal de Lisboa, pág. 19

027. Del Puerto de Caracolí

Gabriela Albergaria, 2016 in https://www.gabrielaalbergaria.com/Del-puerto-de-caracoli

028. Rossio antes do terramoto de 1755

Autor desconhecido in https://www.publico.pt/2014/04/03/local/noticia/quadros-de-antesdo-terramoto-de-1755-serao-expostos-em-lisboa-ao-publico-1630846

029. Mercado da Ribeira Nova, Lisboa

XVIII


Autor desconhecido in https://www.publico.pt/multimedia/interactivo/ alimentacao-na-cidade#o-abastecimento-das-cidades

030. Mercado de levante de Xabregas

Eduardo, fotógrafo e coleccionador, 1939 in Arquivo Fotográfico CML

031. Agricultura urbana biológica, Lisboa

Autor desconhecido in https://www.publico.pt/multimedia/interactivo/ alimentacao-na-cidade#o-abastecimento-das-cidades

032. Hortas da Quinta da Granja, Benfica

Autor desconhecido in http://retalhosdebemfica.blogspot.com/2009/02/quinta-da-granja.html

033. Parques Hortícolas em Lisboa

CML, 2011 in http://www.cm-lisboa.pt/viver/ambiente/parques-horticolas-municipais cml

034. Hortas Urbanas do Vale de Chelas

Autor desconhecido, s/d . in https://jra.abae.pt/plataforma/artigo/horta-urbana/22-3/

035. Hortas urbanas na zona sul do Birro do PRODAC

Autor desconhecido, s/d in https://rr.sapo.pt/noticia/48103/das-barracas-demarvila-ao-bairro-social-sem-sair-da-pobreza

036. Hortas da Quinta da Granja, Benfica Autor desconhecido, s/d in http://retalhosdebemfica.blogspot.com/2009/02/quinta-da-granja.html

037, 038. Mercado de Xabregas

João Marques de Oliveira, 1967 nin Arquivo Fotográfico CML

039. Sistema Verde do Vale de Chelas

Gonçalo Ribeiro Telles, 2003 in A Utopia e os Pés na Terra, pág. 121

040. Esquema dos Sistemas Naturais da Paisagem

Gonçalo Ribeiro Telles, 1997 in Plano Verde de Lisboa: Componente do Plano Director Municipal de Lisboa, pág. 27

041. Viaduto de Chelas, sobre as ruas Gualdim Pais e de Cima de Chelas

Joshua Benoliel, década de 1910 in Arquivo Fotográfico CML

042, 043, 044. Inundações em Xabregas

Ferreira da Cunha, 1946 in https://biclaranja.blogs.sapo.pt/216878.html

045. Inundações em Xabregas

XIX


Inácia Tavares, 2010 in http://www.tvi24.iol.pt/nacional/temporal/mau-tempo-lisboa-pelo-menos -60-pedidos-ajuda-ate-as-11-30-por-causa-das-inundacoes

046. Antigo Paço de Xabregas

Autor desconhecidoentre, entre 1900 e 1945 in http://lisboadeantigamente.blogspot.com/2015/11/ convento-de-santa-maria-de-jesus-ou.html

047. Antiga Fábrica de Tabacos de Xabregas J. Pedrozo, 1859 in https://toponimialisboa.wordpress.com/2018/02/06/afabrica-de-tabacos-darua-de-xabregas/

048. Ortofotomapa de Xabregas Autor desconhecido, século XX in Gabinete dos Estudo Oliponenses

049. Estrada de Chelas como percurso de vale, Carrilho da Graça, 2015 in Carrilho da Graça Lisboa, pág. 73

050. Praia de Xabregas

Autor desconhecido, 1942 in http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.com/2010/02/rua-de-xabre gas-i.html

051. Rua de Xabregas Arnaldo Madureira, 1968 in Arquivo Fotográfico CML

052. Viaduto de Xabregas

Eduardo, fotógrafo e coleccionador, 1938 in Arquivo Fotográfico CML

053. Descarrilamento de comboio Autor desconhecido, 1914 in Arquivo Fotográfico CML

054. Confronto entre o Palácio dos Marqueses de Nisa com a estrutura do viaduto. Co-autoria

055. Azinhaga Beco dos Toucinheiros Eduardo, fotógrafo e coleccionador, 1940 in Arquivo Fotográfico CML

056. Beco dos Toucinheiros

Eduardo, fotógrafo e coleccionador, 1938 in Arquivo Fotográfico CML

057. Vila Dias

Alberto Carlos Lima, década de 1910 in Arquivo Fotográfico CML

058. Arco de entrada para o Beco dos Toucinheiros Artur Goulart, s/d

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in Arquivo Fotográfico CML

059. Venda de peixe no Largo do Marquês de Nisa A.N.T.T., O Século, s/d in https://biclaranja.blogs.sapo.pt/2013/09/

060. Mapa de usos do edificado Co-autoria

061. Mapa de estado de conservação do edificado Co-autoria

062. Mapa de altura do edificado

Co-autoria

063. Sítio de Xabregas, vista vale Co-autoria

064. Sítio de Xabregas, vista rio Co-autoria

065. Miradouro junto à Vila Dias

Co-autoria

066. Túnel da linha de comboio visto através da passagem de nível Co-autoria

067, 068. Escadinhas de acesso ao Beco Amorosa Co-autoria

069. Fábrica da Samaritana hoje, inserida no seu complexo Co-autoria

070. Gravura da Sociedade Textil do Sul

Autor desconhecido, 1945 in Caminho do Oriente: Guia do Património Industrial, pág. 80

071. Gravura da Fábrica da Samaritana

Autor desconhecido, 1877 in https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fabrica_Samaritana_Xabregas_ -_Diario_Ilustrado_1617_1877.jpg

072. Planta do Complexo Industrial da Fábrica da Samaritana

Autor desconhecido, 1887 in Arquivo Fotográfico CML

073. Esquema em axonometria da constituição estrutural da Fábrica

Inês Nunes, 2017

074. Esquema em axonometria da evolução volumétrica da Fábrica Co-autoria

075. Fotografia de pormenor do óculo da fachada

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da Fábrica visto por debaixo do viaduto Co-autoria

076. Fachada traseira da Fábrica vista do Beco dos Toucinheiros Co-autoria

077, 078, 079, 080. Vistas interiores possíveis Co-autoria

081. Edifício adjacente à entrada actual do complexo Co-autoria

082. Passagem por baixo do viaduto com o edifício da Fábrica do lado direito Co-autoria

083. Vista do Vale de Chelas até Xabregas Autor desconhecido, 1990 in https://biclaranja.blogs.sapo.pt/2010/09/

084. Desenhos de levantamento Jonh Ruskin, 1855 in The Seven Lamps of Architecture

85. Desenhos de levantamento, Viollet-le-Duc Eugène Viollet-le-Duc, s/d in http://jsah.ucpress.edu/content/76/2/245

86. Catedral de Colónia após a destruição da cidade em 1945, Segunda Guerra Munidal Autor desconhecido in http://histoire-fanatique.tumblr.com/post/30376369492/ itsjohnsen-soldiers-wander-through-the

87. Destruição de Colónia em 1945, Segunda Guerra Munidal

Autor desconhecido in https://www.newhistorian.com/wp-content/uploads/2015/05/Destruc tion-of-Koln-1945.jpg

088, 089, 090. Atwater Kent Radio Factory

Autor desconhecido, 1925 in http://historyinphotos.blogspot.com/2013/05/atwater-kent-radio-factory.html

091, 092, 093, 094. Laboratório da Paisagem, Guimarães

2010, Luís Ferreira Alves in https://www.archdaily.com/284915/landscape-laboratory-cannata-fernande

095, 096, 097, 098, 099. LX Factory, Lisboa Autor desconhecido, s/d in http://www.lxfactory.com/PT/welcome/

100, 101, 102, 103. Estação Ferroviária de Burgos, Burgos Mariela Apollonio, 2016

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in https://divisare.com/projects/348033-contell-martinez-arquitectos-marie la-apollonio-rehabilitation-of-the-old-railway-station-of-burgos

104, 105, 106, 107. Can Fargues, Barcelona

José Hevia, 2016 in https://divisare.com/projects/339461-bammp-arquitectesi-associats-jose-hevia-can-fargues-music-school

108, 109, 110, 111, 112. Museum Langen Foundation, Neuss

Lorenzo Zandri, 2004 in https://divisare.com/projects/382645-tadao-ando-lorenzo-zandri-museum -langen-foundation

113. Centro de Monitorização das Furnas, Aires Mateus

Fernando Guerra, 2010 in https://www.archdaily.com/119676/building-in-lagoa-das-furnas-aires-mateus

114. Xabregas hoje, ortofotomapa Co-autoria

115. Esquema em planta das principais demolições propostas Autor

116. Esquema em planta dos principais atravessamentos propostos Autor

117. Esquema em planta das áreas verdes e bacias de retenção propostas Autor

118. Esquema em planta dos logradouros e horas urbanas propostas Autor

119. Cinco espaços do Plano Urbano

Autor

120. Complexo da Fábrica da Samaritana, proposta

Autor

121. Complexo da Fábrica da Samaritana, proposta em planta

Autor

122. Escada de referência. Estação Ferroviária de Burgos, Burgos

Mariela Apollonio, 2016 in https://divisare.com/projects/348033-contell-martinez-arquitectos-mariela -apollonio-rehabilitation-of-the-old-railway-station-of-burgos

123. Escada de referência

Autor desconhecido, s/d in https://www.pinterest.pt/pin/264868021808328193/

124. Planta do existente, piso térreo

Autor

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125. Elementos estruturais, Fábrica da Samaritana Autor

126. Espaços, Fábrica da Samaritana Autor

127. Naves, Fábrica da Samaritana Autor

128. Programa proposto, Fábrica da Samaritana Autor

129. Betão. Terminal de Cruzeiros, João Carrilho da Graça Fernando Guerra, 2018 in https://jlcg.divisare.pro/projects/389620-lisbon-cruise-terminal

130. Referência das caixas. Escritórios Adémia, João Mendes Ribeiro Nelson Garido, André Cepeda, 2014 in https://joao-mendes-ribeiro.divisare.pro/projects/298885ademia-office-building-and-industrial-warehouse

131. Caixas, materialidades Autor

132. Secção espaço central Autor

133. Referência para divisão de espaços, Escritório Pure

Francisco Nogueira, 2016 in http://www.attitude-mag.com/pt/blog/design/2017-05-13-escritorio-pure

134. Referência elementos leves, Centro de Convívio de Grandola, Aires Mateus.

Nelson Garrido, 2016 in https://divisare.com/projects/345598-aires-mateus-nelson-garrido-meeting -centre-in-grandola

135. Planta piso térreo, volume norte Autor

136. Planta piso térreo, volume sul Autor

137. Referência elevador/monta-cargas industrial

Autor desconhecido, s/d in https://www.archdaily.com/298740/torremadariaga-basque-biodiversity -centre-iab-arkitektura-taldea

138. Planta piso 1, volume sul Autor

139. Planta piso 1, volume norte Autor

142. Referência para cobertura do café/terraço.

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Werkraum-Haus, Peter Zumthor

Autor desconhecido, s/d in http://hicarquitectura.com/2013/09/peter-zumthor-werkraum-house/

143. Estufa Universidade de Coimbra, João Mendes Ribeiro

Autor desconhecido, s/d

in http://noticias.uc.pt/a-renovada-estufa-do-jardim-botanico-da-universida de-de-coimbra-abre-portas/

144. Ritmo. Pavilhão Nórdico em Veneza, Sverre Fehn

Autor desconhecido, s/d in https://www.archdaily.com/784536/ad-classics-nordic-pavilion-in-venicesverre-fehn

145. Rasgo na fachada. Casa dos 24, Fernando Távora

Autor desconhecido, s/d in https://portosentido.blogs.sapo.pt/320659.html

146. Ilustração, entrada. Autor

147. Oliveira suspensa no interior. Restaurante Loco, João Tiago Aguiar

2016, Fernando Guerra, 2006 in https://www.archdaily.com.br/br/806180/ restaurante-loco-joao-tiago-aguiar-arquitectos

148. Ilustração, memória.

Autor

149. Ilustração, estufa. Autor

150. Ilustração, terraço. Autor

151. Enquadramento. La Muralla Roja, Ricardo Bofill

in https://www.archdaily.com/332438/ad-classics-la-muralla-roja-ricardo-bofill

152. Ilustração, caminho. Autor

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001. Waterloo Bridge, Overcast Weather, Claude Monet

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INTRODUÇÃO O presente documento relata um processo de compreensão de um lugar, que actualmente se encontra esquecido e desligado da cidade de Lisboa, e que resulta numa proposta que visa a sua revalorização, de acordo com o seu potencial, por meio da arquitectura. O processo iniciou-se através do desafio lançado na cadeira de Laboratório de Projecto VI: Construir no (e com o) Construído – O Caminho do Oriente: Reabilitar o Património Industrial. Com o objectivo de criar novas centralidades e revitalizar este pedaço de cidade. Algumas passagens e reflexões sobre este extenso território indicaram, à partida, a extrema necessidade que cada um destes lugares, que se percorrem nesta frente oriental de Lisboa, têm de intervenção. Não só como casos individuais, mas também como um todo, que se encontra repleto de vestígios industriais ao abandono e que necessita ser devolvido à cidade. O sítio escolhido foi Xabregas, a Fábrica da Samaritana e o seu complexo industrial. Este lugar destacar-se-ia dos outros pelo seu carácter rural e social, que contrasta com a actual malha industrial em si projectada, como uma manta de retalhos que se desenvolveu conforme as necessidades do momento. A primeira visita ao sítio de Xabregas é como entrar num novo mundo dentro da cidade de Lisboa, os becos e recantos, as azinhagas, as vilas operárias, os edifícios abandonados - que revelam à partida o seu valor histórico e arquitectónico - e o ambiente social, fazem deste lugar um desenrolar de situações arquitectónicas apetecíveis. É importante olhar

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para Xabregas e perceber o que já fez deste um lugar de destaque e o que o torna único para que o possamos devolver como um novo ponto de interesse. Escolhido o sítio e o edifício a intervir, procede-se à compreensão do que este lugar pede e do que lhe está implícito. As hortas ilegais que actualmente existem em Xabregas, aliadas a um interesse pessoal sobre o assunto, apontaram inicialmente uma boa hipótese do que seria o conteúdo programático desta intervenção. A agricultura urbana destacava-se como uma boa aposta para este lugar, pelo seu carácter rural e social, que são características comuns com o sítio. Este tema acaba por se tornar um complemento de um objectivo maior, quando através de uma palestra dos arquitectos NPK na Faculdade de Arquitectura, se aponta para a urgência da continuidade ecológica deste final do Vale de Chelas como o novo corredor verde da zona Oriental. Assim assume-se que à proposta de reabilitação da Fábrica da Samaritana teria de se agregar uma indissociável intervenção urbana que devolvesse a permeabilidade a este lugar. Os espaços verdes urbanos tornaram-se então o principal elemento a ser considerado no presente documento. A proposta urbana assenta num conjunto de decisões e ideias que procuram promover a um equilíbrio entre a necessidade de desobstruir o território e o valor patrimonial que nele está presente. Uma escala mais próxima, debruçada sobre a Fábrica da Samaritana, assenta a proposta de reabilitação, que

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tem em conta o valor do edificado e uma visão criteriosa a que uma reutilização do património está sujeita. Propõe-se assim a sua valorização acrescentando-lhe uma nova função que se adapte à sociedade contemporânea, apelando às relações sociais e à aquisição de conhecimentos que nos levem a melhores opções quotidianas. Esta nova função surge da ideia de, de acordo com as duas programáticas (os espaços verdes urbanos e a agricultura urbana), criar na Fábrica da Samaritana um ponto que unifique os conceitos propostos, possibilitando a sensibilização da temática à população através de actividades participativas. Reordenar e dar uma vivência mais clara a Xabregas, tendo em conta estes dois polos de acção, o património e a estrutura verde da cidade, e a reabilitação da Fábrica da Samaritana, através de um ponto de acção que complementa a proposta urbana e os seus conteúdos ambientais, serão então, muito sucintamente, os principais objectivos da presente proposta. estrutura do documento

O documento desenrolar-se-á em três capítulos, Tema, Território e por fim Oportunidades e Estratégias propostas. No primeiro capítulo, propõe-se compreender um pouco mais sobre a temática que irá ser tratada, de modo a chegar a uma proposta final sustentada e que suporte mais e melhores fundamentos teóricos. O tema da indústria abre o mote, em Lisboa Industrial, para um olhar sobre o desenrolar histórico da

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indústria em Lisboa e o que alterou a forma como a encontramos hoje. Em Lisboa, a história da indústria desenrola-se em grande parte nesta zona oriental, aqui denominada como Caminho do Oriente. Sendo Xabregas um lugar repleto de edifícios industriais devolutos, é importante perceber como e porque é que estes foram aqui implantados e posteriormente deixados ao abandono, após o processo de desindustrialização. Seguidamente, em Espaços Verdes Urbanos tenta-se perceber o que estes implicam nas estruturas urbanas e o quanto é importante que estes espaços façam parte integrante de uma lógica urbana sustentável. É numa perspectiva de clarificação que será abortado este tema, tal como os benefícios sociais a que ele responde. A Agricultura Urbana surge como um complemento ao tema anterior, por ser uma parte integrante de uma cidade sustentável e por ser uma actividade a que lhe é reconhecido actualmente o seu valor e benefício comunitário no meio dos espaços verdes da cidade. No segundo capítulo abordaremos o território. Primeiro numa escala maior, que visa perceber o Vale de Chelas e como intervir nele de acordo com os critérios de paisagem abordados no capítulo anterior. Depois Xabregas, que nos aproxima do final do vale e que é o local de intervenção. É relevante perceber aqui a sua história e as mudanças territoriais, analisando o que foi deixado por todas estas transformações sucessivas. A esta área, que carece de lógica de espaços, de percursos e de intervenção arquitectónica, é proposta a criação de um novo

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ponto de referência para Lisboa. Há que perceber onde e como intervir, de forma a que a proposta urbana vá de encontro com os critérios pretendidos. Em simultâneo, pretende-se que esta valorize e direccione as atenções para o objecto principal da intervenção. Este capítulo culmina com a Fábrica da Samaritana, que também sofreu uma secessão de acontecimentos e acrescentos de edificado que culminaram num edifício diferente da sua primeira versão. Esta cronologia é bastante cativante para uma intervenção que visa a valorização deste construído e do que lhe resta actualmente. No último capítulo começamos com o tema da Reabilitação. Serão abordados o como e o porquê de reabilitar através do estudo de alguns autores relevantes e de um conjunto sucessivo de documentos institucionais que nos apontam algumas normas e visões. Ambos mostram concepções diferentes e complementares passíveis de discussão. Antes da revelação das intenções projectuais, procede-se à apresentação de um conjunto de situações arquitectónicas, muitas delas projectos de reabilitação, que servirão de inspiração e ajudaram no modo de intervir no edificado, Casos de Referência. Finalmente entramos no campo da proposta. Antes de mais é feita uma pequena introdução que explica o culminar de todas as reflexões anteriores num conjunto de intenções. Aqui são explicadas as intenções urbanas assim como o conteúdo programático do edifício principal bem como de todo o seu complexo industrial.

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Por fim a proposta e as intenções nela inerentes. Uma viagem entres escalas, que se inicia pela proposta urbana, passa pelo conjunto edificado e praça do complexo e acaba na proposta de reabilitação da Fábrica da Samaritana. A viagem termina já dentro do objecto com um proposto e desenhado percurso sensorial pelo edifício que leva o visitante a contactar com a cultura ambiental abordada no presente documento.

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002. Jardim da Fondation Cartier, Jean Nouvel

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CAPÍTULO I TEMA


003. Dois guindastes entre o cais de Xabregas, 1961.

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“Suponhamos que o título da minha palestra de hoje não é ‘Preservar monumentos industriais (…)’, mas sim ‘Preservar monumentos religiosos(...)’. Deveríamos pensar de forma diferente? Será que a palavra ‘industrial’ está a condicionar o nosso pensamento, ou estamos realmente preocupados com o destino de todos os monumentos, independentemente do que tenha sido a sua função original? (…) Porque devemos afinal preservar alguma coisa? Por que não demolir ou abandonar tudo sempre que estiver desactualizado?” Kenneth Hudson, 1989

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004. Avenida 24 de Julho, zona industrial, 1905.

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I.01 LISBOA INDUSTRIAL Começamos este enredo por falar no tema primordial que se revela quando olhamos para a zona de Xabregas e, claro, para a Fábrica da Samaritana. A indústria. É importante perceber a história da indústria em Lisboa e como esta invadiu e abandonou a cidade. Abordaremos então a Lisboa Industrial de forma sucinta para que num segundo momento nos possamos focar no Caminho do Oriente, zona característica desta passagem histórica. É maioritariamente com base na colecção de três livros intitulada Caminho do Oriente e nos seus au-tores Deolinda Folgado, Jorge Custódio, José Sarmento de Matos e Jorge Ferreira Paulo, que abordaremos este segundo título. Lisboa, marcada pela sua morfologia tão característica cresceu ao longo de uma história de muitos séculos até aos dias de hoje. A indústria marcou essa história e foi responsável por grandes transformações do território e da paisagem da cidade. Esta transformação da paisagem desenvolve-se, de acordo com Deolinda Folgado 1 – investigadora –, em três períodos industriais. Primeiro a pré-industrialização, marcado pelo uso predominante de energia eólica e hídrica localizada particularmente em anexos de habitações, período que prevalece até finais do século XVII. Depois a manufactura, com a mecanização da produção entre o século XVII e o século XVIII. Por fim, a industrialização que se inicia com a primeira revolução 1. Investigadora, autora da tese A Nova Ordem Industrial – Da Fábrica do Território de Lisboa (1933-1968), do livro Caminho do Oriente – Guia do Património Industrial e de diversos artigos e textos sobre a industria. 005. Evolução da linha de costa de Lisboa na zona oriental (Xabregas ao centro marcada pelos conventos da Madre Deus e de São Francisco de Xabregas e pela Fábrica da Samaritana).

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006. Mapa altimÊtrico de Lisboa. Destaque para os Vales de Alcântara e Chelas.

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007. Mapa hidogråfico de Lisboa. Destaque para os Vales de Alcântara e Chelas.

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008. Implosão da primeira chaminé da antiga Fábrica de Gás junto à Torre de Bélem, 1950.

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industrial e trouxe consigo o ferro e a máquina a vapor e um consequente aumento da produção e dos núcleos industriais. É no período da manufactura que começam a aparecer as primeiras indústrias na cidade. Estas implantam-se em dois dos principias vales da cidade, o Vale de Alcântara e o Vale de Chelas. Estes começam então a ser as principais zonas industriais da cidade por terem características propicias a tal. À data eram zonas com bastante solo disponível, usufruíam de cursos naturais de água – que poderia ser aproveitado como energia hidráulica – e a sua proximidade com o rio ditava uma vantagem por este ser o principal meio de transporte. (Morgado, 2012) Mais tarde no século XIX a indústria continua a alastrar-se de forma espontânea e desordenada nestes lugares com aptidão industrial, fora dos planos urbanísticos da cidade que aqui não deram resposta ao desenvolvimento industrial. Para isto ajudou o período de industrialização Português que trouxe consigo a introdução do caminho-de-ferro – uma conquista ao território do rio Tejo – e a reorganização e expansão do Porto de Lisboa. Nos anos 40 realizaram-se dois acontecimentos que vão desactivar a indústria da zona do vale de Alcântara estendida então até Belém. A Exposição do Mundo 2 Português, serviu de mote para a vontade de tornar a zona de Belém uma zona de usufruto público, com in2. Exposição realizada em Lisboa em 1940 com intuito de enaltecer o Estado Novo e as comemorações das datas de 1140, conquista da Independência do Estado Português, e 1640, Restauração da Independência. 009. Portas da Fundação, Exposição do Mundo Português, 1940. 010. Belém, Fábrica de Gás e Torre de Belém, 1938.

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011. Caminho do Oriente, 1950.

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tuito de enaltecer o Estado Novo e das comemorações das datas de 1140, conquista da Independência do Estado Português e 1640, Restauração da Independência, transformou drasticamente este território. Deixa de ter um carácter industrial pelas construções e ordenamento que este evento deixou e vai empurrar as indústrias para oriente. O outro grande acontecimento foi a criação da Zona Industrial do Porto de Lisboa que foi também instalada a Oriente, pelo mesmo motivo, as indústrias pesadas e poluentes da zona do Vale de Alcântara e Belém foram assim transferidas para a zona oriente da cidade. (Folgado, 1999)

012. Percurso. Caminho do Oriente.

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Caminho do Oriente

“A área oriental da cidade experimentou uma vocação industrial, cujas marcas ficaram traçadas na paisagem, desde a época da expansão. Oficinas, manufacturas, fábricas, chaminés, fornos, grandes conjuntos industriais, bairros operários, trabalho, greves, ideologias da emancipação foram o leitmotiv de espaços urbanos e rurais, acumulando se gradativamente no tecido periurbano.” 3 Durante muito anos a zona oriental de Lisboa esteve esquecida do resto da cidade. Onde inicialmente se desenvolviam quintas, palácios e conventos apareceram as indústrias que se foram apoderando destes lugares de uma forma desordenada. Com o relatado desenvolvimento da indústria em Lisboa, esta zona deixa de se caracterizar por um tecido rural maioritariamente organizado por conventos e quintas de recreio. O Caminho do Oriente percorre então este vasto território esquecido, surgindo como alternativa ao percurso por via do rio. Desenrola-se desde Santa Apolónia até ao Braço de Prata. O carácter rural aqui antigamente existente era proveniente da topografia desta zona. O carácter natural da paisagem, a proximidade ao rio e a existência de praias levaram ao interesse das ordens religiosas, de nobreza, e mais tarde da burguesia. Em 1834, a extinção das or3. FOLGADO, Deolinda; CUSTÓDIO, Jorge; Caminho do Oriente, Guia do Património Industrial; Lisboa: Livros Horizonte, 1999, pág. 8. 013. Gravura de Santa Apolónia e a sua relação com o rio, 1872.

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dens religiosas vai permitir à burguesia adquirir as suas propriedades e assim potenciar a exploração agrícola e iniciar alguns negócios manufactureiros e industriais. (Matos, 1999) Começa assim a transformação industrial desta zona que era agora repleta de edificações de grandes dimensões e bastante solo livre. Este carácter principalmente manufactureiro vem a manter-se até a construção do caminho de ferro, que marca uma mudança clara na indústria em Lisboa e no seu crescimento na zona oriental da cidade. A Linha do Norte 4 contruída em 1856, que numa primeira fase ligava Santa Apolónia ao Carregado e chega ao Porto em 1877, separa, nesta zona do Caminho do Oriente, o rio da população, como uma barreira física e visual que rasga o traçado da ligação da cidade com o rio. Esta construção alimenta o crescimento da indústria e consequentemente um crescimento demográfico desta zona. (Folgado, 1999) Com o crescimento da indústria cresce também a necessidade de habitação, as novas populações rurais vindas de todo o país, emergem numa procura por habitação. Surge assim uma nova tipologia resultante desta emergência, as Vilas Operárias eram então edificadas pelos proprietários das fábricas correspondentes que garantiam assim uma proximidade do trabalhador e um retorno deste investimento através das rendas. 4. A Linha do Norte, principal artéria ferroviária do país, numa primeira fase ligava Santa Apolónia ao Carregado e chega ao Porto em 1877. 014. Armazéns e cais do abastecimento da Fábrica Abel Pereira da Fonseca, anos 30. 015. Instalações da Companhia Industrial de Portugal e Colónias (actual A Nacional), anos 50. 016. Fábrica de Gás da Matinha, 1949.

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Com a já falada Exposição do Mundo Português as indústrias da zona ocidental são então empurradas para aqui, juntamente com as novas indústrias de apoio ao renovado Porto de Lisboa. Na zona do Braço de Prata estavam então a ser instaladas as novas indústrias, mais actuais comparadas com as que já se encontravam abaixo desta zona, como Marvila, Xabregas até Santa Apolónia. Estas novas industriais começam a sobrepor-se às mais antigas com um consecutivo aumentar de vocação industrial tornado este território cada vez mais desfragmentado. O avançar dos tempos trouxe a inevitável decadência destas indústrias e consequente desindustrialização reforçada pelas mudanças económicas do 25 de Abril 5. As indústrias começam a procurar territórios novos afastados da cidade. Um dos factores que levaram a este processo esta relacionado com a autonomia energética das fábricas, que outrora era gerada por fonte hídrica e carvão, que foram substituídas pela energia eléctrica bem como do caminho-de-ferro. Uma desindustrialização sem planeamento da cidade que acabou por deixar edifícios obsoletos e grandes marcas da sua presença. A Exposição Mundial de 1998 6 veio criar um novo pedaço de cidade que foi evoluindo até ao que encontramos hoje sem ligação com Lisboa e principalmente 5. Revolução de 25 de Abril de 1974, movimento político e socal que reninciou o regime ditatorial do Estado Novo. 6. Esposição Internacional em Lisboa com o tema Os Oceanos: um Património para o Futuro, como comemoração dos 500 anos dos descobrimentos portugueses.

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bastante desagregada desta zona intermédia, que ficou assim presa entre dois pólos da cidade. Esta que outrora também terá ficado obsoleta pelas marcas da indústria transformou-se e deixou ainda mais esquecido o resto do Caminho do Oriente. “(…) o processo de desindustrialização da Zona Oriental da cidade, não foi acompanhado de medidas de conservação e salvaguarda de edifícios e de espólios, nem da sua recuperação e reconversão, evitando assim o desaparecimento da imagem industrial de Lisboa, tão importante numa concepção cultural da urbe, tal como o são os palácios, as igrejas, os conventos ou as quintas e alguns elementos do mobiliário urbano e rural.” 7

7. FOLGADO, Deolinda; CUSTÓDIO, Jorge. Caminho do Oriente, Guia do Património Industrial. Lisboa: Livros Horizonte, 1999, pág. 10.

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017. Mudança de paradigma a oriente, Parque das Nações, 2003.

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018. LĂ­mite Urbano, Gabriela Albergaria.

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I.02 ESPAÇOS VERDES URBANOS Os dois seguintes subcapítulos serão abordados numa perspectiva sucinta e objectiva, o tema dos Espaços Verdes na Cidade e, por consequente da Agricultura Urbana, a fim de adquirir uma melhor perspectiva sobre assuntos essenciais de outras áreas do conhecimento. Objectivando assim uma melhor abordagem da proposta projectual final que toca nestas questões, não só a nível urbano como a nível programático e social da proposta arquitectónica. Estas questões serão assim abordadas sempre numa perspectiva de reconhecer os problemas inerentes na proposta. Não obstante a importância da revolução industrial 1 e de todos os avanços científicos e tecnológicos que se verificam nos últimos séculos, actualmente, ao contrário dos anos que se seguiram, assistimos a uma visão diferente do mundo. Gonçalo Ribeiro Telles 2 refere que a humanidade está mais atenta à escassez dos recursos, às extremas diferenças de condições de vida entre populações, à desertificação e aos problemas derivados da poluição. Seguindo então um caminho atento “à justiça, aos valores de espírito, à qualidade de vida e ao respeito pela Natureza.” 3 “O Homem é o centro de todas as mudanças e o gestor dos bens da Natureza dispostos a sua guarda, indispensáveis, não só ao progresso e á justiça, como também a sua própria existência e ainda à 1. Processo de grandes mudanças económico-sociais, que criou a substituição da manufactura pelas produções por máquinas. Iniciado em Inglaterra na segunda metade do século XVII. 2. (1922 - ) Arquitecto paisagista, ecologista e politico português responsável por bases do Plano Director Municipal e de zonas protegidas. 3. TELLES, Gonçalo Ribeiro. Plano Verde de Lisboa: componente do Plano Director Municipal de Lisboa. Lisboa: Colibri, 1997, pág. 15.

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continuação da caminhada, há muito encetada pela Humanidade, no sentido de uma maior dignidade e perfeição.” 4

Proveito Social e Ambiental

Os problemas ambientais têm vindo a ser cada vez mais alvo de atenção nos países ocidentais que se deparam com um aumento da poluição atmosférica com consequência na saúde dos habitantes das principais metrópoles. Também a inactividade física, o stress e os problemas de saúde derivados destes, levam-nos à consciência que o ambiente e neste caso a paisagem, intervêm directamente nestes problemas, melhorando-os. (CMP, 2006). A população torna-se mais humanizada se o contacto com a natureza estabelecer uma relação cotidiana. O ser humano encontra aqui um complemento biológico, que torna a sua vida mais natural e benéfica no meio da urbanidade. “Habitar não deverá ser apenas conseguir a posse de um quarto para dormir e de uma cozinha, mas sim encontrar a possibilidade de espaços e ambientes onde o processo humano de viver seja viável em toda a sua plenitude.” 5

4. TELLES, Gonçalo Ribeiro. A Utopia e os Pés na Terra. Lisboa: Instituto Português dos Museus, 2003, pág. 328. 5. TELLES, Gonçalo Ribeiro. Plano Verde de Lisboa: componente do Plano Director Municipal de Lisboa. Lisboa: Colibri, 1997, pág. 282.

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Frederick Law Olmsted 6, importante arquitecto paisagista, defendia que os parques urbanos serviam de “antidoto para a exposição excessiva aos ambientes artificiais da cidade que causavam tensão nervosa acentuada, ansiedade extrema, disposição agitada, impaciência e irritabilidade.” 7 Olmsted propunha a criação de cenários rurais agradáveis no tecido urbano das cidades, livres de edifícios protuberantes, plantas ornamentais ou cenários artificialmente forçados. A vegetação que assenta no espaço público, não só em parques verdes como simplesmente em ruas, praças e jardins, tem também um papel importante no que toca à configuração destes espaços, através da variação de volumes, de texturas e de cores. As árvores e as plantas melhoram a qualidade do meio ambiente que as envolve, são influencia no controle climático e na purificação do ar. (CMP, 2006) “A pureza do ar e da água continuarão a ser, no entanto indispensáveis a uma vida sã, bem como uma alimentação com base em produtos naturais e frescos. O ruido, o movimento e a luz terão de ser condicionados a valores determinados a tempos intermitentes de repouso. A procura da beleza e poesia continuarão a ser objectivos essenciais da humanidade.” 8

6. (1822-1903) Importante arquitecto paisagista e difusor da área. Célebre por obras como o Central Park em Nova Iorque e o Parque Mont-Royal em Montréal. 7. CMP - Câmara Municipal do Porto. Parque Urbanos e Metropolitanos – Manual de Boas Práticas. Porto: Câmara Municipal do Porto, 2006, pág. 47. 8. TELLES, Gonçalo Ribeiro. A Utopia e os Pés na Terra. Lisboa: Instituto Português dos Museus, 2003, pág. 283. 019. Frederick Law Olmsted, John Singer Sargent.

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020. Poppy Field, Claude Monet.

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do Rural ao Urbano

Na época das cidades rodeadas por muralhas, a proximidade do espaço rural à cidade era tal, que provavelmente nem se falava numa necessidade resultante da inexistência de um contacto próximo do ser humano com os espaços ditos verdes. (Magalhães, 1992) A partir do Renascimento 9 o termo paisagem começa a aparecer ligado à pintura e mais tarde, no século XVII este conceito começa a ganhar mais definição e importância quando, a paisagem rural que era representada nas obras, já não significava só um espaço de produção e trabalho, mas também um espaço de lazer, como se se quisesse oferecer um lugar de recreio aos que já sentiam a necessidade de fugir do ambiente citadino. (Magalhães, 2001) Foi na era industrial, um século mais tarde, que começa a surgir o conceito de espaço verde urbano. Este inicialmente com o objectivo único de recriar a presença da natureza no meio urbano. Por esta se tornar importante para a população rural, que nesta época se mudava do campo para a cidade, onde os centros urbanos aumentavam progressivamente e a cidade se divorciava do campo, consequentemente o mundo rural tornava-se cada vez mais considerado um sítio fechado cultural e socialmente. As extremas alterações que a revolução industrial estabeleceu na maneira como as actividades humanas se apoderam do território, levam a necessida9. Período histórico decorrido entre o século XIV e finais do século XVI, caracterizado por grandes transformações na cultura, sociedade, política, economia e religião.

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021. A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte, Georges-Pierre Seurat.

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de de a controlar através de ordenamento e planeamento à medida que a cidade ia crescendo, atentando então a sua morfologia e a localização dos espaços verdes. A construção de grandes parques urbanos enquanto acontecimento surge então no contexto da emergência do urbano e da cidade industrial. Inicialmente estes espaços tentavam aproximarem-se de espaços naturais e não passavam de pontos de encontro, de permanência ou de passeio. (Magalhães, 1992). Também a então chegada das preocupações com as questões ambientais, principalmente nos finais do século XIX vieram a reforçar a importância da natureza como objecto de culto. (CMP, 2006) Foi assim dado um grande movimento espontâneo que tornou os parques urbanos uma importante prioridade para as grandes cidades, através de um conceito que foi contruído e sintetizado ao longo dos anos a partir de vários modelos simples que davam lógica e definição a este tema. Desde o espaço isolado aos sistemas contínuos, o pulmão verde, o continuum naturale e a paisagem global, foram alguns dos modelos que se destacam, estes representam um desenvolvimento de ideias e passagens históricas em que as decisões tomadas não foram só baseadas em movimentos políticos, mas também em prol do bem-estar dos cidadãos e das condições de vida que cada cidade em questão poderia oferecer. Nas cidades mais industrializadas surge, mais tarde, o conceito de pulmão verde, que consiste num grande espaço vegetal que cumpra o objectivo principal de ter a

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022. Central Park, 1870, Olmsted & Vaux.

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dimensão suficiente para produzir oxigénio numa quantidade que compense a poluição atmosférica produzida nas cidades. Foi em Londres que surgiram os primeiros pulmões verdes, de referência, como o Hyde Park aberto ao público no século XVII e então disponível como recurso geral da população. Seguidamente a este nasceu então a ideia da criação de novos parques, dispersos na cidade de modo a garantir fácil acesso a todos os habitantes, a fim de melhorar a saúde da população que se encontrava em rápido crescimento. (CMP, 2006) Neste conceito nasceram então, os principais parques londrinos e também os chamados bois de Paris. Em Lisboa, cem anos mais tarde, o parque de Monsanto, que dadas as suas más características de estrutura e equipamento era inicialmente um local sem interesse para a população, só nos últimos anos se verifica uma maior afluência de equipamentos e por consequente de pessoas. (Magalhães, 1992) Este grande desenvolvimento em cidades britânicas e em outras cidades europeias realçou a importância da presença dos espaços verdes com uma forma de melhorar a saúde física e mental de cada um e o bem-estar social. Serviram assim de inspiração, não só em termos paisagísticos como de reforma social. 10 Já no início do século XX, as motivações dos conceitos 10. O central Park, projecto de Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux, é um dos maiores exemplos quando se fala de pulmão verde. Este jardim que recebe diariamente dezenas de milhares de pessoas, possui na sua totalidade um conjunto sistemático estratégico de caminhos que permitem o acesso publico aos vários pontos de interesse do parque, destinados a diferentes usos.

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anteriores apontaram para uma nova teoria. O continuum naturale levava a paisagem natural envolvente à cidade. De acordo com este conceito, o verde natural envolvente penetraria na cidade em várias ramificações continuas que assumiriam as várias funções essenciais para o desenvolvimento da cidade, desde espaços de lazer, a espaços de produção hortícola, espaços que integram linhas de água ou que apenas compusessem os edifícios e infraestruturas entre si. Criando assim corredores verdes nas cidades que integrem os espaços verdes, as vias e os percursos de peões. (Magalhães, 1992) Este continuo permite a função e o progresso dos ecossistemas naturais e dos agrossisemas, e assim a estabilidade física do território. (Telles, 2003) Em Portugal o conceito de continuum naturale foi difundido pelo Fransciso Caldeira Cabral 11 a partir dos anos 40. Só em 1987 foi decretado na Lei de Bases do Ambiente como sendo o “sistema continuo de ocorrências naturais que constitui o suporte devida silvestre e da manutenção do potencial genético e que contribui para o equilíbrio e estabilidade do território.” 12 Inicialmente com a pretensão de construir um novo ambiente que resolvesse os problemas já enunciados acabou por se criar irracionalmente ambientes bastante artificiais, que se afastavam dos fenómenos naturais, acentuando cada vez mais uma barreira às periferias e assim o isolamento das pessoas, tanto no interior da 11. (1908-1992) Professor e arquitecto paisagista português. 12. TELLES, Gonçalo Ribeiro. Plano Verde de Lisboa: componente do Plano Director Municipal de Lisboa. Lisboa: Colibri, 1997, pág. 19. 023. Morar, Produzir, Consumir.

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própria cidade, como a relação desta com o campo. O conceito de paisagem global assenta então neste enorme fosso criado entre a cidade e o campo, que quer dar resposta ao contexto da intervenção actual. O objectivo será, servindo os interesses comuns de sociedade, permitir a aproximação das pessoas e dos modos de vida. Para isto o espaço rural e o espaço urbano deverão interligar-se sem que cada um perca as suas características próprias e o seu funcionamento autónomo. Aqui a ocupação do solo, e nomeadamente na expansão urbana, está sujeita a aptidão ecológica e capacidade ambiental de cada lugar. Através de uma interpretação orgânica entre a edificação e o espaço exterior. (Magalhães, 2001) O arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles defende que as cidades devem sempre ser pensadas como um todo, e não repartidas em zonas independentes. Os ecossistemas naturais e os agrossistemas deverão estar na base da definição urbanística e assim criar um ambiente são e o contacto com a natureza, entre a diversidade espacial criada pela conjugação dos contínuos edificado e não edificado. (Telles, 2003) É então que se sugere falar sobre o conceito de Paisagem Global, defendida pelo arquitecto paisagista, que pretende conciliar a paisagem rural e a paisagem urbana, através da criação de um continuum naturale em ambos. Aqui o espaço edificado e o espaço público têm o mesmo valor, os espaços verdes num contexto natural, não são demasiado artificializados, mas precisarão ordenamento e de cuidado humano. Porque homem tende a

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deixar de ser rural ou urbano e passa a abranger os valores culturais de ambos. Actualmente surgem todos os dias provas da importância de um bom planeamento paisagístico e todas elas assentes em argumentos que são os mesmo que eram defendidos em séculos anteriores neste movimento de parques públicos. (CMP, 2006). Até porque a população continua a mudar-se dos campos para as cidades, à procura de mais qualidade de vida, subsistência, melhores salários e mais perspectivas de vida e ascensão social. (Magalhães, 2001) “A cidade sem se destruir e o campo sem se diminuir ou transformar num imenso parque simplesmente decorativo deverão vir a constituir um todo onde o homem do futuro encontrará a sua mais ampla maneira de habitar.” 13 13. TELLES, Gonçalo Ribeiro. A Utopia e os Pés na Terra. Lisboa: Instituto Português dos Museus, 2003, pág. 289.

024. Uma Nova Paisagem, Gonçalo Ribeiro Telles.

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Estrutura Verde

“Uma estrutura é um sistema de transformações que comporta leis enquanto sistema e que se conserva ou se enriquece pelo próprio jogo das suas transformações, sem que estas tendam para fora das suas fronteiras ou façam apelo a elementos exteriores. Uma estrutura compreende assim três caracteres: de totalidade, de transformação e de auto-regulação.” 14 A maneira de concretizar a presença da natureza na cidade será em concordância com uma estrutura verde adequada. Os arranjos paisagísticos, parques, jardins e plantas ornamentais devem ser substituídas por um planeamento generalizado que se baseie na natureza, na cultura e na morfologia da paisagem. Assim percebemos que uma estrutura verde, adequada e concretizada, vai permitir o lazer ao ar livre junto das habitações e estabelecer um conjunto de ramificações de maciços de árvores e prados que vivifiquem a cidade. Esta irá distribuir os espaços verdes pela cidade, resultando então a nível qualitativo e não apenas quantitativo, pois aqui temos em conta critérios de localização, de ocupação e de viabilidade económica de manutenção e das actividades previstas para cada espaço. (Telles, 2003) Podemos ainda referir que dentro desta estrutura verde identificamos duas subestruturas que se complementam entre si: a estrutura verde principal e a estrutura verde 14. Jean Piaget in MAGALHÃES, Manuela Raposo. A Arquitectura Paisagista: Morfologia e Complexidade. Lisboa: Estampa, 2001, pág. 320.

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025. Sistema Verde de Lisboa.

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secundária. A estrutura verde principal desenvolve-se em espaços que estão determinados, pela sua localização morfológica, como espaços com condições ecológicas propicias pelo que dependem do funcionamento ecológico da cidade, independentemente de serem zonas urbanas ou periféricas. Estes espaços deverão ser mais naturalistas, na medida em que consigam suportar a sua função ecológica tal como por exemplo leitos de cheia de linhas de água, grandes maciços de árvores, linhas de cumeada, entre muitos outros, não obstando a sua condição urbana, ou seja, terão de suportar também funções que permitam a sua vivência. No presente documento interessa-nos mais perceber a Estura Verde Principal, pois é esta que se insere na localização da proposta. No entanto, compreende-se pela estrutura verde secundária os espaços verdes que complementam a principal e que são mais próximos das habitações e que envolvem uma utilização diária e dirigira a todas as faixas etárias, com uma função e caracter mais urbano. Ou seja, os espaços pormenorizados que não são relevantes à escala de cidade. (Magalhães, 1992) A estrutura verde é no fundo a generalização dos modelos teóricos abordados anteriormente e é a base de uma estrutura ecológica para a cidade composta por elementos e espaços dispostos de acordo com os ecossistemas naturais e assim equilibrar-se com os espaços edificados e artificiais. Esta baseia-se assim na morfologia, nas circunstâncias e nas necessidades que o espaço urbano suporta relacionando assim os valores da natureza com as vivências urbanas dos nossos dias. 026. Esquema da Estrutura Verde de Lisboa, Gonçalo Ribeiro Telles.

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027. Del Puerto de CaracolĂ­, Gabriela Albergaria.

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A evolução da cidade, ao nível da sua estrutura, é bastante marcada pelas características do sítio, os seus traços naturais e a própria cultura e filosofia de cada lugar, valorizar a história e a expressão urbana da cidade é fundamental. (Graça, 2015) Nas cartas topográficas conseguimos claramente verificar que, os conventos, as quintas, as azinhagas, as pequenas moradias de veraneio, estabilizam uma importante expressão de organização da cidade. Ao contrário de fábricas, armazéns e outros que foram implantados com critérios de acessibilidade e custo, invadindo todo o espaço destinado ao natural. Actualmente Lisboa não é uma cidade desprovida de espaços verdes, contudo estas implantações pouco ecológicas impossibilitaram a cidade de possuir a estrutura coerente que aqui falamos. Grande exemplo disto é o Vale de Chelas que irá ser tratado no presente documento.

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028. Rossio antes do terramoto de 1755. Autor desconhecido.

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I.03 AGRICULTURA URBANA Falemos agora da agricultura urbana, não apenas por esta ser uma das funções dinamizadoras que podemos dar aos espaços verdes da cidade, mas mais uma vez por tudo o que esta beneficia a nível social, cultural e do que esta actividade, praticada ou não, se torna numa consciencialização, por ser tão necessária e próxima de nós. Quando falamos em agricultura urbana falamos numa actividade de proximidade, agricultura que se desenrola no interior ou na periferia de uma cidade, metrópole ou localidade, onde deixa de ser preciso que os alimentos percorram grandes distâncias e assim são consumidos mais frescos e em maior consciência de onde vieram e como foram produzidos. A agricultura de proximidade tem séculos de história e não existe, como hoje, apenas pela razão dos benefícios sociais tão falados, surgiu pela necessidade de o homem consumir produtos frescos quando não tinham a capacidade de os conservares artificialmente como hoje conseguimos. Antigamente em Lisboa, os alimentos consumidos na cidade eram produzidos na periferia, Mafra, Loures, Sintra, entre outros, e eram transportados de madrugada pelos camponeses, muitas vezes em burros e carroças, que produziam hortaliças, leite e outros produtos alimentares para serem comercializados logo pela manhã nos vários mercados da cidade. 1 Segundo Mariana Sanchez Salvador, arquitecta e investigadora, antes do terramoto de 1755, o Rossio era o principal epicentro 1. Eram elas a Estrada de Andaluzes, hoje Rua das Portas de Santo Antão, a actual Avenida Almirante Reis, a Rua de Enxobregas, actual Rua de Xabregas e uma outra que ia ao longo do rio em direcção a Alcântara. 029. Mercado da Ribeira Nova, Lisboa. 030. Mercado levante de Xabregas, 1939.

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031. Agricultura urbana biolรณgica em Lisboa.

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desta venda de produtos que chegavam pelos caminhos que ainda hoje conseguimos identificar, que ligam o centro histórico da cidade à, na altura, região saloia. Nesta altura, e durante muitos anos, a cidade abastecia-se a si própria através destes produtos e destas áreas de produção extremamente férteis que hoje pertencem à área metropolitana de Lisboa. Como refere Leonel Fadigas 2, Arquitecto Paisagista, todas as cidades nascem em solos férteis pela sua conveniência, o problema é que estas “crescem matando o solo que as alimentava”. 3 Lisboa transformou-se à medida do seu crescimento sem um respeito pela natureza e pela a sua morfologia, e a maneira como se foi abastecendo também mudou, hoje os produtos alimentares que compramos podem vir de qualquer parte do país ou do mundo, podendo demorar meses a chegar ao local onde os adquirimos. Não existe ainda um controlo nem um rastreamento que nos faça perceber ao certo o impacto que este percurso dos alimentos tem, e isto acontece porque o foco e a eficácia da produção estão apontados para o produtor e não para o consumidor. Hoje compramos os nossos produtos alimentares de acordo com o que é mais barato e está mais à mão, sem sabermos de onde vêm e como foram produzidos e comercializados. Enquanto consumidores deixámos de valorizar um produto que é essencial à nossa existência. (Público, 2018) O futuro passa também pelos dxesafios da alimenta2. Arquitecto paisagista e urbanista português, um dos responsáveis pela elaboração da Lei de Bases do Ambiente. 3. Leonel Fadigas in https://www.publico.pt/multimedia/interactivo/alimentacao-na-cidade#o-abastecimento-das-cidades.

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032. Hortas da Quinta da Granja, Benfica.

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ção das cidades. É impensável pensar que a cidade de Lisboa se possa abastecer a si própria, mas a questão é melhorar os circuitos existentes actualmente. A periferia tem um enorme potencial, e dentro da cidade os espaços expectantes, os vazios, os espaços verdes e hortas urbanas são o principal foco de uma mudança que torne a cidade o mais produtível e sustentável possível. Hoje existem em Lisboa dezassete parques hortícolas, insuficientes, pois existe mais procura que oferta. As hortas urbanas surgem como uma estratégia vantajosa para a população e para o território e são vistas como uma actividade que contribui beneficamente para o bem-estar da população e até para a economia, ultrapassando assim uma dimensão exclusivamente alimentar.

033. Parques Horticolas em Lisboa. Relevante mancha na zona do Vale de Chelas. 034. Hortas urbanas do Vale de Chelas. 035. Hortas urbanas na zona sul do Birro do PRODAC. 036. Hortas da Quinta da Granja, Benfica.

Em Lisboa as hortas urbanas estão inseridas, desde 2007 nos planos e nas estratégias de desenvolvimento da cidade, podendo variar as especificidades e objectivos de cada conjunto dependendo da parte da cidade onde se inserem, são desde hortas sociais e comunitárias (funcionam como terapia ocupacional e integração social, em terrenos com aptidão agrícola e propostos no PDM, para a população mais desfavorecida e de faixas etárias inactivas), hortas de recreio (servem de lazer e contacto com a natureza, localizadas também em terrenos com aptidão agrícola e propostos no PDM e ocupam a população inactiva), hortas pedagógicas (funcionam como educação ambiental a pessoas e entidades com interesse na ligação com a terra) ou hortas dispersas (estão localizadas em terrenos públicos expectantes), hortas de

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interior de quarteirão e parques hortícolas. (CML, 2018) É de referir que a proximidade da horta à habitação é um factor importante, devido à maioria dos horticultores não o serem a tempo inteiro, a distância só comprometeria a continuidade da actividade, esta pode aumentar rendimentos familiares e melhorar problemas de inclusão social e ajudar numa melhor qualidade de vida. Os alimentos maioritariamente produzidos para autoconsumo representam então esta ajuda financeira e no caso de pequenas explorações entre horticultores, quando há excesso de produção, conseguem facilmente vendê-lo em mercados locais, a preços mais acessíveis. As hortas urbanas são a actividade mais afamada, mas existem felizmente muitas outras iniciativas a decorrer na cidade, desde os mercados que estão a ser actualmente revitalizados, aos inúmeros projectos que se encontram em desenvolvimento, até à produção de alimentos em zonas menos convencionais, como em infra-estruturas industriais em desuso e em coberturas e com técnicas como a agricultura hidropónica e aquapónica. 4 (Público, 2018). Todos seguem o mesmo rumo. A proximidade faz com que todos estes assuntos se tornem mais claros e acessíveis. Sobre qualquer assunto se há um distanciamento há uma desresponsabilização. O objectivo aqui é a consciencialização. De certo modo recuperar o conhecimento perdido, a ligação à terra e ao que ela nos dá e assim cada um de nós ser capaz de tornar as nossas 4. Estas não necessitam de terra e têm capacidades de produção maiores e mais rápidas. Hidropónica – as plantas cresem através de uma solução de água e nutrientes. Aquapónica – ultiliza peixes e plantas juntos num ecossistema em ciclo.

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cidades mais resilientes e sustentavelmente produtivas. “Não temos a capacidade de destruir o planeta, mas temos a capacidade de destruir as características que este planeta tem para albergar vida. Não há sociedade nem economia se não houver ambiente.” 5 A percepção que agora se impõe em relação a estas problemáticas dá o mote para aquilo que será a intervenção programática urbana e do edificado. A existência de agentes e de grupos que desenvolvam estas problemáticas e as suas relações com a cidade e com quem a habita é essencial para que haja um desenvolvimento consciente e consequentemente benéfico para todos. É neste sentido que será proposta a componente da investigação e inovação científica que toca nestes assuntos da eficiência ambiental no meio urbano e preservação dos recursos naturais aliado à componente social, tenta-se a consciencialização através da participação da população em actividades e em atitudes do dia-a-dia. Assim criar um pequeno ponto que desenvolva boas soluções para o futuro, não só para o Vale de Chelas, repleto de oportunidades, como para a cidade de Lisboa, contribuindo para boas práticas ecológicas.

5. COELHO, Alexandra; MOUTINHO, Vera in https://www.publico.pt/multimedia/ interactivo/alimentacao-na-cidade# 037, 038. Antigo Mercado de Xabregas, 1967.

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CAPÍTULO II TERRITÓRIO


039. Sistema Verde do Vale de Chelas, Gonรงalo Ribeiro Telles.


II.01 O VALE A fim de fortalecer um pensamento estruturado e claro para o desenvolvimento da proposta há que, primeiramente desenvolver um conjunto de retóricas sobre o território em questão. Perceber o seu desenvolvimento morfológico ao longo dos tempos, a sua história e o papel urbano e social dos elementos que constituem a sua paisagem. Lisboa, como já foi dito é marcada pela sua topografia, a cidade “nasceu no cume e nos flancos de um abrupto monte que domina a margem do tejo” e é marcada pelos seus austeros vales. (Carrilho, 2012) A topografia de vale é propicia a que as características das suas terras dêem lugar à vida rural e à agricultura. Um vale é definido por áreas em cotas baixas delimitadas por colinas. Os solos férteis, a vegetação e os cursos de água que normalmente os formam fazem destas zonas as primeiras a serem habitadas. O Vale de Chelas não é excepção. Encontra-se hoje como um território fragmentado, composto por espaços verdes soltos e sem carácter e por zonas de edificado pouco coerentes e que muitas vezes são barreiras físicas que impedem a função ecológica ao vale que se procura devolver. Mais uma vez, Gonçalo Ribeiro Telles, no seu documento de referência Plano Verde de Lisboa 1, caracteriza os diferentes espaços pertencentes à estrutura verde de Lisboa definindo-lhes a sua identidade pessoal e incluí o Vale de Chelas no Sistema Colinar Voltado ao Tejo como uma das unidades da paisagem urbana. Mais de1. O Plano verde de Lisboa foi aprovado em 1993 como componente do Palno Director Municipal.

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040. Esquema dos Sistemas Naturais da Paisagem, Gonรงalo Ribeiro Telles.

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talhadamente e no que vai de encontro a morfologia da estrutura verde, o Vale de Chelas está inserido no Sistema Continuo de Vales e Corredores Radias e por sua vez, Xabregas está adjacente já ao Sistema Ribeirinho. Entende-se por Sistema Continuo de Vales e Corredores Radiais aquele que deverá ser um conjunto de espaços verdes articulados de forma continua criado um seguimento que assente na administração de um território ecologicamente equilibrado. Ainda no mesmo documento, o autor orienta para os espaços verdes inseridos neste sistema para desempenhar funções produtivas e recreativas, como quintas de recreio e produção, hortas, jardins, entre outros. Para além de algumas que se impõem enquanto parte integrante de um sistema verde continuo, ou seja, desempenhar funções de protecção, através de cortinas de vegetação para a estabilização de taludes e protecção de linhas de água, funções que permitem estabilizar o clima, desenvolver brisas, fixar poeiras e proteger certas zonas de ruídos. (Telles, 1997) As várias transformações que este território sofreu ao longo de séculos de história deixaram-no como o encontramos hoje, desconectado da cidade e de si próprio, como uma manta de retalhos, principalmente ao aproximarmo-nos do rio, onde encontramos um lugar à parte da cidade e da frente ribeirinha. Sendo um vale é importante como já vimos devolver-lhe o carácter natural, desobstruindo os terrenos de implantações que já não têm uso, interesse e que já não fazem sentido em prol do novo objectivo. Esta desobstrução e consequente permeabilização vai permitir que o vale reencontre a

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041. Viaduto de Chelas, sobre as ruas Gualdim Pais e de Cima de Chelas, 1910.

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sua função de ventilação da cidade, as brisas que vêem do rio sobem pelo eixo do vale renovando o ar quente da cidade e aliados a vegetação cria aqui um microclima mais húmido e com temperaturas mais baixas. O Vale de Chelas é também uma das três mais importantes bacias hidrográficas de Lisboa. Aqui construiu-se sem uma leitura da natureza e em zonas que deviam permitir a infiltração das águas. Xabregas tem vindo a dar vestígios deste problema com as fortes inundações que sofre de tempos a tempos, pelo que é essencial pensar em estratégias de retenção, direccionamento e consequente aproveitamento da água, porque já que temos este recurso à disposição ele poderá ajudar na produtividade do vale. “Se caísse chuva torrencial durante um certo período de tempo e principalmente se coincidisse com a preiamar, antecia-se que vinha ai uma enxurrada.” 2 Apesar da proposta urbana do presente documento ser focada apenas na zona de Xabregas, já um território bastante extenso, é também de interesse referir que no início do vale a norte já existem espaços verdes que são usados como parques hortícolas. O parque hortícola do vale de chelas surgiu também de uma necessidade de requalificar esta zona onde já existiam hortas precárias e ilegais. Aqui encontramos 224 talhões dotados de casas de arrumos e água disponibilizada para rega. Para além das hortas dispõem de espaços de recreio, um quiosque

042, 043, 044. Inundações em Xabregas, 1946. 045. Inundações em Xabregas, 2010.

2. FURTADO, Mário. Do Antigo Sítio de Xabregas. Lisboa: Veja, 1997.

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e casas de banho públicas. (CML, 2018) Recentemente foi aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa o Programa de Reabilitação Urbana ARU – Vale de Chelas que, com referência ao PDM em vigor e ao Estudo de Viabilidade do Corredor Oriental, propõe algumas iniciativas que promovem este potencial ecológico. Dando especial atenção ao final do vale, aponta para a sua renaturalização, aumentando as áreas permeáveis e os sistemas de fluxos naturais. Tornando esta zona num espaço de elevado valor paisagista e propicio a actividades económicas locais. (CML, 2012) A regeneração proposta relata ter em conta não só o carácter ambiental como a salvaguarda do património existente no vale, sendo que engloba os seguintes objectivos: “Regeneração dos conjuntos edificados viáveis, salvaguardando a sua utilização habitacional adaptada aos padrões actuais (vila Dias, Amélia, Emília e Flamiano)”; –

“Manutenção da maioria dos ocupantes residenciais, eventualmente por recuso a novas unidades de alojamento”; – –

“Introdução de equipamento de bairro”;

“Estruturação do espaço público, em articulação com o Bairro do Grilo e com o Bairro Madre de Deus”; – –

“Renaturalização do Vale de Chelas”:

“Valorizar, do ponto de vista ambiental, o segundo vale mais importante da cidade, viabilizando o troço jusante do “corredor oriental” da estrutura ecológica municipal e a sua articulação com –

046. Antigo Paço de Xabregas, entre 1900 e 1945.

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o “arco ribeirinho”, pela renaturalização e libertação de solos e recorrendo às demolições necessárias”; “Promovera reconversão de usos, revitalizando funcionalmente a área, de forma integrada com a estrutura verde a implementar”; –

– “Valorizar

o património paisagístico e cultural existente”;

“Regularizar e reordenar as hortas urbanas em socalcos, complementarmente aos espaços verdes de recreio e enquadramento”; –

– “Restaurar

a rede de acessibilidades”;

“Enquadrar e programar o desenvolvimento da rede de acessibilidades de escala local e geral, com incidência neste território”. –

O território reflecte sempre matrizes das civilizações que por la passam, deixando as suas marcas de conquista cultural, que muitas vezes se reflectem da tipologia e estruturas viárias do território que por sua vez tem muito a ver com a demografia de cada lugar. (CMP, 2006). A localização privilegiada, a oportunidade ecológica do vale e o carácter rural e diferenciador ainda hoje presentes, já foram factores de grande interesse. Hoje é necessário voltar a olhar para este lugar com foco nas suas características únicas, de modo a pensar na melhor estratégia de o inserir e devolver à cidade. e pensar a forma de o devolver à cidade.

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047. Antiga Fรกbrica de Tabacos de Xabregas, 1859.

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“Repare-se desde logo que os pontos de referência tradicionais da Zona Oriental – como Xabregas ou Marvila - se localizam na parte baixa da confluência do rio com os vales mais acentuados que penetram para o interior, escoamentos naturais de uma produção fundamental para a subsistência paredes-meias de uma grande cidade. Alguns desses vales corresponderiam a esteiros fluviais de dimensão variável, corno sugere a ampla abertura em Xabregas do Vale de Chelas, um dos locais de mais antiga ocupação nesta Zona Oriental.” José Sarmento de Matos, 1999

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048. Ortofotomapa de Xabregas, sĂŠculo XX.

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II.02 XABREGAS Olhando agora para o final do Vale de Chelas, encontramos o sítio de Xabregas e lugar da presente intervenção. Como já foi contextualizado este pedaço da cidade no início da sua ocupação foi marcado pela fertilidade dos seus solos e consequentemente pela ocupação dos seus terrenos pela agricultura. A paisagem e a proximidade que esta tinha com a cidade foi despertando o interesse da corte torando-se um dos lugares mais procurados nos arredores de Lisboa. Assim foi progressivamente ocupado e surgiram as quintas de recreio, os palácios, as hortas e pomares e os cais acostáveis, neste território pertencente à coroa agrícola de Lisboa antiga. Aqui já podíamos observar a frente nobre que foi desenvolvida entre os séculos XV e XVI, constituída pelo Convento de São Francisco de Xabregas e o Convento de Madre de Deus, que culminavam na praia do tejo ali existente. Mantendo-se sem grandes alterações até ao início do século XIX. (Morgado, 2012) Nesta época já encontrávamos marcada a actual Estrada de Chelas, azinhaga que durante séculos era a principal via de atravessamento do vale em direcção ao rio. “A Estrada de Chelas, longa desde o convento até à Estrada de Circunvalação (hoje Avenida Afonso III), era essa via por excelência. No último quartel do século passado, através dela circulavam ainda os carros com as frutas e os legumes produzidos nestas quintas, de permeio com multidões de operários laboriosos, que demandavam as fábricas aqui sedia049. Estrada de Chelas como percurso de vale, Carrilho da Graça.

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050. Praia de Xabregas, 1942.

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das. Abundavam, então, as hortas e os pomares, tão cuidados, viçosos e verdejantes que era um regalo contemplar o vale de alturas circunvizinhas.” 1 Em 1755, devido ao terramoto 2, é então marcada uma mudança com a destruição de grande parte dos edifícios nobres. A indústria começa a surgir, ainda que com um carácter manufactureiro, e é reforçada com a extinção das ordens religiosas em 1834 em que os bens destas foram adquiridos pela burguesia que aqui começa a implantar pequenos negócios principalmente de exploração agrícola e instalar as primeiras fábricas nos antigos edifícios religiosos e palácios. Anos depois é inaugurada a Linha do Norte, que foi o próximo despertar da indústria no Caminho do Oriente e para que Xabregas se torna um local industrial e comercial privilegiado. Para além do grande meio de transporte via rio as indústrias tinham agora um meio terreste que as suportava. O viaduto de Xabregas, uma obra notável de arquitectura ferroviária, deixou para trás a frente ribeirinha do Convento da Madre de Deus e criou uma grande barreira na relação de Xabregas com o rio. (Folgado, 1999) Esta relação vem a quebrar-se por completo com a construção do Porto de Lisboa e a sua expansão no século XX, impulsionadas por este desenvolvimento industrial. Acabando assim o privilégio do espaço público ribeirinho e à Praia da Marabana, bastante apreciada pelos operários das fábricas desta zona.

051. Rua de Xabregas e viaduto, 1968. 052. Viaduto de Xabregas, 1938. 053. Descarrilamento de comboio à saída do túnel de Xabregas, 1914. 054. Confronto entre o Palácio dos Marqueses de Nisa, adjacente ao Concento Madre de Deus, com a estrutura do viaduto.

1. FURTADO, Mário. Do Antigo Sítio de Xabregas. Lisboa: Veja, 1997, pág. 18-19. 2. Terramoto e maremoto que destruiu a cidade de Lisboa em 1755.

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055. Azinhaga Beco dos Toucinheiros, 1940.

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As indústrias dos têxtis, das moagens e dos cereais foram as primeiras a fixar-se aqui. Ao longo da história destacam-se a Tinturaria Portugália, fundada em 1785, a Companhia de Fiação de Tecidos Lisbonense, instalada em 1838 no Convento de São Francisco de Xabregas, a Companhia de Fabrico de Algodões de Xabregas, de 1857, a Fábrica de Fiação e Tecidos Oriental, em 1888 e a Fábrica de Fiação e Tecidos de Lã Ignácio de Magalhães e Bastos & Cia, em 1893. (Ferreira, 1995) Aliadas as fábricas surgiram as vilas operárias, como já vimos pela emergência da habitação associada aos operários fabris, ainda hoje presentes neste território. Surge em 1887 a primeira vila (ao que se sabe) edificada por uma só companhia, a Vila Flamiano, para alojar os operários da Fábrica da Samaritana, financiada pelos primeiros proprietários da mesma, com uma área de habitação e logradouro para alojar os operários. Em 1888 é construída a Vila Dias, destinada aos operários das várias fábricas do vale. (Vieira, 1993) Ambas têm características muitos singulares das antigas vilas operárias, habitações colectivas com pouco espaço que estão contruídas viradas para uma rua central e rodeadas por muros ou vedações. Actualmente neste território retalhado que cresceu conforme as necessidades de cada momento, encontramos claras evidências deste passado. Podemos verificar na sua morfologia a existência de dois importantes eixos, fundamentais para a compreensão do lugar. A Rua Gualdim Pais, que veio substituir, como via principal de 056. Beco dos Toucinheiros na cota mais alta, 1938. 057. Vila Dias, década de 1910. 058. Arco de entrada para o Beco dos Toucinheiros.

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059. Venda de peixe no Largo do MarquĂŞs de Nisa.

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060, 061 e 062. Mapas de Xabregas actual.

atravessamento do vale, a Estrada de Chelas em 1933, e a Estrada de Xabregas, que outrora se percorria junto ao rio marca hoje o percurso denominado como Caminho do Oriente. Estas marcam a estrutura do sítio em que as edificações surgem associadas à Rua Gualdim Pais como a principal frente de rua. O cemitério das fábricas

“…a edifícios esgotados nas suas funções, por vezes arruinados ou muito deteriorados, e também a amplas superfícies de terrenos que perderam a sua razão de ser, abandonados e, quando possível à espera de novos destinos.” 3 O processo de desindustrialização em Xabregas criou, naturalmente um ciclo de transição, agora o cemitério das fábricas (Pereira, 2007) possui uma elevada desqualificação urbanística com um grande potencial de revitalização. Em oposição, a intervenção urbana do Parque das Nações transformou esta antiga zona industrial de uma forma drástica, sem considerar pré-existências, um processo de “tábua rasa”, que apesar de drástico revitalizou uma zona da cidade que não se repercutiu para o resto da zona oriental. As zonas de Braço de Prata, Marvila e Xabregas pouco se alteraram.

usos do edíficado comércio restauração devoluto/sem uso serviços equipamento habitação

estado de conservação do edificado devoluto mau médio bom

Xabregas está hoje repleta de edifícios devolutos, fábricas e armazéns degradados, habitações com poucas ou 3. GUIMARÃES, Carlos, in A Arquitectura da Indústria, 1925-1965, Lisboa: Fundação Docomomo Ibérico, 2005, pág. 57 e 58.

altura do edificado devoluto grande médio pequeno

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063. SĂ­tio de Xabregas, vista vale. 064. SĂ­tio de Xabregas, vista rio.

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nenhumas condições e vazios urbanos que contribuem ainda mais para o abandono desta zona. É também importante referir para a percepção social e para o entendimento da proposta programática, a existência de uma quantidade significativa de hortas urbanas ilegais que resultaram de uma apropriação voluntária de terrenos na sua maioria por parte de habitantes das vilas operárias. Todos estes pontos reflectem-se no ambiente social aqui vivido. No INE 2011 (Instituto Nacional de Estatística) podemos verificar um decréscimo na população em relação a 2001 em que mais de metade tem uma idade superior a 65 anos. Habitam aqui essencialmente famílias carenciadas, sem-abrigo, estudantes e idosos. Alguns dos edifícios de valor patrimonial foram ao longo dos anos apropriados para diversas associações e grupos criados pelos residentes para sem-abrigo e toxicodependentes. O mercado de Xabregas, caído em desuso foi recentemente convertido num equipamento de ensino. A escola Ar.Co está actualmente instalada neste edifício depois de terem sido realizadas obras.

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065. Miradouro junto Ă Vila Dias.

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066. Túnel da linha de comboio visto através da passagem de nível. 067, 068. Escadinhas de acesso ao Beco Amorosa.

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069. Fรกbrica da Samaritana hoje, inserida no seu complexo.

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II.03 FÁBRICA Contamos agora o possível sobre o elemento principal da presente intervenção com base em visitas ao local, fotografias através de um drone (por não ser possível aceder ao interior do edifício) e com base nas obras: Arqveologia e História; Do Antigo Sítio de Xabregas; Esta Lisboa – As Aldeias de Lisboa e Operários de Lisboa na Vida e no Teatro. Xabregas apresenta hoje um vasto património industrial e nele destacamos agora a Fábrica da Samaritana e o seu núcleo industrial. É à entrada do vale e junto às linhas férreas do Leste e do Norte que encontramos o Pátio do Black, como é conhecido, e nele o edifício da Fábrica da Samaritana que se destaca pela sua volumetria, com um volume central, onde se salienta a lógica e ritmo das fachadas característicos dos modelos espaciais mais avançados à época das fábricas inglesas, que remata nas duas extremidades com acrescentos industriais em volumes mais baixos e que suportam duas chaminés, símbolos da era Paleotécnica. 1 “Importante marca industrial da cidade, com uma história de relevo. Destaca-se pela sua volumetria e pela presença de duas chaminés de tijolo e organização espacial. O edifício principal caracteriza-se pela sua arquitectura industrial com paralelos na Inglaterra e França.” 2 Alexander Black e John Scott fundaram, em 1854, a 1. Era ligada à primeira revolução industrial devido ao surgimento da máquina a vapor e dos meios de transportes a vapor. 2. FOLGADO, Deolinda; CUSTÓDIO, Jorge. Caminho do Oriente – Guia do Património Industrial, 1999, pág. 77. 070. Gravura da Sociedade Textil do Sul, 1945. 071. Gravura da Fábrica da Samaritana, 1877.

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072. Planta do Complexo Industrial da Fรกbrica da Samaritana, 1887.

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Companhia de Fabrico d’Algodões de Xabregas, uma das primeiras unidades maquino-factureiras da cidade, que laborou entre 1857 e 1951. Ficando mais tarde conhecida como Fabrica da Samaritana, por antigamente existir a Fonte da Samaritana perto deste local, ou Fábrica do Black, pela denominação do seu principal fundador que foi também arquitecto e engenheiro do edifício. A participação de Black na obra da Fábrica de Santo Amaro, da Companhia de Fiação de Tecidos Lisbonense, entre 1847-49, revela-se determinante, tendo este edifício servindo de referência para o novo que aqui se propõe. Funcionando inicialmente apenas como unidade de fiação, nesta estavam previstas também tarefas de tecelagem, tinturaria e calandragem do algodão. Nesta altura a fábrica era volumetricamente metade de como a conhecemos hoje e empregava 140 a 150 pessoas, em que dois terços eram jovens e crianças. O edifício que se destaca por ser um dos primeiros exemplos de estrutura em ferro em Portugal, era constituído por três pisos e um volume independente a sul. No primeiro piso funcionava a casa das caldeiras e a respectiva chaminé e os restantes albergavam os teares e engenhos de fiação. Este volume principal media 36 metros por 21 metros e era bastante dotado de luz natural graças aos seus 108 vãos distribuídos ritmadamente pelas 4 fachadas e pelos 3 pisos. Estruturalmente o edifício era composto por pilares 073. Esquema em axonometria da constituição estrutural da Fábrica. Inês Nunes

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074. Esquema em axonometria da evolução volumétrica da Fábrica: 1857, 1897 e actual.

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de ferro e vigas de madeira, que formam três naves em cada piso, paredes portantes de alvenaria de pedra e tijolo e pavimentos de madeira. As coberturas de 4 águas, assentes numa estrutura totalmente de madeira, desenvolviam-se a cada um vão com excepção dos dois últimos vãos a sul. Aqui a cobertura, também assente numa estrutura de madeira, correspondia a dois vãos e é composta por 4 águas e um lanternim. Neste pedaço a estrutura que compõe os pisos é também diferenciada do restante, sendo que os pavimentos são compostos por abobadilhas de alvenaria de tijolo suportadas por carris metálicos. Em 1877, a Companhia laborava com grande dinamismo, até que se dá o primeiro grande incêndio sobre o edifício. Apesar da tragédia o edifício e o complexo foram rapidamente reconstruídos e potenciados, graças ao elevado valor do seguro recebido devido ao desastre. Nesta nova fase foram introduzidas novas capacidades como a tecelagem mecânica, fazendo crescer o edifico para norte. Ao volume principal foi agregada uma extensão projectada à semelhança do corpo antigo inicial e ainda um novo volume de remate a norte que funcionaria como nova casa das caldeiras juntamente com uma nova chaminé. Passou assim para um total de 108 metros de comprimento, tal como a conhecemos hoje. O complexo começa aqui a desenvolver-se conforme as necessidades da Companhia, dando força a um conjunto de edifícios que ainda encontramos hoje e que se relacionam entre si de forma muito peculiar no Beco dos Toucinheiros. 075. Fotografia de pormenor do óculo da fachada da Fábrica visto por debaixo do viaduto. 076. Fachada traseira da Fábrica vista do Beco dos Toucinheiros.

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077, 078, 079, 080. Vistas interiores possĂ­veis da fĂĄbrica.

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Mais tarde, todo o complexo existente em 1929 foi adquirido por Abílio Nunes dos Santos e o seu irmão Joaquim que vão torná-lo na Sociedade Têxtil do Sul, sociedade ainda hoje proprietária do complexo. De acordo com os Inquéritos Industriais de 1881 e 1890, o auge de produção desta indústria ocorreu em finais do século XIX. Nesta época eram aqui empregados 513 operários e 213 teares que trabalhavam com os 120cv produzidos pelas duas máquinas que existiam em cada topo do edifício. Numa nova data, em 1948, dá-se novamente um grande incêndio no edifício. Este, que flagra na parte mais a norte do edifício da Fábrica da Samaritana, acaba por ditar o término de produção industrial neste complexo. Encontramo-lo hoje em estado avançado de degradação, ocupado por pequenas oficinas que se instalaram em parte do edifico principal e de outras pontualidades do complexo. Hoje este conjunto edificado torna-se essencial para a regeneração do Sítio de Xabregas, os edifícios que foram criados para complementar a actividade da fábrica dão força ao edifício da Fábrica da Samaritana e criam um conjunto edificado de enorme valor patrimonial e potencial interventivo. A reactivação deste núcleo como um equipamento multifuncional com forte carácter publico e social irá criar aqui uma nova centralidade e um ponto de referência da cidade. Não se pretende só chamar novas pessoas, mas também integrar e melhorar as condições das que já aqui habitam. 081. Edifício adjacente à entrada actual do complexo. 082. Passagem por baixo do viaduto com o edifício da Fábrica do lado direito.

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083. Vista do Vale de Chelas atĂŠ Xabregas e as suas chaminĂŠs, 1990.

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CAPÍTULO III OPORTUNIDADES E ESTRATÉGIAS



III.01 REABILITAÇÃO Atentamos no tema da reabilitação no sentido do porquê e como reabilitar. As oportunidades que encontramos em edifícios devolutos e de que forma agir sobre eles. Dentro deste propósito, interessa-nos focar o Património Industrial, pois é nele que assenta a intervenção e irá ditar o foco da proposta de reabilitação. “A reabilitação surge como uma possibilidade concreta de reutilizar as arquitecturas, a estrutura e os elementos construtivos dos edifícios antigos, adaptando-os a necessidades e exigências de uso contemporâneas, mas evitando ao máximo a perda dos seus valores estéticos, históricos, arquitectónicos e urbanísticos essenciais.” 1 Um edifício devoluto ou em estado de degradação pode traduzir uma imagem de abandono, instabilidade e até mesmo perigo. Isto contribui para uma desvalorização que se pode alastrar para toda a zona envolvente ao mesmo. Em Xabregas podemos verificar um conjunto muito significativo de edifícios abandonados ou em elevado estado de degradação, com consequências no modo como as vivências urbanas aqui se desenrolam, como já foi relatado. Perante estes edifícios e/ou zonas urbanas podemos apontar uma grande oportunidade de regeneração e assim não só melhorar as infra-estruturas, como au1. PINHO, Ana; AGUIAR, José; PAIVA, José Vasconcelos. Guia Técnico de Reabilitação Habitacioal – Volume 1, 2006, pág. 20.

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mentar a oferta de serviços e equipamentos, bem como estruturar o território e a qualidade do espaço urbano. Uma reabilitação de um elemento significativo funciona como um eixo motor de regeneração que alarga à cidade. Os núcleos urbanos mais antigos reflectem o passado, muitas vezes de séculos de transformações. A introdução de novos elementos e ou novas funções apontam para o futuro com as oportunidades que temos no presente. O passado é fulcral para percebermos a essência do lugar e como ponto de partida para uma nova intervenção. Cada elemento urbano foi criado num contexto, numa causa, e quando queremos intervir nele é importante que este passado não seja descaracterizado, coexista com o presente e garanta harmoniosamente uma presença activa no futuro. Esta dualidade entre o novo e o velho cria bastantes perguntas e inquietações. É importante referir que não existem respostas certas e consensuais, existe sim um conjunto alargado de reflexões que nos orientam a cada decisão de projecto e que ajudam a desenvolver a sensibilidade nas questões de reabilitação. Estas decisões deverão apontar sempre para a preservação da memória e do valor do edificado bem como ajustá-los a um futuro de novas vivências e memórias. O conceito de património surge no renascimento associado a todo o tipo de criações que tinham ligações ao passado e assim algum significado cultural. Presume-se

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que a base do significado de património que conhecemos hoje surge com a revolução francesa, associado aqui à protecção e nacionalização, visto terem sido destruídos sucessivamente edifícios e obras de arte da igreja e da monarquia. São por este tempo tomadas então as primeiras medidas de salvaguarda do património, o monumento passa então a constituir uma identidade simbólica de cada nação. (Choay, 2011) No século XIX, Alois Riegl 2, historiador, através da obra O Culto Moderno dos Monumentos dá enfase à distinção entretanto adquirida entre monumento e monumento histórico, em que se reconhece algo que é edificado com o intuito de ser admirado e preservado (monumento) e aquele que é criado com um intuito próprio e que tem de ganhar importância histórica para que ganhe este estatuto (monumento histórico). Enquanto isto, de entre críticos e contemporâneos que se interessavam por esta salvaguarda, podemos aqui destacar alguns dos mais historicamente relevantes. Camillo Boito, John Ruskin e Viollet-le-Duc são destacados por Françoise Choay 3 por desenvolverem, por esta altura, das primeiras ideologias que podemos hoje usar, devido a sua contemporaneidade temática, como base de futuras decisões do âmbito do restauro, reabilitação e conservação. Em Inglaterra, John Ruskin (1819-1900), escritor, historiador e critico de arte, tem um papel importante em 2. (1858-1905) historiador de arte da Escola de Viena de História de Arte. 3. (1925-) historiadora francesa e professora de urbanismo e arquitectura, autora de obras relevantes sobre o património.

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084. Desenhos de levantamento, Jonh Ruskin.

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085. Desenhos de levantamento, Viollet-le-Duc.

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meados do século XIX como grande defensor da preservação de monumentos. Defendia a conservação da arquitectura pois era esta o único meio de manter vivo o passado que reflecte a nossa identidade. Ruskin ganha um papel precursor com a sua obra Sete Lâmpadas da Arquitectura onde, num contexto social e laboral, critica o restauro, justificando que este seria inatingível e assim uma hipocrisia. A autenticidade do edifício teria de ser alimentada ao longo do tempo através da manutenção da imagem original de modo a perlongar-lhe também o seu tempo útil. Em oposição a Ruskin, encontramos em França, Viollet-le-Duc (1841-1879), arquitecto e teórico, que defende a essência do edifício. Este considera que se deverão recuperar as formas perdidas ou inacabadas - ou mesmo demolir eventuais acrescentos - com as técnicas actuais à época, de forma a atingir um ideal do edifício. Ou seja, fazia-se socorrer de incansáveis levantamentos e registos para o reconstruir ao mesmo tempo que procurava as falhas que no seu ponto de vista não correspondiam à identidade do edifício e corrigia-as no encontro ao ideal do estilo. Muitas vezes a sua intervenção resultava numa obra totalmente distinta da existente e até com outra função que ia de encontro à ideia de o conceder ao usufruto da sociedade contemporânea. Por último é de referir, Camillo Boito (1835-1914), arquitecto e historiador italiano, que em relação às últimas duas teorias, tenta resolver os conflitos entre elas, acabando com o seu ponto de vista por estabelecer pontos para a primeira legislação italiana sobre a salvaguarda de

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monumentos. Refere-se ao restauro como algo científico em que se deve valorizar todos momentos de intervenção num edifício, ao contrário das teorias anteriores. A reabilitação do património deveria estar direccionada para a glorificação do mesmo, acrescentando-lhe uma nova camada, melhorando assim a sua leitura histórica. “Apesar do conceito de reabilitação supor um respeito pelo carácter arquitectónico do edifício, opõe-se ao restauro que implica um retorno ao estado original (…)” 4 François Choay, que aborda estes assuntos nas suas obras sobre o Património, refere que a Revolução Industrial desenvolve a consagração do monumento histórico, pois esta viria a reflectir uma mudança muito significativa nos modos de vida urbanos. A consciência desta mudança despertou nos críticos e nas populações um saudosismo e consequente interesse pelos tempos passados e pela preservação patrimonial. É no século XX que os conceitos do património começam a ser descritos em documentação a nível internacional. Analisamos então alguns dos mais relevantes ao longo dos anos até aos dias de hoje. Em 1931 surge o primeiro documento para a preservação e conservação do património. A Carta de Atenas resulta da Primeira Conferência Internacional para a Conservação dos Monumentos Históricos, traz pensamentos inovadores reactivos a um abandono das res4. TOUSSAINT, Michel. Arquitectura Ibérica, Reabilitação #36. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2011, pág. 04.

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086. Catedral de Colónia após a destruição da cidade em 1945, Segunda Guerra Munidal. 087. Destruição de Colónia em 1945, Segunda Guerra Munidal.

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tituições integrais. Em detrimento do restauro, vem privilegiar a manutenção dos edifícios através da sua conservação e ocupação. Jorge Custódio, investigador e autor do livro Caminho do Oriente: Guia do Património Industrial, caracteriza o Património Industrial como uma criação do Património Cultural que está ligada ao período de grande mudança após a Segunda Guerra Mundial5. A perda de edifícios fabris de enorme relevância bem como edifícios colectivos, como grandes estações ferroviárias, originou uma consciencialização da perda e importância deste tipo de património. As alterações aceleradas e em grande escala marcadas por este tipo de eventos têm como consequência tempos de discussão e alteração de paradigmas. A reacção crítica a este evento específico irá resultar na Carta de Veneza de 1964, que foca a conservação dos monumentos e lugares de Veneza. “A noção de monumento histórico compreende a criação arquitectural isolada assim como o lugar urbano ou rural que tem em si o testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico.” 6 As cartas resultam de debates organizados por órgãos com interesse pelo património criados por incentivo da UNESCO. Como é o caso do ICOMOS – Concelho 5. Conflito militar global entre 1939 e 1945. 6. Conferência de Veneza. in As Questões do Património, Antologia para Um Combate. Lisboa: Edições 70, 2011, pág. 31.

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088, 089, 090. Atwater Kent Radio Factory, 1925, FiladĂŠlfia.

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Internacional de Monumentos e Sítios. É sob alçada deste organismo que irá surgir o TICCIH – The International Committee for the Conservation of The Industrial Heritage – trata-se de uma organização pertencente ao ICOMOS que trata desta camada do património. Embora a Segunda Grande Guerra tenha constituído um marco de mudança de mentalidade, só em 2003 com a Carta de Nizhny Tagil, através do TICCIH, encontramos o primeiro documento dedicado em particular a este tema. “O património Industrial só nasce quando a função termina. Não é uma coisa do passado. Assume uma condição de herança, já que na sua construção, pensa-se em algo que perdure para o futuro.” 7 O património, ligado à industrialização, tornou-se com o tempo e com vontades um importante testemunho da história, quer a nível da própria indústria quer da arquitectura contruída que a suportava, estes testemunhos passam valores arquitectónicos, tecnológicos, sociais e de transformações culturais. A desindustrialização deixou uma paisagem pós-industrial rica em património edificado e conjuntos urbanos de interesse cultural e histórico. “O património industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitectónico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, 7. Jorge Custódio em aula aberta na manutenção militar, 18 março 2016.

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fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram actividades socias relacionadas com a industria, tais como habitações, locais de culto ou educação.” 8 É, este documento, de grande relevância, pois para além de nos dar uma definição de património industrial e dos seus valores, orientamos para a importância da percepção e do levantamento sobre o ou os objectos a intervir e a sua protecção, manutenção e conservação. É oportuno referir também uma outra carta elaborada pelo ICOMOS em 1987, a Carta Internacional para a salvaguarda das Cidades Históricas. A Carta de Washington que define os princípios e objectivos, bem como os métodos e instrumentos para a valorização e salvaguarda no que diz respeito “às cidades grandes ou pequenas e aos centos ou bairros históricos, com o seu ambiente natural ou edificado, que (…) expressam os valores próprios das civilizações urbanas tradicionais”. 9 O testemunho que é deixado por estes vestígios de história apresentam-se como oportunidades de revitalização urbana, através de intervenções que procurem a valorização funcional, social e económica por meio de uma proposta que mantenha e reforce a identidade e o valor de cada lugar. (Lopes, 2004) 8. TICCIH, Carta de Nizhny Tagil sobre o Património Industrial, 2003. 9. ICOMOS, Carta de Washington, 1987.

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“A arquitectura é o único meio de que dispomos para conservar vivo um laço com um passado ao qual devemos a nossa identidade e que é constitutivo do nosso ser.” 10

10. CHOAY, Françoise. Alegoria do Património. Lisboa: Edições 70, 2017, p. 147.

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III.02 REFERÊNCIAS ARQUITECTÓNICAS Seguidamente será apresentado um conjunto de situações e objectos arquitectónicos que serviram de referência para a proposta edificada da Fábrica da Samaritana. Cada exemplo terá a sua particularidade dentro da inspiração que deles se absorveu. O Laboratório da Paisagem em Guimarães, ao contrário dos restantes, foi fulcral para uma clarificação do conteúdo programático e das dinâmicas do edifício a reabilitar. O Lx Factory impõe-se como referência pela sua semelhança directa com o complexo da Fábrica da Samaritana. Aqui foi procurado o estudo das relações entre edifícios e de apropriamento de espaços. Na Estação Ferroviária de Burgos foi perceptível a relação material dos novos elementos com a pré-existência, o uso do metal e a relação da estrutura adicionada com os diversos espaços. Assim como a forma da organização e espaços. No edifício do Can Fragues foi tido em conta o tratamento da pré-existência, assim com o equilíbrio de cores e texturas entre o novo e o antigo. Por fim, o Langen Foundation aparece como referência para a caixa de vidro que será proposta no edifício fabril, a sua relação com os elementos exteriores e os interiores.

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091, 092, 093, 094. Laboratรณrio da Paisagem, Guimarรฃes.

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LABORATÓRIO DA PAISAGEM, GUIMARÃES CANNATÀ & FERNANDES

2010 sendo os objectivos:

“Promover uma eficiente utilização dos recursos naturais. Caracterizar os principais parâmetros associados à qualidade ambiental, promover a sua monitorização e interpretação, bem como a definição de um quadro de actuação preventivo;

O edifício fabril do Laboratório da Paisagem surge como referência de reabilitação de património industrial. Passa depois para importante referência prograPreservar a biodiversidade e a sustentabilidade mática do edifício da presente proposta. dos ecossistemas. Reforçar o conceito de estrutura Este serviu para a clarificação das dinâmicas, funções e verde para a cidade e sua envolvente, gerando conobjectivos da ideia inicial do conteúdo relativo aos usos tributos para o processo de gestão e planeamento do espaço; do edificado. O Laboratório da Paisagem, situado na margem do Rio Selho, faz parte de um projecto de revitalização desta zona. O edifício comporta um conjunto de espaços, que promovem o conhecimento, a inovação e investigação de práticas relacionadas com o desenvolvimento sustentável do concelho de Guimarães. Fazem parte da dinâmica: Gabinetes de investigação (em três áreas, ecologia, geografia e hidráulica); espaços de trabalho e um centro de documentação; espaço expositivo destinado a exposições temporárias ou permanentes e com capacidade para actividades participativas e de experimentação; sala multiusos; salas de reuniões e espaços complementares de apoio a eventos variados.

Promover campanhas de sensibilização e consciencialização. Incentivar um papel mais interventivo dos cidadãos na defesa da qualidade do ambiente natural e construído; Analisar as dinâmicas paisagísticas. Com base numa abordagem transdisciplinar, promover a compreensão dos processos de transformação da paisagem, e o desenho de visões criativas no uso e apropriação de espaços e lugares. Estudar soluções promotoras de eco-eficiência dos sistemas urbanos. Com base numa visão holística, promover a investigação e a inovação, promovendo a sua sustentabilidade e resiliência. Incentivar o desenvolvimento de projectos inovadores. Criar um ambiente favorável à prossecução de projectos de experimentação prática e conceptual, contribuindo para sociedades mais inclusivas e ecológicas.

Este edifício e o que ele suporta visa um reconhecimento activo na população em volta de melhores práticas, Promover novas fileiras económicas. Estimular cidades mais sustentáveis e inclusivas.

a sustentabilidade e o crescimento económico, fomentando a criação e a incubação de novas fileiras empresariais na área agrícola, florestal, alimentar, energética e ambiental.”

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095, 096, 097, 098, 099. LX Factory, Lisboa.

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LX FACTORY, LISBOA

MAINDIDE INVESTMENTS (PROMOTOR)

2007

O complexo fabril, antiga Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense (que se transferiu de Xabregas para Alcântara em 1848), é hoje ocupado por empresas, indústrias criativas e comércio. Criou-se aqui um pólo de arte, criatividade e cultura que hoje é um atractivo na cidade de Lisboa. O complexo suporta um forte ambiente industrial. Não teve, no entanto, uma proposta arquitectónica concreta de reutilização. As empresas e outros ocupantes apoderam-se de espaços e foi mantido praticamente tudo como estava, resultaram apenas algumas alterações pontuais conforme as necessidades. À semelhança do complexo da Fábrica da Samaritana, a LxFactory encontrava-se repleta de edificado ao abandono. Hoje, reocupada, envolve um conjunto bastante diversificado de artes, culturas e actividades que fazem deste ambiente industrial um ponto de referência cultural da cidade.

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100, 101, 102, 103. Estação Ferroviária de Burgos, Burgos.

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ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE BURGOS, BURGOS CONTELL - MARINÉZ

2016

A reabilitação do antigo edifício da estação prima por tentar recuperar a sua essência através dos novos elementos. A relação física e visual entre as peças novas e a pré-existência contrastam na materialidade. Actualmente abriga espaços de lazer e tempos livres destinados a crianças e jovens. Através de uma reinterpretação da concepção espacial do antigo conjunto arquitectónico foram adicionados novos elementos para que pudesse suportar o novo uso. A partir de um eixo linear o edificado divida-se programaticamente e espacialmente em duas alas e um corpo central que suporta comunicações verticais e serviços, permitindo o acesso e uso de diferentes áreas através desta concentração de instalações.

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104, 105, 106, 107. Can Fargues, Barcelona.

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CAN FARGUES, BARCELONA

BAMMP

2016

O edifício suporta uma escola de música que se desenvolve em torno de uma torre medieval. Este espaço é protagonista no desenho do edifício e ao mesmo tempo é articulador dos espaços que o rodeiam. A reabilitação respeita ao máximo a pré-existência, tanto no exterior como nos interiores. Os espaços na pré-existência resultaram ao longo dos anos de sucessivas intervenções que resultaram numa desordem de espaços. A reabilitação visa a conectividade de todos eles em torno da torre. A configuração da torre como ruína relacionada com a cor rosada do reboco na pré-existência, os cinzentos do betão e as cores das madeiras, resultam numa harmonia de ambiências, tanto nos espaços interiores como nos exteriores.

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108, 109, 110, 111, 112. Museum Langen Foundation, Neuss.

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MUSEUM LANGEN FOUNDATION, NEUSS TADAO ANDO

2004

A obra de Tadao Ando trata de uma relação arquitectónica entre o interior e exterior, o peso e a leveza, a solidez e a transparência. Através de uma caixa de vidro e aço que envolve um bloco de betão. Com o objectivo de unificar a arte e a natureza, chega-se ao edifício através de um percurso que nos leva a ele e ao lago onde parte dele se apoia. O involucro de vidro que cobre o edifício cria uma relação entre os reflexos exteriores da natureza e o interior. Ao estilo arquitectónico de Tadao Ando o volume de betão suporta, ao longo do edifício as áreas do museu que são rodeadas por outra área voltada para o exterior e para a natureza.

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Propor um futuro que lembra o passado



“O melhor meio de conservar um edifício é o de lhe encontrar um emprego.” 1 O presente documento tem agora como proposta final a reabilitação do edifício da Fábrica da Samaritana e do seu complexo industrial, aliada a uma indissociável proposta urbana. Tudo o que foi anteriormente abordado irá resultar numa proposta que assenta num pensamento consciente sobre o valor patrimonial dos edifícios tratados e do que estes poderão dar de novo e compensador para o sítio de Xabregas, não só no contexto social que esta zona carece, como no de dar a Lisboa um novo ponto atractivo e uma nova visão da zona oriental. A proposta urbana visa uma renaturalização do Vale de Chelas no sítio de Xabregas e a reabilitação do complexo fabril funciona como um complemento a este carácter ambiental. Um parque urbano representa muito mais que aquilo que ele fisicamente é. Este deverá ser um elemento de agregação e coesão social, que alia todas as funções ambientais nele impressas, pela vegetação ou em elementos urbanos, com espaços que possibilitem um usufruto mais funcional de quem o poderá habitar. (CMP, 2006) Como tal, o proposto deverá adquirir a componente ecológica de vale através de uma desobstrução das áreas impermeáveis, de estratégias de retenção e direccionamento de águas e da implantação de elementos 1. Viollet-le-Duc in CHOAY, Françoise. As Questões do Património, Antologia para Um Combate. Lisboa: Edições 70, 2011, pág. 31.

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113. Área de intervenção e Centro de Monotorização das Furnas, Aires Mateus.

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vegetais que integrem e apoiem esta componente. Para além disto deverá assumir uma componente funcional que se adeqúe ao sítio, ao carácter social do mesmo e seja apelativo a novos usuários. As hortas urbanas já existentes no sítio são claramente uma pista para uma aposta funcional e por todas as vantagens e benefícios anteriormente abordados. Inserida neste parque encontramos a Fábrica da Samaritana que irá assumir uma funcionalidade baseada em duas vertentes simbióticas, a investigação - desenvolvimento e monotorização - e a divulgação - consciencialização. Qualquer território humanizado precisa de estar sob salvaguarda e manutenção através de alguma entidade que lhe forneça uma direcção útil e económica para que possam subsistir. A ideia é instalar no edifício fabril um grupo de profissionais e investigadores que desenvolvam questões relacionadas com o desenvolvimento urbano sustentável, com foco no Vale de Chelas e neste novo torço, mas também com a possibilidade de promover novos projectos para Lisboa. Em complementaridade com estes espaços, que irão ser na generalidade gabinetes e laboratórios, será proposta uma zona de produção hortícola apontada para o desenvolvimento da temática da agricultura na cidade como ponto de referência, de produção e de experimentação. Esta aparece no edifício em forma arquitectónica de estufa como símbolo e marco deste complemento do vale. Neste sentido o edifício da fábrica desenvolve a investigação, a inovação e a monotorização dos espaços verdes na preservação da sua biodiversidade e da sua função

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enquanto estrutura verde, a sua gestão e planeamento. Aliado ao planeamento de uma divulgação à população através da implementação de projectos participativos, workshops e eventos adequados a um alcance ambiental e de qualidade de vida. Tão ou mais importante que a componente falada anteriormente será a componente social e cultural do edifício. O que se pretende aqui é a criação de um ambiente que fortaleça o seguimento de práticas e conceitos relacionados com o ambiente e que promova uma sociedade mais inclusiva e ecológica. Para além dos espaços propícios a isto é criado um percurso expositivo pelo edifício que termina num pequeno observatório voltado ao vale, uma zona de workshops e uma estufa que ao mesmo tempo que funciona como produção está aliada à componente de workshops e de investigação. Aliado à Fábrica estarão alguns dos edifícios que se tornaram relevantes para dar força a um dinamismo de praça e de espaço público aqui pretendidos. Espaços de restauração, espaços de trabalho, entre outros que darão a este lugar uma vivência mais activa e participada que incentiva as relações sociais ajustadas à vivências contemporâneas e às suas novas questões.

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114. Xabregas hoje, ortofotomapa.

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III.03 ESTRATÉGIAS URBANAS “Embora não seja bem verdade, não sinto que estejamos bem em Lisboa. Para mim, é assim romântico, dá espaço para imaginar, não há aquela coisa da cidade em que já sabes como é que é tudo: tens as casas, as ruas, os transportes, as lojas, está tudo organizado. Aqui não, está tudo muito desorganizado e isso permite-te recuar até outro tempo, até outras maneiras de viver. Não é por acaso que as pessoas dizem que sentem que estão no campo quando vêm até aqui. E estamos a dez minutos do Terreiro do Paço de transportes.” 2 A seguinte proposta urbana é feita numa perspectiva de desobstrução e posterior organização urbana com vista à renaturalização do vale de acordo com todos os critérios descritos anteriormente. O plano urbano e as propostas de edificado que lhe pertence tratam-se de uma proposta individual que resulta também de um conjunto de debates e conclusões abordadas com mais dois colegas, o Ricardo e o Francisco que se propuseram ao mesmo desafio. Primeiramente foi importante uma clarificação do edificado. Dentro desta densidade e desordem perceber o que realmente poderá ter valor e o que poderá ser demolido em prol deste novo objectivo, como armazéns, anexos e acrescentos. Para que depois possamos proceder ao desenho de uma mancha verde que qualifique este lugar. 2. Entrevista a morador. in O que é que Xabregas tem? BI_SOL, 2016. in https://sol.sapo. pt/artigo/500840/lisboa-o-que-e-que-xabregas-tem-. Consultado a Janeiro de 2018.

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115. Esquema em planta das principais demoliçþes propostas. 116. Esquema em planta dos principais atravessamentos e precursos propostos.

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A Rua Gualdim Pais, a Rua de Xabregas e a Avenida Infante Dom Henrique, por serem os eixos estruturantes do sítio, são repensados e adicionado estacionamento e tecido arbóreo de modo a uma melhor inserção no parque. Sendo a Rua de Xabregas proposta com uma predominância pedonal. Para as azinhagas é proposta também uma clarificação de modo a valorizar estas artérias tão características. A pesada estrutura do viaduto constitui actualmente um enorme obstáculo. São então desenhados dois atravessamentos Um em direcção ao Convento da Madre de Deus, de forma a potenciar este equipamento cultural, o outro permite o atravessamento da Rua de Xabregas para a parte superior do vale, visto que as aberturas actualmente existentes terem predominância viária, há necessidade de criar um atravessamento focado no peão. É também objectivo privilegiar os transportes públicos, o andar a pé e de bicicleta. Por isto aliado aos percursos pedonais que serão propostos no parque urbanos são implantadas novas paragens de autocarro e uma ciclovia que percorre o parque. Dentro destes percursos pedonais é de extrema importância a ligação entre as duas encostas do vale, de forma a vencer as diferentes cotas. Usufruindo das diferentes cotas, sempre que seja propicio, serão instalados pequenos pontos de permanência em cotas altas. Pequenos miradouros onde seja possível apreciar este novo elemento natural na cidade, ou outras perspectivas do sítio. O novo parque aqui proposto desenrola-se desde o

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117. Esquema em planta das åreas verdes e bacias de retenção propostas. 118. Esquema em planta dos logradouros e horas urbanas propostas.

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cruzamento onde se inicia a Estrada de Chelas a norte, como uma continuação do corredor verde do Vale de Chelas. O parque percorre Xabregas através de uma continuidade verde até à avenida que faz o limite do Porto de Lisboa. Este conjunto de espaços verdes englobam áreas de uso misto, recreio e produção, onde são implementadas técnicas naturais que resolvam e aproveitem o potencial hídrico do vale. Nas cotas mais baixas são propostas quatro bacias de retenção distantes entre si e ligavas por sistemas de tubagem subterrânea, ao longo do parque para potenciar a sua função. Nas zonas adjacentes às bacias, são propostos prados biodiversos e vegetação ripícola por serem estabilizadores dos cursos de água e dos nutrientes e sedimentos. Nas cotas mais altas e de maior declive é proposta uma densidade maior de tecido arbóreo. As hortas são introduzidas nas zonas intermédias através de um sistema de socalcos de modo a vencer as diferenças de cotas e terem um maior aproveitamento das componentes do solo. São, em complemento, propostos pequenos tanques alimentados pelos cursos de água. Para além das hortas, são acrescentados logradouros em algumas habitações, de modo a responder aos anexos e outros tipos de construção que foram removidos com o propósito de clarificação e aumento da área premiável do vale. É possível fazer uma divisão de identidades para esta proposta de parque urbano (fig. 119). No primeiro es-

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paço junto à Avenida Infante Dom Henrique encontramos o espaço verde do conjunto com o carácter mais livre e de lazer. Aqui situa-se a última bacia do curso de água e logo também a maior. Estes espaços assumem um reforço lúdico e cultural para o Convento de São Francisco de Xabregas e o Convento da Madre de Deus. Encontramos aqui um edifício actualmente abandonado em que se propõe que sirva de parque de estacionamento de apoio ao parque. Do lado oposto é proposto um novo edifício, um café que componha arquitectonicamente este espaço verde. 119.

Na seguinte zona encontra-se a praça que contém o conjunto arquitectónico proposto e que se prolonga ao nível do pavimento, até á entrada do Museu do Azulejo, com a intenção de ligar de certa forma estes espaços. Esta será retractada mais à frente. Noutra área situada, onde actualmente existem hortas ilegais pertencentes à Vila Dias, é proposto um parque de hortas. É reordenado este conjunto de talhões de modo a dar-lhe o carácter de continuidade do parque verde e não só de uma zona de hortas. Adjacente a este encontramos numa nova área um espaço com um tecido arbóreo mais denso por se situar numa cota mais alta e menos acessível, e neste é proposto apenas um caminho pedonal/ciclovia. Por fim aquele que é o maior troço deste parque urbano assume um carácter lúdico, de passeio, de desporto e também de produção. Aqui encontramos alguns edifícios de apoio, como o antigo balneário onde se propõe

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a sua antiga função como apoio ás hortas e actividades desportivas. Para o edifício da Fábrica da Tinturaria o actual PDM propõe para esta zona a criação de um centro desportivo, é oportuno então que este aqui se instale. É proposto a norte da Fábrica da Tinturaria um novo edifício que substitua o centro de apoio aos sem abrigo existente actualmente. Este edifício propõe-se no alinhamento com o edifício fabril de modo a minimizar a interrupção do fluxo permeável do parque.

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120. Complexo da Fรกbrica da Samaritana, proposta.

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III.04 ESTRATÉGIAS ARQUITECTÓNICAS a praça e o núcleo arquitectónico Olhamos agora para a praça, o centro desta proposta urbana. De acordo com a análise feita aos edifícios do complexo foram mantidos todos aquele que de alguma forma preenchem-se critérios de estado de conservação, de valor patrimonial e da intensão de proporcionarem a este lugar o carácter de praça. Para além do arco do viaduto que dá a entrada a sul na praça, foram mantidos os dois primeiros edifícios. Estes são importantes num ponto de vista de fechar a praça a sul e de nos direccionar de encontro a ela. Num encontramos um ponto de informação do vale e segurança do complexo. No outro encontramos um espaço de arrumos que apoia um mercado levante que é proposto que aconteça nesta praça. Este mercado poderá por exemplo servir também como ponto de venda e troca de produtos produzidos nas hortas do parque. Seguidamente poderemos distinguir dois espaços, o espaço central da praça, encontramos a entrada principal da fábrica e um dos seus cafés voltado à praça, e o que se encontra nas traseiras da fábrica. O desenho do espaço central e dos edifícios que o suportam, pretende criar uma dinâmica de praça que complemente as vivências do parque urbano. Para isto é proposta a reabilitação dos edifícios que fecham a praça a funcionar como três restaurantes em dois deles que se desenrolam em dois pisos e que se alastram em esplanada para a praça. Atrás destes encontra-se a Vila

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121. Complexo da Fรกbrica da Samaritana, proposta em planta.

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Flamiano. Esta vila está voltada para uma rua própria. É neste sentido que se pretende criar uma espacialidade diferente entre a praça e habitação, através de muros. Ao fundo, ainda na fábrica, situa-se a peça do observatório, na sua subida poderemos aceder à azinhaga do Beco dos Toucinheiros. Já fora desta, encontramos uma ligação pedonal à escola Ar.Co por meio de uma cobertura ajardinada que esconde um estacionamento de apoio ao complexo. No espaço traseiro à fábrica é proposta a reconversão do edifício existente como a administração do complexo. Alinhado com este desenrola-se um novo edifício que suporta vários espaços que possam ser alugados como ateliers ou oficinas que substituam as que hoje aqui encontramos em edifícios precários. Ainda neste espaço encontramos um pequeno beco por baixo do viaduto, entre os seus pilares. Este espaço com potencial de pequena zona de convívio é proposto um novo edifício que suporte uma cozinha comunitária para que possa ser usufruída pelos habitantes de Xabregas e para convívios entre a comunidade. Para reforçar estes laços e facilitar acessibilidades, é criada uma escada que ligue este espaço, a praça e a fábrica, à cota de cima da azinhaga do Beco dos Toucinheiros, onde encontramos a Vila Dias. Serão estes espaços dotados de árvores que, ao mesmo que oferecem sombras aos usos da praça, vêm no seguimento do ambiente do proposto parque urbano, aliada a um desenho de pavimento sóbrio e direccional. 122. Escada de referência. Estação Ferroviária de Burgos, Burgos. 123. Escada de referência.

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a fábrica Chegamos ao objecto principal de toda a intervenção que terá uma atenção redobrada no que toca às questões do seu valor histórico e arquitectónico. Ao trabalhar um novo programa num edifício que foi erguido a fim de outros usos e costumes é de extrema importância que não se perca o foco de que esta intervenção se trata de uma reabilitação consciente, que tenta aproveitar ao máximo aquilo a que o edificado existente se propõe, de modo a que este nunca perca a sua identidade. É oportuno então começar por descrever aquilo que foi o ponto de partida e o tipo de abordagem que foi tida em conta ao longo de todo o processo arquitectónico. lógica, estrutura e memória

Depois de perceber a pré-existência é proposta a adição de elementos arquitectónicos que permitam a nova utilização funcional do edifício, em conformidade com a história, a lógica arquitectónica e a estrutural espacial do mesmo.

124. Planta do existente, piso térreo.

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O ritmo do edifício, dos seus vãos e da sua estrutura é talvez o ponto mais identitário destes espaços e do todo. Uma vez que, principalmente nos dois polos centrais existem somente as fachadas principais. É proposto então repor o ritmo industrial característico, através de uma nova estrutura metálica que se desenvolve em cada vão e que irá, sempre que possível, ficar á vista, para que seja totalmente perceptível esta característica organizacional.

125. Elementos estruturais, Fábrica da Samaritana.

O edifício é composto por dois volumes, o norte e o sul. A fim de marcar esta diferença de data quase imperceptível pelo exterior, o conjunto edificado separa-se formalmente e estruturalmente através de um núcleo central, que marca a entrada do edifico e ao mesmo tempo o divide programaticamente, sem que nunca haja uma separação total ao longo dos três pisos existentes e propostos. Agregados a estes existem em cada topo duas excepções compostas por dois vãos - também perceptíveis apenas no interior do edifício - que na proposta serão também, de certo modo, excepções a nível funcional, pois as largas paredes que aqui existem constituem uma

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barreira entre os volumes centrais e o restante edifício. Estas assumem sempre zonas distintas, mas complementares ao que lhe é adjacente. Nestas duas excepções a componente estrutural assume um caracter mais comprimido. No topo norte é aproveitada a estrutura e lajes já existentes e no topo sul é proposta uma malha metálica á vista mais apertada de acordo com o ritmo do anterior. Na mesma lógica programática estarão também os acrescentos norte e sul que irão adquirir um carácter mais exterior e público, no sentido de serem complementos programáticos do edifício da fábrica e ao mesmo tempo da praça e do espaço público proposto. Aliado a isto são propostos dois acessos verticais nos dois topos da fábrica com um carácter lúdico, enquanto suportam dois elementos que dão força à temática programática do edifício, um observatório e um reservatório de água.

126. Espaços, Fábrica da Samaritana.

Marcado o ritmo transversal do edifício, atentamos agora aos dois eixos longitudinais. Estes dois eixos anteriormente dividiam o edifício em 3 naves distintas. Na presente proposta estes traduzem-se em dois cor-

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redores marcados pelo alinhamento de dois dos vãos centrais da antiga fachada norte do primeiro volume do edifício. Estes permitem a permeabilidade horizontal de cada piso, assim como um atravessamento visual que permite a percepção da totalidade do mesmo até ao exterior.

127. Naves, Fábrica da Samaritana.

É de extrema importância esta percepção do antigo e do que foi adicionado, por isto todos os elementos estruturais estão desligados das fachadas principais e, sempre que o programa proposto o permita, cada espaço será o mais aberto possível para que possamos ter a percepção plena do ritmo e carácter industrial do edifício por completo. A nave central é aquela que tira pior proveito deste ritmo e da luz, e indo de encontro ao que foi dito anteriormente. Aqui são implantados os espaços de serviço, as circulações verticais, os arrumos, as instalações sanitárias e este tipo de espaços que, pelo seu carácter, tenham uma menor necessidade de luz natural. São instalados nesta zona central, com uma identidade de caixas que interrompem estes espaços em todos os pisos e permitem assim uma circulação mais livre e acessível.

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128. Programa proposto, Fรกbrica da Samaritana.

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materialidades e pormenores

A escolha de materialidades para a reabilitação da fábrica procura apresentar uma forte ambiência industrial característica da memória e identidade do edificado. Os materiais escolhidos apresentar-se-ão sempre que possível um aspecto cru e dramático. O aço e o betão permitiram esta aparência. Predominará o uso do metal, numa cor escura, para que se realce ritmos e texturas industriais. Será usado na estrutura metálica à vista, assente nos volumes centrais dos três pisos, também na estrutura e caixilharia da estufa, em guardas, portas, divisórias, mobiliário fixo e pormenores de toque das novas peças com a pré-existência. Os volumes das instalações centrais, aparecem como caixas que assentam, no toque das paredes com as lajes, na estrutura metálica. Para a materialidade destas caixas é proposto o betão com cortiça. O betão com cortiça trata-se de um novo material desenvolvido para a concepção do terminal de cruzeiros de Lisboa do arquitecto João Carrilho da Graça. Apresenta-se vantajoso, de um ponto de ambiental, na redução da quantidade de betão, que é substituído por partículas de cortiça, um material natural e nacional. Graças a isto e á sua textura e cor aproxima-se, em oposição ao betão convencional, a um material mais natural, o que vai de encontro ao carácter programático do edifício. Este betão mais leve, aparecerá à vista nestas caixas e será utilizado também em outros elementos estruturais. 129. Betão. Terminal de Cruzeiros, João Carrilho da Graça. 130. Referência das caixas. Escritórios Adémia, João Mendes Ribeiro.

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A maioria dos pavimentos interiores apresentam-se, dentro da mesma lógica, revestidos a betão polido. Será também usada madeira pontualmente em alguns apontamentos, mobiliário e alguns pavimentos. É de extrema importância a estabilização e reforço das fachadas existentes. Encontramo-las hoje com um reboco de cal em muito mau estado. Este é removido e posteriormente projectada uma folha de betão pigmentada, no interior e no exterior. Sendo que pelo interior é complementada com uma malha metálica que consolida a fachada e pelo exterior uma malha polímera que evita a oxidação. No topo do edifício fabril é criada uma cinta de betão que ajuda nesta consolidação e um capeamento metálico que impermeabiliza estes topos. organização espacial

Tal como já foi descrito, o edifício da Fábrica da Samaritana irá resultar na presente proposta num edifico temático relacionado com as questões impostas pela localização onde está inserido, o ambiente, a natureza e o seu impacto na cidade. O piso zero como componente mais acessível e complementar à praça irá assumir o carácter mais livre e público da proposta programática. Situa-se aqui a zona de entrada, marcada por um duplo pé direito, e ao fundo, um pé direito triplo que nos nos revela a extensão total da fachada da “ruína”. Uma árvore pontua este espaço como a natureza que entrou também para a Fábrica e nos aponta a temática funcional. Esta é também alinhada visualmente com um dos grandes corredores 131. Caixas, materialidades.

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132. Secção espaço central.

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que atravessam horizontalmente o edifício para reforçar o contacto visual com este elemento singular. Este espaço central distribui os utilizadores e visitantes para os restantes espaços, por isto é implantado aqui uma pequena zona de recepção, visto como um ponto de referência e informação, apenas presenciado num simples balcão metálico de forma a manter o espaço o mais amplo e sóbrio possível. Adjacente a este, o bloco norte suporta em open space dois espaços, diferenciados entre si pela cota de pavimento (que resulta do aproveitamento da diferença de cotas entre os dois polos da fábrica). Numa nave encontramos um pequeno espaço de estudo/trabalho aliado a um conjunto de prateleiras com livros e uma pequena sala de consulta no topo (possivelmente temáticos que serviram também de consulta para os espaços de investigação). Pode ser usufruída por qualquer pessoa para ler, estudar ou trabalhar. Nas outras duas naves encontram-se as salas polivalentes de workshops. Estes espaços encontram-se normalmente abertos e em comunicação visual com o espaço anterior. Podem ser repartidos com um sistema de cortinas, que se encontra marcado no pavimento, sendo assim perceptíveis as diferentes salas possíveis de estarem fechadas com este sistema, tal como acontece no Escritório Pure. O espaço adjacente a este no topo será uma pequena sala de professores/reuniões para alguma casualidade necessária. Do lado sul encontramos o espaço expositivo (e complemento à investigação e à interpretação). Idealmente 133. Referência para divisão de espaços. Escritório Pure. 134. Referência elementos leves. Centro de Convívio de Grandola, Aires Mateus.

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135. Planta piso tĂŠrreo, volume norte. 136. Planta piso tĂŠrreo, volume sul.

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funcionaria dentro da temática do edifício, mas poderá logicamente funcionar de acordo com a necessidade funcional e económica do edifício (bem como apoiar a actividade artística que se tem desenvolvido na zona, caso da escola Ar.Co.). Neste espaço encontramos num primeiro momento uma zona de introdução à exposição, com um balcão de recepção e bengaleiro. Esta zona de balcão poderá funcionar como uma pequena zona de bar que sirva de apoio a eventos neste espaço. Na nave central insere-se também um pequeno espaço que funciona como auditório e projecção de vídeo, podendo trabalhar como parte integrada na exposição, para palestras ou até para secções de cinema e eventos que propiciem o sentido comunitário dos habitantes vizinhos. À excepção da nave central, as duas naves dos extremos funcionam em duplo pé direito em concordância com a estrutura que continua até as fachadas. Os dois espaços adjacentes no topo sul deste volume funcionam como áreas mais fechadas de contenção de espaço ao longo dos dois corredores centrais como percurso. Num deles é proposto uma peça expositiva interactiva, no outro encontramos um elevador de cargas, que ao mesmo tempo que apoia a estufa e os restantes pisos no transporte de cargas funciona como uma peça industrial que reforça a ideia da máquina. Os dois corredores divisórios aqui vão dar, um a um café de apoio ao edifício e também dinamizador da praça e o outro a um jardim de Inverno, que em oposição à estufa, nos oferece um espaço verde lúdico, sensorial e contemplativo. 137. Referência elevador/monta-cargas industrial.

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138. Planta piso 1, volume sul. 139. Planta piso 1, volume norte.

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No segundo piso encontramos em relação com a parte expositiva ocupando só a nave central um espaço onde se possam realizar workshops de cozinha ou quaisquer outros eventos relacionados com a alimentação, podendo tirar partido dos alimentos produzidos no edifício. Os elementos que são necessários para o funcionamento das cozinhas, como os extractores de fumos, ficam à vista reforçando o caracter industrial do edifício. O volume norte neste segundo piso assume-se como zona de trabalho e investigação de onde resulta a vertente programática do edifício. Chegamos aqui através da circulação vertical que tem início na zona central da fábrica. Esta escada tem como particularidade o primeiro patamar ter uma flexão que se direcciona para árvore, para que na subida se tenha apenas uma percepção de uma abertura escura na parede e na descida a direcção seja de encontro à árvore. A nave central assume um caracter mais de reunião e trabalho de grupo e as naves dos extremos estão organizadas em vários gabinetes de trabalho e laboratórios, cada um para um sector específico, tal como acontece no Laboratório da Paisagem em Guimarães. Estes serão fechados com um pano de vidro que permitirá perceber a pré-existência e a sua relação com os novos elementos, bem como permeabilidade visual entre espaços. Apesar deste pano de vidro, a nave central poderá carecer de luz natural, para isto foi proposto um pátio que ao mesmo tempo que ilumina este espaço é possível ser acedido, propiciado um momento de pausa numa permanência exterior. O topo adjacente este piso assume

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140. Planta piso 2, volume norte. Autor. 141. Planta piso 2, volume sul. Autor.

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a função de lazer desta zona de trabalho, a copa e um complemento de permanência. Chegamos então ao último piso da fábrica, um grande terraço. No volume norte desenrola-se um café que dá vivência a este terraço e apoia o restante programa tirando partido da vista e da relação com a praça. Este café funciona na nave central com a possibilidade de se estender em esplanada para as outras duas naves. este espaço exterior é coberto, na nave central por uma pala de estrutura metálica. No topo sul situa-se um observatório virado ao vale que será o culminar de um percurso pelo edifício que será relatado mais à frente. Finalmente a estufa desenrola-se no volume sul e estende-se para o topo limite da fábrica. Esta pode ser acedida por um acesso vertical mais directo, acessível no início do espaço expositivo ou por uma das escadas lúdicas que fazem o percurso do edifício. Aqui poderão realizar-se todo o tipo de actividades que se relacionem com as temáticas propostas no edifício. Workshops; actividades com escolas; concepções experimentais de alimentos e de outros produtos orgânicos aliados à agricultura; produção de alimentos posteriormente vendidos ou usados no espaço dos workshops de cozinha e nos restaurantes propostos para a praça. Existe também um espaço que possibilite uma venda directa de produtos, um deposito para lixo orgânico que desenvolva uma compostagem e aqui as instalações sanitárias transformam-se em balneários de apoio aos que aqui trabalham. Na estufa a estrutura metálica que suporta dois pilares entre cada vão separa-se completamente das caixas da 142. Referência para cobertura do café/terraço. Werkraum-Haus, Peter Zumthor.

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143. Estufa Universidade de Coimbra, JoĂŁo Mendes Ribeiro.

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nave central. A estrutura inclinada na cobertura serve como sistema de ventilação. Através de efeito chaminé, o vento entra na estufa por nordeste e sai pelo ponto mais alto da estufa, arrefecendo este espaço assim que seja pretendido. Possui também um sistema de sombreamento a cada vão, tal como acontece na estufa do jardim botânico da Universidade de Coimbra. Outra particularidade que dá mais destaque a este elemento transparente é que aparece na fachada sul (que não nos é possível perceber o estado de conservação da mesma) do edifício fabril como se a rompesse, tal como acontece na Casa dos 24 de Fernando Távora. Esta estufa assenta no edificado como um elemento simbólico, tão importante como as funções que ela poderá desempenhar e activar, será o que ela representa num conjunto do edificado que tem como objectivo a consciencialização de boas intensões e práticas ambientais. Assume-se como uma excepção arquitectónica do edifício através do seu desenho e transparência. As relações da estrutura ritmada, da transparência do vidro, da ruína e dos elementos naturais, foram a inspiração para a concepção deste espaço distinto.

144. Ritmo. Pavilhão Nórdico em Veneza, Sverre Fehn. 145. Rasgo na fachada. Casa dos 24, Fernando Távora.

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146. Ilustração, entrada.

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o precurso

Para além da organização de espaços anteriormente relatada foi pensado e concretizado um percurso que se desenvolve pelo edifício na qualidade de visita pública e experiencial, ao mesmo tempo que nos leva a percorrer o edifício e a pré-existência, leva-nos por uma sucessiva demonstração de vários elementos que nos remetem à problemática que fez nascer a presente proposta funcional. Presentes na praça entramos na fábrica pela zona central, perceptível pelos 3 vãos e pavimento que nos convidam a entrar. Aqui apercebemo-nos logo um pouco da história do edifício quando através da parede pré-existente à direita (igual às fachadas que são vistas na praça), denuncia os dois momentos do edifício, em contraste com uma nova, uma parede estruturante que contrasta na contemporaneidade dos vãos e sobriedade. Neste espaço encontramos a árvore ao centro e atrás dela um rasgo de luz, que ao mesmo tempo que ilumina e realça a árvore e o seu verde, ao nos aproximarmos conseguiremos perceber na totalidade de pisos pré-existência interior. Uma oliveira que remete à agricultura e à natureza e que nos diz o que vamos encontrar no edifício e do que ele se trata. No ponto de recepção seremos encaminhados para a zona de exposição e atravessamos então a parede pré-existente. Neste espaço poderemos encontrar um espaço livre de circulação ou, dependendo da exposição que aqui estiver instalada no momento, um percurso 147. Oliveira suspensa no interior. João Tiago Aguiar.

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expositivo ao longo das duas naves laterais e, na nave central possivelmente um momento de permanência e projecção de vídeo. É neste espaço que percebemos de modo geral a ideia da arquitectura e da reabilitação, com a relação da repetição da estrutura e dos volumes implantados na nave principal com a pré-existência. O ponto seguinte será na compressão de espaço no topo norte. Este pequeno espaço terá em permanência um mapa interactivo em relevo do vale de chelas, onde de forma projectada sobre esta base, nos poderão ser apresentadas várias leituras do mesmo. Seguidamente entramos no jardim de inverno. O que acontece nesta transição é um contraste entre um compartimento escuro e um espaço repleto de luz natural. Somos convidados a explorar e permanecer um pouco neste espaço. Aqui é proposto uma diversidade de espécies, de cheiros, cores e texturas e assim é apelado aos nossos sentidos que nos levem á experiência deste lugar, ao mesmo tempo que nos dá uma antevisão através da arquitectura do que iremos encontrar mais acima na estufa. Depois deste espaço seremos novamente levados a entrar num espaço escuro onde subimos um lance de escadas que nos leva ao exterior novamente. Já numa cota mais alta podemos ver de muito perto a chaminé a sul, como símbolo da indústria volta a relembrarmos que nos encontramos num edifício industrial. Seguidamente o que nos é proposto é que continuemos a subir. Esta subida desenvolve-se entre dois elementos. Ao centro

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148. Ilustração, memória.

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temos um depósito de água, que recebe as águas da chuva que caem no topo da fábrica para que possam ser utilizadas no edifício, mas principalmente na necessidade da estufa. Na extremidade oposta temos duas paredes pré-existentes de um antigo acrescento neste topo sul. Estes dois elementos, estando um de cada lado, dão-nos novamente a percepção do novo e do antigo, aliado a particularidade que estes dois elementos nos vão, ao longo da subida, permitindo espreitar, no tanque para o seu interior e para a água e a pré-existência para a praça, através dos seus vãos também já existentes. Chegados ao topo da escada, encontramo-nos no piso do terraço e estamos já de encontro à estufa. É-nos permitido entrar e chegamos a um primeiro momento, separado do restante por uma pré-existência, antes de chegar à zona central onde encontramos o final da peça industrial do elevador de cargas. Aqui já nos encontramos dentro da caixa de vidro, é possível perceber que este volume de vidro nos separou do contacto com a pré-existência por alguns centímetros. Entramos na zona central da estufa e andamos livremente, numa experiência arquitectónica, naquele que é o espaço de produção do edifício, dentro das várias actividades que poderão estar a decorrer aqui podemos observar e explorar o que cada canteiro terá e em que estado podendo também possivelmente assistir a trabalho diário que aqui acontece e quem sabe comprar algo. Saídos da estufa, atravessamos novamente a fachada que divide os dois volumes, tal como aconteceu no iní-

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149. Ilustração, estufa.

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150. Ilustração, terraço.

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cio do percurso. Neste terraço somos convidados a sentar um pouco e usufruir do serviço do café e da vista para a praça na esplanada caso esteja bom tempo. Estando agora no topo do edifício, e já o conhecendo em várias perspectivas, conseguimos recordar o que seria a pré-existência em estado de degradação em que só existiam as paredes principais das fachadas e pouco mais, uma vez que aqui é assumida esta “falta de um tecto”. Por fim somos convidados a subir mais um pouco. Ao subir para o observatório podemos desfrutar de uma vista privilegiada para o Vale de Chelas, não fosse este como um edifico dedicado a ele e aos assuntos que ele traz consigo. A partir daqui podemos descer nas escadas, ou até no elevador, e continuar o nosso caminho, possivelmente mais motivados, e ir em direcção ao vale explorar e estimar mais de perto a natureza que tanto nos dá e que aqui se vai desenrolando.

151. Enquadramento. La Muralla Roja, Ricardo Bofill

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152. Ilustração, caminho.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O Caminho do Oriente reflecte diversas passagens históricas a que a cidade de Lisboa esteve sujeita. Em contrapartida, após a desindustrialização, este território pouco ou nada mudou. A importância de preservar as memórias edificadas que hoje encontramos dispersas por esta zona torna-se relevante. A oportunidade para revitalização que está intrínseco nestes espaços foi o mote deste processo. A escolha de Xabregas como lugar da intervenção trouxe consigo matérias relacionadas com o ambiente e com o desenvolvimento sustentável da cidade, por esta se localizar no final do novo Corredor Verde Oriental de Lisboa. Os benefícios oferecidos por uma boa relação dos cidadãos com a natureza e com o que cada um faz dela, fizeram com que este tema trespassasse de uma proposta urbana para uma proposta programática para os usos do edificado a reabilitar. Encontramos então a Fábrica da Samaritana, aliada ao seu complexo industrial, no centro do proposto parque urbano de Xabregas. Neste conjunto de espaços de investigação, de ensino, de interpretação e de lazer, são criadas as premissas para um olhar mais atento, por parte de todos, ao nosso meio ambiente e aos cada vez mais críticos recursos naturais.

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ANEXOS


178


179



PEÇAS FINAIS DA PROPOSTA




MAQUETE URBANA. ESCALA 1/1000





MAQUETE COMPLEXO. ESCALA 1/200





MAQUETE EDIFÍCIO. ESCALA 1/100





PROCESSO DE TRABALHO























CONJUNTO DE LIVROS DE PESQUISA

v.1: lisoa.xabregas. oriente v.2: cartografia histórica v.3: fotografia.memória v.4: levantamento arquivo v.5: levantamento+evolução fábrica v.6: fotografia hoje v.7: referências

UM CAMINHO PARA A SAMARITANA Autores: Francisco Guedes Joana Medeiros Patrícia Ferreira Ricardo Abrunhosa junho 2018. LISBOA

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