Soldados Glorianos na Grande Guerra 1 – Introdução Este ano (2018) celebram-se os 100 anos da batalha de La Lys, a grande ofensiva alemã, que ocorreu no dia 9 de abril, e que mudou o curso da história da primeira Grande Guerra. Na linha da frente dos aliados, estava o C.E.P. - Corpo Expedicionário Português. Esta batalha ocorreu junto do Vale da Ribeira de La Lys, na região de Flandres (Bélgica), as tropas alemãs infligiram um pesado ataque de artilharia, acompanhando de uma massiva entrada de tropas nas trincheiras dos aliados onde estavam as tropas portuguesas do C.E.P. As tropas portuguesas foram completamente desbaratadas, muitos soldados recuaram e fugiram, outros morreram, milhares desaparecidos, feridos, capturados e feitos prisioneiros. Na frente da batalha vários soldados glorianos, sentiram a ira da ofensiva alemã, curiosamente nenhum faleceu nesta ofensiva alemã, muitos foram capturados e passaram vários meses como prisioneiros nos campos alemães. Honremos a sua memória e prestámos tributo à coragem dos soldados da Glória do Ribatejo.
Figura 2 – Despedida dos soldados portugueses
Princip em Sarajevo. Passados algumas semanas as principais potências da Europa estavam em guerra, surgem dois blocos beligerantes: Tripla Aliança: Alemães, Austro-Húngaros e Itália e a Triple Entente: França, Inglaterra e Rússia. O conflito tornou-se mundial, refletindo uma rede de interesse e de relações diplomáticas, estendeu-se a África, onde os países europeus tinham colónias, e por consequência arrolou outras nações. A Primeira Guerra foi extremamente mortífera, o avanço tecnológico militar com o aperfeiçoamento de equipamento bélico, ditou que a guerra fosse feita em trincheiras, no passado os conflitos decorriam em campo aberto, com as forças de infantaria e cavalaria a lutarem, agora com novas armas, obrigou ao entrinchamento das tropas para se protegerem das metralhadoras e outras armas. Foi uma guerra que também utilizou pela primeira vez gases lacrimogénios, que provocaram a morte a milhares de soldados e sérias lesões nos pulmões, na pele e irritações oculares, que marcaram para sempre os soldados que sobreviveram.
Figura 1 – Embarque das tropas portugueses para a Grande Guerra
2 – A participação de Portugal na Primeira Grande Guerra O conflito bélico que ocorreu entre 1914 – 1918, ficou conhecido para a História como a 1.ª Grande Guerra. Foi um acontecimento militar que marcou, pelas piores razões a história da Europa e do Mundo no início do século XX. O rastilho que iniciou a guerra, ocorreu a 28 de julho de 1914, quando a Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia, um mês após o assassinato do arquiduque Francisco Fernando por um estudante sérvio Gavrilo
Figura 3 – Tropas portuguesas nas trincheiras
Portugal era à época da Primeira Guerra (1914) uma jovem nação republicana, numa Europa tradicionalmente monárquica. Desde da implantação da República (1910) que vivíamos numa situação extramente vulnerável devido à instabilidade política e económica. O nosso País entrou na guerra em dois momentos distintos, logo em 1914 com o envio de tropas para as colónias africanas, devido à ameaça das tropas alemães e depois em 1916 com a declaração oficial da guerra dos alemães a Portugal. A entrada de Portugal na guerra foi provocada, ou seja, os ingleses pedem que Portugal faça o apresamento dos navios alemães que estavam na costa portuguesa, esta atitude justificou a declaração oficial de guerra a Portugal pela Alemanha, que ocorre no dia 9 de março de 1916. Portugal entra oficialmente na guerra, e num pequeníssimo período de tempo tem de formar e disciplinar tropas para enviar para a guerra, foi criado o C.E.P. – Corpo Expedicionário Português, cuja a formação militar ocorreu em Tancos.
região de Flandres, o transporte foi feito em navios ingleses. 4 – Soldados glorianos na Grande Guerra A localidade da Glória do Ribatejo, mantinha-se no início do século XX como uma localidade rural. No final do século XIX – inícios do século XX, os aforamentos da Junta de Paróquia de Muge, contribuíram para mudar a paisagem rural desta localidade, a divisão de terra em “foros”, mediante um pagamento, permitiu o cultivo de diferentes produtos com destaque para os cereais e também de montado e árvores de fruto, que foram fundamentais na economia de subsistência desta povoação. Com a entrada de Portugal na guerra, o governo determina a obrigatoriedade de recrutas para serem formados e enviados para o conflito bélico. Neste contexto vários glorianos vão ter a sua formação militar em Tancos, e ingressam no C.E.P.. Na investigação realizada no Arquivo Histórico Militar,
A instrução miliar do C.E.P., foi feita num tempo record, por isso muitos graduados militares descrevem a formação como “o milagre de Tancos”, em pouco mais de 8 meses preparam-se homens sem qualquer formação militar em soldados aptos para a guerra. Em janeiro de 1917 embarcaram as tropas do CEP para a
Figura 5 – Requerimento do Cabo Chefe da Glória Alexandre José Pote, a comunicar os mancebos recenseados da Glória a 12 de dezembro de 1916, ano de entrada de Portugal na Grande Guerra
conseguimos descobrir os soldados glorianos que integraram o C.E.P. e foram mobilizados para guerra na Flandres. A investigação nem sempre se tornou fácil, dado que na inscrição os soldados dão como sua localidade Muge, dado que a Glória pertencia administrativamente a Muge. No Arquivo Histórico Militar estão recenseados 25 soldados da Glória do Ribatejo, apenas um faleceu, o soldado Custódio da Costa que foi enterrado em França no cemitério de Richerbourg L’Avoe em França. Trata-se de um cemitério militar onde repousam os soldados portugueses que faleceram neste conflito.
Figura 4 – Aspeto das trincheiras onde estavam as tropas portuguesas
Figura 6 – António Palhas
Figura 7 – António Fonseca
Figura 12 – Custódio Costa
Figura 8 – Augusto Inocêncio
Figura 10 – Manuel Nunes
Figura 9 – Custódio Prates
Figura 11 – Benjamim Caneira Figura 13 – Campa do soldado Custódio Costa
SOLDADOS GLORIANOS NA GRANDE GUERRA - António Caneira - António Fonseca - António José Gacha - Augusto Inocêncio - António Pereira Caneira - António Palhas - Benjamim João Caneira - Custódio da Costa - Custódio Prates - Daniel Filipe - Filipe José Silvestre - Francisco Silvestre - Inácio Monteiro - João Alexandre Pasmarra - João Pirralho - Joaquim Nunes - José Ferreira Fino - José Joaquim Inocêncio - José Marcelino Monteiro - Josue Pedro - Laurentino Monteiro - Manuel Cipriano - Manuel Inocêncio - Manuel Pedro Nunes - Marcolino Francisco
5 - Efeitos da Pneumónica na Glória do Ribatejo - 1918 Em 1918 ainda decorre a I Grande Guerra e é também o ano da Batalha de La Lys, o mundo é assolado por uma terrível epidemia, a pneumónica também conhecida por “gripe espanhola”. Em Portugal estima-se que terão perecido cerca de 50 mil pessoas, esta pandemia rapidamente deflagrou de norte a sul do País, potenciando a dor, a miséria e a morte. Este flagelo recebeu o termo “gripe espanhola”, porque foi através deste país que se propagou ao nosso território, contudo a origem geográfica do vírus ainda está por descobrir, novos estudos atestam que o epicentro da epidemia surgiu no continente americano, e que rapidamente chegou à Europa e atingiu o continente europeu. A tragédia abateu-se sobre Portugal e não poupou nenhuma classe social, a doença vitimou milhares de pessoas, houve falta de caixões para os mortos e muitos foram enterrados em valas comuns. A Glória do Ribatejo sofreu com a pneumónica, com base nas investigações no Arquivo Histórico Municipal conseguimos compreender que esta localidade foi uma das mais fustigadas pela epidemia: «Em virtude da aterradora epidemia pneumónica que com tão grande intensidade está passando n’este concelho, a commissão resolveu telegrafar aos Exmo Governador Civil, Ministro e ao próprio Chefe do Estado pedindo imediatos socorros de médicos, farmacêuticos e remédios visto que as farmácias locaes não dão vazão a tão avultuado numero de receitas. Mais se deliberou pedir ao médico de Muge para ir fazer viszitas à Glória, por ser uma das povoações mais atacadas e proceder imediatamente à limpeza d’esta villa.» 1 A epidemia alastra-se e a falta de assistência médica conjugada com a ausência de uma farmácia agoniza a situação na Glória, conforme a correspondência enviada ao Governador Civil: «Epidemia grippe pneumónica alastra-se a este concelho, ocorrendo todos os dias casos fataes. Povoação Glória totalmente ateada sem assistência médica. Rogo a V. Exa interceda estancias superiores quintanista de medicina Roberto Ferreira da Fonseca aqui residente seja imediatamente por aqui requisitado e mandando urgentemente um farmacêutico para farmácia hospital.» 2 Na Junta de Freguesia de Muge foi criado uma Comissão de Socorros para acudir os doentes de Muge, Marinhais e Glória, fazendo parte última Alexandre José Pote,
1
A.H.M.S.M. – Livro de Actas 2 janeiro 1918 a 28 novembro 1925 – Acta da Sessão do dia 4 de outubro 1918, fl. 27-27v
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A.H.M.S.M. – Registo de correspondência 5 novembro 1914 a 14 novembro 1919 – correspondência ao Governador Civil – 3 outubro 1918, fl. 121v - 122
António Rocha e Constantino Pereira Caneira. Adaptaram-se edifícios para acolher os infetados, apesar de não estar mencionado nestas actas, sabe-se que a antiga “Escola Velha” foi adaptado para esse fim, e mais se sabe que o Grande Lavrador Gaspar Ramalho de Salvaterra de Magos doou dinheiro: Prestar a freguesia de Muge os mesmos meios de combate tanto mais que era ali que actualmente a epidemia mais estragos estava fazendo, resolvendo-se depois d’ouvidos os mesmos representantes nomear as seguintes Comissões de Socorro = para Muge= Alfredo da Silva Azevedo, Anibal Walter, Victal Justino Ferreira e António de Brito. Para Marinhaes: Manuel Martins Pinto, Mathias Francisco Madeira, António Pancada, como representante João Caetano Lopes, Manuel Sebastião Marques, João Pinto de Figueiredo e João Pereira Rodrigues, para a Glória Alexandre Jozé Pote, António Rocha e Constantino Pereira Caneira. Tomaram-se as seguintes deliberações instalar hospitais na escola oficial de Muge e na Capela de Marinhais por não haver ali outra casa apropriada para o Hospital de Marinhais, oferecendo já o Sr. João Caetano Lopes camas, utensílios de cozinha e cinco escudos para o médico. Os medicamentos para Marinhais serão fornecidos pela farmácia de Muge. O munícipe Gaspar Costa Ramalho presente a esta sessão ofereceu para Marinhais o donativo de cem escudos e para a Glória cincoenta escudos. 3
gloriano a ser recrutado foi Francisco António Pereira Caneira4. O serviço militar estava envolvido num conjunto de cerimónias, que são antropologicamente interessantes de narrar. Quando o homem era convocado para o serviço militar, a mulher fazia-lhe um saco grande muito colorido de ramagens onde levava os seus haveres O homem quando prestava serviço militar, verificava-se uma alteração da indumentária da mulher gloriana, as mães, noivas ou namoradas usavam uma roupa mais
6 - Aspetos históricos e etnográficos da cerimónia das “sortes” na Glória A Glória do Ribatejo desde a Idade Média possuía o privilégio de ser um local onde os Homens estavam isentos de serviço militar. Este privilégio não era inédito nas povoações medievais, esta isenção procurava fixar elementos de população em locais ermos, e proporcionar-lhes desenvolvimento humano. Segundo a tradição popular havia uma lápide com a inscrição da isenção militar aos povoadores da Glória do Ribatejo, a mesma estava afixada numa parede da igreja, e que desapareceu quando o primeiro gloriano foi convocado a prestar serviço militar ao Rei. Não havendo provas materiais desta lápide, temos que recorrer aos escritos de Alves Redol, que conseguiu deslindar que esta dispensa militar se manteve desde o séc. XIV até meados do séc. XIX e que o primeiro Homem
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Idem – Acta da Sessão do dia 29 de outubro 1918, fl. 30
Alves Redol, Glória, uma aldeia do Ribatejo, 3.ª Edição, Lisboa, Caminho, 2004, pp. 44-45.
Figura 14 e 15 – Rapazes da mesma “mocidade”
escura, simbolizando uma espécie de pré-luto pelo facto do seu companheiro não estar próximo delas, ir a bailes ou divertimentos era algo que estava fora de questão: «Ela abandona atavios, e o casaco, o avental e o lenço de cores claras, que lhe vão tão bem ao tostado do rosto. Veste de triste, quase sempre de roxo, e traz nos modos o ar trágico daquela primeira viuvez. Festas e bailes nunca mais! (…)5
5
Alves Redol, Op.Cit., p. 105
Os rapazes da Glória do Ribatejo nascidos no mesmo ano quando completavam dezoito anos reuniam-se uma semana antes da inspeção médica para fins militares, que se realizava em Salvaterra de Magos (sede de Concelho) para celebrar “as sortes”. Durante uma semana estes rapazes entregavam-se à ociosidade, não trabalhavam e alugavam uma casa para fazerem pequenos bailes. Contratavam um acordeonista que os acompanhava para todo o lado durante estes festejos.
no braço esquerdo cujas cores eram símbolos das “classificações” que tinham sido atribuídas: «No braço trazem fita vermelha os que ficaram “apurados”; fita branca “os livres”; fita azul, “os de espera”».7 Nos desfiles pelas ruas após a inspeção os rapazes dispunham-se com as fitas vermelhas, brancas e azuis. Notava-se em alguns uma atitude menos ruidosa nos rapazes com as fitas brancas ou azuis. A comunidade valorizava muito a “classificação” dos rapazes, o facto de ser apurado era entendido como um ponto de viragem em que se deixa de ser rapaz para se tornar homem. As sortes representavam para os rapazes, um ritual de passagem, chegou o momento em que os jovens atingiram a sua maioridade, o momento em que deixam de ser moços e começam a sua vida de responsabilidades. A cerimónia festiva das sortes na Glória do Ribatejo possuía a função de um ritual de passagem, reunia um grupo de rapazes que tinham nascido no mesmo ano para celebrar a inspeção médica para fins militares.
Figura 16 – Grupo de rapazes da mesma “mocidade”
Sempre juntos os rapazes percorriam as ruas da aldeia, entrando ainda em todas as tabernas, para beber vinho, cantando o seu hino e celebrando a sua “mocidade”. Chegado o dia da inspeção militar, os rapazes estreavam um fato novo e iam em grupo até Salvaterra de Magos, sempre acompanhados pelo acordeonista: «para irem a inspecção a Salvaterra de Magos, os rapazes estreiam fato completo; a camisa, gravata, meias e lenços são oferecidos pelas namoradas que ainda dão cinquenta ou cem escudos conforme as posses. Até há pouco tempo estreavam dois fatos, um de fazenda, outro de cotim, dois anéis e corrente. Vão para Salvaterra na camioneta a cantar e a tocar concertina.»6 Submetidos à inspeção médica perante a Junta Médica, os mancebos considerados aptos ou não aptos prestavam juramento de fidelidade à Pátria. Como resultado da inspeção médica surgia uma hierarquização dos membros do grupo em: apurados, livres e esperados. Como sinais visíveis de diferenciação grupal os rapazes compravam fitas que colocavam na lapela do casaco ou
Esta festividade envolvia também a comunidade local que acompanhava e participava nos festejos dos rapazes, onde se destaca a continuidade deste rito aquando da entrega de um símbolo (uma verdasca) do rapaz mais velho da inspeção a um outro rapaz do ano seguinte das sortes. A partir de 2004 com o fim da obrigatoriedade do serviço militar obrigatório terminou a celebração das sortes nesta comunidade. Esta festividade é relembrada nos inúmeros convívios/almoços que os vários mancebos dos diferentes anos continuam a realizar anualmente.
7 - A Guerra colonial (1961 – 1974) Após o fim da 2.ª Guerra Mundial, os países europeus que detinham colónias em Africa e Ásia, concederam independência a esses territórios. Portugal nunca quis abdicar da possessão destas colónias. Com a entrada de Portugal na ONU em 1955, esta entidade recomenda ao Estado Português que conceda a independência desses territórios. De forma a
6
Idalina Serrão Garcia, O falar da Glória, Assembleia Distrital de Santarém, p. 150
7
Idem, p. 150
contornar esta imposição, Portugal declara estas
Glória, para os proteger, por altura das festas da Glória,
colónias como “Províncias Ultramarinas”, concede
o manto da Santa ia carregado com notas, eram as
cidadania aos seus habitantes, mas independência não!
promessas feitas pelos familiares para que os seus entes
Em 1961 eclode o primeiro conflito, as tropas da União
que estavam em Africa regressassem bem.
Figura 17 – João Nunes Augusto
Figura 18 – José Fino Feijão
Indiana invadem as possessões portuguesas em Goa,
Neste conflito faleceram dois soldados glorianos: João
Damão e Diu, seguem-se movimentos independentistas
Nunes Augusto, faleceu em Moçambique no dia 28 de
em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Seguem-se 13
fevereiro 1967 e José Fino Feijão faleceu em
anos de guerra, em que milhares de soldados
Moçambique no dia18 de novembro de 1969.
portugueses foram mobilizados para este contexto de guerra em Africa. Portugal
nunca
Para que a sua morte não tenha sido em vão, honremos a memória destes dois soldados que pereceram pela
aceitou
os
princípios
de
Pátria e exaltemos e glorifiquemos todos os soldados
autodeterminação e independências destes povos das
glorianos que participaram quer na Grande Guerra quer
colónias. Este conflito provocou abalos nas finanças
na Guerra Colonial.
portuguesas, que continuava a gastar recursos em materiais bélicos, desgastou as forças armadas e colocou Portugal isolado no contexto politico mundial, “orgulhosamente sós”. Centenas de glorianos são mobilizados para esta guerra, muitos levavam uma fotografia de Nossa Senhora da
Textos: Roberto Caneira (Agosto de 2018)