Coraçao Sertão

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Coração Sertão




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Coração Sertão


No decorrer do desenvolvimento deste livro, o Ceará passou por uma das estiagens mais intensas dos últimos 40 anos. Em 2012, o governo decretou estado de emergência em 168 dos 184 municípios.

Coordenação de Projeto | Patricia Veloso Organização de Textos | Angela Barros Leal, Batista de Lima, Gylmar Chaves Produção Executiva | Bárbara Cunha, Isabel Paz, Jennifer Pereira, Renata de Lima, Roberta Felix Pesquisa Bibliográfica | Ana Claudia Bastos de Pinho Pessoa, Angela Barros Leal, Marina Chrisley Carvalho Bernardino, Sávio Alencar de Lima Lopes Textos | Adolfo Caminha, Angela Barros Leal, Antônio Sales, Demócrito Rocha, Domingos Olímpio, Eleuda de Carvalho, Francisco Carvalho, Gentil Barreira, Gustavo Barroso, Gylmar Chaves, Herman Lima, Jáder de Carvalho, João Clímaco Bezerra, José de Alencar, Leonardo Mota, Manuel de Oliveira Paiva, Natércia Campos, Patativa do Assaré, Rachel de Queiroz, Rodolfo Teófilo

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Revisão de Textos | Lucíola Limaverde

Esta publicação é resultado do projeto “Ceará de Sol e Chuva”, realizado com o apoio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará.

Legendas | Isabel Paz e Renata de Lima

Terra da Luz Editorial

Projeto Gráfico | Majoî Ainá Vogel

Rua Rocha Lima, 1707 CEP 60135-000 Fortaleza/CE Brasil

Catalogação | Elizabeth Brito Impressão | Gráfica Santa Marta

Telefone (55) 85 3261 0525 www.terradaluzeditorial.com.br

Fotografias | Alex Uchôa, Gentil Barreira, José Albano, Leo Kaswiner, Maurício Albano

Este livro não pode ser reproduzido no todo ou em partes, sob qualquer forma, sem autorização do editor.

Realização

Apoio

Coração Sertão / Organizado por Patricia Veloso. - Fortaleza: Terra da Luz Editorial, 2014. 224p.: il.

1. Fotografia 2. Literatura Cearense 3. Paisagens-Sertão Cearense 4. Aspectos Sócio-econômicos 5. Aspectos Culturais I. Veloso, Patricia.

ISBN 978-85-88112-17-9

CDD 770

Índice para catálogo sistemático: 1. Fotografia CDD 770




ricas, se derrama em parágrafos de alívio fazendo de qualquer fio d’água um aguaceiro. Assim também se revelam as imagens dos que sabem retratar o inverno, a benfazeja estação de tons e sobretons em verde-claro, verde-escuro, nuvens brancas, céu azul, paisagens colorizadas qual fossem pintadas à mão.

vocabulário da seca se manifesta árido, agreste, inóspito. Os que escolhem usar nada além da palavra sabem que a seca se escreve em garranchos, na poeira por onde se arrastam rebanhos magros. Que o léxico da seca está inscrito em espinhos arranhando a pele abrasada. Que o recurso das letras é o abraço de uma cerca feita de madeira e ossos, e que a seca se expressa em sua língua própria, sedenta de esperança e de água, encerrada em indevida beleza.

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É disso que trata este livro, porém principalmente do momento especial de transição entre uma realidade e outra. Do instante em que brota o que se pensava morto. Da hora exata em que a chuva desaba sobre a lagoa à míngua, enchendo de fé o barco órfão de água. Em que as cabras, o gado, os homens, respiram a promessa em gotas batendo na telha, nas portas e janelas, na terra úmida exalando o cheiro inconfundível da fartura.

Os que pretendem discursar com imagens ilustram sua fala exibindo aos olhos a terra áspera, que se pressente assolada por um vento de deserto, soprando sob um céu de fogo. Mostram o solo duro, rachado em torrões da mais rigorosa geometria. Apontam o desassombro das árvores ressecadas, seus galhos agudos expostos ao sol. Registram o cenário de casas abandonadas, em um mundo no qual, enganosamente, se crê sem sobras nem sombras, sem alento nem alegria.

É sobre isso este livro, surgido da parceria entre as andanças e vivências de tantos olhares atentos, na companhia de descrições textuais primorosas, provindas de nomes do passado, consagrados na nossa literatura. É uma reverência a estes, que nos deixaram uma obra ávida de vida, e um documento ao poder de reinvenção da natureza, em seu infinito processo de mutação.

O vocabulário das chuvas já é outro. Vaza nas vertentes das sílabas, floresce em frases hospitaleiras, frutifica em linhas fáceis e rimas

Angela Barros Leal

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O sertão em toda parte (a parte que me toca)

umbigo da menina, segundo o costume, foi enterrado no mourão do curral, espaço masculino por excelência, onde reinava o tio Zé de Elias, vaqueiro de outra era trajado com sua véstia majestosa curtida de garrancho e poeira. O quarto dos arreios anexo à sala grande da casa, lá dentro o cheiro dos couros, cotidiano trabalho, suores de homem e de animal, ao sol de 365 dias por ano. Sóis. A casa do avô está de pé, larga e chã, com seu piso de tijolos, o fogão a lenha, a velha cumeeira de aroeira que viu tantas gerações. Mas o entorno mudou. Não há cata-ventos na paisagem vestida de ouro gasto, mas parabólicas apontadas para o violento azul.

Dizia o povo do lugar, além do rio que rodeia Jaguaruana, que por aquele caminho andou Lampião em demanda de Mossoró, na divisa com o Rio Grande (na beira da praia havia um marco de pedra com o timbre português, do século XVII). Francisco Manuel do Carmo, 101 anos de idade, então chamado Titico, conta com minúcias o pavor que Rufina, sua mãe, teve de os cangaceiros o raptarem e de que modo as sertanejas previdentes esconderam seus meninos sonhadores na capoeira e nos pastos – e foi assim que Titico nunca viu o capitão Virgulino, cuja história acompanhou pelos folhetos de cordel, jornal, rádio e televisão daquele tempo não alfabetizado. No entrevero, era junho de 1927, perdeu a vida o cangaceiro Jararaca, o túmulo mais florido no cemitério de Mossoró, arranjos renovados por quem acredita que o bandido, redimido pela paixão de sua morte, faz milagre acontecer. O que lembra outro sertão bem mais ao norte, em Sinaloa, onde se dá a reverência mística popular ao santo criminoso Jesús Malverde.

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Sumiu a lagoa onde, em antigo inverno, reinavam paturis com seu colar negro no longo pescoço e outras aves, marrecos, pernaltas, tanta pena multicor. E a mata, enfezada, firme e densa, espinhosos cardeiros, o alto pé-de-sabonete, árvores rijas, um caminho verde e mais verde seria o tabuleiro da Serra Dantas que se vê no horizonte, o território do clã de vaqueiros e plantadores de algodão, de onde vieram os antepassados, o bisavô Nenel e sua mulher, magra e alta, Rufina. Gente de muita fé, de palavra, de hábitos austeros e bigodes. Os mais velhos gostavam de propor adivinhas, charadas, testando as inteligenciazinhas afiadas na escola da capital. O avô ouvia cantoria pelo rádio, um aparelho estilo capelinha sintonizado na estação de Limoeiro do Norte e que pegava bem até a emissora de Mossoró, a famosa cidade do lado de lá da serra, para a qual demandava a estrada do fio, com os postes desativados do telégrafo, e que passava ali adiante. Pela estrada afora rodavam raros automóveis, naquele tempo.

Do sertão de carne e osso ao sertão encarnado nos livros, romances, relatos, narrativas, o mundo estranho e líquido de Guimarães Rosa, a convulsão de Canudos nas malacachetas afiadas da escritura de Euclides da Cunha, o sertão nordestino marcado pela seca dos romancistas da geração de 1930 (editorialmente surgida em 1928, com A bagaceira, de José Américo de Almeida, mesmo ano do Macunaíma, do mestre Mário de Andrade, que sabia andar pelo sertão e tinha o ouvido atento e teve fechado o corpo inutilmente num catimbó da periferia de Natal, levado por ninguém menos que outro mestre entendidíssimo de sertão, Câmara Cascudo). No manifesto

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de José de Alencar, “Como e por que sou romancista”, ele recorda o menino que foi – chamado pelos seus de Cazuza – e a viagem de mudança para o Rio de Janeiro, aos nove de idade, quando seu pai foi eleito senador. De carro de boi, com toda a família, escravaria e mobiliário, até o porto de São Salvador da Bahia. O cenário de seu romance O sertanejo cruza o chão áspero e pedregoso no estio, e, recoberto de mata em flor, se choveu, também paisagem de outra novela, baseada em fatos reais: Quixeramobim, a terra natal de Antônio Conselheiro, afilhado de dona Marica Lessa, a senhora que mandou o amante matar o marido e inspirou a Dona Guidinha do Poço, de Oliveira Paiva.

mal escurece o dia. É preciso ouvir o cantochão dos penitentes que um dia tiveram por mestre o santeiro Joaquim Mulato. O Cariri sagrado se revela em plenitude, a natureza vigorosa da Chapada do Araripe, as águas do Caldas, o frescor de Jardim, o casario de Barbalha, os engenhos de rapadura, as igrejas de Juazeiro, a Casa dos Milagres de Juazeiro, o Centro de Cultura Mestre Noza de Juazeiro, a ladeira do Horto, a casa de madrinha Dodô, o casarão do Padrinho, a figura santa de Monsenhor Murilo, a paz da irmã Anette, que soube escolher seu caminho de ação, os brincantes, os festeiros, os romeiros, os artistas, os doidos: um sertão deste tamanho. No sertão eu vi o começo do mundo. Era o ano de 2000 e toda a efeméride da aventura marinheira de Pedro Álvares no comando de umas tantas caravelas. Enquanto pensavam em 500 anos de Brasil, a Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no Piauí, revelava-se um dos mais importantes sítios arqueológicos das Américas, e ao pé da parede pintada com capivaras, baleias, espirais, decalques de mínimas palmas de mãos – quais existem, das mesmas parelhas, em cavernas da Chapada do Araripe, no Crato –, uma fogueira ardeu ou foi ateada há 50 mil anos. Ainda no Piauí, mas na franja da majestosa Ibiapaba, de onde se ouviu pregar António Vieira e das quais nasceram a lenda linda inventada por José de Alencar, deformidades minerais se desdobram em sete cidades imaginárias. E no deserto há cachoeiras.

Emblemático, o livro de Rachel de Queiroz, este sim, publicado em 1930, a estreia da escritora que fixou a literatura cearense na inclemência da seca de 1915. E, se outras sucessivas secas ainda mais dramáticas têm havido nestes sertões, nenhuma ficou assim marcada feito ferro quente em couro manso de boi. Será por causa do livro de Rachel? A menina magra que ela era, era chamada Seca do 15, ou simplesmente Do Quinze, pelas meninas malvadas. E as pernas finas de sibite baleado. Infâncias que estão ficando velhas. Assim como a família viajando todo ano para o sertão, espremida no fusca azul. 1997. O ano do centenário da destruição de Canudos. Para entender o que foi Canudos, é preciso sentir Juazeiro. Por trás das janelas fechadas, os Aves de Jesus entoam a ladainha das seis horas da tarde, quando a irmandade se tranca em casa, pois o diabo se solta no mundo,

Também vi uma cidade que se mudava. As ruas de Jaguaribara quietas, as árvores pressentindo o próximo fim, debaixo das águas do

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Castanhão. Um senhor não escondia de ninguém as lágrimas que corriam rápidas no cânion do seu rosto, o papagaio mudo na gaiola, esperando a vez de também subir no caminhão, junto com os móveis, as louças, os baús, a geladeira, a televisão, as fotografias, e em nenhum lugar caberia tanta saudade. De outra vez, em Ocara, era o fim do dia, e aí vem seu Adrião em seu cavalo, apeia junto ao alpendre, tira a sela, as compras que trouxe da cidade, naquele dia da aposentadoria. E, depois, tocou em sua rabeca um baião lento e triste, enquanto descia o breu. E houve o encontro com anônimo mestre seleiro, cuja sabedoria zen está posta na frase que disse na tarde quente, ao som das bagens da leucena desfolhada inventando um som de chuva no oco seco do sertão pernambucano: “Sou feliz de ser eu”.

trabalhadores sem-terra. O sertão é uma paisagem móvel. Não foi apenas a cidade que avançou sobre o sertão, o movimento é um passo a dois, coreografado: o sertão entrou pela cidade, fez-se espaço de atuação intersticial, periférico, o trajeto realizado por uma força lenta, a massa em expansão. O sertão é impagável quando o verde se espalhar na plantação, porque vem vindo a notícia de trovoadas das bandas do Piauí, e no horizonte apareceu um torreame de capelo, anunciando que o inverno pegou. Mestre Raimundo Aniceto aperta os olhos miúdos de índio cariri e sorri, contando esta sua experiência de profeta da chuva ao mesmo tempo em que arrocha a corda encerada no zabumba acabado de encourar. O sertanejo é mestre em perceber os mínimos sinais da chuva, desejada e necessária. Há experiências conhecidas de muito tempo, com sua forte inflexão religiosa, registradas nos arcaicos Lunários Perpétuos, tal a das pedrinhas de sal na noite de Santa Luzia. É costume se reunirem os entendidos de inverno em princípios de janeiro, em Quixadá. Vêm profetas da chuva de todo canto, cada qual trazendo a ciência que lhe é própria. Chico Leiteiro, por exemplo. Como se fosse jangadeiro, ele se orienta pelas estrelas e pelo vento. Observa a posição dos astros, fareja os quatro pontos cardeais. Do alto da pedra lisa que se ergue em frente de sua casa, em Quixadá, ele vara as madrugadas, investigando o roteiro das estrelas e sentindo o mundo respirar ao seu redor.

Em Quixadá, a galinha choca está perdendo o bico. A figuração faz parte de um território de extrema beleza insólita, porque do solo cristalino emergem aqueles fósseis de montanhas, pedras polidas pelo vento de outras eras, incrustadas de moluscos de um mar que há muito deixou de existir. E, sobre esses ossos minerais, quando é tempo de chuva e ela não falta, faz-se da noite para o dia o vestido mais bonito que se viu, todo em rama, flor em flor. Outra imagem sertaneja: o aglomerado de baldes, panelões, cabaças, todo tipo de depósito enfileirado em desarmonia diante do chafariz mal-abastecido. Os jumentos sem rumo no asfalto. Aquele menino segurando o rabo do tatu, oferecido ao passante por quaisquer dez reais. Ainda a fome, a seca. E a resistência desconfiada nos acampamentos dos

Choveu no dia de São José! Eleuda de Carvalho Jornalista 15





A primeira gota d’água que cai das nuvens é para as várzeas cearenses como o primeiro raio do sol nos vales cobertos de neve: é o beijo de amor trocado entre o céu e a terra, o santo himeneu do verbo criador com a Eva sempre virgem e sempre mãe. Nunca vi o despertar da natureza depois da hibernação. Não creio, porém, que seja mais encantador e para admirar-se do que a primavera do sertão. Aqui a transição se opera com tal energia que assemelhava-se de certo modo à mutação. Aquela várzea que ontem ao escurecer afigurava-se aos vossos olhos o leito nu, pulverento e negro de um vasto incêndio, bastou o borraceiro da noite antecedente para cobri-la esta manhã da virescência sutil, que já veste a campina como uma gaze de esmeralda. Não há em cada uma das raízes do capim seco e triturado mais do que um broto imperceptível; porém rebentam os gomos com tanto luxo e abundância que, à guisa dos tênues liços de uma teia cambiante, formam esse gaio matiz da primavera. Aquela árvore também que ainda ontem parecia um tronco morto já tem um aspecto vivaz. Pelos gravetos secos pulula a seiva fecunda a borbulhar nos renovos para amanhã desabrochar em rama frondosa. Que prodígios ostenta a força criadora desta terra depois de sua longa incubação! ALENCAR, José de. O Sertanejo. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 67.

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Todo nordestino fica danado da vida quando pessoas a que ele dá importância vêm conhecer a sua terra nos meses de verão. Não é que ele não goste do verão. O verão, para o nativo, é tempo muito agradável, sem chuvas nem atoleiros, o campo aberto multiplicado em caminhos, o leito dos maiores rios vadeáveis a pé enxuto, convidando ao nomadismo que ainda está tão perto de nós, já que nós mesmos ainda estamos tão perto do índio andejo. [...] Mas tudo isso em família, não para estranho ver. Estranho chega e logo vai estranhando, como é natural. Aos olhos deles o sertão está horrível, seco, cinzento, sem folha verde à vista, a caatinga virada numa floresta de garranchos. O gado fica magreirão, é claro, pois só come capim seco e o resto da palha do legume nas capoeiras. Os açudes baixam, os rios deixam de correr, as águas não são tão cristalinas, muita gente se abastece nas grosseiras cacimbas que são apenas grandes buracos rústicos cavados na areia, sem paredes de alvenaria, ou quaisquer obras de arte. Tudo improvisado e perecível – tudo provisório, como o próprio verão. Provisório. É essa a palavra que os estranhos não entendem. Que a secura, a falta do verde, as águas baixas, tudo é provisório e salutar. QUEIROZ, Rachel de. O Homem e o tempo. São Paulo: Siciliano, 1995, p. 82-83.

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À noitinha, no pátio da fazenda, um silêncio de angústia imobilizava os sertanejos, de ouvidos atentos a algum trovão longínquo. Há três meses, uma preocupação indisfarçável chumbava os espíritos à expectativa do inverno daquele ano. Seria possível que, mais uma vez, o anjo mau do extermínio adejasse sobre a terra mártir? Aquele povo laborioso e sofredor ia ver os seus rebanhos dizimados. Os campos combustos pelo sol dardejante ficariam despovoados e os lares se destroçariam, porque era mister fugir à gleba varrida pela maldição de Deus. De que estavam valendo as preces fervorosas das novenas de São José? Pleno março e nenhuma esperança de inverno.

Pela madrugada, ao filho varão que saíra ao terreiro, a fim de ver se estava relampeando pro lado do Piauí ou se o céu estava promissor de chuvas, o velho sertanejo pergunta, da rede em que está deitado na sala da frente: — Manoé, meu filho, está bonito pra chover? — Lá nada, meu pai: aquele mesmo ceuzão estrelado da boca da noite! Mode coisa inté que foi espanado! Por acolá, por riba do cordão da serra, vem aparecendo uma nuvenzinha, mas é uma desgraça de pequena, é uma porqueirinha, é uma garrinha de nuve que não dá nem pra se fazer uma apragata... MOTA, Leonardo. No tempo de Lampião. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2002, p. 58.

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Era fim de outono. Também no Vermont, nos Estados Unidos, em novembro, meu Deus, não fosse o testemunho das estrelas no céu, tão diversas, e o povo todo falando inglês, e a comida inconfundível, a gente podia jurar que aquele novembro era em pleno sertão do Quixeramobim. O chão cinzento, a mata rala desfolhada, os bichos comendo capim seco, as águas escassas depois dos calores do verão. A terra como adormecida, esperando o despertar para desabrochar. Tal e qual como nós. A única diferença era a espera da neve e do frio – e nisso nós levamos vantagem, pois ninguém pode comparar o conforto da ventilação marinha que nos banha a terra toda, o sol claríssimo, os lindos luares, as noites frescas, as madrugadas esplendorosas, com o frio e a umidade e a neve nos telhados e o gelo no chão, e tudo trancafiado a tiritar, procurando aquecimento. QUEIROZ, Rachel de. O Homem e o tempo. São Paulo: Siciliano, 1995, p. 84.

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A Festa da Natureza Chegando o tempo do inverno, Tudo é amoroso e terno, Sentindo do Pai Eterno Sua bondade sem fim. O nosso sertão amado, Esturricado e pelado, Fica logo transformado No mais bonito jardim. Neste quadro de beleza A gente vê com certeza Que a musga da natureza Tem riqueza de incantá. Do campo até na floresta As ave se manifesta Compondo a sagrada orquesta Desta festa naturá. Tudo é paz, tudo é carinho, Na construção de seus ninho, Canta alegre os passarinho As mais sonora canção.

E o camponês prazentêro Vai prantá fejão ligêro, Pois é o que vinga premêro Nas terra do meu sertão. Depois que o podê celeste Manda chuva no Nordeste, De verde a terra se veste E corre água em brobutão A mata com o seu verdume E as fulô com o seu prefume, Se infeita de vaga-lume Nas noite de iscuridão. Nesta festa alegre e boa Canta o sapo na lagoa, No espaço o truvão reboa Mostrando o seu rôco som. Vai tudo se convertendo, Constantemente chuvendo E o povo alegre dizendo: Deus é poderoso e bom! [...] ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 79.


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O dia estava radioso. Chovera à noite, e o céu amanhecera fresco e limpidíssimo, com um brilho doce e úmido de cetim novo. Pouco depois o Sol se velara sob uma larga barreira de cúmulos flocosos que se dilatavam em mirantes de prata pelo horizonte acima; mas depois um vento rijo varrera tudo, e nem a mais ligeira nuvem pincelara o firmamento. SALES, Antônio. Aves de arribação. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2006, p. 60.

A neblina miúda e preguiçosa caiu no final do ano, trazendo com ela as chuvas fortes de janeiro, que fizeram brotar a babugem, alfombrando de erva verde a terra rachada. O pai do menino retornou com o gado, contando que vira o juazeiro florar nas matas, sinal de esperança e de muita chuva. CAMPOS, Natércia. “Penitentes” In Iluminuras. 3ª. Ed. Fortaleza: Premius, 2002, pp. 132-133.

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Na terça-feira, à tarde, cai de repente uma grande chuva que põe a correr todos os papangus que foliam pelas ruas. Subo para a sala de nossa casa meio triste e encontro todos alegres. Minha avó tinha ido logo acender uma vela junto à imagem de São José, no oratório. É que o ano começara seco e aquela chuva trazia uma esperança de inverno. Nasci e criei-me dentro da preocupação das secas. Minha família vivia na cidade, mas resultava de incontáveis gerações de agricultores e criadores. Meu bisavô e meu avô tinham sempre estado à testa de engenhos, sítios e fazendas. [...] Em dezembro, todos os anos, minha avó fazia a experiência chamada de Santa Luzia, pondo uma pedra de sal sobre o nome de cada mês escrito num papelão e expondo-o ao sereno da noite. Pela manhã, as pedras de sal que estivessem mais ou menos derretidas indicariam maiores ou menores chuvas no mês sobre que se achassem. No dia 13, data da santa, do ano anterior, a experiência de minha avó fora um desastre: tudo seco. Esperava-se um ano terrível. A chuva de terçafeira gorda como que desmentia os tristes anúncios. Até então não caíra um pingo de água do céu azul e limpo. As notícias do sertão em fogo eram alarmantes. Mas possivelmente tudo ia mudar e ter-se-ia talvez até um bom inverno. Daí a alegria de todos, em contraste com o meu aborrecimento por ter a chuva espalhado todos os papangus. BARROSO, Gustavo. Coração de menino. Fortaleza: Casa de José de Alencar, 2000, p. 49-50.

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Com o tempo fechado, a vida do interior tornava-se mais íntima e animada. Ficavam mais tempo à mesa, achando prazer na convivência, e tinham mais vontade de comer. Lá fora, ou o ruído da água e do vento, ou a claridade pondo um encanto no relevo da paisagem vicejante e lavada.

Era o dia de São Secundino, e enfim ele se resignava. Ao almoço, paçoca. O dono da casa, à cabeceira, de frente para a janela aberta sobre o sertão. A paçoca estava demasiado gorda. [...] — Faça o favor de não reparar – fez a Guida – se não lhe tratamos melhor. Aqui pelos matos não se encontram os recursos de lá... — Pelo amor de Deus, minha tia! Os recursos de lá por lá se fiquem. Neste caso voto pelos de cá. — A falar a verdade, no sertão o passadio pelo inverno é muito superior – acrescentou o Major. Pela seca é que são elas. Guidinha, manda vir fogo para o cachimbo. PAIVA, Manuel de Oliveira. Dona Guidinha do Poço. Fortaleza: Imprensa Universitária; Edições Adolfo Caminha, 2004, p. 35-36.

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Ia correndo abril, o mês “das águas mil”, quando os botões se intumescem para rebentar na esplêndida floração de maio. Os roçados sofriam a primeira capina, que os desbravava do ervaçal daninho, alastrando invasoramente por entre as carreiras do milho, afogando no embastido das suas hostes intrusas os feijoeiros salpicados de flores roxas com feitio de borboletas e os jerimunzeiros que se abriam em campânulas de ouro fulvo. Já saturado d’água, o solo não emitia esse calor de cio que lhe irradia das entranhas ao contato das primeiras chuvas. Os rios corriam túrgidos, na majestade soberana das grandes forças, atingindo a orla das altas ribanceiras, de onde se debruçavam os mofumbos folhudos e os canoés alongavam as raízes longas e retilíneas como os tubos de um órgão. [...] SALES, Antônio. Aves de arribação. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2006, p. 92.


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O dia alto espalhava por todo o sertão a delícia incomparável do inverno em meio. A chuva, que cessara havia pouco, lavara o verde das folhas, enchera de vigor novo a clorofila das plantas; o massapê amolecido fugia aos pés, traiçoeiro como um pavimento encerado. No céu azul desfazia-se, lento, o algodoado sujo das nuvens plúvias; caía sobre a terra farta a poeira do sol doce e flavo. Sacudindo as galhadas virentes, o vento brando arrancava às arvores o suave perfume das frondes renascidas. Graúnas e galos-de-campina grazinavam agudo, voejando, à toa, no alto. Reses tardas malhavam pachorrentas a sombra amorável do arvoredo. LIMA, Herman. Tigipió. Rio de Janeiro: Ediouro; Tecnoprint, 1981, p. 85.

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A temperatura descia um pouco todas as noites, e a terra, farta d’água, desprendia ligeiros vapores que punham um véu tênue sobre as tintas sempre cruas da paisagem. Era o tempo da ferra dos bezerros e da libertação do gado, para o qual o vaqueiro abre comovido as porteiras do curral, a modular o saudoso aboio de despedida. Em breve viria o verão áspero e implacável cortando os rios e dessecando as grandes lagoas azuladas, empenachadas de pacaviras e povoadas das infinitas aves aquáticas com a sua eterna música, que é como um hosana perene da estação bendita. A terra ia despojar o seu manto verde para gozar os bens em que se haviam transformado as esperanças vingadas, e havia nesse declinar das coisas como uma repousada placidez de maternidade. Em breve toda a folhagem cairia como uma túnica rota e apareceriam nuas, requeimadas e angulosas, as árvores, feridas de morte aparente durante os longos meses da canícula. Fugiriam todas as aves joviais e delicadas que só podem viver no frescor veludoso dos recessos virentes; e em formidáveis revoadas fatídicas, como lúgubres arautos da seca, se despejaria sobre os campos combustos a praga das avoantes, famélicas e destruidoras. A natureza chegara ao seu fastígio, e aquele ouro que a cobria nesse momento ia fundir-se ao Sol inclemente para pôr a nu a sua desolada senilidade. As folhas amarelas são as cãs da floresta: era fugir enquanto a sua cabeleira começava apenas a patentear os primeiros sinais de velhice. SALES, Antônio. Aves de arribação. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2006, p. 229-230.

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Chegam os amigos de visita pelo sertão e nos seus olhos leio o espanto, e quando não é espanto pelo menos é estranheza: que é que nos prenderá nesta secura e nesta rusticidade? Ou, nos meses que precedem a secura, os excessos dos invernos nordestinos, as águas torrenciais, os caminhos desfeitos, as várzeas alagadas, qualquer comunicação interrompida. Tudo tão pobre. Tudo tão longe do conforto e da civilização, da boa cidade com as suas pompas e as suas obras. Aqui, a gente tem apenas o mínimo e até esse mínimo é chorado. Nem paisagem tem, no sentido tradicional de paisagem. Agora, por exemplo, fins d’águas e começos de agosto, o mato já está todo zarolho. E o que não é zarolho é porque já secou. Folha que resta é vermelha, caíram as últimas flores das catingueiras e dos paus-d’arco, e não haveria mais flor nenhuma não fossem as campânulas das salsas, roxas e rasteiras. No horizonte largo tudo vai ficando entre sépia e cinza, salvo as manchas verdes, aqui e além, dos velhos juazeiros ou das novatas algarobas. E os serrotes de pedra do Quixadá também trazem

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a sua nota colorida; até mesmo quando o sol bate neles de chapa, tira faíscas de arco-íris. E a água, a própria água, não dá a impressão de fresca: nos pratosd’água espelhantes ela tem reflexos de aço, que dói nos olhos. [...] Não tem jardim; as zínias e os manjericões, que levantavam um muro colorido ao pé dos estacotes, estão ressequidos como ramos bentos guardados num baú. Também não tem pomar, fora os coqueiros e as bananeiras do baixio. Não tem nada dos encantos tradicionais do campo, como os conhecemos pelo mundo além. Nem sebes floridas, nem regatos arrulhantes, nem sombrios frescos de bosque — só se a gente der para chamar a catinga de bosque. Não, aqui não há por onde tentar a velha comparação, a clássica comparação dos encantos do campo aos encantos da cidade. Aqui não há encantos. Pode-se afirmar com segurança que isto por aqui não chega sequer a ser campo. É apenas sertão e catinga. As delgadas, escuras cercas de pau a pique cavalgando as lombadas, o horizonte redondo e desnudo, o vento nordeste varrendo os ariscos. QUEIROZ, Rachel de. O Homem e o tempo. São Paulo: Siciliano, 1995, p. 108-109.

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Depois, ao findar de junho, ferram-se os bezerros, soltam-se as vacas. O vento principia a erguer turbilhões de pó e folhas secas ricocheteantes. Começa novamente a estação seca. O gado vai-se aproximando das casas e cacimbas. Poços, ipueiras e açudes rebalsados secam. Circulam notícias de ribeiras onde a seca já entrou, de outras que ainda estão fartas. Apanham-se as últimas vagens de feijão, quebram-se as derradeiras espigas de milho. Volta o tempo das amarguras: e os sertanejos humildes e crentes, à noite, no altar singelo da fazenda, rezam de olhos nas luzes que clareiam os santos, pedindo a Deus e a S. José – advogado das chuvas – que o inverno torne em dezembro, que não falte em janeiro, para alegrar de novo a face triste do sertão. BARROSO, Gustavo. Terra de Sol. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2006, p. 28.


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Sim, só compare o Nordeste à Terra Santa. Homens magros, tostados, ascéticos. A carne de bode, o queijo duro, a fruta de lavra seca, o grão cozido n’água e sal. Um poço, uma lagoa é como um sol líquido, em torno do qual gravitam as plantas, os homens e os bichos. Pequenas ilhas d’água cercadas de terra por todos os lados e em redor dessas ilhas a vida se concentra. O mais é a paz, o sol, o mormaço. QUEIROZ, Rachel de. O Homem e o tempo. São Paulo: Siciliano, 1995, p. 110-111.

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Aridez Árido o pássaro árida a cicatriz na pedra árido o vento árido o tropel dos escorpiões bailarinos árida a simetria da luz árido o céu árido o silêncio de Deus árido o madrigal árido o cio da cobra árido o lamento da porta aberta árido o amor dos homens árida a madrugada árido o cântico dos galos nas tardes de estio áridas as árvores de copas de mármore áridos os seios das mulheres árido o ventre árida a palidez do rosto árido o fel do sorriso raiado de sangue áridos os olhos árido o galope das nuvens degoladas árido o sabor da treva árida a agonia da terra demolida árido o esquecimento árida a voz que diz adeus aos mortos. CARVALHO, Francisco. Memórias do Espantalho: poemas escolhidos. Fortaleza: Imprensa Universitária UFC, 2004, p. 305.


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Falsa Canção do Exílio Minha terra tem palmeiras onde o sabiá não canta. Minha terra passa fome porque não colhe o que planta. Minha terra anda descalça pelos caminhos da lenda. Minha terra está fugindo com as ovelhas da fazenda. Minha terra está com sede mas não bebe de água alheia. Minha terra está com fome mas não colhe o que semeia. Minha terra exporta nuvem para o hemisfério polar. Minha terra anda à procura dos olhos negros do mar. Não permita Deus que eu morra deste esplim que me quebranta. Minha terra tem palmeiras onde o sabiá não canta. CARVALHO, Francisco. Memórias do Espantalho: poemas escolhidos. Fortaleza: Imprensa Universitária UFC, 2004, p. 121.

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Apelava para o dia de São José; nesse dia é que se saberia a sorte do Ceará. Na noite de 18 de março poucos foram os que dormiram. Ao quebrar das barras já todos estavam nos terreiros, com o olhar fito no levante. O céu estava limpo e ponteado de estrelas, que esfuzilavam em todos os rumos. Um movimento de nuvens foi aparecendo no nascente ao mesmo tempo que um vento frio soprava de floresta afora. A luz do luar em plenilúnio ia enfraquecendo, à proporção que a claridade crepuscular ia aumentando: não tardaria o aparecimento do sol. As nuvens afastaram-se como um reposteiro, que fosse corrido, brilhou a aurora, franjando de ouro o contorno dos estratos, depois apareceu o sol, um globo de fogo, semelhante a cobre fundido. O vento de leste esfuziou mais forte e foi uivando de mundo afora, torcendo a ramaria das árvores, levantando do solo nuvens de folhas secas e de poeira. Os sertanejos, que olhavam o nascer do sol, baixaram a vista, alguns chorando a sua sentença de morte.

A crise foi acentuando-se e o mal tomando de dia a dia maiores proporções. Os campos secavam e as águas desapareciam das fontes. As searas por terra não tinham produzido uma espiga! A enxada se oxidava encostada na senzala. Na casa de farinha o caitatu cegava-se ralando a raiz estipenta da mucunã. TEÓFILO, Rodolfo. A Fome. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2002, p. 17-18.



Vaca Estrela e Boi Fubá Seu dotô, me dê licença Pra minha histora eu contá. Se hoje eu tou na terra estranha E é bem triste o meu pená, Mas já fui muito feliz Vivendo no meu lúga. Eu tinha cavalo bom, Gostava de campeá E todo dia aboiava Na portêra do currá. Ê ê ê ê Vaca Estrela, ô ô ô ô Boi Fubá.

Aquela seca medonha Fez tudo se trapaiá; Não nasceu capim no campo Para o gado sustentá, O sertão esturricou, Fez os açude secá, Morreu minha Vaca Estrela, Se acabou meu Boi Fubá, Perdi tudo quanto tinha Nunca mais pude aboiá. Ê ê ê ê Vaca Estrela ô ô ô ô Boi Fubá.

Eu sou fio do Nordeste, Não nego o meu naturá Mas uma seca medonha Me tanjeu de lá pra cá. Lá eu tinha meu gadinho Não é bom nem maginá, Minha bela Vaca Estrela E o meu lindo Boi Fubá, Quando era tardezinha Eu começava a aboiá. Ê ê ê ê Vaca Estrela ô ô ô ô Boi Fubá.

E hoje, nas terra do Sú, Longe do torrão natá, Quando vejo em minha frente Uma boiada passá, As água corre dos oio, Começo logo a chorá, Me lembro da Vaca Estrela, Me lembro do Boi Fubá; Com sodade do Nordeste Dá vontade de aboiá. Ê ê ê ê Vaca Estrela ô ô ô ô Boi Fubá. ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 323-324.


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Como que se percebia no abismo do espaço infindo a eterna gestação do cosmos, operoso e fecundo, em flagrante criação de mundos novos. E, na gloriosa harmonia dos astros, na expansão soberba da vida universal, a terra cearense era nota de contraste, um lamento de desespero, de esgotamento das derradeiras energias, porque o sol sedento lhe sorvera, em haustos de fogo, toda a seiva. Olhares ansiosos procuravam, em vão, o fuzilar de relâmpagos longínquos a pestanejarem no rumo do Piauí, desvelando o perfil negro da Ibiapaba. Nada; nem o mais ligeiro prenúncio das chuvas de caju. O sertão ressequido estava quase deserto: campos sem gados, povoações abandonadas. E a constante, a implacável ventania, varrendo o céu e a terra, entrava, silvando e rugindo, as casas vazias, como fera raivosa, faminta, buscando e rebuscando a presa, e fazendo, com pavoroso ruído, baterem as portas de encontro aos portais, num lamentoso tom de abandono. OLÍMPIO, Domingos. Luzia-Homem. Fortaleza: ABC, 1999, p. 32.




O velho Domingos Lopes partira, ao cair da noite, da quase abandonada vila de Pentecostes. Cansado de lutar contra a seca daquele ano fatal, que vorazmente devastara as humildes ribeiras sertanejas, tendo visto tombar de inanição sobre o solo estorricado a derradeira vaca da fazenda onde trabalhava, resolvera fugir do povoado sequioso e faminto, rumando para o litoral. Daí o conduziria o destino aos igarapés doentios do Norte, ou às fazendas de terra roxa do Sul. Encarava a alternativa com indiferença. Sua brônzea alma de sertanejo de nada se arreceava. Seria o que tivesse de ser. Gastara cinqüenta e muitos anos de vida naqueles cafundós, a mourejar na lavoura e na criação, de enxada em punho ao sol quente das baixadas, encourado e a cavalo no recesso espinhento dos carrascais, e de viola na mão, ao luar maravilhoso, nos terreiros poentos em que fervilhavam os sambas. Bastava, para ter coragem, pensar que nascera na terra onde ‘desgraça pouca é bobagem’, ou é ‘tiquinho’, e só se pesa a infelicidade de ‘arroba p’ra riba’! BARROSO, Gustavo. Praias e várzeas; Alma sertaneja. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979, p. 94.

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As sombras das colinas do poente desdobravam-se pelos campos e várzeas e cobriam a rechã desse candor da tarde, que em vez da alegria da alva matutina tem o desmaio, a languidez e a melancolia da luz que expira.

Por aquelas devesas já envoltas no umbroso manto, só destacam-se as copas das árvores altaneiras ainda imergidas nos fogos do arrebol, e que de longe parecem as chamas de um incêndio rompendo aqui e ali do seio da mata. O gado espalhado pelas várzeas solta os profundos e longos mugidos com que se despede do sol, e que propagam-se pelo ermo, como os carpidos da natureza ao sepultar-se nas trevas. Respondem as vacas nos currais, e os bezerros misturam seus berros descompassados com os balidos das ovelhas e borregos, também já recolhidos ao aprisco. Lá das matas reboa o surdo estridor em que se condensam os cantos de todos os pássaros e o grito de todos os animais, para formar a grande voz da floresta, que exala-se, sobretudo nessa hora, abafada e sombria das espessas abóbadas de verdura. ALENCAR, José de. O Sertanejo. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 129.


A chapada, que os viajantes atravessavam neste momento, tinha o aspecto desolado e profundamente triste que tomam aquelas regiões no tempo da seca.

Nessa época o sertão parece a terra combusta do profeta; dir-se-ia que por aí passou o fogo e consumiu toda a verdura, que é o sorriso dos campos e a gala das árvores, ou o seu manto, como chamavam poeticamente os indígenas. Pela vasta planura que se estende a perder de vista, se erriçam os troncos ermos e nus com os esgalhos rijos e encarquilhados, que figuram o vasto ossuário da antiga floresta. O capim, que outrora cobria a superfície da terra do verde alcatifa, roído até à raiz pelo dente faminto do animal e triturado pela pata do gado, ficou reduzido a uma cinza espessa que o menor bafejo de vento levanta em nuvens pardacentas. O sol ardentíssimo coa através do mormaço da terra abrasada uns raios baços que vestem de mortalha lívida e poenta os esqueletos das árvores, enfileirados uns após outros como uma lúgubre procissão de mortos. Apenas ao longe se destaca a folhagem de uma oiticica, de um joazeiro ou de outra árvore vivaz do sertão, que elevando a sua copa virente por sobre aquela devastação profunda, parece o derradeiro arranco da seiva da terra exausta a remontar ao céu. Estes ares, em outra época povoados dos turbilhões de pássaros loquazes, cuja brilhante plumagem rutilava aos raios do sol, agora ermos e mudos como a terra, são apenas cortados pelo vôo pesado dos urubus que farejam a carniça.

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Às vezes ouve-se o crepitar dos gravetos. São as reses que vagam por esta sombra de mato, e que vão cair mais longe, queimadas pela sede abrasadora ainda mais do que inanidas pela fome. Verdadeiros espectros, essas carcaças que se movem ainda aos últimos arquejos da vida, inspiraram outrora as lendas sertanistas dos bois encantados, que os antigos vaqueiros, deitados ao relento no terreiro da fazenda, contavam aos rapazes nas noites do luar. Quem pela primeira vez percorre o sertão nessa quadra, depois de longa seca, sente confranger-se-lhe a alma até os últimos refolhos em face dessa inanição da vida, desse imenso holocausto da terra. [...] Das torrentes caudais restam apenas os leitos estanques, onde não se percebe mais nem vestígios da água que os assoberbava. Sabe-se que ali houve um rio, pela depressão às vezes imperceptível do terreno, e pela areia alva e fina que o enxurro lavou. É nos estuários dessas aluviões de inverno, conhecidos com o nome de várzeas, onde se conserva algum vislumbre da vitalidade, que parece haver de todo abandonado a terra. Aí se encontram, semeadas pelo campo, touceiras erriçadas de puas e espinhos em que se entrelaçam os cardos e as carnaúbas. Sempre verdes, ainda quando não cai do céu uma só gota de orvalho, estas plantas simbolizam no sertão as duas virtudes cearenses, a sobriedade e a perseverança. ALENCAR, José de. O Sertanejo. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 14-15.

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Felipe nasceu no Umbuzeiro. Tem mais de sessenta anos. Descende de antigos escravos. E não tem um cavalo, um burro, um jumento, uma vaca. Talvez uma ou duas cabras. A rocinha de algodão, de mandioca, de feijão. E o casebre esburacado, a filharada espalhada pelo mundo: Amazonas, São Paulo, Rio de Janeiro. Felipe não se queixa, trabalha, serve ao coronel do Umbuzeiro como seu pai servira ao pai dele. É a lei do sertão. Um vento macio sopra do nordeste. Padre Anselmo sorri para o velho: – Teremos chuva, Felipe? – Se Deus quiser, seu vigário. – Mas tudo só acontece se Deus quiser. Felipe é de poucas palavras. E está triste. Pensa na velha, estirada na cama, morrendo. Já vira muita seca. Quinze, dezenove, trinta e dois: tudo a mesma coisa. [...] BEZERRA, João Clímaco. A Vinha dos esquecidos. Fortaleza: UFC, 2005, p.135.

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O sol continua a fuzilar, impiedoso; o céu, quase branco, tem fulgurações alucinantes, de metal em fusão. Ao pino do dia, impossível suportar o furor da luz. Desce das alturas, e sobe do solo uma tal vibração de claridade, que é como se andássemos dissolvidos numa grande esfera de cristal. As madrugadas são silenciosas e rápidas, como nos primeiros dias da Gênese. Os poentes têm uma tal pompa de cores, um tão insólito fulgor, como se o sol, antes de mergulhar na treva, se desmanchasse num vulcão de pedrarias, de ouro e labaredas. E os luares são tão suaves, tão cheios de doçura balsâmica e de magia adormentadora, palpitam as constelações cheias de tão terna luz, que a gente quase perdoa ao céu a tortura e a angústia do estio mortal. LIMA, Herman. Tigipió. Rio de Janeiro: Ediouro; Tecnoprint, 1981, p. 13-14.

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Ô! Meu boi! Ô lá, meu boi, ê! Meu boi manso! Ô ê! Ê... ê... ê... Encostado ao mourão da porteira de paus corridos, o vaqueiro das Aroeiras aboiava dolorosamente, vendo o gado sair, um a um, do curral. A junta de bois mansos passou devagarinho. O velho touro da fazenda saiu, arrogante. Garrotes magros, de grandes barrigas, empurravam as vacas de cria, atropelandose. Até que a derradeira rês, a Flor do Pasto, fechando a marcha, também transpôs a porteira e passou junto de Chico Bento que lhe afagou com a mão a velha anca rosilha, num gesto de carinho e despedida. Da janela da cozinha, as mulheres assistiam à cena. Choravam silenciosamente, enxugando os olhos vermelhos na beira dos casacos ou no rebordo das mangas. Saída a última rês, Chico Bento bateu os paus na porteira e foi caminhando devagar, atrás do lento caminhar do gado, que marchava à toa, parando às vezes, e pondo no pasto seco os olhos tristes, como numa agudeza de desesperança.

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Algumas reses, sem ir mais longe, começavam a babujar a poeira do panasco que ainda palhetava o chão nas clareiras da caatinga. Outras, mais tenazes, seguiam cabisbaixas, na mesma marcha pensativa, a cauda abanando lentamente as ancas descarnadas. Chico Bento parou. Alongou os olhos pelo horizonte cinzento. O pasto, as várzeas, a caatinga, o marmeleiral esquelético, era tudo de um cinzento de borralho. O próprio leito das lagoas vidrara-se em torrões de lama ressequida, cortada aqui e além por uma alguma pacavira defunta que retorcia as folhas empapeladas. Depois olhou um garrotinho magro que, bem pertinho, mastigava sem ânimo uma vergôntea estorricada. E ao dar as costas, rumo à casa, de cabeça curvada como sob o peso do chapéu de couro, sentindo nos olhos secos pela poeira e pelo sol uma frescura desacostumada e um penoso arquejar de peito largo, murmurou desoladamente: – Ô sorte, meu Deus! Comer cinza até cair morto de fome! QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 23-25.

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O vento forte, que passa, aos golpes, rodopia de súbito, turbilhona, rasteja, ergue-se de novo, em espiral furente, arrebatando milhares de folhas secas, que ficam voltejando, subindo para as nuvens, num novelo vermelho e veloz. E o remoinho vai, pelas terras em fora, engrossando cada vez mais, pelo meio da mata esfolhada, roncando, torcendo as garrancharias, que estralejam, como se um fogo invisível e violento as comburisse. Quem vai de viagem pelo sertão, pelas várzeas infindas, num dia de sol claro e lindo, vê, de longe, esses funis de pó, imensos cones invertidos, correndo, varando tudo, caminhando milhas e milhas, altos, fulvos, como as trombas de areia dos desertos. E o matuto, que segue ao passo tardo de seu pedrês cansado, sob o cáustico implacável da luz, numa diligência qualquer, “corregendo o campo” , tocando o comboio de gêneros, ou tangendo o carro de bois rangedor, concentra-se, compungido, pois, na rajada de terra que passa, afuroando os ares, rabiando, vão pobres almas perdidas em danação. LIMA, Herman. Tigipió. Rio de Janeiro: Ediouro; Tecnoprint, 1981, p. 13.

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Mas a triste realidade duramente ainda recordava a seca. Passo a passo, na babugem macia, carcaças sujas maculavam a verdura.

Reses famintas, esquálidas, magoavam o focinho no chão áspero, que o mato ainda tão curto mal cobria, procurando em vão apanhar nos dentes os brotos pequeninos. E à porta das taperas, as criancinhas que brincavam e acorriam em grupos curiosos, à vista da cadeirinha, ainda tinham a marca da fome tristemente gravada nos pequeninos rostos ossudos, dum amarelo de enxofre. Carecia esperar que o feijão grelasse, enramasse, floreasse, que o milho abrisse as palmas, estendesse o pendão, bonecasse, e lentamente endurecesse o caroço; e que ainda por muitos meses a mandioca aprofundasse na terra as raízes negras. Tudo isso era vagaroso, e ainda tinham que sofrer vários meses de fome. QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 152.

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Canção dos Deserdados Na alma do nordestino soluça um riacho de águas traiçoeiras que fogem para o mar. Um sol de úlceras desintegra a paisagem. Dragões arrastam pelo céu sua musculatura de estrelas. Da terra se levantam claridades intrínsecas. O fulgor das ossadas pulveriza o esqueleto dos caminhos. Os homens não são homens: são restos dum pesadelo de Deus. As árvores não são árvores: são cinzas de vértebras mutiladas. O verso é um braço impotente para ajudar os aflitos. Preciso escrever na terra uma canção de legumes. CARVALHO, Francisco. Memórias do Espantalho: poemas escolhidos. Fortaleza: Imprensa Universitária UFC, 2004, p. 36-37.

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Todas as tardes, invariavelmente, da janela que dizia para o poente, ou em pé na varanda, consultava o tempo, os horizontes cor de cinza, o céu d’um azul diáfano de safira, procurando bispar na inclemência da atmosfera imóvel a sombra fresca de uma nuvem, um indício qualquer de chuva.

Surpreendia, às vezes, crivando a transparência do ar, revoadas d’aves de arribação. Recolhia-se animado. Mas os dias passavam quentes e secos. Outras vezes, à noitinha, clarões rápidos e lívidos abriam-se no poente como reflexos de luz elétrica; ouvia-se rolar a trovoada muito ao longe. Mendonça punha-se a escutar calado, sentia um como arrepio bom, e lá tornava a iludir-se alimentando, toda uma noite, a doce esperança de ver pela manhã o solo úmido e a rama brotando verde e pujante da “fornalha”. Mas qual! As manhãs sucediam-se cada vez mais tépidas, sem pinga d’água, uma aragem leve, de cemitério, arrepiando a folhagem do arvoredo. Um céu muito alto, varrido, monótono, indecifrável como um dogma. E pouco a pouco aquele estado de coisas foi atuando forte no espírito do sertanejo, como as vibrações de um clarim que dá sinal de marcha; pouco a pouco foi-se convencendo de que aquilo era uma situação impossível em que ele não devia absolutamente permanecer. Os açudes estorricavam mostrando os leitos gretados pelo sol, duros como pedra; juritis encandeadas iam espapaçar ofegantes no chão, defronte da casa; cascavéis chocalhavam no alpendre, ocultas, invisíveis, e todas as coisas tinham um aspecto desolado e lúgubre que se comunicava as criaturas. CAMINHA, Adolfo. A Normalista. São Paulo: Ática, 1998, p. 21-22.

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Mas em redor dela a natureza agonizava nos paroxismos dos fins das águas. As jitiranas já não agitavam as suas campânulas de azul-lilás dentre as ramas que subiam em volutas pelas colunas da varanda, e as valsaminas, como no mês da Virgem, já não abriam suas boquinhas frescas e perfumosas em sorrisos de garradice angélica. As graúnas ainda cantavam a tarde no imenso tamarindeiro que ali bem perto subia para o céu ermo e profundo; mas a copa da grande árvore se deplumava no alto, pondo a nu a galharia intrincada e miudinha, na qual aquelas aves se destacavam, muito negras e muito pequenas, a entoarem a nênia da estação morta.

Esgarçara-se a bruma levíssima que atenuava a crueza da luz; as serras vizinhas, tocadas da claridade moribunda do Sol, acusavam, nas saliências dos seus contrafortes, as mínimas particularidades das rochas, dos caminhos, das culturas das vivendas lampejantes, e ao alto estampava, num fundo cinzento, a linha dos cimos arrepiados de frondes e espetados de longe em longe pela haste fina e direita de uma palmeira em ressalto. Um tom neutro e soturno dominava o oriente, enquanto o poente, todo em fogo, corroía os contornos caprichosos dos formidáveis torrões de nuvens por cujas seteiras se derramava a luz como jorros de metal em fusão.

SALES, Antônio. Aves de arribação. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2006, p. 237.

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Era por formosa manhã de dezembro, a terceira que raiava depois da chegada do fazendeiro à sua casa da Oiticica. Assomando sobre o capitel da floresta erguida no oriente como o pórtico do deserto, o sol coroado da magnificência tropical dardejava o olhar brilhante e majestoso pela terra, que se toucara de toda a sua louçania para receber no tálamo da criação ao rei da luz. [...] Com a irradiação da manhã derrama-se a aura que anima a solidão. Dessa terra combusta por longo e abrasado estio, já reçumam os viços que anunciam a poderosa expansão de sua fecundidade. Na noite seguinte à chegada, como previra Arnaldo, tinha caído a primeira chuva. Desde então, com pequenos intervalos, passavam os aguaceiros do natal que são os repiquetes do inverno.

Embora falhem muitas vezes essas promessas, o sertanejo, como os animais e toda a natureza que o cerca, recebe sempre com intenso prazer as alvíçaras de bom ano. A primavera do Brasil, desconhecida na maior parte do seu território, cuja natureza nunca em estação alguma do ano despe a verde túnica, só existe nessas regiões, onde a vegetação dorme como nos climas da zona fria. Lá a hibernação do gelo; no sertão a estuação do sol. ALENCAR, José de. O Sertanejo. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 66.

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Soneto digital Sou da terra onde as aves de rapina carregam madrugadas no esporão. Onde as cabras são faunos que ruminam talos de flor e os brolhos do verão. Sou da terra onde as vacas deixam marcas dos ubres sazonados nos outubros. Memórias de equinócios desenhados em todos os relevos das garupas. Sou da terra que parte e que regressa pelas estradas de silêncio e areia dos dourados estios duradouros. Sou da terra onde o mito reverdece e a lenda das aranhas tece a teia nos chifres mitológicos dos touros. CARVALHO, Francisco. Memórias do Espantalho: poemas escolhidos. Fortaleza: Imprensa Universitária UFC, 2004, p.64.

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Rezar Pedindo Chuva Leio nos jornais que três mil gaúchos, no pampa ora comburido, rezam pedindo chuva.

E vi, também, que as lagoas e os açudes — tristes olhos sem pupila — tentavam, na sua prece, olhar o céu cada dia mais azul.

Lembrei-me então de que milhões de cearenses, de janeiro até março, em cada ano, se ajoelham, à espera da água que vem do céu.

Muita vez, por irrisão, vencendo um sol que não cansa, forma-se uma nuvem e há choro de alegria, Mas logo vem o vento e leva a nuvem e — quem sabe? — as orações. E então volta o sussurro da reza, ora queimado de sol, ora banhado de lua, ora cravejado de estrelas...

Mas não rezam somente os homens e as mulheres: oram também os bichos, as árvores já sem folha, as fontes que irão secar. Eu, certa vez, no pátio de uma fazenda em perigo, ouvi a reza do chão.

CARVALHO, Jáder de. Delírio da solidão. Fortaleza: Terra de Sol, 1980, p. 73.

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Ao fim das várzeas imensas, cortadas de carnaubais, que farfalhavam num suave marulho de água corrente, a estrada seguia agora, entre barrancos negros, aos torcicolos, sulcada a toda a largura pelas “arrieiras” dos carros de bois. Por cima, sombreando-a de vez em quando, estendia-se a umbela eternamente verde das oiticicas e juazeiros, emaranhava-se a galharia despojada de folhas das tamarindeiras e mutambeiras, raro, um cedro, a um lado, pendia para o chão a copa verdolenga, semeada de flores amarelas, todo ele num jeito romântico de salgueiro. LIMA, Herman. Tigipió. Rio de Janeiro: Ediouro; Tecnoprint, 1981, p. 71.


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O seu olhar escuro pousa no chão, erra pelo céu buscando sinais de chuva, ou fito, imóvel, vago, distraído da vida, alheiado das coisas, perde-se pelo espaço. Nessas ocasiões, andam-lhe n’alma esperanças sem forma, vontades sem nome, anseios sem fim: um vago, inexplicável desejo de ver novas terras, prados verdes alongando-se ao sol, altas montanhas fechando os horizontes, grandes rios rolando suas águas, onde a alma não cuide com faminta sofreguidão no dia de amanhã, onde a natureza jamais negue os seus dons. É a estranha vontade de emigrar que fermenta n’alma de todo sertanejo e que, à brusca determinante de uma calamidade ou de um desgosto, o impele a deixar a terra do berço. BARROSO, Gustavo. Terra de Sol. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2006, p. 118.

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A Terra é Naturá [...] Esta terra é como o Só Que nace todos os dia Briando o grande, o menó E tudo que a terra cria. O só quilarêa os monte, Tombém as água das fonte, Com a sua luz amiga, Potrege, no mesmo instante, Do grandaião elefante A pequenina formiga.

Esta terra é como a lua, Este foco prateado Que é do campo até a rua, A lampa dos namorado; Mas, mesmo ao véio cacundo, Já com ar de moribundo Sem amô, sem vaidade, Esta lua cô de prata Não lhe dêxa de sê grata; Lhe manda quilaridade.

Esta terra é como a chuva, Que vai da praia a campina, Móia a casada, a viúva, A véia, a moça, a menina. Quando sangra o nevuêro, Pra conquistá o aguacêro, Ninguém vai fazê fuxico, Pois a chuva tudo cobre, Móia a tapera do pobre E a grande casa do rico.

Esta terra é como o vento, O vento que, por capricho Assopra, as vez, um momento, Brando, fazendo cuchicho. Ôtras vez, vira o capêta, Vai fazendo piruêta, Roncando com desatino, Levando tudo de moio Jogando arguêro nos oio Do grande e do pequenino.

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Se o orguiôso podesse Com seu rancô desmedido, Tarvez até já tivesse Este vento repartido, Ficando com a viração Dando ao pobre o furacão; Pois sei que ele tem vontade E acha mesmo que percisa Gozá de frescô da brisa, Dando ao pobre a tempestade.

Não invejo o seu tesoro, Sua mala de dinhêro A sua prata, o seu ôro O seu boi, o seu carnêro Seu repôso, seu recreio, Seu bom carro de passeio, Sua casa de morá E a sua loja surtida, O que quero nesta vida É terra pra trabaiá.

Pois o vento, o só, a lua, A chuva e a terra também, Tudo é coisa minha e sua, Seu dotô conhece bem. Pra se sabê disso tudo Ninguém precisa de istudo; Eu, sem escrevê nem lê, Conheço desta verdade, Seu dotô, tenha bondade De uvi o que vô dizê.

Iscute o que tô dizendo, Seu dotô, seu coroné: De fome tão padecendo Meus fio e minha muié. Sem briga, questão nem guerra, Meça desta grande terra Umas tarefa pra eu! Tenha pena do agregado Não me dêxe deserdado Daquilo que Deus me deu. ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá. Petrópolis: Vozes, 2011, p.155-157.

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A flora sucumbira de todo aos golpes da canícula. No céu, ermo e flamejante, apenas se divisavam ao cair das tardes as nuvens pressagas das pombas mensageiras da seca. Ao longo dos caminhos que traziam à cidade, raras folhas verdes davam um sinal de vida da terra, sucumbida à hipnose do Sol. O rio já não corria sob a grande ponte vermelha, e mostrava o acolchoado dos seus bancos de areia grossa cravejada de malacachetas fulgurantes. Bocas invisíveis e insaciáveis haviam sugado a linfa azul das lagoas transformadas em extensões côncavas de argila gretada e cinzenta. Somente a floração do céu ganhara em abundância e esplendor. Noites fantasticamente estreladas se arqueavam sobre o sertão que ofegava como uma alimária tombada de estafamento. O céu negro e coruscante de sóis a pesar sobre tudo, como a abóbada de uma gruta povoada de pirilampos, era cortado de quando em quando pelo espasmo rútilo dos bólides. SALES, Antônio. Aves de arribação. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2006, p. 240.

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Dois Quadros Na seca inclemente do nosso Nordeste, O sol é mais quente e o céu mais azul E o povo se achando sem pão e sem veste, Viaja à procura das terra do Sul.

O dia desponta mostrando-se ingrato, Um manto de cinza por cima da serra E o sol no Nordeste nos mostra o retrato De um bolo de sangue nascendo da terra.

De nuvem no espaço, não há um farrapo, Se acaba a esperança da gente roceira, Na mesma lagoa da festa do sapo, Agita-se o vento levando a poeira.

Porém, quando chove, tudo é riso e festa, O campo e a floresta prometem fartura, Escutam-se as notas agudas e graves Do canto das aves louvando a natura.

A grama no campo não nasce, não cresce: Outrora este campo tão verde e tão rico, Agora é tão quente que até nos parece Um forno queimando madeira de angico.

Alegre esvoaça e gargalha o jacu, Apita o nambu e geme a juriti E a brisa farfalha por entre as verduras, Beijando os primores do meu Cariri.

Na copa redonda de algum juazeiro A aguda cigarra seu canto desata E a linda araponga que chamam Ferreiro, Martela o seu ferro por dentro da mata.

De noite notamos as graças eternas Nas lindas lanternas de mil vagalumes. Na copa da mata os ramos embalam E as flores exalam suaves perfumes. [...] ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 55.


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No sopé das serras, a vegetação driádica, mais seivosa e mais rica, mistura-se em tufos emergentes, nos indistintos e incaracterísticos limites de sua zona, com a flora das caatingas que cobrem o sertão; e, marginando os rios, se estiram vinte, trinta léguas de carnaubais. Duas estações, quase sempre mentirosas e irregulares, existem nessa região: a seca que vai de junho a dezembro e o inverno que vai de janeiro a junho. Naquela se vive dos recursos que esta deixou. Liga-as, portanto, a mais estreita e íntima interdependência. BARROSO, Gustavo. Terra de Sol. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2006, p. 3.

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Aprendera com o avô que no trato e na luta com a terra aquele sertão sabia ser dois, na seca e na chuva. Na seca, cheio de pedras, acidentado, inóspito, com marmeleiros inúteis, carrapateiras, cipós emaranhados e enredados, os espinhosos cardeiros e coroas-de-frade. O sol então imperava secando e destruindo tudo. Bastando, no entanto, ser abençoado pelas chuvas, no inverno, para que tudo se transformasse. As moitas do mofumbo, cheias de olorosas flores que espalhavam seu perfume, os tabuleiros, sem arbustos, ficavam cobertos de flores silvestres, e os verdes intensos enchiam os olhos. CAMPOS, Natércia. “Mãe Natureza” In Iluminuras. 3ª. Ed. Fortaleza: Premius, 2002, pp. 78-79.

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Lá adiante, em plena estrada, o pasto se enramava, e uma pelúcia verde, verde e macia, se estendia no chão até perder de vista.

A caatinga despontava toda em grelos verdes; pauis esverdeados, dum sujo tom de azinhavre líquido, onde as folhas verdes das pacaviras emergiam, e boiavam os verdes círculos de aguapé, enchiam os barreiros que marginavam os caminhos. Insetos cor de folha – esperanças – saltavam sobre a rama. E tudo era verde, e até no céu, periquitos verdes esvoaçavam gritando. O borralho cinzento do verão vestira-se todo de esperança. QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 151.

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Dezembro findara, findou janeiro, entrou fevereiro e não choveu. Dois anos quase passaram, depois da última chuva! Tudo a seca devastou, no auge. A terra, sob a inferneira da canícula, abriu-se em fendas negras, acamou-se em plainos negros, desolados.

Todas as gramíneas, o mata-pasto, o velame, as salsas, a cabeça-branca, as próprias urtigas murcharam; os cipós, o melão-de-são-caetano, as jitiranas, as trepadeiras silvestres de toda casta, fulvas, esmarridas, pendem dos troncos que outrora revestiam virentes, e ora parecem rijos, negros corpos defuntos, cuja mortalha de folhas o vento vai espedaçando aos poucos, até a nudez completa. Todas as várzeas, os cabeços das encostas, o respaldo dos montes, o muro dos barrancos, o leito dos rios e córregos, tudo é uma só terra devastada e morta, savanas nuas, ermos escalvos. LIMA, Herman. Tigipió. Rio de Janeiro: Ediouro; Tecnoprint, 1981, p. 13.

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Numa viagem assim, pelo extremo da contradição, eu só posso é me lembrar do Amazonas. Lá, tanta água, tanta mata! Aqui, terra e sol, sol e terra. Os carnaubais, os cata-ventos de madeira, o leito seco dos rios, o ar quente a dançar na superfície da estrada, tudo isso constitui novidade para mim. E, se eu considerava um milagre o homem viver numa terra a desmanchar-se n’água, no Ceará é muito maior o milagre: o homem trabalha e sofre numa fornalha, os pés descalços, queimados pelos caminhos incendiados de sol, o rosto castigado e abrasado pelo sol, a pupila contraída ante o fogo do sol. CARVALHO, Jáder de. Aldeota. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2003, p. 330.

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Enfrentou nesta andança seca demorada, desentocara os bichos mais teimosos e botou espera nos bebedores de pouca água para viver. O chão torrado do sol quase não deixava aflorar as marcas da caça miúda para abatê-la. A terra mais nua e arenosa é que dava a ele indícios da passagem da caça. Já apelava para os cardeiros, a croa-de-frade, o xiquexique, a macambira e as “comidas brabas” do mato. Nos lugares mais escondidos encontrava disfarçadas nos galhos terrosos as cobras que matavam por arrocho.

Quando a água rareou de vez e a fome o entonteceu, recorreu às raízes do umbuzeiro, onde chupou a cunca, e das pontas aparadas do galho-cavaleiro da mucunã tomou a água que escorreu. Foi uma longa travessia por aquele sertão abrasado, onde vento e nuvem passam de relance, etéreos, como visagem nos ermos de mal-assombro. Lembrara-se do que lhe contaram sobre o rasto deixado numa laje da distante Ibiapaba, pelo Pai das Chuvas, um bem-aventurado peregrino que viera de muito longe. Agora, nesta travessia, ele chegara a pensar que as águas também haviam partido, andarilhas, para bem longe. CAMPOS, Natércia. A Casa. Fortaleza: UFC, 2004, p. 79-80.


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ABC do Nordeste Flagelado A – Ai, como é duro viver nos Estados do Nordeste quando o nosso Pai Celeste não manda a nuvem chover. É bem triste a gente ver findar o mês de janeiro depois findar fevereiro e março também passar, sem o inverno começar no Nordeste brasileiro.

C – Caminhando pelo espaço, como os trapos de um lençol, pras bandas do pôr do sol, as nuvens vão em fracasso: aqui e ali um pedaço vagando... sempre vagando, quem estiver reparando faz logo a comparação de umas pastas de algodão que o vento vai carregando.

B – Berra o gado impaciente reclamando o verde pasto, desfigurado e arrasto com o olhar de penitente; o fazendeiro, descrente, um jeito não pode dar, o sol ardente a queimar e o vento forte soprando, a gente fica pensando que o mundo vai se acabar.

[...] Posso dizer que cantei aquilo que observei; tenho certeza que dei aprovada relação. Tudo é tristeza e amargura, indigência e desventura. — Veja, leitor, quanto é dura a seca no meu sertão. ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 308-314.

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O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta O rio Jaguaribe é uma artéria aberta por onde escorre e se perde o sangue do Ceará. O mar não se tinge de vermelho porque o sangue do Ceará é azul... Todo o plasma toda essa hemoglobina na sístole dos invernos vai perder-se no mar Há milênios... desde que se rompeu a túnica das rochas na explosão dos cataclismos ou na erosão secular do calcário do gnaisse do quartzo da sílica natural...

E a ruptura dos aneurismas dos açudes... Quanto sangue perdido E o pobre doente – O Ceará – anemiado esquelético pedinte e desnutrido – – a vasta rede capilar a queimar-se na soalheira – é o gigante com a artéria aberta resistindo e morrendo resistindo e morrendo resistindo e morrendo morrendo e resistindo... (Foi a espada de um Deus que te feriu a carótida a ti – Fênix do Brasil) (E o teu cérebro ainda pensa e o teu coração ainda pulsa e o teu pulmão ainda suspira e o teu braço ainda constrói e o teu pé ainda emigra e ainda povoa)


As células mirradas do Ceará – quando o céu lhes dá a injeção de soro dos aguaceiros – as células mirradas do Ceará intumescem o protoplasma (como os seus caprilhos de algodão) e nucleiam-se de verde – é a cromatina dos roçados no sertão... (Ah, se ele alcançasse um coágulo de rocha) E o sangue a correr pela artéria aberta do rio Jaguaribe... O sangue a correr mal que é chegado aos ventrículos das nascentes... O sangue a correr e ninguém o estanca... Homens da pátria – ouvi – salvai o Ceará Quem é o presidente da República?

Depressa uma pinça hemostática em Orós! Homens – o Ceará está morrendo está esvaindo-se em sangue... Ninguém o escura, ninguém o escuta e o gigante dobra a cabeça sobre o peito enorme e o gigante curva os joelhos no pó da terra calcinada, e – nos últimos arrancos – vai morrendo e resistindo... morrendo e resistindo... morrendo e resistindo... ROCHA, Demócrito. O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta. O Povo, Fortaleza, 7 jan. 1929. (Cópia digital de poema cedido por Albaniza Dummar).



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Cântico dos Filhos da Terra

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Terra seca e áspera como a pele dos homens. Terra marcada a fogo pela maldição de Caim. Terra seduzida pelos passos do invasor. Terra redimida pelas cicatrizes da diáspora. Terra jogada às moscas pela janela do latifúndio. [...]

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Só tenho de meu a terra e este silêncio para morrer. Cresci na convivência da paisagem. Estou ligado à vida pela placenta da terra. Enquanto a erva cresce vou tecendo a minha liberdade e este cântico de raízes. Só tenho de meu a terra e este minuto para morrer. CARVALHO, Francisco. Memórias do Espantalho: poemas escolhidos. Fortaleza: Imprensa Universitária UFC, 2004, p. 178-179.

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O neto também aprendera a conhecer sinais de inverno e de seca. Quando o joão-de-barro construía a casinha com a abertura para o poente, era certo que ia haver chuva boa, copiosa. Florando o juazeiro no começo do ano era também um bom prenúncio de invernada, assim como o sinal no carreiro-de-santiago, o caminho sacrossanto do céu ao aparecer no final de dezembro, com manchas pálidas e indecisas, revelando que seria fraco o inverno. A seca acontecia quando os teiús emagreciam, as formigas-de-roça abriam imensos formigueiros e os ventos sopravam vindos de toda a parte com certa fúria. CAMPOS, Natércia. “Mãe Natureza” In Iluminuras. 3ª. Ed. Fortaleza: Premius, 2002, pp. 76-77.

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Nuvem Nuvem, por que não vens? Por que não molhas o chão que pede pelo amor de Deus? Por que afogas tu terras felizes e a nós nos negas uma gota d’água? Que mal o meu Nordeste já te fez? Acaso, blasfemou contra o teu céu? Esperamos por ti e tu não chegas, ó mãe do espinho do mandacaru! Tu não escutas o sertão com sede? Ai, tu não sentes como o gado é triste e a mata, em desespero, ficou nua? Nuvem distante, o rio quer correr! Na tua indiferença, pensarás que água de choro vai regar semente? CARVALHO, Jáder de. Delírio da solidão. Fortaleza: Terra de Sol, 1980, p. 35.

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Do meiado de dezembro em diante, o sertanejo começa a olhar o céu, a “namorar as nuvens”, diz ele; a se encher de esperanças na presença dos estratos avermelhados que afogam o sol e atulham o poente, dos grandes cúmulos brancos que surgem de manhã, ao nascente, como broncos zimbórios de fantásticas catedrais, esfarripando-se nos bordos a pouco e pouco, em cirrus tênues, adelgaçados, que o vento espalha, marchetando o azul claro do zênite... Enfim, um dia, o céu amanhece torvo, arrepiado e escuro, tão pesado que parece esmagar os vultos enormes das grandes serras, no horizonte; às vezes envolvendo-os em uma neblina tênue, que lhes esfuma e esbate os contornos, e por onde se coa a luz do sol em uma palidez de círio. Corre um vento úmido, frio, pelo sertão, sibilando nos galhos mortos que se chocam com um som ósseo, sussurrando nas acinzentadas frondes murchas dos carnaubais, numa doçura vagarosa e lassa de acalanto infantil. O gado muge e sorve lentamente a umidade do ar. Aparecem os sertanejos, homens, mulheres, crianças, no terreiro das casas. Trepam os jornaleiros, deixando o trabalho, à barranca dos açudes, à crista dos outeiros. Os braços movem-se, apontam as nuvens negras, os nimbos esfrangalhados que se arrastam com preguiça, solenes, majestosos, como grandes águias sonolentas. Comentam a possibilidade da chuva em desusada alegria. BARROSO, Gustavo. Terra de Sol. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2006, p. 20-21.


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Foi estranha a impressão de Vicente, acordando de madrugada, com um barulho desacostumado no telhado. — Chuva? Possível?! Meteu os pés da rede, correu ao alpendre: — Chuva! Chuva fresca e alegre que tamborilava cantando na velha telha, e corria nas biqueiras empoeiradas, e se embebia depressa no barro absorvente do terreiro! Vicente, correndo ainda, foi à sala de jantar, escancarou a janela que dava para o curral. A chuva saraivava de flanco as reses magríssimas, que se encolhiam trêmulas, erguendo olhos de assombrado espanto para o céu escuro.

E os pingos de água, batendo-lhes nos couros ressequidos, como que vazios interiormente, pareciam soar com um retumbo de tambores. Sofregamente, o rapaz estendeu a cabeça fora da janela. Entreabriu os lábios, recebendo no rosto, na boca, a umidade bendita que chegava. E longamente ali ficou, sorvendo o cheiro forte que vinha da terra, impregnado dum calor de fecundação e renovamento, deixando que se lhe molhasse o cabelo revolto, e lhe escorresse a água fria pela gola, num batismo de esperança, a que ele delicadamente se entregava, sentindo nas veias, mais ativo, mais alegre, o sangue subir e descer em gólfãos irrequietos. QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 139-140.

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Canção da Chuva Esperada Nuvem de cabelos crespos comidos pelas espumas. A chuva deixa na terra seu rastro de vagalumes. Nuvem de vestes molhadas cheirando a estrumo e lavoura. O corpo esguio da chuva volta às fanfarras de outrora. Nuvem de pestanas doces como os olhos das colméias. A chuva desce dos montes zumbindo como as abelhas. Nuvem de seios de prata pousada em mares remotos. Nuvem de dedos compridos ceifando a insônia dos mortos. Nuvem de terra e de orvalho (nuvens verdes e amarelas). As mãos de argila da chuva semeiam espigas nas telhas. CARVALHO, Francisco. Memórias do Espantalho: poemas escolhidos. Fortaleza: Imprensa Universitária UFC, 2004, p. 121.

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Dona Inácia, agarrada ao rosário, de mãos postas, suplicava a todos os santos que aquilo fosse “um bom começo”.

Conceição, comovida, pálida, de lábios apertados, a testa encostada ao vidro da janela, acompanhava a queda da água no calçamento empoeirado, o lento gotejar das biqueiras e de um jacaré da casa defronte, que deixava escorrer pequenos riachos por entre os dentes de zinco. Na solenidade do momento, ninguém se movia nem falava. Só a Maria, a preta velha da cozinha, irrompeu pelo corredor, acocorou-se a um canto e engulhando lágrimas e mastigando rezas, resmungava: — O inverno! Senhor São José, o inverno! Benza-o Deus! QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 139.

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As noites eram mornas, soturnas, sem o perpassar de uma aragem mansa sequer. E, no negrume do firmamento, as estrelas diluídas, “chorosas”, mal se entreviam, borradas pelo nevoeiro denso. Todos esperavam que essas mudanças do tempo fossem prenúncios de grandes chuvas. Uma fé consoladora enchia todos os peitos, pois não se podia mesmo avaliar o que seria o final da calamidade, se a seca se prolongasse ainda. No serviço, então, era um reverdejar de esperanças sem par; todos os trabalhadores, pobres campeiros que o flagelo banira de seu sertão amado, rejubilavam-se, reviviam, quando o tempo ficava assim bonito, cor de terra, “prometendo”, — um, dois trovões passavam por cima. Grandes exclamações alvissareiras espoucavam de todas as bocas: — “Olha a chuva, rapaziada! Lá vai o aguaceiro pra minha terra!” — E paravam, por um momento, esquecidos do trabalho, a olhar as nuvens carregadas, promissoras de água, que seguiam em rumo do sertão distante. [...].


Afinal, uma noite, pelo meio da noite, uma chuvinha ligeira desceu, passou zoando. Um grande halo de ouro e ametista cingia a lua. Rebôos de furacão rugiam, num estampido, abalando as casas, erguendo nuvens de pó e folhas secas, aos golpes, formidáveis, até que um mugido de águas derramadas cresceu ao longe, avançou, caiu de rijo sobre a terra. Passaram-se dois, três dias. Outra vez, o tempo cerrou-se, de repente, pela tarde, todo o céu tomou uma cor de ardósia, esmagadora. Relâmpagos violentos coruscavam, abriam-se, ininterruptos. Grandes trovões retumbavam, no alto. As torres das igrejas, na cidade, ressaltavam, muito alvas, contra a escuridão do céu. As castanholeiras da rua adquiriam um tom de bronze, na folhagem verde-musgo. Um vento áspero passava, repassava, às vergastadas glaciais. A chuva desceu por fim, forte, estrondosa, encharcante, pela noite inteira. LIMA, Herman. Tigipió. Rio de Janeiro: Ediouro; Tecnoprint, 1981, p. 18.



O sono Ihe foi fechando os olhos. O silêncio da noite começou a ser quebrado pelos trovões que denunciavam tempestade. A mãe sempre tivera medo de trovões. Contava histórias de raios, de mortes inesperadas, de árvores abatidas. Ele, ao contrário, gostava de ver a chuva cair, molhar a terra, correr solta pelas sarjetas. Quando menino, se punha por baixo das biqueiras, tomava banhos demorados. A mãe aflita gritava chamando-o: — Pra dentro, menino. Você vai se resfriar. Mas não ligava. Depois era o rio enchendo. Os homens esperando a chegada das águas. Apostando na cheia. Será maior ou menor do que o ano passado? Mas não ligava para aquilo. Ficava procurando ganhar alguns tostões, atravessando os cavalos, ajudando a carregar e a descarregar as canoas. Trabalho animado, cheio de alegria. O povo gostava da chuva, prenunciadora da fartura, da colheita abundante, das vacas gordas. E por que tinham medo dos trovões, se os trovões anunciavam precisamente a chuva? [...] BEZERRA, João Clímaco. A Vinha dos esquecidos. Fortaleza: UFC, 2005, p. 184.

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Do seio desse dilúvio, surge uma criação vigorosa e esplêndida que parece virgem ainda, tal é a seiva que exubera da terra e rompe de toda a parte nos abrolhos e renovos. Ali são as carnaúbas que flutuam sobre as águas, como elegantes colunas, carregadas de festões de trepadeiras, donde pendem flores de todas as cores e aves de brilhante plumagem.

Mais longe as touceiras de cardos entrelaçam suas hastes crivadas de espinhos e ornadas de lindos frutos escarlates, que atraem um enxame de colibris. Aí dentro da selva espessa, fez a nambu seu ninho, onde piam os pintinhos implumes. Era então força do inverno. Por toda esta vasta região, na qual um mês antes fora difícil encontrar uma gota d’água a não ser no fundo de alguma cacimba, rolam as torrentes impetuosas de rios caudais formados em uma noite. [...] Não era somente na terra, mas também no espaço que a vida sopitada durante a maior parte do ano, jorrava agora com uma energia admirável. ALENCAR, José de. O Sertanejo. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 147-148.

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É sempre na estação das chuvas que retornam as velhas histórias. Vêm junto aos cheiros apurados do fumo, dos couros, das resinas, das velas acesas, da terra molhada, das achas de lenha acesas no fogão apurando em água fervente as ervas das tisanas. Nessa estação relembro o clamor das forças da natureza que se desencadeiam intemporais e eternas. Lembro-me do início do meu despertar. [...] CAMPOS, Natércia. A Casa. Fortaleza: UFC, 2004, p. 17.

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[...] Veio a noite, clara como dia, sem uma nuvem no céu, liso como espelho. Convidava mesmo a gente a dormir na fresca do alpendre. Ali pelas sete horas, disse a eles o velho: “Achava melhor vossas senhorias passarem cá para dentro, porque vem aí um pé-d’água de alagar”. [...] OLÍMPIO, Domingos. Luzia-Homem. Fortaleza: ABC, 1999, p. 182.

Continuava a chover, agora devagar, com uma insistência importuna, o sol a espiar por trás de uma nuvem, frio, indeciso, mandando, com um supremo desdém pelas coisas cá de baixo, uma réstia de luz tímida e complacente sobre a manhã úmida. CAMINHA, Adolfo. A Normalista. São Paulo: Ática, 1998, p. 135.

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A ressurreição da mata é uma coisa fantástica. Três dias depois da segunda chuva, de todos os pontos da terra exsicada, espontam os brotos verdes da babugem. Os troncos negros, que pareciam mortos, vestem-se de folhedos tenros, esmeráldicos.

No cimo das galhadas, nos juremais primeiro, surge uma folhagem verde-gaio, tão leve e tão tênue, como bocados de nuvens verdes, tombados sobre a mata. Nos baixios alagados, estendem-se as águas claras das lagoas, como outros pedaços do céu, onde em breve se estrelará a floração branca do moçambê. Em pouco tempo, também, pelas bordas úmidas, erguem-se os cocares verdes dos juncos, das línguas-de-vaca, e das pacaviras viçosas. Verdes, vivazes, ressurretas, as árvores todas, — emburanas, pereiros, mulungus, angicos, mutambeiras, catanduvas, jaramataias, pompeiam livremente, farfalhando com doçura ao vento fresco do inverno. Os mofumbos reverdecidos refletem no espelho das águas ricas a pujança virente das ramadas. O velame alto estende-se pelas várzeas vizinhas, de mistura ao mata-pasto, às hortênsias de grandes folhas


aconcheadas, ao ervanço que “afronta” os animais, às salsas dos tabuleiros. Pingos-de-ouro, ervas-de-pêlo, cabeças-brancas, flores roxas, azuis, lilás, róseas, salpicam logo toda a vegetação verdolente, como pedrarias esparsas sobre um chão de esmeralda. Enrodilhando-se aos troncos das carnaúbas, encobrindo a fereza hostil dos cardeiros, pendendo das galhadas em pregarias caprichosas, alastram-se as trepadeiras silvestres, lantejouladas de flores, como amplas cortinas vegetais. Jitiranas cor de musgo, festonadas de campanas roxas e brancas, envolvendo os mofumbos altos, formam grandes pavilhões de verdura. Cipós floridos, com sua túnica verde, aberta em estrelas de ouro, revestem as ramagens ainda secas, de altas árvores anosas. Por toda parte, onde outrora se espraiava a terra nua devastada, abrem-se agora as lindas campinas vicejantes, por onde já cabriolam as vacas amorosas, urram os novilhos fecundos, bodejam os pais-de-chiqueiro, pastam os cavalos de campo, de pernas ágeis e rijas. LIMA, Herman. Tigipió. Rio de Janeiro: Ediouro; Tecnoprint, 1981, p. 19.


Era o mês de março, passado um ano. Por sobre a casimira verde das beldroegas polvilhavam-se constelações deslumbrantes de mica, ao sol nascente. No pé do alto, a erva afogava o velame ressequido pelo tremendo verão de dois anos, em acolchoamentos de lã; o sol, a sair por detrás das colinas, produzia sombras no íntimo da infinita camada de frondes vivíssimas, que encobria a terra, com uma soberbia e uma vitória. Os picos amanheciam logo enfronhados em um colarinho de névoas. A pastagem era uma imensa pelúcia. Formigas de asa, com cambiações de madrepérola, à luz baça dos alvos dias de neblina, salpicavam a mancha fulva e remexida dos formigueiros revolucionados pelas águas novas. E o gaitar dos novilhos como que a imprimir por tudo um impulso másculo. A rês não andava agora de ponta caída, mas com um balanceado de cabeça, um donaire de mulher núbil. Aos currais, onde desde o último dia de junho a bem dizer não corriam os paus de porteira pelos buracos dos moirões, recolhiam todas as tardes as vacas a impar de abastança. [...] era mesmo um despertar buliçoso de criança com saúde. PAIVA, Manuel de Oliveira. Dona Guidinha do Poço. Fortaleza: Imprensa Universitária; Edições Adolfo Caminha, 2004, p. 15.


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Coração Sertão

D

omingo era mais um dia de fotografias no sertão.

Paro em um posto para abastecer e percebo, para meu desespero, que minha mochila com a câmera e os óculos havia caído do bagageiro da moto.

Ao lado, foto de Ivan Barreira do filho, Gentil Barreira, aos 7 anos de idade na Fazenda Rajado em Monsenhor Tabosa. Abaixo, imagem de Alex Uchôa, Quixadá. Na página ao lado, foto de Leo Kaswiner, Crateús. Na página 210, fotos de José Albano, no Cariri, e de Maurício Albano, em Quixadá.

Retorno pela estrada que havia trilhado imediatamente antes, tentando segurar a ansiedade e o punho para não passar do limite de velocidade. Percorridos alguns quilômetros, avisto uma garota que sinaliza para que eu pare. — Está procurando alguma coisa? — Sim, minha mochila que caiu. — Vi quando caiu e guardei esperando você voltar. No momento não soube avaliar o que me fazia mais feliz: ter encontrado meu equipamento ou a generosidade e a honestidade daquela garota. • • • Dou voltas na memória e recupero cenas da minha infância, quando, conduzido pelas mãos de meu avô – de quem herdei o nome e o coração sertão –, saíamos da casa da Fazenda Sossego, em Tamboril, para tomar no curral o leite mungido. Em janeiro, era comum percorrer essa paisagem totalmente ocre, seca, poeirenta. 208


Certa manhã, após a primeira chuva, depois de meses de total estiagem, percebemos as sutis mudanças no ar, no chão, nos vivos. Fui testemunha da verdadeira transfiguração do vermelho da terra nua, do cinza das árvores, das cores cruas da seca para os novos tons de vida trazidos pela volta das águas. Imagens que ficaram gravadas e que ainda me remetem a esse lugar de seres impossíveis de traduzir. Só vivendo. Essa fibra, essa teimosia, essa coragem de superar me contaminaram. O pouco que sei e vivi, mais o muito que senti, me fizeram pensar em compartilhar a luz que habita em mim desde aquelas primeiras águas de inverno. Sim, porque quando chove no Ceará é inverno; quando não, é seca. • • • Por esses caminhos, pedir uma informação passa a ter outros significados, outras lições. Como no dia em que estava fotografando uma belíssima árvore florada à margem da estrada e resolvi esperar um cavaleiro que vinha ao longe para saber que espécime era aquela. — Bom dia! — Bom dia! — O senhor poderia me dizer que árvore é esta? Após uma longa pausa, a resposta: — Um pé de pau.

• • • Tempo, sempre ele. Como costuma dizer o fotógrafo José Albano, “não deu tempo”, e uma vida só é pouco para fotografar esse país chamado sertão. Mas era urgente falar dessa luz. Então iniciei uma série de expedições, algumas delas na companhia de amigos fotógrafos, gente que também sente e conhece esse lugar e contribuiu mostrando caminhos, soluções, imagens que gostaria de compartilhar. 209

• • • Terra de crenças: padre é o Cícero, Francisco é das Chagas e São José faz chover. Em 18 de março de 2013 volto ao sertão, quero rever Solonópole, terra de meu avô; na véspera do dia de São José, 19 de março. Esse é o último dia de espera, no entender do sertanejo, para o início da temporada de chuvas. Amanheço no Quixadá de Rachel de Queiroz. Uma chuva fina aos poucos vai ganhando intensidade e proporciona imagens raras.


Sigo para Solonópole e, à medida que adentro os sertões do Riacho do Sangue, o aguaceiro fica para trás e me encontro sob o sol a fotografar a paisagem após a chuva. É quando um motociclista para ao meu lado e pergunta se quero ajuda. Agradeço e conversamos sobre o que eu estava fazendo e sobre as minhas intenções ao documentar aquelas terras. Fico sabendo que durante a noite havia chovido por ali 200 milímetros, um verdadeiro tsunami para a média dos invernos cearenses. Era o que parecia ter acontecido, ao se ver as marcas deixadas pelas águas.

indicativa: “Japão”. Entendi, afinal, aqui era possível comprar um pavão para ir às nuvens.

Ele parte e dobra à esquerda, logo à frente, chamando minha atenção para a placa

Nuvens que por vezes povoam os céus de alumínio de Francisco Carvalho vêm lembrar a infância, quando, deitados na calçada da casa da fazenda, ficávamos horas a ver figuras conhecidas e extraordinárias campeadas pela imaginação de meninos. Como um dos fotógrafos que se dedica a fotografar os sertões cearenses e como um dos participantes deste projeto, deixo aqui meu relato de viajante pelo Coração Sertão. Gentil Barreira

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Agradecimentos

Em especial a todos que apoiaram diretamente esta iniciativa Advance Comunicação, Ananias Pinheiro Granja, Angela Magalhães, Bia e Max Perlingeiro, Carolina Lyra e Samer Khoury, Cláudio Brasil, Cyro Thomaz, Delberg Ponce de Leon, Dodora e Sérvulo Esmeraldo, Eduardo Almeida, Eduardo Prado, Eliziane e Evandro Colares, Escola de Cultura, Comunicação, Ofícios e Artes (Ecoa – Sobral/CE), Fernando Bueno, Fernando Costa, Flávio Lira, Francisco Gualbernei, Fred Ribeiro, Henrique Sérgio Abreu, Hugo Barros, Isabel Amado, Ivan Martins, Luana Pinto Bandeira e Humberto Bezerra, Luciano Cavalcante, Luiz Augusto Sobral, Marcus Novais, Mário Wilson Costa Filho, Maris Pescados, Paulo Victor Feitosa, Silas de Paula, Silvio Frota, Síntese Comunicação e Marketing, Valéria Laena.

Adolfo Caminha (in memoriam), Alexandre Lonngren, Alex Uchôa, Amanda Brandão (Coelce), Ana Cláudia Pinho Pessoa, Ana Paula Gadelha, Andréa (de Canindé, que encontrou a bolsa com o equipamento fotográfico de Gentil caída na estrada e guardou para devolvê-la), Angela Barros Leal, Antônio Sales (in memoriam), Batista de Lima, Carlos Eduíno, Carolina Campos, Cid Carvalho, Clara Hissa, Cláudia Góes, Débora Pinho (Coelce), Domingos Olímpio (in memoriam), Eduardo Carrari, Elizabeth Brito, Felipe Medina, Francisco Auto Filho, Francisco Carvalho (in memoriam), Francisco Pinheiro, Gentil Barreira (in memoriam), Gilson Leal, Glicia Gadelha, Gustavo Barroso (in memoriam), Gylmar Chaves, Helm Araújo, Herman Lima (in memoriam), Isabel Cristina, Isabel Paz, Jáder de Carvalho (in memoriam), Jan Messias, Janus Lonngren, Jarbas Oliveira, Jennifer Pereira, João Clímaco Bezerra (in memoriam), José Albano, José de Alencar (in memoriam), José Nunes Almeida (Coelce), Junior Sá, Karla Karam Medina, Laura Góes, Leo Kaswiner, Leonardo Mota (in memoriam), Lilia Carrari, Lili Sarmiento, Lucíola Limaverde, Majoî Ainá Vogel, Maninha Morais, Mariana Maciel, Manuel de Oliveira Paiva (in memoriam), Maurício Albano, Míriam Campos, Mônica Carvalho, Natércia Campos (in memoriam), Nell Lopes, Patativa do Assaré (in memoriam), Paulo Mota, Pedro Galvão, Rachel de Queiroz (in memoriam), Ravena Borges, Renata de Lima, Renata Góes, Roberta Felix, Sávio Alencar, Sérgio Araújo (Coelce), Sérgio Bezerra, Sílvia Barroso, Solange Silva (Coelce), Sonia Lage, Terezinha Amarante,Tibico Brasil, Vera Barroso, família Veras em Tamboril.


Gentil Barreira O fotógrafo autodidata, nascido em Fortaleza em 1953, iniciou as primeiras experiências com fotografia aos 11 anos, montando um pequeno laboratório para revelar seus filmes. Estudou Arquitetura e Urbanismo em São Paulo, mas antes de concluir resolveu voltar a Fortaleza, onde vive até hoje. Frequentou por dois anos o curso de Comunicação Social na Universidade Federal do Ceará, período em que profissionalizou-se como fotógrafo. A influência dos experimentos da Arquitetura e os conceitos e ideias da Comunicação marcaram de forma decisiva seu trabalho e as pesquisas que desenvolve com a fotografia. Para atender aos segmentos de publicidade, moda, retratos e arquitetura, montou um estúdio e vem atuando nesse mercado até o momento. Desenvolve paralelamente trabalho autoral com foco na pesquisa documental e em estudos de luz e movimento. Realizou diversas exposições individuais e participou de importantes coletivas, no Brasil e no exterior. Sua obra, diversas vezes premiada, está presente em acervos de instituições culturais e representada em livros, catálogos, revistas e sites.

crioulo (1895) e A Normalista (1893), livro que lhe rendeu sucesso e renome no quadro da literatura naturalista brasileira. Republicano e abolicionista, participou da fundação da Padaria Espiritual em 1892 em Fortaleza. É patrono da cadeira nº 1 da Academia Cearense de Letras. Morreu aos 29 anos no Rio de Janeiro, vítima de tuberculose, em 1897. A Normalista é um romance alinhado à escola naturalista, cuja trama estabelece uma crítica aos costumes da sociedade na capital cearense por meio da história da protagonista Maria do Carmo, que chega a Fortaleza para morar na casa do padrinho e escapar à seca no interior.

Antônio Sales

Adolfo Caminha

Poeta, romancista e jornalista brasileiro nascido em Paracuru no ano de 1868. Foi um dos idealizadores da Padaria Espiritual, movimento literário que reunia escritores, pintores e músicos e que antecipou o modernismo no Brasil, lançado em Fortaleza em 1892. Quatro anos depois, estabeleceu-se no Rio de Janeiro e só retornou à capital cearense no ano de 1920. Na Academia Cearense de Letras, ocupou a cadeira nº 20. É autor dos livros de poesia Versos diversos (1890) e Trovas do Norte (1895). Faleceu em novembro de 1940.

Importante romancista do naturalismo brasileiro, foi também jornalista e funcionário público. Nascido em 1867 na cidade de Aracati, chegou a Fortaleza no ano de 1877, fugido da grande seca daquele ano. Logo se transferiu para o Rio de Janeiro, onde estudou na Escola Naval e serviu à Marinha. É autor das obras Voos incertos (1886), No país dos ianques (1894), Bom

O único romance que escreveu foi Aves de arribação, publicado em folhetim no Correio da Manhã e lançado como livro em 1914, constituindo-se como expressão do realismo-naturalismo cearense. Intrigas políticas e casos amorosos de uma cidade pequena formam uma crônica de costumes ambientada em Ipuçaba, atual Caucaia.

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Demócrito Rocha Nasceu em Caravelas, na Bahia, em 1888. Formou-se em Odontologia pela Faculdade de Farmácia e Odontologia do Ceará em 1921. Professor, jornalista e poeta, fundou, em janeiro de 1928, o jornal O Povo e, no ano seguinte, o suplemento literário Maracajá, considerado marco inicial do modernismo no Ceará. Foi deputado federal na década de 1930 e ocupou a cadeira nº 25 da Academia Cearense de Letras. Publicou inúmeros poemas de cunho telúrico, não reunidos em livro até o momento. Faleceu aos 55 anos em Fortaleza. O Rio Jaguaribe, publicado no jornal O Povo em 1929, é o mais conhecido poema de Demócrito Rocha. O texto compara o rio a uma artéria que atravessa o corpo do sertão cearense debilitado pela seca.

Domingos Olímpio O escritor, nascido em Sobral em 1851, atuou também como jornalista, advogado, político e diplomata. Formado na Faculdade de Direito do Recife, viveu em Belém do Pará antes de se estabelecer no Rio de Janeiro. Teve destacada atuação na imprensa como colaborador do Jornal do Commercio, Correio do Povo, Gazeta de Notícias e O Paiz. É autor dos romances Luzia-Homem (1903) e O Almirante (1903), da novela inacabada Uirapuru (1906) e da peça teatral A Perdição (1874). É patrono da cadeira nº 8 da Academia Cearense de Letras. Faleceu no Rio de Janeiro em 1906. Luzia-Homem (1903) é uma obra de caráter regionalista que retrata a seca de 1877 no Ceará, em tor-


no da cidade de Sobral, presenciada pelo autor. O romance narra a história da retirante Luzia, conhecida como Luzia-Homem por sua extraordinária força física. Os personagens interagem no contexto de enfrentamento da estiagem, das frentes de trabalho em obras públicas e da migração para a serra, além dos conflitos sociais relacionados.

Francisco Carvalho Nascido em Russas no ano de 1927, Francisco de Oliveira Carvalho é um dos mais notáveis poetas cearenses. Teve suas primeiras publicações nos jornais O Nordeste, O Povo e Unitário. Foi servidor e conselheiro da Universidade Federal do Ceará, na qual ingressou em 1964. Titular da cadeira nº 31 da Academia Cearense de Letras, produziu obra extensa, na qual destacam-se os livros Os mortos azuis (1971), Quadrante solar (Prêmio Nestlé de Literatura em 1982), Raízes da voz (1996), A concha e o rumor (2000). Morreu em 2013, aos 86 anos. Memórias do Espantalho: poemas escolhidos (2004) é uma coletânea de poemas retirados de 19 livros do autor, compreendendo o período de 1971 a 2003, na qual desejos e pensamentos do eu lírico concentram-se em questões sobre o enigma da vida.

Gustavo Barroso Folclorista, sociólogo, diplomata, escritor e político, nasceu em Fortaleza, em 1888. Mudou-se para o Rio de Janeiro aos 22 anos, onde foi diretor e fundador do Museu Histórico Nacional, além de membro e presidente da Academia Brasileira

de Letras. Autor de diversos gêneros literários, entre suas obras de maior destaque figuram Terra de Sol (1912), Praias e várzeas (1915), O sertão e o mundo (1923), Alma sertaneja (1923) e Coração de menino: memórias (1939). Faleceu em 1959 no Rio de Janeiro. Em Terra de Sol, Gustavo Barroso trata da relação do homem com os elementos do sertão em sua cultura: lendas, poesia popular, religiosidade, tradição, economia. Traz como sentido de “sertão” o “coração das terras”. Coração de menino reúne as memórias dos períodos da infância e da juventude do autor, que analisa a influência das circunstâncias sociais sobre sua formação, interesses e vocações. Praias e várzeas e Alma sertaneja são duas obras de contos que apresentam forte caráter documental e regionalista.

Herman Lima Nascido em 1897 na cidade de Fortaleza, o escritor e crítico literário iniciou a carreira artística como desenhista e em 1913 publicou ilustrações em revistas cariocas. Atraído também pela literatura, em 1915 iniciou-se como contista, quando circulou seu primeiro conto em um jornal de Fortaleza. Morreu em 1981, aos 84 anos, no Rio de Janeiro. Tigipió teve sua primeira edição em 1924, e no mesmo ano obteve prêmio da Academia Brasileira de Letras. Reunião de contos de caráter regionalista, a obra é ambientada no Ceará e retrata o contexto da seca e as dificuldades enfrentadas pelos sertanejos, com uma linguagem que reproduz as expressões locais e incorpora traços do naturalismo.

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Jáder de Carvalho Jornalista, poeta e escritor, nasceu em 1901 em Quixadá e formou-se pela Faculdade de Direito do Ceará em 1931. Sua obra reúne ensaios sociológicos, poemas telúricos e romances de cunho social. Fundou o jornal A Esquerda e foi um dos iniciadores do movimento modernista no Ceará. Ocupou a cadeira nº 15 (posteriormente nº 14) da Academia Cearense de Letras. Morreu em 1985, aos 83 anos de idade. O romance Aldeota (1963) acompanha a trajetória de Chicó, que emigra do sertão do Ceará para a Amazônia e, ao retornar, passa a residir em Fortaleza, enriquecendo por meio de fraudes. A crítica social se volta aos habitantes do bairro nobre, por vezes envolvidos em corrupção. Em Delírio da solidão (1980), os versos trazem um amplo temário, apresentando reminiscências da vida do autor, desde a sua infância até a velhice.

João Clímaco Bezerra Nasceu em Lavras da Mangabeira, em 1913. Bacharel em Direito e contador, tornou-se professor das faculdades de Filosofia e de Ciências Econômicas da UFC e da Escola de Administração do Ceará. Como jornalista, foi atuante no jornal O Unitário. Sua obra constitui-se de romances, contos e crônicas, entre as quais figuram os títulos Não há estrelas no céu (1948), Sol posto (1952), O Semeador de ausências (1967) e A Vinha dos esquecidos (1980). Foi membro fundador do Grupo Clã e ocupou a cadeira nº 9 da Academia Cearense de Letras. Faleceu no Rio de Janeiro, em 2006, aos 93 anos.


Em A Vinha dos esquecidos, o autor narra, em capítulos alternados, a angústia existencial do Padre Anselmo e do negro Zacarias. A trama é ambientada no cotidiano de uma pequena cidade interiorana.

José de Alencar Jornalista, romancista, teatrólogo, político e orador, nasceu em Messejana, em 1829. Iniciou sua atividade literária colaborando para os jornais Correio Mercantil e Jornal do Commercio. Possui obras em diversos gêneros literários. As lendas indígenas e a figura do índio presentes em dois dos seus principais romances, O Guarani (1857) e Iracema (1865), demonstram a filiação do autor ao movimento indianista na literatura brasileira do século XIX. É autor de Senhora (1875) e O Sertanejo (1875). Foi patrono da cadeira n°. 1 da Academia Cearense de Letras (1922-1930) e da cadeira n°. 23 na Academia Brasileira de Letras. Morreu em 1877, aos 48 anos, no Rio de Janeiro. A obra O Sertanejo situa-se na corrente literária do regionalismo. Apresenta com detalhes a vida do homem do sertão, servidor ao fazendeiro, em sua convivência com a natureza do semiárido, ao narrar a história do vaqueiro Arnaldo e sua busca para conquistar o amor de dona Flor, filha do capitão-mor Gonçalo Campelo.

Leonardo Mota Nascido em Pedra Branca, em 1891, foi advogado, professor, conferencista, folclorista, cronista de rádio, jornalista e escritor. A paixão pela cultura e pelas tradições populares transparece em muitas de suas obras. Autor de Cantadores (1921), Violeiros

do Norte (1925) e No tempo de Lampião (1930). Ocupou a cadeira n°. 32 da Academia Cearense de Letras. Faleceu em Fortaleza, aos 57 anos. Em No tempo de Lampião, o autor concentra-se em passagens da vida do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, o mais famoso líder da luta armada ocorrida no sertão nordestino do fim do século XVIII à primeira metade do século XX. Em Violeiros do Norte, seus registros de anedotas e cantigas expressam a linguagem e os costumes do povo sertanejo.

Manuel de Oliveira Paiva O escritor e jornalista nasceu em Fortaleza, em 1861, e estudou no Seminário Menor do Crato e na Escola Militar do Rio de Janeiro. Doente de complicações respiratórias, retornou para o Ceará, onde atuou como abolicionista e intensificou sua produção literária através de contos, crônicas e poemas. Em 1889, teve sua primeira publicação, A Afilhada, em folhetins no jornal Libertador. Faleceu três anos mais tarde, em 1892, deixando pronto um novo romance, Dona Guidinha do Poço, que só viria a ser publicado em 1952. É patrono da cadeira n°. 25 da Academia Cearense de Letras. O romance Dona Guidinha do Poço baseia-se em história real ocorrida na região de Quixadá e Quixeramobim, no interior do Ceará, ao recriar o drama de uma fazendeira que se envolve amorosamente com um parente de seu marido e acaba ordenando a morte deste, sendo condenada e presa em seguida. O cenário de seca e a preocupação do autor em retratar a linguagem popular do sertão são marcantes na ambientação da narrativa.

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Natércia Campos A contista e romancista nasceu em Fortaleza no ano de 1938. Casada aos 15 anos e mãe de seis filhos, iniciou-se como escritora somente na década de 1980, com a publicação de contos na imprensa cearense. Filha do escritor Moreira Campos, tem em comum com este a presença do mistério e do fantástico como elementos constantes das suas narrativas. Ingressou na Academia Cearense de Letras em 2002, ocupando a cadeira nº 6, cujo patrono é Antônio Pompeu. Em sua obra, destacam-se os romances A Noite das fogueiras (1998) e A Casa (1999) e o livro de contos Iluminuras (1988). Faleceu em 2004, em Fortaleza. O romance A Casa relata a trajetória de diferentes gerações de uma mesma família contada pela própria casa onde viveram no sertão, como protagonista e narradora. O cenário é apresentado a partir de causos e lendas que povoam o imaginário sertanejo. Premiado na 4ª Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, Iluminuras apresenta enredos que transcorrem em um universo de crenças e personagens que remetem a antigas histórias da tradição popular.

Patativa do Assaré Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, nasceu em 1909, em Assaré, na região do Cariri cearense. Repentista, cordelista e violeiro, o poeta popular cantou a vida simples do povo do sertão e a denúncia da injustiça social vivenciada pela população rural. Sua poesia é marcada pela linguagem oral, que reproduz o falar do sertanejo. Teve seu trabalho difundido pela participação em festivais e programas de rádio e, entre suas diversas obras publicadas, destacam-se Inspiração nordestina (1957), Ispinho


e fulô (1988) e Cante lá que eu canto cá (1978). Faleceu em 2002, em sua cidade natal. Cante lá que eu canto cá é uma seleção de poemas que apresenta a beleza e a vivacidade do sertão e dos sertanejos em contraste com as mazelas dos períodos de seca e fome.

Rachel de Queiroz Escritora, jornalista, cronista, tradutora. Nascida em 1910 em Fortaleza, iniciou-se na literatura no jornal O Ceará, com o pseudônimo Rita de Queluz. Publicou seu primeiro livro aos 19 anos, o romance O Quinze (1930). Outras obras de destaque na imensa produção literária da autora são As Três Marias (1939), Dôra, Doralina (1975) e Memorial de Maria Moura (1992). Foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira n°. 5. Também foi membro da Academia Cearense de Letras. Morreu no ano de 2003, no Rio de Janeiro. O romance O Quinze é inspirado na devastadora seca de 1915, vivenciada pela escritora. O enredo se passa na cidade de Quixadá, ambientado em meio à natureza árida do sertão assolado pela fome e pela miséria. Em segundo plano está a capital Fortaleza, como a cidade de destino dos retirantes. O Homem e o tempo (1995) reúne crônicas dos mais diversos temas, entre eles as memórias da autora, lendas e costumes do sertão.

Rodolfo Teófilo Além da destacada atuação como farmacêutico, médico sanitarista e intelectual, Rodolfo Teófilo foi

contista, romancista, poeta e documentarista, tornando-se um dos expoentes da literatura regional-naturalista brasileira. Nasceu na Bahia, em 1856, onde se formou em Farmácia, e em seguida estabeleceu-se no Ceará. Participou ativamente da campanha abolicionista e de outros movimentos políticos e culturais: foi presidente da Padaria Espiritual e fundador da Academia Cearense de Letras. Autor de diversos livros, escreveu em diferentes gêneros. A partir de 1900 e até o fim da vida, dedicou-se à vacinação contra a varíola, o que lhe causou perseguição política no estado. Faleceu em 1932, em Fortaleza. A Fome foi o primeiro romance publicado por Rodolfo Teófilo e é considerado um dos mais chocantes livros de ficção da literatura naturalista brasileira. A seca que durou de 1877 a 1879 é retratada por meio de um panorama cientificista e determinista de desnutrição, abandono, miséria e morte, com forte apelo social. A intenção declarada do autor era denunciar a calamidade em que viviam os nordestinos sem assistência do governo à mercê da estiagem.

Referências ARAGÃO, Cleudene. Cem anos de Rachel de Queiroz: vida e obra. Fortaleza: UFC, 2011. AZEVEDO, Sânzio de. Breve história da Padaria Espiritual. Fortaleza: UFC, 2011. ______. Apresentação. In: PAIVA, Manuel de Oliveira. Dona Guidinha do Poço. Fortaleza: ABC, 1997. BIOGRAFIA: Adolfo Caminha. Disponível em: http:// educacao.uol.com.br/biografias/adolfo-caminha.jhtm. Acesso em: 22 mar. 2013. CARVALHO, Eleuda de. Natércia Campos encantada.

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Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/ncampos3.html. Acesso em: 3 jun. 2004. ENCONTRO Mestres do Mundo celebrará o sertão de Luiz Gonzaga e Gustavo Barroso. Disponível em: http:// www.secult.ce.gov.br/index.php/latest-news/43419-encontro-mestres-do-mundo-celebrara-o-sertao-de-luiz-gonzaga-e-gustavo-barroso. Acesso em: 16 jan. 2013. ESCÓSSIA, Fernanda Melo da. Quatro vezes Fortaleza. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2000. IPIRANGA, Sarah Diva Silva. As águas da Infância: criança e memória na poesia de Jáder de Carvalho. Childhood & Philosophy, Rio de Janeiro, v. 9, n. 17, jan./ jun. 2013, p. 25-42. LUSTOSA, Isabel. Roteiro para Herman Lima. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/ artigos/k-n/FCRB_IsabelLustosa_Roteiro_HermanLima.pdf. Acesso em: 26 fev. 2013. NATÉRCIA CAMPOS: enigmas de Iluminuras. Diário do Nordeste, 15 nov. 2009. Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=691223 SÍTIO da Academia Brasileira de Letras. Disponível em: http://www.academia.org.br/. Acesso em: 8 abr. 2013. SÍTIO da Academia Cearense de Letras. Disponível em: http://www.ceara.pro.br/acl/. Acesso em: 8 abr. 2013.


OCEANO ATLÂNTICO

03 13 18

27

11

01 • Acopiara

04 • Arneiroz

Região: Centro Sul Área: 2.265,32 km² População: 45.808 hab. Distância de Fortaleza: 345,1 km Tempo estimado de viagem: 4h 58min Acesso: CE-060

Região: Sertão do Inhamuns Área: 1.066,43 km² População: 7.633 hab. Distância de Fortaleza: 389,7 km Tempo estimado de viagem: 5h 40min Acesso: BR-020/CE-176

Fortaleza

12

21

Ceará

07 14

08 17

19

30 09

25 22

24 10

15 28 31

20

16 01

04

29

Rio Grande do Norte

23

26

02

Piauí

05

Paraíba

02 • Aiuaba

05 • Assaré

Região: Sertão do Inhamuns Área: 2.434,41 km² População: 15.224 hab. Distância de Fortaleza: 457,8 km Tempo estimado de viagem: 6h 38min Acesso: BR-020/CE-176

Região: Cariri Área: 1.116,32 km² População: 21.679 hab. Distância de Fortaleza: 501,8 km Tempo estimado de viagem: 7h 10min Acesso: CE-060/375/284/176/371

03 • Amontada

06 • Barbalha

07 • Canindé

08 • Choró

Região: Litoral Oeste Área: 1.179,59 km² População: 36.826 hab. Distância de Fortaleza: 180,3 km Tempo estimado de viagem: 2h 41min Acesso: BR-222/CE-085/168/354

Região: Cariri Área: 479,18 km² População: 52.420 hab. Distância de Fortaleza: 503,4 km Tempo estimado de viagem: 7h 30min Acesso: BR-116/CE-293/393

Região: Sertão Central Área: 3.218,42 km² População: 74.471 hab. Distância de Fortaleza: 120,2 km Tempo estimado de viagem: 1h 49min Acesso: BR-020

Região: Sertão Central Área: 815,76 km² População: 12.770 hab. Distância de Fortaleza: 155,7 km Tempo estimado de viagem: 2h 19min Acesso: CE-060/456

06

25

216

0

25

50 km

Pernambuco


09 • Crateús

12 • Itapajé

15 • Jaguaretama

18 • Miraíma

Região: Sertão do Inhamuns Área: 2.985,41 km² População: 73.558 hab. Distância de Fortaleza: 354 km Tempo estimado de viagem: 5h 9min Acesso: BR-020/226

Região: Litoral Oeste Área: 439,50 km² População: 45.759 hab. Distância de Fortaleza: 142 km Tempo estimado de viagem: 2h 8min Acesso: BR-222

Região: Vale do Jaguaribe Área: 1.759,72 km² População: 18.302 hab. Distância de Fortaleza: 239,1 km Tempo estimado de viagem: 3h 25min Acesso: BR-116/CE-138/371

Região: Litoral Oeste Área: 699,59 km² População: 12.272 hab. Distância de Fortaleza: 205,3 km Tempo estimado de viagem: 3h 2min Acesso: BR-222/CE-354/176

10 • Independência

13 • Itapipoca

16 • Jaguaribe

19 • Monsenhor Tabosa

Região: Sertão do Inhamuns Área: 3.218,64 km² População: 26.033 hab. Distância de Fortaleza: 309 km Tempo estimado de viagem: 4h 31min Acesso: BR-020/226

Região: Litoral Oeste Área: 1.614,68 km² População: 105.086 hab. Distância de Fortaleza: 147,3 km Tempo estimado de viagem: 2h 12min Acesso: BR-222/CE-354

Região: Vale do Jaguaribe Área: 1.876,79 km² População: 36.725 hab. Distância de Fortaleza: 291,1 km Tempo estimado de viagem: 4h 10min Acesso: BR-116

Região: Sertão do Inhamuns Área: 886,30 km² População: 16.856 hab. Distância de Fortaleza: 319,2 km Tempo estimado de viagem: 4h 30min Acesso: BR-020/CE-257/176/265

11 • Irauçuba

14 • Itatira

17 • Madalena

20 • Parambu

Região: Vale do Acaraú Área: 1.461,22 km² População: 21.067 hab. Distância de Fortaleza: 168 km Tempo estimado de viagem: 2h 30min Acesso: BR-222

Região: Sertão Central Área: 783,35 km² População: 16.599 hab. Distância de Fortaleza: 216,8 km Tempo estimado de viagem: 3h 12min Acesso: BR-020

Região: Sertão Central Área: 1.034,77 km² População: 16.245 hab. Distância de Fortaleza: 186,5 km Tempo estimado de viagem: 2h 46min Acesso: BR-020

Região: Sertão do Inhamuns Área: 2.303,40 km² População: 33.695 hab. Distância de Fortaleza: 408,8 km Tempo estimado de viagem: 5h 56min Acesso: BR-020/CE-277


21 • Pentecoste

24 • Quixeramobim

27 • Sobral

30 • Tamboril

Região: Litoral Oeste Área: 1.378,30 km² População: 32.818 hab. Distância de Fortaleza: 103,1 km Tempo estimado de viagem: 1h 35min Acesso: BR-222/CE-341

Região: Sertão Central Área: 3.275,84 km² População: 59.229 hab. Distância de Fortaleza: 206,1 km Tempo estimado de viagem: 2h 59min Acesso: BR-060

Região: Vale do Acaraú Área: 2.112,99 km² População: 172.685 hab. Distância de Fortaleza: 250,3 km Tempo estimado de viagem: 3h 41min Acesso: BR-222

Região: Sertão do Inhamuns Área: 1.961,63 km² População: 25.793 hab. Distância de Fortaleza: 301,2 km Tempo estimado de viagem: 4h 13min Acesso: BR-020/CE-257/176

22 • Quixadá

25 • Russas

28 • Solonópole

31 • Tauá

Região: Sertão Central Área: 2.019,82 km² População: 74.793 hab. Distância de Fortaleza: 158 km Tempo estimado de viagem: 2h 18min Acesso: CE-060

Região: Vale do Jaguaribe Área: 1.588,11 km² População: 64.057 hab. Distância de Fortaleza: 162,1 km Tempo estimado de viagem: 2h 17min Acesso: BR-116

Região: Sertão Central Área: 1.536,16 km² População: 17.385 hab. Distância de Fortaleza: 275,1 km Tempo estimado de viagem: 3h 56min Acesso: CE-060/386/153

Região: Sertão do Inhamuns Área: 4.018,19 km² População: 52.330 hab. Distância de Fortaleza: 344,7 km Tempo estimado de viagem: 5h Acesso: BR-020

23 • Quixelô

26 • Saboeiro

29 • Tabuleiro do Norte

Região: Centro Sul Área: 559,76 km² População: 15.544 hab. Distância de Fortaleza: 392,1 km Tempo estimado de viagem: 5h 40min Acesso: CE-060/375

Região: Cariri Área: 1.383,47 km² População: 16.705 hab. Distância de Fortaleza: 462,8 km Tempo estimado de viagem: 6h 39min Acesso: CE-060/375/284

Região: Vale do Jaguaribe Área: 861,84 km² População: 28.346 hab. Distância de Fortaleza: 209,1 km Tempo estimado de viagem: 3h Acesso: BR-116/CE-377


Legendas

21 • Quixadá

32 • Canindé

43 • Itapipoca

56 • Miraíma

3 • Tamboril

22 • Quixadá

35 • Taperuaba, distrito de Sobral

44 • Tamboril

56 • Tauá

7 • Quixeramobim

25 • Crateús

36 • Quixadá

46 • Feiticeiro, distrito de Jaguaribe

59 • Pedra Lisa, distrito de Independência

14 • Canindé

27 • Juatama, distrito de Quixadá

39 • Barbalha

51 • Crateús

61 • Pedra Lisa, distrito de Independência

16 • Crateús

28 • Taperuaba, distrito de Sobral

52 • Tauá

62 • Pedra Lisa, distrito de Independência

19 • Quixadá

31 • Sucesso, distrito de Tamboril

55 • Crateús

63 • Lagoa do Mato, distrito de Itatira

41 • Assaré

42 • Lagoa do Mato, distrito de Itatira

219


64 • Sertão Central

76 • Quixadá

88 • Pedra Lisa, distrito de Independência

95 • Juatama, distrito de Quixadá

106 • Tamboril

66 • Lagoa do Mato, distrito de Itatira

77 • Quixeramobim

89 • Juatama, distrito de Quixadá

97 • Feiticeiro, distrito de Jaguaribe

107 • Tamboril

69 • Tabuleiro do Norte

79 • Parambu

91 • Cococi, distrito de Parambu

100 • Sertão Central

109 • Tamboril

71 • Crateús

81 • Iguatu

92 • Quixadá

101 • Saboeiro

110 • Russas

72 • Juatama, distrito de Quixadá

82 • Lagoa do Mato, distrito de Itatira

92 • Canindé

102 • Russas

95 • Isidoro, distrito de Acopiara

104 • Tamboril

76 • Quixadá

86 • Crateús

220

111 • Aiuaba

112 • Sertão Central


113 • Tamboril

123 • Crateús

132 • Fazenda Não Me Deixes, Quixadá

136 • Fazenda Cachoeira, Quixeramobim

141 • Quixadá

114 • Tauá

126 • Sobral

133 • Fazenda Não Me Deixes, Quixadá

137 • Fazenda Cachoeira, Quixeramobim

143 • Feiticeiro, distrito de Jaguaribe

117 • Pedra Lisa, distrito de Independência

129 • Tamboril

135 • Quixadá

138 • Miraíma

143 • Feiticeiro, distrito de Jaguaribe

118 • Sertão Central

129 • Tamboril

135 • Quixadá

138 • Madalena

144 • Quixeramobim

119 • Crateús

130 • Quixadá

135 • Quixadá

140 • Quixadá

144 • Quixeramobim

121 • Russas

131 • Quixeramobim

135 • Quixadá

141 • Quixadá

144 • Miraíma

221


144 • Miraíma

154 • Tamboril

158 • Sertão Central

164 • Miraíma

174 • Russas

146 • Arneiroz

154 • Tamboril

159 • Amontada

165 • Pentecoste

175 • Miraíma

156 • Tamboril

161 • Crateús

166 • Isidoro, distrito de Acopiara

175 • Quixadá

151 • Parambu

157 • Crateús

164 • Miraíma

169 • Pentecoste

177 • Lagoa do Mato, distrito de Itatira

152 • Tamboril

157 • Feiticeiro, distrito de Jaguaribe

164 • Tamboril

170 • Quixelô

178 • Auiaba

153 • Sertão Central

158 • Sertão Central

164 • Miraíma

173 • Isidoro, distrito de Acopiara

149 • Quixadá

222

179 • Crateús


180 • Itapajé

194 • Juatama, distrito de Quixadá

199 • Jaguaretama

182 • Crateús

195 • Juatama, distrito de Quixadá

201 • Solonópole

185 • Quixadá

197 • Sertão Central

201 • Solonópole

186 • Solonópole

199 • Juatama, distrito de Quixadá

205 • Quixadá

188 • Quixadá

199 • Jaguaretama

206 • Isidoro, distrito de Acopiara

192 • Jaguaretama

199 • Juatama, distrito de Quixadá

223



www.terradaluzeditorial.com.br


ISBN 978-85-88112-17-9

9 7 8 8 588 112179


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