Epilepsia: informações que conscientizam a sociedade e melhoram a qualidade de vida de pacientes

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Epilepsia: informações que conscientizam a sociedade e melhoram a qualidade de vida de pacientes Entrevista com o neurologista Dr. Li Li Min e a psicóloga Drª Paula Fernandes Paula Pereira - O programa Educadicas da Rede Tutores, franquia nacional que atua com projetos de reforço escolar multidisciplinar, dedicou um episódio especial sobre epilepsia em entrevista com o neurologista e professor Dr. Li Li Min da Faculdade de Ciências Médicas e a psicóloga e também professora Drª Paula Fernandes, da Faculdade de Educação Física - ambos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Em vídeo, os convidados representantes da ASPE (Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia) esclarecem as principais informações sobre epilepsia (entre elas definição, tipos e tratamento) e mostram como o estigma da doença afeta a vida daqueles que são diagnosticados. A Tutores do Brasil, que no ano passado recebeu o selo da Fundação Abrinq (Empresa Amiga da Criança e do Adolescente) inicia uma nova jornada, em 2013, com a criação de campanhas de divulgação e de inclusão de pacientes com epilepsia através de projetos voltados para as redes sociais. Em seu canal de vídeos, a Tutores exibe matérias que são exemplo dos serviços prestados à sociedade com foco especial ao reforço escolar e nele encontra-se o programa Educadicas, apresentado por Sueli Adestro. Este material é a transcrição do programa lançado em 08 de janeiro de 2013 no canal Tutores. Educadicas: E hoje nós vamos conversar sobre a

gente falar sobre epilepsia, que é um tema comum, mas

epilepsia, uma condição neurológica que afeta não só a

ainda muito estigmatizado. É um grande prazer estar

pessoa que tem a crise, mas também as pessoas que

aqui e a gente realmente espera conseguir mudar a

vivem com ela. No Educadicas de hoje vamos falar com

perspectiva da epilepsia na sociedade.

o Dr. Li Li Min, docente da Faculdade de Ciências médicas da Unicamp e a Drª Paula Fernandes, psicóloga, especialista e pesquisadora em neurociência. Li Li Min: Meu nome é Li Li Min, eu sou médico

Educadicas: Dr. Li, o que é epilepsia? Gostaria que você comentasse sobre os números e se isso agrega pessoas de diferentes faixas etárias.

neurologista, trabalho como professor das Ciências

Li Li Min: A epilepsia é uma condição neurológica

Médicas da Unicamp e atuo há alguns anos na área de

muito comum, ela acomete cerca de 1% a 2% da

epilepsia. É realmente um grande prazer estar aqui

população, isso quer dizer que, se pegássemos 100

contigo falando sobre este tema.

pessoas na rua, 1 ou 2 te alguma forma de epilepsia. E

Paula Fernandes: Olá, meu nome é Paula, sou

de fato, a epilepsia acomete todas as faixas etárias, só

psicóloga, trabalho com epilepsia e a gente tem uma

que é um pouco mais frequente nos extremos: nas

ONG chamada ASPE, de assistência à saúde de

crianças ou adolescentes e idosos. Isso depende muito

pacientes com epilepsia que em 2012 completou 10

das causas da epilepsia, o que é muito variável.

anos de experiência, de história. E é interessante a

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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A epilepsia ainda é muito mal compreendida pela

auxílio médico. A pessoa mais indicada, em termos de

sociedade. Apesar dos avanços da ciência, a gente sabe

profissionais, é o neurologista. De fato, não haveria a

que é uma condição neurológica em que há um

necessidade de ser um neurologista, desde que o

desequilíbrio das informações dentro do cérebro que

profissional

leva ao que as pessoas costumam ver, que é a

conhecimento, mas na situação atual, a pessoa mais

convulsão ou crises epiléticas.

preparada para atender o paciente que é acometido de

de

saúde,

ou

médico

tivesse

o

Para ser epilepsia, um ponto importante é que a

uma crise convulsiva é o neurologista; para poder fazer

pessoa apresente crises epiléticas de uma forma

o diagnóstico da epilepsia. Mas novamente, não há uma

recorrente. Uma situação que é relativamente comum é

necessidade

a crise única. A crise única chega a afetar 5% da

neurologista levando em consideração que o médico

população; a pessoa tem uma crise só e depois nunca

esteja preparado, apto a poder interpretar estes dados

mais.

que o paciente conta. Lembrando que é importante que

de

que

seja

exclusivamente

um

E outra situação é aquela criança que até 5 anos de

esse paciente esteja acompanhado de alguém que

idade que, na vigência de uma febre, devido a um

tenha presenciado a crise. Assim, o médico pode,

resfriado, vem a desenvolver uma crise epilética que a

através do que a gente chama de história clínica, chegar

gente chama de convulsão febril. Convulsão febril,

à conclusão se a pessoa tem ou não epilepsia. E aqui

apesar de ser uma crise epilética,

cabe um ponto importante que é

ela não é considerada uma

que, em algumas situações, o

epilepsia, mas sim uma condição especial porque ela tem uma

“Nos dias de hoje, a pessoa que tem epilepsia está escondida”

médico vai pedir alguns exames. Os

exames

servem

evolução toda diferente. Então é

complementar

o

importante

Eles

não

deixar isso claro

quanto à este aspecto. E as crises epiléticas de fato, se a gente for olhar, ela

em

si

para

diagnóstico. fazem

o

diagnóstico de epilepsia porque o diagnóstico é feito pela história clínica.

pode ocorrer em situações em que o cérebro seja acometido por um trauma agudo. Por exemplo, a

Educadicas: Drª Paula, quais os mecanismos

pessoa leva uma pancada na cabeça ou faz uso de

psicológicos de aceitação ou não são os mais comuns

drogas que acabam por desencadear um desbalanço no

nessa condição de epilepsia e por que isso ocorre?

cérebro e consequente, o aparecimento de uma crise epilética.

Paula Fernandes: Bom, antes da gente falar de mecanismos psicológicos, eu acho que vale a pena a gente falar sobre a questão do estigma. A epilepsia é

Educadicas: Dr. Li, qual especialista deve ser

uma condição extremamente estigmatizante. A pessoa

procurado para se obter o diagnóstico da epilepsia e

que tem epilepsia tem uma dificuldade muito grande

em que momento a pessoa deve procurar esse

para se inserir na sociedade, formar uma família e

especialista?

conseguir um emprego.

Li Li Min: Quando uma pessoa tem uma convulsão,

O que a gente vê nos dias de hoje é que a pessoa

ela está sinalizando que alguma coisa não está indo bem

que tem epilepsia está escondida. Se a gente for ver,

no cérebro, por isso é importante que a pessoa procure

como o Dr. Li falou, tantas pessoas têm epilepsia não é?

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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Cadê essas pessoas? Elas ainda estão escondidas. Elas

física é diferente, é tudo diferente. E se a gente for ver

ainda estão nas sombras. Então começa daí, a precisa se

no trabalho, é a mesma coisa. Quantas pessoas com

aceitar. O mecanismo de aceitação dessa condição é

epilepsia estão sendo excluídas do trabalho?

fundamental.

A epilepsia é uma condição que só vai ser falada às

É interessante a gente ver que essa aceitação está

vezes quando a crise aparece. Então, enquanto a pessoa

muito vinculada à informação adequada sobre a

não tem crise, é como se não tivesse epilepsia. Se num

condição, por isso o que a gente tem tentado fazer

emprego, por exemplo, perguntam para uma pessoa

nesses anos de trabalho com epilepsia é justamente

“Você tem epilepsia? Tem alguma doença?”, raramente

tentar conscientizar a sociedade, a população sobre o

uma pessoa com epilepsia vai dizer “ah, eu tenho”. Só

que é epilepsia, o que são as crises, quais são as formas

que aí ele tem a crise no serviço e o que acontece? Ele é

de tratamento e como a pessoa pode estar inserida na

excluído desse serviço, ele é mandado embora porque a

sociedade.

sociedade ainda não está preparada.

Por exemplo, a condição é muito comum em

Quando a gente fala em mecanismos associados à

crianças. E aí vem a questão dos pais quando a gente

essa questão da epilepsia a gente precisa sempre

fala em mecanismos psicológicos. Os pais têm aqueles

lembrar dessa questão do abandono, dessa falta de

dois extremos, ou superprotegem porque a criança tem

informação, dessa não aceitação e até da rejeição dessa

epilepsia e vem todos aqueles cuidados né de “ela não

pessoa que tem epilepsia.

pode fazer nada, nem esportes, em participar de uma atividade coletiva porque tem epilepsia”. Muitas vezes

Educadicas: Drªa Paula, é comum essa pessoa com

os pais se privam de eventos sociais e de muitas outras

epilepsia sofrer preconceito social, profissional? E o

situações por causa da superproteção, mas acaba sendo

que significa essa palavra “estigma” que você coloca

uma proteção tão excessiva que incapacita a criança a

na resposta que você nos deu?

ter um desenvolvimento integral. E no outro extremo, a

Paula Fernandes: Quando a gente fala em estigma e

gente tem a questão da rejeição. Muitas crianças têm

preconceito, muitas pessoas as relacionam como sendo

esse diagnóstico de epilepsia, mas esse diagnóstico tem

a mesma coisa. Se a gente for ver, o preconceito é você

um estigma tão grande que as crianças são rejeitadas,

ter uma ideia pré-concebida, antes de você conhecer

elas são deixadas de lado não pela superproteção, mas

uma pessoa você tem uma ideia sobre quem aquela

por esse mecanismo de exclusão social. Então essa

pessoa é. Então é a questão da gente falar da pessoa

criança não aparece na sociedade de maneira nenhuma,

epilética, são os rótulos sociais: “a pessoa epilética é

o que também prejudica o desenvolvimento integral e

violenta”, “a pessoa epilética é ruim”, “a pessoa

social dessa criança.

epilética não sabe trabalhar”, esses são os rótulos que a

Quando a gente fala em criança é isso, mas se a

gente vê. E o estigma parte desse pressuposto, mas é

gente for ver, no decorrer da vida de uma pessoa que

como a pessoa parte desse pré-conceito e lida com esse

tem epilepsia, isso acaba acontecendo, mas aí já não é

preconceito, e não é só com quem tem epilepsia, mas

só uma condição dos pais, a própria sociedade exclui ou

com pessoas da sociedade em geral.

a sociedade superprotege. Numa escola que tem uma

Se a gente for perguntar para você, que está

criança com epilepsia, muitas vezes essa criança fica

assistindo a gente “Pensa numa pessoa que tem

sentadinha na classe. A nota é diferente, a atividade

epilepsia”.Provavelmente você não vai pensar em Van

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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Gogh, Machado de Assis, Dostoievski, Afredo Nobel,

Li Li Min: A palavra “cura” ainda não está presente

Dom Pedro II. Essas pessoas todas tiveram epilepsia,

no caso da epilepsia. Em algumas situações a gente

mas a gente não pensa nessas porque “poxa, foram

poderia usar esse termo. De fato, toda a comunidade

grandes nomes na nossa sociedade”. Mas e aí? Tiveram

científica médica está atrás de uma cura para a

epilepsia e conseguiram se diferençar na cultura, na

epilepsia, mas a boa notícia é que o tratamento é muito

sociedade que eles viveram. Então o estigma é uma

eficaz, eficiente e 70% das pessoas que tem alguma

característica depreciativa de qualquer condição, de

forma de epilepsia podem ter suas crises totalmente

qualquer pessoa mas que tenha ação social em volta

controladas com uma medicação só. E é uma

dessa característica estigmatizante. E aí como a gente

medicação distribuída de forma gratuita nas Unidades de Saúde Básica do nosso país desde que seja feito o

“O tratamento é muito eficaz e 70% das pessoas que tem alguma forma de epilepsia podem ter suas crises controladas com uma só medicação”

diagnóstico correto e seja feito o uso dessa medicação de forma correta. O que a gente vê muitas vezes é que o paciente que tem epilepsia não busca auxílio médico, não faz tratamento

adequado

muitas

vezes

devido

ao

lida com isso? O que a gente ainda vê hoje, em pleno

preconceito, ao estigma e isso precisa ser mudado.

século XXI, é que a melhor arma de combate ao estigma

Entretanto, aqueles 30% das pessoas que tem epilepsia

e fortalecimento de uma pessoa que sofre o estigma é a

e que não respondem à medicação, têm hoje algumas

informação. E é nesse sentido que a gente busca a

outras possibilidades, alternativas; que é o tratamento

informação sempre. Informação adequada perante a

cirúrgico e até estimuladores elétricos que se coloca no

epilepsia.

cérebro e tenta abortar o aparecimento das crises. E nas crianças há também a possibilidade de uso de dieta

E o que a gente também vê é que a epilepsia tem

cetogênica para tentar controlar algumas formas de

muitas crenças “A epilepsia é contagiosa”, “É possessão

epilepsia que não respondem à medicação e que

demoníaca”, “A pessoa com epilepsia engole a língua”,

também não são candidatos à cirurgia.

são crenças que não têm base científica nenhuma, mas

Fazendo um ponto importante sobre o tratamento

elas foram colocadas muito tempo atrás e foram

cirúrgico, muitas vezes assusta porque você vai operar o

passadas de geração para geração, sem uma

base

cérebro da pessoa, mas é um tratamento muito seguro.

científica. O que a gente faz hoje é tentar mudar, mas

Hoje os resultados são muito bons quando se sabe em

não é fácil. Imagina uma doença de 100, 200, de mil

qual região do cérebro as crises estão aparecendo e se a

anos, não é fácil mudar isso.

remoção daquele pedaço do cérebro não vai causar

O nosso trabalho é muito contínuo e a sua

nenhum dano adicional ao paciente. Sendo feitas essas

participação é fundamental para que a gente mude essa

avaliações bastante criteriosas e com bastante detalhe,

perspectiva da epilepsia na nossa sociedade.

a gente pode oferecer essa alternativa de tratamento a pacientes que a medicação não está levando ao

Educadicas: Podemos falar em cura da epilepsia? E

controle das crises.

como é feito o tratamento para epilepsia?

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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Educadicas: Crises de epilepsia não controlada e

“Qualidade de vida” é um termo bastante utilizado

cirurgias como tratamento. Todas as pessoas são

em bastante áreas, mas num conceito geral a gente fala

candidatas à cirurgia?

de qualidade de vida como bem-estar nos níveis físico,

Li Li Min: Um ponto importante é que no

psicológico e social. Como a gente viu, a crise é

tratamento cirúrgico, nem todas as pessoas são aptas.

controlada em 70% dos casos, mas e se a pessoa tem

Não é necessariamente porque a pessoa não responde

uma crise? A crise incapacita somente naquele

à medicação que ela pode optar pelo tratamento

momento. Porém, acabou a crise, o que a gente espera,

cirúrgico. A cirurgia só se torna uma opção depois que é

de uma pessoa que tenha as crises mais ou menos

feita toda uma avaliação para ver se pode operar. A

controladas, é que ela tenha uma vida praticamente

gente percebe que gira em torno de 5%, ou seja,

normal.

daqueles 30% talvez só uns 5% poderiam ser candidatos à cirurgia.

A gente sabe que o estigma prejudica essa vida normal, mas o que a gente percebe é que essa pessoa

Infelizmente há pacientes em que o tratamento não

precisa sempre é focalizar naquilo que ela pode fazer e

propicia o controle total, e sim um controle parcial. Mas

não no que não pode ser feito. A pessoa com epilepsia

como a Paula falou, existe outra maneira de se enxergar

pode participar na sociedade, pode fazer esporte, pode

o problema, uma maneira de tentar viver com a

ter amigos, pode sair, pode trabalhar. Então a gente

epilepsia de forma mais positiva. É tentar buscar a

tenta interferir nesse contexto para que a pessoa possa

plenitude da vida olhando para o que ela pode fazer, ao

ter uma melhor qualidade de vida. E como a gente

invés daquilo que ela não pode. O que a gente costuma

melhora essa qualidade? Com tratamento adequado

ver no nosso ambulatório é que as pessoas se tornam

(seja medicamentoso ou cirúrgico) e também é

escravas numa situação em que a crise dura poucos

fundamental que essa pessoa tenha acompanhamento

segundos, mas ela fica escrava dessa situação 24 horas

psicológico no sentido de aceitação dessa condição e,

por dia. É preciso enxergar a vida de forma mais ampla,

por isso, muitas vezes a gente fala para essa pessoa

mais macro e mostrar a essas pessoas que não

participar de grupos de apoio porque a troca,

conseguem obter o controle das crises de que é possível

experiência com pessoas que viveram situações

viver a vida e se desenvolver da melhor forma possível.

semelhantes, vivência parecidas, fortalece. Essa troca

Paula Fernandes: É importante pegar esse gancho

de papeis de “Poxa, o que você faz quando tem a crise?

que o Li falou das crise, de durar tão pouco tempo e ter

Quais são seus hobbies? Poxa, você consegue fazer

um impacto tão forte... bom, a gente vê que mesmo

isso?!”, isso traz um crescimento muito importante e a

pacientes com as crises controladas não tem uma

pessoa vai se vendo como diferente porque ela

qualidade de vida boa. A gente tem até alguns pacientes

consegue se ver também na pessoa do outro. Isso ajuda

que fizeram a cirurgia de epilepsia, que estão livres das

muito no tratamento e na melhora da qualidade de

crises e que chegam pra gente e falam assim “Não sei

vida.

viver. Eu passei a vida inteira com a crise e de uma hora

Então é claro que quando a gente fala em qualidade

para outra não tenho mais. Então como que eu posso

de vida em epilepsia, não dá para passar uma receita de

viver?”. Então, como o Li falou, eles ficam escravos da

bolo, mas o que a gente vê é que é preciso ter um novo

epilepsia, da crise epilética. Por isso é importante a

olhar sobre a epilepsia. Não só o paciente, a sociedade.

gente falar sobre qualidade de vida nesse sentido.

A gente precisa preparar a sociedade para receber esse

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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paciente. E também preparar esse paciente para se

habilidades. Outras pessoas vão precisar de um

inserir na sociedade. O que a gente tem buscado é essa

assistente social. Pra que? Para ver como é essa

inter-relação,

e

inserção dele no trabalho, para ver como essa parte do

reconstrução de conhecimento, de informações, de

serviço social pode ajudar. E algumas pessoas vão

qualidade de vida, de estigma e todas essas questões

precisar de terapia. Isso tudo é determinado de acordo

que estão envolvidas com epilepsia.

com o perfil desse paciente. Então é depois desse

essa

troca,

essa

construção

primeiro

contato

que

a

gente

vai

fazer

o

Educadicas: Qual especialista deve ser procurado

encaminhamento do ponto de vista multidisciplinar e

para se obter o diagnóstico da epilepsia e em que

até transdisciplinar porque quando a gente fala disso,

momento a pessoa deve procurar esse especialista?

eu não posso deixar de me referir à inserção e

Paula Fernandes: O primeiro profissional que a pessoa com epilepsia procura é o médico, geralmente o

“Durante uma crise é muito pouco o que se faz, mas o pouco que se faz é muito importante...”

neurologista, como o Li falou. A partir desse diagnóstico, é importante que esse profissional de saúde, o médico, encaminhe para outras questões porque o médico tem foco na questão deste controle

envolvimento da família e da sociedade nesse

das crises. Mas a partir daí, eu acredito que a primeira

tratamento. Não existe tratamento efetivo para

questão seja a psicologia. Por quê? Porque a parir do

epilepsia sem que a família, sem que o ambiente em

momento que você permite que o paciente com

que essa pessoa vive estejam inseridos nesse processo.

epilepsia se aceite, você permite que ele consiga fazer

Quando a família está inserida, a gente precisa ir até a

outras coisas. Porque sem aceitação ele vai ficar na

comunidade porque a comunidade precisa saber o que

sombra, ele vai ficar escondido, não vai fazer nada. A

é epilepsia e começar a aceitar esse paciente.

partir do momento que ele vai para a psicologia, a gente vai determinar quais são as capacidades dele, qual é o

Educadicas: Diante de uma crise, seja numa sala de

histórico dele, qual formação ele tem, qual perfil

aula, num ambiente social, num núcleo de conversa,

profissional ele tem para que a gente possa encaminhar

num

para outros . Tem crianças, por exemplo, que a gente

constrangimento, um susto e afastamento das pessoas

encaminha para o psicopedagogo. Por quê? Porque ela

porque como você disse, algumas pensam que é uma

tem tantas crises no período letivo; crises de ausência

doença contagiosa. Como podemos orientar os alunos

que são muito comuns na infância, que a atenção fica

e professores? Como podemos atuar mediante uma

menos atuante. Não é que a epilepsia cause algum

crise, ou seja, como podemos observar e atuar diante

prejuízo ao processo cognitivo. Outra questão é o efeito

de uma pessoa num momento de crise?

local

de

festa,

isso

causa

um

certo

colateral da medicação que às vezes deixa com mais

Li Li Min: Realmente, para quem já viu, estar diante

sono e por isso a criança pode precisar de

de uma crise é uma situação bastante assustadora

acompanhamento do ponto de vista pedagógico. E há

mesmo. Mas é preciso ter conhecimento de que se trata

pessoas que precisam de acompanhamento em termos

de uma crise epilética, ou seja, existe uma disfunção

de terapia ocupacional para lidar melhor com a própria

cerebral

que

é

transitória em

que

tem

essa

capacidade, para ver outras áreas, desenvolver novas

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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manifestação que á pessoa fala que é convulsão, mas

doença contagiosa, isso precisa ficar claro. Então, de

vamos tentar olhar num ponto mais de descrição.

fato, se faz muito pouco nessa hora. Tem que deixar a

Por que o que acontece durante a crise? Primeira

crise acontecer e olhar no relógio porque como eu falei,

coisa, a pessoa perde a consciência. Então a pessoa não

a crise dura 1 ou 2 minutos, quando a crise começa a

está consciente e tem a contração de todo o músculo,

durar mais que isso, chegando a 5 minutos com a

com isso ela fica dura, perde o equilíbrio e cai no chão.

pessoa se debatendo, tendo uma crise atrás da outra, a

Nesse momento a pessoa não está respirando porque

pessoa está numa outra situação que a gente chama de

está toda contraída, não é porque a língua está lá

“estado de mal epilético” em que é uma urgência. Aí

obstruindo. Depois a pessoa começa a se debater e é

tem que ser removido dalí e por isso se chama o SAMU,

onde tem outra fase da convulsão. Muitas vezes, devido

no 192, para ele ser levado para o pronto socorro e saia

ao acúmulo da saliva na boca, a pessoa não está

desse estado através de medicação.

engolindo e por isso começa a salivar também. Essa

Outras coisas que a gente acaba escutando são

crise dura um minuto no máximo, mas quem já viu,

“Passa álcool, passa alho”. Não se deve fazer isso. Esse

parece que dura uma eternidade.

tipo de ajuda não contribui em nada e muitas vezes

O que a gente tem que fazer nesse momento?

acaba atrapalhando. Imagine você dar alho para a

Basicamente é tentar evitar que a pessoa possa se

pessoa que está inconsciente, você acaba afogando essa

machucar, principalmente a cabeça. Então se a pessoa

pessoa. Ou tentar dar álcool para a pessoa cheirar. Pode

está caindo, é deixá-la cair de uma forma mais

acabar caindo nos olhos, na córnea e trazer uma

confortável, apoiando a cabeça dela. Afaste os objetos

situação muito mais perigosa. Então não se deve fazer

que estão em volta e que tragam algum perigo de cair

nada disso.

em cima e vire a pessoa de lado porque a saliva está ali se acumulando e assim você evita ela de se afogar.

Você deve apoiar a cabeça da pessoa, deixar ela um pouco de lado, olhar no relógio e esperar que a crise

Outro ponto importante é a língua. O pessoal fala “E

passe. Passado isso, a pessoa pode ficar um pouco

a língua? Tem que puxar a língua?”. Não, esse

sonolenta, um pouco confusa, aí você a orienta, explica

realmente é um mito. Ninguém consegue engolir a

o que aconteceu, dá um suporte; o que é muito

própria língua. Até fica o desafio aí (risos), se você

importante para que a pessoa sinta-se acolhida e

conseguir pode recolher seu prêmio com o pessoal aqui

cuidada. Nos casos em que a pessoa acaba se

como algo inédito. Mas isso não ocorre, então o que se

machucando, é preciso que ela seja levada ao hospital

faz é deixar a língua lá quieta. Não coloca nada na boca

para fazer uma avaliação.

da pessoa. Porque o pessoal fala “coloca um garfo, um

Algumas pessoas perguntam “Mas eu não tenho que

lápis, uma caneta” e isso muitas vezes acaba

segurar ela?”. Não, não deve porque não ajuda e além

atrapalhando e trazendo um problema de risco, capaz

disso pode trazer uma outra situação que a gente

de machucar a pessoa. Há histórias tristes sobre casos

observa. Imagine você acordando de manhã, abre os

de pessoas que tentaram ajudar e acabaram perdendo

olhos e se depara com um monte de pessoa em cima de

até o dedo porque a pessoa acaba mordendo mesmo.

você. Você vai reagir numa maneira de autodefesa,

E a saliva, a baba né? A pessoa saliva, mas isso não

muitas vezes até “violenta” aos olhos das pessoas. Mas

vai transmitir epilepsia. Então não tenha medo de

é o que acontece. A pessoa que teve a crise está

realmente ajudar a pessoa. A epilepsia não é uma

acordando ali e de repente, se tem muitas pessoas

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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tentando segurá-la, ela vai interpretar aquilo como uma

e tão pouco é cobrada. Por isso a capacidade cognitiva

ameaça e reagir a isso. Então não se deve restringir os

dessas crianças caba sendo prejudicada, vão ser

movimentos. As pernas vão se debater, pode ter um

menores se comparadas aos seus pares. Logo é

pouquinho de machucado, mas ela vai se recuperar

importante observar num conjunto muito mais amplo

plenamente depois. Essas são as dicas que a gente dá para o pessoal fazer durante a crise. Durante uma crise

Educadicas: Pessoas com epilepsia tem uma

é muito pouco que se faz, mas o pouco que se faz é

condição de vida normal, não é? Ou seja, eles podem

muito importante para que a pessoa possa se conduzir

casar, estudar, ter seus filhos, trabalhar. Mas essa é

de forma bastante adequada.

uma condição que realmente está no inconsciente das pessoas? As pessoas veem a vida de uma pessoa com

Educadicas: Nós podemos falar em perda de

epilepsia como sendo uma vida normal?

cognição para os pacientes que tem uma crise

Li Li Min: Uma pergunta que ocorre frequentemente

prolongada no decorrer dos anos? E como isso se dá

é sobre predisposição genética. “Será que meu filho ou

numa criança, durante o processo de aprendizagem?

filha vai ter epilepsia?” ou até mesmo “Eu posso ter

Li Li Min: A parte da questão cognitiva, da parte da

uma família? Eu posso casar?”. E assim a gente vê o

memória que muitos dos pacientes se queixam, ela

grau de preconceito e falta de informação que ainda

realmente pode acontecer em alguns tipo de epilepsia.

existe na sociedade. Então a resposta para essas

A epilepsia tem múltiplas causas, então é preciso ver

perguntas é “Claro! Se você achar uma alma gêmea, faz

caso a caso e por isso é importante ter o

mais do que bem você buscar uma união, seja ela

acompanhamento

equipe

religiosa, civil ou o que quer que seja (risos)”. Você pode

multidisciplinar para ver se alguma das queixas de

sim constituir uma família, o fato de ter epilepsia não te

memória realmente se procede, para ver se realmente

exclui dessa possibilidade, faz parte do processo natural

tem algo a ver com a própria condição de base, que está

de qualquer cidadão.

médico

de

uma

causando as crises. Mas fora isso, tem todo um outro

Agora, sobre a questão genética, vai depender

contexto de que a medicação, por agir no sistema

novamente do tipo de epilepsia que você tem. Tipos

nervoso do cérebro, ela por si também pode ter alguns

específicos

efeitos colaterais. Mas aí o médico pode observar isso e

determinados, por isso nesses casos existe uma

tentar ajustar ou, conforme for, trocar a medicação. E

frequência, ou uma chance maior dos filhos virem a ter

também é importante lembrar que as capacidades

epilepsia. Mas de uma maneira geral, se pegarmos

cognitivas também são desenvolvidas e adquiridas.

todas as pessoas que tem epilepsia, se elas vierem a

Então é importante que as pessoas tentem ao máximo

constituir família, quais as chances de elas terem filhos

desenvolver sua capacidade plena, assim as crianças

com epilepsia? A chance costuma ser só um pouquinho

devem ir à escola, elas devem ser estimuladas. Como a

maior do que na população geral. Na população geral a

Paula falou, existem muitos casos de crianças com

chance é de 1% a 2%, já nesse grupo varia de 3% a 5%.

epilepsia que acabam não tendo uma boa performance

Então assim, aumenta um pouco, mas é como ter 100

escolar, mas que tem outro contexto porque ela está

filhos e destes somente 5 terão epilepsia. Mas vamos

inserida na sala de aula, mas está lá no cantinho, sem

supor “Me casei com outra pessoa que também tem

chance de tentar desenvolver sua capacidade cognitiva

epilepsia”, aí essa chance aumenta mais um pouquinho,

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

de

epilepsia

são

geneticamente

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vai para 10%. Então a proporção não é muito grande,

uma crise é importante que as pessoas que estão em

mas se você tem dúvida, você pode buscar essa

volta saibam como lidar, da mesma maneira um

informação com o médico. E saber qual é o tipo de

professor.

epilepsia, se é geneticamente determinado ou não.

A gente vê muitos casos de criança ou adolescente

Vamos supor o caso daquela pessoa que levou uma

que tem uma crise e aí, o que a classe faz? Tem gente

pancada na cabeça e passou a desenvolver epilepsia. Se

que conta pra gente que teve uma crise em sala de aula

ela tiver filhos, as chances dela ter filhos com epilepsia

e quando acordou tinha umas 30 pessoas em volta

vai praticamente igual a chance de qualquer pessoa.

olhando com cara de espanto. Então, se o professor já

Então não existe um risco adicional.

souber é importante que a gente trabalhe em como

Cabe notar também como o assunto é tratado

inserir esse conteúdo dentro da escola. As crianças são

dentro da própria família. Se você perguntar “Temos

a base do nosso mundo. Se a gente conseguir mudar a

algum caso de epilepsia na família?” é muito pouco

cabeça dessa criança que está em desenvolvimento, a

provável que você tenha uma confirmação. Você

gente consegue chegar num adulto muito mais cidadão

provavelmente vai ouvir falar de um parente que tem

no sentido de promover a inserção social. A gente está

diabetes, o tio que tem problema do coração; quanto a

numa sociedade inclusiva; é bonito falar isso, mas que

essas questões as pessoas não há medo ou vergonha de

preparo a gente pode dar para que a sociedade seja

falar, mas quando se fala em epilepsia, se acaba sempre

inclusiva de fato? Essa é a questão e isso depende dos

escondendo isso.

pais. A gente precisa evitar riscos, evitar machucados

Muitas

vezes

os

pacientes

acabavam

me

mesmos durante a crise e, além disso, inserir essa

perguntando “Eu devo falar que tenho epilepsia?”. A

pessoa na sociedade. É claro que a sociedade não está

Paula talvez a te tenha um ponto de vista muito

preparada para receber totalmente uma pessoa que

parecido ao meu no sentido de que se trata de uma

tem epilepsia, mas o que a gente precisa é, dentro de

escolha muito pessoal. Depende de como você se sente,

alguns contextos, ter um pouco mais de controle

como você vai colocar isso e em qual ambiente.

quando uma crise acontecer. Então é importante que os

Infelizmente a sociedade ainda não está preparada para

pais falem, não para expor seus filhos, mas justamente

lidar com essa situação, por isso a informação é

para evitar uma exposição inadequada.

importante, para que a sociedade possa fazer

Falando sobre rótulos, será que para você existe

julgamentos baseados em fatos, não em mitos que

alguma diferença a gente falar “Essa pessoa tem

ainda perduram.

epilepsia” ou “Essa pessoa é epilética”? É interessante

Paula Fernandes: É como o Li falou, é uma questão

porque essa pergunta consumiu a gente durante um

individual. E a gente precisa também levar em

bom tempo né Li?! E aí a gente foi ver o que isso

consideração a questão dos pais, professores, de todo

realmente significava. E o que gente viu através de

mundo que está inserido nesse contexto. É importante,

pesquisas, elaboradas cientificamente, é que quando a

por exemplo, que se uma criança, um adolescente vai

gente fala “ele é epilético”, você permite um estigma,

fazer um esporte, é importante que os pais falem para o

um nível de preconceito, um rótulo muito maior do que

professor que ele tem epilepsia, que falem qual é a crise

quando você fala “ele tem epilepsia”. Por quê? Quando

que ele tem e como fazer diante da crise; porque ele

você fala “ele é epilético”, você está falando só o rótulo,

pode participar de várias atividades, mas se ele tiver

você esquece a pessoa em si. Quando você fala “a

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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pessoa que tem epilepsia” é uma característica, antes

que seja um momento de reflexão sobre “Por que a

deter epilepsia, ele é uma pessoa humana, com desejos,

epilepsia merece a nossa atenção? Por que ela deve ser

vontades, personalidade, aspirações, com um monte de

falada?”. E a gente convoca todos vocês a colocarem

coisas. Quando a gente também fala em “aidético”,

esse questionamento pelo menos ao seu colega, ao seu

“tuberculoso” e “diabético”, a gente esquece a essência

familiar. Procure saber se eles já ouviram falar, se eles já

da pessoa. Então este é outro desafio nosso, quando

viram uma crise, se eles sabem qual a situação da

você estiver falando com alguém, não diga “essa pessoa

epilepsia no nosso país. Então esse é um ponto

é epilética”, fale “essa pessoa tem epilepsia” porque

importante em que a ASPE vem a somar.

antes de tudo é uma pessoa.

Além disso, outras instituições de profissionais também têm trabalhado em prol da divulgação da

Educadicas: Eu gostaria que o Dr. Li ou a Drª Paula

epilepsia. A própria Liga Brasileira de Epilepsia, que é

falasse um pouco sobre a ASPE (Assistência à Saúde de

uma Liga de profissionais, até o programa científico

Pacientes com Epilepsia).

como o CInAPCe (Cooperação Interinstitucional de

Li Li Min: A ASPE (Assistência à Saúde de Pacientes

Apoio a Pesquisa sobre o Cérebro) que é financiado pela

com Epilepsia) é uma ONG sem fins lucrativos localizada

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

juridicamente em Campinas, criada há 10 anos para

(FAPESP), que congrega as principais instituições de

executar uma campanha nacional da Organização

ensino e pesquisa daqui do Estado de São Paulo, na qual

Mundial da Saúde aqui do Brasil. Lembrando que a

a principal temática de pesquisa é a epilepsia; só que

epilepsia é muito similar em vários países do mundo,

não só isso, eles também têm a intenção de trazer

alguns piores do que em outros, no sentido da sua

informações científicas que são bastante aprofundadas

aceitação. A ASPE nasceu com a finalidade de

num nível que possa ser utilizado na sociedade para fins

desenvolver um projeto que demonstrasse que a

de debate. É importante que as pessoas realmente

epilepsia poderia ser trabalhada ou tratada na Unidade

falem sobre isso, pessoas que tem epilepsia, familiares e

Básica de Saúde, mas com todo um repertório para que

que,

pudéssemos discutir a temática com a sociedade.

informações nessas instituições para que possam colher

Nesse período foi interessante observar que, no Brasil, pudemos organizar de certa maneira as

de

modo

geral,

essas

pessoas

busquem

dados mais acurados do que realmente lidar com mitos ou crenças que ainda perduram na sociedade.

instituições leigas voltadas para essa questão com a

Paula Fernandes: Complementando então a questão

sociedade. Um dos frutos da ASPE foi a criação da

da ASPE, a ASPE é uma ONG que tem a grande missão

Federação Brasileira de Epilepsia, que congrega

de promover qualidade de vida para as pessoas que tem

associações de pacientes e familiares em várias regiões

epilepsia e para as famílias. E como a gente faz isso? A

do Brasil e que tem sido muito ativa. E também com

gente tem várias atividades, uma delas, como o Li falou,

essa ação foi estabelecido o dia 9 de Setembro como o

é o Dia da Epilepsia. Não no sentindo de simplesmente

Dia Latino-Americano e Nacional de Conscientização

comemorar alguma coisa, mas de conscientizar. A gente

sobre Epilepsia. E várias ações são feitas nesse dia,

quer realmente chamar atenção sobre a questão da

nessa semana e hoje já extrapolou para ações durante

epilepsia para que as pessoas falem mais sobre isso,

todo o mês de setembro porque a gente vê a

para que essa pessoa com epilepsia seja aceita pela

necessidade de fazer com que o tema seja falado; para

sociedade. Outra atividade que a gente faz é

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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capacitação

de

vários

profissionais:

médicos,

pacientes

que

apresentam

alguma

doença

enfermeiros, psicólogos e qualquer outro da área da

reumatológica

saúde para que eles entendam melhor o que é

acometimento do lúpus dentro do cérebro e vir a

epilepsia, como lidar e tratar. A gente também faz

desencadear crises epiléticas também. É grande a lista

capacitações em escolas. A gente sabe que em muitas

de comorbidades que podem cursar com convulsão e

escolas, quando uma criança tem epilepsia, ela acaba

levar à causa da epilepsia.

ou

lúpus.

A

pessoa

pode

ter

sendo expulsa da escola. Então a gente fala para o professor como lidar com a epilepsia. A gente vai para

Convidado 2: Meu questionamento é a respeito do

pastorais, para igrejas e comunidades. O nosso objetivo

estigma. A gente sabe que existe o predomínio de

é, através da comunicação adequada, consiguir chegar

crenças religiosas que interpretam de forma negativa a

ao paciente e sua família, mesmo que muitas vezes as

convulsão. Então, não seria bom levar essa questão da

estratégias não sejam

conscientização também de forma a combater essas

voltadas diretamente

ao

paciente, mas são “para” ele. E nesse sentido, nós

crenças? Paula Fernandes: Muito boa essa pergunta. Eu acho

estamos à sua disposição. É importante lembrar que todo o trabalho da ONG é

que quando a gente fala em epilepsia, essa questão de

voluntário, a gente não ganha nada para isso. E é

crença religiosa é muito importante. A epilepsia é um

formada por uma equipe multidisciplinar, a gente tem

exemplo muito bom, digamos assim, para algumas

pessoas de diversas formações, exatamente para que a

igrejas porque como já foi falado nesta entrevista, a

gente atinja esse público de forma muito mais integral.

epilepsia tem começo, meio e fim; e ela dura mais ou menos um minuto, um minuto e pouquinho. E aí,

Educadicas: Nós temos alguns convidados com

imaginem, você põe uma pessoa que tem crise na frente de algum templo religioso e tira “o demônio”

perguntas para vocês. Convidado 1: Eu gostaria de saber se pessoas

dessa pessoa. E pelo tempo que se passa, esse demônio

portadoras de outras doenças como pressão alta ou

sai. Não é assim? Porque a crise acaba. Isso é um

diabetes podem ter crises epiléticas.

exemplo muito fácil do poder de tirar o demônio do

Li Li Min: As comorbidades que podem cursar com

corpo de uma pessoa. A gente já viajou para o interior

é o

de algumas cidades do Brasil, no Nordeste, em cidades

paciente que você mencionou, que tem diabetes. Uma

que tem essa crença muito forte e há pessoas que

das complicações do diabetes, quando tem alteração da

queimam camisas, queimam colchões de pessoas em

taxa de glicemia, a pessoa pode vir a desencadear uma

crise, justamente para expulsar o demônio. Isso é muito

convulsão, mas não necessariamente a epilepsia. A

comum, mas é muito difícil chegar até lá. A gente

questão da hipertensão é realmente muito frequente e

conseguiu fazer um trabalho muito legal com as

traz uma série de consequências, uma delas é o famoso

pastorais da saúde de vários locais do Brasil, um

derrame. Quando a pressão alta não é controlada a

trabalho muito bonito; mas não é fácil chegar em todas

pessoa pode vir a ter um AVC, um derrame, e como

as religiões justamente porque é o carro chefe de

consequência levar a uma lesão no cérebro. E essa lesão

exemplos. Então a gente precisaria de um pouco mais

pode vir a desencadear a epilepsia. Existem outras

de penetração nesse meio para conseguir chegar, mas

situações em que isso acontece, como no caso de

acho que é uma ideia fantástica. E se alguém souber

crises epiléticas são bastante frequentes. Uma

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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uma maneira da gente chegar lá, a gente está extremamente aberto a isso.

Paula

Fernandes:

É

uma

pergunta

muito

interessante. A gente sabe que quando um tema chega na mídia, o alcance é muito diferente. Se a gente tem

Li Li Min: Só complementando o que foi colocado,

uma pessoa com epilepsia que aparece na novela da

acho que existe uma busca dessa comunidade que

Globo, a gente sabe que alcança o Brasil todo e muitas

trabalha com epilepsia que tenta modificar a percepção

vezes o mundo. Se a gente tem um jornalismo eficiente,

do estigma. Esse é um grande desafio, não existem

a gente sabe que esse estigma é diminuído. A

comprimidos que você tome de oito em oito horas,

percepção negativa da epilepsia é diminuída. Só que

como se toma para controlar as crises, que sirvam para

existe outro lado não tão bem preparado. Nós sabemos

controlar o estigma.

que existem notícias que vendem mais, então falar “o

Mas tem havido algumas mudanças. Se a gente

epilético tem alguma qualidade negativa”, isso vende,

pegar na televisão, por exemplo, a figura do vampiro.

isso dá um ibope importante. Então o que a gente

Nunca um vampiro esteve tanto em moda, tão “cool”

precisa mesmo é chegar de uma maneira mais eficaz

como hoje em dia. Há algum tempo atrás o vampiro era

nesse jornalismo, nessa mídia. Nós sabemos que

um ser assustador. Se a gente for olhar em modelo de

sozinhos, não mudamos muita coisa. A gente começa,

intervenção, é um modelo fantástico. Então, coloco

dá o estímulo, mas você que está nos assistindo agora,

uma reflexão momentânea para você que está nos

você que fez a pergunta, eu gostaria muito da

assistindo “Como a gente poderia trabalhar de uma

participação de vocês nesse processo todo. A mídia é

maneira a desestigmatizar e epilepsia?”. Como mudar

fundamental, é um dos primeiros mecanismos para que

essa percepção de algo muito enraizado como algo

a gente mude alguns conceitos da sociedade. Então eu

muito negativo. O preconceito ainda corre solto. Como

finalizo aqui colocando esse desafio. Você que está no

reverter essa situação? É como as duas pontas de um

jornalismo, na mídia, entre em contato. Vamos mudar

pêndulo, a gente tenta chegar pelo menos ao seu

essa perspectiva para que a sociedade receba essa

centro, buscando a aceitação da sociedade para essa

informação de uma maneira mais adequada e com de

pessoa que tem alguma forma de epilepsia.

qualidade.

Convidado 3: Vocês mencionaram que as pessoas devem tentar conhecer melhor a epilepsia para evitar alguns preconceitos. O jornalismo, como mediador do conhecimento e do público, está preparado? Vocês sentem que os jornalistas que entrevistam vocês sobre epilepsia estão preparados ou eles mesmos reproduzem certos estigmas e certos preconceitos?

Educadicas: transcrição de programa especial sobre Epilepsia

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