Ano 2 · 5ª Edição Maio de 2016
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A reforma agrária é um sonho possível e necessário
Foto: Joka Madruga
Em busca de um sonho Trabalhadores rurais acampados querem acesso à terra para plantar e colher o alimento necessário Por Paula Zarth Padilha e Joka Madruga, do acampamento Dom Tomás Balduíno e Herdeiros da Luta: 1º de maio.
Quedas do Iguaçu, município do centro-oeste do Paraná, vive em ebulição desde julho de 2015, quando se formou o novo acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), chamado Dom Tomás Balduíno. O acampamento tem uma população de 1.200 famílias, entre elas cerca de 400 crianças, e ocupa uma área que a empresa madeireira Araupel disputa com a União Federal. São 63 mil hectares de terras férteis que a empresa utiliza para a plantação de pinus. Em maio de 2015, a Justiça Federal
de Cascavel reconheceu que 23 mil hectares da área pertencem à União e condenou a Araupel a restituir R$ 75 milhões que recebeu de indenização pela instalação do assentamento Celso Furtado. Nesta área também foi formado o acampamento Herdeiros da Terra, na cidade de Rio Bonito do Iguaçu. Essa sentença favorável motivou o Incra, autarquia responsável pela reforma agrária e diálogo entre os movimentos sociais e o governo, a protocolar uma nova ação judicial contra a Araupel, em outubro de 2015, para questionar a posse, em favor da União, de outros 12 mil hectares da área, onde está instalado o acampamento Dom Tomás Balduíno. A decisão judicial contra a empresa e favorável à desapropriação para a reforma agrária alterou os ânimos de toda a cidade, muito além dos envolvidos. A Araupel espalha o temor do desemprego de seus 1.200 trabalhadores, através de forte investimento em
anúncios publicitários e matérias pagas em jornais, rádios e telejornais comerciais, facilmente notado. Já as famílias do acampamento Dom Tomás Balduíno lutam diariamente pelo reconhecimento de sua causa. “Quando ocupamos o Herdeiros, a Araupel era mais forte. Agora, com o Dom Tomás, a população está dividida. A proposta da reforma agrária tem visibilidade, o debate está aberto”, conta Wellington Lenon, comunicador popular de 26 anos, que mora no acampamento Herdeiros da Terra, no município vizinho de Rio Bonito do Iguaçu. Os comerciantes não apoiam abertamente o acampamento do MST, mas se beneficiam da venda de materiais de construção, abrem crediário nos mercados e farmácias e, mais que isso, doam alimentos diariamente para que, coletivamente, um sopão seja servido para as crianças acampadas. O prefeito de Quedas do Iguaçu, Edson Prado, conhecido como Jacaré, articula a implantação de uma
cooperativa de laticínios para beneficiar pequenos produtores de leite, nos moldes da cooperativa de produtos do MST Terra Viva, de Santa Catarina, que traria ao município a arrecadação de impostos da produção leiteira do MST. O repórter fotográfico Joka Madruga e a jornalista Paula Zarth Padilha, do Terra Sem Males, estiveram no início de fevereiro nos acampamentos Dom Tomás Balduíno e Herdeiros da Terra e passaram 24 horas convivendo com as famílias e entrevistando agentes políticos, comerciantes e observando a população local. Para saber mais acesse http://goo.gl/2qRzxz
A REVISTA DOS TRABALHADORES
Militante do Levante Popular da Juventude no acampamento Dom Tomás Balduíno.
Mulher sem terra no acampamento Dom Tomás Balduíno.
Criança lanchando no acampamento Dom Tomás Balduíno. Alimentos sem veneno é o que os sem terra querem produzir.
Criança brincando no acampamento Dom Tomás Balduíno.
Sem terra em seu barraco no acampamento Dom Tomás Balduíno.
Rua principal do acampamento Dom Tomás Balduíno.
Fotos: Joka Madruga
#reformaagrária #reformaagrária
Bandeira do MST, um símbolo da luta pela reforma agrária.
Ato contra o assassinato de dois sem terra em Quedas do Iguaçu. Nenhum minuto de silêncio.
Animais do assentamento Celso Furtado. A produção de leite é uma das alternativas para a renda familiar dos camponeses.
Crianças jogam futebol no acampamento base, antes da ocupação das áreas da Araupel. Lazer e esporte fazem parte da luta dos trabalhadores.
Dia da ocupação do acampamento Herdeiros da Luta: 1º de Maio. Foice na mão, pinus no chão.
Casal de comunicadores populares Juliana e Lenon, no acampamento Herdeiros da Terra: 1º de maio. A comunicação popular é a saída contra as mentiras da grande mídia.
Foto: Joka Madruga
Assentamentos são a realização dos sonhos Famílias assentadas vivem da agricultura familiar em lotes padronizados, conquistados com a reforma agrária Por Paula Zarth Padilha e Joka Madruga, do assentamento Celso Furtado
No assentamento Celso Furtado, localizado em Quedas do Iguaçu, vivem 1.400 famílias em lotes de cinco alqueires cada. Essas famílias são responsáveis pela produção de três milhões de litros de leite por mês, abastecendo 17 empresas de laticínios de outras cidades da região. De acordo com relatório do Ipardes, disponibilizado em abril de 2016, no ano de 2014 foram produzidos 31 milhões de litros de leite no município, girando R$ 28,5 milhões. Anelio Moraes e sua esposa, Lucimar, contam que, desde 1999, viviam acampados às margens da BR-158. Foram assentados em 2005, quando começaram a produção leiteira. Atualmente, com 18 vacas, produzem até 5 mil litros de leite ao mês, origem da renda familiar. Claudemir Torrente Lima é um notório militante do MST na cidade. Viveu junto com seus pais desde 1996, quando tinha 16 anos, no então acampamento Ireno Alves, hoje assentamento. Em 2003, foi chamado para organizar a ocupação que deu origem ao assentamento Celso Furtado. No mesmo ano, iniciou o curso superior em Direito. Já assen-
tado, foi eleito vereador duas vezes em Quedas do Iguaçu. Atualmente, mora no Celso Furtado junto com sua esposa e o filho, que estuda na escola do assentamento. Claudemir atua na Câmara Municipal para melhorar a produção leiteira nos assentamentos, buscando a aprovação de projetos de lei sobre implantação de patrulhas agrícolas e disponibilização de maquinário para pequenos agricultores, inclusive os assentados. Encontramos na praça da cidade Alcimar Panzzon, um dos coordenadores das patrulhas, e sua mãe Irene. Com sorriso no rosto, não se intimidam com preconceito da população contra o MST. “Eu não tenho o porquê esconder que sou assentado. A gente sofreu para construir o que a gente tem”, declarou. Para Claudemir Torrente Lima, a
Araupel exerce grande influência política na cidade, vendendo a impressão de que se sair um novo assentamento, a empresa vai fechar. “Todo debate político é em vão. A discussão não depende da opinião pessoal, pois está no campo jurídico”, diz. “Mas a contribuição financeira do assentamento Celso Furtado no comércio e no município é mais que o dobro que a folha de pagamento da Araupel. O que fica no município é só o salário dos trabalhadores, entre um salário mínimo (R$ 880) e R$ 1.500”, compara. De acordo com o último censo do IBGE, de 2010, Quedas do Iguaçu tem 30 mil habitantes, a população ocupada é de 15 mil, mas dados da Rais/MTE de 2014 revelam que somente 5.910 empregos são com carteira assinada.
São cerca de 5 mil famílias acampadas aguardando a reforma agrária. O repórter fotográfico Joka Madruga e a jornalista Paula Zarth Padilha, do Terra Sem Males, estiveram no início de fevereiro no assentamento Celso Furtado e passaram 24 horas convivendo com as famílias e entrevistando políticos, comerciantes e observando a população local. Para saber mais acesse http://goo.gl/2qRzxz
Foto: Joka Madruga
Luta diária no acampamento Relato sobre rotinas num acampamento do MST na região oeste do Paraná Por Paula Zarth Padilha e Joka Madruga
Os moradores do Dom Tomás Balduíno se reúnem às 7h30 para o café da manhã
coletivo e juntos seguem para uma área em que os pinus já foram retirados e lá crescem plantações de sementes crioulas de milho e feijão, além da produção coletiva de alimentos, como mandioca, para subsistência do local. Em fevereiro de 2016, com sete meses de ocupação, alguns barracos ainda eram de lona, mas 70% das casas são
de madeira, com instalação de luz e água encanada. O acampamento é organizado em 50 grupos e cada grupo tem um representante na coordenação. “Nós não queremos um pé de pinus dentro dessa área, queremos assentamento para a reforma agrária”, disse Rudmar Moeses, um dos coordenadores do acampamento. Luciara Franciane Valente
é casada, tem 33 anos e dois filhos. Foi criada em acampamento do MST desde os dois anos e, depois de ver seus pais e sogros assentados, com moradia digna e acesso à produção agrícola, partiu com a família para o acampamento Dom Tomás Balduíno na expectativa de ter seu lote, para cuidar de vacas leiteiras e viver da produção de leite. Ela levanta cedinho todos
os dias para ordenhar no lote em que a mãe mora, no assentamento Rio Perdido, e leva o leite para quem faz beneficiamento. Mora numa casa de madeira construída no Dom Tomás e, apesar do barro, o chão está sempre limpo, a família dorme com mosqueteiros ao redor das camas, tem geladeira, fogão, área para tomar o chimarrão e estrutura de banheiro.
Justiça determina novo assentamento Por Paula Zarth Padilha e Joka Madruga
No dia 11 de abril, a União e o Incra obtiveram decisão judicial para criação imediata de um assentamento em área das fazendas Três Elos e Hilda Maria Colla Bianchi, pertencentes ao imóvel Rio das Cobras. Nas áreas de 3,7 mil hectares poderão ser assentadas cerca de 350 famílias dos acampamentos Dom Tomás Balduíno II e Che Guevara. A decisão ocorreu num momento de comoção para o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Poucos dias antes, em 07 de abril, a Polícia Militar do Paraná, acompanhada de seguranças da Araupel, assassinou dois sem terra dentro da área do acampamento Dom Tomás Balduíno. Outros seis ficaram feridos, entre eles alguns foram detidos. A versão oficial da PM é de emboscada dos trabalhadores rurais. Mas no chamado “conflito”, só um lado teve baixas. A intensificação da presença da PM em Quedas coincidiu com dois fatores: a ida de Valdir Rossoni para a Casa Civil
e posterior visita à cidade no dia 01 de abril (Rossoni declarou ao TSE que recebeu R$ 50 mil da Araupel nas eleições de 2014); e a saída da Força Nacional de Segurança, que permaneceu em Quedas por 90 dias, de dezembro de 2015 a março de 2016.
No dia 08 de abril, um grande ato reuniu 8 mil pessoas na praça de Quedas. Pela reforma agrária, contra a violência e em solidariedade às famílias das vítimas. No mesmo dia e local, o Comando da Polícia enfileirou mais de 20 viaturas e
100 policiais para recepcioná-los na cidade. Após as mortes, a Força Nacional de Segurança retornou a Quedas com a promessa de ficar por 30 dias, para ser a responsável pela atuação nas terras da União, onde estão os acampados.