Jornal Terra Sem Males - assédio moral

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Ano 2 · 6ª Edição Ju l h o d e 2 0 1 6

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ASSÉDIO MORAL

ADOECE!


Adoecendo no trabalho Por Paula Zarth Padilha

Depressão, estresse, ansiedade, insônia. Dores no corpo sem causa aparente. Dores nos ombros e nos punhos. Todos esses sintomas e diagnósticos foram relatados por bancários do Itaú de Curitiba no momento em que preenchiam a ficha de homologação da demissão. Longas jornadas de trabalho, metas abusivas, problemas de relacionamento com colegas e superiores, falta de pausa, ameaça de demissão. Esses foram os principais motivos alegados por bancários e ex-bancários do Itaú que entraram com ações judiciais contra o banco por dano moral. Pesquisa realizada numa parceria entre o Sindicato dos Bancários de Curitiba e região e o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra) foi feita com a tabulação de dados de doenças relatadas nas fichas de homologações de rescisão de contrato de ex-bancários do Itaú (demissão pelo banco, aposentadorias ou a pedido) e também de processos judiciais que tramitam contra o banco no Paraná por dano moral. O objetivo é tentar esclarecer qual modelo de organização do trabalho gera adoecimento. “Queremos que mais pessoas conheçam a realidade do que acontece dentro do Itaú. Que juízes, psicólogos, procuradores, que a população saiba da dificuldade dos trabalhadores”, explica Ana Fideli, diretora da Secretaria de Saúde do Sindicato. 42,2% dos bancários demitidos relataram doenças ocupacionais

Entre os anos de 2006 e 2014, o Sindicato homologou 1.197 demissões no Itaú em Curitiba. Desse universo, 505 declararam ter sofrido algum problema de saúde relacionado ao trabalho

(42,2%), com maior índice de estresse (47,5%), dor no ombro (40%), depressão (32,9%) e insônia (29,5%). Ex-bancários do Itaú trabalharam doentes

Apesar do expressivo relato de doenças relacionadas ao trabalho, 53,3% dos desligados pelo Itaú que declararam problemas de saúde nunca foram afastados para tratamento. Dos 15,6% que chegaram a ser afastados, apenas metade obteve emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Ações trabalhistas contra o Itaú

De janeiro de 2011 a junho de 2015, foram ajuizados 1.089 processos tra-

balhistas contra o Itaú em Curitiba. Destes, 473 eram de bancários que reclamaram dano moral por assédio moral (42,1%). Das ações trabalhistas, foi possível identificar uma lista de 35 situações no trabalho bancário que se caracterizam como assédio. Das ações por assédio, 56,2% foram protocoladas por mulheres; 49% por bancários com mais de 10 anos de banco; 24,5% dos processos é de trabalhadores que ainda são funcionários do Itaú, em sua grande maioria afastados para tratamento de saúde. Tramitação na justiça

Das 473 ações judiciais por assédio moral, 97,7% ainda estão em

andamento e pouco mais da metade (53,1%) já teve sentença. Desses 251 processos julgados, a condenação por dano moral foi considerada procedente em 27,9% dos casos. No recurso, em 32,5% foram reconhecidas as indenizações por dano moral. Nenhum processo protocolado em 2015 foi julgado ainda. Condições de trabalho e assédio como motivações das ações judiciais

Consta em 97% das ações judiciais abordagens de problemas nas condições de trabalho (jornada), estagnação na carreira, assédio e metas abusivas. Problemas na rotina de trabalho causados pelos métodos de gestão de assédio constam em 91,3% dos processos judiciais. “Com essa pesquisa, a gente entende a relação direta entre causa e efeito. Que as políticas de gestão do Itaú, caracterizadas pelo assédio moral organizacional, são risco potencial de adoecimento dos trabalhadores bancários”, explica Jane Salvador, uma das advogadas que coordenou a pesquisa. Afastamentos pelo INSS identificam doenças que afetam categoria bancária

Foto: Joka Madruga

Pesquisa do Sindicato dos Bancários de Curitiba e do Instituto Declatra relaciona doenças ocupacionais com assédio moral no Itaú

Bancários adoecidos

Ações judiciais por assédio moral

47,5% • estresse 40% • dor no ombro 32,9% • depressão 29,5% • insônia 26,5% • dor na coluna

65,1% • jornada 47,4% • metas abusivas 46,1% • relações de trabalho 40,6% • falta de pausas 12,5% • LER/Dort

(Fonte: Pesquisa baseada no preenchimento de 505 fichas de homologação de demissões no Itaú pelo Sindicato dos Bancários de Curitiba e região, no período de 2006 a 2014).

(Fonte: Pesquisa baseada em 473 ações judiciais por dano moral contra o Itaú em Curitiba, registradas pelo Tribunal Regional do Trabalho do Paraná).

Das concessões de auxílio-doença pelo INSS, entre 2007 e 2013, para bancários em todo o país, 22,2% foram por transtornos mentais, um crescimento de 65,1% no período. Já nas doenças especificamente relacionadas ao trabalho, 36,6 mil bancários foram afastados por mais de 15 dias, de 2009 a 2013, índice que equivale a 10,2% do total de trabalhadores da categoria bancária. A pesquisa “Métodos de gestão e adoecimento dos trabalhadores: o caso dos bancários do Itaú em Curitiba” é uma iniciativa do Instituto Declatra, presidido pelo advogado Mauro Auache, e do Sindicato dos Bancários de Curitiba e região, sob a presidência de Elias Jordão, e das Secretarias de Saúde, por Ana Fideli, e Jurídica, por Karla Huning. Foi coordenada pelos advogados Jane Salvador, Ricardo Nunes de Mendonça e Nasser Allan.


O INSS reconhece que as doenças com nexo nas atividades bancárias são: transtornos de humor (depressão), neuróticos (ansiedade), somatoformes (sintoma físico não relacionado a doenças fisiológicas), dos nervos (síndrome do túnel do carpo) e dos tecidos moles (que afetam membros superiores).

40% dos desligados pelo Itaú entre 2006 e 2014 mencionaram problemas nos ombros; esse percentual sobe para 48,5% para os que declararam também problemas nos punhos ou em ambos; 51,7% tinham mais de 11 anos de banco.

Entre os pré-requisitos de perfil desejado pelos bancos nos anúncios de vagas estão o “comprometimento com o resultado” para cargos de gerência e a “capacidade de trabalhar sob pressão” para vagas de caixa.

Longas jornadas, imprevisíveis, e falta de convívio social são considerados fatores de risco psicossociais pela medicina do trabalho. 40,6% dos bancários do Itaú que entraram com ações trabalhistas, entre 2011 e 2015, reclamaram da falta de pausas; 65,1% da jornada.

Os chamados “riscos emergentes” pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) estão relacionados às formas modernas de gestão do trabalho (flexibilidade dos trabalhadores e das estruturas das empresas).


Foto: Joka Madruga Arte: Tami Ribeiro


LIBERTE-SE DO ASSÉDIO,

DENUNCIE!


Fotos: Joka Madruga

#NãoSeCale #NãoSeCale

47,4% dos bancários que entraram com ação trabalhista contra o Itaú entre 2011 e 2015, em Curitiba, reclamaram das metas abusivas.

Para o médico do trabalho Elver Moronte, os novos padrões da organização do trabalho (uso das tecnologias, terceirização, globalização e uma grande necessidade de flexibilidade do trabalhador para atender as exigências) demandam uma produtividade cada vez maior.

No Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho de 2013, a atividade bancária aparece como a de maior incidência de doenças ocupacionais no Paraná. A cada mil bancários, 13,6 apresentaram adoecimento relacionado ao trabalho.

42,1% das ações trabalhistas contra o Itaú, entre os anos de 2011 e 2015, pediam indenização por dano moral baseadas em assédio. A ameaça de demissão foi relatada em 37,2% dos casos.

Entre os anos de 2006 e 2014, dos 1.197 trabalhadores desligados do Itaú, 42,2% relataram algum problema de saúde e somente 15,6% dos que declararam alguma doença foram afastados pelo INSS.


Foto: Joka Madruga

Bancário é o trabalhador

que mais adoece Instituições financeiras adotam métodos de intensificação do trabalho e de exploração do trabalhador Por Paula Zarth Padilha

“As exigências do trabalho causam uma reação de necessidade de dar conta, e essa reação vem acompanhada de muito sofrimento e pode chegar a virar um adoecimento. As pessoas estão trabalhando achando-se normais mas elas já estão num grau de sofrimento muito grande e algumas delas não vão suportar. Existe uma normalidade sofredora”, explica Elver Andrade Moronte, médico do Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT). Para os pesquisadores ouvidos pela reportagem, as instituições financeiras, entre outras empresas, adotam métodos e estratégias de intensificação do trabalho e de exploração do trabalhador. Inclusive os bancos públicos, que não precisariam ter lucro e competitividade como os privados, adotam as mesmas estratégias. “Essa gestão por número, quando o valor do empregado se mede por quanto ele produz, é uma lógica mercan-

tilista. Todos os ambientes da empresa são permeados pelo assédio. Todo mundo sofre. A empresa pratica o assédio porque se organiza dessa forma”, explica a advogada Jane Salvador, do Instituo Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra), caracterizando o assédio moral organizacional. Assédio organizacional

O assédio moral organizacional se encontra nesses métodos de políticas de gestão da empresa, que é gerida de forma que suas práticas diárias são assediantes, como, por exemplo, impondo metas difíceis de serem cumpridas, cobranças exacerbadas, vigilância do em-

pregado de todas as formas, cobrança o tempo todo, tudo aquilo que é próprio da política de gestão da empresa. Para o médico do trabalho Elver Moronte, o método de gestão é um problema estrutural do sistema Capitalista e o real motivo desse método de gestão cruel é manter a lucratividade às custas da exploração do trabalho. “É um panorama um pouco sombrio. O trabalho deveria ter sentido, mas passa por uma falta de sentido. Às vezes até a fala da pessoa não é dela, é imposta pela instituição, descaracteriza sua identidade. O foco de uma instituição que visa lucro não é promover o

bem estar da pessoa, e sim o bem estar da instituição”. Assédio que adoece

Existem dois tipos de assédio observados em ambientes de trabalho: o interpessoal, sofrido pelo trabalhador por seus superiores ou, ainda, por colegas de trabalho; e o organizacional, definido pelos métodos de gestão das empresas, que ficou evidente nas pesquisas “Vítimas do HSBC” e “Vítimas do Itaú”, por exemplo. “As pessoas precisam entender que o assédio moral não se resume mais ao interpessoal, que mesmo que seja praticado por um gestor, é responsabilidade da empresa

Identifique o assédio moral no trabalho

Mais de 35 práticas de assédio de gestão foram constatadas na pesquisa com as ações trabalhistas por dano moral contra o Itaú. • subutilização das • baixa participação na habilidades tomada de decisões • alto nível de incerteza • isolamento físico • pressão por tempo ou social • metas abusivas • ameaça de demissão • controle do banheiro • sanção por metas

impedir esse tipo de prática. As empresas praticam o assédio organizacional através de suas políticas de gestão e essas práticas são um risco potencial de adoecimento”, esclarece Jane Salvador. A advogada explica que a empresa tem o dever legal de manter o ambiente de trabalho sadio e equilibrado e de coibir todas as práticas ilícitas e de assédio moral. “Se ela permite, fomenta ou se omite, ela vai responder, ainda que não aja com culpa”. De acordo com dados de 2013 do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho, disponibilizado pelo INSS, a atividade bancária aparece como a de maior incidência de doenças ocupacionais no Paraná: a cada mil bancários, 13,6 apresentaram adoecimento relacionado ao trabalho. Denuncie e procure ajuda

• exposição vexatória • assédio sexual • falta de controle de carga de trabalho

Como provar o assédio moral judicialmente? • Pode-se utilizar provas documentais, periciais ou testemunhais • Guarde e-mails com cobranças excessivas ou abusivas • Apresente comprovantes de denúncias do assédio em canais próprios da empresa ou do sindicato de representação de sua categoria • Prova testemunhal de colegas de trabalho que presenciaram o assédio são consideradas essenciais

Se você está sofrendo assédio e está adoecendo, é preciso buscar os canais de denúncia, atendimento médico especializado ou mesmo se afastar do trabalho se necessário. O Sindicato dos Bancários de Curitiba e região dá o suporte individual através das Secretarias Jurídica e de Saúde e conta com a assessoria jurídica do Declatra. Já no Ministério Público do Trabalho, podem ser denunciadas ações das empresas que prejudiquem coletivamente os trabalhadores.


Foto: Joka Madruga

Foto: Joka Madruga

ASSÉDIO MORAL:

“Bancos também estão sendo monitorados” Entrevista com Elias Jordão, presidente do Sindicato dos Bancários Por Paula Zarth Padilha

Elias Jordão, presidente do Sindicato dos Bancários de Curitiba e região, avalia como as pesquisas sobre o método de gestão por assédio moral poderão reverter postura das instituições financeiras para diminuir pressão sobre os trabalhadores bancários.

Terra Sem Males - O assédio moral na categoria bancária ganhou notoriedade primeiro com a campanha “Vítimas do HSBC” e agora tem essa extensão também no Itaú, com estatísticas que comprovam o adoecimento dos trabalhadores pela gestão dos bancos. Como o Sindicato dos Bancários atuou para subsidiar essas pesquisas com dados? Elias Jordão: Além da parce-

ria com o Instituto Declatra no financiamento deste projeto, nosso principal subsídio foi o fornecimento dos dados catalogados e arquivados em nossa Secretaria de Saúde, com o histórico de declarações de adoecimento dos trabalhadores no ato da homologação da rescisão do contrato de trabalho, preservando-se evidentemente a identidade dos demitidos, que nortearam toda a pesquisa. TSM: Qual será o próximo foco de atuação quanto ao assédio moral nessa parceria entre o

Sindicato e o Instituto Declatra? Elias Jordão: Este projeto

tem várias etapas e, depois da fase atual, da comprovação do adoecimento pelos métodos de gestão, que está em andamento, os próximos passos serão de cobrar dos bancos a responsabilização pelo adoecimento dos trabalhadores bancários e exigir mudança de postura quanto aos métodos de gestão, seja via mesa de negociação, seja via intermediação do Ministério Público do Trabalho. TSM: Como a visibilidade da existência do assédio moral nos locais de trabalho poderá mudar as condições do exercício da profissão dos bancários? Elias Jordão: O assédio mo-

ral se dá justamente porque existe a prática por parte do assediador da subjetividade em suas ações. Ele acredita que suas atitudes não serão notadas. Por isso a importância desse trabalho, que expõe de forma muito clara, técnica, objetiva e incontestável onde estão os focos de assédio, suas causas e suas consequências, nos dando uma linha de atuação. Vamos fazer com que os assediadores e os bancos saibam que estão sendo monitorados e poderão ser interpelados por suas ações. A expectativa é que isso possa melhorar o ambiente de trabalho. TSM: Como os representantes dos bancos tratam o tema assédio moral nas mesas de negociação com os trabalhadores? Elias Jordão: Para os ban-

cos, não existem metas abusivas; existem metas desafiadoras. Não existe assédio moral; existem gestores que exageram na cobrança das metas. Segundo eles, quem faz isso, faz por conta própria. Alegam não ser orientação da empresa; terceirizam a culpa ou o problema. Mas o assédio pelos gestores é sim responsabilidade das instituições financeiras.

TSM: Que medidas os bancos poderiam tomar para que os ambientes de trabalho ficassem livres do adoecimento causado pelo assédio moral? Elias Jordão: Primeiramente

e acima de tudo, tratar com respeito e dignidade seus trabalhadores que produzem no dia a dia da empresa, os vendo apenas como números e por planilhas de produção. Além disso, orientar e reorientar os gestores no trato com suas equipes, e avaliar as metas conforme a área de atuação do funcionário. Por exemplo, não é possível meta de vendas de produtos a um caixa de agência bancária que já está pressionado pelo atendimento ao público e com tempo de espera na fila cronometrado. E, principalmente, o fim da pressão com ameaças de demissão por baixa performance que podem ser sazonais ou conjunturais, afinal, nada adoece mais do que a incerteza do emprego no dia seguinte, mesmo se dedicando para dar conta de metas muitas vezes inatingíveis.

Originária do Banestado, a bancária relata que seus problemas no trabalho começaram quando o banco foi vendido ao Itaú. “Na integração, era um ritmo louco de trabalho, as tecnologias eram diferentes e exigiam que todos soubessem usá-las sem um período de transição. Comecei a exercer a supervisão de postos de atendimento e fui deslocada para mais de 10 agências e PABs diferentes. Nesse período, vivenciei três assaltos. Em um desses locais, caí da escada aos quatro meses de gestação e perdi o bebê. Era véspera de Natal. O banco não concedeu licença, não emitiu CAT. Quando consegui me fixar numa agência, veio o sofrimento do assédio dos próprios colegas, porque eu me ausentava diariamente para tratamento de saúde. Os episódios de transtorno psicológico desencadearam LER e fiquei impossibilitada até de segurar uma caneta”, relata a funcionária que não quis se identificar. Bancária do Itaú por 27 anos, exercendo a função de caixa e supervisora


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