Os professores como intelectuais henry giroux

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PROFESSORES COMO INTELECTUAIS Henry A, Giroux lade de Giroux, sua abertura a questionamentos, iade, suas dúvidas, sua incerteza com relação às ia coragem de assumir riscos e suas abordagens ?icas e teóricas rigorosas a temas importantes o u como um dos maiores pensadores de sua época ws Estados Unidos, mas também em muitos outros Para Giroux não há nenhuma esperança sem iuturo a ser criado, construído, moldado," Da Apresentação de Paulo Freire e livro inspirador, Henry Giroux incorpora fe mais valiosos da pedagogia crítica na mais e prática teoria da escolanzação, aquela que vê as no esferas públicas democráticas comprometidas alunos nas linguagens da crítica, da possibilidade lacia. Essencial a essa forma de educação, acredita habiEdade do professor de agir como um intelectual irmador e usar a pedagogia crítica como uma forma de política cultural.

ISBN B5-730?-3ei-E

OS PROFESSORES COMO INTOLECIUAIS Rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem l M

Henry A, Giroux Apresentação de Paulo Freire Prefácio de Peter McLaren


os COMO INTELECTUAIS Rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem

Henry A. Giroux Professor and scholar-in-residence, School of Education, Miami University, Ohio

Apresentação de Paulo Freire Prefácio de Peter McLaren Tradução: DANIEL BUENO

G528p

Giroux, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem / Henry A. Giroux; trad. Daniel Bueno. — Porto Alegre : Artes Médicas, 1997.

Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição: NIZE MARIA CAjVIPOS PELLANDA Doutora em Educação Presidente da R.E.D.E. ONG do Novo Mundo do Trabalho.

1. Educação — Aprendizagem — Professores — Pedagogia crítica. I. Título. CDU 37.015.4:371.11 Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023 ISBN 85-7307-301-2

PORTO ALEGRE, 1997


Obra originalmente publicada sob o título Teachers as intellectuals: toward a criticai pedagogy oflearnin © Bergin & Garvey Publishers, Inc., 1988

Capa Mário Róhnelt Preparação do original Supervisão editorial Projeto gráfico Editoração eletrônica

Aries Médicas Editográfica

Girou x? Henry A os professores como intelectua is rumo a uma p e d a g o g i a critic a da aprendizagem 371. 13/G52Sp C 165173/00)

em 330-2378 SÃO PAULO 6 ~ F°ne São Paulo, SP, Brasil

EMPRESSO NO BRASIL PRINTEDINBRAZIL

Este livro é dedicado a meus filhos Jack, Chris e Brett, que me trouxeram uma compreensão mais profunda do significado da luta por um futuro melhor para todas as crianças. Também é dedicado a minha irmã, Linda Barbery, cuja coragem é, para mim, fonte constante de inspiração, e a Donaldo Macedo, meu irmão e amigo, cuja inteligência e generosidade de espírito são uma fonte constante de energia e prazer.


Agradecimentos

iquei hesitante, quando meu amigo e colega Peter McLaren sugeriu pela primeira vez que eu empreendesse o projeto que finalmente tornou-se este livro. Eu tinha dúvidas quanto à inclusão de artigos anteriores que a meu ver não refletiam adequadamente a abrangência ou interesses teóricos de meu trabalho atual, especialmente meus escritos recentes em ética, cultura popular e filosofia pública. A despeito de minhas reservas iniciais, decidi publicar esta coletânea de ensaios por diversas razões práticas e políticas. No aspecto prático, há muitos anos venho recebendo cartas de professores de escolas públicas requisitando os artigos que estão reunidos neste livro. Surpreendentemente, muitos dos professores que haviam reagido a meu trabalho com respeito a sua própria atividade de ensino consideraram meus trabalhos anteriores especialmente úteis para seu próprio desenvolvimento como educadores críticos e intelectuais públicos. Este livro é, em parte, uma resposta a essas reações e representa uma tentativa de contribuir ainda mais para a cultura pública dos muitos professores que mostram diariamente em suas salas de aula a coragem, a dignidade e a visão necessárias para fazer diferença nas vidas de seus alunos. Para eles tentei reunir aqueles ensaios que fornecem uma compreensão teoricamente concreta e pedagogicamente prática para aperfeiçoar a própria tarefa diária de ensinar. No aspecto político, tornou-se cada vez mais importante para mim demonstrar através cie meu próprio trabalho como um discurso crítico sobre o ensino escolar é construído historicamente. A linguagem cia educação não é simplesmente teórica ou prática; é também contextual e deve ser compreendida em sua gênese e desenvolvimento como parte de uma rede mais ampla cie tradições históricas e contemporâneas, de forma que possamos nos tornar autoconscientes cios princípios e práticas sociais que lhe dão significado. O sentido cia origem cie nossa linguagem, como ela é sustentada e como ela funciona para identificar e construir experiências particulares e formas sociais são aspectos essenciais do projeto da teoria crítica. Este livro demonstra tal princípio ao refletir a evolução teórica de meu próprio trabalho como uma forma particular de política cultural. Sendo assim, espero oferecer ao leitor uma oportunidade de analisar as diferentes conjunturas teóricas e políticas que constituem uma jornada particular através do campo minado ideológico do ensino escolar contemporâneo. Em retrospectiva, muitos de meus ensaios anteriores são marcados por uma ênfase excessiva no discurso da dominação e da reprodução. De forma semelhante, há um fracasso em analisar adequadamente questões relacionadas à organização cia experiência, subjetividade, gênero e formas de opressão cie cunho racia ,

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- .mencionar as questões mais amplas de filosofia e ética pública. Contudo, r m muitas coisas neles que julgo valiosas, tanto teórica quanto politicamente, ^ra^s professores. Ao mesmo tempo, quando justapostas a meus ensaios mais P ecentes torna-se claro que nenhum projeto teórico está pronto, e que cacla ensaio tem que'ser lido cie novo pela compreensão que pode trazer ao momento presente Os capítulos deste livro tornam possível a oportunidade de não apenas examinar a evolução histórica cie um discurso particular, mas também cie exercitar como professores'a dialética de reler e reapropriar elementos de um corpo cie idéias que tenham ressonância com as preocupações contemporâneas. Espero que tal empenho forneça alguns indicadores críticos para rever o trabalho cios professores e, quando necessário, transformá-lo no interesse cie construir tanto uma pedagogia mais crítica quanto um mundo mais humano. Algumas pessoas em especial me ofereceram muito apoio e estímulo para escrever e reescrever este livro. Devo muito a Peter McLaren, que argumentou convincentemente em prol de uma visão retrospectiva de meu trabalho. Seu argumento foi o de que alguns de meus escritos anteriores não apenas ofereceriam aos leitores uma introdução histórica à teoria e à prática da pedagogia crítica, como também seriam úteis para aqueles leitores interessados nos avanços teóricos mais recentes nesta área. Também devo gratidão a meu amigo e editor, Jim Bergin, que me apoiou desde o início deste projeto. Minha esposa, Jeanne Brady, mais uma vez me auxiliou com generoso estímulo e discernimento político. Stanley Aronowitz, Donaldo Macedo, Candy Mitchell, Richard Quantz, Ralph Page, Roger Simon e Jim Giarelli sempre me incentivaram a esclarecer questões essenciais a meu trabalho. Este livro também se beneficiou dos muitos professores e estudantes com os quais tive o prazer de trabalhar em minhas aulas, por correspondência, e em oficinas e discussões públicas. É evidente que sou exclusivamente responsável pelas limitações cio trabalho reunido neste livro. Estou em dívida com os editores dos seguintes periódicos por permitirem a publicação inalterada ou ligeiramente modificada dos seguintes artigos: Henry A. Giroux, "Teachers as Transformative Intellectuals", reeditado cie Social Education com a permissão do National Council for the Social Studies; Henry A. Giroux, "Crisis and Possibilities in Education". Issues in Education 11 (verão de 1984): 37679, copyright 1984, American Educational Research Association, Washington, D.C.; Henry A. Giroux e Anthony N. Penna, "Social Education ín the Classroom: The Dynamics of the Hidden Curriculum", Theory and Research in Social Education 7 (Primavera de 1979): 21-42; Henry A. Giroux, "Toward a New Sociology of Curriculum", Educational Leadership (Dezembro de 1979): 248-53, reeditado com a permissão da Association for Supervision and Curriculum Development e Henry A. Giroux, copyright 1979, pela Association for Supervision and Curriculum Development, todos os direitos reservados; Henry A. Giroux, "Rethinking the Language of Schooling", Language Arts 6l (Janeiro de 1984): 33-40, reeditado com a permissão do National Council of Teachers of English; Henry A. Giroux, "Writing and Criticai Thinking in the Social Studies", Curriculum InquíryS (1978): 291-310; e Henry A. Giroux e Peter McLaren, "Reproducing Reproduction", Metropolitan Review l (primavera de 1986): 108-18. Alguns dos capítulos deste livro apareceram cie forma substancialmente modificada nos seguintes periódicos: Boston University Journal of Education, Dalbousie Review, The Review of Education, Interchange, Telos, Philosophy and Social Criticism, New Education e Educational Fórum. í5ara

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Apresentação PAULO FREIRE

enry Giroux é um pensador e um excelente professor. Isso por si mesmo bastaria para influenciar de maneira positiva o grande número cie estudantes que entram em contato com seu poderoso discurso crítico a cada semestre. Para os menos críticos, esta afirmação poderia sugerir a possibilidade cie que se poderia ser um excelente professor, ou simplesmente um professor, sem ter que pensar profundamente a respeito cio relacionamento que o objeto de seu ensino tem com outros objetos. Na verdade, isto não é possível. Não é viável escrever ou conversar sobre contextos ou temas, ou ensiná-los de maneira isolada, sem levar seriamente em consideração as forças culturais, sociais e políticas que os moldam. Mais cio que sua postura epistemológica, a qual exige que evitemos um modo ingênuo de interação com o objeto, o que caracteriza Giroux como teórico esplêndido é sua insistência para que compreendamos os complexos relacionamentos entre os objetos. O que o caracteriza como escritor esplêndido é o estilo esteticamente agradável, o qual mantém o leitor atento através das muitas metáforas brilhantes que captam a essência do contexto e conteúdo dos temas sobre os quais escreve. Tanto esta postura epistemológica corno sua agilidade e talento para a linguagem marcam Giroux como um intelectual que, ao fazer cio pensar uma precondição da existência, torna-se um grande pensador. Nós todos pensamos, mas não somos necessariamente pensadores. A criatividade de Giroux, sua abertura para as questões, sua curiosidade, sua dúvida, sua incerteza em relação às certezas, sua coragem cie assumir riscos e suas abordagens metodológicas e teóricas rigorosas de temas importantes o caracterizam como um cios grandes pensadores cie seu tempo, não apenas nos Estados Unidos, mas também em muitos países estrangeiros oncle ele é ampla e criticamente lido e onde a força e a clareza de seu pensamento têm contribuído para a formação cio discurso filosófico e educacional atual. O que eu gostaria de destacar sobre Giroux e sua compreensão integral do mundo e seu processo de transformação é sua visão de história como possibilidade. Para Giroux, não existe esperança sem um futuro a ser feito, a ser construído, a ser moldado. Para Giroux, a história como possibilidade significa que amanha não é algo que necessariamente irá acontecer, e nem é uma pura repetição cio hoje, com sua face superficialmente retocada de forma que possa continuar sendo A mesma, A compreensão de Giroux da história como possibilidade reconhece o papel inquestionável cia subjetividade no processo de conhecer. Este modo de

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compreensão, por sua vez, caracteriza sua maneira crítica e otimista de compreender a educação. Ã medida que compreendo a história como possibilidade, eu reconheço: 1. Que a subjetividade tem que desempenhar um papel importante no processo de transformação. 2. Que a educação torna-se relevante à medida que este papel da subjetividade é compreendido como tarefa histórica e política necessária. 3. Que a educação perde o significado se não for compreendida - como o são todas as práticas - como estando sujeita a limitações. Se a educação pudesse fazer tudo não haveria motivo para falar cie suas limitações. Se a educação não pudesse fazer coisa alguma, ainda não haveria motivo para conversar sobre suas limitações. A história como possibilidade significa nossa recusa em aceitar os dogmas, bem como nossa recusa em aceitar a domesticação do tempo. Os homens e as mulheres fazem a história que é possível, não a história que gostariam de fazer ou a história que, às vezes, lhes dizem que deveria ser feita. Não é possível negar a força com a qual Giroux nos fala, nem a força com a qual ele nos direciona a uma esperança renovada, mesmo quando sua análise possa nos entristecer. Neste novo livro, Henry Giroux mais uma vez nos desafia com sua discussão teórica crítica e brilhante das tendências que constituem os fundamentos tanto para compreensão quanto para o progresso cio atual discurso em educação.

Prefácio Teoria Crítica e o Significado da Esperança PETER McLAREN

A Pedagogia do Concreto de Henry Giroux A tarefa de oferecer um perfil intelectual abrangente de Henry Giroux não é fácil em um espaço tão curto. (Mesmo nas melhores condições, os críticos seriam muito pressionados para que fizessem justiça ao escopo e profundidade crítica de seu trabalho). Assim, o que se segue é um esforço modesto que destaca apenas alguns aspectos gerais cia obra de Giroux, suficientes, acredito, para fornecer aos leitores um contexto teórico no qual situar os capítulos deste volume. Nos últimos dez anos, o trabalho cie Giroux continuou a abordar questões de importância teórica, política e pedagógica. O efeito cumulativo cie seus escritos tem virtualmente desmantelado a noção aceita de educação escolar e seu relacionamento com a sociedade mais ampla como caracterizada por um acordo tranqüilo e organização mutuamente vantajosa. Ao argumentar contra a visão tradicional cio ensino e aprendizagem escolar corno um processo neutro ou transparente afastado cia conjuntura de poder, história e contexto social, Giroux conseguiu fornecer as bases geradoras de uma teoria social crítica da aprendizagem escolar que lança um desafio singular a educadores, políticos, teóricos sociais e também estudantes.1 Apropriando-se criticamente dos novos avanços da teoria social e desenvolvendo ao mesmo tempo novas categorias de investigação teórica, Giroux efetivamente questionou a suposição predominante cie que as escolas funcionam como um cios principais mecanismos para o desenvolvimento cia ordem social democrática e igualitária. Sua análise cio ressurgimento neoconservaclor na educação tem ajudado a desvelar a lógica através cia qual o movimento cie excelência tem conseguido camuflar seu recuo em questões de igualdade e reforma social. Além disso, sua crítica aos progressistas tem revelado quantas práticas aceitas por educadores liberais, tais como a seleção institucionalizada e a estruturação do currículo de acordo com os imperativos cia indústria, solapam os próprios valores democráticos que servem como base para a posição liberal. Conseqüentemente, somos informados cie como as prioridades desenvolvidas tanto por educadores conservadores quanto


.dicais são muitas vezes desmentidas pela desigualdade e hierarquia na raiz das 'ideologias por eles tão estimadas. O que Giroux realizou, tanto política quanto peciagogicamente, foi desmascarar a desigualdade estruturada de interesses próprios rivais dentro de uma ordem socíal Ele revelou como os serviços públicos fundamentais que os americanos oenlmente associam com o ensino escolar, tais como a autorização "meritocrática" de todos os indivíduos independente de raça, classe, credo, ou gênero, são subvertidos pelas próprias contradições que os constituem. Em suma, a obra de Giroux está fundamentalmente determinada a impedir aquelas práticas ideológicas e sociais prevalecentes nas escolas que estão em desacordo com as metas de preparar todos os estudantes para serem cidadãos ativos, críticos e capazes de correr riscos. Cobrir a ampla gama de interesses de Giroux tem sido uma constante, uma intenção libertadora cie autorizar aqueles que foram contornados na estrada para o sucesso educacional, aqueles para os quais a história pôs um fim cruel e prematuro na esperança. Estes incluem tanto os descontentes quanto os indigentes, juntamente com aqueles cuja posição em classe mais privilegiada os torna demasiadamente insensíveis e impotentes para se oporem às desigualdades e injustiças da sociedade. A obra cie Giroux representa muito mais do que uma contribuição histórica para a teoria crítica educacional, pois ele também desenvolveu uma visão altamente original cias formas políticas de ensino escolar contemporâneo, visão que provém de uma consciência das virtudes e inadequações da teoria educacional crítica e uma sensibilidade aguda para as limitações e contingência histórica da própria teoria. Embora os escritos de Giroux mostrem uma erudição teórica profunda, existem bases sobre as quais eles podem e deveriam ser questionados e contestados como parte de um diálogo em andamento. Com certeza não faltam críticos para alguns aspectos cie seu trabalho. Contudo, aqui não é o lugar para nos determos nas críticas ao trabalho de Giroux, mas mais para explorá-lo como um corpo cie pensamento crítico que cieve ser lido como parte de um projeto corrente de luta pedagógica e autorização política. Embora a obra escrita cie Giroux não tenha começado como uma atividade política séria até o final dos anos 70, seu trabalho hoje constitui um discurso e fundamentação importantes para o desenvolvimento e promoção cie uma teoria crítica da educação. Os últimos anos testemunharam Giroux empreender incursões significativas no âmbito mais amplo cia própria teoria social, resultando em diversas contribuições importantes para a disciplina nascente cios estudos culturais. 2 O projeto abrangente da obra cie Giroux, ilustrado pela gama de materiais que aparecem neste volume, pode ser resumido como uma tentativa de formular uma pedagogia crítica comprometida com os imperativos de autorizar os estudantes e transformar a ordem social mais ampla no interesse de uma democracia mais justa e equitativa. Para Giroux, a questão essencial é o desenvolvimento de uma linguagem através cia qual os educadores e outros possam desvelar e compreender o relacionamento entre ensino escolar, as relações sociais mais amplas que o informam, e as necessidades e competências historicamente construídas que os estudantes trazem para as escolas. Uma compreensão crítica deste relacionamento torna-se necessária para que os educadores reconheçam como a cultura escolar dominante está implicada nas práticas hegemônicas que muitas vezes silenciam os grupos subordinados de estudantes, bem como incapacitam e desautorizam aqueles

que lhes ensinam. Tal compreensão pode também desenvolver a capacidade cios professores de trabalharem cie maneira crítica com estudantes de classes dominantes e subordinadas de forma que estes estudantes possam vir a reconhecer como e por que a cultura dominante estimula igualmente sua cumplicidade e sua impotência. Evidentemente, o principal objetivo da pedagogia crítica é autorizar os estudantes para intervirem em sua própria autoformação e transformarem as características opressivas cia sociedade mais ampla que tornam tal intervenção necessária. O julgamento final de Giroux sobre as facções culturais que exercem tamanho poder sobre a vida educacional, cultural e econômica, embora condenatório, não exclui a possibilidade de mudança e reforma progressista. Do ponto cie vista cte Giroux, os agentes humanos possuem a capacidade cie refazer o mundo tanto através cia luta coletiva no e sobre o mundo material quanto através cio exercício de sua imaginação social. Existem uma paixão e uma indignação nos escritos cie Giroux - poderíamos dizer também uma esperança militante - que traem muito pouco o distanciamento e polimento do trabalho acadêmico convencional. A vitalidade e por vezes a ferocidade que marcam a voz crítica cie Giroux trazem consigo um legado de raiva e cie força que provêm, em parte, da frustração que experimentou e a da resistência e lutas nas quais se engajou como jovem criado em um bairro de classe operária em Rhode Island. A história de Giroux também foi moldada por seu envolvimento nas lutas dos anos 60, seu trabalho como coordenador comunitário, e seus sete 'anos como professor de segundo grau. Giroux com freqüência refere-se a sua educação universitária como um acidente histórico. Se não fosse pela bolsa cie estudos proveniente cio basquetebol, que ajudou a transportá-lo das esquinas cie Smith Hill para os salões de conferências da universidade, sua vida sem dúvida teria tomado um rumo diferente e menos proveitoso.* É tanto a vivência das diferenças cie classe que marcaram os primeiros anos cie Giroux quanto sua luta subseqüente para compreender as formas nas quais o ensino escolar autoriza aqueles com uma vantagem social prévia que trazem para seus escritos a paixão pela justiça e igualdade pela qual se tornaram conhecidos. A obra de Giroux oferece aos educadores uma linguagem crítica para ajudálos a compreender o ensino como uma forma cie política cultural, isto é, como um empreendimento pedagógico que considera com seriedade as relações cte raça, classe, gênero e poder na produção e legitimação do significado e experiência. O significado de tal linguagem pode ser julgado pelo quão bem ela aborda certas questões e preocupações que são relevantes para a construção cie uma pedagogia cie emancipação. Algumas destas questões e preocupações que orientaram o trabalho de Giroux ao longo dos anos podem ser formuladas como uma série de perguntas: Quais são as variantes morais segundo as quais construiremos a nós mesmos como agentes sociais cie mudança? Como podem os problemas relacionados com classe, raça, gênero e poder ser traduzidos em questões de qualidade e excelência educacional? De que maneira podemos nos reposicionar enquanto educadores contra a cultura dominante a fim de reconstituir nossas próprias identidades e experiências e aquelas de nossos estudantes? Como podem os educadores construir um projeto pedagógico que legitime uma forma crítica de prática intelectual. Como é possível reconhecer a diferença e as múltiplas formas de identidade e ainda assim abordar as questões de vontade e luta política? Que diversidade silenciamos em nome de uma pedagogia libertadora? Como podem os educadoies xlíl


reconhecer as injustiças que têm sido perpetradas em nome da educação? Como poderão eles vir a enfrentar sua própria participação no emprego de um sistema muitas vezes opressivo que parece roubar os estudantes de seus direitos básicos? De que forma os professores podem trabalhar para apoiar uma pedagogia responsável pela formação coletiva cie uma cultura pública democrática? Como podem os educadores unir a teoria cia escolarização a uma pedagogia do corpo e do desejo? Quais são os limites da relação conhecimento/poder/subjetivíclade? Como desenvolveremos um discurso público que integre a linguagem cio poder e propósito com a linguagem da intimidade, amizade, e cuidado? Como falamos em nome cia emancipação sem mostrar desdém por aqueles que se encontram sob o jugo da dominação e ignorância, independente cie sua posição cie classe? Como não sabemos o que é historicamente possível até que seja experimentado, como podem os educadores começar a fortalecer os estudantes para imaginarem um futuro no qual a esperança torne-se prática e no qual a liberdade possa ser sonhada, disputada e finalmente obtida? A pedagogia crítica fala a partir de questões deste tipo, cujas respostas exigem que se tome como ponto de partida os problemas reais, concretos, hoje enfrentados por estudantes e professores. As questões levantadas pela pedagogia crítica - questões que são relevantes e pertinentes à condição humana, questões que são formuladas como parte cie uma luta mais ampla pela libertação humana — são aquelas que devem ser indagadas da própria história. De modo geral, existem dois períodos principais na obra cie Giroux. O primeiro se reflete em seus ensaios sobre classe social e escolarização que foram escritos no final dos anos 70. Nesta época, ele estava muitas vezes associado com um pequeno, porém influente, grupo cie teóricos educacionais - o qual incluía pessoas como William Pinar, jean Anyon e Michael Apple - que produziram algumas análises importantes sobre escolarização, as quais agora parecem um tanto carregadas pela linguagem cia economia política e um conceito reducionista de reprodução social.'1 Enquanto grande parte do trabalho produzido pela escola crítica naquela época mantinha uma deferência residual à determinação causai e a um marxismo de cunho econômico, Giroux logo começou a imaginar um relacionamento mais complexo entre o que transpirava nas salas cie aula e os arranjos políticos, sociais, morais e econômicos dentro da sociedade mais ampla. Giroux foi influenciado até certo ponto pela nova sociologia do conhecimento que surgiu com o trabalho de Michael Young e Basil Bernstein na Inglaterra, pelos escritos cie Raymoncl Williams, e pelo trabalho altamente inovador sobre subculturas juvenis realizado por Stuart Hall, Richard Johnson, Paul Willis, e outros no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade cie Birmíngham. Os interesses teóricos de Giroux logo gravitavam em torno dos escritos do teórico italiano Antônio Gramsci, do educador brasileiro Paulo Freire, e da teoria crítica da Escola de Frankfurt - mais notavelmente Theodore Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamin. A primeira contribuição de Giroux para a tradição educacional crítica, Ideologia, Cultura e o Processo de Escolarização, foi uma tentativa inventiva e bem-sucedicla de forjar um laço conceptual entre as formulações de ideologia e dominação cie Gramsci; os conceitos de cultura e alfabetização de Freire; a critica da racionalidade tecnocrática, marxismo clássico e psicologia profunda cia Escola de Frankfurt; e os trabalhos na sociologia cia educação e teoria curricular nos Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha e Austrália. 5 Para Giroux, o conceito de cultura tinha que ser politizado a fim de afastá-lo cias categorias estreitas de arte, xiv

poesia, teatro e literatura, de status superior, e teoricamente reformulado como terreno cie contestação material e ideológica. Tal reformulação cia cultura também contribuiu para que Giroux rejeitasse a visão marxista clássica da cultura como mero reflexo cia base econômica, uma visão que em suas várias versões influenciou muito diversas análises críticas marxistas da escolarização. As tentativas de postular uma correspondência simétrica entre a economia e o currículo fracassaram nos termos cie Giroux, em explicar a absorção de diversos; eelementos culturais e ideológicos em nossas escolas e sociedade mais ampla. Teoria e Resistência na Educaçao marcou uma outra mudança cie direção para Giroux, quando aprofundou seu questionamento cias teorias de reprodução social e cultural que prevaleciam após a publicação cie Ensino Escolar na América Capitalista de Bowles e Gintis.6 Aqui Giroux sustentava que as escolas eram mais do que simplesmente locais cie reprodução social e cultural; de maneira semelhante, ele questionava a noção cie que as escolas eram definidas exclusivamente pela lógica cie dominação e os professores eram simplesmente títeres cia classe governante. Nos termos cie Giroux, este tipo de análise é teoricamente falho, politicamente incorreto, e estrategicamente paralisante. Segundo Giroux, a tendência dentro do discurso marxista cie considerar o impulso do capital como a força propulsora da dominação desvia a atenção crítica para longe das diversas maneiras nas quais a cultura, o poder e a ideologia operam como aparatos cie dominação que se informam mutuamente para moldar as subjetividades cios estudantes e manter a separação hierárquica entre grupos dominantes e subordinados. A obra de Freire e Gramsci já havia alertado Giroux para as várias maneiras nas quais a ideologia é estabelecida e legitimada por meio das mediações e determinações multiniveladas e multídirecionais de cultura, classe, etnia, poder e gênero. A compreensão de Giroux cio relacionamento dialético entre a estrutura social e a agência humana milita contra a idéia de que os sujeitos humanos são reflexos de alguma essência inata e anistórica, ou que são vítimas passivas presas na teia das formações ideológicas. Giroux dotou os agentes sociais de uma capacidade de transcender à situação histórica de sua cultura herdada. Em última instância, os indivíduos não sucumbem à ínevitabilídade cie uma tradição que os mantém prisioneiros de idéias ou ações fixas, mas são capazes cie usar o conhecimento crítico para alterar o curso cios eventos históricos. Os indivíduos, para Giroux, são tanto produtores quanto produtos cia história. Giroux está particularmente preocupado com o fato de que a falta de atenção crítica dada pelo discurso marxista tradicional ao conceito de cultura impede uma compreensão clara de como o significado é produzido, mediado, legitimado, e questionado dentro cias escolas e outras instituições educacionais. Embora a esfera econômica e as relações sociais de produção ainda sejam consideradas por Giroux como importantes alvos de análise crítica, elas não podem mais suplantar os conceitos cie cultura e poder para explicar os aparatos históricos de dominação e luta. Ao mesmo tempo, Giroux entende que subestimar a existência de uma luta contrahegemônica no campo da cultura escolar faz os críticos educacionais geralmente parecerem conselheiros do desespero. Isto vai contra o que Giroux acredita que deveria ser a finalidade de uma análise verdadeiramente crítica cia escolarização. Refazendo uma das expressões de Bertolcl Brecht, isto significa o tipo cie análise que vai além de uma explicação do que é. a fim cie moldar com martelos de pensamento crítico o que poderia ser. xv


O segundo período dos escritos de Giroux é marcado por seu envolvimento, no início dos anos 80, com a questão de agência e resistência estudantil. Influenciado nesta época pelos escritos de Stanley Aronowitz e cio sociólogo Anthony Gidclens (para não mencionar a etnografia cie Paul Willis, Aprendendo a Ser Trabalhador), Giroux passou a alegar que as escolas não posicionam totalmente os estudantes dentro de uma lógica de opressão sem falhas, na qual mesmo as reformas mais inovadoras e abrangentes não podem realizar mais cio que pequenas modificações nos casos mais extremos de patologia social. Em vez disso, parecem existir espaços e tensões dentro do ambiente escolar que oferecem aos estudantes a possibilidade cie resistência. Embora reconheça a prioridade do capital e das relações desiguais cie poder como determinantes da opressão, Giroux insiste que estes de forma alguma obliteram completamente a possibilidade de contestação e luta transformadora. Em outras palavras, Giroux acredita que é ao processo de resistência que os educadores críticos elevem ciar atenção especial no estabelecimento cias bases para a reforma educacional. Como parte cio discurso crítico da educação, a teoria cia resistência é importante porque indica a primazia da experiência estudantil como terreno fundamental para compreender-se como a identidade, política e significado constróem ativamente as diferentes intervenções e mediações dentro da esfera do ensino escolar. A categoria de resistência não pretende simplesmente suplementar a insistência padronizada na reprodução social e cultural; ela representa uma reconstrução teórica de como as subjetividades são posicionadas, investidas e construídas como parte das complexidades da regulação moral e política. Para Giroux, é essencial que as escolas sejam vistas como locais cie luta e possibilidade e que os professores sejam apoiados em seus esforços tanto para compreender quanto transformar as escolas em instituições cie luta democrática. Giroux também deixa claro que, embora seja virtualmente impossível viver fora da ideologia, existe uma necessidade urgente de revelarem-se as regras cie formação da ideologia, sua relação com a necessidade, com a política de resistência, e com a fabricação de necessidades e desejos. A ideologia neste caso é definida em sentido mais amplo e produtivo como uma mobilização de significado cujos efeitos podem ser vistos na maneira pela qual os indivíduos organizam as contradições e complexidades da vida cotidiana. A ideologia não é simplesmente uma imposição que prende as pessoas a um relacionamento imaginário com o mundo real; é uma forma de experiência ativamente construída e fundamentalmente vivida em conexão com as formas nas quais o significado e o poder se encontram no mundo social. A ideologia é transmitida por imagens, gestos e expressões lingüísticas relacionadas não apenas com o que e como pensamos, mas também com o que sentimos e desejamos. A ideologia está, nesta perspectiva, envolvida na produção e autogeração de subjetividades dentro dos domínios públicos e privados da vida cotidiana. Ela também é essencial para compreender-se o quão fugaz é cie fato o "sujeito" como base de agência, mas ao mesmo tempo oferece a principal esperança cie criar-se um discurso no qual os indivíduos possam atuar com convicção e finalidade política.7 Conseqüentemente, os professores precisam descobrir em seus estudantes como o significado é ativamente construído através cias múltiplas formações da experiência vivida que dão as suas vidas um sentido de esperança e possibilidade. Giroux argumenta que os estudantes deveriam aprender a compreender as possibilidades transformadoras cia experiência. A fim cie fomentar esta possibilidaxvl

de os professores devem tornar o conhecimento escolar relevante para a vicias de seus estudantes, de forma que os mesmos tenham voz, isto é, afirmar a experiência estudantil como parte cio encontro pedagógico fornecendo conteúdo curricular e ráticas pedagógicas que tenham ressonância com as experiências de vida dos studantes. Também é importante, na visão de Giroux, que os professores vão além de tornar a experiência relevante para os alunos, tornando-a também proble-ítica e crítica, através do questionamento cia mesma em busca de suas suposições ocultas. O direcionamento crítico é necessário para ajudar os estudantes a reconhecerem as implicações políticas e morais de suas próprias experiências. Assim os professores precisam desenvolver uma abordagem pedagógica na qual as experiências e ações dos estudantes não sejam irrestritamente endossadas às custas cie capacitá-los a reconhecerem em sua interação diária com os outros exemplos indesejáveis de comportamento, tais como preconceito racial e sexual. E, finalmente Giroux sustenta que os professores em última instância devem tornar o conhecimento e a experiência emancipadores, possibilitando que os estudantes desenvolvam uma imaginação social e coragem cívica capaz de ajudá-los a intervir em sua própria autoformação, na formação dos outros e no ciclo socialmente reprodutivo da vida em geral. Cerco à Educação, trabalho cie Giroux em co-autoria com Stanley Aronowitz, invocou pela primeira vez o conceito cie escolas como esferas públicas democráticas.8 As esferas públicas democráticas abrangem redes públicas tais como as escolas, organizações políticas, igrejas, e movimentos sociais que ajudam a construir princípios e práticas sociais democráticas através do debate, diálogo, e troca cie opiniões. Embora Giroux já houvesse começado a desenvolver este conceito no último capítulo de Teoria e Resistência (Aronowitz também já o havia desenvolvido em um trabalho anterior, A Crise do Materialísmo Histórico9), ele então assumiu uma importância acentuada. A democracia é um conceito notoriamente constestaclo e admitidamente complexo, e o uso de Giroux do mesmo variou ligeiramente dependendo do contexto. De modo geral, a democracia é definida ao nível das formações sociais, comunidades políticas e práticas sociais que são reguladas pelos princípios de justiça social, igualdade e diversidade. De acordo com Giroux, a escola desempenha um papel significativo no estabelecimento da democracia local, mas funciona melhor em colaboração com outras esferas públicas democráticas na luta mais ampla por democracia em níveis estadual e federal de governo. A primeira tarefa para transformar as escolas em esferas públicas democráticas é, para Giroux, desenvolver uma linguagem pública para os educadores, algum tipo de vernáculo crítico que permita a professores e estudantes reconstruírem a vida pública no interesse da luta coletiva e justiça social. Quanto à questão da linguagem, Giroux é bastante claro: a linguagem não é somente um instrumento que reflete a realidade social "lá cie fora", mas também é parcialmente constitutiva cio que em nossa sociedade é considerado "real". Cerco ã Educação marca o ponto no qual Giroux começa a apropriar-se seletivamente cie algumas das proposições teóricas cio filósofo francês Michel Foucault, especialmente seu conceito de poder/conhecimento, um conceito que se mostraria como um dos eixos centrais de alguns dos trabalhos posteriores de Giroux. O conceito cie poder/conhecimento é instrumental na formulação cie Giroux do papel que os professores deveriam desempenhar enquanto intelectuais criticamente engajados. O conhecimento não pode mais ser visto como objetivo, e sim cornp» eXVli


lirír, como parte não apenas das relações de poder que o produzem, mas tamh' i «daquehs que se beneficiam dele. Toda forma cie conhecimento pode ser tuada dentro de relações de poder específicas; com o passar cio tempo certas fôrmas de conhecimento são transformadas pelos grupos governantes em "regimes de verdade". De acordo com Giroux, um passo essencial para ajudar os professores a questionarem os "regimes de verdade" existentes, especialmente à medida que estes influenciam questões pedagógicas e curriculares, pocle ter mais êxito se os professores assumirem o papel cie intelectuais transformadores, os quais deliberadamente empreendam a prática socialmente transformadora em oposição ao exercício, sob a aparência cie neutralidade política, da inteligência misteriosa ou conhecimento especializado. Na verdade, Giroux tem o cuidado cie separar o termo "intelectual" de seu uso tradicional e suas noções remanescentes cie elitismo, excentricidade e manipulação de idéias. Sem dúvida, o professor como intelectual transformador deve estar comprometido com o seguinte: ensino como prática emancipadora; criação de escolas como esferas públicas democráticas; restauração de uma comunidade de valores progressistas compartilhados; e fomentação de um discurso público comum ligado aos imperativos democráticos de igualdade e justiça social. Distintos dos intelectuais hegemônicos ou obsequiosos, cujo trabalho está sob o comando daqueles que estão no poder e cuja compreensão crítica está a serviço do status quo, os intelectuais transformadores assumem com seriedade a primazia cia ética e da política em seu envolvimento crítico com os estudantes, administradores, e a comunidade circunclante. Eles trabalham incansavelmente, dedicados à promoção cia democracia e melhoria da qualidade cia vida humana. Podemos obter uma idéia da obra cie Giroux a partir de sua visão da escrita acadêmica. Giroux rejeita a noção de que o academicismo crítico deveria ser objetivo ou não partidário, tarefa que julga impossível e indesejável. O fato de Giroux considerar seus próprios escritos como parte de um projeto político em andamento reflete os esforços que há muito faz para ligar o conhecimento crítico a formas mais amplas de luta oposicionista. No julgamento de Giroux, a consciência social do acadêmico é muitas vezes suplantada pelo desejo cie poder, pelo desejo cie segurança dentro da academia, sucesso pessoal e reconhecimento. A pesquisa acadêmica está assim comprometida à medida que é assimilada pelo status quo da disciplina, é cacla vez mais escrita para os colegas e não para o público em geral, e é julgada pelo rigor empírico cie seus argumentos e pelo conceito (mal-empregado) cie neutralidade científica. Conseqüentemente, Giroux recusa-se a discriminar entre sua responsabilidade como intelectual público e seu papel como professor universitário. O que é particularmente marcante no trabalho de Giroux é que ele inevitavelmente conserva-se livre dos parâmetros rígidos da certeza dogmática. Sua recusa em permitir que seu trabalho fique em dívida com qualquer ortodoxia lhe garantiu grande flexibilidade teórica e acentuado rigor; além disso, seus esforços para ínterrelacionar idéias cie diversos campos teóricos promoveram um refinamento continuado de seus interesses intelectuais e políticos, levando a uma perspectiva renovada e integrada. A capacidade cie Giroux de fundir os horizontes das teorias do passado e do presente umas com as outras e com o horizonte cie sua própria perspectiva pocle ser vista em seu recente envolvimento crítico com as obras de John Dewey, George Counts e C, Wright Mills, bem como com trabalhos selecionados extraídos cia teoria feminista e da teologia da libertação. XV1M

Hoje é especialmente difícil situar a obra cie Giroux dentro de qualquer escola cie pensamento, uma vez que ele raramente passa pelo mesmo terreno conceptual duas vezes sem desconstruir seus limites e trazer-lhe uma nova e rica sutileza de compreensão.10 Não estando interessado em buscar pais ideais em Marx, Gramsci Foucault ou outros, Giroux segue adiante. O que deu a seu trabalho tal elasticidade desde seus primeiros até seus mais recentes escritos, talvez tenha sido seu esforço continuado em dar o lugar de honra à natureza dialética da vicia sócia!, mais especificamente à interação mutuamente informada entre estrutura e agência, linguagem e desejo, e análise crítica e esperança. Os escritos cie Giroux continuam a ter a marca cie seus compromissos e preocupações mais profundas. Recentemente ele tentou refinar ainda mais sua noção de escolarização como forma cie política cultural, particularmente com respeito à questão cia pedagogia e voz do estudantil. Ele reconhece que a pedagogia é fundamentalmente uma prática política e ética, bem como uma construção social e historicamente situada; que ela não se restringe às salas cie aulas; que ela está envolvida tocla vez que existirem tentativas deliberadas de influenciar a produção e construção de significado, ou como e que conhecimento e identidades sociais são produzidas dentro e entre conjuntos particulares de relações sociais." A pedagogia não se refere apenas às práticas cie ensino mas também envolve um reconhecimento da política cultural que tais práticas sustentam.12 O fato cia pedagogia estar implicada na construção social cio conhecimento e da experiência confirma para Giroux que uma pedagogia da possibilidade é realmente possível, pois se o mundo cio eu e dos outros foi socialmente construído, ele pocle cia mesma maneira ser desmantelado, desfeito, e criticamente refeito. A pedagogia crítica reconhece as contradições que existem entre a característictr de abertura cias capacidades humanas que estimulamos em uma sociedade democrática e as formas culturais que são fornecidas e dentro das quais vivemos nossas vicias". A pedagogia nunca deixa de existir enquanto existem tensões e contradições entre o que é e o que deveria ser. Poucos escritores têm sido tão constantes quanto Giroux na argumentação de que os educadores precisam articular seu propósito com clareza, estabelecer as metas, e definir os termos da escolarização pública como parte de um projeto democrático mais amplo. Ao mesmo tempo, Giroux está consciente cie que a luta pela transformação própria e social não eleve procurar a verdade como categoria absoluta, mas como circunstancial e contextual. Uma pedagogia cie libertação não tem respostas definitivas. Ela está sempre em construção. Os escritos que constituem este volume levam a marca registrada cie grande parte cia obra de Giroux. Eles estão repletos cie trechos prescientes destinados a promoção cio desenvolvimento de aprendizagem prática com intenção emancipadora. Os exemplos cia fase anterior cie Giroux conservam hoje ainda grande parte cie sua relevância teórica. O fato de que Giroux não tenha eliminado algumas incoerências não diminui de forma alguma seu importante desafio a professores e pesquisadores que estejam tentando compreender as complexas inter-relações entre o ensino, a construção de identidade, o desenvolvimento de relações sociais democráticas e o desafio da transformação social. Estes capítulos permitem ao leitor apreender a obra de Giroux como um conjunto cie práticas históricas; eles retratam um desenvolvimento e engajamento constantes com os diversos aspectos cio pensamento educacional crítico. Além disso, eles revelam tanto os princípios de xix


estruturação do trabalho anterior de Giroux quanto sua tentativa corrente de repensar de maneira mais crítica e dialética a base teórica e projeto político que informam seu trabalho. Em última análise, pode-se dizer que o trabalho cie Giroux constitui uma pedagogia do concreto, na qual o que pode ser já está plantado nas sementes do que é no que é real e verdadeiro. Tal pedagogia procura, nas palavras de Jessíca Benjamin, "trazer a política ao campo cia imanência"11. Em última instância, ela representa uma tentativa combinada de não exaltar o princípio abstrato universal em detrimento cia particularidade concreta individual cia necessidade.15 É uma pedagogia que reconhece que todos os regimes de verdade são estratégias temporárias de contenção. Trata-se cie purgar, nos lembra Giroux, o que é considerado verdade de seus efeitos opressivos e não democráticos. Em um muncío como o nosso, decididamente hostil ao futuro, tal projeto de possibilidade está em desacordo com o referencial padrão pelo qual a maior parte dos educadores julgam o trabalho teórico: será que ele permitirá a prática em sala de aula? A resposta, é claro, vai depender do que se quer dizer com prática. Se o que queremos dizer com prática refere-se a um "livro de receitas", então a resposta é um retumbante "Não". Compreender a prática nestes termos é estar à mercê de um discurso clomesticante que estabelece uma falsa dicotomia entre teoria e prática, efetivamente eliminando sua relação dialética. Tal lógica supõe que os julgamentos de como deveria ser a prática educacional são internos à praticabilidacle do próprio trabalho em sala de aula, assim subestimando o potencial transformador da pedagogia em favor de procedimentos instrumentais que operam independentemente de seus efeitos.ÍS Se, por outro lado. relacionarmos a prática ao envolvimento diário com uma linguagem mais fortalecedora através da qual pensar e agir criticamente na luta por relações sociais democráticas e liberdade humana, então "Sim", o trabalho de Giroux nos oferece a oportunidade de efetuar uma transformação concreta, prática de nosso ensino. Auxiliar os educadores a fazer esta distinção entre prática instrumental e prática fortalecedora é, evidentemente, um dos propósitos deste livro. Giroux continua a prestar um importante serviço para os educadores porque ele fala diretamente cios problemas e tópicos defrontando o futuro das nossas escolas e da nossa sociedade em geral. Ele levanta questões que desafiam os papéis que as escolas desempenham — e continuam a desempenhar - em incrementar o legado histórico cia nossa nação de criar uma sociedade justa e democrática para .odos. Giroux reconhece que se não fizermos perguntas à história ela permanecerá ~m silêncio. E é sob o abrigo deste silêncio que a história pode ser revisitada com is injustiças e a desumaniclacle que, no passado, colocaram o mundo em tanto Jerigo. O sucesso de Giroux em confrontar os silêncios estruturados cia história e Desenvolver uma nova visão de uma sociedade fundamentada em esperança e luta ibertadora o tornou um dos mais desafiadores e importantes teóricos da educação 10 cenário presente e, certamente, um dos mais prolíficos e perceptivos analistas Ia escolarização escrevendo hoje.

pfotas l Para um comentário mais longo sobre Education under Siege , ver meu artigo de revisão eiri Educational Studies 11 (1986): 277-89. Para uma discussão conjunta de Education under Sie"o & Theory and Resistanca in Education, ver Peter McLaren, "Education as CounterDiscourse", 13 (Inverno 1987): 56-68. Pequenos trechos destes artigos de revisão foram reproduzidos no presente ensaio. ? Ver Heniy A. Giroux e Roger Simon, "Criticai Pedagogy and the Politics of Popular Culture", em Criticai Pedagog}' and Popular Culture, eds. Henry A. Giroux e Roger Simon (South Hadley Mass.: Bergin & Garvey Publishers, a ser publicado). 3 Ver Bill Reynolds, "Henry Giroux Hás the Working Class Blues'1, SimdayJournal Magazine (Rhode Isiand), 15 de maio, 1985, pp. 4 -7. 4 Ver o livro de Giroux a ser publicado, Schooling and the Struggle for Public Life: Critica! Peda°ogy in tbe Modern Age (Mmnezpolis: University of Minnessota Press). 5. Henry A. Giroux, Ideology, Culture and the Process of Schooling (Philadelphia: Tempie University Press, 1981). 6 Henry A. Giroux, Theory and Resistance in Education (South Hadley, Mass.: Bergin & Garvey Publishers, 1983). Ver também Samuel Bowles e Herbert Gintis, Schooling in Capüalíst America (New York: Basic Books,1976). 7. Para uma discussão de ideologia relacionada, ver Peter McLaren, "Ideology, Science, and the Politics of Marxian Orthodoxy: A Response to Michael Dale", Educational Theory 37 (1987): 301 - 26; e Peter McLaren , "The Politics of Ideology in Educational Theory", Social Text ( a ser publicado). 8. Giroux utiliza os termos esfera pública oposicionista e esfera contrapública em geral com o mesmo significado. Stanley Aronowitz e Henry A. Giroux, Education under Siege (South Hadley, Mass.: Bergin & Garvey Publishers, 1985). 9. Stanley Aronowitz, The Crisis in Histórica! Materialism (New York: Praeger, 1981). 10. Giroux, Schooling and The Struggle for Public Life. 11. Giroux e Simon, "Criticai pedagogy and Politics of popular Culture." 12. Ibicl. 13. Esta idéia foi desenvolvida em Roger I. Simon, "Empowerment as a Pedagogy of Possibility", Language Arts 64 (4): 375. Ver Peter McLaren, "The Anthropological Roots of Pedagogy: The teacher as Limínal Servant", Anthropology and Humanism Quarterly ( a ser publicado). 14. Jessica Benjamin "Shame and Sexual Politics", New German Critique 27 ( Outono 1982): 152. 15. Ibid., 153. 16. Richard Smith e Anna Zantiotis, "Practical Teacher Education and the Avante Garde", Schooling, Politics and the Struggle for Culture, Henry A. Giroux e Peter McLaren, ed. (Albany: State University of New York Press, a ser publicado).

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Sumário

Apresentação Paulo Freire

.-

Prefácio: Teoria Crítica e o Significado da Esperança Peter AfcLaren 7(.Introdução:

J

xi 25

Repensando a Linguagem da Escola

33

Rumo a uma Nova Sociologia do Currículo

43

j

Educação Social em Sala de Aula: A Dinâmica do Currículo Oculto

55

jt

Superando Objetivos Behavioristas e Humanísticos

79

j

Escrita e Pensamento Crítico nos Estudos Sociais

91

O

A Cultura cie Massa e o Surgimento do Novo Analfabetismo: Implicações para a Leitura

111

Pedagogia Crítica, Política Cultural e o Discurso da Experiência

123

Cultura, Poder e Transformação na Obra de Paulo Freire: Rumo a uma Política de Educação

-^

Professores como Intelectuais Transformadores

^7

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/ )\/'

Os Professores como Intelectuais

ix

& O

/\ J

11) Estudo Curricular e Política Cultural 11 A Necessidade de Estudos Culturais

lò5


XÍ2 A Educação de Professores e a Política de Reforma Democrática >\|3 Críse e Possibilidades na Educação

195 213 223

Introdução

""''Í5 Antônio Gramsci: Escolarização para uma Política Radical

233

Os Professores como Intelectuais

•/•'l6 Solidariedade, Ética e Possibilidade na Educação Crítica

243

"l 14 Reproduzindo a Reprodução: A Política de Seleção

índice Remissivo

261

A Teoria Educacional Crítica e a Crítica

xxiv

da Análise

A pedagogia radical surgiu com todo o vigor como parte da nova sociologia da educação na Inglaterra e nos Estados Unidos há mais de uma década, e como resposta crítica ao que pode ser chamado de maneira geral de ideologia da prática educacional tradicional.1 Preocupada com o imperativo de questionar a suposição dominante de que as escolas são o principal mecanismo para o desenvolvimento de uma ordem social democrática e igualitária, a teoria educacional crítica determinou-se a desvelar como a dominação e a opressão são produzidas dentro dos diversos mecanismos de escolarização. Em vez de aceitarem a noção de que as escolas são veículos de democracia e mobilidade social, os críticos educacionais problematizam tal suposição. Sendo assim, sua principal tarefa política e ideológica é desvelar como as escolas reproduzem a lógica do capital através das formas materiais e ideológicas de privilégio e dominação que estruturam as vidas cie estudantes de diversas classes, gêneros e etnias. Os críticos radicais, de modo geral, concordam que os tradicionalistas educacionais geralmente recusam-se a interrogar a natureza política do ensine público. Na verdade, os tradicionalistas fugiram totalmente da questão através da tentativa paradoxal de despolítizar a linguagem do ensino e ac mesmo tempo reproduzir e legitimar as ideologias capitalistas. A expressãc mais óbvia desta visão pode ser vista no discurso positivista que definia e ainda define a política e pesquisa educacional predominante, e que terr como preocupações mais importantes o domínio de técnicas pedagógicas c a transmissão de conhecimento instrumental para a sociedade existente. Na visão de mundo dos tradicionalistas, as escolas são simplesmente locai; de instrução. Ignora-se que as escolas são também locais políticos e cultu rais, assim como a noção de que elas representam áreas de acomodação < contestação entre grupos econômicos e culturais diferencialmente fortaleci


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HENRY A. GIROUX

n nonto de vista da teoria educacional crítica, os tradicionalistas omitem importantes questões referentes às relações entre conhecimento, poder e dominação. _ A partir dessa análise surgiram uma nova linguagem teórica e tipo de crítica que argumentam que as escolas não oferecem oportunidades dentro da ampla tradição humanista ocidental para fortalecimento do self e do social na sociedade como um todo. Em oposição à posição tradicionalista, os críticos esquerdistas oferecem argumentos teóricos e evidências empíricas para sugerir que as escolas são, na verdade, agências de reprodução social, econômica e cultural. 3 Na melhor das hipóteses, a escola pública oferece mobilidade individual limitada aos membros da classe trabalhadora e outros grupos oprimidos, mas é um poderoso instrumento para a reprodução das relações capitalistas de produção e ideologias legitimadoras dominantes dos grupos governantes. Os críticos radicais cie educação oferecem uma variedade de modelos de análise e pesquisa úteis para se questionar a ideologia educacional tradicional. Contrários à alegação conservadora de que as escolas transmitem conhecimento objetivo, os críticos radicais desenvolveram as teorias cio currículo oculto, bem como as teorias da ideologia, que identificam os interesses específicos que subjazem às diferentes formas de conhecimento.' Ao invés de encarar o conhecimento escolar como objetivo, como algo a ser simplesmente transmitido aos estudantes, os teóricos radicais alegam que o conhecimento é uma representação particular da cultura dominante, um discurso privilegiado que é construído através de um processo seletivo de ênfases e exclusões5. Contrários à noção conservadora de que as escolas são apenas locais de instrução, os críticos radicais apontam para a transmissão e reprodução da cultura dominante nas escolas. Longe de ser neutra, a cultura dominante na escola é caracterizada por um ordenamento e legitimação seletivos de formas privilegiadas cie linguagem, modos de raciocínio, relações sociais e experiências vividas. J)e acordo com essa visão, a cultura está ligada ao poder e à imposição de um conjunto específico cie códigos e experiências da classe dominante.6 A cultura escolar, contudo, funciona não apenas para confirmar e privilegiar os estudantes das classes dominantes, mas também, através da exclusão e insulto, para invalidar as histórias, experiências e sonhos de grupos subordinados. Finalmente, contra a alegação de educadores tradicionais de que as escolas são apolíticas. os educadores radicais elucidam a maneira pela qual o Estado, através de suas concessões seletivas, políticas de certificação e poderes legais, influencia as práticas escolares no interesse cie ideologias dominantes particulares.7 Apesar de suas profundas análises teóricas e políticas cia escolarização, a teoria educacional radical sofre de algumas deficiências graves, a mais séria das quais é seu fracasso em ir além da linguagem cia análise crítica e da dominação. Isto é, os educadores radicais continuam presos a uma lingua-

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

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gem que liga as escolas principalmente às ideologias e práticas da dominação, ou aos parâmetros estreitos do discurso cia economia política Nesta visão, as escolas são vistas quase que exclusivamente como agências de reprodução social, produzindo trabalhadores obedientes para o capital industrial; o conhecimento escolar geralmente é desconsiderado como uma forma de ideologia burguesa; e os professores são com freqüência retratados como estando presos em um aparelho de dominação que funciona com toda a precisão de um relógio suíço. A tragédia desta posição é que ela impede que os educadores de esquerda desenvolvam uma linguagem programática para reformas pedagógicas ou escolares. Neste tipo de análise, existe pouca compreensão das contradições, distâncias e tensões que caracterizam a escolarização. Há poucas possibilidades de se desenvolver uma linguagem programática para uma pedagogia crítica ou para uma luta institucional e comunitária. Os educadores radicais concentraram-se de tal forma na linguagem da dominação que não resta qualquer esperança viável de se desenvolver uma estratégia educacional política progressista. Mas os teóricos críticos, com poucas exceções, fizeram mais do que deturpar a natureza contraditória das escolas, pois também recuaram diante da necessidade política de questionar-se a tentativa conservadora de moldar o apoio ideológico a sua visão de educação pública. Conseqüentemente, os conservadores exploraram habilmente os medos públicos acerca da escola de uma maneira que tem passado quase que incontestada pelos educadores radicais. Os conservadores não apenas dominaram o debate acerca da natureza e propósito da escola pública, como também têm cada vez mais determinado os termos em torno dos quais as recomendações políticas têm sido desenvolvidas e implementadas em níveis local e nacional. Com efeito, os educadores radicais desperdiçaram a oportunidade tanto de questionar o ataque conservador nas escolas e as formas correntes nas quais as escolas reproduzem desigualdades arraigadas como de reconstruir um discurso no qual o professor possa ser definido através cias categorias de democracia, autorização e possibilidade. Para que a pedagogia radical se torne um projeto político viável, ela precisa desenvolver um discurso que combine a linguagem da análise crítica com a linguagem da possibilidade. Desta maneira, ela deve oferecer análises que revelem as oportunidades para lutas e reformas democráticas no funcionamento cotidiano das escolas. De forma semelhante, ela deve oferecer as bases teóricas para que professores e demais indivíduos encarem e experimentem a natureza do trabalho docente de maneira crítica e potencialmente transformadora. Dois elementos deste discurso que considero importantes são a definição cias escolas como esferas públicas democráticas e a definição dos professores como intelectuais transformadores. Embora estas categorias sejam aprofundadas no restante do livro, esboçarei algumas de suas implicações mais amplas e as práticas que estas sugerem.


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OS

HENRY A. GJROUX

A Escolarização, a Transformadores

e os

Qualquer tentativa de reformular o papel dos educadores deve partir da questão mais ampla de como encarar o propósito da escolarizaçào. Eu acredito que fundamental para uma pedagogia crítica realizável é a necessidade de encarar as escolas como esferas públicas democráticas. Isto significa considerar as escolas como locais democráticos dedicados a formas de fortalecer o se/f e o social. Nestes termos, as escolas são lugares públicos onde os estudantes aprendem o conhecimento e as habilidades necessárias para viver em uma democracia autêntica. Em vez de definir as escolas como extensões do local de trabalho ou como instituições de linha de frente na batalha dos mercados internacionais e competição estrangeira, as escolas como esferas públicas democráticas são construídas em torno de formas de investigação crítica que dignificam o diálogo significativo e a atividade humana. Os estudantes aprendem o discurso da associação pública e responsabilidade social. Este discurso busca recuperar a idéia da democracia crítica como um movimento social que apoia a liberdade individual e a justiça social. Além disso, encarar as escolas como esferas públicas democráticas fornece uma fundamentação para defendê-las, juntamente com formas progressistas de pedagogia e trabalho docente, como instituições e práticas essenciais desempenhando um serviço público importante. Com uma linguagem política, as escolas são então defendidas como instituições que fornecem as condições ideológicas e materiais necessárias para a educação dos cidadãos na dinâmica da alfabetização crítica e coragem cívica, e estas constituem a base para seu funcionamento como cidadãos ativos em uma sociedade democrática. Esta posição deve muito à visão de democracia de Jonh Dewey, mas transcende a mesma de várias maneiras, dignas de serem mencionadas. Eu uso o termo discurso democrático tanto como referencial à análise crítica como quanto ideal fundamentado na noção dialética cia relação escolasociedade. Como referencial à análise crítica, a teoria e prática da democracia oferece um modelo para analisar-se como as escolas bloqueiam as dimensões ideológicas e materiais da democracia. Por exemplo, ela examina as maneiras pelas quais o discurso da dominação se manifesta nas formas de conhecimento, organização escolar, ideologias dos professores e relações professor-aluno. Além disso, inerente ao discurso da democracia está a compreensão de que as escolas são locais contraditórios; elas reproduzem a sociedade mais ampla enquanto ao mesmo tempo contêm espaço para resistir a sua lógica de dominação. Enquanto ideal, o discurso da democracia sugere algo mais programátíco e radical. Primeiramente, ele aponta o papel que professores e administradores poderiam desempenhar como intelectuais transformadores que desenvolvem peclagogias contrahegemônicas que não apenas fortalecem os estudantes ao dar-lhes o conheci-

mento e habilidades sociais necessários para poderem funcionar dade mais ampla como agentes críticos, mas também educam-nos ação transformadora. Isto significa educá-los para assumirem riscos na esforçarem-se pela mudança institucional e para lutarem contra a opressão e a favor da democracia fora das escolas, em outras esferas públicas de oposição e na arena social mais ampla. Assim, com efeito, minha visão de democracia aponta para uma esforço dual. Primeiramente, eu destaco a noção de fortalecimento pedagógico, que por sua vez aponta para a oroanização, desenvolvimento e implementação de formas de conhecimento e práticas sociais nas escolas. Em segundo lugar, eu saliento a noção de transformação pedagógica, na qual argumento que tanto professores como alunos devem ser educados para lutarem contra formas de opressão na sociedade mais ampla, e que as escolas representam apenas um lugar importante nesta luta. Isto é muito diferente da visão de Dewey, porque eu vejo a democracia como envolvendo não apenas a luta pedagógica, mas também a luta política e social, uma visão que reconhece que a pedagogia crítica é somente uma das intervenções importantes na luta para reestruturar as condições materiais e ideológicas da sociedade mais ampla no interesse de criar uma sociedade verdadeiramente democrática.8 Existe uma outra questão relacionada e importante operando ao definir-se as escolas como esferas públicas democráticas, por mim enfatizada em todo o livro. Ao politizar-se a noção de escolarização, torna-se possível elucidar o papel que educadores e pesquisadores educacionais desempenham enquanto intelectuais que operam em condições especiais de trabalho e que desempenham uma função social e política particular. As condições materiais sob as quais os professores trabalham constituem a base para delimitarem ou fortalecerem suas práticas como intelectuais. Portanto, os professores enquanto intelectuais precisarão reconsiderar e, possivelmente, transformar a natureza fundamental das condições em que trabalham. Isto é, os professores devem ser capazes de moldar os modos nos quais o tempo, espaço, atividade e conhecimento organizam o cotidiano nas escolas. Mais especificamente, a fim de atuarem como intelectuais, os professores devem criar a ideologia e condições estruturais necessárias para escreverem, pesquisarem e trabalharem uns com os outros na produção de currículos e repartição do poder. Em última análise, os professores precisam desenvolver um discurso e conjunto de suposições que lhes permita atuarem mais especificamente como intelectuais transformadores.9 Enquanto intelectuais, combinarão reflexão e ação no interesse de fortalecerem os estudantes com as habilidades e conhecimento necessários para abordarem a$ injustiças e de serem atuantes críticos comprometidos com o desenvolvímento de um mundo livre da opressão e exploração. Intelectuais deste tipo não estão meramente preocupados com a promoção cie realizações individuais ou progresso dos alunos nas carreiras, e sim com a autorização dos alunos para que possam interpretar o mundo criticamente e mudá-lo quando necessário.


OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

Antes de abordar as especifícidades do que significa apropriar-se criticamente do conceito de intelectual transformador como parte cie um discurso mais amplo, que vê a pedagogia radical como parte de uma forma de política cultural., eu gostaria de elaborar algumas das questões que são fundamentais para o embasamento ontológico cio significado de tornar a práxis pedagógica uma forma de práxis radical. Existem diversos conceitos importantes que têm implicações metodoló^icas para professores e pesquisadores que assumem o papel de intelectuais transformadores. O referencial mais importante para tal posição é a "libertação da memória", o reconhecimento daqueles exemplos de sofrimento público e privado cujas causas e manifestações exigem entendimento e compaixão. Os educadores radicais devem começar pelas manifestações de sofrimento que constituem as condições passadas e imediatas da opressão. O desvelamento cio horror do sofrimento passado e a dignidade e solidariedade da resistência nos alertam para as condições históricas que constróem tais experiências. Esta noção de libertação da memória faz mais do que recuperar momentos perigosos do passado; ela também focaliza a questão do sofrimento e a realidade daqueles tratados como "os outros". Podemos então começar a compreender a realidade da existência humana e a necessidade de todos os membros de uma sociedade democrática de transformarem as condições sociais existentes de forma a eliminar esse sofrimento no presente.10 A libertação da memória aponta para o papel que os intelectuais poderiam desempenhar como parte da rede pedagógica de solidariedade destinada a manter vivo o fato histórico e existencial do sofrimento através da revelação e da análise das formas de conhecimento histórico e popular que foram suprimidas ou ignoradas e através das quais nós mais uma vez descobrimos os "efeitos de rompimento do conflito e da luta"." A libertação da memória representa uma declaração, uma esperança, um lembrete discursivo de que as pessoas não apenas sofrem sob os mecanismos cia dominação, como também resistem. Além disso, tal resistência está sempre ligada às formas de conhecimento e compreensão que são as precondições para dizer tanto um "Não" à repressão como um "Sim" à dinâmica de luta e as possibilidades práticas às quais ela se destina. Existe um outro importante elemento dialético que constrói a noção de libertação da memória. Ele "lembra" o poder como uma força positiva na determinação de alternativas e verdades contra-hegemônicas. É a noção cie recordação histórica que sustenta a memória dos movimentos sociais que não apenas resistem mas também transformam em seu próprio interesse o que significa desenvolver comunidades em torno de um horizonte alternativo de possibilidades humanas. É simplesmente desenvolver um estilo de vida melhor. Também é essencial que os intelectuais transformadores redefinam a política cultural em relação à questão do conhecimento, particularmente

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com respeito à construção da pedagogia em sala de aula e a voz do estudante Para os intelectuais transformadores, a pedagogia como forma cie política cultural deve ser compreendida como um conjunto concreto de práticas que produzem formas sociais através das quais diferentes tipos de conhecimento, conjuntos de experiências e subjetiviclades são construídas. Colocado de outra maneira, os intelectuais transformadores precisam compreender como as subjetividacles são produzidas e reguladas através de formas sociais historicamente produzidas e como estas formas levam e incorporam interesses particulares.12 No centro desta posição está a necessidade de desenvolver modos de investigação que examinem não apenas como a experiência é moldada, vivida e tolerada dentro de formas sociais particulares, tais como as escolas, mas também como certos aparatos de poder produzem formas de conhecimento que legitimam um tipo particular de verdade e estilo de vida. O poder, neste sentido, tem um significado mais amplo em sua relação com o conhecimento do que geralmente se reconhece. O poder, neste caso, como salienta Foucault, não apenas produz o conhecimento que distorce a realidade mas também produz uma versão particular da "verdade".15 Em outras palavras, "O poder não mistifica ou distorce simplesmente. Seu impacto mais perigoso é, sua relação definitiva com a verdade, os efeitos de verdade que ele produz".1' Os capítulos deste livro oferecem uma gama de perspectivas que foram se formando durante os últimos anos. Os tópicos vão desde alfabetização e definição dos objetivos da sala de aula até o trabalho dos teólogos da libertação. Porém, contidos nesta ampla gama estão os temas comuns que abordam o reconceber as escolas como esferas públicas democráticas nos quais professores e alunos trabalhem juntos para forjar uma nova visão emancipadora da comunidade e da sociedade. Este livro também contém tentativas de desenvolver uma nova linguagem e novas categorias com as quais situar a análise da escolarização. Embora muitas destas categorias tenham sido seletivamente apropriadas da sociologia do conhecimento, teologia, estudos culturais e outras tradições, elas oferecem aos educadores uma oportunidade única para refletirem criticamente sobre suas próprias práticas e o relacionamento entre as escolas e a sociedade mais ampla. Não estou oferecendo uma receita, mas antes reconhecendo que qualquer discurso, até mesmo o meu, precisa estar engajado crítica e seletivamente, de forma que possa ser usado em contextos específicos por aqueles que vêem valor no mesmo para seu próprio ensino em sala de aula e luta social. O que está em questão neste livro é uma maneira particular cie ver, um discurso crítico que não está completo, mas que pode elucidar as especifícidades da opressão e as possibilidades cie luta e renovação democráticas.


Notas Os textos de maior fama que surgiram nos anos 70 foram: Michael F.D. Young, ed, Knowledze and Contrai ( London: Collíer-Macmillan, 1971)jJ3asil Bernstein, Class, Codes and Contrai, vol. 3 (London: Routledge & Kegan Paul, 19//); Samuel Bowles e Herbeit Gintis Schooling in Capitalist America (New York: Basic Books, 1976); Michael Apple, IdeològyanclCurríciilumdonúon: Routledge & Kegan Paul, 1977).

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f Para uma análise desta posição, ver Giroux, Ideology, Cultura and theProcess qf'Schooling. 3. O exemplo mais notório desta posição pode ser encontrado em Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America. A literatura sobre ensino escolar e a tese de reprodução são revisadas criticamente em Hemy A. Giroux, Theoiy and Resistance. 4. Para uma análise recente desta posição, ver Henry A. Giroux e David Purpel, TheHidden Curriculum and Moral Education (Berkeley: McCutchan Publishing, 1983); Jeannie Oakes, Keeping Track: Hotv Schools Structure Inequality (New Haven: Yale University Press, 1985).

a da Escola HENRY A. GIROUX

5. Apple, Education and Power. 6. O livro de maior influência desta posição foi Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, Reproduction in Education, Society, and Culture (Beverly Hills, Calíf.: Sage, 1977). 7. Exemplos mais recentes desta posição incluem Arthur Wíse, LegislatedLeaniing(Bei'keley. University od Califórnia Press, 1979); Martin Carnoy e Heniy Levin, Schooling and Work in the Democratic State (Stanford University Press, 1985). 8. O relacionamento entre ensino escolar e democracia é explorado de maneira brilhante dentro de uma perspectiva liberal em John Dewey, Democracy and Education (New York: Free Press, 1916). Tanto uma crítica quando ampliação radical desta posição podem ser encontradas em Aronowitz e Giroux, Education underSiege. 9. A noção de intelectual transformador foi utilizada pela primeira vez em Aronowitz e Giroux, Education underSiege. 10.Para uma discussão da noção de memória libertadora como parte da tradição da teologia de libertação, ver Rebecca S. Chopp, ThePraxis ofSuffering (New York: Orbis Press, 1986). 11.Michael Foucault, Power and Knowledge: Selected Interuiews and Oíher Writings, ed. C. Gordon (New York: Pantheon, 1980), p.82. 12.Ver Henry A. Giroux e Roger Simon, "Estudo Curricular e Política Cultural ", neste volume. 13.Foucault, Power and Knowledge. 14.Sharon Welch, Communüies of Resistance and Solidarity: A Feminist Theology of Liberation (New York: Orbis Press, 1985), p. 63.

~jv -r o atual clima político, conversa-se pouco sobre as escolas e a demo^^ cracia e debate-se muito acerca de como as escolas poderiam ter -L l mais sucesso na satisfação cias necessidades industriais e contribuição para a produtividade econômica. Em um cenário de recursos econômicos escassos, rompimento de coalizões nas escolas públicas liberais e radicais e desgaste dos direitos civis, o debate público acerca da natureza da escolarização tem sido substituído pelas preocupações e interesses de especialistas em administração. Isto é, em meio aos fracassos e rompimentos tanto na sociedade americana como nas escolas públicas, surgiu um conjunto de questões e problemas evocado em termos como "insumo-prociuÇào", "previsibilidade" e "custo-benefício". Infelizmente, no momento em que precisamos de uma linguagem de análise diferente para compreender a estrutura e significado da escolarização, os americanos recuaram para o discurso do gerenciamento e administração, com seu foco em questões de eficiência e controle. Estas questões obscureceram as preocupações acerca da compreensão. De forma semelhante, a necessidade de desenvolver-se, em todos os níveis da escolarização, uma pedagogia radical preocupada com a alfabetização crítica e cidadania ativa deu lugar a uma pedagogia conservadora que enfatiza a técnica e a passividade. A ênfase não é mais ajudar os estudantes a "lerem" o mundo criticamente; em vez disso, é ajudá-los a •'dominarem" as ferramentas de leitura. A questão cie como professores, administradores e estudantes produzem significado, e ao interesse de quem ele serve, é colocada sob o imperativo de dominar os "fatos". O quadro é desapontador.


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Estes tópicos levantam questões fundamentais acerca de como os educadores e as escolas contribuem para estes problemas, enquanto ao mesmo tempo apontam para a possibilidade de se desenvolverem modos de linguawem, pensamento e ensino que possam ser usados para resolvê-los, ou pelo menos ajudar a se estabelecerem as condições que possam ser usadas para resolvê-los. Gostaria de explorar este tópico examinando uma preocupação central: como podemos tornar a escolarização significativa de forma a torná-la crítica, e como podemos torná-la crítica de forma a torná-la emancipadora?

Teoria e Gostaria de analisar esta questão e os modos nos quais as visões tradicionais de escolarização têm respondido a ela. A precondíção de tal análise é a necessidade de uma nova estrutura teórica e de um modelo de linguagem que permita que professores, pais e outros compreendam tanto os limites como as possibilidades de habilitação que caracterizam as escolas. Atualmente, a linguagem tradicional sobre a escolarização está ancorada em uma visão de mundo um tanto mecânica e limitada. Essencialmente, trata-se de uma visão de mundo basicamente proveniente do discurso da psicologia de aprendizagem behavorista, que se concentra na melhor maneira de se aprender um dado corpo de conhecimentos, e da lógica da administração científica, como refletida no movimento de retorno aos fundamentos, exames de competência e esquemas de gerenciamento de sistemas. O resultado tem sido uma linguagem que impede os educadores de examinarem de maneira crítica as suposições ideológicas embutidas em sua própria linguagem e as experiências escolares que eles ajudam a estruturar. Em termos gerais, a noção de linguagem é avaliada por ser simples ou complexa, clara ou vaga, concreta ou abstrata. Contudo, esta análise é vítima de um erro teórico; ela reduz a linguagem a uma questão técnica, isto é, à questão da clareza. Mas o real sentido da linguagem educacional deve ser compreendido como produto cie uma estrutura teórica específica, através das suposições que a governam, e, finalmente, através das relações sociais, políticas e ideológicas para as quais ela aponta e as quais ela legitima. Em outras palavras, a questão da clareza muitas vezes torna-se uma máscara que minimiza as questões referentes aos valores e interesses enquanto aplaude idéias que são bem embaladas na linguagem cia simplicidade. Qualquer teoria educacional que pretenda ser crítica e libertadora, isto é, que pretenda funcionar no interesse da compreensão crítica e ação autodeterminada, deve gerar um discurso que vá além da linguagem estabelecida da administração e conformidade. Tal discurso requer uma luta e um compromisso a fim de que seja apropriado e compreendido. O modo como a linguagem pode mistificar e esconder suas próprias suposições torna-se claro, por exemplo, na forma como os educadores rotulam os estudantes que respon-

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dem a experiências escolares alienantes e opressivas com toda uma gama de comportamentos resistentes. Eles chamam estes estudantes de desviados em vez de resistentes, pois tal rotulação implicaria outras questões a respeito da natureza da escolarização e as razões para tal comportamento por parte do estudante.

Geração de

Novo

Implícita em minha análise está a necessidade de construir-se um novo discurso e modo de análise acerca da natureza da escolarização que serviria a um duplo propósito. Por um lado, ele deveria analisar e indiciar os fracassos e as deficiências inerentes à visão tradicional da escolarização. Por outro, ele deveria revelar novas possibilidades de pensar e organizar as experiências escolares. A fim de explorar as possibilidades de reorganização, gostaria de focalizar especificamente os seguintes conceitos: racionalidade, problemática, ideologia, e capital cultural.

Racionalidade A noção de racionalidade tem um duplo significado. Primeiramente, ela se refere a um conjunto de suposições e práticas que permitem que as pessoas compreendam e moldem suas próprias experiências e as dos outros. Em segundo lugar, ela se refere aos interesses que definem e qualificam a íorma como estruturamos e empregamos os problemas confrontados na experiência vivida . Por exemplo, os interesses exibidos na fala e comportamento do professor podem estar enraizados na necessidade de controlar, explicar ou agir com princípios de justiça. _A_racionalidade, como constructo crítico, também pode ser aplicada aos materiais didáticos, tais como programas curriculares e filmes. Tais materiais sempre incorporam um conjunto de suposições a respeito do mundo, de um determinado assunto, e de um conjunto de interesses. Isto se torna evidente em muitos materiais didáticos "à prova de professor'' que atualmente invadem o mercado. Estes materiais promovem uma incapacitação dos professores ao separar concepção de execução e ao reduzir o papel que os professores desempenham na real criação e ensino destes materiais. As decisões cios professores quanto ao que deveria ser ensinado, como isso poderia satisfazer as necessidades intelectuais e culturais dos estudantes e como isso poderia ser avaliado tornam-se pouco importantes nestes programas, uma vez que eles ja^predefiniram e responderam tais questões. Os materiais controlam as decisões dos professores, e, como resultado, estes não precisam exercitar seu julgamento lógico. Assim, os professores são reduzidos ao papel de ^técnicos 'õT5êcTierites, executando os preceitos do programa curricular. Não e pieciso


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dizer que os professores podem ignorar tais programas, usá-los para propósitos diferentes, ou lutar contra seu uso nas escolas. Mas o que importa é compreender os interesses embutidos em tais programas curriculares e como tais interesses estruturam as experiências em sala de aula. A linguagem da eficiência e do controle promove mais obediência do que análise crítica.

Problemática. Todos os modos de racionalidade contêm estruturas conceptuais identificadas tanto pelas questões levantadas como por aquelas ignoradas. Estas são chamadas de problemática. O termo refere-se não apenas ao que é incluído em uma visão de mundo, mas também ao que é omitido e silenciado. Aquilo que não é dito é tão importante quanto aquilo que é dito. O valor deste conceito torna-se mais óbvio quando lembramos que a teoria educacional tradicional sempre esteve aliada ao visível, ao literal, e ao que pode ser visto e operacionalizado. A teoria educacional geralmente não tem incluído uma linguagem ou modo de análise que olhe para além do que está dado ou é fenomênico. Por exemplo, as preocupações tradicionais dos educadores giram em torno do currículo normal, e, como resultado, as questões que emergem são familiares: Que matérias serão ensinadas? Que formas de instrução serão usadas? Que tipos de objetivos serão desenvolvidos? Como podemos combinar os objetivos com formas correspondentes de avaliação? Por mais importantes que sejam estas questões, elas flutuam na superfície da realidade. Elas não incluem um foco sobre a natureza e função do currículo oculto, isto é, aquelas mensagens e valores que são transmitidos aos estudantes silenciosamente através da seleção de formas específicas de conhecimento, do uso de relações específicas em sala de aula, e das características definidoras da estrutura organizacional escolar. As mensagens de discriminação de raça. sexo e classe que espreitam por trás da linguagem dos objetivos e da disciplina escolar são convenientemente ignoradas.

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por exemplo, a compreensão de como a ideologia funciona fornece aos professores uma ferramenta heurística para examinar como suas próprias visões sobre conhecimento, natureza humana, valores e sociedade são mediadas através das suposições de "senso comum" que usam para estruturar /suas experiências em sala de aula. As suposições acerca de aprendizagem. /realização, relações professor-aluno, objetividade, autoridade escolar, etc., ( precisam ser criticamente avaliadas pelos educadores. Capital Cultural

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Assim como um país distribui bens e serviços, o que pode ser chamado de capital material, ele também distribuí e legitima certas formas de conhecimento, práticas de linguagem, valores, estilos, e assim por diante, ou o que pode ser chamado de capital cultural. Basta considerarmos o que é rotulado como conhecimento de status superior nas escolas e universidades e, assim, promove legitimidade a certas formas de conhecimento e práticas sociais. Atualmente, as belas artes, as disciplinas de ciência social e as línguas clássicas não são consideradas tão legítimas quanto os corpos de conhecimento encontrados nas ciências naturais ou naqueles métodos de pesquisa associados com as áreas de administração e negócios. Estas decisões são arbitrárias e se baseiam em certos valores e questões de poder e controle, para não mencionar uma certa visão da natureza da sociedade e do futuro. O conceito de capital cultural também representa certas maneiras de se falar, agir, andar, vestir e socializar que são institucionalizadas pelas escolas. As escolas não são simplesmente locais de instrução, mas também locais onde a cultura da sociedade dominante é aprendida e onde os estudantes experimentam a diferença entre aquelas distinções de status G classe que existem na sociedade mais ampla.

Escolarização Tradicional Ideologia, A ideologia, como uso do termo aqui, é um constructo que se refere às formas nas quais os significados são produzidos, mediados e incorporados em formas de conhecimento, práticas sociais e experiências culturais^Neste caso, a ideologia é um conjunto de doutrinas bem como um meio através do qual os professores e educadores clão sentido a suas próprias experiências e às experiências do mundo em que se encontram. Como ferramenta pedagógica, a ideologia torna-se útil para a compreensão não apenas de como as escolas sustentam e produzem significados, mas também de como os indivíduos e grupos produzem, negociam, modificam ou resistem a eles.

A racionalidade que domina a visão tradicional do ensino e currículo escolar está enraizada na atenção estreita à eficácia, aos comportamentos objetivos e aos princípios de aprendizagem que tratam o conhecimento como algo a ser consumido e as escolas como locais meramente instrucionais, destinados a passar para os estudantes uma "cultura" e conjunto de habilidades comuns que os capacite a operarem com eficiência na sociedade mais ampla. Imersa na lógica da racionalidade, a problemática da teoria curricular e escolarização tradicionais concentra-se em questões referentes à maneira mais completa ou eficiente de se aprender tipos específicos de conhecimento, criar um consenso moral, e oferecer modos de escolarização que reproduzam a sociedade existente. Por exemplo, os educadores tradi-


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cionais podem indagar como a escola deveria esforçar-se por atingir determinada meta predefinida, mas raramente indagam por que tal meta seria benéfica para alguns grupos sócio-econômicos e não para outros, ou por que as escolas, como atualmente organizadas, tendem a bloquear a possibilidade de que classes específicas consigam uma medida de autonomia política e econômica. A ideologia que orienta a atual racionalidade da escola é relativamente conservadora: ela está basicamente preocupada com questões cie como fazer, não questionando as relações entre conhecimento e poder ou entre cultura e política. Em outras palavras, são ignoradas as questões relativas ao papel da escola como agência de reprodução social e cultural em uma sociedade dividida em classes, assim como as questões que JÍuç|3^m~â" base inter-subjetiva do estabelecimento de significado. conhecime,.nto, e o que são consideradas relações sociais legítimas. A questão de como professores, estudantes e representantes da sociedade mais ampla produzem significado tende a ser obscurecida em favor da questão de como os indivíduos podem dominar o significado de outros indivíduos, despolitizancio-se, assim, tanto a noção de cultura escolar como de pedagogia em sala de aula. De meu ponto de vista, esta é uma racionalidade limitada e por vezes prejudicial. Ela ignora os sonhos, histórias e visões que as pessoas trazem para as escolas. Suas principais preocupações são provenientes de uma falsa noção de objetividade e de um discurso que encontra expressão máxima na tentativa de enunciar princípios universais de educação alojados no espírito do instrumentalismo e do individualismo autobeneficente. •

Teorias Alternativas Contra as deficiências teóricas que caracterizam as visões tradicionais do ^ensino e currículo escolar devem ser desenvolvidas^aoyas teorias da prática ..educacional. Tais teorias devem iniciar pelo questionamento contínuo e crítico daquilo que é "dado como garantido" no conhecimento e prática escolar. Além disso, deve-se fazer uma tentativa de analisar as escolas como locais que, embora basicamente reproduzam a sociedade dominante, também contêm a possibilidade de educar os estudantes para torná-los cidadãos ativos e críticos ( e não simplesmente trabalhadores). As escolas devem passar a ser vistas como locais tanto instrucionais como culturais. Um dos elementos teóricos mais importantes para o desenvolvimento de modos críticos de ensino escolar concentra-se em torno cia noção de cultura. As escolas devem ser vistas como instituições marcadas pelo mesmo complexo de culturas que caracterizam a sociedade dominante. As escolas são lugares sociais constituídos por um complexo de culturas dominantes e subordinadas, cada uma delas caracterizada por seu poder em definir e legitimar uma visão específica da realidade. Os professores e aqueles

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interessados em educação devem passar a compreender como a cultura dominante funciona em todos os níveis de ensino escolar para invalidar as experiências culturais das "maiorias excluídas". Isto também significa que professores, pais e outros devem lutar contra a impotência dos estudantes afirmando suas próprias experiências e histórias culturais. Para os professores isso significa examinar seu próprio capital cultural e examinar o modo no qual este beneficia ou prejudica os estudantes. Assim, as questões centrais para construir-se uma pedagogia-crítica são as questões de como ajudamos os estudantes, particularmente aqueles das classes oprimidas, a reconhecerem que a cultura escolar dominante não é neutra e em geral não está a serviço de suas necessidades. Ao mesmo tempo, precisamos indagar como é que a cultura dominante funciona para fazer com que eles, como estudantes, sintam-se impotentes. A resposta para isto encontra-se, em parte revelando-se os mitos, mentiras e injustiças no cerne da cultura escolar dominante, e construindo-se um modo crítico de ensino que empregue, e não exclua, a história e prática crítica. Tal atividade exige uma espécie de diálogo e crítica que desmascare a tentativa da cultura escolar dominante de fugir da história, e que questione as suposições e práticas que informam as experiências vividas na escolarização cotidiana. Os educadores e pais terão que passar a encarar a escola não como neutra nem como objetiva, mas sim como uma construção social que incorpora interesses e suposições particulares. O conhecimento deve ser ligado à questão do poder, o que sugere que educadores e outros devem levantar questões acerca de suas pretensões à verdade, bem como acerca dos interesses que este conhecimento serve. O conhecimento, neste caso, não se torna valioso por ser legitimado por especialistas em currículos. Seu valor está ligado ao poder que possui como modo de análise crítica e de transformação social. O conhecimento torna-se importante na medida em que ajuda os seres humanos a compreenderem não apenas as suposições embutidas em sua forma e conteúdo, mas também os processos através dos quais ele é produzido, apropriado e transformado dentro de ambientes sociais e históricos específicos. Certamente uma visão crítica do conhecimento escolar pareceria diferente da visão tradicional do mesmo. O conhecimento crítico ensinaria estudantes e professores sobre seu statuscomo grupo situado dentro de uma sociedade com relações específicas de dominação e subordinação. O conhecimento crítico ajudaria a elucidar como tais grupos puderam desenvolver uma linguagem e um discurso oriundo de sua própria herança cultural parcialmente distorcida. A pergunta orientadora aqui seria: o que é que esta sociedade fez de mim que eu não quero mais ser? Colocado de outra maneira, um modo crítico de conhecimento elucidaria para professores e estudantes como apropriarem-se dos aspectos mais radicais e afirmativos da cultura dominante e subordinada. Finalmente, tal conhecimento teria que fornecer urna conexão motivacional à própria ação, teria que aliar uma decodificaçao critica


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cia história a uma visão de futuro que não apenas destruísse os mitos da sociedade existente, mas que também atingisse aquelas áreas de desejos e necessidades que escondem o anseio por uma nova sociedade e novas formas de relações sociais, relações livres da patologia do racismo, discriminação sexual e dominação de classes. Os professores e administradores precisam abordar os tópicos relativos às funções mais amplas da escolarização. Tópicos que tratem das questões de poder, filosofia, teoria social e política devem estar abertos para exame. Professores e administradores devem ser vistos como mais do que técnicos. A racionalidade tecnocrática estéril que domina a cultura mais ampla, bem como a educação de professores, dedica pouca atenção a questões teóricas e ideológicas. Os professores são treinados para usarem quarenta e sete modelos diferentes de ensino, administração ou avaliação. Contudo, eles não são ensinados a serem críticos destes modelos. Em resumo, ensina-se a eles uma forma de analfabetismo conceptual e político. Os indivíduos que reduzem o ensino ã implementação cie métodos deveriam ser dissuadidos de entrar na profissão docente. As escolas precisam cie professores com visão de futuro que sejam tanto teóricos como praticantes, que possam combinar teoria, imaginação e técnicas. Além disso, os sistemas escolares públicos deveriam cortar suas relações com instituições de treinamento de professores que simplesmente formam técnicos, estudantes que funcionam menos como estudiosos e mais como funcionários. Esta medida pode parecer drástica, mas é apenas um pequeno antídoto quando comparada com o analfabetismo e incompetência crítica que estes professores com freqüência reproduzem em nossas escolas. Em vez de dominarem e aperfeiçoarem o uso de metodologias, professores e administradores deveriam abordar a educação examinando suas próprias perspectivas sobre a sociedade, as escolas e a emancipação. Em vez de tentar fugir de suas próprias ideologias e valores, os educadores deveriam confrontá-las criticamente de forma a compreender como a sociedade os moldou como indivíduos, no que é que acreditam, e como estruturar mais positivamente os efeitos que têm sobre estudantes e outros. Em outras palavras, os professores e administradores, em particular, devem esforçarse para compreender como as questões de classe, gênero e raça deixaram uma marca sobre sua maneira de pensar e agir. Esta interrogação crítica fornece os fundamentos de uma escola democrática. A democratização da escolarização envolve a necessidade de que os professores formem alianças com outros professores, mas não simplesmente alianças sindicais. As alianças devem desenvolver-se em torno, de novas formas de-rebçôes sociais que incluam tanto o ensino como a organização e admínístatção da política escolar. É importante que os professores rompam a estrutura celular do ensino que atualmente existe na maioria das escolas. Os professores precisam adquirir maior controle sobre o desenvolvimento de materiais curriculares; eles precisam ter mais controle sobre como estes materiais pode-

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riam ser ensinados e avaliados, e como alianças em torno cie questões curriculares poderiam ser estabelecidas com membros da comunidade mais amoh As atuais estruturas da maior parte das escolas isolam os professore^ e eliminam as possibilidades de uma tomada de decisões democrática e de relações sociais positivas. As relações entre os administradores escolares e o corpo docente com freqüência representam os aspectos mais prejudiciais da divisão do trabalho, a divisão entre concepção e execução. Tal modelo administrativo é aviltante para professores e também alunos. Se quisermos levar a questão da escolarização a sério, as escolas devem ser o lugar oncle relações sociais democráticas tornem-se parte cie nossas experiências vividas. Finalmente, qualquer forma viável de escolarização precisa ser informada por uma paixão e fé na necessidade de lutar no interesse de criar-se um mundo melhor. Estas palavras podem parecer estranhas em uma sociedade que elevou a noção de interesse próprio ao statusde lei universal. E, no entanto, nossa própria sobrevivência depende do grau no qual os princípios de comunidade, esforço humano e justiça social dirigidos à melhoria dos privilégios de todos os grupos finalmente prevaleçam. As escolas públicas precisam ser organizadas em torno de uma visão que aprecie não o que é, mas o que poderia ser, uma visão que olhe para o futuro além do imediato, e uma visão que alie a luta a um novo conjunto de possibilidades humanas. Este é um apelo por instituições públicas que afirmem nossa fé na possibilidade de que pessoas como professores e administradores corram riscos e empenhem-se para enriquecer a vida. Devemos enaltecer o impulso crítico e revelar a distinção entre a realidade e as condições que escondem a realidade. Esta é a tarefa que todos os educadores devem enfrentar, e tenho certeza que ela não será cumprida organizando-se as escolas em torno das metas de aumentar as notas em leitura e matemática, ou, no que diz respeito a isso, melhorar os escores SAT dos estudantes. Estas não são questões menos importantes, mas nossa principal preocupação é abordar a questão educacional do que significa ensinar os estudantes a pensarem criticamente, a aprenderem como afirmar suas próprias experiências, e compreenderem a necessidade cie lutar individual e coletivamente por uma sociedade mais justa.

aptidão padronizado para admissão à faculdade, consistindo de ^^^^^^., M ~~ verbais e matemáticas que são classificadas em uma escala de 200 a 800 (The Ranclom House Compita Unabrídged Dictionary, Special 2nd Edition, New York: Random House, Inc, 1996)


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<io Currículo HENRYA. GIROUX

sociólogo inglês Anthony Giddens uma vez afirmou que aqueles que estão esperando por um Newton das ciências sociais "não estão apenas esperando por um trem que não virá, como também estão na estação completamente errada".1 A afirmação de Giddens poderia muito bem ter preparado o palco para um dos debates mais interessantes e urgentes agora em andamento na área curricular nos Estados Unidos. No centro deste debate está a questão de se a área curricular pode continuar a se padronizar segundo o modelo das ciências naturais. Não se trata simplesmente de que esta área sofre de erros conceptuais graves relativos a seu modo de raciocínio e metodologia. O que está em jogo é mais do que um problema conceptual. A questão real gira em torno de se o campo está moribundo, tanto política como eticamente. Será que a área curricular encontra-se em um estado de paralisia, incapaz de desenvolver intenções emancipadoras ou novas possibilidades curriculares?2 Este tipo de debate não é novo. Questões concernentes ao papel desempenhado pelas escolas e pelo currículo na reprodução dos valores e atitudes necessários para a manutenção da sociedade dominante foram levantadas por educadores desde a virada do século. O que é novo e o escopo, bem como a natureza, de algumas questões que estão sendo levantadas. Isto não deveria sugerir que uma nova escola ou paradigma tenha aparecido nesta área. Tal suposição seria tanto enganosa como imprecisa. Seria enganosa porque aqueles que formam o que chamarei de nova sociologia do movimento curricular representam muitas linhas e tradições criticas. Seria impreciso chamar este movimento de paradigma porque isso

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simplificaria em demasia o parentesco e grau de comprometimento cie seus diversos membros com uma nova visão cie mundo, a qual aborde um conjunto unificador de suposições e orientações para o desenvolvimento da teoria e prática curricular. Embora tal paradigma não exista no momento atual, os fundamentos para um paradigma deste tipo podem ser reconhecidos em algumas das amplas preocupações e questões relacionadas expressas pelas diversas tradições críticas díspares em emergência.3 O único tema que liga todas estas tradições críticas é sua oposição ao que poderia ser chamado de racionalidade tecnocrática que orienta a teoria e projeto curricular tradicional. Esta forma de racionalidade tem dominado o campo curricular desde sua introdução, e pode ser encontrada de formas variadas no trabalho de Tyler, Taba, Saylor e Alexander e Beauchamp, entre outros. William F. Pinar alega que entre 85 e 95 por cento daqueles que trabalham na área curricular compartilham de uma perspectiva vinculada ou intimamente relacionada com a racionalidade tecnocrática dominante.' Herbert Kliebard alegou ainda que esta forma de racionalidade se desenvolveu de maneira paralela ao movimento de administração científica dos anos 20, e que os primeiros fundadores do movimento curricular, tais como Bobbitt e Charters, adotaram entusiasticamente os princípios da administração científica.5 A escola como metáfora da fábrica tem uma história longa e abrangente no campo curricular. Conseqüentemente, os modos de raciocínio, investigação, e pesquisa característicos do campo têm sido modelados segundo suposições extraídas de um modelo de ciência e relações sociais intimamente ligado aos princípios da previsão e controle. Os críticos da nova sociologia do currículo vêem sua tarefa como mais do que uma tentativa de "esclarecer o que poderia ser chamado de uma confusão conceptual. Em primeiro lugar, os conceitos que subjazem o paradigma curricular tradicional servem como guias de ação. Em segundo lugar, estes conceitos estão inextrincavelmente ligados a julgamentos de valor acerca dos padrões de moralidade e questões referentes à natureza da liberdade e do controle. .Mais especificamente, estas suposições não apenas representam um conjunto de idéias que os educadores usam para estruturar sua visão de currículo; elas também representam um conjunto de práticas materiais embutidas em rituais e rotinas consideradas como fatos necessários e naturais. Assim, elas se tornaram formas de história objetivada, suposições de senso comum que foram isoladas do contexto cultural a partir do qual se desenvolveram.6 A nova sociologia do currículo vê as suposições básicas embutidas no paradigma do currículo tradicional como base para uma análise crítica e como uma situação limite a ser superada no desenvolvimento de novas orientações e maneiras de se falar sobre currículo. Conseqüentemente, é importante que especifiquemos que suposições são estas: (a) a teoria cio campo curricular deveria operar no interesse cie proposições semelhantes a leis que sejam empiricamente testáveis; (b) as ciências naturais fornecem o

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modelo

"adequado" cie explicação cios conceitos e técnicas da teoria, projeto e avaliação curricular; (c) o conhecimento deveria ser objetivo e'capaz de ser investigado e descrito de maneira neutra; (et) considerações de valor devem ser separadas cios "fatos" e "modos de investigação" que podem e devem ser objetivos. Em sentido geral, o modelo tecnocrático de currículo tem sido criticado tanto por suas afirmações de posse da verdade como pelas suposições implícitas nos tipos de questões que ignora. Em relação a suas pretensões à verdade, os críticos argumentam que o modelo tradicional apóia-se em uma série de suposições inválidas quanto à natureza e papel cia teoria, conhecimento e ciência. Além disso, estas suposições resultaram em formas truncadas de pesquisa que ignoram questões fundamentais referentes à relação mais ampla entre ideologia e conhecimento escolar, bem como entre significado e controle social.7

Deficiências do Os novos críticos alegam que a teoria no modelo curricular dominante é completamente ignorada ou excessivamente instrumentalizada. Em outras palavras, a teoria é importante na medida em que pode ser rigorosamente formulada e empiricamente testada. Seu principal propósito neste modelo é de natureza tecnocrática: revelar proposições semelhantes a leis acerca cia organização, implementação e avaliação curricular que possam ser factualmente provadas ou refutadas. A teoria, assim, é reduzida a uma estrutura explicativa empírica de engenharia social. A partir desta perspectiva crítica, a teoria parece incapaz de libertar-se de sua camisa de força empírica a fim de levantar questões acerca da natureza da verdade, da diferença entre aparência e realidade, ou da distinção entre conhecimento e mera opinião. Ainda mais importante, a teoria no paradigma curricular dominante parece incapaz de fornecer uma base racional para criticar os "fatos" de determinada sociedade. A teoria, neste caso, não apenas ignora sua função ética, "mas também está destituída de sua função política.8 --" O conhecimento no modelo curricular dominante é tratado basicamente como um domínio cios fatos objetivos. Isto é, o conhecimento parece objetivo no sentido de ser externo ao indivíduo e de ser imposto ao mesmo. Como algo externo, o conhecimento é divorciado do significado humano e da troca inter-subjetiva. Ele não é mais visto como algo a ser questionado, analisado e negociado. Em vez disso, ele se torna algo a ser administrado e dominado. Neste caso, o conhecimento é separado cio processo de geração de nosso próprio conjunto de significados, um processo que envolve^uma relação interpretativa entre conhecedor e conhecido. Uma vez perdida a dimensão subjetiva do saber, o propósito do conhecimento torna-se a acumulação e a categorização. Perguntas do tipo. "Eor.-que este .conhecimento^.


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são substituídas por perguntas técnicas como "Qual é a melhor maneira cie se aprender este dado corpo cie conhecimento?" Dentro do contexto desta definição de conhecimento, desenvolvem-se modelos curriculares que enfatizam a "especificidade da missão", "variáveis de tempo na tarefa", e "retorno obtido para realização de ajustes".9 Esta visão de conhecimento geralmente é acompanhada de relações sociais hierarquizadas em sala de aula conducentes a comunicados, e não comunicação.10 O controle, e não a aprendizagem, parece ter alta prioridade no modelo curricular tradicional. O que se perde aqui é a noção de que o conhecimento não é simplesmente "sobre" uma realidade externa; ele é sobretudo auto-conhecimento orientado em direção à compreensão crítica e emancipação. Uma força central no modelo curricular tradicional é sua pretensão de objetividade. Objetividade neste caso refere-se a formas de conhecimento e investigação metodológica que estejam fora de contato com o mundo desorganizado das crenças e valores. Embora a separação do conhecimento e pesquisa de asserções de valor possa parecer admirável para alguns, ela mais esconde do que revela. É evidente que isso não significa sugerir que o questionamento das pretensões de neutralidade de valor dos principais teóricos curriculares seja equivalente a apoiar o uso de parcialidade, preconceito e superstição na investigação pedagógica. Em vez disso, sustenta-se a noção de que a objetividade se baseia no uso de critérios normativos estabelecidos pela comunidade de estudiosos e profissionais intelectuais em qualquer campo determinado. A investigação e pesquisa intelectuais livres de valores e normas são impossíveis de serem realizadas. Separar valores de fatos ou investigação social de considerações éticas não tem sentido. Como assinala Howard Zinn, é como tentar desenhar um mapa que ilustre todos os detalhes de um certo terreno.11 Mas não se trata apenas de uma simples questão de erro intelectual; é também uma falha ética. A noção de que a teoria, os fatos e a pesquisa podem ser objetivamente determinados é vítima de um conjunto de valores que são tanto conservadores como mistificadores em sua orientação política. Como têm assinalado críticos como Paulo Freire, as escolas não existem em perfeito isolamento do resto da sociedade. Elas incorporam atitudes coletivas que permeiam todos os aspectos de sua organização.12 Em essência, elas não são coisas, mas manifestações concretas de regras específicas e relacionamentos sociais. A natureza de sua organização é baseada em valores. De forma semelhante, a organização, implementação e avaliação curricular sempre representam padrões de julgamento acerca da natureza do conhecimento, relacionamentos sociais em sala de aula e distribuição de poder. Ignorar isso é perder de vista as origens e conseqüências do sistema de crenças que orienta nosso comportamento no ambiente escolar. O currículo tradicional representa um forte comprometimento com uma visão de racionalidade que é a-histórica, orientada por consenso e politica-

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ente conservadora. Ela favorece uma visão passiva dos estudantes e pare°e incapaz de examinar as pressuposições ideológicas que a prendem a um C odo operacional estreito de raciocínio. Sua visão de ciência ignora os "lernentos de competição e estruturas de referência dentro da própria comunidade científica.13 Além disso, ela termina substituindo a investigação científica crítica por uma forma limitada de metodologia científica baseada na previsão e no controle. Em vez de promover uma reflexão crítica e compreensão humana, o modelo curricular dominante enfatiza a lógica da probabilidade como principal definição da verdade e do significado. Os conceitos que caracterizam este modelo parecem não apenas pouco críticos; eles são como cheques em branco que apoiam o status quo. Um exemplo disso pode ser encontrado na influência poderosa cios psicólogos da aprendizagem no campo da educação, com seus estudos infindáveis sobre "desempenho e interação entre estudantes e professores"." Alguns críticos vêem isso como uma forte medida de conservadorismo político que domina o campo curricular. A perspectiva da psicologia da aprendizagem não examina a maneira como as escolas legitimam certas formas de conhecimento e interesses culturais.15 O

A nova sociologia do currículo apresentou um sério questionamento a muitas das crenças e suposições profundamente arraigadas que caracterizam o currículo tradicional. Longe de ser uniforme, este questionamento tem suas raízes em filosofias continentais tão diversas quanto o existencialismo, a psicanálise, o marxismo e a fenomenologia. A nova sociologia do currículo usa uma linguagem que pode parecer estranha quando comparada com a linguagem de insumo-produção do modelo curricular tradicional. Esta nova linguagem pode ser difícil, porém é necessária, porque permite que seus usuários desenvolvam novos tipos de relacionamentos no campo curricular e levantem diferentes tipos de questões. Este ponto é indiscutível. Sem dúvida seria espúrio desconsiderar estes críticos por utilizarem formas de linguagem que poderiam parecer estranhas, e alguns de seus detratores não fizeram mais do que isso. Contudo, o ponto de real interesse deveria ser se a linguagem e os conceitos utilizados estão levantando questões e tópicos profundamente importantes sobre o campo curricular em si. Embora não seja possível apresentar as várias facções e questões que constituem a nova sociologia do movimento curricular, o núcleo de algumas das idéias mais gerais que permeiam esta perspectiva pode ser rapidamente analisado. O grupo cia nova sociologia curricular argumenta vigorosamente as escolas são parte de um processo social mais amplo e que elíis_ devem ser julgadas dentro de uma estrutura sócio-econômica específica. Além disso, o


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próprio currículo é visto como uma seleção de uma cultura mais ampla. A partir desta perspectiva, os novos críticos argumentam a favor de uma reavaliação completa do relacionamento entre currículo, escolas e sociedade Esta reavaliação concentra-se em dois grandes inter-relacionamentos. Por um lado, o foco é o relacionamento entre as escolas e a sociedade dominante. O foco aqui é basicamente político e ideológico, e tem por ênfase destacar como as escolas funcionam para reproduzir, tanto no currículo formal quanto no currículo oculto, as crenças culturais e relacionamentos econômicos que sustentam a ordem social mais ampla. Por outro lado, o foco é sobre como a própria textura dos relacionamentos cotidianos em sala de aula geram diferentes significados, restrições, valores culturais e relacionamentos sociais. Subjacente a estas duas preocupações está um interesse profundamente arraigado no relacionamento entre significado e controle social. Alguns destes críticos têm se preocupado particularmente acerca de como se constrói e se atua sobre o significado nas escolas. Eles sustentam a visão de que a construção social dos princípios que governam a operação do projeto, pesquisa e avaliação curricular é muitas vezes ignorada pelos especialistas em currículo e professores escolares. Uma conseqüência disso é que muitos educadores com freqüência operam a partir de suposições de senso comum que deixam de levantar questões fundamentais sobre como os professores percebem seus alunos e experiências em sala de aula. Também se ignora questões sobre como os alunos percebem e geram significado em sala de aula; de forma semelhante, questões referentes a como materiais didáticos particulares rnedeiam os significados entre professores e estudantes, escolas e a sociedade mais ampla ficam sem questionamento. Dentro desta visão limitada do significado, os preconceitos e mitos sociais são relegados ao domínio dos hábitos inquestionáveis da mente e da experiência. Dado este modo de comportamento, existe pouco espaço para que os estudantes gerem seus próprios significados, atuem sobre suas próprias vivências, ou desenvolvam uma atenção ao pensamento crítico. Argumenta-se que a aprendizagem nestas circunstâncias degenera num eufemismo de um modo de controle que mais impõe do que cultiva significado. Este é um ponto crucial. Quando os professores não equacionam suas próprias concepções básicas a respeito do currículo e da pedagogia, eles fazem mais do que transmitir atitudes, normas e crenças sem questionamento. Eles inconscientemente podem acabar endossando formas de desenvolvimento cognitivo que mais reforçam do que questionam as formas existentes de opressão institucional. Definições comumente aceitas sobre trabalho, jogo, realização, inteligência, perícia, fracasso e aprendizagem são categorias socialmente construídas que levam consigo o peso de interesses e normas específicas. Ignorar esta importante noção é abrir mão da possibilidade de que estudantes e também professores moldem a realidade com uma ima-

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aem diferente daquela que é socialmente prescrita e institucionalmente legitimada. O fracasso dos profissionais curriculares em reconhecer que existem interesses fundamentais do conhecimento além da previsão controle e eficiência não é apenas uma questão de mal-entendido, mas uma falha ética e política grave. Críticos como Michael Apple foram muito além da ênfase na necessidade de um modelo curricular que gere compreensão interpretativa e aprendizagem propositada. Estes críticos levaram o debate sobre o currículo para um outro nível de questionamento ao demandarem uma nova visão de currículo, a qual o define como um estudo na ideologia.16 Nesta visão, as questões referentes à produção, distribuição e avaliação do conhecimento estão diretamente relacionadas com as questões de controle e dominação na sociedade mais ampla. Isto pode ser melhor compreendido examinando-se alguns dos tipos de perguntas que serviriam de base para ver o currículo desta perspectiva. Estas questões incluiriam:

1. O que conta como conhecimento curricular? 2. Como tal conhecimento é produzido? 3. Como tal conhecimento é transmitido em sala de aula? 4. Que tipos de relacionamentos sociais em sala de aula servem para espelhar e reproduzir os valores e normas incorporados nas relações sociais aceitas de outros lugares sociais dominantes? 5. Quem tem acesso a formas legítimas de conhecimento? 6. Aos interesses de quem este conhecimento está a serviço? 7. Como são mediadas as contradições e tensões políticas e sociais através de formas aceitáveis de conhecimento escolar e relacionamentos sociais? 8. Como os métodos de avaliação predominantes servem para legitimar as formas de conhecimento existentes? No cerne destas perguntas está o reconhecimento de que o poder, o conhecimento, a ideologia e a escolarização estão relacionados em padrões de complexidade em constante transformação. O vínculo que dá forma a estes inter-relacionamentos é de natureza social e política, sendo tanto produto como processo da história. Em termos mais concretos, os teóricos, professores e igualmente estudantes incorporam certas crenças e práticas que influenciam fortemente a maneira como percebem e estruturam suas experiências educacionais. Estas crenças e rotinas são de natureza histórica e social; além disso, elas podem ser objeto de auto-reflexão, ou podem existir despercebidas pelo indivíduo que influenciam. Neste último caso, elas servem mais para dominar do que servir o indivíduo em questão. Esta abordagem exige formas cie currículo que aprofundem a consideração de que o conhecimento é uma construção social. Ela também enfatiza a necessidade de examinar-se a constelação de interesses econômicos, pó-


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líticos e sociais que as diferentes formas de conhecimento podem refletir Colocado de outra maneira, os modelos curriculares devem desenvolver formas de compreensão que relacionem as explicações dos significados sociais a parâmetros sociais mais17amplos a fim de que sejam capazes de julgar suas pretensões à verdade. o Futuro Se um dos propósitos do currículo 6 gerar possibilidades de emancipação, teremos que desenvolver uma nova linguagem e novas formas de racionalidade para realizar tal tarefa. A situação de nossa era não é diferente da situação enfrentada atualmente pelo campo curricular. E esta situação é tão envolvente quanto radical: construir as condições que permitam que a humanidade busque sua auto-compreensão e significado. A nova sociologia do movimento curricular nos fornece diversas possibilidades para o desenvolvimento de formas mais flexíveis e humanas de currículo. Devemos desenvolver uma espécie de currículo que cultive o discurso teórico crítico sobre a qualidade e propósito da escolarização e da vida humana. Precisamos desenvolver perspectivas mais amplas que mais enriqueçam do que dominem o campo. A teoria curricular crítica deve ser situacional. Ela deve analisar as várias dimensões da pedagogia como parte das conjunturas históricas e culturais nas quais elas ocorrem. E ela deve fazer isso com os instrumentos que são criados a partir de uma variedade de disciplinas. Isto não quer dizer que devemos nos tornar cientistas políticos ou sociólogos a fim de estudar o currículo. Não se trata disso, e seria inapropriado proceder deste modo. Nosso centro de gravidade é o currículo, mas precisamos enriquecer nosso foco através da utilização dos conceitos e instrumentos que as outras disciplinas nos oferecem. Os fundamentos de uma nova espécie de currículo devem ser tão profundamente históricos quanto críticos. Na verdade, a sensibilidade crítica deve ser vista como uma extensão da consciência histórica. A gênese, desenvolvimento e desdobramento de idéias, relacionamentos sociais e modos de investigação e avaliação devem ser vistos como parte de um desenvolvimento em curso de condições de formações sociais complexas e historicamente ligadas. A nova espécie cie currículo deve ser profundamente pessoal, mas somente no sentido de que reconheça a singularidade e necessidades individuais como parte de uma realidade social específica. Não devemos confundir auto-indulgência com pedagogia crítica. As necessidades sociais e individuais devem ser relacionadas e mediadas através de uma perspectiva aliada a noções de emancipação. Os modelos curriculares devem dirigir-se às experiências pessoais concretas de grupos e populações culturais espe-

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-ficas. Os educadores curriculares devem ser capazes de reconhecer a rele"ncia e importância da aceitação e utilização cie múltiplas linguagens e Trmas de capital cultural (sistemas de significados, gostos, maneiras de ver inundo, estilo, e assim por diante). Ao mesmo tempo, os educadores devem reconhecer que o apelo por pluralismo cultural é vazio a menos que reconheça que o relacionamento entre diferentes grupos culturais é nediado através do sistema cultural dominante. Assim, nossa tarefa é desvendar estes relacionamentos em diferentes grupos culturais para emancipálos dos tipos impostos de definições e do sofrimento emocional pelos quais têm passado as minorias de classe e cor neste país. Uma nova espécie de currículo deve abandonar sua pretensão de ser livre de valores. Reconhecer que as escolhas que fazemos com respeito a todas as facetas do currículo e pedagogia são carregadas de valor significa -"nos libertarmos de impor nossos próprios valores aos outros. Admitir isto significa que podemos partir da noção de que a realidade nunca deveria ser tomada como dada, mas que, em vez disso, deve ser questionada e analisada. Em outras palavras, o conhecimento deve ser problematizado e situado em relacionamentos sociais escolares que permitam o debate e a comunicação. Finalmente, uma nova espécie de racionalidade curricular terá que subordinar os interesses técnicos às considerações éticas. As questões dos meios devem estar subordinadas às questões que abordem as conseqüências éticas de nossas buscas. Embora estas sugestões representem um amplo apanhado teórico, elas certamente nos dão um ponto de partida para o desenvolvimento de novas espécies de investigação curricular. Além disso, as tradições um tanto díspares da nova sociologia do currículo têm ajudado a traduzir alguns dos tópicos mais abstratos em torno do propósito e significado da escolarização em problemas curriculares concretos e vias para estudos e pesquisas adicionais. Eu comecei este capítulo assinalando que o modelo de currículo tradicional estava moribundo, política e eticamente. Desejo retornar àquela afirmação para esclarecê-la, por receio de que seja confundida com um otimismo injustificável. O paradigma curricular tecnocrático dominante pode estar envelhecendo, mas está longe de ser uma relíquia do passado. A luta para substituí-lo por princípios e suposições em concordância com a visão da nova sociologia do movimento curricular será, sem dúvida, difícil. Mas uma coisa é certa. A luta por uma nova espécie de racionalidade curricular n ão pode ser abordada como uma tarefa simplesmente técnica. Ela deve ser vista como uma luta social profundamente comprometida com o que Herbert Marcuse adequadamente chamou de "a emancipação da sensibilidade,18razão e imaginação em todas as esferas da subjetividade e objetividade". A n _pva sociologia do currículo tem ajudado a tornar esta luta um pouco mais fácil. O resto cabe a nós. C


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Notas 1 Quentin Skinner. "The Flíght from Positivism" Neiv York Reuiew of Books 25 (June 15, 1976): 26. 2 As intenções emancipadoras neste caso podem ser compreendidas como um paradigma que combina teoria e prática no interesse de libertar os indivíduos e grupos sociais das condições subjetivas e objetivas que os ligam às forças de exploração e opressão. Isto sugere uma teoria crítica que promova auto-reflexão dirigida ao desmantelamento de formas de falsa consciência e relações sociais ideologicamente congeladas, todas as quais geralmente aparecem na forma cie leis universais. Assim, a emancipação tornaria o pensamento crítico e ação política complementares. Isto sugere um processo de aprendizagem no qual o pensamento e a ação seriam mediados por dimensões cognitivas, afetivas e morais específicas. 3. Coletâneas recentes de escritos sobre o movimento podem ser encontradas em : William F. Pinar, editor. Currículum Theorízing: The Reconceptualists (Berkeley, Calif.: McCutchan Publishing, 1975); James Macdonald e Esther Zaret, ecl, Schools in Search ofMeaning (Washington, D.C.: ASCD, 1975). O melhor livro no assunto publicado neste país é Apple, Ideology and Currículum. A influência continental pode ser encontrada em Jerome Karabel e A.H. Hasley, ed., Power and Ideology in Education (New York: Oxford University Press, 1977). 4. William F. Pinar, "Notes on the Curriculum Field 1978", Educational Researcherl (Setembro 1978): 5-11. 5. Herbert M. Kliebard, "Bureaucracy and Curriculum Theory", Currículum Theorízing, pp. 51-69. 6. Young, Knowledge and Control. l. Michael W. Apple e Nancy Kíng, "What Do Schools Teach?" Humanistic Education, Rícharcl Weller, ed., (Berkeley, Calif.: McCutchan Publishing, 1977), p. 36. Ver também Hemy A. Giroux e Anthony N. Penna, "Educação Social em Sala de Aula: A Dinâmica do Currículo Oculto", neste volume. 8. Isto não deveria sugerir que a nova sociologia do currículo apoie a separação da teoria do trabalho empírico ou rejeite totalmente as investigações empíricas. Tal caracterização é grosseira e vulgar. A teoria como está sendo descrita neste capítulo tem como centro de gravidade seu potencial social de compreensão da natureza da verdade e significado da vida. Ela está ligada a interesses específicos e situa suas suposições e modos de investigação tanto na compreensão quanto na determinação de fins. O que a nova sociologia do currículo rejeita é o empirismo, isto é, o uso da teoria para defender a metodologia científica como definição última de significado e verdade. O empirismo é teoria reduzida à instrumentalíclade de descobrir meios para fins que não são questionados. Ele é culpado de ideologia no sentido de que é incapaz de identificar sua própria base normativa ou os interesses aos quais serve. Verjürgen Habermas, Towardz RationalSociety (Rumo à uma Sociedade Racional) (Boston: Beacon Press, 1970). 9. Fenwick W. English, "Management Practice as a Key to Curriculum Leaclership", Educational Leadership 36(6): 408 - 13; Março, 1979. Uma resposta aprofundada à ideologia inerente ao modelo inglês pode ser encontrada em Henry A. Giroux, "Schooling and the Culture of Positivism", 1981, e em Ideology, Culture and the Process of Schooling (Philadelphia: TempkUniversity Press, 1981), pp. 37-62.

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Paulo Freire, Pedagogy of the Opressed (Pedagogia cio Oprimido) (New York:Seabury 10 press.. 1973). ,ward Zinn, The Politics ofHístory (Boston: Beacon Press, 1970), pp. 10-11. 11. Ho j 2 Freire. Pedagogy ofthe Opressed. - Thomas Kuhn, The structure ofScientific Revolutíons (A Estrutura das Revoluções CienT -as) 2'1 ecl- (Chicago: University of Chicago Press, 1970). •' Thomas Popkewítz, "Educational Research: Values encl Vísions of Social Order", Theory na Research in Social Education 6 (Dec. 1978): 19 -39. 15 Karabel e Halsey, Power and Ideology, pp. 1-85. •\( \pple Ideology and Curriculum; Henry A. Giroux, "Beyond the Limits of Radical Educational Reform: Toward a Crítica Theoiy of Education", Journal ofCuriiciílum Theorízing •>(!> Inverno 1980, pp. 20-46. in press; Henry A. Giroux , "Paulo Freire's approach to Radical Educational Reform", Currículum ínquiry 9(3): (Outono 1979), pp. 257 -72. 17 Rachel Sharp and Anthony Greene, Education and Social Control: A Study in Progressive Prímary Education (Boston and London: Routledge and Kegan Paul, 1975). 18 Herbert Marcuse, The Aesthetic Dimension (Boston: Beacon Press, 1978), p. 9.


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em

de Aula: A Currículo Oculto

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HENRY A. GIROUX E ANTHONY N. PENNA

crença de que a escolarização possa ser definida como a soma dos cursos oficiais oferecidos é ingênua. Contudo, esta é a crença implícita que serviu como tema do movimento de reforma no desenvolvimento curricular em estudos sociais dos anos 60 e início dos anos 70. Seus representantes acreditavam que. se mudassem o currículo das escolas do país, os problemas destas estariam remediados.1 No entanto, nos últimos anos, surgiram numerosas razões para se explicar a aparente incapacidade do movimento de reforma de penetrar nos padrões tradicionais de ensino nas escolas. A preparação inadequada dos professores e materiais curriculares que superestimavam a capacidade dos estudantes representam as explicações mais familiares, embora acrílicas, oferecidas pelos educadores. Agora, alguns deles dão apoio irrestrito ao movimento de retorno aos fundamentos na educação em estudos sociais, supondo mais uma vez que novos materiais curriculares trarão a resposta à pergunta de como efetuar mudanças nesta área. Eles argumentam que atentando-se para as necessidades e capacidades cognitivas dos estudantes estarão superadas as deficiências do recente movimento de reforma.2 Infelizmente, tais recomendações baseiam-se muito em modelos educacionais funcionais e estruturais da teoria curricular3 que falham em perceber a finalidade da educação social além de seus resultados ínstrudonais e xplícitos limitados. Além disso, há o fracasso em reconhecer o relacionaíntimo e complexo entre a instituição da escola e as instituições

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econômicas e políticas do país. Uma vez reconhecida a relação entre a escolarização e a sociedade mais ampla, questões acerca da natureza e significado da experiência da escolarização podem ser vistas a partir cie uma perspectiva teórica capaz de elucidar o relacionamento muitas vezes ignorado entre conhecimento escolar e controle social. Ao ver as escolas dentro do contexto social mais amplo, os proponentes dos estudos sociais poderão começar a focalizar o ensino tácito que ocorre nas mesmas e a desvelar as mensagens ideológicas embutidas tanto no conteúdo do currículo formal quanto nas relações sociais do encontro em sala de aula. Apenas recentemente é que alguns educadores começaram a levantar questões que apontam para a necessidade de um estudo completo das interconexões entre ideologia, instrução e currículo.' Por exemplo, Michael Apple argumenta que precisamos examinar criticamente não apenas "como um estudante adquire maior conhecimento" (questão dominante em nosso campo preocupado com a eficiência), mas "por que e como aspectos particulares da cultura coletiva são apresentados na escola como conhecimento factual e objetivo". De que maneira concreta o conhecimento oficial pode representar configurações ideológicas dos interesses dominantes em uma sociedade? Como é que as escolas legitimam estes padrões limitados e parciais cio saber como verdades inquestionáveis? Estas perguntas devem ser feitas em pelo menos três áreas da vida escolar: (1) como as regularidades básicas do cotidiano das escolas contribuem para que estudantes aprendam estas ideologias: (2) de que maneira formas específicas de conhecimento curricular refletem estas configurações; e (3) como estas ideologias se refletem na perspectiva fundamental que os próprios educadores empregam para ordenar, orientar e atribuir significado a sua própria atividade.'

Caso educadores como Apple, Bourdieu, e Bernstein estejam certos, e assim acreditamos, então os proponentes de estudos sociais terão que construir seus modelos pedagógicos sobre uma estrutura teórica que situe as escolas em um contexto sócio-político. Como tal, a principal asserção deste capítulo é que os proponentes de estudos sociais terão que entender a escola como um agente de socialização^ Além disso, terão que identificar aquelas propriedades estruturais no cerne do processo da escolarização que o ligam a propriedades comparáveis no local de trabalho e outras esferas sócio-políticas. Em suma, eles terão que abordai1 sua tarefa de maneira mais sistemática do que da maneira tradicional fragmentada, na qual supõe-se erroneamente que a escola pode se tornar um veículo para ajudar cada estudante a desenvolver todo o seu potencial como pensador crítico e participante responsável no processo democrático simplesmente alterandose o conteúdo e a metodologia do currículo oficial em estudos sociais. Acreditamos que as duas principais tarefas dos educadores de estudos sociais são identificar os processos sociais que operam contra a finalidade política e ética da escolarização em uma sociedade democrática, e construir novos elementos que forneçam as bases para novos programas em estudos sociais. Inicialmente, os proponentes terão que compreender as contradi-

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ões entre o ç jnstrução

currículo oficial, isto é, as metas cognitivas e afetivas explícitas formal, e o "currículo oculto"." - as normas, valores e crenças -lo declaradas que são transmitidas aos estudantes através da estrutura 'bjacente do significado e no conteúdo formal das relações sociais da ^scola e na vida em sala de aula.' Além disso, terão que reconhecer a função do currículo oculto e sua capacidade de solapar as metas da educaç ã o social. . . . . . Os proponentes dos estudos sociais terão que voltar sua atenção de uma visão técnica e não histórica da escolarização para uma perspectiva sócio-política que focalize o relacionamento entre escolarização e a idéia de justiça. As metas da educação social devem ser redefinidas e compreendidas como uma extensão da ética direcionada"a--iarena da excelência e responsabilidade na qual, através da ação conjunta, Homens (e mulheres) possam tornar-se verdadeiramente livres".8 Assim, os proponentes dos estudos sociais terão que dar novas respostas à pergunta: "O que se aprende na escola?" Felizmente, alguns educadores provenientes de diversas tradições teóricas já assumiram o desafio.

Tradições na Teoria Educacional Três diferentes tradições na teoria educacional ajudaram a elucidar o papel de socialização das escolas e o significado e estrutura do currículo oculto. São elas: (1) uma visão estrutural e funcional da escolarização; (2) uma visão fenomenológica característica da nova sociologia da educação: e (3) uma visão crítica radical, freqüentemente associada com a análise neomarxista da teoria e prática educacional. Cada uma destas visões compartilha de forma distinta das diferentes suposições relativas ao significado do conhecimento, relacionamentos sociais em sala de aula e natureza política e cultural da escolarização. Embora tenhamos baseado nossa análise do currículo oculto em suposições e idéias oriundas de todas as três tradições, acreditamos que as abordagens estruturais-funcionais e fenomenoíógicas sofrem de graves deficiências. Parece-nos que o posicionamento neomarxista oferece o modelo mais abrangente e aprofundado para uma abordagem mais progressista à compreensão da natureza da escolarização e desenvolvimento de um programa de emancipação para a educação social. Antes de <íxurninarmos as contribuições específicas destas três tradições à noção de currículo oculto e ao papel de socialização das escolas, daremos uma descrição geral de algumas de suas suposições básicas. A abordagem estrutural-funcional tem como um de seus principais mteresses a maneira como normas e valores sociais são transmitidos no contexto das escolas. Calcada principalmente em um modelo sociológico Positivista, esta abordagem destacou como as escolas socializam os estudantes


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para aceitarem inquestionavelmente um conjunto de crenças, regras e disposições fundamentais para o funcionamento da sociedade mais ampla. Segundo os funcionalistas estruturais, a escola fornece um serviço valioso ao treinar os estudantes para sustentarem compromissos e aprenderem as habilidades exigidas pela sociedade.9 O valor desta abordagem é triplo: (1) ela deixa claro que as escolas não existem em total isolamento, à parte dos interesses da sociedade rnais ampla; (2) ela especifica as normas e propriedades específicas do currículo oculto; e (3) ela levanta questões acerca do caráter especificamente histórico do significado e do controle social nas escolas.10 Embora traga esclarecimentos em muitos aspectos, o modelo estrutural-funcional sofre de diversas deficiências teóricas que caracterizam suas suposições básicas. Rejeitando a noção de que o crescimento se desenvolve a partir do conflito, ele enfatiza mais o consenso e a estabilidade do que o movimento. Como resultado, ele minimiza as noções de conflito social e interesses socio-econômicos competidores. Além disso, ele representa uma postura apolítica que não vê como problemáticas as crenças, valores e organização estrutural socio-econômica características da sociedade americana.11 Conseqüentemente, a posição estrutural-funcionalista define os estudantes em termos behavioristas reducionistas como produtos da socialização. ,.Ao definir os estudantes como receptores passivos, o conflito é explicado principalmente em função de socialização deficiente, cujas causas geralmente situam-se em instituições fora da sala de aula ou da escola, ou então no indivíduo caracterizado como desviado. A escola, assim, parece existir tranqüilamente além dos imperativos e influências de classe e poder. De forma semelhante, o conhecimento é apreciado por seu valor instrumental no mercado. Finalmente, no modelo estrutural-funcional, os estudantes aceitam a conformidade social e perdem a capacidade de criar significado por si mesmos. A abordagem sócio-fenomenológica da teoria educacional, muitas vezes chamada de nova sociologia, vai muito além da posição estruturalfuncionalista em sua abordagem do estudo da escolarização. A nova sociologia focaliza criticamente uma série de suposições acerca das interações em sala de aula e encontros sociais. Para os novos sociólogos, qualquer teoria válida de socialização deve ser vista como "uma teoria de construção da realidade social", se não de uma ordem social histórica particular.12 Eles postulam um modelo de socialização no qual o significado é construído interativamente. Isto é, o significado é "dado" pelas situações mas também criado pelos estudantes enquanto interagem em sala de aula. Além disso, a construção social do significado tanto por professores quanto por estudantes levanta novamente questões acerca da natureza objetiva do próprio conhecimento. Para os novos sociólogos, os princípios que governam a organização, distribuição e avaliação do conhecimento não são absolutos e objetivos; em vez disso, eles são construtos sócio-históricos forjados por seres humanos ativos criando mais do que simplesmente existindo no mundo.

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Nesta abordagem, a visão dos estudantes como atores com identidade fixa é substituída por um modelo mais dinâmico de comportamento'do estudante. Os novos sociólogos focalizam a participação dos estudantes na definição e redefinição de seus mundos. Assim, com o surgimento cia nova sociologia, o foco dos estudos de sala de aula mudou de uma ênfase exclusiva no comportamento institucional para as interações dos estudantes com a linguagem, relações sociais e categorias de significado. Os proponentes da nova sociologia ofereceram uma nova dimensão ao estudo do relacionamento entre socialização e currículo escolar.13 (Young, 1971; Kedclie, 1973; Tenks, 1977; Eggleston, 1977). A nova sociologia eleva para um novo nível de discussão o relacionamento entre a distribuição de poder e conhecimento. Ela exige que os criadores de currículos em estudos sociais problematizem muitos dos truísmos que caracterizaram a seleção, organização e distribuição de conhecimento e estilos pedagógicos inerentes ao desenvolvimento curricular. Em certo sentido, a nova sociologia destituiu o currículo escolar de sua inocência. Mas a nova sociologia também tem suas falhas, as quais solapam sua capacidade de resolver os próprios problemas que identificou. A análise crítica mais elaborada apresentada contra a nova sociologia é a de que ela representa uma forma de idealismo subjetivo." Supostamente, em seu cerne a nova sociologia carece de uma teoria adequada de mudança social e consciência. Embora ajude os educadores a desvelarem as formas nas quais o conhecimento é definido e imposto, ela deixa de fornecer critérios para medir-se o valor de diferentes formas de conhecimento em sala de aula. Ao endossar o valor e relevância da intencionalidade cios estudantes, a nova sociologia sucumbiu a uma noção de relatividade cultural. Ela carece de um construto teórico para explicar o papel desempenhado pela ideologia na construção cio conhecimento por parte dos estudantes. Ela não leva em conta o fato de que a maneira na qual os estudantes percebem o mundo externo nem sempre corresponde à estrutura e conteúdo real daquele mundo. As percepções subjetivas estão dialeticamente relacionadas com o mundo social e não simplesmente o espelham. Ignorar isso, como têm feito os novos sociólogos, significa ser vítima de um subjetivismo distorcido. Sharp e Greene captaram este posicionamento de forma contundente. O mundo social é mais cio que simples constelações de significados. Embora possamos aceitar que o indivíduo conhecedor atue no mundo com base em sua compreensão, sempre existindo um fator subjetivo que participa do conhecimento do inundo, não decorre disso que o mundo possui o caráter que este indivíduo empresta a ele, que os objetos conhecidos no mundo social são meras criações subjetivas capazes de serem diferentemente constituídas em uma variedade infinita de maneiras. O fenomenologista parece estar propondo o que poderíamos chamar de uma forma extrema cie idealismo subjetivo. Quando o mundo externo objetivo é simplesmente uma constituição da consciência criativa, o dualismo sujeíto-objeto desaparece no triunfo do sujeito contituidor.15


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Em última análise, a nova sociologia fracassa a despeito cie seu desejo por mudanças radicais e igualitarísrno fundamental. Seu fracasso reside em sua incapacidade de elucidar como as estruturas sociais e políticas mascaram a realidade e promovem a hegemonia ideológica.16 Assim, este posicionamento não apenas deixa de explicar como surgem diferentes variedades de significados, conhecimento e experiências em sala de aula. mas também deixa de explicar como estes são capazes de se sustentar. Ao concentrar-se exclusivamente no micronível da escolarização, no estudo das interações em sala de aula, a nova sociologia deixa de ilustrar como os arranjos sócio-políticos influenciam e limitam os esforços individuais e coletivos para construir conhecimento e significado. Estes arranjos provavelmente desempenham papel importante ao influenciar a própria textura da vida em sala de aula. Uma terceira posição é a abordagem neomarxista da socialização e mudança social. Embora esta posição também tenha suas falhas, seu valor reside em sua capacidade de ir além da visão apolítica da posição funcionalista, bem como do idealismo subjetivo da nova sociologia. No cerne da abordagem neomarxista está o reconhecimento da relação entre a reprodução econômica e cultural. Inerente a esta perspectiva está a intersecção cie teoria, ideologia e prática social. As escolas são vistas como agentes de controle ideológico que reproduzem e mantêm as crenças, valores e normas dominantes. Isso não significa sugerir que as escolas são simplesmente fábricas que processam estudantes e espelham os interesses da sociedade mais ampla; tal perspectiva é evidentemente mecanícísta e reducionista.17 A posição neomarxista salienta que as escolas de maneiras correspondentes estão ligadas aos princípios e processos que governam o local de trabalho. A perspicácia desta perspectiva é sua insistência em conectar as macroforças da sociedade mais ampla com as mícro-análises, tais como os estudos em sala de aula. _ A abordagem neomarxista elucida de maneira mais clara do que as duas outras abordagens identificadas neste capítulo como a reprodução social está ligada aos relacionamentos sociais em sala de aula e como a construção do conhecimento está relacionada à noção de falsa consciência. Ainda que enfatizem a importância do papel subjetivo do estudante na constituição do significado por si mesmo, os neomarxistas estão igualmente preocupados com as formas nas quais as condições sociais e econômicas limitam e distorcem a construção social do significado, particularmente enquanto mediado através do currículo oculto. Os estudos em sala de aula não devem apenas ser relacionados com o estudo da sociedade mais ampla, como também com uma noção de justiça, a qual seja capaz de articular como certas estruturas sociais injustas podem ser identificadas e substituídas.

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-roílhecimento Escolar e Relações em Sala de Aula kora a perspectiva neomarxista ofereça um foco importante sobre a naeza ideológica do processo de escolarização e da ordem social mais tU Ia, e[a fez pouco para explicar em termos específicos os tipos cie coa hecimento e relações sociais escolares que têm sido usados para produzir consciência reifícada que mantém os interesses econômicos e culturais de Uma sociedade estratificada. É aí que os funcionalistas estruturais e os adeptos da nova sociologia trouxeram contribuições valiosas ao estudo do currículo e educação social. Utilizando suas idéias dentro de uma nova estrutura marxista, podemos começar a responder à pergunta fundamental: "O que se aprende nas escolas?". Como resposta à questão, Robert Dreeben salienta que o estudante aprende mais do que simplesmente conhecimento e habilidades instrucionaís, e que a visão tradicional da escolarização como sendo "de natureza basicamente cognitiva é na melhor das hipóteses apenas parcialmente sustentável".18 Stephen Arons reforça esta visão chamando a escola de "um ambiente social no qual uma criança pode aprender muito mais do que está no currículo formal."19 Implícita nesta análise da escola e da sala de aula como um agente de socialização coloca-se uma premissa pedagógica importante - qualquer currículo destinado a introduzir mudanças positivas nas salas de aula irá fracassar, a menos que tal proposta esteja enraizada em uma compreensão das forças sócio-políticas que influenciam decisivamente a própria textura das práticas pedagógicas cotidianas em sala de aula. Como não está totalmente claro para os educadores de estudos sociais que as escolas são de fato instituições sócío-políticas. deve-se fornecer evidências que validem a posição de que as escolas estão inextrícavelmente ligadas a.outras agências e instituições sociais da sociedade americana. Ralph Tyíer destaca a função social das escolas ao assinalar que todas as filosofias educacionais são essencialmente fruto de uma de duas perspectivas teóricas possíveis. Ele argumenta que uma orientação de filosofia educacional pode ser construída sobre uma das seguintes questões: "As escolas deveriam desenvolver jovens para adaptarem-se à sociedade atual assim como está, ou a escola tem uma missão revolucionária de desenvolver jovens que procurarão aperfeiçoar esta sociedade?"20 A questão levantada por Tyler acerca da filosofia educacional é importante por uma série de motivos. Primeiramente, ela reforça a noção cte que as escolas têm uma função sócio-política e não podem existir cie forma independente da sociedade na qual operam. Em segundo lugar, Tyler reconhece que subjacente a todo programa educacional destinado a intervir na estrutura organizacional existe um padrão teórico de referência. Paulo Freire, o educador brasileiro, sustenta estes dois pontos ao argumentar que:


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Não existe um processo educacional neutro. A educação ou funciona como instrumento' usado para facilitar a integração cia geração mais jovem na lógica do sistema atual e trazer conformidade ã mesma, ou então torna-se a "prática cia liberdade^' - o meio através do qual homens e mulheres lidam crítica e criativamente com a realidade e descobrem como participar da transformação de seu mundo. 21

Conscientes ou não disso, os educadores de estudos sociais trabalham a serviço de uma das duas posições delineadas por Tyler e Freire. Um exame da escolarização e seus laços sociológicos com a família e o local de trabalho podem elucidar a função política e social das escolas. Embora uma série de sociólogos assinalem convincentemente que as escolas não assumem mais o papel de substituto da família, elas de fato cumprem uma função socialízadora que a estrutura social da família não pode satisfazer. Por exemplo, compare-se as funções da família com aquelas da escola. Robert Dreeben argumenta que, embora satisfaçam as necessidades afetivas específicas das crianças, as propriedades estruturais da família não podem socializá-las adequadamente para funcionarem no mundo adulto. Segundo este autor, a escola demanda a formação de relacionamentos sociais que são mais diversos, mais limitados no tempo, menos dependentes e menos emotivos do que aqueles em família. Diferentemente da família, as escolas separam o desempenho cia expressão emocional e cumprem o que se considera sua finalidade mais explícita , isto é, "oferecer as habilidades, informações, e crenças que cada criança irá necessitar mais tarde como membro adulto da sociedade".22 .^-—-Dreeben argumenta que as escolas fazem mais do que fornecer instrução. Elas oferecem normas, ou princípios de conduta, que são aprendidas através das experiências escolares sociais variadas que influenciam a vida dos estudantes. Embora ignore a natureza política destas experiências sociais, ele de fato menciona quatro normas importantes aprendidas pelos estudantes: independência, realização, universalismo e especificidade. Digno de nota é que Dreeben deixa de mencionar em termos ideológicos específicos os valores culturais que sustentam e dão significado a estas normas. Dois exemplos serão suficientes. A independência é definida como "o manuseio de tarefas com as quais sob diferentes circunstâncias pode-se esperar apropriadamente a ajuda dos outros".23 A realização é definida de forma a garantir aos alunos a gratificação de "vencer e perder", e, embora não afirmado por Dreeben, justifica as recompensas extrínsecas e :i noção de que alguém sempre deve chegar por último. A idéia de que os estudantes aprendem mais do que habilidades cognitivas fica ainda mais ciara na análise de Bernstein, a qual focaliza precisamente algumas das características da natureza política da escolarização. Sua análise argumenta que os estudantes aprendem valores e normas que produziriam "bons" trabalhadores industriais. Os estudantes internalizam valores que enfatizam o respeito pela autoridade, pontualidade, asseio, docilídade e conformidade. O que os estudantes aprendem com o conteú-

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do formalmente sancionado do currículo é muito menos importante do que aquil° que aprendem com as suposições ideológicas embutidas nos três sistemas de mensagem da escola: o sistema do currículo: o sistema de estilos pedagógicos de sala de aula; e o sistema de avaliação.2'' Ao descrever o que os estudantes aprendem com o currículo escolar oculto, Stanley Aronowitz fornece uma visão compacta do processo de socialização que opera nestes sistemas de "mensagens": Sem dúvida, a criança aprende na escola.... A criança aprende que o professor é a pessoa com autoridade em sala de aula, mas que este está subordinado ao diretor. Assim a estrutura da sociedade pode ser aprendida compreendendo-se a hierarquia de poder dentro cia estrutura escolar. De maneira semelhante, a criança da classe operária aprende seu papel na sociedade. Por um lado, a escola marca os estudantes corno um todo com sua impotência, já que estes não possuem o conhecimento necessário para tornarem-se cidadãos e trabalhadores. Por outro lado, a hierarquia das ocupações e classes é reproduzida pela hierarquia das séries e divisões dentro cias séries. A promoção às séries sucessivas é a recompensa por ter dominado o comportamento político e social aprovado, bem como o material "cognitivo" prescrito. Mas dentro das séries, particularmente nas grandes escolas urbanas, outras distinções entre estudantes são feitas com base na inteligência imputada, e isto por sua vez é determinado pela provável capacidade das crianças cie terem êxito em termos dos padrões definidos pelo sistema educacional.25

Escritores como Dreeben e Aronowitz ajudaram a deixar claro que a escola funciona como uma agência de socialização dentro de uma cadeia de instituições mais amplas. Contudo, com poucas exceções, o papel político da escola e o modo como este papel afeta os objetivos, métodos, conteúdo e estrutura organizacional educacional não foram adequadamente esclarecidos pelos educadores dos estudos sociais.26 Ao comentar sobre as conseqüências de ignorar-se a natureza política da educação, Jerome Bruner indica sem reservas que os educadores não podem mais manter a postura fictícia de neutralidade e objetividade. Uma teoria de ensino é uma teoria política no sentido de que é proveniente de um consenso em relação à distribuição de poder dentro cia sociedade - quem será educado e para cumprir que papéis? Exatamente no mesmo sentido, a teoria pedagógica eleve certamente originar-se de urna concepção de economia, pois onde existe uma divisão de trabalho dentro da sociedade e uma troca de bens e serviços por riqueza e prestígio, a forma como as pessoas são educadas, em que número e com que limitações no uso de recursos são todas questões relevantes. O psicólogo ou educador que lormula uma teoria pedagógica sem considerar o ambiente político, econômico e social do processo educacional corteja a trivialidade e merece ser ignorado na comunidade e na sala de aula. 27

Como mencionado anteriormente, uma abordagem séria da mudança educacional nos estudos sociais teria que partir do exame das contradições que existem entre o currículo oculto e o currículo oficial. Toda a abordagem do desenvolvimento curricular em estudos sociais que ignora a existência


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do currículo oculto corre o risco não apenas de ser incompleta, mas também insignificante, pois o cerne cia função cia escola não deve ser procurado simplesmente fornecimento diário de informações por parte dos professores mas também "nas relações sociais do encontro educacional".2S

Organização do Currículo Escolar Antes que qualquer estudo das relações sociais em sala de aula seja proposto, deve-se esclarecer que o conteúdo do que é ensinado em aulas de estudos sociais desempenha um papel vital na socialização política dos estudantes. Por exemplo, diversos estudos têm assinalado que o que conta como conhecimento "objetivo" nos compêndios de estudos sociais na verdade representa muitas vezes uma visão parcial, teoricamente distorcida do assunto sob estudo.29 O conhecimento é com freqüência aceito como uma verdade que legitima uma visão específica do mundo que é questionável ou evidentemente falsa. A seleção, organização e distribuição do conhecimento em estudos sociais são omitidas do domínio da ideologia.30 Além de suas mensagens explícitas ou ocultas, o modo como o conhecimento é selecionado e organizado representa suposições apriorístícas por parte do educador acerca de seu valor e legitimidade. Em última análise, estas são considerações ideológicas que estruturam a percepção de mundo dos estudantes. Se a natureza ideológica frágil destas considerações não for deixada clara para os estudantes, então estes aprenderão mais sobre conformidade social cio que investigação crítica. Para romper o "currículo oculto" do conhecimento, os educadores de estudos sociais devem ajudar os estudantes a compreenderem que o conhecimento não é apenas variável e relacionado com os interesses humanos, mas também deve ser examinado com respeito a suas pretensões de validade. Popkewitz considerou de forma sucinta este tópico para educadores cie estudos sociais com seu argumento. A construção de currículos requer que os educadores dêem atenção às disciplinas sociais corno um produto humano cujos significados são transmitidos nos processos sociais. O ensino deveria dar séria atenção às visões de mundo conflitantes geradas por estes artifícios, à localização social e aos contextos sociais da pesquisa. Para planejar o estudo de idéias para crianças, os educadores são forçados a investigar a natureza e caráter do discurso encontrado na história, sociologia e antropologia. De que problemas cada um deles trata? Que modos de pensamento existem? Quais são suas tarefas paradigmáticas? Que limitações são impostas sobre o conhecimento de suas descobertas? O ensino deveria preocupar-se com as diferentes perspectivas tios fenômenos dentro de cada disciplina e como estes homens e mulheres passam a saber o que sabem/'

Além disso, segue-se que o mesmo peso deve ser ciado em qualquer análise do currículo oculto às estruturas organizacionais que influenciam e governam as interações professor-aluno dentro da sala de aula, pois estas

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aereni um caráter ideológico que não é menos constrangedor do que o onteúdo "nteúdo curricular no processo de cie socialização socialização em funcionamento nno C contro em sala de aula. Embora distintamente apolítico por natureza, o Ê abalho de Philip Jackson representa uma cias tentativas mais sofisticadas / analisar os processos sociais que moldam uma outra dimensão do curríjlo oculto. Diferente do currículo oficial, com seus objetivos afetivos e oenitivos declarados, o currículo oculto neste caso enraiza-se naqueles aspectos da vida em sala de aula que não são normalmente percebidos por nrofessores ou alunos. De acordo com Jackson, os elementos do currículo oculto são moldados por três conceitos analíticos centrais: grandes grupos, elogio e poder.32 Em resumo, trabalhar em salas de aula significa aprender a viver em agrupamentos. Aliado aos valores predominantes do sistema educacional, isto tem implicações profundas para a educação social estabelecida nas escolas. Igualmente significativo é o fato de que as escolas são ambientes avaliadores, e o que um estudante aprende não é simplesmente como ser avaliado, mas como avaliar a si mesmo e também os outros. Finalmente, as escolas são marcadas por uma divisão básica e concreta entre os poderosos (professores) e os impotentes (alunos). Como assinala Jackson, isso significa que "de três maneiras principais, então - como membros de grandes grupos, como recebedores potenciais de elogio ou reprovação, e como títeres das autoridades institucionais - os estudantes são confrontados com aspectos da realidade que, pelo menos durante seus anos de infância, estão relativamente restritos às horas passadas em sala de aula".33 Em termos mais específicos, especialmente aqueles que salientam as interações professor-aluno, a análise de Jackson do currículo oculto mostra-se particularmente instrutiva. Aprender a viver em agrupamentos afeta os estudantes de várias maneiras importantes. Estes têm que aprender constantemente a esperar para usar os recursos, o que conseqüentemente faz com que aprendam a postergar ou abrir mão de seus desejos. Apesar das contínuas interrupções em sala de aula, os estudantes têm que aprender a ficar em silêncio. Embora trabalhem em grupo com outras pessoas que com o tempo passam a conhecer, eles devem aprender a ficar isolados em um grande grupo. Segundo Jackson, a virtude fundamental aprendida pelos estudantes nestas condições é a paciência (isto é, não uma padecia enraizada na restrição mediada, e sim em uma submissão injustificada à autoridade). Eles devem, até certo ponto, aprender a sofrer em silêncio. Em outras Palavras, espera-se que suportem com serenidade o repetido adiamento, negação e interrupção cie sua vontade e desejos pessoais".3' Elogio e poder em sala de aula estão inextricavelmente ligados um ao °utro. Embora ocasionalmente os estudantes possam ver-se em posição jde avaliar uns aos outros, a fonte inquestionável de elogio e reprovação é o Professor. Apesar da administração de sanções positivas ou negativas ser o símbolo mais visível de poder do professor, o real significado de seu papel SL


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situa-se na cadeia de relacionamentos e valores sociais que são reproduzidos com o uso desta autoridade. Em nenhum outro lugar a natureza do currículo oculto fica mais evidente do que no sistema de avaliação. O efeito potencial da avaliação torna-se claro quando se reconhece que o que se ensina e avalia em sala de aula é tanto acadêmico quanto não acadêmico, e inclui neste último a adaptação social e qualidades pessoais específicas. De fato, existem alguns estudos notáveis que sustentam a hipótese acima. Bowles e Gintis, após revisarem diversos estudos que ligam traços de personalidade, atitudes e atributos comportamentais às notas escolares, chegaram às seguintes conclusões:

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Os estudantes são recompensados por mostrarem disciplina, subordinação, comportamento de orientação intelectual em oposição àquele de orientação emocional, e trabalho esforçado, independente da motivação intrínseca à tarefa. Além disso, estes traços são recompensados independentemente de qualquer efeito de "conduta correta" em realizações escolásticas.35

Além disso, os autores assinalam que os estudantes considerados com alto grau de cidadania (isto é, conformidade com a ordem social da escola) também colocavam-se "significativamente abaixo da média em medidas de criatividade e flexibilidade mental".36 Analisada pelo ponto de vista do estudante, a sala de aula torna-se uma miniatura do local de trabalho, na qual o tempo, o espaço, o conteúdo e a estrutura são fixados pelos outros. As recompensas são extrínsecas, e todas as interações sociais entre professores e alunos são mediadas por estruturas hierarquicamente organizadas. A mensagem subjacente aprendida neste contexto aponta menos para a escola ajudando os estudantes a pensarem criticamente sobre o mundo no qual vivem do que para a escola atuando como agente de controle social. Os professores evidentemente desempenham um papel vital na manutenção da estrutura das escolas e transmissão dos valores necessários para sustentar a ordem social mais ampla.37 O estudo de Lortie sobre professores indica que estes geralmente são incapazes de compensar as influências pedagógicas conservadoras por eles aceitas em sua formação antes e durante a faculdade. Ele também afirma que "os recursos de recrutamento fomentam uma perspectiva conservadora entre os principiantes... havendo forte apelo a jovens que tenham disposição favorável para com o sistema existente nas escolas".38 Lortie também descobriu que uma das deficiências mais graves dos professores era sua abordagem subjetiva, idiossincrática cia docência. Destituídos de uma estrutura teórica elaborada a partir da qual desenvolver uma metodologia e conteúdo, os professores careciam de critérios significativos para moldar, orientar ou avaliar seu próprio trabalho. Mas ainda mais importante é que eles repassam sua descrença na teoria para os estudantes, e ajudam a perpetuar a passividade intelectual. Como mencionado anteriormente, no cerne do encontro educacional social está o- currículo oculto, cujos valores moldam e influenciam pratica-

iente todos os aspectos da experiência educacional do estudante. Mas isso não deveria sugerir que o currículo oculto seja tão poderoso a ponto de ao haver esperança de reforma educacional. Ao contrário, o currículo oculto deve ser visto como oferecendo um possível direcionamento para análise da mudança educacional. Por exemplo, embora os educadores de estudos sociais não possam sozinhos eliminar o currículo oculto, eles podem identificar sua estrutura organizacional e as suposições políticas sobre as quais ele se apoia. Desta forma, podem desenvolver uma pedagogia, materiais curriculares e propriedades estruturais em sala de aula que compensem as características mais antidemocráticas do currículo oculto tradicional. Assim será dado o primeiro passo significativo para ajudar estudantes e professores a irem além da experiência em sala de aula e possivelmente irem ao encontro da mudança destes arranjos institucionais.

Condições Democráticas e Ação Coletiva :

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Contudo, antes que mudanças na educação social e no desenvolvimento de estudos sociais possam ser empreendidas, os educadores de estudos sociais terão que desenvolver processos de sala de aula bastante específicos, destinados a promover valores e crenças que estimulem modos críticos e democráticos de participação e interação entre professores e alunos. A idéia de que o currículo oculto tradicional da escolarização é adverso aos objetivos declarados do currículo oficial não escapa mais de uma análise social astuta.39 Em vez de prepararem os estudantes para ingressar na sociedade com as habilidades que lhes permitam refletir criticamente e intervir no mundo a fim de mudá-lo, as escolas são forças que, de modo geral, socializam os estudantes para conformarem-se ao status quo. A estrutura, organização e conteúdo da escolarização contemporânea imbui os estudantes com as necessidades de personalidade desejadas na mão-de-obra burocraticamente estruturada e hierarquicamente organizada. Como salientou Philip Jackson: No que se refere a sua estrutura de poder, as salas de aula não são muito diferentes das fábricas e escritórios, aquelas organizações ubíquas onde passamos grande parte de nossa vida adulta. Assim, as escolas de fato poderiam ser chamadas cie preparação para a vida, mas não no sentido usual em que os educadores empregam o termo."

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O restante deste artigo irá identificar um conjunto alternativo de valores e processos sociais em sala de aula. De nosso ponto de vista, estas alternativas representam a base para formular-se uma educação social democrática e coletivista despida de individualismo egoísta e relacionamentos sociais alienantes. Estes valores e processos deveriam ser usados por educadores de estudos sociais no desenvolvimento de um conteúdo e pé ago


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gia que liguem a teoria e a prática e restituam em professores e estudantes uma consciência da importância social e pessoal da participação ativa e do pensamento crítico. Embora os valores sejam enumerados desde o início, os processos em sala de aula serão elucidados através de uma análise das características específicas que, ao nosso ver, deveriam caracterizar a educação social. Os valores e processos sociais que fornecem o sustentáculo teórico da educação social incluem o desenvolvimento nos estudantes de um respeito pelo compromisso moral, solidariedade de grupo e responsabilidade social. Além disso, deve-se fomentar um individualismo não autoritário que preserve o equilíbrio com a cooperação de grupo e conscientização social. Todo o esforço deve ser feito para dar-se ao estudante uma conscientização da necessidade de desenvolver suas próprias escolhas e atuar sobre estas escolhas com um entendimento das restrições situacíonais. O próprio processo educacional estará aberto para exame em relação a seus laços com a sociedade mais ampla. Os estudantes devem experimentar os estudos sociais como um aprendizado no ambiente da ação social, ou, como declarou Freire'1, deve-se ensinar aos estudantes a prática de refletir sobre a prática. Urna maneira de fazer isso é ver e avaliar cada experiência de aprendizagem, sempre que possível, com respeito a suas conexões com a totalidade sócio-econômica mais ampla. Além disso, é importante que os estudantes não apenas pensem sobre o conteúdo e a prática da comunicação crítica, mas também reconheçam a importância de traduzir o resultado destas experiências em ações concretas. Por exemplo, é tolice em nossa opinião envolver os estudantes em tópicos de desigualdade política e social em sala de aula e no mundo político mais amplo e ignorar a realidade e efeitos perniciosos da desigualdade econômica e salarial. Mesmo que se faça uma ligação com a realidade mais ampla, o fracasso em abordar e implementar a prática não irá trazer aos estudantes o aprendizado implicado no apelo de Freire. Em outras palavras, é importante que os educadores de estudos sociais proporcionem aos estudantes a oportunidade de apreenderem a dialética dinâmica entre consciência crítica e ação social. Existe, portanto, a necessidade de haver uma integração da consciência crítica, os processos sociais e a prática social, de tal forma a esclarecer aos estudantes não simplesmente como as forças do controle social operam, mas também como estas podem ser superadas. Os estudantes devem ser capazes de reconhecer o real valor da décima-primeira tese de Marx sobre Feuerbach. Os filósofos apenas interpretaram o mundo de várias maneiras; a questão é mudá-lo.'12 Muitos educadores liberais de estudos sociais aceitam estes valores e processos sociais e tentam desenvolver um currículo embasado que os traduzam na prática. Mas, com efeito, os liberais despem estes valores e processos sociais de seu conteúdo radical ao situá-los mais na estrutura de ajustamento social do que na emancipação social e política. O ponto de

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ista filosófico liberal, com sua ênfase no progresso através da melhoria ociul, no valor da "meritocracia" e do profissional especializado, e na viailidade do sistema de educação em massa dedicado a atender às necessidades da ordem industrial, deixa de penetrar e utilizar o aspecto radical dos íores e processos sociais que apoiamos. Elizabeth Cagan capta a contradição entre o pensamento liberal e os valores radicais e práticas sociais em seu comentário: Embora os reformadores liberais pretendam usar a educação para promover a igualdade, comunidade e interação social humanista, eles não confrontam aqueles aspectos das escolas que puxam na direção oposta. É possível que sua cegueira a estas contradições seja proveniente de sua posição de classe: como reformadores de ciasse média, eles não estão dispostos a defender o tipo de ígualitarismo que é necessário para uma verdadeira comunidade humana. Reformas na técnica pedagógica foram instituídas, mas o...[currículo ocultol continua atuando. Este currículo oculto promove a competitividade, individualismo e autoritarismo/'-'

Os processos sociais da maior parte das salas de aula militam contra o desenvolvimento por parte do estudante de um sentido de comunidade. Assim como na ordem social mais ampla, a competição e a luta individual estão no cerne da escolarização americana. Em termos ideológicos, a coletividade e a solidariedade social representam ameaças estruturais poderosas ao espírito do capitalismo. Este espírito está calcado não apenas na atomização e divisão do trabalho, mas também na fragmentação da consciência e das relações sociais.'1'' Todas as virtudes acerca da coletividade que são trazidas à atenção do público existem somente em forma e não em conteúdo.Tanto dentro como fora das escolas, o interesse próprio representa o critério para atuar e ingressar nas relações sociais. A estrutura da escolarização reproduz o espírito da privatização e da postura moral de egoísmo em quase todos os níveis do currículo formal e oculto. Quer sutilmente apoiando a filosofia do "faça o seu próprio negócio", quer preservando estruturas pedagógicas que solapam a ação coletiva, a mensagem presente na maioria das salas de aula divíniza o eu às custas do grupo. A mensagem oculta é do tipo que promove a alienação.''5 O cenário de sala de aula que estimula este individualismo desenfreado é familiar. Os estudantes tradicionalmente sentam-se em filas olhando as nucas uns dos outros e o professor que os encara de maneira simbólica, au toritãria, ou então em um grande semicírculo, com o espaço de professor e aluno rigidamente prescrito. Os acontecimentos em sala de aula são go^ernados por horários rígidos impostos por um sistema de sínetas e reforçad °s por sinais dos professores enquanto a aula está em andamento. A ln strução e algum aprendizado formal esperado geralmente começam e te rminam em função do tempo correto predeterminado, e não porque um Processo cognitivo foi colocado em ação.


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Implementação Diversos processos sociais ajudam a solapar os efeitos autoritários do currículo oculto em sala de aula. Nossa terminologia será familiar a todos os educadores de estudos sociais. Os liberais entre eles irão aderir às metas instrucionais imediatas, mas somente os reconstrucionistas aceitarão as implicações de longo alcance destes processos para a vida na sala de aula, na escola e nas instituições sociais e políticas mais amplas. O fundamento pedagógico dos processos democráticos pode ser estabelecido eliminando-se a prática perniciosa de "'selecionarmos estudantes. A tradição nas escolas de agrupar os estudantes de acordo com sua "capacidade" e desempenho observado tem valor instrucional duvidoso. A justificativa para esta prática se baseia em teorias genéticas tradicionais que foram sistematicamente refutadas em termos intelectuais e éticos.'16 Uma turma mais heterogênea oferece melhores oportunidades para que se manifeste a flexibilidade. Por exemplo, em um ambiente de turma heterogênea, os alunos que têm um desempenho qualitativamente mais rápido do que os outros poderiam ter a oportunidade de funcionar como colegas atuando como líderes individuais ou de grupo de outros estudantes. Em tal situação, os estudantes podem agir coletivamente no processo de ensino e aprendizagem. Desta forma, o conhecimento se torna o veículo de diálogo e análise, bem como a base para um novo relacionamento social em sala de aula. Além disso, não apenas relacionamentos sociais mais progressistas são desenvolvidos neste contexto, mas as noções tradicionais de aprendizagem e realização são então questionadas. Deve-se enfatizar que a educação social deveria basear-se em uma noção de realização que está em desacordo com as teorias genéticas tradicionais da inteligência que servem como base teórica para sustentar a seleção. Com a eliminação da seleção, o poder é ainda mais difundido em sala de aula, de forma que os indivíduos nos papéis de liderança de pares ou grupos podem assumir posições de liderança anteriormente reservadas somente para o professor. Em outras palavras, com o rompimento dos papéis e regras hierárquicas rígidas, que Bernsteín chamou de "estruturação forte", tanto estudantes como professores podem explorar relacionamentos democráticos raramente desenvolvidos na sala de aula tradicional.' 7 Estes novos relacionamentos também permitirão que os professores determinem o trabalho de base para romper-se a estrutura celular exposta por Dan Lortie. A estrutura celular refere-se ao fracasso dos professores em adaptarem mutuamente sua tarefa e suas ações. A maioria dos professores não compartilham de estratégias pedagógicas, e, assim, carecem de qualquer coesão em seus relacionamentos interpessoais profissionais.tó Ao compartilhar de seus papeis e poder, os professores estarão em melhor posição para romper com o provincianismo e socialização estreita que os impede de compartilharem e examinarem sua teoria e prática pedagógica, tanto com estudantes como com colegas.

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Uma outra mudança importante que tais cursos deveriam perpetuai aira em torno da questão da autoridade e das notas. Recompensas extrín deveriam ser minimizadas sempre que possível, e os estudantes deveriam ter a oportunidade de experimentar papéis que lhes permitam direcionar o processo de aprendizagem, independentemente do comportamento geralmente associado com ênfase nas notas como recompensa. As relações sociais na sala de aula tradicional baseiam-se em relações de poder inextricavelmente ligadas à atribuição e distribuição de notas pelo professor. As notas tornam-se muitas vezes os instrumentos disciplinares através dos quais o professor impõe seus valores, padrões de comportamento e crenças aos estudantes.'19 A avaliação dialógica elimina esta prática perniciosa, já que permite que os estudantes tenham algum controle sobre a distribuição das notas, e, assim, enfraquece a correspondência tradicional entre as notas e a autoridade. Nos referimos a tal espécie de avaliação como dialógica porque ela envolve um diálogo entre estudantes e professores sobre os critérios, função e conseqüências do sistema de avaliação. O uso do termo é de fato unia extensão da ênfase de Freire no papel do diálogo no esclarecimento e democratização das relações sociais.50 Embora as oportunidades de diálogo com professores e colegas devam ser estimuladas, elas não são conducentes a ambientes de grande grupo. Em pequenos grupos, os estudantes deveriam avaliar e testar a lógica do trabalho uns dos outros. A importância do trabalho em grupo para a educação social está calcada em uma série de suposições fundamentais. O trabalho em grupo representa uma das maneiras mais eficazes de desmistificar o papel manipulador tradicional do professor; além disso, ele oferece aos estudantes os contextos sociais que enfatizam a responsabilidade social e a solidariedade de grupo. A interação de grupo proporciona aos estudantes as experiências de que necessitam para perceber que podem aprender uns com os outros. Somente através da difusão da autoridade no plano horizontal é que os estudantes serão capazes de compartilhar e apreciar a importância da aprendizagem coletiva. Crucial para este processo é o elemento do diálogo. Através do diálogo em grupo, as normas de cooperação e sociabilidacle comPensam a ênfase do currículo oculto tradicional na competição e individualismo excessivos. Além disso, o processo de instrução em grupo oferece aos estudantes a oportunidade de experimentarem a dinâmica da democrac 'a participativa, em vez de simplesmente ouvir falar da mesma. Em resumo, o desenvolvimento de uma concientização que se nutre da arefa compartilhada de democratizar os relacionamentos em sala de aula é Operativo para que os estudantes superem a falta de comunidade associada 3- sala de aula tradicional e à ordem social mais ampla. O encontro do grupo fornece a base social para o desenvolvimento de tal conscientização. Sob tais condições, as relações sociais marcadas pelo domínio, subordinação e resPeito acrítico pela autoridade podem ser efetivamente minimizadas.


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As relações sociais marcadas por reciprocidade e comunidade não são os únicos subprodutos do componente de grupo. Uma outra característica importante gira em torno da oportunidade que os estudantes têm de realizar um aprendizado no ensino. Avaliando o trabalho uns dos outros, atuando como líderes de pares, e propondo e participando das discussões, os estudantes aprendem que ensinar não se baseia em abordagens pedagógicas intuitivas ou imitatívas. Em vez disso, ao estabelecer-se uma relação de trabalho íntima com professores e colegas, os estudantes têm a oportunidade de compreender que um corpo analítico e codificado de experiências é o elemento central de qualquer pedagogia. Isto ajuda professores e alunos a reconhecer que por trás de qualquer pedagogia existem valores, crenças e suposiões calcados numa visão de mundo particular. A maior parte dos estudantes vêem o ensino em termos de personalidades individuais mais do que como resultado de um conjunto refletido de axíomas pedagógicos socialmente, construídos.51 Ao adotar-se este curso de ação, proporciona-se aos estudantes e professores uma estrutura "particular" de ensino que salienta os sustentáculos teóricos da pedagogia escolar. O conceito de tempo nas escolas restringe o desenvolvimento de relacionamentos sociais e intelectuais saudáveis entre estudantes e professores. Aludindo à vida nas fábricas, com seus cronogramas de produção e relacionamentos de trabalho hierárquicos, a rotina da maior parte das salas de aula atua como um freio à participação e aos processos democráticos. O ritmo próprio modificado é um processo de sala de aula que é mais compatível com a visão de que a aptidão é a quantidade de tempo necessária para que os estudantes desenvolvam uma compreensão e resolução crítica da tarefa em questão. É imperativo que os estudantes tenham a oportunidade de trabalhar sozinhos e em grupo em um ritmo de aprendizagem agradável, de forma que possam desenvolver com rapidez um estilo de aprendizagem que lhes permita ir além das pedagogias fragmentadas e sem base teórica que caracterizam atualmente a educação americana.52 O uso flexível de um tipo de aprendizagem com ritmo próprio deveria eliminar estas práticas. O ritmo próprio também é importante por outros motivos. O adiamento e negação característicos da maior parte das salas de aula convencionais podem ser compensados libertando-se professores e estudantes para responderem uns aos outros quase que imediatamente. Os alunos não precisam esperar para obter um retorno e comunicação sobre seu trabalho. Isso milita contra a desistência ou adiamento por parte cios alunos de seu desejo de aprender ou de compartilhar e analisar com outros estudantes o que aprenderam. O ritmo próprio modificado permite que os estudantes trabalhem sozinhos ou com outros colegas em um ritmo agradável, dentro de limites razoáveis estabelecidos mutuamente por professores e estudantes. Sob este formato, o relógio deixa de determinar o ritmo e caráter da aula, e a tirania dos horários rígidos dá lugar a horários governados por trocas

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.ecíprocas. Além clísso, como os estudantes têm uma medida cie controle bre seu trabalho, notas e tempo, isto elimina o antagonismo entre estuS ]antes e reforça a noção de que o aprendizado é essencialmente um fenômeno compartilhado. Em termos políticos, as características de ritmo próprio e liderança de «ares põem em xeque a idéia de que o professor é um especialista indisnensável, sendo o único qualificado para definir e distribuir conhecimento S3 Além disso, com o uso de liderança entre colegas e ritmo próprio modificado, desenvolvem-se relações democráticas em sala de aula e a unidimensionalidade das relações sociais tradicionais da sala de aula dá lugar à possibilidade de encontros sociais infinitamente mais ricos. Estes encontros sociais em sala de aula são reciprocamente humanistas e mediados através de uma estrutura conceptual emancípadora. As características de ritmo próprio e liderança entre colegas representam dois processos sociais que compensam de maneira significativa algumas das propriedades organizacionais e estruturais da sala de aula tradicional. Na maioria das salas de aula tradicionais, os estudantes trabalham de maneira isolada e independente. Esta prática geralmente é racionalizada pelos educadores com base na idéia de que a mesma estimula a independência. Isto é , em parte, verdadeiro, mas o tipo de independência estimulada impede o desenvolvimento de relacionamentos sociais entre colegas de mesma idade e adultos que proporcionem oportunidades de compartilhar e trabalhar de maneira independente. Além disso, sua função parece ser mais ideológica do que racional, e representa um forte componente pedagógico para a sustentação da divisão de trabalho característica da sociedade mais ampla. De qualquer maneira, a noção tradicional cie independência não suscita um equilíbrio entre o desenvolver talentos próprios e o compartilhar das tarefas com outros estudantes. As características de ritmo próprio e liderança entre colegas reconciliam de forma suave esta contradição. Os estudantes não apenas têm amplas oportunidades de explorar seus talentos e interesses em um ritmo que possam controlar, como também podem compartilhar seus interesses com outras pessoas. Eles obtêm ajuda tanto dos líderes da turma como de seus colegas.

Conclusão Este capítulo oferece uma base para um novo ímpeto à tarefa cie identificar a dinâmica e as suposições ideológicas subjacentes aos padrões específicos de socialização em salas de aula de estudos sociais. Ao identificar os processos sociais em sala de aula e na vida escolar que tornam estes padrões °perantes e destacar a natureza normativa do conhecimento em estudos s ociais, ele busca esclarecer a clicotomia entre as metas cios educadores de estudos sociais e o processo da escolarização. Ao nosso ver, o reconheci-


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mento desta dicotomia entre o currículo oficial e o currículo oculto irá forcar os educadores de estudos sociais a desenvolverem uma nova perspectiva teórica acerca da dinâmica da mudança educacional, a qual penetre as relações funcionais que existem entre as instituições das escolas, do local de trabalho e do mundo político. Desta forma, os educadores começarão a desvelar aqueles processos sociais em todas as instituições sócio-políticas, inclusive as salas de aula, que militam contra a criação de uma educação social democrática. A enumeração e elucidação adicional destes processos, bem como a busca de interconexões entre os mesmos, tornar-se-ão os pré-requisitos necessários para educadores que pretendam intervir no processo educacional. A mensagem está clara. Os educadores de estudos sociais correrão o risco de fracassos repetidos a menos que desenvolvam uma base estrutural que se oponha aos processos e valores sociais do currículo oculto. Para que a solidariedade social, o crescimento individual e a dedicação à ação social resultem da educação social, o currículo oculto terá que ser eliminado ou minimizado. Existe pouco espaço na educação social para a classificação e seleção social, relações sociais hierárquicas, correspondência entre avaliação e poder e dinâmica interpessoal fragmentada e isolada do encontro em sala de aula, todos as quais caracterizam o currículo oculto. Estes processos em sala de aula terão que ser substituídos por processos e valores sociais democráticos que levem em consideração a interação recíproca de metas, pedagogia, conteúdo e estrutura. A tarefa não será fácil; as mudanças a serem realizadas serão difíceis e muitas vezes frustrantes, mas, de qualquer maneira, necessárias. Os reformadores educacionais não podem mais operar dentro dos limites estreitos da teoria e prática educacionais tradicionais. Deve ficar claro que a educação social é essencialmente normativa e política, e na melhor das hipóteses pode ser tanto libertadora como reflexiva. Ao nos desvencilharmos dos parâmetros tradicionais da teoria e prática educacional, podemos ver a escolarização como inextrincavelmente ligada a uma teia mais ampla de arranjos políticos e sócio-econômicos. E ao analisarmos a natureza do relacionamento entre as escolas e a sociedade dominante em termos políticos e normativos, podemos nos opor ao currículo oculto definido através da ideologia dos processos sociais. Se quiserem que a educação social, nos termos de Kant, seja usada para educar os estudantes para uma sociedade melhor, os educadores de estudos sociais terão que ir além da democratização de suas escolas e salas de aula. Terão que fazer mais do que ajudar a desenvolver mudanças na consciência dos estudantes; terão que ajudar a implementar uma fundamentação para a reconstrução de uma nova ordem social, cujos arranjos institucionais, em última análise, proporcionarão-as bases para uma educação verdadeiramente humana.

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22. Dreeben, "The Contribution of Schooling". p.13.

47 Bernstein, Class, Codes, and Control, vol.3, pp. 88-89.

23. Ibid, p.66.

48. Lortie, Schoolteacher.

24. Bernstein, Class, Codes and Control, vol.3.

49 Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America.

25. Stanley Aronowitz, False Promises: The Shaping of lhe American Working-Class Consciousness (New York: McGraw-HilI, 1973), p.75.

50. Freire, Pedagogy ofthe Oppressed.

26. Apple, "The Hidden Curriculum"; Gíroux e Penna "Social Relations in the Classroom".

51. Lortie, Schoolteacher,

27. Jerome Bruner, The Relevance ofEducation (New York: Norton, 1973), p.115.

52. Stanley Aronowitz, "Mass Culture and the Eclipse of Reason: The Implications for Pedagogy", Harvard Educationai Review 46 (Abril 1977): 768-74.

28. Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America, p.265.

53. Ivan Illich, Deschooling Society (New York: Harper & Row, 1971).

29. Apple, "The Hidden Curriculum"; jean Anyon, "Elementary Social Studies Textbooks and Legitimating Knowledge", Theory and Research in Social Education 6 (Set. 1978): 40-5-4; Thomas S. Popkewitz, "The Latent Values of the Discipline-Centered Curriculum in Social Education", Th eory and Research in Social Education 5 (Abril 1977): 41-60. 30. Apple, "The Hidden Curriculum"; Popkewitz, "Latent Values". 31. Popkewitz, "Latent Values", p.58. 32. Jackson, Life in Classrooms. 33. Ibid., p. 16. 34. Ibid., p. 18. 35. Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America, p.40. 36. Ibid., p. 41. 37. Keddie, Myth of Cultural Deprívation; Sharp e Greene, Educationai and Social Control. 38. Dan C. Lortie, Schoolteacher: A Socilogical Study (Chicago: University of Chicago Press, 1975), p. 54. 39. Ivan Illich, "After Deschooling, What?"em Alan Gartner et ai., After Deschoolíng, What? (New York: Holt, Rinehart & Winston, 1973) Bernstein, Class, Codes and Control, vol.3. 40. Jackson, Life in Classrooms, p. 33. 41. Paulo Freire, Pedagogy in Process (New York: Seabury Press, 1978). 42. KarI Marx, "Theses on Feuerbach", em Loyd D. Easton e Kurt H. Guddart, Writings of the Young Marx on Philosophy and History (New York: Doubleday, 1967), p.402. 43. Elizabeth Cagan, "Individualism, Collectivism, and Radical Educationai Reform", Harvard Educationai Review 48 (maio!978): 261.


4 Objetivos e HENRYA.GIROUX

m debate tem sido travado entre os educadores em torno da questão do desenvolvimento dos objetivos dos cursos. A intensidade e natureza deste debate fez-se clara para a maioria dos professores de primeiro e segundo graus quando viram seus sistemas escolares balançarem como um pêndulo entre o movimento de objetivo humanista "aberto" dos anos sessenta e o movimento behaviorista do "demonstre-o com certeza" dos anos setenta. Em retrospectiva, ambos os movimentos trouxeram alguma luz à complexidade problemática da organização, implementação e avaliação dos cursos. Mas em última análise, nenhum deles ofereceu um modelo teórico para o desenvolvimento de objetivos dos cursos que equilibre adequadamente a necessidade de certeza e exatidão com outros modos de aprendizagem e valoração. O propósito deste capítulo é examinar as deficiências das duas principais '"escolas"1 que atualmente dominam o pensamento da instituição educacional em torno do desenvolvimento dos objetivos dos cursos. Além disso, apresenta-se também uma nova abordagem pedagógica, a qual permite que os educadores desenvolvam objetivos dos cursos que elucidem o relacionamento entre a metodologia e conteúdo em sala de aula e seus respectivos sustentáculos de valoração. Acredita-se que, através do exame deste relacionamento, a complexa interação entre as escolas e a ordem social mais ampla será destacada. Espera-se que isto venha a persuadir os educadores a questionarem muitas das suposições "de senso comum" sem

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questionamento que moldam a organização e avaliação de seus cursos. Além disso, este capítulo transfere o centro de gravidade do atual debate em torno dos objetivos dos cursos para além da perspectiva de "ou/ou" em relação à validade das diferentes escolas de objetivos, oferecendo um novo enfoque que irá ajudar os educadores a determinarem que tipos de objetivos são mais apropriados para o desenvolvimento de diferentes conjuntos de metas pedagógicas entrelaçadas. Num primeiro exame, parece que tanto a escola de objetivo humanista como a de objetivo behaviorista habitam planetas pedagógicos imensamente diferentes, com pouco ou nenhum diálogo sobre suas respectivas diferenças. Em vez de olharem para além dos parâmetros categóricos de suas principais suposições, ambas as escolas parecem arraigadas ao que eqüivale a uma aceitação sem crítica e auto-beneficiente de seus princípios teóricos de orientação.2 Em parte, o contraste entre as duas escolas é fortalecido pelas principais críticas que elucidam tanto suas respectivas limitações como suas diferentes abordagens ao desenvolvimento dos objetivos de sala de aula. Por exemplo, muitos críticos apontaram que. embora a necessidade de exatidão e certeza entre aqueles que apoiam a escola de objetivo behaviorista seja compreensível, sua preocupação com o conhecimento trivial, sua ênfase predominantemente cognitiva e sua negação do valor do significado pessoal são inquietantes.3 Por outro lado, aqueles que apoiam a escola de objetivo humanista muitas vezes encontram-se desenvolvendo cursos que carecem de certeza e clareza de direção. Tais cursos geralmente se estruturam em torno de declarações de propósito imprecisas e hipotéticas, cujo valor geralmente continua sendo um mistério para professores e estudantes/' A posição claramente antagônica das duas escolas forçou muitos educadores em busca de uma abordagem viável para o desenvolvimento de objetivos dos cursos a cair em uma posição de ter que optar entre uma escola ou outra, uma escolha diluída que termina reproduzindo o próprio problema que supostamente deveria ter resolvido. O bom senso parece indicar que uma posição qualitativamente diferente poderia ser desenvolvida se cada escola iniciasse um diálogo sério uma com a outra, o qual apontaria para uma síntese de suas respectivas posições. Embora esta última abordagem pareça pratícável, ela não tem efeito quando se faz uma distinção entre senso comum e bom senso. O que precisamos não é tanto um diálogo entre as duas escolas, e sim uma disposição de cada uma delas para refletir criticamente sobre as deficiências de sua própria abordagem. O resultado de uma abordagem deste tipo deveria ser menos um diálogo do que uma metamorfose para uma nova posição, a qual contorne o diálogo e dê lugar à autocrítica e frescor teórico. Talvez o ponto de partida para isso seja observar os pontos comuns entre as duas escolas, os quais parecem impedi-las de irem além das suposições teóricas limitantes que identificam suas posições especialmente diferentes.

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As duas escolas apresentam os seguintes pontos em comum: uma no-ão truncada da função da escolarização; a defesa tácita de uma visão que ne aa a importância dos modelos e conflitos teóricos; e uma incapacidade <je dar o devido peso ao capital cultural do estudante como ponto de partida para as atividades de aprendizagem. Além disso, ambas as escolas deixaram de examinar as funções latentes da escolarização, muito embora tais funções afetem os objetivos do currículo formal.5 O resultado final foi um impasse teórico entre aqueles educadores que se identificam com uma posição humanista ou behaviorista. Cada um destes pontos em comum será rapidamente examinado a seguir. É importante dizer que estes pontos em comum serão analisados não apenas segundo as questões que propõem, mas também segundo a direção na qual apontam para auxiliar os professores a construir um modelo e linguagem mais abrangentes e flexíveis no desenvolvimento e implementação dos objetivos dos cursos. Ensinar os estudantes a ler, escrever e compreender a estrutura conceptual de um determinado curso foi muitas vezes definido pelos educadores como uma tarefa técnica.6 O termo "técnica", como utilizado aqui, refere-se à definição aplicada nas "ciências exatas", uma forma de racionalidade cujo interesse dominante reside nos modelos que promovem certeza e controle técnico; o termo também sugere uma ênfase na eficiência e técnicas de "como-fazer" que ignoram as questões mais importantes dos fins. Por exemplo, muitas vezes ignora-se questões do tipo: "Por que estamos fazendo o que estamos fazendo?", "Por que este conhecimento está sendo aprendido?", "Por que este tipo de estilo pedagógico está sendo usado para transmitir informações em sala de aula?", "Por que este tipo de avaliação?". Enquanto os behavioristas geralmente evitaram as questões dos fins, os humanistas restringiram tais questões ao imediatismo do ambiente de sala de aula e ignoraram a tarefa de "ajudar aqueles estudantes inclinados a superar o que é simplesmente "dado" a romperem com as experiências cotidianas".7 Nem os humanistas nem os behavioristas reportaram-se adequadamente às barreiras que impedem a compreensão e diálogo humanos acerca do relacionamento entre o conhecimento socialmente construído e as dimensões normativas da interação em sala de aula. Nestas circunstâncias, as questões referentes à conexão entre o conhecimento de sala de aula e as categorias socialmente construídas usadas para legitimar este conhecimento são ignoradas. Young colocou bem o problema ao argumentar que os educadores nos Estados Unidos quase não consideraram "o conteúdo da educação em termos de como o sistema educacional poderia influenciar os significados publicamente disponíveis, ou cie como as definições contemporâneas cias culturas têm conseqüências na organização do conhecimento no sistema escolar".8 Conseqüentemente, o papel das escolas como mecanismos sociais para a seleção, preservação e repasse das competências de natureza fortemente ideológica e valorativa foi obscurecido.


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Vale a pena enfatizar que o conhecimento repassado aos estudantes nas escolas é selecionado a partir de um universo mais amplo de conhecimento. O problema que isto propõe aos educadores, negligenciado tanto pela escola de objetivo humanista como behavíorista, foi claramente definido por Apple: Precisamos examinar criticamente não apenas "como um estudante adquire mais conhecimento" (questão predominante em nosso campo preocupado com a eficiência) mas "por que e como aspectos particulares da cultura coletiva são apresentados na escola como conhecimento factual, objetivo". De que maneira concreta o conhecimento oficial pode representar configurações ideológicas dos interesses dominantes da sociedade? De que maneira as escolas legitimam estes padrões limitados e parciais cio saber como verdades inquestionáveis? Estas questões devem ser levantadas em pelo menos três áreas da vida escolar? (1) como as regularidades básicas do cotidiano das escolas contribuem para o aprendizado por parte dos estudantes destas ideologias; (2) como as formas específicas de conhecimento curricular refletem estas configurações; e (3) como estas ideologias se refletem na perspectiva fundamental que os próprios educadores empregam para ordenar, orientar e atribuir significado a sua própria atividade.9

Assim, a redução dos objetivos de ensino a uma preocupação com estilo, isto é, "subjetividade profunda", ou com o conteúdo por parte cie ambas as escolas resultou no fracasso em desenvolver um modelo teórico adequado, capaz de gerar objetivos para os cursos que liguem o conteúdo às relações sociais em sala de aula, de forma a evitar a síndrome do "sinta mais, pense menos" ou a abordagem do "aprenda mais e sofra". Ambas as escolas ignoraram a importância de se desenvolverem objetivos para os cursos que enfatizem a importância da teoria, particularmente o relacionamento entre a mesma e os fatos. É importante que os estudantes compreendam o relacionamento crucial entre a teoria e os fatos por uma série de motivos. O mais óbvio deles é que a teoria representa a estrutura conceituai que medeia os seres humanos e a natureza objetiva da realidade social mais ampla. Ainda mais importante, as estruturas teóricas, quer conscientes ou não, operam como um conjunto de filtros através dos quais as pessoas vêem as informações, selecionam fatos, definem problemas, e finalmente desenvolvem possíveis soluções para estes problemas. Colocado de maneira simples, é a teoria que permite que estudantes, professores e outros educadores vejam o que estão vendo. O que não é tão óbvio é que a teoria faz mais do que estruturar nossa seleção dos fatos que moldam nosso mundo. A teoria também desempenha papel vital na reprodução de uma realidade que inclui as suposições tácitas de senso comum acerca da sociedade e da história.10 O ponto aqui é que a teoria é responsável pela seleção e também pela criação dos fatos, e muitas vezes as frágeis suposições ideológicas sobre as quais estes fatos se constróem são bastante questionáveis. A teoria, no sentido mais geral, é crucial para quase todas as etapas do pensamento, não apenas porque nos ajuda a ordenar e selecio-

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nar os dados, mas também porque nos fornece os instrumentos conceituais com os quais questionar os próprios dados. Se ensinarmos os estudantes a reconhecer que as estruturas teóricas e os fatos são parte inseparável do que chamamos conhecimento, o primeiro passo será dado para ajudá-los a avaliarem sua própria estrutura teórica, bem como irem além da tarefa inistificadora e limitante de tratar as informações através do uso de classificações, descrições e generalizações simples. Ainda mais importante é que, neste caso, o conhecimento para o estudante é concebido como mais do que uma "representação neutra do fato".11 Se diferentes modelos teóricos geram maneiras distintas de definir-se o conhecimento, então deveria ficar claro que o conhecimento não é o fim do pensamento, mas sim o laço mediador entre estudantes e professores. Como tal, o conhecimento deveria ser tratado como problemático, e, assim, como objeto de investigação. Isto não significa sugerir que se deva dar o mesmo peso a todo o conhecimento e a todos os modelos teóricos. Esta última abordagem é precisamente a armadilha em que caem muitos membros da escola de objetivo humanista.12 Uma vez que se desenvolvam objetivos que permitam aos estudantes compreenderem que existe um laço entre os fatos e os valores, então a questão de como a informação é selecionada, arranjada e seqüenciada para construir e interpretar uma visão da realidade assume uma dimensão axiomática. Em outras palavras, o relacionamento entre teoria e fatos pocle ser visto como mais do que uma operação cognitiva, uma tarefa técnica destituída de ideologia e de valores. Esta última relação deve ser vista como sendo um processo ideológico fundamental para a questão de como nossas crenças e sistema de valores são usados na formação cie nosso mundo. Um outro ponto em comum compartilhado pelas escolas de objetivo humanista e behaviorísta gira em torno da noção de capital cultural. O capital cultural refere-se aos atributos cognitivos, lingüísticos e dispositivos que os diferentes estudantes trazem às escolas. Ambas as escolas deixaram de analisar a importância do relacionamento entre os objetivos da sala de aula e o capital cultural. Os recentes trabalhos de Bordieu e Bernsteín sugerem que crucial para o desenvolvimento de relacionamentos sociais Progressistas nas salas de aula é a abertura de canais de comunicação que permitam que os estudantes usem aquelas formas de capital lingüístico e cultural através das quais dão significado as suas experiências cotidianas.1-"1 Se os estudantes forem submetidos em sala de aula a uma linguagem e a um conjunto de crenças e valores cuja mensagem implícita é a de que são culturalmente analfabetos, os mesmos aprenderão pouco a respeito do pensamento crítico, e muito a respeito do que Freire chama de "cultura do silêncio".14 Uma nova abordagem ao desenvolvimento dos objetivos dos cursos deve ir além das limitações das escolas de objetivo humanístico e behaviorista. O ponto de partida para tal tarefa é ver o conhecimento educacional como


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um estudo na ideologia, no qual levantem-se questões acerca das assim chamadas suposições compartilhadas e incorporadas no conteúdo, implementação e avaliação da organização dos cursos. Esta última tarefa sugere o uso de novos termos para desenvolver e classificar objetivos que sirvam para elucidar o laço entre o conhecimento socialmente construído e a aprendizagem escolar. O modelo para o desenvolvimento de objetivos dos cursos que está prestes a ser apresentado se estrutura em torno de dois conceitos, rotulados de macro-objetivos e micro-objetivos. Após defini-los e explicálos, farei um comentário sobre a função latente cia escolarização, um dos mais importantes pontos em comum que impediu as escolas humanística e behaviorista de irem além das limitações de suas respectivas posições. Os macro-objetivos são destinados a fornecer os blocos teóricos de construção que permitirão aos estudantes estabelecerem conexões entre os métodos, conteúdo e estrutura de um curso e sua importância para a realidade social mais ampla. Com efeito, o que estes conceitos fazem é atuar como conceitos mediadores entre as experiências escolares dos estudantes, de cunho cognitivo bem como não cognitivo, e suas vidas fora da sala de aula. Utilizando tais conceitos, os estudantes deveriam ser capazes de analisar o conteúdo, valores e normas do curso em relação aos fins que eles pretendem ou poderiam servir. Em termos gerais, os macro-objetivos incluem o seguinte: diferenciar o conhecimento diretivo do produtivo, explicitar o currículo oculto e ajudar os estudantes a desenvolverem uma consciência crítica e política. Os micro-objetivos geralmente representam os objetivos de curso tradicionais. Normalmente são limitados pela especificidade ou estreiteza de seu propósito, o qual é moldado pela singularidade do curso que são destinados a servir. Em outras palavras, os micro-objetivos consistem daquelas concepções impostas que constituem o núcleo de uma dada disciplina e definem seu curso de investigação. Em combinações variadas, a maior parte dos cursos incluem muitos dos seguintes micro-objetivos: a aquisição de conhecimento selecionado, o desenvolvimento de habilidades de aprendizagem especializadas e o desenvolvimento de habilidades de investigação específicas. Os pontos fortes e fracos destes micro-objetivos foram muitas vezes analisados por outros educadores; o que está em questão não é tanto a validade destes objetivos específicos e sim seu relacionamento como conjunto de objetivos limitados com um conjunto mais amplo de objetivos, os macro-objetivos. Conseqüentemente, são os macro-objetivos, mais do que os micro-objetivos, que merecem análise. A importância do relacionamento entre os macro e micro-objetivos provém da necessidade de esclarecer para os estudantes quais são as conexões entre os objetivos dos cursos e as normas, valores e relações estruturais enraizadas na dinâmica da sociedade estabelecida. Os macro-objetivos servem especificamente como conceitos mediadores que elucidam o significado e a importância que os micro-objetivos poderiam ter em relação às

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es truturas sócio-políticas que existem fora da sala de aula. Em suma, os lT,icro-objetivos são destinados a fornecer um paradigma que permita que

' s estudantes questionem o propósito e valor dos micro-objetivos, não penas na medida em que se aplicam a um determinado curso, mas também 3- sociedade mais ampla. Um destes macro-objetivos importantes gira torno de ajudar os estudantes a fazerem uma diferenciação entre as noções de conhecimento diretivo e produtivo. O conhecimento produtivo está principalmente preocupado com os iieios; a aplicação deste tipo de conhecimento resulta na reprodução de bens é serviços materiais. Assim, o conhecimento produtivo é instrumental no sentido cie inovar os métodos tecnológicos e científicos. O conhecimento diretivo é um modo de investigação destinado a responder questões que não podem ser respondidas pelo conhecimento produtivo; ele está relacionado com questões especulativas em torno do relacionamento entre meios e fins. O conhecimento diretivo é um modo filosófico de investigação no qual os estudantes questionam o propósito do que estão aprendendo. É um conhecimento que questiona como o conhecimento produtivo deve ser usado. O conhecimento diretivo formula as questões mais importantes para o aperfeiçoamento da qualidade de vida porque ele pergunta: 'Tara que fim?" A importância deste macro-objetivo não pode ser exagerada. Se o conhecimento for reduzido à mera organização, classificação e computação dos dados, então não se questiona seu propósito e ele poderá ser usado para fins estabelecidos por outras pessoas. Nestas circunstâncias, nega-se aos estudantes e também professores a oportunidade de examinarem o conhecimento de maneirta crítica e a conformidade social e política acabam disfarçadas de pedagogia "aceitável". Para que os estudantes reconheçam a importância da aplicação sócio-política do conhecimento, eles terão que aprender a abordá-lo pela perspectiva de discernimento tanto do ponto de vista produtivo quanto diretivo. Esta perspectiva se aplica não somente ao conteúdo dos cursos, mas também à metodologia e estrutura. O teórico social Max Horkheímer reconheceu vigorosamente a importância desta perspectiva quando assinalou que a natureza da verdade não pode ser descoberta através de uma metodologia que ignore a questão dos fins.1" Além cie Horkheimer, filósofos desde Platão a Gramsci acertadamente alegaram que o conhecimento deveria desempenhar um papel emancipador a o proporcionar aos estudantes uma unidade, lógica e sentido de direção que lhes permita considerar todas as implicações do que lhes é ensinado, dentro ou fora da escola. Utilizando a classificação de conhecimento diretivoProdutivo, os estudantes serão capazes de reconhecer que o conhecimento tem uma função social que vai além da meta de dominar uma certa disciplina acadêmica. Como resultado, o inter-relacionamento entre conhecimento e ação social torna-se possível para os estudantes. Fromm definiu o ínterrelacionamento entre o conhecimento e a ação social da seguinte maneira.


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O inter-relacionamento entre a atenção e o conhecimento foi muitas vezes adequadamente expresso em termos do inter-relacionamento entre a teoria e a prática. Como escreveu Marx uma vez, não se deve apenas interpretar o mundo, mas também mudálo. Sem dúvida, a interpretação sem intenção de mudança é vazia; a mudança sem interpretação é cega. Interpretação e mudança, teoria e prática não são dois fatores separados que podem ser combinados; eles estão inter-relacionados cie tal forma que o conhecimento torna-se fertilizado pela prática e a prática é orientada pelo conhecimento; ambas teoria e prática mudam sua natureza uma vez que tenham deixado de estar separadas.16

Se Frornm for levado a sério, a preocupação com o conhecimento torna-se viável em termos pedagógicos somente quando tal conhecimento é testado com um fim explícito em mente. Longe de ser determinista, a importância desta posição é que ela deixa clara a necessidade de que os educadores desenvolvam objetivos que ajudem os estudantes a analisarem a interação e tensões sociais complexas que surgem entre as questões referentes aos meios e fins. Tal análise permitiria que os estudantes abordassem suas vidas diante do problema da ação perguntando a si mesmos: "Qual a justificativa moral para esta ação?" A perspectiva de conhecimento diretivoprodutivo oferece uma possível abordagem a esta questão. Um macro-objetivo igualmente importante gira em torno de tornar explícito o currículo oculto tradicional. O currículo oculto aqui refere-se àquelas normas, valores e crenças não declaradas que são transmitidas aos estudantes através da estrutura subjacente de uma determinada aula. Um volume substancial de pesquisas sugere que o que os alunos aprendem na escola é moldado mais pelo currículo oculto, o padrão subjacente de relacionamentos sociais em sala de aula e na escola como um todo. do que pelo currículo formal.17 Além disso, o currículo oculto muitas vezes atua em oposição às metas declaradas do currículo formal, e, em vez de promover uma aprendizagem efetiva, ele enfraquece a mesma. Em tais condições, a subordinação, conformidade, e disciplina substituem o desenvolvimento do pensamento crítico e relações sociais como características básicas da experiência escolar.18 Embora o currículo oculto não possa ser completamente eliminado, suas propriedades estruturais podem ser identificadas e modificadas para criarem-se condições que facilitem o desenvolvimento de métodos e conteúdos pedagógicos que ajudem a tornar os estudantes indivíduos ativos em sala de aula em vez de simplesmente objetos recipientes. Ao conscientizar estudantes e professores do currículo oculto como este tem tradicionalmente operado, ambos os grupos podem desenvolver uma compreensão de seus componentes e efeitos e trabalhar para obter mais discernimento sobre ele. Uma vez que o currículo oculto tenha se tornado evidente, estudantes e professores estarão mais sensíveis para reconhecer e alterar seus piores efeitos, podendo trabalhar para construir novas estruturas, métodos e relacionamentos sociais nos quais as normas e valores subjacentes em sala de aula operem para promover aprendizagem mais do que ajustamento.

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Um terceiro macro-objetivo gira em torno de ajudar os estudantes a Desenvolverem uma consciência crítica e política. O suporte a esta posição uma longa história, e pode ser encontrado nos escritos dos gregos -Os. Para eles, o teste final do sistema educacional era a qualidade e política dos estudantes que produzia. Ao comentar sobre a noção 're«a de política e educação, Iglitzín argumenta que "a concepção grega do nensamento político concentrava-se em torno da noção de que os concei[os de educação, virtude e participação política estão inextrincavelmente relacionados. Assim, a educação no sentido grego deve incluir as alegrias e responsabilidades da participação cívica completa".19 O desenvolvimento cie um macro-objetivo que procure perpetuar uma consciência crítica e nolítica nos estudantes apóia-se em uma suposição compartilhada por Kant, o qual disse que os jovens "não deveriam ser educados para o presente, mas para uma melhor condição futura da raça humana, isto é, para a idéia de humanidade".20 As implicações políticas da afirmação de Kant devem ficar claras. O ponto é que este objetivo não significa enfatizar-se o conteúdo político no sentido mais literal do termo, mas sugere que se ofereça aos estudantes uma metodologia que lhes permita olhar para além de suas vidas particulares para obter uma compreensão das bases políticas, sociais e econômicas da sociedade mais ampla. Político, neste sentido, significa possuir os instrumentos cognitivos e intelectuais que permitam uma participação ativa em tal sociedade. Uma abordagem deste macro-objetivo aponta para o ensino do significado e importância da noção de sistema de referência. Ao serem conscientizados de que todos têm um sistema de referência, operando consciente ou inconscientemente, os estudantes terão a oportunidade de desenvolver uma estruturação teórica na qual possam ordenar suas experiências e reconhecer a base social de suas percepções. Markovic, o notável filósofo iugoslavo, relaciona diretamente o crescimento de uma consciência política crítica e o desenvolvimento de uma estrutura de referência, isto é, visão de mundo: A visão de mundo ajuda a trazer para a consciência o que somos por hábito inconsciente. Se a teoria for válida, ela aumenta nosso conhecimento acerca cie nós mesmos e de nosso agir, permite-nos controlar nossas próprias forças e refletir sobre elas crítica e racionalmente, e aperfeiçoar nossa maneira futura de agir. Se for verdade que seguimos certas regras sempre que nossa atividade é bem organizada e dirigida a alguma meta, então a ignorância destas regras é uma forma específica de alienação.21

A importância dos estudantes se conscientizarem de seu próprio siste^a de referência assume um significado adicional quando este sistema de re ferência é informado por um modo de raciocínio que os auxilia a relacionar o pessoal e o social; em outras palavras, uma epistemologia que os a jude a reconhecer a natureza social, e, portanto, política do pensar e cio a 8ir. A suposição por trás desta posição é que o conhecimento é um fenô-


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meno político-social que pode ser mais significativamente estudado examinando-se a rede de conexões na qual ele está inserido. Esta posição representa a utilização de uma metodologia que enfatize a conexão entre os valores e os fatos, bem como a percepção do conhecimento através da tentativa de compreender seus laços causais, isto é, a rede de relações que lhe emprestam significado. Para que os estudantes desenvolvam uma consciência política, deve ficar claro para eles que a escola é um processo político, não apenas porque contém uma mensagem política ou trata de tópicos políticos de ocasião, mas também porque é produzida e situada em um complexo cie relações políticas e sociais das quais não pode ser abstraída. Conseqüentemente, os estudantes devem ter a oportunidade tanto de compreender a natureza política do processo de ensino quanto de usá-lo como um modelo microcósmico no qual possam aplicar a crítica e análise que se mostrarão benéficas quando deixarem a escola e ingressarem na sociedade mais ampla. Deste ponto de vista, este macro-objetivo deveria ajudar a gerar nos estudantes um desejo de combinar o pensamento analítico e reflexivo com várias formas de interação social em sala de aula. Refletindo sobre a origem de tal objetivo, Kohlberg salientou que "isto significa que a própria sala de aula deve ser vista como uma arena na qual o processo político e social acontece em urn microcosmo".22 Em conclusão, os macro-objetivos oferecem um sistema de classificação destinado a ajudar estudantes e professores a irem além das noções de aprendizagem limitadas pelos parâmetros de uma determinada disciplina ou curso. Ainda mais importante, a distinção entre macro e mícro-objetivos permite que os educadores usem objetivos diversos a fim de explorar o relacionamento entre as experiências escolares dos estudantes e as forças sócio-políticas que moldam a cultura dominante. Por exemplo, o modelo de macro e micro-objetivos permitiria que professores que não concordam totalmente com a posição behaviorista dos objetivos selecionem objetivos behavioristas como micro-objetivos, e ao mesmo tempo possam usar outros tipos de objetivos como macro-objetivos. A flexibilidade desta abordagem não apenas torna mais fácil avaliar a efetividade dos diferentes tipos de objetivos educacionais, como também assegura que qualquer organização de cursos seja baseada em uma abordagem que ligue diferentes formas de aprendizagem com normas e valores socialmente construídos. Os educadores devem superar a esquizofrenia teórica que atualmente caracteriza o movimento dos objetivos. Somente então aproximar-se-ão do desenvolvimento de objetivos dos cursos destinados a fomentar as experiências educacionais de seus alunos, que elucidarão a riqueza política e complexidade social da interação entre o que é aprendido na escola e a experiência da vida cotidiana.

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ÍÍt§termo escolas como utilizado neste capítulo não deveria sugerir posições teóricas fixas líSv'-'d* s dentre os dois movimentos analisados ou dos muitos movimentos marginais que SfêS1 posição no estabelecimento de objetivos dos cursos. Os vários movimentos repreiSfi?"1 as escolas no sentido de que seus membros compartilham de suposições fundamenjfÇ^ Desnecessário dizer que embora existam realmente diferenças entre os membros das S^?' «vás escolas, tais diferenças têm menor peso do que suas concordâncias. Uma visão tf^ssante das escolas de objetivo humanista e behaviorista pode ser encontrada em Leonard Bv^rfner "Humanistic Education and Behavioral Objectives: Opposing Theories of Educationai f^H • e" ScboolReview (Maio 1971): 376-94. Ver também Davicl R. Krathwohl e Davíd Payne, f C!en ^ ia Educationai Objectives", em Educationai Measurement, Robert L. Thorndike, ed. (Washington. D.C.: AGE, 1971), pp. 17-45. •7 Uni exemplo evidente disso pode ser encontrado em W James Popham, "Probing the Validitv of Arguments against Behavioral Goals", Behavioral Objectives and ínstruction, ed. Robert I. Kibler et ai. (Boston: Allyn e Bacon, 1970), pp. 115-16. Ao defender a posição de objetivo behaviorista, Popham fez a seguinte declaração, "contudo, como partidário na controvérsia, eu preferiria apoio unânime da posição que defendo. Vejam vocês, as outras pessoas estão erradas. Aderindo a um princípio filosófico de que o erro é mau, detesto ver meus amigos chafurdarem no pecado". 3. Michael W. Apple, "The Adequacy of Systems Managememnt Procedures in Education and Alternatives", em Perspectives on Management Systems Approaches in Education, Albert H. Yee ed. (Englewood Cliffs, N.J.: Educationai Technology Publícations, 1973), pp. 97-110; também ver Maxine Greene, "Curriculum and Consciousness", em Pinar, Curriculum Theorizing, p.304. 4. jean Bethke Elshtain, "Social Relations in the Classroom: A Moral and Polítical Perspective", Telos (Primavera 1976): 97-100. 5. O relacionamento entre o currículo formal e oculto é explorado em Giroux e Penna, "Social Relations in the Classroom". 6. Uma compreensão mais completa desta posição pode ter mais êxito examinando-se sua raízes históricas. Que eu saiba, o melhor livro no assunto é o de Raymond Callahan, Education and the Cult ofEfficiency (Chicago: University of Chicago Press, 1962). 7. M. Greene, "Curriculum and Consciousness", p. 299. 8. Michael F. D. Young, "Knowledge and Control", Knowledge and Control, p.10. 9. Apple, "Curriculum as Ideological Selection", pp. 210-11. 10. Para um tratamento sofisticado do relacionamento entre teoria e "fatos", ver Max Horkheimer, Criticai Theory (New York: Seabury Press, 1972), pp. 188-244. H. Trent Shroyer, "Towarcl a Criticai Theory for Advanced Industrial Society", em Recent Sociology 2, ed. Hans Peter Dreitzel (London: Collier-Macmillan, 1970), p. 211. 12. Russel jacoby, Social Amnésia (Boston: Beacon Press, 1975), p. xviii. 13. Bernstein, Class, Codes and Control, vol. 3; também ver Bourdieu e Passeron, Reproduction. 1-í. Paulo Freire, Education for Critica! Consciousness (New York: Seabury Press, 1973), PP-


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15. Max Horkheimer, Eclipse ofReason (New York: Seabury Press, 197-1), p.73. 16. Erich Fromm, Bcyoncl lhe Chain oflllusion (New York: Holt, Rínehart & Winston, 1968). p. 173. 17. Discussões cio currículo oculto podem ser encontradas nas seguintes fontes: Jackson, Life in Classrooms; Dreeben, On Wbat ís Learned in Schools; Overly. The Unstudiecl Curriculum.

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18. Bowies e Gintis, Schooling in Capitalist America, pp. 131-48.

Escrita e Crítico nos

19. Lynne B. Iglitzin, "Political Education and Sexual Liberation", Politics and Socíety 2 (Inverno 1972): 242. 20. Herbert Marcuse, Counter-Revolution and Reuolt (Boston: Beacon Press, 1972), p.28. 21. Mihailo Markovic, From AffJuence 1974), p.23.

to Praxis (Ann Arbor: University of Michígan Press,

22. Lawrence Kohlberg, "Moral Development and the New Social Studies", Social Education 37 (Maio, 1973): 371.

HENRYA.GIROUX General, um homem é bastante descartável. Elo pode voar e ele pode matar. Mas ela tem um defeito: ele sabe pensar. Bertold Brecht.

m um palestra recente sobre escrita perante o Conselho Nacional d Professores de Inglês, o romancista Jerzy Kosinski afirmou que c estudantes não eram "verbais; eles não eram capazes de descrever que liam, não sabiam descrever suas próprias emoções". Kosinski elaboro seu ponto argumentando que a cultura americana predominante amortec a consciência e pensamento individual. Implícita na acusação de Kosinsl está a suposição de que existe uma relação entre escrita e pensamento Mais especificamente, a escrita pobre reflete um pensamento pobre, e que os professores muitas vezes encaram simplesmente como um "erro" d escrita na verdade é o reflexo de um erro no próprio pensamento. O propósito deste capítulo é examinar as suposições teóricas tradicic nais a respeito da pedagogia da escrita e do pensamento crítico. Alér disso, este capítulo tenta não apenas mostrar que a pedagogia da escrita do pensamento crítico estão dialeticamente ligadas, mas também ilustre como a pedagogia da escrita pode ser usada como veículo de aprendiz; gem que auxilie os estudantes a aprender e pensar criticamente a respeít de qualquer assunto de estudos sociais.

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Abordagens Tradicionais da Escrita A história das últimas décadas indica que as abordagens tradicionais da pedagogia da escrita não funcionam.1 Parte deste fracasso pode estar ligado ao que Van Nostrand chama de estado primitivo da arte de ensinar a escrever. Como assinalaram Van Nostrand e outros, o ensino tradicional da escrita tem sido dominado por diversas suposições poderosas, porém enganosas, que reduziram o ensino da escrita a uma pedagogia predominantemente metodológica e provinciana, isto é, uma pedagogia tecnocrática.2 Uma suposição é que a escrita deve ser ensinada exclusivamente por professores cie inglês. As evidências são bastante claras neste ponto. Em todos os níveis de educação, o ensino da escrita se dá exclusivamente dentro dos domínios dos departamentos de inglês, ou então é realizado basicamente por professores de inglês. Além disso, a maior parte da pesquisa e das publicações a respeito do ensino da escrita são dirigidas exclusivamente às pessoas dos departamentos de inglês. Outras suposições decorrem da monopolização da pedagogia da escrita por professores de inglês. As mais importantes incluem: (1) sabe-se muito acerca da pedagogia da escrita; (2) os professores de inglês, em virtude de seu treinamento, ocupam posição privilegiada para o ensino da escrita; e (3) o ensino da escrita é uma habilidade pouco relacionada com a aprendizagem de outras matérias. Todas estas suposições precisam ser examinadas, mas apenas recentemente é que elas foram questionadas e substituídas por uma compreensão mais precisa do que constitui a escrita em termos gerais e específicos. Além disso, foi somente durante a última década que as definições revisionistas da escrita foram relacionadas com estratégias de aprendizagem comparáveis.3 Contudo, antes de prosseguirmos para a definição destas novas abordagens do ensino da escrita, gostaria de elucidar algumas das idéias tradicionais acerca do tema através do exame de três "escolas" predominantes que continuam a capitalizar e reproduzir noções errôneas a respeito da natureza e pedagogia da escrita. As três principais escolas que atualmente dominam o ensino da escrita são o que defino como (1) a "escola tecnocrática", (2) a "escola mimética", e (3) a "escola romântica". Deve-se notar que existem outras escolas de ensino que, em alguns casos, representam abordagens novas e progressistas da escrita, mas estas são poucas e não são representativas do campo. Além do mais, é essencial enfatizar que as três escolas sob exame representam tendências e não posições teóricas fixas. A escola tecnocrática é a mais influente e também a mais conhecida das três. A abordagem desta escola é puramente formalista e caracterizada por ênfase exclusiva às regras, exortações quanto ao que fazer e não fazei quando se escreve. Escrever, neste caso, é visto como um ofício, uma questão de técnica que começa pela ênfase à gramática e termina pela ênfase a coordenação e desenvolvimento de estruturas sintáticas mais amplas. A

única e mais importante suposição teórica que orienta a abordagem te crática é a de que a escrita é um artefato, o aprendizado de uma séri ^°~ habilidades que variam desde codificações gramaticais simples até conj ^e cões sintáticas complicadas. Os devotos deste grupo variam desde os u f u~ rios ferrenhos da gramática inglesa e de textos de composição tradicicv^" até os defensores avant garde dos muitos textos sobre gramíu.ais lca transformativa. No cerne da abordagem tecnocrática está o fracasso em embas^ pedagogia da escrita em uma estrutura conceptual que permita que; estudantes façam conexões entre o que Vygotsky chamou de discurso ir}te_ rior e discurso escrito elaborado.4 Tais conexões envolvem uma ligação entre as percepções subjetivas internalizadas pelos estudantes e Sua objetivação destas experiências para um determinado público. Em suma, a escola tecnocrática deixou de compreender uma dimensão poderosa do processo de escrita, dimensão na qual a escrita funciona tanto como meio estruturado para a produção de conhecimento quanto como meio de construir-se o pensamento lógico. O que a escola tecnocrática falha em perceber é que escrever é um processo, um modo singular de aprendizagem que corresponde a estratégias de aprendizagem poderosas que examinam o relacionamento entre o leitor, o assunto e o escritor. Conseqüentemente, a escrita como forma de práxis, como um modo de estruturar a consciência, é vista simplesmente como uma habilidade técnica, reduzida a um instrumentalismo simplista, grosseiro, divorciado do conteúdo, icleação e fundamentos normativos. Felizmente, durante os últimos anos, surgiram muitas pesquisas que indicam que o ensino da gramática formal não tem qualquer efeito no aperfeiçoamento da escrita, ou então tem um efeito negativo.5 Infelizmente, embora estas pesquisas sirvam para solapar suposições essenciais da escola tecnocrática, a popularidade desta última continua intacta, principalmente com o crescimento recente do movimento de retorno aos fundamentos na educação. Ainda mais desalentadoras são as pesquisas que indicam que, embora existam alguns manuais educacionais sobre escrita, os quais aparentemente estabelecem uma ligação entre a escrita e o pensamento, a maior parte destes manuais "versam sobre a organização e transcrição cio Pensamento, e não do pensar".6 A escola mimética oferece uma perspectiva muito diferente, mas não rnenos enganosa, tanto do processo quanto da pedagogia da escrita. Ao J nvés de começar de baixo para cima ensinando gramática e sintaxe, os representantes deste grupo começam de cima, fazendo com que os estudantes leiam os trabalhos de autores de "prestígio", desde Platão até Norman Mailer. A escola mimética supõe que os estudantes aprendem a escrever através da leitura de livros que servem como modelos de boa escrita. Infe'Zmente, resta explicar como esta abordagem funciona. Ela parece operar a Partir de uma versão do princípio "osmótico". Assim, se os estudantes lê-


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rem Hemingway, Vidal e outros autores o suficiente, eles aprenderão a escrever como resultado de um processo de assimilação. Em uma conferência sobre o ensino da escrita proferida no Centro de Pós-oraduação da Universidade da Cidade de Nova York, Susan Sontag e Francine du Plessix Gray reiteraram o valor da abordagem mimética da escrita. Sontag argumentou que deveria-se ensinar os estudantes a pensar antes de escrever; uma maneira de aprender a pensar, assim como aprender a escrever, seria através da imitação de bons escritores, "que poderiam ser ministrados em pequenas doses - um parágrafo ou uma página - e então imitados pelos estudantes".7 Francine du Plessix Gray reiterou a sugestão de Sontag, pedindo aos professores que façam seus alunos lerem atentamente "Orwell, Agee, e a prosa de Walt Whitman".8 É possível que esta abordagem familiarize os estudantes com obras literárias importantes, mas seu valor como técnica de escrita é seriamente limitado. O declínio da capacidade de escrever nos últimos anos é tão perceptível entre graduandos de literatura inglesa quanto entre estudantes de outras disciplinas.9 Embora Sontag e outros autores vejam uma conexão entre o pensar e o escrever, a transição do primeiro para este último não pode ser feita através de um ato do destino. A leitura das obras de autores de prestígio não garante que seremos capazes de pensar ou escrever melhor. Ironicamente, a abordagem mimética parece reforçar este último ponto com seu argumento um tanto superficial de que existem bons escritores e maus escritores, e dadas as condições adequadas os bons escritores irão florescer. Em termos populares, isto se traduz na noção calvinista cie que "algumas pessoas têm a coisa e outras não". Evidentemente, num nível mais sutil, esta posição também rejeita a necessidade de uma pedagogia cia escrita. Escrever neste caso não tem base pedagógica, e sim, biológica. Não se ensina a escrever; simplesmente se fornece um lugar para que os estudantes escrevam. Uma terceira abordagem da escrita, a escola romântica, apóia-se na premissa de que existe um relacionamento causai entre fazer com que os estudantes "sintam-se bem" e aperfeiçoar sua capacidade de escrever. Escrever neste caso é visto como o produto cie uma descarga catalítíca de emoções de alegria. Os proponentes desta escola baseiam-se em grande parte em um grupo isolado de pensadores tais como Gari Rogers, Abraham Maslow e Gordon Alport, cujas raízes encontram-se na tradição de aconselhamento pessoal existencial. Conhecidos como grupo pós-freudiano, seus proponentes rejeitam o pessimismo dos existencialistas do início do pós-guerra e enfatizam uma crença otimista no valor da capacidade cie crescimento e auto-realízação do indivíduo. Infelizmente, aqueles que apoiam a posição pós-freudiana no campo do inglês, tais como Sidney B. Simon e George E. Newell, aceitam sem restrições as suposições teóricas sobre as quais esta posição se baseia. Por motivos cie clareza, faz-se necessário fornecer uma análise sucinta de algumas das mais importantes suposições da posição pós-freudiana. '

Para os pós-freudianos, o indivíduo parece existir em um relações interpessoais desimpedidas, onde sua auto-realização é cont^ ^ apenas pelos limites da vontade individual e pela liberação pessoar r frustração. O que os pós-freudianos ignoram são as realidades externas ^ medeiam entre os desejos do indivíduo e a realização destes deseios D maneira semelhante, eles deixam de reconhecer que o sucesso não é simplesmente uma questão de vontade, transpondo magicamente as barricadas de "algodão" do mundo real. Na verdade, o "sucesso" representa a capacidade de lidar concretamente com as forças sócio-políticas que geram dúvida conflito, angústia, e a possibilidade de cometer erros. O ponto aqui é que a felicidade e a vontade humana por si só perdem o significado quando não são avaliadas através de uma perspectiva teórica que as situe e analise dentro de circunstâncias sócio-históricas concretas. A sensibilidade para com os sentimentos não é desculpa para uma indiferença em relação às forças sociais mais distantes que definem o imediato, o imediato sendo, neste sentido, a sala de aula e os relacionamentos sociais cotidianos do encontro educacional.11 O problema básico da escola romântica é que ela dá ênfase excessiva à importância do "eu interior". A ênfase excessiva à necessidade do estudante de reconhecer o "eu interior" ignora a natureza objetiva de uma pedagogia da escrita que tem suas próprias leis, as quais têm que ser ensinadas e não podem ser intuitivamente compreendidas por estudantes que têm a oportunidade de regozijarem-se expressivamente na afirmação de sentimentos "positivos". Esta última crítica não pretende solapar a importância da dimensão afetiva como fator motivacional no ensino da escrita. O modo afetivo é necessário, mas ao mesmo tempo é incompleto. É preciso um salto de confiança para alegar que existe uma correspondência de um para um entre os estudantes "sentirem-se bem" e sua capacidade de escrever bem. "Sentir-se bem" não é substituto de uma abordagem sistemática da aprendizagem de uma pedagogia consistente e desenvolvida da escrita, a qual ajude os estudantes a compreenderem o que acontece quando escrevem. Quando a dimensão interpessoal transforma-se em um substituto assim, ela parece traduzir-se no inverso de seu objetivo declarado e termina como um "sinta mais e pense menos".12 Todas estas escolas de pedagogia compartilham de um mesmo erro, o ^ual tem tido influência considerável no sentido de impedir o desenvolvimento de uma nova abordagem à teoria e prática da escrita. Todos estes grupos deixam de examinar a questão do que acontece quando se escreve. Assim, a noção de escrita tanto como processo interdisciplinar quanto e Pistemologia, capaz de ensinar os estudantes a pensarem crítica e racion almente sobre um assunto, não pode ser ignorada. Epistemologicamente, o escrever deve ser visto mais como um process ° dialético do que como uma habilidade instrumental. Enquanto habilidainstrumental, a escrita limita-se a uma preocupação estática com catego-


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rias retóricas tradicionais, tais como argumento, exposição, narração e uso da gramática. Estas categorias deixam de fornecer, como assinalou Britton, uma compreensão do que está envolvido no processo de escrever.13 Uma abordagem dialética examinaria o processo de escrever como uma série de relações entre o escritor e o assunto, entre o escritor e o leitor, e entre o conteúdo e o leitor. Em termos gerais, tal abordagem da escrita significaria considerar a mesma em seu relacionamento mais amplo com os processos de aprendizagem e comunicação. Neste caso, aprender a escrever não significaria aprender a desenvolver um sistema de elocução instrumental, mas, como disse o Dr. Carlos Baker, significaria aprencter a pensar.14 Neste caso, a escrita é uma epistemologia, um modo de aprender. Colocado de maneira mais precisa, a noção de escrita como modo de aprender tem que ser distinguida cia noção geral de comunicação. Como ao escrever, quando falamos nós aprendemos mais acerca do que queremos dizer simplesmente dizendo-o. Aprendemos ao falar. O mesmo se aplica à escrita, aprendemos ao escrever. A correlação parece óbvia e natural; entretanto, é tanto enganosa quanto incorreta. Embora as duas formas de comunicação envolvam aprender mais sobre um determinado assunto, as leis que governam a comunicação oral são muito diferentes daquelas que governam a comunicação escrita. Na comunicação oral, o relacionamento entre o falante e o ouvinte baseia-se em um número cie estímulos existenciais, tais como expressões faciais, altura e entonação, intensidade emocional, e, em alguns casos, sinais táteis como o toque. Além disso, caso o ouvinte esteja confuso, pode-se parar o falante e pedir esclarecimentos. A comunicação escrita não dispõe de tais luxos. A relação do escritor com o leitor é muito mais tênue, e mantém-se pela promessa daquele em oferecer a este informações importantes e interessantes. Semelhante a uma boa obra de arte, a boa escrita exige uma integração de forma e conteúdo, cuja qualidade mantenha a atenção do leitor. Infelizmente, o que ocorre muitas vezes é que o escritor promete uma coisa ao leitor e termina dando outra. Van Nostrand colocou bem o problema. O relacionamento essencial entre escritor e leitor é um contrato: um contrato unilateral que o escritor faz. O escritor contém a promessa de transmitir algo de valor, algum tipo de informação, em troca da atenção cio leitor. Mas o escritor tende a violar este contrato simplesmente ao escrever. O leitor espera o que foi prometido, mas recebe uma outra coisa em seu lugar, o que é um registro das tentativas do escritor cie estabelecer aiguma relação fugidia, incluindo, muitas vezes, tentativas inválidas, afirmações improváveis, referências confusas aos antecedentes, grupos de palavras transpostos e metáforas ambíguas. Estes são sinais normais do processo de aprendizagem normal do escritor. Para o leitor, contudo, eles são rodeios em torno do que se prometeu.15

A diferenciação entre a comunicação oral e escrita marcou o primeiro passo de um número crescente de intelectuais como Emig, Freire, Van Nostrand e Vygotsky na redefinição do que constitui a pedagogia da escrita. Descartando a noção de escrita como exercício no domínio de técnicas.

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este grupo fez avanços significativos no desenvolvimento de estratégias teoricamente informadas, nas quais a escrita é definida como um relacionamento ativo que medeia entre o assunto e o mundo. Mais especificamente tal relacionamento tem implicações importantes tanto na forma quanto no conteúdo da aprendizagem, principalmente com respeito ao conceito de pensamento crítico. É através do exame do que constitui o pensamento crítico que as implicações de uma nova abordagem da escrita serão exploradas.

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do

Crítico

A título de esclarecimento, devo salientar que não é meu propósito fornecer um tratamento aprofundado do que constitui o pensamento crítico. Essa tarefa fica para uma outra ocasião. No relato que se segue, desejo simplesmente sugerir alguns componentes que, em minha opinião, constituem um bom ponto de partida para uma pedagogia do pensamento crítico. Isto também servirá como introdução à próxima seção, na qual a aplicação de um modelo específico de escrita em um curso de história americana será ilustrada como um nexo que integra a escrita e o pensamento crítico. Embora o foco imediato da próxima seção esteja em assuntos provenientes da disciplina de história, os conceitos e sugestões subjacentes podem ser aplicados em outras áreas dos estudos sociais. Gostaria de começar comentando em termos gerais sobre os problemas que continuam a moldar o ensino de estudos sociais. Acredito que estes problemas são importantes na medida em que refletem um equívoco pedagógico por parte dos educadores acerca do que constitui o pensamento crítico em termos gerais e específicos. Em primeiro lugar, a maior parte do que os estudantes recebem na escola é uma exposição sistemática de aspectos selecionados da história e cultura humanas. Não obstante, a natureza normativa do material selecionado é apresentada como inquestionável e livre de valores. Em nome da objetividade, grande parte de nossos currículos de estudos sociais universaliza as normas, valores e perspectivas que representam perspectivas interpretativas e normativas da realidade social.16 Esta última abordagem dos estudos sociais poderia ser adequadamente caracterizada como pedagogia da "percepção imaculada". Em segundo lugar, a pedagogia da "percepção imaculada" representa uma abordagem da aprendizagem que não apenas sanciona as categorias dominantes de conhecimento e valores, mas também reforça uma abordagem teórica e não dialética da e struturação de nossa percepção do mundo. Não se ensina os estudantes a °nsiderarem o conhecimento curricular, os fatos, dentro de um contexto a is amplo de aprendizagem. Além disso, a relação entre teorias e "fatos" é uitas vezes ignorada, tornando, assim, bastante difícil que os estudantes e senvolvam um aparelho conceituai para investigar, em primeiro lugar, a at ureza ideológica e epistemológica daquilo que constitui um "fato". Final-


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mente, a pedagogia da "percepção imaculada" tanto cria quanto reproduz relacionamentos sociais em sala de aula que são não apenas enfadonhos para a maioria dos alunos, mas também, e principalmente, mistificadores. Em vez de desenvolver pensadores ativamente críticos, tal pedagogia produz estudantes que têm rnedo ou são incapazes de pensar criticamente.17 Antes de examinar a natureza do pensamento crítico, deve-se fazer urn breve comentário sobre a origem das mazelas pedagógicas que estão consumindo as escolas norte-americanas e o campo de estudos sociais em particular. Se o campo de estudos sociais, particularmente em nível da educação de segundo grau, é em parte caracterizado por uma pedagogia que censura o pensamento crítico, quem em última análise é responsável por tal negligência? Qualquer resposta conclusiva para esta pergunta teria que partir do reconhecimento de que atribuir a culpa exclusivamente a professores ou estudantes é uma resposta excessivamente simplista. Tal ponto de vista ignora que a essência da escolarização reside em seu relacionamento com a realidade sócio-econômica mais ampla, particularmente com as instituições de trabalho. As escolas parecem ter pouco a ver com a noção kantiana de que deveriam funcionar para educar os estudantes para uma "melhor condição futura da raça humana, isto é, para a idéia de humanidade".18 O negócio real das escolas parece ser socializar os estudantes para aceitarem e reproduzirem a sociedade existente.19 Embora no final das contas não se possa culpar os professores por muitas das mazelas que assolam a educação norte-americana, estes podem examinar as suposições de senso comum por trás de suas abordagens de ensino. Isto significa que eles teriam que reformar e reestruturar sua pedagogia conforme à máxima categórica uma vez proferida por Nietzsche, "Uma grande verdade exige crítica, não idolatria."20 Isto nos conduz diretamente à questão espinhosa de definir o conceito de pensamento crítico tanto em termos teóricos quanto programáticos. As visões tradicionais da natureza do pensamento crítico deixaram de apoiar o apelo de Nietzsche por uma busca crítica da verdade. Isto é verdade não apenas porque os manuais e abordagens pedagógicas dos estudos sociais tenham objetivado as normas, crenças e atitudes predominantes, mas também por causa da própria forma com que o pensamento crítico foi definido. A definição mais poderosa, porém limitada, do pensamento crítico provém da tradição positivista nas ciências aplicadas, e sofre do que chamo de posição de Consistência Interna.21 De acordo com os adeptos desta posição, o pensamento crítico consiste basicamente em ensinar o estudante a analisar e desenvolver trabalhos de leitura e escrita a partir da perspectiva dos padrões lógicos de consistência. Neste caso, ensina-se o aluno a examinar o desenvolvimento lógico de um tema, "coordenadores avançados", argumentação sistemática, validade das evidências, e determinar se uma conclusão procede a partir dos dados em estudo. Embora todas estas habilidades de aprendizagem sejam importantes, suas limitações como

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um

QO

todo encontram-se no que é excluído, e é com respeito ao que está ausente que se revela a ideologia desta abordagem. No cerne do que chamamos de pensamento crítico existem duas suposições importantes que estão ausentes. Ern primeiro lugar, existe o relacionamento entre teoria e fatos; em segundo, o conhecimento não pode ser isolado dos interesses, normas e valores humanos. A despeito de uma aparente simplificação excessiva, é no contexto destas duas suposições que outras poderão ser desenvolvidas, e um embasamento teórico e programátíco poderá ser criado para uma abordagem pedagógica que ensine os estudantes a pensarem criticamente. Alvin Gouldner enfatizou a importância de se reconhecer o relacionamento entre a teoria e os fatos, relacionamento que levanta questões fundamentais acerca da natureza frágil do conhecimento. "O pensamento crítico... é aqui entendido como a capacidade de tornar problemático o que havia até então sido tratado como dado; trazer a. reflexão o que anteriormente só havia sido usado... examinar criticamente a vida que levamos. Esta visão da racionalidade situa a mesma na capacidade cie pensar sobre nosso pensamento."22 Em termos pedagógicos, isto significa que os fatos, questões e eventos em quaisquer estudos sociais deveriam ser problematicamente apresentados aos estudantes. O conhecimento neste caso exige busca, invenção e reinvenção constantes. Como argumenta Paulo Freire, o conhecimento não é o fim do pensamento, e sim o laço mediador entre estudantes e professores. Este último ponto sugere não apenas uma abordagem muito diferente dos relacionamentos sociais em sala de aula quando comparados com aqueles que têm tradicionalmente predominado, mas também que uma boa porção de tempo deveria ser usada para ensinar os estudantes a noção de sistema de referência e seu uso como instrumento interpretativo teórico/conceituai. Observando informações semelhantes através de diferentes sistemas de referência, os estudantes podem começar a tratar o conhecimento como problemático e, assim, como objeto de investigação. A ligação entre a teoria e os fatos coloca em primeiro plano um outro componente fundamental da pedagogia do pensamento crítico: as relações entre os fatos e os valores. O modo pelo qual a informação é selecionada, disposta e seqüencíada para construir um quadro da realidade contemporânea e histórica é mais do que uma operação cognitiva; é também um processo intimamente ligado às crenças e valores que orientam nossa vida. Implícitas na reorganização do conhecimento estão as suposições ideológicas acerca de como vemos o mundo, suposições que constituem a distinção entre o essencial e o não essencial, o importante e o não importante. O Ponto aqui é que qualquer conceito de sistema de referência tem que ser a presentado aos estudantes como mais do que uma estrutura epistemológíca, Para incluir também uma dimensão axiomática. Além disso, separar fatos de valores é correr o risco de ensinar os estudantes como lidar com os meios, independentemente da questão dos fins.


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Relacionada com as duas principais suposições acerca do pensamento crítico temos uma questão de procedimentos que gira em torno do que poderia ser chamado de contextualização da informação. Os estudantes precisam aprender a ser capazes de saírem de seu próprio sistema de referência, de forma que possam questionar a legitimidade de um determinado fato, conceito ou questão. Eles também precisam aprender a perceber a própria essência daquilo que estão examinando situando-no criticamente em um sistema de relacionamentos que lhe empreste significado. Em outras palavras, os estudantes devem aprender a pensar dialeticamente e não de maneira isolada e compartimentalizada. Ao salientar as limitações de urna abordagem não dialética do pensamento, Frederic Jameson apresenta um comentário pertinente sobre a necessidade de uma abordagem mais dialética do mesmo: "a tendência antiespeculativa daquela tradição, sua ênfase no fato ou item isolado às custas da rede de relacionamentos nas quais este item pode estar inserido, continua a estimular uma submissão ao que é, não permitindo que seus seguidores estabeleçam relações e, principalmente, tirem conclusões de outra forma inevitáveis em nível político.23 Além da contextualização da informação, a forma e conteúdo das relações sociais escolares têm que ser consideradas por qualquer pedagogia que se preocupe com o pensamento crítico. Qualquer pedagogia do pensamento crítico que ignore as relações sociais da sala de aula corre o risco de ser mistificadora e incompleta. Sartre captou bem este último ponto com sua observação de que o conhecimento é uma forma cie práxis.2' Em outras palavras, o conhecimento não é estudado por si mesmo e sim visto como uma mediação entre o indivíduo e a realidade social mais ampla. Dentro do contexto de tal pedagogia, os estudantes se tornam indivíduos no ato de aprender. Sob estas circunstâncias, os estudantes devem ser capazes cie examinar o conteúdo e as estruturas dos relacionamentos em sala de aula que fornecem os limites de sua própria aprendizagem. O ponto importante aqui é que, para que o conhecimento educacional seja um estudo na ideologia, a questão do que constitui conhecimento legítimo deve ser tomada em meio a relações sociais que encorajem tal abordagem. Qualquer abordagem do pensamento crítico, independentemente de quão progressista seja, irá debilitar suas próprias possibilidades caso opere a partir de uma rede de relacionamentos sociais de sala de aula que sejam autoritariamente hierárquicos e que promovam passividade, docilidade e silêncio. As relações sociais de sala de aula que glorificam o professor como expert, o fornecedor cie conhecimento, acabam mutilando a imaginação e criatividade do estudante; além disso, tais abordagens ensinam os estudantes mais sobre a legitimidade cia passividade do que sobre a necessidade de examinarem criticamente a vicia que levam.25 Crucial para o desenvolvimento de relações sociais escolares progressistas é a abertura de canais de comunicação nos quais os estudantes usem o capital lingüístico e cultural que trazem para a sala de aula. Se os estudantes

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forem submetidos a uma linguagem, bem como a um ambiente de crenças valores cuja mensagem implícita sugere que eles são culturalmente analfabetos, eles aprenderão pouco sobre o pensamento crítico e muito sobre o \ie Paulo Freire chamou de "cultura do silêncio".26 Bourdieu e outros autoes revelaram a essência da pedagogia da "cultura do silêncio" ao assinalarem que ° conhecimento escolar, longe de ser o "resultado dos significados gaociados entre professores e alunos", é muitas vezes a imposição de um estiío de alfabetização e cultura "que é específico à socialização da linguagem das classes privilegiadas".27 Em resumo, para que o conhecimento seja usado pelos estudantes a fim de dar significado a suas existências, os educadores terão que usar os valores, crenças e conhecimento dos estudantes como parte importante do processo de aprendizagem, antes que, como assinala Maxine Greene, "um salto para o teórico possa ser dado".28 Enfim, a tarefa de ligar a escrita, a aprendizagem e o pensamento crítico significa redefinir a pedagogia da escrita e também do pensamento crítico. A seção final deste capítulo irá ilustrar como um modelo de escrita pode ser usado como veículo de aprendizagem para ajudar os estudantes a pensarem criticamente sobre o que constitui o conhecimento, em termos gerais, e, mais especificamente, o que constitui o significado da história.

Um

de Escrita e História

A resposta inicial de muitos professores de estudos sociais à sugestão de que se apoiem na escrita como veículo de aprendizagem para ensinar uma matéria de estudos sociais poderia ser: "Escrever é uma disciplina à parte, e eu já tenho um bocado de dificuldades simplesmente ensinando em meu campo." Em vista da atitude para com a escrita que tem dominado o campo dos estudos sociais, a resposta é justa, porém errônea. Mais do que uma matéria, escrever é um processo que pode ser usado para ensinar uma matéria aos estudantes, permitindo-se que eles assumam o mesmo papel do autor dos livros e textos que são usados como fonte de aprendizagem. Em outras palavras, os professores de estudos sociais podem fornecer aos alunos um modelo de escrita que os ajude a aprender uma matéria através do domínio dos mesmos processos fundamentais de pensamento e escrita usados pelos próprios escritores. A partir deste ponto, faremos referências futuras específicas a um modelo de escrita adaptado para um texto destinado a ensinar episódios em um curso de história americana.29 O modelo aP^" sentado não se limita ao ensino da história americana; com pequenas mo 11cações, ele pode ser aplicado em qualquer outro curso de estudos ^sociais. Fundamental para uma boa pedagogia da história é o conceit°r^cfoio a escrita da mesma envolve um processo. O historiador define uni p ^^ através do qual relata os detalhes de qualquer evento ou série


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Uma vez estabelecido um princípio de relacionamento em termos de causa e efeito o historiador pode começar a fazer escolhas. Estas envolvem selecionar as evidências, fazer asserções que incorporem evidências e apresentar as asserções em uma seqüência. Este processo esclarece o relacionamento entre os eventos percebidos pelo historiador. Assim, as escolhas feitas dentre as informações resultam em um registro que chamamos de história. Este processo gera o próprio significado da história. Sendo assim, a escrita da história engendra uma capacidade crítica de compreender a história. Isto não apenas representa um bom princípio de aprendizagem para um historiador profissional jovem, como também proporciona um embasamento pedagógico para ensinar os estudantes a escrever, aprender e reestruturar suas visões da história. Uma abordagem viável para uma pedagogia integrada de escrita e história deveria começar pelo desenvolvimento de uma metodologia destinada a ensinar os estudantes algo sobre a natureza da história. Isto poderia ser feito mostrando-se aos estudantes como ler a história, mostrando-se primeiramente como a história é escrita. Mais especificamente, esta abordagem permitiria que os estudantes lessem trechos de histórias publicadas de eventos reais, para compor histórias limitadas de tais eventos e, então, comparar seus próprios escritos com a história escrita. É fundamental para esta abordagem que se faça uma distinção entre escrever a história e simplesmente reproduzi-la. Não se deveria dar aos estudantes a tarefa de realizar trabalhos que exijam nada mais do que copiar outras fontes históricas. Em vez disso, dever-se-ia utilizar uma abordagem na qual os estudantes passem pelo processo de fazer o mesmo tipo de escolhas que todo historiador faz. Conseqüentemente, deveria-se ensinar os estudantes a julgar qualquer história pelo que é a tentativa de um autor de explicar o significado do que aconteceu e por que aconteceu. É fundamental para a metodologia a ser analisada que se faça uma descrição dos conceitos de escrita envolvidos no processo de aprendizagem do escritor-historiador, bem como uma descrição das estratégias a serem usadas para justapor e comunicar estes conceitos. Os conceitos de escrita a serem utilizados na abordagem pedagógica apresentada na Figura l incluem o seguinte: sistema de referência, coleta de informações, desenvolvimento de uma idéia organizadora e utilização de evidências. A Figura l ilustra um dos modos de se organizarem estes conceitos. Todos eles deveriam ser apresentados aos estudantes como problemáticos. Assim, cada uma das suposições, significados e relacionamentos subjacentes que estes conceitos têm para os diferentes historiadores que os utilizam deveriam ser analisados e questionados pelos estudantes. Isto nos leva a uma das suposições de aprendizagem mais importantes do modelo escrita-pensamento crítico: a problematização de uma questão. A natureza problemática de uma matéria, como, por exemplo, a aprovação das leis americanas de imigração, poderia primeiramente ser apre-

ponto de vista do historiador

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Idéia Organizadora do Historiador

FIGURA 1. Conceitos de Escrita. sentada aos alunos da seguinte maneira. O capítulo sobre "Imigração Americana" poderia começar com uma seção que apresente a questão como um dilema histórico específico que todo o historiador que escreve sobre o assunto tem que enfrentar. Este dilema poderia assumir a forma de uma pergunta específica. Neste caso, a pergunta é: "Havia justificativa para as leis de restrição à imigração para os Estados Unidos?" Os estudantes, então, serão colocados na posição de poderem explorar, através da discussão e do diálogo, o que as dimensões interpretativas da história sugerem acerca do relacionamento entre conhecimento histórico e interesses humanos. É evidente que neste ponto as discussões deveriam ir além desta questão, e os dados das próprias vidas dos estudantes poderiam ser examinados como questões a serem observadas a partir de uma variedade de perspectivas. O passo seguinte deveria ser usado para ajudar os estudantes a compreenderem o que anteriormente nos referimos neste artigo como abordagem dialética do pensamento. Neste caso, dever-se-ia apresentar aos estudantes diversos pontos de vista sobre a aprovação das leis de restrição à imigração. O ponto a ser discutido e esclarecido é que as leis em si mesmas n ão podem ser totalmente compreendidas a menos que examinadas em um contexto histórico mais amplo. É a contextualização de um evento e sua lr nportância para a aprendizagem que estão em jogo nesta seção. Para melhor compreender este ponto, dever-se-ia então passar para outras questões rnais intimamente relacionadas com as vidas e experiências dos estudantes; la is questões poderão então ser explicadas. Uma vez que a abordagem dos diversos pontos de vista tenha sido concluída, o conceito mais sistemático de sistema de referência pode ser a presentado. Ele pode ser introduzido relacionando-o com um conceito de es crita conhecido como "idéia organizadora". Para tornar o ponto mais Concreto, fornece-se aos estudantes uma análise de como dois historiadores que tinham acesso às mesmas informações sobre a política de imigração


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americana desenvolveram diferentes idéias organizadoras para relatar aquelas informações. Apresenta-se então ao estudante o seguinte comentário sobre dois historiadores específicos: Em seu livro, Imigração na América, Maldwyn Allen Jones tem uma idéia organizadora que critica a aprovação cias leis de restrição ao argumentar que os imigrantes ofereciam habilidades e mão-de-obra para o desenvolvimento das cidades e indústrias americanas. Em um outro livro, Imigração, Henry Pratt Fairchild utiliza uma idéia organizadora que justifica a aprovação das leis de restrição. O autor argumenta que os imigrantes tiravam o emprego dos trabalhadores nativos ao diminuir os ordenados e intensificar o desemprego. Você pocle ver que Jones e Fairchild têm idéias organizadoras diferentes. A fim de compreender por que estes dois historiadores têm idéias organizadoras diferentes, você eleve conhecer um outro conceito chamado de Sistema de Referência.30

O conceito de sistema de referência é explicado ao estudante; sua relação corn a noção de idéia organizadora é então elucidado através do uso do seguinte exemplo, extraído de Giroux, Karras e Capizano.31 Este exemplo mostra como dois sistemas cie referência diferentes, quando aplicados ao mesmo evento e ao mesmo conjunto de fatos ou informações, podem produzir duas idéias organizadoras diferentes. O sistema de referência de Jones poderia ser: Os imigrantes tiveram contribuição positiva para o crescimento da América. ... e este assunto: As Leis de Restrição â Imigração; e este conjunto de informações: • redução no declínio da taxa de natalidade entre os americanos na década de 1830. ® surgimento do industrialismo. • estabelecimento do Oeste. • influxo de mão de obra imigrante especializada. e esta idéia organizadora: Os imigrantes desempenharam um papel positivo no crescimento das cidades e indústrias americanas ao fornecer habilidades e mão-de-obra valiosas. O sistema de referência de Fairchild poderia ser: Os imigrantes representaram uma força negativa na história americana. ...e este assunto: As Leis de Restrição â Jm igração; e este conjunto de informações: « redução no declínio da taxa de natalidade entre os americanos na década de 1830. • surgimento do industrialismo. • estabelecimento do Oeste. • influxo de mão de obra imigrante especializada. e esta idéia, organizadora: Os imigrantes tiraram o emprego dos trabalhadores nativos ao diminuir os ordenados e intensificar o desemprego.

Neste ponto da aula talvez fosse útil utilizar uma versão modificada da abordagem de Freire da alfabetização a fim de permitir não apenas que os

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estudantes trabalhem juntos, mas também para ajudá-los a compreender iiielhor os conceitos de sistema de referência e idéia organizadora 32 pod >se apresentar um ou vários quadros que tratem cie questões controversas na comunidade dos alunos. A partir deste quadro, os mesmos deveriam identificar algumas informações importantes. Pedir-se-ia, então, que escrevessem um ensaio de cinco parágrafos que incorporasse as cinco informações Urna vez terminado o ensaio, deveriam numerar os parágrafos, e numa folha separada poderiam redigir uma idéia organizadora para cada pará»rafo, totalizando cinco idéias organizadoras. Depois de concluir a tarefa, grupos poderiam ser formados para discutir o conteúdo e o seqüenciamento de idéias. Tanto o significado quanto a ordenação cias idéias tornam-se problemáticas através deste exercício. A parte seguinte da aula gira em torno de duas leituras comparativas sobre as leis de imigração; as leituras representam relatos históricos distintos de historiadores com diferentes sistemas de referência. Se o nível de leitura destas fontes históricas for muito difícil, cada relato deve ser dividido em parágrafos e cada parágrafo deve ser precedido pelo assunto do parágrafo bem como por uma lista de sinônimos das palavras potencialmente difíceis. O estudante então lê os parágrafos e escreve uma idéia organizadora na forma de uma asserção para cada parágrafo, usando o assunto declarado do mesmo como assunto da idéia organizadora. Através deste exercício, os estudantes têm a oportunidade de se familiarizar mais com o conceito de idéia organizadora ao analisar dois conjuntos de idéias organizadoras, cada um relacionado com um sistema de referência diferente. A seguir temos um exemplo dos parágrafos introdutórios de duas leituras diferentes sobre imigração americana.33 Leitura l cie "Efeitos da Imigração nas Condições da América" 1. Nova Classe de Imigrantes prevalecente - presente incentivo - atração Esta porção privilegiada da superfície da terra viu chegar um número crescente de indivíduos provenientes das classes mais baixas de outras nações. Qual foi seu efeito sobre o padrão de vida preualecenttà Como premissa mais importante, assume-se que o padrão de vida das classes operárias dos Estados Unidos foi e continua sendo superior àquele das nações de onde vieram grande parte dos imigrantes. A observação comum e o testemunho geral afirmam isto sem necessidade de comprovação. Particularmente no momento presente, se isto não fosse assim, muito poucos de nossos imigrantes viriam, pois, como vimos, este é o grande incentivo que os atrai. Contudo, é significativo que, com o passar das décadas, a maior parte da imigração tem sido recrutada de raças cada vez mais atrasadas da Europa. IDÉIA ORGANIZADORA:


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Leitura 2 de "Efeitos Econômicos da Imigração" 1. Idéias Errôneas sobre Empregos persistentes — que continuam apesar de interferência. recorrentes — que estão sempre voltando a ocorrer. concepção errônea — crença errada. Uma das falácias econômicas mais persistentes e recorrentes no pensamento popular é a noção de que os imigrantes tomam os empregos dos americanos nativos. Isto se deve à concepção errônea de que existe apenas um número fixo de empregos eni uma economia, e que qualquer recém-chegado ameaça o emprego de um antigo residente. Esta teoria, às vezes chamada de "círculo da falácia cia mão-de-obra", j"Oj repetidamente refutada por economistas competentes. IDÉIA ORGANIZADORA.:

Depois de concluída a seção de leituras comparativas, os estudantes têm a oportunidade de demonstrar um conhecimento operante tanto do conteúdo histórico da lição quanto dos axiomas de escrita em estudo. Um exemplo de uma tarefa de redação é apresentado abaixo.3' Nesta tarefa, dáse aos estudantes um sistema de referência e um conjunto de informações. Pede-se então a eles que acrescentem de três a cinco novas informações a partir da seção de pontos de vista ou de outras fontes históricas. Depois os estudantes escrevem uma idéia organizadora e constróem um parágrafo usando pelo menos quatro informações extraídas do conjunto completo. Tarefa Escrita l I.

Sistema de Referência: A imigração tem contribuído positivamente para o crescimento e estabilidade cios Estados Unidos.

II. Conjunto de Informações: imigrantes do norte da Europa. estabelecidos nas cidades. máquinas políticas. crescimento da Igreja Católica. migrações em massa do sudoeste da Europa.

III. Acrescente de três a cinco informações a esta lista: 1.

IV. Determine sua idéia organizadora: 1.

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V. Escreva um parágrafo usando pelo menos quatro informações: 1. Parágrafo:

Depois de terminada a tarefa escrita, descobri que era proveitoso fazer Que ° estudante se reunisse com três ou cinco colegas para ler e avaliar os trabalhos uns dos outros. É importante que alguns critérios de Avaliação das tarefas escritas sejam deixados bem claros para os alunos. Por exemplo, nos grupos acima, clíz-se aos estudantes que ao lerem os trabalhos uns dos outros devem certificar-se de que: (1) as três ou cinco informações adicionais são relevantes para o tópico em questão; (2) a idéia organizadora corresponde ao sistema de referência; (3) o parágrafo contém todas as informações escolhidas; e (4) a informação do parágrafo se mantém adequadamente em torno da idéia organizadora. Critérios mais precisos tornam mais fácil a avaliação cios trabalhos por parte dos estudantes e também lhes ajudam a lidar de forma mais objetiva com a crítica que exercem e recebem. Quando o grupo é capaz de se concentrar claramente no que está procurando nas tarefas escritas, parece muito mais capaz de considerar de forma imparcial seus próprios erros bem como os dos outros. Com respeito à avaliação deste tipo de lição, é importante que o estudante desempenhe um papel significativo neste processo. Para que os relacionamentos em sala de aula sejam compatíveis com uma pedagogia cujo objetivo é fomentar o pensamento crítico, os estudantes devem ter a responsabilidade de avaliar e corrigir seus próprios erros. Nesta perspectiva, o desempenho insatisfatório é tratado como veículo que proporciona uma experiência de aprendizagem, capaz de ser compartilhado pelos outros colegas. Por exemplo, os estudantes em grupos podem avaliar e dar nota aos trabalhos uns dos outros mantendo o grupo até que todos os membros obtenham uma nota satisfatória. Além disso, no final da lição, os estudantes podem desempenhar um papel significativo ao fornecerem dados para acompanhamento do progresso realizado, os quais mediriam o conteúdo histórico bem como o domínio dos axiomas de escrita em estudo. No final cie u nia lição, uma turma sugeriu que o conteúdo histórico, bem como os axiomas de escrita, poderia ser avaliado através de um exame do progresso baseado no modelo utilizado na primeira tarefa escrita em grupo. Através deste modelo, os estudantes teriam a oportunidade de demonstrar seu con necirnento dos conceitos de escrita, tais como sistema de referência, idéia fganizadora e informações de base. Ao escrever um parágrafo ou uma serie de parágrafos, os estudantes tiveram a oportunidade de mostrar não Apenas uma compreensão dos conceitos de escrita, mas também a chance e demonstrar uma fundamentação para sua utilização. -a Ensinar os estudantes a escrever e pensar criticamente não é uma taretá fácil nara nrofessores de estudos sociais. Com resneíto à escrita, isto i


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•anifica rejeitar as visões convencionais da mesma como um ofício, uma disposição biológica, ou um exercício para se sentir bem. O que precisa ser demonstrado é que a escrita é um processo interdisciplinar baseado em axiomas do comportamento de aprendizagem. Reconhecendo estes axiomas os estudantes serão capazes de usar sua escrita como instrumento pedagógico para pensar mais criticamente sobre um assunto em estudo. Isto nos leva a um segundo ponto. As salas de aula e os estudantes não existem em total isolamento, abstraídos da sociedade mais ampla em que vivemos. As técnicas pedagóaicas utilizadas para o ensino da escrita e do pensamento crítico perdem o significado caso não incorporem o "'capital cultural" que estrutura a vida dos estudantes. Mais especificamente, para que os estudantes analisem as matérias de estudos sociais de uma perspectiva crítica, esta análise deve estar calcada em estruturas pedagógicas que promovam a comunicação e diálogo produtivos. Este último ponto é importante porque é somente na ausência de relações sociais escolares opressivas e hierárquicas que alunos e professores poderão se comunicar, sem medo ou intimidação, dentro do contexto de sua própria linguagem e cultura. Além disso, com o desenvolvimento de relações sociais democráticas em sala de aula, os estudantes terão a oportunidade de sair de sua própria linguagem e cultura ao aprenderem como examinar as suposições básicas que moldam suas vidas através de sistemas de referência diferentes dos seus. Como argumenta Freire, os estudantes que vêem o conhecimento como problemático realizam uma "reflexão" que se traduz em uma "leitura" crítica da realidade. Isto marca o primeiro passo no desenvolvimento de uma pedagogia que gera a "vontade de escrever e criar".35 As propriedades da escrita e pensamento crítico delineadas neste artigo têm um enorme potencial para o ensino de estudos sociais, não apenas porque ajudam a ensinar os estudantes sobre as relações de importância fundamental entre escrever e pensar, mas também porque ajudam os mesmos a reformar e reestruturar suas visões de determinado tema de estudos sociais. Qualquer assunto perde seu interesse e legitimidade quando é visto como matéria escrita por especialistas, cie difícil acesso para os estudantes. Utilizando-se o modelo pedagógico apresentado neste artigo, os estudantes têm a oportunidade de penetrar num assunto e pensar criticamente, de forma que possam dar sua própria interpretação do material. O que signítica isto a longo prazo? Novamente, Freire captou bem o sentimento. Somente quando compreendem os temas de seus tempos é que os homens [s/c] podem intervir na realidade em vez de serem meros espectadores. E somente desenvolvendo uma atitude permanentemente crítica é que os homens poderão superar unw postura de ajustamento...36

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j O agora famoso artigo da Newsweek, "Why Johnny Can't Write", Merril! Shiels (Dez 1975) simplesmente trouxe o problema para a atenção do público. Ver também Nan Elsasser e Vera P. john-Steiner, "An Interactionist Approach do Advancing Líteracy, Harvard Educational Review 47 (Agosto 1977):355-69; Lyons. "The Higher Illiteracy". 2. A.D. Van Nostrancl, "The Inference Construct: A Model of the Writing Process", .-IDE ~Bitlletin, n°. 54 (Maio 1978): 1-27. 3. Ver Janet Emig, "Writing as a Mocie of Learning", College Compositíon and Commimication 28 (Maio 1977): 122-28; James Britton et ai., The Develofment of Writing Abilities (London: Macmillan. 1975); GaiyTate, ed.. TeachingComposition: TenBJbliographicEssaysQrortWotíh, Texas: Texas Christian University Press, 1976). 4. Lev S. Vygotsky, Language and Tboiigbí (Cambrídge. Mass.: MIT Press, 1962), p.100. 5. Braddock et ai., Research in Written Composition (Champaign, III.: National Council of Teachers of Englísh, 1963); W.B Elley et ai., "The Role of grammar in a Secondary English Curriculum", Research in the Teaching of English 10 (Primavera 1976): 18. 6. Richard Ohmann, English in America (New York: Oxford University press, 1976), p. 136. 7. John Simon. "The Language", Esquire (Junho 1977): 18. 8. Ibid.; ver também R. Verland Cassil, Writing Fiction (Englewood Cliffs, N J.: Prentice-Hall, 1975). 9. A.D. Van Nostrand, "English I and the Measurement of Writing", palestra proferida na National Conference on Personalized Instruction in líigher Education, 21 de março, 1975. 10. Siclney Simon et ai., Values Clarification íbroiigb Writing: Compositionfor Personal Growlb (New York: Hart Publishing, 1973); George E. Newell, "The Emerging Self: A Curriculum of Self Actualization", English Journal 66 (Nov. 1977): 32-34. 11. Jacoby, Social Amnésia, p. 67. 12. Uma das críticas mais devastadoras a estes educadores que enfatizam abertamente a dimensão interpessoal na pedagogia foi feita por Elshtaín. "Social Relatíons in the Classroom". 13. Britton et ai., Development of Writing Abililies, pp. 1-18. 14. Sheils, "Why Johnny Can't Write", p. 61; ver também Janet Emig. The Composing Process ofTu-elfth Graders (Urbana, III.: National Council of Teachers of English, 1971). 15. Van Nostrand , "The Inference Construct". P.2. *o. Para um excelente comentário sobre o relacionamento entre conhecimento e valores. er Young, Knowledge and Contrai. Michael Apple escreveu extensamente sobre este último assunto, e seu artigo, "The Hidden Curriculum and The Nature of Conflict" trata diretamente "o campo dos estudos sociais. Ver também Jonathon Kozol, The Night is Dark aticl I Am Par Jroni Home (Boston: Houghton Mifflin, 1975). pp. 63-73. y

*?• Para uma excelente descrição deste tipo de pedagogia, ver Freire, Ped(!S°S)' °Ppresseel, e Giroux e Penna, "Social Relatíons in the Classroom". 18

- Marcuse, Cmmter-Remlutiou, p.27.

°flhc


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10 Existem muitas fontes que tratam desta posição com seriedade. Uma das melhores é Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America. Ver também Martin Carnoy e Henry M. Levin, T/jeltmitsofEcliicatiotialRefonníNevsYork: DaviclMckay, 1976), pp. 52-82, 219-44.

6

•>0 Martin Jay, The Dialectical Imagination (Boston: Little, Brown, 1973), p.65. •? l Esta abordagem foi amplamente popularizada através dos trabalhos de Hilda Taba, Teachefs HandbookforElementary Social Sto//£« (Reading, Mass. : Addison- Wesley, 1967); I Richarcl Suchman, InquityBox: TeachersHandbook (Chicago: Science research Associates. 1967); Joseph j. Schwab, Biolog)' Teacbcr's Handbook (New York: Wiley, 1965).

A eo Novo

22. Alvin J. Gouldner, The Dialectic ofldeolog)* and Technology (New York: Seabury Press, 1976), p. 49. 23. Fredericjameson, MarxismandForm(Prmceton, N.J.: Princeton University Press, 1965). 24. Jean-Paul Sartre, Lilerature and Exisíentialism, 3a edição (New York: Seabuiy Press, 1976), p. 49. 25. Ver Apple e King, "What Do Schools Teach?" pp. 29-63, e Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America. Uma coleção aceitável cie artigos pode ser encontrada em Overly, The Unstudied Curriculum.

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26. Freire, Education for Criticai Consciousness.

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27. Ver David Swattz, "Pierre Bourdieu: The Cultural Transmission of Social Inequality", Harvard Educational Review 47 (Nov. 1977): 545-55; Bourclieu e Passeron, Reproditction; Bernstein, Class, Codes and Contraí, pp. 85-156. Para um bom estudo generalizado sobre a política da linguagem, ver Claus Mueller, The Politics of Communication (New York: Oxford University Press, 1973).

Assegurem-se do Conhecimento, vocês que estão congelados! Vocês, famintos, agarrem-se ao livro: ele é uma Arma. Vocês devem assumir a liderança. Bertold Brecht

28. M. Greene, "Curriculum and Consciousness", p. 304. 29- Ver Heniy Á. Giroux et ai., The Process of Wríting History: Episodes in American Histoty (Provídence, R.L: Center for Research in Writing, 1978). Todos os conceitos de escrita usados neste capítulo são adaptados de a.d. Van Nostrand et ai., Functional Writing (Boston: Houghton Mifflin, 1978). 30. Giroux et ai, Process of Writing History, p.13. 31. Ibid., p.14. 32. Freire, Education for Criticai Consciousness, pp. 32-89. 33. Giroux et ai, Process of Writing History, p. 24. 34. Ibid., p.3335. Paulo Freire, "Conscientization" em The Goal is Liberation (Geneva: United Council of Churches, 1974), p.2. 36. Freire, Education for Criticai Consciousness, pp. 5-6.

N

esta era de capitalismo, os americanos parecem estar frente a um importante paradoxo em torno do relacionamento entre tecnologia, cultura e emancipação. Por um lado, o desenvolvimento crescente da ciência e tecnologia oferece a possibilidade de libertar os seres humanos do trabalho desumanizador e exaustivo. Esta liberdade, por sua vez, oferece à humanidade novas possibilidades de desenvolvimento e acesso a uma cultura que promove uma sensibilidade mais crítica e qualitativamente discriminatória em todos os modos de comunicação e experiência. Por °utro lado, o desenvolvimento da tecnologia e da ciência, construído conforme às leis da racionalidade capitalista, introduziu formas de domínio e controle que parecem mais se opor do que ampliar as possibilidades de emancipação humana.1 E dentro dos parâmetros deste paradoxo que um exame do valor e da leitura em uma sociedade multimídia pode ser analisado. A necessidade de tal perspectiva encontra-se nos laços intrincados, muitas vezes 'gnorados, que existem entre os vários modos de comunicação e as forças


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políticas que dominam esta sociedade. Falar de uma coisa sem falar da outra representa não apenas um problema conceituai mas também urna falha política. Em termos gerais, isto significa que qualquer entendimento do relacionamento entre a mídia eletrônica e a cultura impressa fica confuso a menos que tal relacionamento seja situado dentro do contexto histórico e social específico no qual se encontra. Situar a análise em tal contexto significa opor-se às principais correntes da teoria social que fracassaram no estudo da dinâmica dos modos visuais e impressos de comunicação dentro dos conceitos críticos mais amplos de história, cultura de massa e ideologia.2 Este fracasso, na verdade, indica um fracasso ideológico mais grave em reconhecer as qualidades e funções dialéticas em transformação que a mídia eletrônica e a cultura impressa tiveram na história e continuam tendo hoje em dia.3 Historicamente, o relacionamento entre as mudanças na sociedade e as mudanças na comunicação tem sido determinado menos pela natureza da tecnologia de comunicação em desenvolvimento do que pela ideologia dominante e formações sociais existentes em tal sociedade. Por exemplo, em contraste com os Estados Unidos de hoje em dia, ler em voz alta e em público era coisa comum durante o final da Idade Média, assim como ainda o é na China contemporânea. De forma semelhante, em contraste com a maior parte dos países ocidentais, não existem leis de direitos autorais em Cuba, porque o governo acredita que os livros devem ser usados para difundir a cultura e não para propósitos comerciais:' Isto indica que existe uma interação complexa entre as mudanças sociais e técnicas, na qual a forma e uso de um modo de comunicação são determinados por forças diferentes daquelas da tecnologia existente. Além disso, existem questões profundas que espreitam por trás das diversas funções que os modos de comunicação visuais e impressos desempenham em contextos sociais e históricos diferentes. Quem controla os diferentes modos de comunicação e no interesse de quem eles atuam? Colocado de maneira mais sucinta, será que os modos de comunicação operam no interesse da opressão ou da libertação? Infelizmente, estas são questões que os principais teóricos sociais optaram por ignorar.5 Uma maneira de abordar estas questões é através do que chamei cie dialética do uso e potencial da tecnologia. Subjacente à dialética da opressão e libertação inerente a todas as formas de comunicação, encontra-se a distinção fundamental entre o uso que se faz de um moclo particular de comunicação, como, por exemplo, a televisão, e o uso potencial que poderia ter em uma determinada sociedade. Concentrar-se na contradição entre o uso e o potencial representa uma maneira viável de analisar-se o relacionamento em transformação entre as culturas visual e escrita nesta sociedade. Não fazer isso significa ser vítima de uma espécie de fatalismo tecnológico ou então de uma utopia tecnológica.0 Nos dois casos, a tecnologia é abstraída de suas raízes sócio-históricas, afastada cios imperativos de classe e poder, e definida dentro da camisa cie força conceituai do determinismo tecnológico.

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Uma abordagem mais crítica tentaria por a descoberto "algumas das jjaações concretas e complexas entre a criação e distribuição cultural e as formas econômicas e sociais".7 Isto exige que redefinamos a cultura em termos políticos e observemos o modo como as culturas visual e escrita operam como mecanismos de reprodução social e cultural. Contudo, devese primeiramente explicar o conceito de reprodução social e cultural antes de examinar detalhadamente seus mecanismos. A noção de reprodução elucida o relacionamento entre cultura e sociedade para sugerir a subordinação da cultura à sociedade dominante. Este ponto é importante por dois motivos. Primeiro, os antropólogos das correntes dominantes tradicionalniente clespolitizaram a noção de cultura tornando-a sinônima de "o modo de vida de um povo".8 Conseqüentemente, tornaram difícil o estudo do importante relacionamento entre a sociedade e a cultura, particularmente o relacionamento entre ideologia e controle social. Em segundo lugar, o foco de dominação nos países industriais desenvolvidos sofreu uma mudança significativa, e precisamos de uma noção politizada de cultura para examinar esta mudança. Uma análise mais frutífera do que aquela dos principais cientistas sociais pode ser encontrada na obra do teórico social italiano Antônio Gramsci, bem como no trabalho mais recente da Escola de Frankfurt e seus seguidores.9

Hegemonia Cultural Pela perspectiva de Gramsci e outros, o foco de dominação nos países industriais desenvolvidos do ocidente transferiu-se da confiança na força (polícia, exército, etc.) para o uso de um aparato cultural que promove o consenso através da reprodução e distribuição dos sistemas dominantes de crenças e atitudes. Gramsci chamou esta forma de controle de hegemonia ideológica, uma forma de controle que não apenas manipulava a consciência como também saturava as rotinas e práticas diárias que guiavam o comportamento cotidiano. A escola de Frankfurt aprofundou muito esta análise e apontou para o desenvolvimento crescente da tecnologia para reproduzir a cultura dominante e manter a organização sócio-econômica existente. Mais recentemente, o trabalho cie Pierre Bourdíeu e Basil Bernstein dernonstrou que a sociedade dominante não apenas distribui materiais e mercadorias como também reproduz e distribui capital cultural, isto é, aqueles sistemas de significados, gostos, disposições, atitudes e normas que são direta e indiretamente definidos pela sociedade dominante como socialmente legítimos.10 A partir desta perspectiva, a reprodução de uma sociedade está intimamente ligada à produção e distribuição de suas mensagens culturais. Como tal, o aparato cultural para reproduzir a cultura dominante e comunicá-la ao público torna-se uma questão política importante. Com efeito, a cultura não é então apenas vista como expressão ideológica da


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sociedade dominante, mas também refere-se à forma e estrutura da tecnologia que comunica as mensagens que "estabelecem os alicerces psicológicos e morais do sistema econômico e político"." Como expressão ideológica cia sociedade dominante, a cultura dominante está profundamente atrelada ao espírito do consumismo e positivismo. À medida que a cultura tornou-se industrializada na primeira parte do século vinte, ela desenvolveu novas formas de comunicação para difundir sua mensagem. A produção de mercadorias passou então a ser acompanhada pela reprodução crescente da consciência. Além disso, quando o capitalismo do século vinte deu origem à publicidade em massa e sua concomitante doutrina de consumismo desenfreado, todas as esferas da existência social foram então informadas, embora longe de serem totalmente controladas, pela nova racionalidade do capitalismo industrial desenvolvido. O marketing de massa, por exemplo, mudou drasticamente os domínios do trabalho e do lazer, e, como assinalou Stuart Ewen, preparou o palco para o controle da vida diária. Durante os anos 20 definiu-se o palco através cio qual a diversidade crescente de organizações corporativas poderia travar uma batalha cultural com uma população que precisava e pedia por mudança social. O palco situava-se no teatro da vida diária, e era na intimidade daquela realidade - produtiva, cultural, social, psicológica - que uma pièce-de-théâtre estava sendo escrita.12

Enquanto a cultura industrializada transformava radicalmente a vida diária, a administração científica alterava os padrões tradicionais de trabalho. A produção artesanal deu lugar a um processo de trabalho fragmentado, no qual a concepção estava desligada tanto da execução como da experiência do trabalho. Um dos resultados foi um processo de trabalho que reduzia o mesmo a uma série de gestos pré-concebidos e sern vida.15 Acompanhar estas mudanças no local de trabalho e no campo do lazer era uma forma de legitimação tecnocrática baseada na visão positivista de ciência e tecnologia. Esta forma de racionalidade definia-se através dos supostos efeitos inalteráveis e produtivos que as forças tecnológicas e científicas em desenvolvimento estavam tendo nas bases do progresso do século vinte. Embora o progresso nos Estados Unidos nos séculos dezoito e dezenove estivesse ligado ao desenvolvimento do auto-aperfeiçoamento £ da autodísciplina moral no interesse de construir uma sociedade melhor, o progresso no século vinte estava despido de uma preocupação com a melhoria da condição humana e passou a dedicar-se ao crescimento material e tecnológico.1' O que uma vez era considerado humanamente possível, uma questão envolvendo valores e fins humanos, foi então reduzido ao que era tecnicamente possível. A aplicação cia metodologia científica a novas formas de tecnologia surgiu como força social gerada por suas próprias leis, as quais eram governadas por uma racionalidade que parecia existir acima e além ao controle humano.

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Como modo de legitimação, esta forma de racionalidade tecnocrática tornou-se a hegemonia cultural prevalecente. Enquanto consciência prevalecente, ela glorifica a expansão continuada dos confortos da vida e da produtividade do trabalho através da submissão cada vez maior do público às leis que governam o domínio técnico tanto dos seres humanos como da natureza. O preço para a maior produtividade é o refinamento e administração contínuos não simplesmente das forças de produção, mas da própria natureza constituinte da consciência.

A Indústria da Hans Enzensberger (1974) argumentou que a mídia eletrônica, operando a serviço desta racionalidade tecnocrática, tornou-se a principal força no que chama de industrialização da mente. Assinala que a indústria da mente transcende a discussão partícularizada das culturas visual e escrita. Ele escreve que "Quase ninguém parece perceber o fenômeno como um todo: a industrialização da mente humana. Este é um processo que não pode ser compreendido pelo simples exame de sua maquinaria."15 E mais: O principal negócio e preocupação da indústria da mente não é vender seu produto, mas "vender" a ordem existente. Perpetuar o padrão de dominação do homem pelo homem, sern importar quem dirige a sociedade, e através cie quaisquer meios. Sua principal tarefa é expandir e treinar nossa consciência - a fim de explorá-la.16

Críticos mais recentes foram muito além de Enzensberger, alegando que a indústria da cultura de massa atual nos Estados Unidos representa uma afronta à capacidade dos seres humanos de até pensarem em termos críticos ou, no que se refere a isso, envolverem-se no discurso social significativo.17 Aronowitz refere-se a este fenômeno como o "novo analfabetismo", alegando que não apenas o pensamento crítico, mas a própria substância da democracia está em jogo. Ele aborda esta questão com eloqüência: A nova situação levanta a questão da competência das pessoas para efetivamente comunicarem um conteúdo ideacional. Esta questão é a própria capacidade de pensamento conceituai... Como o pensamento crítico é a pré-condição fundamental para um público ou cidadania autônoma e automotivacla, seu declínio ameaçaria o futuro das formas democráticas sociais, culturais e políticas.18

Estes críticos vêem a cultura visual em particular como desempenhando um papel significativo e importante na redução do pensamento e imaginaÇão coletiva a dimensões estritamente técnicas. Entretanto, nenhum destes Cr íticos dá suporte ao pesadelo orweliano de uma indústria monolítica da consciência que opera sem contradições ou resistência. Tal posição é vulgar e predominantemente determinista. Além disso, ela deixa de reconhe-


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cer que a mídia eletrônica, assim como a cultura impressa, não é tanto uni agente causai quanto uma força mediadora na reprodução da consciência.19 A tecnologia da indústria da consciência não pode produzir cultura; ela só pode reproduzi-la e distribui-la. Concomitantemente, a indústria da consciência não é a única agência de socialização. Em outras palavras, a cultura de massa em suas várias formas gera contradições e também consenso, embora com pesos diferentes. Tanto em termos objetivos quanto subjetivos, a tecnologia da indústria da cultura de massa cria focos de resistência alimentados por suas próprias contradições. Por exemplo, ela gera constantemente expectativas e necessidades que não pode satisfazer, e, no entanto, contém em sua tecnologia a possibilidade de real comunicação entre as pessoas - isto é, as pessoas poderiam se tornar tanto transmissores como receptores de informação.

Impresso versas Visual

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A questão importante que ainda resta é se deveríamos fazer uma distinção ; entre a cultura visual e a cultura impressa em relação a suas possibilidades ; como força de libertação ou dominação neste momento da história. Pelas ;• razões delineadas abaixo, creio que a resposta é um retumbante sim. ; É bastante óbvio que cada cultura tem seu próprio centro de grávida- í de, proporcionando uma experiência diferente, bem como diferentes for- [ mas de acesso ao conhecimento. Mas o significado disso não é tão óbvio \ quando analisado em termos sócio-políticos. Por exemplo, em termos ideais \ e essenciais, as culturas visual e impressa deveriam ser complementares, '''-mas, na atual conjuntura histórica, não é isso que ocorre. A cultura visual, " particularmente a televisão, é a forma de comunicação predominante por- ; que sua tecnologia oferece possibilidades muito maiores de manipulação e ; controle social. Isto se torna particularmente evidente quando a mesma é , comparada à tecnologia da leitura. Embora seja verdade que, historicamente, a leitura tenha criado um -. público de classe específica por causa das habilidades técnicas e críticas ; necessárias para dela fazer uso, o mesmo não pode ser dito da cultura • visual, que praticamente eliminou qualquer dependência de um público de classe específica para usar sua tecnologia ou entender suas mensagens. ; Colocado de outra maneira, a cultura visual eliminou a necessidade de que qualquer público específico use o tipo de habilidades críticas e discrimina; tórias que são necessárias para acercar-se de um modo de comunicação. A ; própria noção de "cultura de massa" sugere não apenas a importância cia j quantidade, mas também a redução do pensamento e da experiência ao ; nível da mera condição de espectador. A doença, neste caso, é a impotênJ cia, e a cura é uma forma de escapismo manufaturado. É claro que a cultura f impressa também se presta à manipulação da consciência, e num sentido

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importante todos os modos de comunicação podem ser manipuladores A. questão real é qual a possibilidade de tornar todas as pessoas manipuladores da tecnologia cie comunicação de massa. Diversos críticos assinalaram que o desenvolvimento da cultura impressa ajudou a produzir uma esfera pública burguesa em massa que nutria a discussão dos eventos, jornais e livros correntes.20 Este é um ponto crucial, porque a tecnologia da mídia impressa necessita de uma forma de racionalidade que guarda espaço para a análise e pensamento crítico. Por exemplo, a cultura impressa é um meio que exige atenção. Ela não é tão impositiva quanto à cultura visual; carece das qualidades ''táteis" da última. Como resultado, devemos nos acercar dela com intencionalidade; esta forma de intencionalidade torna-se clara quando consideramos que a palavra escrita é governada pela lógica da concisão, clareza e persuasão. E tem que ser assim, pelo menos por princípio, porque a palavra escrita "congela" a informação. Quando lemos, temos mais tempo de parar e refletir sobre o que foi escrito. Com a palavra escrita é possível avaliar com mais rigor a validade e valor verídico de um argumento. A própria forma da tecnologia de impressão conserva uma checagem da manipulação excessivamente evidente da mensagem escrita. Em outras palavras, existe uma tensão na tecnologia impressa entre sua forma e conteúdo. O olho crítico que a leitura idealmente exige põe em cheque a manipulação da mensagem. Existem outras considerações referentes à tecnologia de impressão que a torna libertadora no momento atual. Ela é barata em termos de produção e consumo. Conseqüentemente, através da píetora de livros, jornais e revistas que inundam o mercado, tem-se acesso a um grande número de visões e posições sobre qualquer assunto. A esquerda americana tem sido acusada de basear-se em demasia na tecnologia de impressão.21 Esta crítica é elucidativa não por mal representar uma certa dose de elitismo por parte da esquerda, mas por indicar que a tecnologia de leitura proporciona maiores oportunidades de transmitirmos nossos pontos de vista do que qualquer outra forma de comunicação. A esquerda simplesmente não tem acesso à cultura visual. A televisão, o rádio e a produção cinematográfica são essencialmente controlados pelos interesses governantes. Além do mais, estes modos de comunicação são importantes demais para os interesses corporativos para serem democratizados. A mídia visual é atualmente demagoga da comunicação de uma só via. E isto se deve em parte a seu Poder de influenciar as pessoas, característica tão endêmica a sua tecnologia quanto às relações sociais que determinam seu uso unilateral. O poder desta influência pode em parte ser medido pelos seguintes números : "9o Por cento dos lares americanos possuem pelo menos uma televisão, ...a televisão fica ligada em média mais de seis horas por dia, e.^dez por cento dos lares americanos possuem pelo menos três televisões/'22 Theodore Adorno (1978) escreveu que "quem fala de cultura fala igualmente de administração, quer tenha ou não esta intenção."23 Aronowitz


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elucida as colocações de Adorno ao alegar que a cultura visual está industrializando a mente ao colonizar o campo do lazer.2'1 Vale a pena salientar novamente que tal posição não ignora a interação dialética entre a cultura visual e o público em geral. As pessoas respondem à cultura visual com atitudes e necessidades diferentes. A questão é que a cultura visual cresceu demais e é muito centralizada, penetrando no "espaço privado" dos indivíduos a ponto de, em muitos casos, reduzir a cognição e a experiência humana a uma mera sombra da técnica e da cultura de consumo. A cultura visual é atualmente acessível como modo de comunicação de mão única. Além disso, enquanto força motriz no amoldamento da experiência, ela tem algumas vantagens poderosas quando comparada com a cultura impressa. A cultura visual, especialmente a televisão, situa-se em estímulos táteis, tais como imagens e sons, os quais, em combinações e formas diferentes, simulam de maneira muito próxima a realidade cara a cara. O poder da cultura visual de restringir os padrões de pensamento provém não apenas das mensagens e mitos que divulga (um tópico por demais conhecido para ser discutido aqui), mas também das técnicas que utiliza. A técnica dominante que caracteriza a cultura visual tem suas raízes na divisão de trabalho que procura igualar na sociedade mais ampla. A fragmentação e imediatismo da informação são a ordem do dia. O trabalho rápido da câmera e a edição elaborada criam o efeito imediato de apelar às emoções e, ao mesmo tempo, causar um curto-circuito na reflexão crítica.25 Como é impossível para o telespectador, a menos que disponha de um equipamento de vídeo, reduzir a velocidade ou observar novamente a rápida difusão de imagens, ele tem poucas chances de se distanciar do conteúdo da produção visual e refletir sobre seu significado. Além disso, as imagens não são apenas apresentadas com a velocidade de uma metralhadora; elas geralmente carecem de uma unidade particular, como nos noticiários, ou então de um contexto mais amplo - isto é, elas não têm foco. Neste contexto, a imagem classifica a realidade, e o fato se torna o árbitro da verdade. Os situacionistas franceses referem-se ao entesouramento da imagem como "o espetáculo". Como descreve Norman Fruchter: O espetáculo é a pseudo-reaiidade continuamente produzida e, portanto, em contínuo desdobramento, predominantemente visual, que cada indivíduo encontra, habita e aceita como realidade pública e oficial, negando-se, assim, tanto quanto possível, a realidade privada cotidiana de exploração, sofrimento e inautenticidade que ele ou ela experimenta.26

O entesouramento da imagem, o espetáculo, encontra algumas de suas manifestações no estrelato, na identificação do estético com o "entretenimento", e na glorificação de temas sensacionais e violentos. Em meio a abundância de imagens estilizadas e excessivamente dramatizadas da realidade, a mídia visual, especialmente a televisão, acalenta o público com sua

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1ÍQ

^iDiçac» de "objetividade" e sua preocupação com os "fatos". A objetividade dos meios visuais parece garantir-se pela presença bruta da câmera, com ua capacidade de focalizar imediatamente um determinado evento ou de a ntar todos os gestos e movimentos em sua versão da realidade. Frederic l^jfieson descreve bem esta posição quando escreve: Asseguramo-nos na ilusão de que a câmera está testemunhando tudo exatamente como aconteceu e que tudo o que ela vê é tudo o que há. A câmera é presença absoluta e absoluta verdade: assim, a estética de representação desintegra a densidade do evento histórico, achatando-o de volta à ficção.27

Em meio à fragmentação das imagens e transbordamento da informação, a intrusão do fato aparece como instrumento confiável para por ordem na confusão e incerteza. Como assinala Gitlin em sua análise da televisão e da 'cultura do positivismo: A televisão contribui poderosamente para um fetichismo dos fatos.... Como a história é desconcertante, complexa e fora do controle popular, o fato bruto assume uma importância excessiva....Os fatos por si mesmos parecem explicar, tranqüilizar ou alarmar, tudo de maneira planejada. Os fatos exigem atenção, entram no fluxo da discussão, e. parecendo legítimos e confiáveis, eles orientam - e durante todo o tempo parecem deixar a escolha para o consumidor, o público.28

Embora a mídia visual não seja a única força a promover a reprodução social e cultural, é possível que ela seja a mais poderosa. Aronowitz aponta para estudos que sugerem uma tendência crescente entre os estudantes para ver as coisas de maneira literal e não conceituai; estes estudos também têm apontado para a crescente incapacidade dos estudantes de pensar dialeticamente, ver as coisas em um contexto mais amplo ou estabelecer relações entre objetos ou eventos aparentemente não relacionados. Ele e outros autores também se queixam do fato dos estudantes estarem amarrados a "factualidade" do mundo, e parecerem ter dificuldade de utilizar conceitos que poderiam controverter as aparências.29 A resposta de alguns críticos ao poder e sofisticação cada vez maiores da mídia visual tem sido a exaltação das virtudes dos meios eletrônicos em geral, mas ao mesmo tempo exigindo uma suspensão da leitura e do material impresso.30 Estes críticos apontam para as virtudes e possibilidades da comunicação em duas mãos inerentes à mídia eletrônica, e sugerem que a e ra dos impressos é uma relíquia cultural em extinção. Eles também apontam que a cultura visual não irá embora, e instigam seus leitores a enfrentá*a- Esta posição é nobre, porém errônea. A mídia eletrônica está nas mãos dos monopólios corporativos, e seria necessário uma redistribuição de poder e riqueza para colocá-la à disposição do público.31 Embora importante, es ta tarefa deve ser precedida por uma mudança na consciência popular e acompanhada pelo desenvolvimento de uma luta política em andamento. Além disso, ela subestima o poder da mídia em definir o uso de sua própria


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tecnologia. Em outras palavras, mesmo com o acesso cada vez maior meios de comunicação eletrônicos, tais como câmeras e aparelhos cie vide bem como meios eletrônicos não visuais como os rádios CB*, o públi ° encara estas formas de comunicação como importantes somente para ativid-° a dês de lazer.32 ~

de

t 5

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r e usar o livro, o jornal e outras formas de comunicação impressa para eu próprio benefício. Ela contém a promessa de emancipação. Além disso

cultura impressa permite o desenvolvimento cie métodos dê

^onceitualização e organização social que poderiam eliminar a papel atual . s nieios visuais e eletrônicos como força opressiva. Este é o conceito que w à exortação de Brecht - "Vocês que estão famintos, agarrem-se ao livro: 35 - mais urgência hoje do que quando ele a escreveu há e|e é uma arma."

piais cie três décadas.

Se a cultura visual no contexto da sociedade de hoje ameaça a auto-reflexão e o pensamento crítico, teremos que redefinir nossas noções de alfabetismo e confiar muito na cultura impressa para ensinar às pessoas os rudimentos cio pensamento crítico e da ação social. O ponto aqui é que devemos ir além da noção positivista de alfabetismo que atualmente caracteriza as ciências sociais.33 Em vez de formular o alfabetismo em termos de domínio de técnicas, devemos ampliar seu significado para incluir a capacidade de ler criticamente, tanto dentro como fora de nossas experiências, e com força conceituai. Isto significa que a alfabetízação permitiria que as pessoas decodificassem seus mundos pessoais e sociais e, assim, estimularia sua capacidade de questionar mitos e crenças que estruturam suas percepções e experiências. A alfabetízação, como Freire nunca se cansa de nos dizer, deve estar ligada a uma teoria do conhecimento que esteja em consonância com uma perspectiva política libertadora e que dê expressão máxima à elucidação do poder das relações sociais no ato de conhecer. Isto é crucial porque sugere não apenas que deveríamos aprender a ler as mensagens de maneira crítica, mas também que a análise crítica só pode ocorrer quando o conhecimento serve como objeto de investigação, como força mediadora entre as pessoas.3/í A verdadeira alfabetízação envolve o diálogo e relacionamentos sociais livres de estruturas autoritárias hierárquicas. Na atual conjuntura histórica, a leitura oferece oportunidades para o desenvolvimento de abordagens progressistas da alfabetízação, tanto como modo de consciência crítica quanto como trampolim fundamental para a ação social. A cultura impressa é acessível e barata, e seus materiais podem ser produzidos e fabricados pelo público. A leitura em grupo, bem como a leitura solitária, proporciona o espaço e distanciamento "privados" raramente oferecidos pelas culturas eletrônicas e visuais. A tecnologia dos materiais impressos contém a promessa imediata de transformar as pessoas em agentes sociais que possam manipu-

Notas l Herbert Marcuse, One Dimensional Man (Boston: Beacon Press, 1964): Horkheímer, Eclipse of Reason; Davici F. Noble, America by Design (New York: Knopf, 1977); Aronowitz, False Promises. 2. f.W. Freiberg, "Criticai Social Theory in the American Conjuncture", in J. W. Freiberg, ed., Criticai Sociology (New York: Irvington Press, 1979), pp. 1-21. 3. Todcl Gitlin, "Media Sociology", Theory and Society 6 (1978): 205-53. 4. M. Hoyles, 'The Histoiy and Politics of Literacy", in M. Hoyles, ed., ThePolitics ofLiteracy (Lontlon: Writers and Readers Publishing Cooperation, 1977), pp. 14-32. 5. Gitlin, "Media Sociology", p. 205; Aronowitz, "Mass Culture", p. 768. 6. A utopia tecnológica encontra sua expressão mais popular em Marshal McLuhan, Understanding Media (New York: Signet, 1963); o fatalismo tecnológico é captado com perfeição em jacques Ellul, The TechnologicalSociety (New York: Knopf, 1965). Uma análise crítica destas duas posições pode ser encontrada em Henry A. Giroux, "The Politics of Technology. Culture and Alienation", Left Curve 6 (Verão/Outono 1976): 32-42. 7. M.W. Apple, "Television and Cultural Reproduction", Journal of Aesthetic Education 12 (Out. 1979): 109. 8. Christopher Lasch, Haven in a Heartless World (New York: Basic. 1977), pp. 93-94; Hans Peter Dreitzel, "On the Political Meaning oi" Culture", em Norman Birnbaum, ed., Beyondthe Crisis (New York: Oxford University Press, 1977), pp. 83-138. 9. Gramsci, Prison Notebooks- uma amostra representativa excelente dos escritores da escola de Frankfurt pode ser encontrada em A. Arato e E. Gebhardt, eds., The Essential Frankfurt School Reader (New York:Urizon, 1978). 10. Bourdieu e Passeron, Reproduction; Bernstein, Class, Codes, and Contrai, vol.311. Dreitzel, "Political Meaning of Culture", p.88. 12. Ewen, Captains of Consciouness, p. 202. 13. Braverman, Labor and Monopoly Capital; Ewen, Captains of Consciouness, p. 195.

j!' f° ,' B e a abreviat"ra de CitizensBcmdQ-ZK* do Cidadão). Refere-se a um serviço de rádio em Ma tíupla_concedido pelo governo aos cidadãos americanos para comunicação a curta distância entre NevfvnN »S °<' m°VeÍS' (THe Random INC\\ York: Random House, Inc, 1996).

House Com

Pact Unabridged Dictíonarv. Special 2nd Edition, " '

M. T. McCarthy, The Criticai Theory of fürgen Habermas (Cambridge, Mass.: MIT Press, !978j, p.37. 15. Hans Enzenberger, The Consciousness Industry (New York: Seabury, 1974).


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16. Ibid., p-16.

17 Um crítico alega que a sociedade americana é caracterizada por uma "taxa decrescente de'inteligência, a qual representa mais uma tendência do que uma lei imutável. Este processo de obsoletismo intelectual aniquila a memória e a história de forma a incitar uma demanda e produção estagnantes. O resultado é uma repetição desmemoriada - uma amnésia social". Russell jacoby, "A Falling Rate of Intelligence", Telos 27 (Primavera 1976): 144.

7

18. Aronowitz, "Mass Culture", pp. 768, 770. 19. Ver D. Ben-Horin, "Television without Tears", Sociatist Revieiu 35 (Set./Out. 1977): 7-35.

23. Theodor Adorno, "Television and Patterns of Mass Culture", em Mass Culture: The Popular Arts in America, ed. B. Rosenberg e P. Manning White (New York:Free Press (1957), p.93.

Crítica, eo Discurso da

24. Aronowitz, False Promises, pp. 50-134.

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20. Gouldner, Dialectic ofldeology. 21. Enzenberg, Consciousness Industry, pp. 95-128. 22. Gitlin, Media Sociology, p.791.

25. Theodor Adorno, "Television and Patterns of Mass Culture", p.484. 26.Norman Fruchter, "Movement Propaganda and the Culture of the Spectade". Liberation (Maio 1971), pp. 4-17. 27. Frederic Jameson, "Class and Allegory in Contemporary Mass Culture: Dog Day Afternoon as a Political Film", College English 38(Abril, 1977): 848. ' 28. Gitlin, "Media Sociology", p. 791. 29. Aronowitz, "Mass Culture"p. 770. Ver também D. Lazere, "Literacy and Política! Consciousness: A Critique of Left Critiques", Radical Teacherü (Maio 1975): 20-21. 30. J. MacDonald, "Reading in an Electronic Age", em J. MacDonald, ed., Social Perspectives in Reading (Delaware: International Reading Association, 1973), pp. 24-27; Enzenberger, Consciousness Industry, pags. 95-128. 31. Gitlin. "Media Sociology", passim. 32. O. Negt, "Mass Media: Toois of Dominatíon or Instruments of Liberation?" New Gennan Critique 14 (Primavera 1978): 70. 33. Exemplos desta tendência foram analisados em Elsasser e john-Steiner, "An Internationa! Approach". Exemplos representativos das abordagens positivistas do alfabetismo na leitura podem ser encontrados em R. C. Calfee e P. A. Drum, "Learning to Reacl: Theory, Research, and Practice", Curriculum Theory 8 (Outono 1978): 183-250. 34. Giroux, "Beyond the Limits". 35. Citado em Hoyles, Politics of Literacy, p.78.

screvendo sobre o ato de estudar, o educador Paulo Freire alega que "estudar é uma tarefa difícil que requer uma atitude crítica e uma disciplina intelectual sistemáticas adquiridas somente através da prática".1 Ele também argumenta que, subjacentes à natureza desta prática, encontram-se duas suposições pedagógicas importantes. Primeiro, o leitor deveria assumir o papel de um indivíduo no ato"de estudar. Segundo, o ato de estudar não é simplesmente um relacionamento com o texto imediato; pelo contrário, tem o sentido mais amplo de uma atitude em relação ao mundo. Vale a pena citá-lo mais detalhadamente nestas questões:

E

Estudar um texto exige urna análise do estudo daquele que, através do estudo, o escreveu. Isso exige uma compreensão do condicionamento sociológico e histórico do conhecimento. E também requer uma investigação do conteúdo em estudo e de outras dimensões do conhecimento. Estudar é uma forma de reinventar, recriar, reescrever, e isto é tarefa cie um indivíduo, não de um objeto. Além disso, nesta abordagem, o/a leitor/a não pode ser separado/a do texto porque estaria renunciando a uma atitude crítica em relação ao mesmo.... Sendo o ato de estudar uma atitude perante o mundo, o mesmo não pode ser reduzido ao relacionamento do leitor com o livro ou do leitor com o texto. Na verdade, um texto reflete o confronto de seu autor com o mundo. Ele expressa este confronto.... Aquele que estuda nunca deveria parar cie sentir curiosidade sobre outras pessoas e outra realidade. Existem aqueles que peiguntam, aqueles que tentam encontrar respostas e aqueles que continuam procura cio.2


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Os comentários de Freire são um ponto importante para iniciar este capítulo porque tornam sugestiva e problemática a questão de como teorizar e desenvolver uma pedagogia que incorpore formas de experiência nas quais professores e estudantes mostrem um sentido de agência crítica e fortalecimento do poder. A ênfase de Freire na noção de agência, neste caso, é particularmente importante porque evoca imagens tanto cie crítica quanto de possibilidade. Em primeiro lugar, existe uma demanda implícita por compreender como a experiência nas escolas ocorre de um modo que efetivamente silencia a possibilidade de aprendizagem e agência críticas. Em segundo, Freire emprega de forma distinta uma linguagem e um desafio para a organização de experiências pedagógicas dentro de formas e práticas sociais que referem-se ao desenvolvimento de modos de aprendizagem mais críticos, abertos, investigativos e coletivos. Devo argumentar que, para vencer este desafio, os educadores críticos precisam desenvolver um discurso que, por um lado, possa ser usado para questionar as escolas enquanto corporificações ideológicas e materiais de uma complexa teia de relações de cultura e poder, e, por outro, enquanto locais socialmente construídos de contestação ativamente envolvidos na produção de experiências vividas. Subjacente a tal abordagem encontrariase uma tentativa de definir-se como a prática pedagógica representa uma política particular de experiência, isto é, um campo cultural no qual o conhecimento, o discurso e o poder interseccionam-se de forma a produzir práticas historicamente específicas de regulação moral e social.3 De maneira semelhante, esta problemática aponta para a necessidade de questionarse como as experiências humanas são produzidas, contestadas e legitimadas na dinâmica da vida escolar cotidiana. A importância teórica deste tipo de interrogação está diretamente relacionada com a necessidade de que os educadores críticos criem um discurso no qual uma política mais abrangente da cultura e cia experiência possa ser desenvolvida. Aqui está em questão o reconhecimento de que as escolas são corporificações históricas e estruturais de formas e cultura que são ideológicas no sentido de que dão significado à realidade através de maneiras que são muitas vezes ativamente contestadas e distintamente experimentadas por grupos e indivíduos variados. Isto é, as escolas não são de forma alguma ideologicamente inocentes, c nem simplesmente reproduzem as relações e interesses sociais dominantes. Elas, contudo, de fato exercitam formas de regulação moral e política intimamente relacionadas com as tecnologias de poder que ''produzem assimetrias na capacidade de grupos e indivíduos de definir e compreender suas necessidades".'' Mais especificamente, as escolas estabelecem as condições sob as quais alguns indivíduos e grupos definem os termos pelo^ quais os outros vivem, resistem, afirmam e participam na construção de suas próprias identidades e subjetividades. Com esta perspectiva teórica, devo argumentar que o poder tem que ser compreendido como um conjunto concreto de práticas que produzem formas sociais através das quais

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diferentes conjuntos de experiência e espécies de subjetividade são construídos.5 O discurso nesta equação é tanto constituinte quanto produto do poder. Ele funciona para produzir e legitimar configurações de tempo espaço e narrativa que posicionam os professores de maneira a privilegiar versões particulares de ideologia, comportamento e representação da vida cotidiana. O discurso como tecnologia de poder assume expressão concreta nas formas de conhecimento que constituem os currículos formais bem como nas relações sociais escolares que penetram tanto o corpo como a mente.6 Não é preciso dizer que estas práticas e formas pedagógicas são •'lidas'' de maneira diferente tanto por professores quanto por estudantes.7 Não obstante, dentro destes conjuntos de práticas pedagógicas socialmente construídas encontram-se forças que trabalham ativamente para produzir subjetividades que, consciente ou inconscientemente, mostram um "sentido" particular do mundo. Neste caso, o problema a ser analisado tem um foco dual. Primeiramente, eu gostaria de investigar aquelas formas de discurso e prática educacionais que produzem verdadeiras injustiças e desigualdades através de uma estruturação particular das experiências pedagógicas. Em segundo lugar, gostaria de ir além da linguagem da análise crítica e, assim, analisar a possibilidade de construírem-se formas de prática pedagógica que permitam que professores e estudantes assumam o papel crítico e reflexivo cie intelectuais transformadores. Em cada caso, examinarei os modos nos quais as escolas tanto incorporam quanto refletem os antagonismos sociais através das relações sociais que se constróem em torno de visões pedagógicas particulares da cultura, conhecimento e experiência.

Educação e o Discurso da Administração e Controle As escolas deveriam ensinar você a se realizar, mas não o fazem. Elas te ensinam a ser um livro. E fácil tornar-se um livro, mas para tornar-se você mesmo é preciso que você tenha várias opções e seja ajudado a avaliar estas opções. Você tem que aprender isso, do contrário não estará preparado para o mundo lá fora.8

O estudante cie segundo grau que deu esta resposta oferece tanto uma leitura importante de sua experiência escolar particular quanto uma indicação de que o discurso e as práticas pedagógicas que o moldaram não toveram sucesso. Mas argumentar que tal pedagogia não teve sucesso exige maior elaboração quanto a como este discurso e prática se caracterizam, ^ue suposições lhes informam, e que interesses particulares subjazem sua v isâo da cultura, do conhecimento e das relações professor-aluno que eles sustentam. O conjunto de práticas pedagógicas que estou prestes a analisar^ ê '"formado por um discurso que desejo rotular de discurso da administração


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e controle. Inerente a este discurso encontra-se uma visão de cultura e de conhecimento na qual ambos são muitas vezes tratados como parte de um depósito de artefatos constituídos como cânones. Embora este discurso tenha diversas expressões características, sua defesa teórica mais recente pode ser encontrada na Proposta Paideia de Adler. Ele propõe que as escolas implementem um curso central de disciplinas em todos os doze anos de escolarização pública. Seu apelo é por formas de pedagogia que permitam aos estudantes dominarem habilidades e formas de compreensão com respeito a formas predeterminadas de conhecimento. Nesta visão, o conhecimento parece estar além cio alcance do questionamento crítico, exceto em nível da aplicação imediata. Em outras palavras, não há referência quanto a como tal conhecimento é escolhido, os interesses de quem ele representa, ou por que os estudantes estariam interessados em aprendê-lo. Na verdade, nesta perspectiva os estudantes são constituídos como corpo unitário separado das diferenças ideológicas e materiais que constróem suas subjetividades, interesses e preocupações de maneira diversa e múltipla. Eu argumentaria que o conceito de diferença neste caso torna-se a aparição negativa do "outro". Isto é particularmente claro no caso de Adler, já que ele desconsidera as diferenças culturais e sociais entre os estudantes com o comentário simplista e reducionista de que "Apesar de suas muitas diferenças individuais, as crianças são todas iguais em sua natureza humana".9 Neste discurso, um corpo de conhecimento predeterminado e hierarquicamente organizado é tomado como valor cultural a ser distribuído a todas as crianças, independentemente de suas diferenças e interesses. Igualmente importante é o fato de que a aquisição de tal conhecimento torna-se o princípio de estruturação em torno do qual se organiza o currículo escolar e se legitimam relações sociais escolares particulares. Neste caso, é o apelo exclusivo ao conhecimento escolar que constitui a medida e valor do que define a experiência de aprendizagem. Isto é, o valor cia experiência tanto do professor quanto cio aluno tem por premissa a transmissão e reiteração do que pode ser chamado de "conhecimento positivo". Conseqüentemente, é na distribuição, administração, medição e legitimação de tal conhecimento que este tipo de pedagogia investe suas energias. Em seu estudo etnográfico em três escolas urbanas de segundo grau, Cusick comenta sobre a natureza problemática de legitimar e organizar as práticas escolares em torno da noção de "conhecimento positivo". Por conhecimento positivo quero dizer aquele que geralmente é aceito como tendo uma base empírica ou tradicional.... A suposição de que a aquisição de conhecimento positivo pode ser interessante e atraente subjaz em parte às leis que obrigam todos a freqüentar a escola, pelo menos até a metade de sua adolescência....A suposição convencional seria a de que o currículo de uma escola existe como corpo de conhecimento, com pleno acordo de seus membros e aprovação da comunidade em geral e das autoridades locais, que detém certa sabedoria, e que reflete o melhor pensamento acerca cio que os jovens precisam para ter sucesso em nossa sociedade. Mas não toi isso que eu encontrei.10

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O que Cusick de fato encontrou foi que o conhecimento escolar organizado nestes termos não tinha apelo suficiente para suscitar o interesse de muitos estudantes que ele observou. Além do mais, os educadores presos -a esta perspectiva respondiam ao desinteresse, violência e resistência dos alunos transferindo suas preocupações do ensino de conhecimento positivo propriamente dito para a manutenção da ordem e do controle, ou, corno expresso em suas palavras, "segurando a tampa". Vale a pena citar Cusick mais detidamente: Os administradores não apenas dispendiam tempo nesses assuntos de administração e controle, mas também tinham a tendência cie avaliar outros elementos, tais como o desempenho dos professores, segundo sua capacidade de contribuir ou não para a manutenção da ordem. O exemplo mais notável disso foi a implementação nas duas escolas urbanas do regime de cinco-por-cinco, no qual os estudantes eram levados a escola de manhã cedo, assistiam cinco períodos de aula, com alguns minutos de intervalo entre elas e um recreio de quinze minutos na metade da manhã, e eram dispensados antes da uma hora da tarde. Não havia períodos livres, saias cie estudo, períodos de refeição ou reuniões. Não se permitiam ocasiões em que a violência pudesse ocorrer. A importância de manter a ordem nestas escolas secundárias públicas não podia ser subestimada."

Neste discurso, a experiência do estudante é reduzida a seu desempenho imediato e existe como algo a ser medido, administrado, registrado e controlado. Sua particularidade, suas disjunções e sua qualidade vivida são todas diluídas numa ideologia de controle e administração. Um dos maiores problemas desta perspectiva é que a exaltação de tal conhecimento não assegura que os estudantes terão qualquer interesse nas práticas pedagógicas que ele produz, principalmente porque tal conhecimento parece ter pouca relação com as experiências cotidianas dos próprios estudantes. Além disso, os professores que estruturam as experiênciais em sala de aula a partir deste discurso geralmente enfrentam muitos problemas nas escolas públicas, especialmente aquelas de grandes centros urbanos. O fastio e/ou rompimento parecem ser seus principais produtos. Até certo ponto, é claro, os professores que dependem de práticas escolares que mostram um desrespeito pelos estudantes e pela aprendizagem são propriamente vítimas de condições de trabalho específicas que virtualmente lhes impossibilitam assumir a posição de educadores críticos. Ao mesmo tempo, as condições sob as quais os professores trabalham são mutuamente determinadas pelos interesses e discursos que fornecem a legitimação ideológica para a promoção de práticas escolares hegemônicas. A seguinte citação pode exagerar a lógica da -administração e controle operando neste discurso, mas certamente revela sua ideologia. Existe um certo tom de ironia neste exemplo no sentido de que o autor é um professor de redação defendendo as virtudes da docilidade de seus leitores estudantes: Docilidacie significa "ensinabilidade" e é simplesmente a qualidade de estar disposto a seguir instruções simples e ter confiança no professor, que já passou por todo o


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aprendizado - e talvez muito ensino - antes, e ele (sic) simplesmente deve saber o que está fazendo... Você mesmo, sem qualquer talento, seguindo paciente, dócil e seriamente um método passo a passo pode produzir um bom tema. 12

Este tipo de discurso não apenas promove uma violência simbólica contra os estudantes no sentido de que desvaloriza o capital cultural que possuem como base significativa para o conhecimento e investigação escolar, como também tende a posicionar os professores dentro de modelos pedagógicos que legitimam seu papel como "funcionários" do império. Infelizmente, os interesses tecnocráticos que incorporam a noção de professores como funcionários faz parte de uma longa tradição de modelos cie gerenciamento em pedagogia e administração que tem dominado a educação pública americana.15 Expressões mais recentes desta lógica incluem uma variedade de modelos de contabilidade, administração por objetivos materiais curriculares à prova de professor, e exigências de certificação impostas pelo estado. Subjacente a todas estas abordagens da administração e trabalho docente encontra-se um conjunto cie princípios em desacordo com a noção de que os professores deveriam estar coletivamente envolvidos na produção dos materiais curriculares adequados aos contextos sociais e culturais no qual ensinam. As questões referentes à especificidade cultural, julgamento do professor e a como a experiência e as histórias do estudante se relacionam com o próprio processo de aprendizagem são ignoradas. É possível ir ainda mais longe e dizer que estes últimos pontos representam uma espécie de autonomia e controle do professor que são um obstáculo para os administradores, os quais acreditam que a excelência é uma qualidade a ser exibida principalmente mediante notas superiores em leitura e matemática e exames para admissão à faculdade. Isto fica ainda mais óbvio à luz da principal suposição subjacente ao discurso da administração e controle, isto é, que é preciso controlar o comportamento do professor, tornando-o congruente e previsível nas diferentes escolas e populações de estudantes. É importante frisar que o resultado dos sistemas escolares que adotam esta ideologia não é simplesmente o desenvolvimento de uma forma autoritária de controle escolar e formas de pedagogia mais padronizadas e gerenciáveis. Este tipo de política escolar também contribui para boas relações públicas no sentido de que os administradores escolares podem oferecer soluções técnicas para problemas sociais, políticos e econômicos que assolam suas escolas, ao mesmo tempo evocando os princípios de contabilidade como indicadores de sucesso. A mensagem para o público é clara: se o problema pode ser medido, então pode ser resolvido. Mas o discurso educacional predominante não é todo cie um tipo: existe uma outra posição dentro do mesmo que não ignora o relacionamento entre conhecimento e aprendizagem, por um lado, e a experiência do estudante, por outro. É esta posição que agora irei abordar.

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jjclticação e o Discurso da O discurso da relevância na teoria e prática educacional tem uma longa associação com vários princípios daquela que tem sido chamada em geral de educação progressista nos Estados Unidos. Desde Dewey ao Movimento da Escola Livre, passando pelos anos 60 e 70 até a ênfase atual no multiculruralismo, tem havido uma preocupação em tomar as necessidades e experiências culturais dos estudantes como ponto de partida para o desenvolvimento de formas relevantes de pedagogia.1'1 Como é impossível analisar neste ensaio todas as voltas e reviravoltas deste movimento, desejo focalizar exclusivamente algumas de suas tendências, juntamente com a maneira na qual seus discursos estruturam as experiências de estudantes e professores. Em sua forma mais próxima ao senso comum, o discurso da relevância privilegia uma noção de experiência na qual a mesma é igualada à "satisfação das necessidades dos jovens" ou ao desenvolvimento de relações cordiais com os estudantes, de forma a ser capaz de manter a ordem e o controle na escola. Em muitos aspectos, estes dois discursos representam lados diferentes da mesma ideologia educacional. No discurso da "satisfação das necessidades", o conceito de necessidade representa a ausência de um conjunto particular de experiências. Na maioria dos casos, o que os educadores acreditam que está faltando são as experiências culturalmente específicas que enriquecem a vida dos estudantes, ou então as habilidades básicas que "necessitam" para conseguir emprego quando saírem da escola. Subjacente a esta visão da experiência está a lógica da teoria da privação cultural que define a educação em termos de enriquecimento cultural, remediação e conceitos básicos. Neste discurso, existe pouco reconhecimento de que aquilo que é legitimado como experiência privilegiada muitas vezes representa o endosso a um estilo de vida particular que indica sua superioridade com uma ''vingança" contra aqueles que não compartilham de seus atributos. Mais especificamente, a experiência do estudante, quando distinta, é moldada dentro de um discurso que muitas vezes a rotula como desviada, pouco privilegiada e inculta. Conseqüentemente, não apenas os estudantes têm responsabilidade exclusiva pelo fracasso escolar, como também há pouco °u nenhum espaço teórico para questionarem-se as formas nas quais os a< Jministradores e professores na verdade criam e sustentam os problemas Rue atribuem aos estudantes em questão. Esta visão acrílica dos estudantes, Particularmente daqueles pertencentes a grupos subordinados, está refletída na recusa do discurso da relevância em examinar criticamente a maneira Pela qual o mesmo fornece e legitima formas de experiência que incorpo^m a lógica de dominação. Um exemplo evidente que me fez compreene_r isso foi o caso de um professor secundário em um de meus cursos de P°s-graduação que constantemente referia-se a seus estudantes da classe


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operária como "de vida baixa". Neste caso, ela não fazia idéia de como sua lin^uaoem efetivamente construía suas relações com estes estudantes, embora eu tenha certeza que a mensagem não deixasse cie influenciá-los. Um tipo de prática que surge a partir deste discurso com freqüência coloca os professores na posição de culpar os estudantes por seus problemas e ao mesmo tempo humiíhá-los através de um esforço para fazê-los participar da aula. A seguinte citação capta esta abordagem: Depois de quinze minutos fazendo a chamada, o professor escreveu algumas expressões no quadro: "Adão e Eva", "geração espontânea", e "evolução", e disse aos alunos: •'nos próximos quarenta minutos vocês elevem escrever um ensaio sobre como acham que o mundo começou, e aqui estão três possibilidades que vocês conhecem, pois foram discutidas na semana passada. Eu fiz isso como minha turma de preparação na faculdade e eles gostaram.... Isso lhes fará bem. Ensiná-los a pensar, para variar, que é algo que vocês não fazem muito."15

Quando os estudantes se recusam a tolerar este tipo de discurso humilhante, os professores e administradores escolares geralmente enfrentam problemas de ordem e controle. Uma resposta é o discurso das relações cordiais. O caso típico de manejo dos estudantes neste discurso é tentar mantê-los felizes pela satisfação de seus interesses pessoais através de modos adequadamente desenvolvidos de conhecimento de baixo status, ou então pelo desenvolvimento de uma boa harmonia com eles16. Definidos segundo uma lógica que os vê como os outros, os estudantes tornam-se então objetos de observação no interesse de serem compreendidos para serem mais facilmente controlados. Por exemplo, o conhecimento usado pelos professores com estes alunos é muitas vezes extraído de formas culturais identificadas com interesses específicos a classes, raças e gêneros. Mas a relevância, neste caso, tem pouco a ver com preocupações libertadoras. Ao invés disso, ela se traduz em práticas pedagógicas que tentam apropriar-se dê formas de cultura estudantil e popular com o interesse de "segurar a tampa". Além disso, ela fornece uma ideologia de legitimação para formas de seleção específicas à classe, raça e gênero. A seleção aqui em questão é desenvolvida em sua forma mais sutil através de uma série infinita de disciplinas opcionais que parecem legitimar as culturas de grupos subordinados, mas que de fato as incorporam de maneira pedagógica trivial. Assim, as meninas da classe trabalhadora são aconselhadas pelos orientadores a assistir "Conversa de Menina", enquanto os estudantes da classe média não têm dúvidas acerca da importância de freqüentar aulas de crítica literária. Em nome da relevância e ordem, os meninos da classe trabalhadora são estimulados a selecionar artes industriais, ao passo que seus colegas cie classe média fazem cursos de química avançada. Estas práticas e formas SOCÚUN juntamente com os interesses e pedagogias divergentes que produzem, p foram extensivamente analisadas em outra parte e não precisam ser repetidas aqui.17

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Em suas formas com maior embasamento teórico, o discurso da 1 vância traduz-se no que chamarei de discurso da integração, uma transição indicada por uma visão mais liberal da experiência e cultura do estudante Neste discurso, a experiência do estudante é definida através da psicologia individualizante da "centralidade da criança" ou através da lógica do pluralismo normativo. Entendida como parte de um processo natural em desdobramento, a experiência do estudante não é aliada aos imperativos da autoridade disciplinar rígida mas ao exercício do autocontrole e autoregulação. O foco de análise neste discurso é a criança como objeto unitário e as práticas pedagógicas enfatizadas são estruturadas em torno da meta de estimular a expressão saudável e relações sociais harmoniosas. Essencial ao discurso da integração é a problemática que equaciona a liberdade com a concessão de amor e com o que Carl Rogers chama de "consideração positiva incondicional" e "compreensão enfática".18 Este cânone pedagógico posiciona os professores em um conjunto de relações sociais que enfatizam em alto grau a aprendizagem autodirigida, ligam o conhecimento às experiências pessoais dos estudantes e tentam ajudar os estudantes a interagirem uns com os outros de maneira positiva e harmoniosa. A maneira como as experiências dos estudantes são desenvolvidas neste discurso está, evidentemente, relacionada com a questão mais ampla de como elas são construídas e compreendidas dentro dos múltiplos discursos que incorporam e reproduzem as relações sociais e culturais que caracterizam a sociedade mais ampla. Embora esta questão geralmente seja ignorada na linguagem da centralidade da criança, ela é apropriada como preocupação central em uma outra versão do discurso da integração, o qual emprega o que pode ser chamado de pedagogia do pluralismo normativo. Na pedagogia do pluralismo normativo, a análise e significado da experiência desloca-se cia preocupação com a criança individual para o estudante como parte de um grupo cultural específico. Assim, a identificação e compreensão da experiência se dão através de uma gama de categorias sociais que situam a criança individual dentro cie uma rede de conexões culturais diversas. De importância teórica fundamental é a maneira pela qual o conceito de cultura é definido e questionado nesta perspectiva. Em termos antropológicos, a cultura é vista como as formas pelas quais os seres humanos dão sentido a suas vidas, sentimentos, crenças, pensamentos e sociedade mais ampla.19 Neste discurso, a noção da diferença é destituída de sua singularidade e acomodada na lógica cie um "humanismo cívico Polido".20 Isto é, a diferença não simboliza mais a ameaça de rompimento. Pe lo contrário, ela então indica um convite aos diversos grupos culturais Para que dêem as mãos sob a bandeira democrática do pluralismo integrador. vale a pena salientar que a relação entre diferença e pluralismo é essencial Para esta perspectiva; ela serve para legitimar a idéia de que, a despeito das diferenças manifestas em torno da raça, etnia, linguagem, valores e estilos vida, existe uma igualdade subjacente entre os diferentes grupos cultu-


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rais que repudia o privilégio de qualquer uma delas. Assim, a noção de diferença é incluída em um discurso e conjunto de práticas que promovem harmonia, igualdade e respeito dentro e entre grupos culturais diversos. Isto não significa sugerir que o conflito é ignorado nesta abordagem e nem estou sugerindo que os antagonismos sociais e políticos que caracterizam o relacionamento entre os diferentes grupos culturais e a sociedade mais ampla são negados. Ao contrário, tais problemas geralmente são reconhecidos, porém vistos como questões a serem discutidas e superadas no interesse de criar-se uma "classe feliz e cooperativa", que irá desempenhar um papel fundamental na formação de um "mundo feliz e cooperativo".21 Neste contexto, as representações culturais de diferença enquanto conflito e tensão só se tornam pedagogicamente possíveis de serem trabalhadas dentro da linguagem da unidade e cooperação. Conseqüentemente, o conceito de diferença torna-se seu contrário, pois a diferença torna-se significativa como algo a ser resolvido dentro de formas relevantes de troca e discussões em aula. O que se perde aí é o respeito pela autonomia de lógicas culturais diferentes e qualquer compreensão de como tais lógicas operam em relações assimétricas de poder e dominação. Em outras palavras, a igualdade que é associada com as diferentes formas de cultura enquanto experiências vividas e incorporadas serve para substituir as considerações políticas referentes às formas pelas quais os grupos dominantes e subordinados são produzidos, mediados e expressos nas práticas sociais concretas dentro e fora das escolas. As práticas pedagógicas desenvolvidas a partir desta noção de diferença e diversidade cultural estão repletas da linguagem do pensamento positivo. Isto se torna claro nos projetos curriculares desenvolvidos em torno destas práticas. As mesmas geralmente estruturam os problemas curriculares de forma a incluir referências aos conflitos e tensões que existem entre os diferentes grupos. Contudo, em vez de educar os estudantes para as formas nas quais os diferentes grupos lutam dentro das relações de poder e dominação à medida que estas são travadas na arena social mais ampla, estas abordagens subordinam as questões de luta e poder à tarefa de desenvolver metas pedagógicas que fomentem o respeito e entendimento mútuo entre grupos culturais diversos. A natureza apologétíca deste discurso, o qual ignora tranqüilamente a complexidade e dificuldade da mudança social, é evidente nos tipos de objetivos educacionais que estruturam suas práticas escolares. O exemplo a seguir é tipíco: É importante que os estudantes em um ambiente multicultural, bem como em um ambiente mais homogêneo, desenvolvam uma perspectiva multicultural, O desenvolvimento de competências que funcionem confortavelmente em ambientes multiculturais deveriam levar a (1) uma maior autoconsciêncía e respeito próprio, (2) maior respeito por grupos culturais diferentes daquele do estudante, (3) extensão do pluralismo e igualdade cultural nos Estados Unidos, e (4) menor número de conflitos intergrupais causados pela ignorância e incompreensão.22

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Em suas versões teoricamente mais sofisticadas, a pedagogia do luralismo normativo reconhece a existência de conflitos de raça, gênero tnia e de outros tipos entre grupos diferentes, mas é ideologicamente mais honesta em relação a por que eles não deveriam ser enfatizados no currículo Apelando para os interesses de uma cultura comum, esta posição recorre a uma ênfase pedagógica aos interesses e ideais comuns que caracterizam a nação. Como coloca um de seus porta-vozes, Nathan Glazer, a escolha do que deve ser ensinado "deve ser guiada...por nossa concepção de urna sociedade desejável, de um relacionamento entre o que selecionamos para ensinar e a capacidade das pessoas de realizar urna sociedade assim e conviver na mesma".23 O que é preocupante nesta posição é que ela carece de qualquer sentido de cultura como terreno de luta; além disso, ela não dá qualquer atenção ao relacionamento entre conhecimento e poder. Na verdade, subjacente à afirmação de Glazer encontra-se um igualitarismo leviano que assume, mas não demonstra, que todos os grupos podem participar ativamente no desenvolvimento de tal sociedade. O silêncio estruturado que subjaz o seu único "nossa" sugere não haver disposição para indiciar ou questionar as estruturas de dominação existentes, enquanto apela para uma harmonia artificial. Trata-se de uma harmonia que não é mais do que uma imagética no discurso daqueles que não têm que sofrer as injustiças experimentadas por grupos subordinados. Em suma, a pedagogia do pluralismo normativo é vítima de uma perspectiva que idealiza o futuro enquanto destitui o presente de suas contradições e tensões profundamente arraigadas. Não se trata simplesmente do discurso da harmonia; trata-se também de um conjunto de interesses que se recusa a postular as relações entre a cultura e o poder como uma questão moral que exige uma ação política emancipadora. Eu já registrei algumas das críticas referentes a algumas das suposições que informam o discurso da relevância e integração, mas gostaria de aprofundá-las antes de analisar como a pedagogia crítica pode ser formada a partir de uma teoria de política cultural.24 O discurso da relevância e integração é vítima de uma tendência ideológica profundamente arraigada na educação americana, bem como nas ciências sociais predominantes, de separar a cultura das relações de poder. A cultura nesta visão torna-se objeto de investigação sociológica, e é analisada principalmente como artefato que incorpora e expressa as tradições e valores cie grupos diversos. Não há, nesta visão, tentativa de entender a cultura como os princípios de vida compartilhados e vivencíactos, característicos dos diferentes grupos e classes à medida que estes surgem em meio a relações de poder e campos de luta assimétricos. Em essência, a cultura enquanto relação particular entre grupos dominantes e subordinados e exPressa na forma de relações antagônicas vividas que incorporam e produzern formas particulares de significado e ação permanece inexplorada no


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discurso da relevância e integração. Na realidade, este discurso exclui totalmente o conceito de cultura dominante e subordinada, e assim deixa de reconhecer a importância das forças sócio-políticas mais amplas que afetam todos os aspectos da organização escolar e do cotidiano das salas de aula. Ao recusar-se a reconhecer as relações entre cultura e poder, o discurso da relevância e integração deixa de compreender como as próprias escolas estão envolvidas na reprodução dos discursos dominantes e das práticas sociais. Nesta visão, supõe-se que as escolas podem analisar os problemas enfrentados pelos diferentes grupos culturais, e que a partir desta análise os estudantes irão desenvolver um sentido de compreensão e respeito mútuo que de alguma forma irá influenciar a sociedade mais ampla. Mas as escolas fazem mais do que influenciar a sociedade; elas também são moldadas pela mesma. Isto é, as escolas estão inextrincavelmente ligadas a um cojunto mais amplo de processos culturais e políticos, e não apenas refletem os antagonismos incorporados em tais processos, como também os incorporam e reproduzem. A questão geralmente ignorada neste discurso é a de como as escolas de fato funcionam para produzir diferenciações de classe, raça e gênero juntamente com os antagonismos fundamentais que as estruturam. Em outras palavras, de que maneira as formas mais amplas de dominação e subordinação política, econômica, social e ideológica são investidas na linguagem, textos e práticas sociais das escolas, bem como nas experiências dos próprios professores e estudantes? De forma semelhante, de que maneira o poder dentro das escolas é expresso como conjunto de relações que privilegiam alguns grupos e deslegitimam outros? O ponto importante aqui é que o discurso da relevância e integração é desprovido não apenas de uma teoria adequada de dominação e do papel desempenhado pelas escolas em tal processo, mas também de uma compreensão crítica de como a experiência é denominada, construída e legitimada nas escolas. Compreendido nestes termos, este discurso deixa de analisar como as relações sociais trazidas por estudantes e professores à sala de aula são expressas e mediadas. Simon coloca a questão de uma maneira que elucida a complexidade do problema ignorado por este discurso: Nossa preocupação como educadores é desenvolver um modo de pensar sobre :i construção e definição da subjetividade dentro das formas sociais concretas de nossa existência cotidiana no qual a escolarização seja compreendida como um local cultural e político que [incorpora] um projeto de regulação e transformação. Como educadores, exige-se que tomemos uma posição quanto à aceitabilidade de tais formas. Também reconhecemos que, embora a escolarização seja produtiva, ela não o é isoladamente, e sirn em complexas relações com outras formas organizadas em outras condições... Ao trabalhar para reconstruir aspectos da escoiarização, os educadores deveriam tentar compreender como ela está envolvida na produção de subjetividade», e reconhecer como as formas sociais existentes legitimam e produzem desigualdade* reais que servem aos interesses de alguns em detrimento cie outros, e que uma pedagogia transformadora tem propósito oposicionista e ameaça alguns em sua pratica.

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Simon acertadamente argumenta que as escolas são locais de contestação e luta que, enquanto locais de produção cultura], incorporam representações e práticas que constróem bem como bloqueiam as possibilidades de aaência humana entre os estudantes. Isto fica claro reconhecendo-se que u m dos elementos mais importantes em funcionamento na construção da experiência e subjetividade nas escolas é a linguagem. Neste caso, a linguagem intersecciona-se com o poder na maneira como uma forma lingüística particular é usada nas escolas para legitimar e estruturar as ideologias e modos de vida de grupos específicos. A linguagem, neste caso, está intimamente relacionada com o poder, e funciona tanto para posicionar quanto constituir a forma na qual professores e estudantes definem, medeiam e compreendem sua relação uns com os outros e com a sociedade mais ampla- Uma outra crítica importante ao discurso da relevância e integração é que ele despolitiza a noção de linguagem quando a define basicamente em termos técnicos (mestria), ou em termos que defendem seu valor comunicativo no desenvolvimento do diálogo e transmissão de informação. Em outras palavras, a linguagem é privilegiada como meio de trocas verbais e apresentação de conhecimento, e, como tal, é abstraída de seu papel constituídor como instrumento e local de disputa em torno de diferentes significados, práticas e leituras do mundo. Neste discurso, não há noção de como as práticas da linguagem podem ser usadas para efetivamente silenciar certos estudantes, ou de como o privilegiar de formas particulares de linguagem pode funcionar para deslegítimar as tradições, práticas e valores que as práticas de linguagem subordinadas incorporam e refletem. De forma semelhante, há o fracasso em desenvolver a importante tarefa pedagógica de fazer com que os professores aprendam formas de alfabetízação na linguagem, nas quais se tenha uma compreensão crítica da estrutura da linguagem, bem como das habilidades teóricas necessárias para ajudar os estudantes a desenvolverem uma linguagem em que possam tanto validar quanto incluir de maneira crítica suas próprias experiências e ambientes culturais.26 Não é de surpreender que dentro deste discurso as questões de diferença cultural sejam geralmente reduzidas a uma ênfase exclusiva à transmissão e currículo. O aprendizado e compreensão do conhecimento escolar tornam-se os únicos meios através dos quais os problemas são identificados e resolvidos. O que se perde aí são as formas pelas quais o poder é investido nas^ forças institucionais e ideológicas que se acercam e moldam as práticas ociais da escolarização de uma maneira não evidente pela análise de tex05 curriculares no momento isolado de seu uso em sala de aula. Não há, P°r exemplo, compreensão clara de como as relações sociais operam nas s colas através da organização de tempo, espaço e recursos, ou da forma PQ 'A qual os diferentes grupos experimentam estas relações através de suas cações econômicas, políticas e sociais fora das escolas. Entretanto, este so não apenas deixa de compreender a escolarização como um procultural ínextricavelmente ligado à presença inevitável de forças soei-


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ais mais amplas, mas também parece incapaz de reconhecer como poderiam surgir forças de resistência nas escolas.27 Uma outra limitação teórica do discurso da relevância e integração é a de que ele deixa de analisar como a escola, enquanto agente de controle social e cultural, é mediada e contestada por aqueles cujos interesses ela não serve. Isto se deve, em parte, a uma visão funcíonalista da escolarização na qual as escolas são indiscutivelmente vistas como a serviço das necessidades da sociedade dominante, sem questionar-se a natureza de tal sociedade ou os efeitos que ela tem nas práticas cotidianas do próprio processo de ensino. Paga-se um preço teórico alto por este tipo de funcionalismo. Uma de suas conseqüências é que as escolas são aparentemente afastadas das tensões e antagonismos que caracterizam a sociedade mais ampla. Como resultado, torna-se impossível compreender as escolas como locais ativamente envolvidos nas lutas em torno de poder e significado em andamento. Além disso, não há espaço teórico neste discurso para compreender por que grupos subordinados podem efetivamente resistir e negar a cultura dominante como incorporada nos vários aspectos da vida escolar cotidiana.

Crítica e o Discurso da Política Cultural Gostaria agora de mudar de engrenagem teórica e voltar à suposição implícita na declaração de Paulo Freire no início deste capítulo, de que a aprendizagem envolve um indivíduo no ato de estudar, e que este ato é construído a partir de uma relação mais ampla com o mundo. Gostaria de começar propondo algo ousado. Desejo argumentar que, para que uma pedagogia crítica seja desenvolvida como forma de política cultural, é imperativo que tanto professores quanto alunos sejam vistos como intelectuais transformadores.28 A categoria de intelectual transformador é útil de várias maneiras. Primeiro, ela significa uma forma de trabalho na qual o pensamento e atuação estão inextrincavelmente relacionados, e, como tal, oferece uma contra-ideología para as pedagogias instrumentais e administrativas que separam concepção de execução e ignoram a especificidade das experiências e formas subjetivas que moldam o comportamento dos estudantes e professores. Segundo, o conceito de intelectual transformador faz entrarem em ação os interesses políticos e normativos que subjazem às funções sociais^ que estruturam e são expressas no trabalho de professores e estudan-^ tes^Em outras palavras, ele serve como referencial crítico para que os pró-" fessores problematizem os interesses que estão inscritos nas formas institucionais e práticas cotidianas experimentadas e reproduzidas nasjg?-colas. Finalmente, encarar os estudantes e professores como intelectuais representa urna demanda adicional por um discurso crítico que analise corno as formas culturais acercam-se das escolas e como tais formas são

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experimentadas subjetivamente. Isto significa que os educadores críticos precisam compreender como as formas materiais e vividas de cultura estão sujeitas à organização política, isto é, como são produzidas e reguladas Com efeito, eu advogo uma pedagogia de política cultural que se desenvolva em torno de uma linguagem criticamente afirmativa que permita aos educadores enquanto intelectuais transformadores compreenderem como se produzem as subjetividades dentro daquelas formas sociais nas quais as pessoas se deslocam, mas que muitas vezes são apenas parcialmente compreendidas.29 Uma pedagogia assim torna problemático o modo como professores e estudantes sustentam, resistem ou acomodam aquelas linguaaens, ideologias, processos sociais e mitos que os posicionam dentro das relações de poder e dependência existentes. Além disso, ela aponta para a necessidade de desenvolver-se uma teoria de política e cultura que analise o poder como um processo ativo - processo que é produzido como parte de um balanço em contínua transformação de recursos e práticas na luta para privilegiarem-se modos específicos de identificação, organização e experimentação da realidade social. O poder, neste caso, torna-se uma forma de produção cultural, ligando agência e estrutura através das formas pelas quais as representações públicas e privadas são concretamente organizadas e estruturadas dentro das escolas. Além disso, o poder é compreendido como um conjunto incorporado e fragmentado de experiências que são vividas e sofridas por indivíduos e grupos dentro de contextos e ambientes específicos. Nesta perspectiva, o conceito_de_exrjeriência é ligado à questão mais ampla de como as subjetividades são inscritas nos processos culturais que se desenvolvem em relação à dinâmica de produção, transformação e luta. Compreendida nestes termos, uma pedagogia da política £yJíyral apresenta um conjunto duplo de tarefas para os educadores críticos. Primeiro, eles precisam analisar como a produção cultural é organiza,da dentro de relações assimétricas cie poder nas escolas. Segundo, eles precisam construir estratégias políticas de participação nas lutas sociais destinadas a lutarem pelas escolas como esferas públicas democráticas. Para tornar esta tarefa praticável, é necessário avaliarem-se os limites Políticos e potencialidades pedagógicas dos exemplos diferentes, porém relacionados, de produção cultural que constituem os diversos processos de escolarização. É importante notar que chamo estes processos sociais de exemplos de produção cultural em vez de usar o conceito esquerdista dominante de reprodução.30 Este último, acredito, aponta adequadamente para as várias ideologias e interesses econômicos e políticos que são reconstituídos na s relações de escolarização, mas carece de uma compreensão de como tais interesses são mediados, elaborados e subjetivamente produzidos, independentemente dos interesses que finalmente emergem. -~í> Uma pedagogia crítica que assuma a forma de política cultural precisa ~"-animar como os processos culturais são procluzicios e transformados.denti.a '.três campos de discurso particulares, porém relacionados, são eles: o


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£Hs£urso_daprodução, o discurso da análise dejexto, e o discurso das culturas iãfíidfi^~Cã(ía min"destes; discursos"tem um histórico de desenvolvimento cultural em diversos modelos de análise de esquerda, e cada um foi submetido à intensa discussão e crítica, o que não precisa aqui ser repetido.31 O que desejo fazer aqui é observar estes discursos em termos das potencialidades que apresentam em suas interconexões, particularmente à medida que apontam para um novo conjunto de categorias para o desenvolvimento de formas de prática educacional que autorizem professores e estudantes em torno de interesses emancipadores.

e os Culturas Vividas

de

de

e

O discurso da produção na teoria educacional tem se concentrado nas formas pelas quais as forças estruturais fora da vida escolar imediata constróem as condições objetivas dentro das quais as escolas funcionam. Neste discurso encontram-se análises elucidativas do estado, locais de trabalho, fundações, empresas de publicação, e outros interesses políticos que direta ou indiretamente influenciam a política escolar. Além disso, as escolas são compreendidas dentro de uma rede de conexões mais amplas, o que permite sua análise enquanto construções históricas e sociais, incorporações de formas sociais que travam uma relação com a sociedade mais ampla. Em seus melhores casos, o discurso da produção nos alerta para a necessidade de compreender-se a importância das estruturas ideológicas e materiais como conjuntos particulares de práticas e interesses que legitimam representações públicas e estilos de vida específicos. É inconcebível analisar o processo de escolarização sem compreender como estas formas mais amplas de produção são construídas, manifestadas e contestadas dentro e fora da escola. Um exemplo óbvio disso é analisar as formas pelas quais as políticas governamentais incorporam e promovem práticas particulares que legitimam e privilegiam algumas formas de conhecimento e não outras, ou alguns grupos e não outros. Igualmente significativa seria uma análise de como as formas dominantes de discurso na prática educacional são construídas, sustentadas e postas em circulação fora cias escolas. Por exemplo, os educadores críticos precisam fazer mais do que identificar a linguagem e valores das ideologias corporativas manifestas no currículo escolar; eles precisam também desconstruir os processos através dos quais eles são produzidos e postos em circulação. Um outro aspecto importante do discurso da produção é que ele aponta para a forma na qual o trabalho é objetivamente construído, isto é, ele fornece uma análise das condições sob as quais as pessoas trabalham e da importância política destas condições tanto para limitar quanto para permitir o que os educadores podem fazer. Esta questão

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é especialmente importante para analisarem-se as possibilidades críticas que existem para que professores e estudantes da escola pública dentro de condições específicas de trabalho atuem e sejam tratados como intelectuais. pé maneira simples, caso professores e estudantes estejam sujeitos a condições de saturação, falta de tempo para trabalharem coletivamente de maneira criativa, ou a regras e regulamentações que os desautorizem, as condições técnicas e sociais de trabalho devem ser compreendidas e abordadas como parte do discurso de reforma e luta. Ao mesmo tempo, o discurso da produção tem que ser suplementado com análises de formas textuais. Neste caso, é necessário obter um discurso que possa questionar de maneira crítica as formas culturais como produzidas e usadas em salas de aula específicas. O que é importante a respeito deste tipo de discurso é que ele fornece a professores e estudantes os instrumentos críticos necessários para analisarem-se aquelas representações e interesses socialmente construídos que organizam e enfatizam leituras particulares dos materiais curriculares. Este é um modo de análise particularmente importante porque argumenta contra a idéia de que os meios de representação nos textos são simplesmente transmissores de idéias. Este discurso aponta para a necessidade de análises sistemáticas da maneira pela qual o material é usado e ordenado nos currículos escolares e de como seus "significantes" registram pressões e tendências ideológicas particulares. Em seus melhores exemplos, este discurso permite que professores e estudantes desconstruam os significados que estão silenciosamente embutidos nos princípios que estruturam os vários sistemas de significado que organizam a vida cotidiana nas escolas. Com efeito, ele acrescenta uma nova virada teórica para a análise de como o currículo oculto funciona nas escolas. Este tipo de crítica textual pode ser usado, por exemplo, para analisar como as imagens ou convenções técnicas dentro de formas diversas, tais como a narrativa, formas de tratamento, e referência ideológica, tentam construir uma gama limitada de posições a partir das quais elas devem ser lidas. Richard Johnson diz: O objeto legítimo de uma identificação de "posições" são as pressões ou ^ tendências sobre o leitor, a problemática teórica que produz formas subjetivas, as direções nas quais se movem em sua força - uma vez habitada... Se acrescentarmos a isso o argumento de que certos tipos de texto ("realismo") naturalizam os meios pelos quais o posicionamento é obtido, temos uma compreensão dual de grande forca. A promessa particular é tornar os processos até agora inconscientemente sofridos (e ciesnut,uo abertos para análise explícita.32

Aliado a formas tradicionais de crítica ideológica do conteúdo dos Materiais escolares, o discurso cia análise de texto fornece uma compieensào valiosa de como as subjetividades e formas culturais funcionam mus escolas. O valor deste tipo de trabalho foi demonstrado na analise aos


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princípios estruturados usados na construção de pacotes prontos de materiais curriculares, na qual se argumentou que tais princípios utilizam unia forma de tratamento que coloca os professores em uma posição de meros implementadores de conhecimento.33 Tal posicionamento está evidentemente em discordância com o tratar professores e estudantes como intelectuais. Numa brilhante apresentação desta abordagem. Judith Williamson ofereceu um estudo abrangente da maneira pela qual este tipo de crítica pode ser aplicado à publicidade em massa.3'1 De forma semelhante, Arie] Dorfman aplicou este tipo de análise a diversos textos usados na cultura popular, inclusive o retrato de personagens como o Pato Donald e o Elefante Babar. É em sua análise da Readers Digest que Dorfman apresenta unia exposição impressionante do valor crítico da análise de texto. Em um caso, por exemplo, ele analisa como a Readers Digest usa um tipo de representação que minimiza a importância de ver o conhecimento em suas conexões históricas e dialéticas. Ele escreve: Assim como com os super-heróis, o conhecimento não transforma o leitor; pelo contrário, quanto mais ele [sic] lê a Digest, menos ele precisa mudar. É aí que toda aquela fragmentação volta a desempenhar o papel que sempre se pretendeu que desempenhasse. Nunca se supõe um conhecimento prévio....Mês após mês, o ieitor deve purificar-se, sofrer de amnésia, empacotar o conhecimento que adquiriu e colocá-lo em alguma prateleira escondida para que não interfira no prazer inocente de consumir mais, tudo de novo. O que ele aprendeu sobre os romanos não se aplica aos etruscos. O Havaí não tem nada a ver com a Polinésia. O conhecimento é consumido por seu efeito tranqüilizador, para uma "renovação da informação", para um intercâmbio cie banalidades. Ele só é útil à medida que pode ser digerido como anedota, mas seu potencial para um pecado original foi eliminado, juntamente com a tentação de gerar verdade ou movimento - em outras palavras: mudança.35

Eu gostaria de concluir argumentando que, a fim de desenvolver uma pedagogia crítica em torno de uma forma de política cultural, é essencial desenvolver um discurso que não suponha que as experiências vividas possam ser inferidas automaticamente a partir de determinações estruturais. Em outras palavras, a complexidade do comportamento humano não pode ser reduzida à simples identificação de determinantes, quer sejam eles modos econômicos de produção ou sistemas cie significação textual, nos quais tal comportamento é moldado e segundo os quais ele constitui a si mesmo. A forma pela qual os indivíduos e grupos tanto medeiam quanto habitam as formas culturais apresentadas por tais forças estruturais é por si mesma uma forma de produção e precisa ser analisada através de um discurso e tipo de análise relacionado, porém diferente. Neste caso, gostaria de apresentar de maneira sucinta a natureza e implicações pedagógicas do que chamo cie discurso das culturas vividas. Essencial para o discurso das culturas vividas é a necessidade de desenvolver-se o que pode ser genericamente chamado de teoria da autoprocíução.36 Em seu sentido mais geral, isto exigiria uma compreensão de

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como os professores e estudantes dão significado a suas vidas através das complexas formas históricas, culturais e políticas que tanto incorporam como produzem. Diversas questões precisam ser desenvolvidas dentro de uma pedagogia crítica em torno desta preocupação. Primeiramente, é preciso reconhecer as formas subjetivas de vontade e luta política. Isto é,'o discurso das culturas vividas precisa questionar como as pessoas criam estórias memórias e narrativas que postulam um senso cie determinação e agência' Este é o conteúdo cultural da mediação, o material consciente e inconsciente através do qual membros de grupos dominantes e subordinados oferecem visões de quem são e apresentam diferentes leituras do mundo. Também é parte daquelas ideologias e práticas que nos permitem compreender as locações sociais, histórias, interesses subjetivos e mundos particulares que entram em jogo em qualquer pedagogia escolar.37 Se tratarmos as histórias, experiências e linguagens de grupos culturais diferentes como formas particularizadas de produção, torna-se mais fácil compreender as diversas leituras, respostas e comportamentos que, digamos, os estudantes apresentam para a análise de um texto particular. Na verdade, uma política cultural precisa que seja desenvolvido um discurso que esteja atento às histórias, sonhos e experiências que tais estudantes trazem para as escolas. É somente partindo destas formas subjetivas que os educadores críticos poderão desenvolver uma pedagogia que confirme e envolva as formas contraditórias de capital cultural que constituem a maneira como os estudantes produzem significados que legitimam formas particulares de vida. A procura e elucidação dos elementos de autoprodução que caracterizam os indivíduos que ocupam culturas vividas diversas não é simplesmente uma técnica pedagógica para legitimar as experiências daqueles estudantes que muitas vezes são silenciados pela cultura dominante da escolarização; é também parte de um discurso que questiona como o poder, a dependência e a desigualdade social estruturam as ideologias e práticas que capacitam e limitam os estudantes em torno de questões de classe, raça e gênero. Dentro desta perspectiva teórica, o discurso das culturas vividas torna-se valioso para os educadores porque pode servir não apenas para elucidar como o poder e o conhecimento interseccíonam-se para deslegitímar o capital cultural dos estudantes de grupos subordinados, mas também para elucidar como este pode ser traduzido em uma linguagem de possibilidade, isto é, ele pode ser usado também para desenvolver uma pedagogia crítica do popular, a qual inclua o conhecimento da experiência vivida através do Método dual de confirmação e questionamento. O conhecimento do "outr o" é incluído não apenas para exaltar sua presença, mas também porque e je deve ser questionado criticamente com respeito às ideologias que contém, os meios de representação que utiliza, e as práticas sociais subjacentes que ele reitera. Aqui está em jogo a necessidade de desenvolver-se um laço entre conhecimento e poder, o qual sugira possibilidades praticáveis para


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os estudantes. Isto é, o conhecimento e o poder interseccionam-se em unia pedagogia de política cultural para dar aos estudantes a oportunidade não apenas de compreender mais criticamente quem eles são como parte de uma formação social mais ampla, mas também para ajudá-los a apropriarem-se de maneira crítica daquelas formas de conhecimento que tradicionalmente lhes foram negadas. Em conclusão, cada um dos discursos que apresentei e analisei de forma sucinta envolve uma visão diferente da produção cultural, análise pedagógica e ação política. E embora cada uma destas formas de produção envolva um certo grau de autonomia tanto em forma quanto em conteúdo, é importante que se desenvolva uma pedagogia crítica em torno das conexões internas que elas compartilham dentro do contexto de uma política cultural, pois é dentro destas interconexões que uma teoria tanto de estrutura quanto de agência pode construir uma nova linguagem, apontar para novas questões e possibilidades, e permitir que os educadores enquanto intelectuais transformadores lutem pelo desenvolvimento de escolas como esferas públicas democráticas.

já reforma educacional progresista que caracterizaram o final dos anos 60 e 70. O discurso d-i relevância e integração que estou analisando aqui guarda pouca semelhança com' a filosofia cia experiência de Dewey no sentido cie que Dewey enfatizou o relacionamento entre a experiência do estudante, a reflexão crítica e a aprendizagem. Em contraste, o apelo $ relevância tão em voga hoje em dia geralmente abre mão cio conceito de aquisição sistemática de conhecimento e privilegia sem crítica um conceito antiintelectual de experiência do estudante. Para uma análise crítica destas posições, ver Aronowitz e Gíroux, Educativa lindei'Siege, e Giroux, Ideology and Culture. 15. Cusick, The Egalitarian Ideal, p. 55. 16 Ibid., Theodore Sizer, Horaces Compromise (Boston: Houghton Mifflin, 1984). 17. Firoux anel Purpel, The Hidden Curriculum. 18 Carl Rogers, Freedom to Learn (Columbus, Ohio: Charles Merril, 1969). 19. Clyde Kluckhohn, Mirror for Man: The Relation of Anthropology to Modern Life (New York: McGraw-Hill, 1949). 20. P. Corrigan, "Race, Ethnicity, Gender, Culture: Embodying Differences Educationally An Argument" (Trabalho não publicado, Ontario Instítute for Studies in Education, 1985), p. 7. 21. R. Jeffcoate, Positive Image: Towards a Multicultural Curriculum (London: Readers and Writers Cooperative, 1979), p. 122.

Notas

22. M. Goünick e P. Chinn, Multicultural Education in a Pluralistic Society (St. Louis: C.V. Mosby, 1983), p. 306.

1. Paulo Freire, The Politics of Education (S. Hadley, Mass.: Bergin & Garvey, 1985), p. 2.

23. Nathan Glazer, "'Cultural Pluralism The Social Aspect", em M. Tumin e W. Plotch, eds., Pluralism in a Democratic Society (New York: Praeger, 1977), p. 51.

2. Ibid, pp. 2-3. 3. J. Henriques et ai., Changing the Subject (New York: Methuen, 1984).

24. Henry A. Giroux e Roger Simon, "Curriculum Study and Cultural Politics" Journal of Education 166 (Outono 1984): 226-38.

4. Richard Johnson, "What is Cultural Studies ?" Anglística 26 (1-2):11.

25. Simon, "Work Experience", p. 176.

5. Roger Simon, "Work Experience", em Davicl W. Livingstone, ecl, Criticai Pedagogy and Cultural Power (S. Hadley, Mass.: Bergin & Garvey, 1987), pp. 155-77.

26. Dell I lymes, "Ethnolinguístic Study of Classroom Discourse", relatório final para o National instituto of Education (Phihdelphia: University of Pennsylvania, 1982); G. Kress e R. Hodge, Language as Ideology (London: Routledge & Kegan Pauí, 1979).

6. Foucault, Power and Knowledge. I. Peter McLaren, Schooling as a Ritual Performance (Boston: Routleclge & Kegan Paul, 1986). 8. R. White e D. Brockington, Tales oul of School (London: Routleclge & Kegan Paul, 1983), p. 21. 9. Mortimer Adler, The Paideia Proposal (New York: Macmillan, 1982), p. 42. 10. P. Cusick, The Egalitarian Ideal and the American School (New York: Longman, 1983), pp. 25-71. II. Ibid., p. 108. 12. W. Kerrigan, Writinq to the Point. 2a ecl. (New York : Harcourt, Brace, Jovanovich, 1979), p. 32. 13. Callahan, Education and the Cult

ofEf/iciency.

14. Quero deixar claro que existe uma distinção importante entre a obra de John Dewey. Democracy and Education (New York: Free Press, 1916), neste caso, e os discursos híbrido»

27. Giroux, Theory and Resistance in Education. 28. Aronowitz e Giroux, Education under Siege. -9. Giroux e Simon, "Curriculum Study and Cultura! Politics". 30. A tese de reprodução na teoria educacional radical foi desenvolvida a partir do trabalho de Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America, e Giroux, Theory and resistance in E diication. 31.^Urna analise importante destes discursos e cias tradições com as quais eles geralmente es tao associados pode ser encontrada em Johnson, "What is Cultural Studies?" Utilizei livremente o trabalho de Johnson nesta seção do capítulo. 32. Johnson, "What is Cultural Studies?", pp. 64-65. 33. Apple, Education and Power. 34

- Judith Williamson, Decoding Aduertisements (New York: Marían Boyars, 1978).

35. Ariel Dorfman, TheEmpires Old Clothes (New York: Pantheon, 1983), P- 149-


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36. A. Touniine, The Sdf-Production ofSociety (Chicago: University of Chicago Press 1977 37. Johnson, "What is Cultural Studies?"

8 Cultura,

e na Obra de Paulo Freire: a Política de Educação HENRY A. GIROUX

obra de Paulo Freire continua a representar uma alternativa teoricamente renovadora e politicamente viável para o atual impasse na teoria e prática educacional da América do Norte. Freire apropriouse do legado abandonado de idéias emancipadoras em suas versões de filosofia secular e religiosa encontradas no corpusdo pensamento burguês. Ele também integrou de maneira crítica em seu trabalho o legado do pensamento radical sem assimilar muitos dos problemas que historicamente o assolavam. Com efeito. Freire combina o que chamo de "linguagem da crítica" com a "linguagem da possibilidade". Utilizando a linguagem da crítica, Freire construiu uma teoria de educação que considera seriamente o relacionamento entre a teoria crítica radica l e os imperativos do comprometimento e luta radical. Fazendo uso de Su as experiências na América Latina, África e América do Norte, ele produ2iu um discurso que aprofunda nossa compreensão da dinâmica e complexidade da dominação. Neste caso, Freire acertadamente argumenta que a Dominação não pode ser reduzida exclusivamente a uma forma de domínio Je classe. Tomando a noção de diferença como um fio condutor teórico, reire rejeita a idéia de que existe uma forma universal de opressão. Em vez «isso, ele reconhece e situa dentro de diferentes campos sociais formas de s °rrimento que referem-se a modos particulares de dominação e, consequen-

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temente, formas diversas de luta e resistência coletiva. Ao reconhecer que certas formas de opressão não são redutíveis à opressão de classes, Freire vai além da análise marxista padronizada; ele alega que a sociedade contém urna multiplicidade de relações sociais contraditórias, em torno das quais os grupos sociais podem lutar e se organizar. Isto é manifesto naquelas relações sociais em que as condições materiais de discriminação de gênero, raça e idade estão em funcionamento. Igualmente importante é a compreensão de que a dominação é mais do que a simples imposição de um poder arbitrário de um grupo sobre outro. Em vez disso, para Freire, a lógica da dominação representa uma combinação de práticas materiais e ideológicas, históricas e contemporâneas que nunca têm sucesso total, sempre incorporam contradições, e estão sempre sendo disputadas dentro de relações assimétricas de poder. Subjacente à linguagem da crítica de Freire, neste caso, está a compreensão de que a história nunca é predeterminada. Assim como as ações dos homens e mulheres são limitadas pelas pressões a que estão submetidos, também eles criam estas pressões e as possibilidades que podem decorrer de seu questionamento. Dentro desta conjuntura teórica, Freire introduz uma nova dimensão na teoria e prática educacional radical. Eu digo nova porque ele liga o processo de luta às particularidades das vidas das pessoas e ao mesmo tempo argumenta em prol de uma fé no poder dos oprimidos para lutarem no interesse de sua própria libertação. Esta é uma noção de educação que não provém apenas da análise crítica e do pessimismo orweliano; é um discurso que cria um novo ponto de partida ao tentar fazer com que a esperança seja realizável e o desespero não convincente. A educação na visão de Freire torna-se tanto ideal quanto referencial de mudança a serviço de uma nova espécie de sociedade. Enquanto ideal, a educação refere-se a uma forma de política cultural que transcende os limites teóricos de qualquer doutrina política específica, enquanto ao mesmo tempo liga a teoria e prática social aos aspectos mais profundos de emancipação. Conseqüentemente, como expressão de uma teoria social radical, a política cultural de Freire é mais ampla e mais fundamental do que qualquer discurso político específico, como, por exemplo, a teoria marxista clássica, ponto que muitas vezes confunde seus críticos. Na verdade, ela representa um discurso teórico cujos interesses subjacentes se formam em torno de uma luta contra todas as formas de dominação subjetiva e objetiva, assim como uma luta em prol de formas cie conhecimento, habilidades e relações sociais que promovam as condições para a emancipação social e, portanto, a auto-emancipação. Como referencial de mudança, a educação representa tanto um loca' como um tipo particular de envolvimento com a sociedade dominante. Para Freire, a educação inclui e vai além da noção de escolarização. A» escolas são apenas um local importante no qual ocorre a educação, no qual

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homens e mulheres tanto produzem como são produto de relações sociais pedagógicas específicas. Na visão de Freire, a educação representa tanto uma luta por significado quanto uma luta em torno das relações de poder Sua dinâmica nasce da relação dialética entre indivíduos e grupos que vivem suas vidas, por um lado, dentro de condições históricas e limitações estruturais específicas e, por outro, dentro de formas e ideologias culturais que dão origem às contradições e lutas que definem as realidades vivenciadas das várias sociedades. A educação é aquele terreno no qual o poder e a política têm expressão fundamental, no qual a produção de significado, desejo, linguagem e valores inclui e responde às crenças mais profundas acerca do que significa ser humano, sonhar, e identificar e lutar por um futuro particular e forma de vida social. A educação torna-se uma forma de ação que une as linguagens da crítica e da possibilidade. Finalmente, ela representa a necessidade de um comprometimento apaixonado por parte dos educadores em tornar o político mais pedagógico, isto é, tornar a reflexão e ação crítica partes fundamentais de um projeto social que não apenas inclua formas de opressão mas também desenvolva uma fé profunda e permanente na luta para humanizar a própria vida. É a natureza particular deste projeto social que confere à obra de Freire sua singularidade teórica. A singularidade teórica da obra de Freire pode ser melhor compreendida examinando-se rapidamente como seu discurso situa-se entre duas tradições radicais. Por um lado, a linguagem da crítica expressa em sua obra incorpora muitas das análises que caracterizam o que tem sido chamado de nova sociologia da educação. Por outro lado, sua filosofia da esperança e luta tem raízes na linguagem da possibilidade que está em grande parte calcada na tradição da teologia da libertação. É a partir da mescla destas duas tradições que Freire produziu um discurso que não apenas dá significado e coerência a seu trabalho, mas também fornece as bases para uma teoria mais abrangente e crítica da luta pedagógica. e

A Nova Sociologia da Educação e a

da Crítica

A nova sociologia da educação surgiu com todo o vigor na Inglaterra e Estados Unidos há mais de uma década como resposta crítica ao que pocle ser genericamente chamado de discurso da teoria e prática educacional tradicional. A questão central em torno da qual ela desenvolveu sua crítica da escolarização tradicional, bem como seu próprio discurso teórico, é tipicamente freireana: Como tornar a educação significativa de forma a tomate crítica e, espera-se, emancipadora? Os críticos radicais em sua maioria concordam que os tradicionalistas educacionais geralmente ignoram esta questão. Eles fogem da questão atrais da despolitização paradoxal da linguagem da escolarização e, ao mes-


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mo tempo, reproduzindo e legitimando as ideologias capitalistas. A expressão mais óbvia desta abordagem pode ser vista no discurso positivista usado pelos teóricos educacionais tradicionais. O discurso positivista, neste caso, toma como preocupações mais importantes o domínio de técnicas pedagógicas e a transmissão de conhecimento instrumental para a sociedade existente. Na visão de mundo tradicional, as escolas são simplesmente locais de instrução. Os teóricos educacionais críticos argumentam que a teoria educacional tradicional suprime questões importantes em relação ao conhecimento, poder e dominação. Além disso, as escolas não oferecem oportunidades, na ampla tradição humanista ocidental, de fortalecimento próprio e social na sociedade como um todo. Em contraste, os educadores críticos fornecem argumentos teóricos e enormes volumes de evidências empíricas para sugerir que as escolas são, na verdade, agências de reprodução social, econômica e cultural. Na melhor das hipóteses, o ensino escolar público oferece mobilidade individual limitada aos membros da classe trabalhadora e outros grupos oprimidos, mas, em última análise, as escolas públicas são instrumentos poderosos para a reprodução de relações capitalistas de produção e de ideologias legitimadoras da vida cotidiana. Para a nova sociologia da educação, as escolas são analisadas principalmente dentro da linguagem da crítica e dominação. Entretanto, como as escolas são basicamente vistas como reprodutoras por natureza, os críticos de esquerda deixam de fornecer um discurso programático através do qual poderia-se estabelecer a oportunidade de práticas contra-hegemônicas. A agonia da esquerda neste caso é que sua linguagem da crítica não ofereceu qualquer esperança para que professores, pais ou estudantes travassem uma luta política dentro das próprias escolas. Conseqüentemente, a linguagem da crítica é incluída no discurso do desespero. O trabalho anterior de Freire compartilha de uma semelhança notável com alguns dos princípios teóricos importantes da nova sociologia da educação. Ao redefinir e politizar a noção de alfabetização, Freire desenvolve um tipo semelhante de análise crítica, no qual argumenta que as formas tradicionais de educação funcionam basicamente para objetivar e alienar grupos oprimidos. Além disso, Freire explora profundamente a natureza reprodutora da cultura dominante, tendo analisado sistematicamente como ela funciona através de práticas e textos sociais específicos para produzir e preservar uma "cultura do silêncio" entre os camponeses brasileiros com os quais trabalhou. Embora Freire não use o termo "currículo oculto" como parte de seu discurso, ele demonstra abordagens pedagógicas através das quais grupos de aprendizes podem decodificar práticas ideológicas e materiais cuja forma, conteúdo e omissões seletivas contêm a lógica da dominação e opressão. Além disso, Freire liga a seleção, discussão e avaliação do conhecimento aos processos pedagógicos que fornecem o contexto p-u£l

atividade. Em sua visão, é impossível separar uma coisa da outra qualquer prática pedagógica viável deve ligar as formas radicais de conheci jnento às práticas sociais radicais correspondentes. A principal diferença entre o trabalho de Freire e a nova sociologia da educação é que esta última parece iniciar e terminar com a lógica da reprodução política, econômica e cultural, ao passo que a análise de Freire inicia com o processo de produção, isto é, as diversas formas nas quais os seres humanos constróem suas próprias vozes e validam suas experiências contraditórias dentro de ambientes e pressões históricas específicas. A reprodução da racionalidade capitalista e outras formas de opressão é apenas um inomento político e teórico no processo de dominação, mais do que um aspecto que abarque toda a existência humana. Ela é algo a ser decodificado, questionado e transformado, mas somente dentro do discurso, experiências e histórias correntes dos próprios oprimidos. É neste afastamento do discurso da reprodução e crítica para a linguagem da possibilidade e engajamento que Freire se utiliza de outras tradições e cria uma pedagogia mais abrangente e radical.

A Teologia da

ea

da

Fundamental para a política e pedagogia de Freire é a visão filosófica de uma humanidade liberta. A natureza desta visão tem suas raízes no respeito pela vida. A esperança e visão do futuro que ela inspira não pretendem tanto oferecer consolo aos oprimidos quanto promover formas correntes de crítica e uma luta contra forças objetivas de opressão. Ao combinar a dinâmica da luta crítica e coletiva com uma filosofia de esperança, Freire criou uma linguagem de possibilidade, o que chama de visão profética permanente. Subjacente a esta visão encontra-se uma fé, a qual. argumenta Dorothée Soelle em Optando pela Vida , "torna a vida presente para nós e, assim, torna-a possível... É um grande 'Sim' para a vida...o que pressupõe nosso poder de lutar". A oposição de Freire a todas as formas de opressão, seu apelo para unir a crítica ideológica à ação coletiva e a visão profética essencial a sua Política devem muito ao espírito e dinâmica ideológica que informou e caracterizou o Movimento da Teologia da Libertação, o qual surgiu principalmente na América Latina na última década. De maneira verdadeiramente Dialética, Freire tanto criticou como resgatou o aspecto radical do cristianisOio revolucionário. Como descobrirá o leitor, Freire é um crítico ferrenho da igreja reacionária. Ao mesmo tempo, ele situa sua fé e esperança no ^eus da história e dos oprimidos, cujos ensinamentos tornam impossível, na s palavras de Freire, "reconciliar o amor cristão com a exploração dos Se res humanos".


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Dentro do discurso da teologia da libertação, Freire cria um poderoso antídoto para o cinismo e desespero de muitos críticos radicais de esquerda Embora utópica, sua análise tem natureza e apelo concretos, tomando como ponto de partida atores coletivos em seus diversos ambientes teóricos e a particularidade de seus problemas e formas de opressão. Ela é utópica somente em sua recusa em render-se diante dos riscos e perigos que enfrentam todos os questionamentos às estruturas de poder dominantes. Ela é profética enquanto vê o Reino de Deus como algo a ser criado na terra, mas somente através da fé em outros seres humanos, bem como na necessidade de luta permanente. A noção de fé que emerge da obra de Freire é informada pela memória dos oprimidos, pelo sofrimento que não se deve permitir que continue, e pela necessidade de nunca esquecer que a visão profética é um processo em andamento, um aspecto vital da própria natureza da vida humana. Ao combinar os discursos da crítica e da possibilidade, Freire junta história e teologia para fornecer a base teórica de uma pedagogia radical que expressa esperança, reflexão crítica e luta coletiva. É nesta conjuntura que o trabalho de Paulo Freire torna-se crucial para o desenvolvimento de uma pedagogia radical, pois em Freire encontramos o pensador dialético das contradições e da emancipação. Seu discurso aponta o relacionamento entre agência e estrutura, situa a ação humana em pressões forjadas em práticas históricas e contemporâneas, enquanto ao mesmo tempo aponta para os espaços, contradições e formas de resistência que levantam a possibilidade de luta social. Concluirei voltando-me brevemente para aqueles elementos teóricos do trabalho de Freire que parecem vitais para o desenvolvimento de uma nova linguagem e fundamentação teórica de uma teoria radical da pedagogia, particularmente no contexto norteamericano. Duas qualificações devem ser feitas antes de começar. Primeiramente, o tipo de análise de Freire não pode ser descartado como irrelevante para o contexto norte-americano. Embora os críticos tenham alegado que suas experiências com os camponeses brasileiros não se traduzam adequadamente para os educadores dos países industriais desenvolvidos do Ocidente, Freire deixa claro, através da força de seus exemplos e variedade de experiências pedagógicas que apresenta, que o contexto de seu trabalho tem escopo internacional. Ele não apenas capitaliza com suas experiências no Brasil, como também aproveita seu trabalho no Chile, África e nos Estados Unidos. Além do mais, ele toma como objeto de sua crítica não apenas a educação de adultos, como também as práticas pedagógicas da Igreja Católica, de assistentes sociais e da educação pública. Como salientou repetidamente, o objeto de sua análise e a linguagem que utiliza destinam-se aos oprimidos de todas as partes; sua concepção de terceiro mundo é ideológica e política em vez de meramente geográfica. Isto leva a uma segunda qualificação. A fim de ser fiel ao espírito das crenças pedagógicas mais profundas de Freire, deve-se salientar que ele

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alegou que seu trabalho deveria ser adotado sem questionamento m qualquer local ou contexto pedagógico. O que de fato Freire oferece é urna metalinguagem que gera uma série de categorias e práticas sociais. O trabalho de Freire não pretende oferecer receitas radicais para formas instantâneas de pedagogia crítica. Ele consiste de uma série de indicadores teóricos que precisam ser decodificados e criticamente apropriados dentro dos contextos específicos nos quais possam ser úteis.

O Discurso do Poder

Para Freire, o poder, como força positiva e negativa, tem caráter dialético, e seu modo de operação é sempre mais do que simplesmente repressivo. O poder opera sobre e através das pessoas. A dominação nunca é tão completa a ponto do poder ser experimentada exclusivamente como força negativa, embora ela esteja na base de todas as formas de comportamento nas quais as pessoas resistem, se esforçam e lutam por um futuro melhor. Em sentido geral, a teoria de poder de Freire e sua demonstração do caráter dialético do mesmo cumprem a importante função de ampliar a esfera e terreno nos quais opera o poder. O poder, neste caso, não se exaure nas esferas públicas e privadas por governos, classes dirigentes e outros grupos dominantes. Ele é mais ubíquo e se expressa em uma gama de espaços e '. esferas públicas oposicionistas que tradicionalmente têm sido caracteriza• das pela ausência de poder e, assim, de qualquer forma de resistência. ; A visão de poder de Freire não apenas sugere uma perspectiva alternativa para aqueles teóricos radicais presos na camisa de força do desespero ;e cinismo, como também enfatiza que sempre existem falhas, tensões e ; contradições em esferas sociais tão diversas quanto as escolas, onde o poder pode ser exercido como força positiva em nome da resistência. Além • disso, Freire entende que o poder - dominação - não é simplesmente imPosto pelo estado através de agências como a polícia, o exército e tribunais. A dominação também se expressa na forma como o poder, a tecnologia ; e ideologia se reúnem para produzir conhecimento, relações sociais e oufctras formas culturais concretas que indiretamente silenciam as pessoas. Ela f também se encontra no modo como os oprimidos internalizam e assim í Participam de sua própria opressão. Este é um ponto importante no traba' lh o de Freire, e nos dirige aos modos nos quais a dominação é subjetiva• mente experimentada através de sua internalização e sedimentação nas Próprias necessidades da personalidade. O que está em funcionamento |aqui é uma tentativa de examinar os aspectos psiquicamente repressores aa |d°minação e os obstáculos internos ao autoconhecimento e, assim, as ror~"as de emancipação própria e social. . , Freire amplia a noção de aprendizagem para incluir a maneira peia l o corpo aprende tacitamente, como o hábito traduz-se em nistona


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sedimentada, e, principalmente, como o próprio conhecimento pode bloquear o desenvolvimento de certas subjetividades e modos de experienciar o mundo. Ironicamente, as formas emancipadoras de conhecimento podem ser recusadas por aqueles que mais poderiam se beneficiar com as mesmas. Neste caso, a acomodação dos oprimidos à lógica de dominação pode assumir a forma de resistência ativa a formas de conhecimento que impõem um questionamento a sua visão de mundo. Mais do que urna aceitação passiva da dominação, o conhecimento torna-se então uma dinâmica ativa de negação, uma recusa ativa em escutar, ouvir ou afirmar nossas próprias possibilidades. As questões pedagógicas que surgem a partir desta visão são: Como os educadores radicais avaliam e abordam os elementos de repressão e esquecimento no cerne desta dominação? O que explica as condições que sustentam a recusa ativa em saber ou aprender em face do conhecimento que pode questionar a própria natureza da dominação? A mensagem que surge a partir da pedagogia de Freire é relativamente clara. Para que os educadores compreendam o significado da libertação, eles devem primeiro se conscientizar da forma assumida pela dominação, a natureza de sua situação, e os problemas que ela suscita para aqueles que a experimentam como força subjetiva e objetiva. Contudo, tal projeto seria impossível a menos que se tomem as particularidades históricas e culturais, as formas de vida social de grupos subordinados e oprimidos, como ponto de partida para tal análise. É para este ponto do trabalho de Freire que agora me voltarei.

A Filosofia da Experiência e Produção Cultural de Freire Um dos elementos teóricos mais importantes da pedagogia radical apresentada por Freire é sua visão da experiência e produção cultural. Sua noção de cultura está em desacordo tanto com a posição conservadora quanto com a posição progressista. No primeiro caso, ele rejeita a noção de que a cultura pode ser facilmente dividida em formas superiores, populares e inferiores, sendo a cultura superior representante do legado mais desenvolvido de uma nação. A cultura, nesta visão, esconde as ideologias que legitimam e distribuem formas específicas de cultura como se estas não estivessem relacionadas com os interesses dirigentes e configurações de poder existentes. No segundo caso, ele rejeita a noção de que o momento de criação cultural reside exclusivamente nos grupos dirigentes e que as formas culturais dominantes guardam simplesmente as sementes da dominação. Relacionada com isso, e igualmente rejeitada por Freire, é a suposição de que os grupos oprimidos possuem, por sua própria posição no aparato de dominação, uma cultura progressista e revolucionária que só está esperando para ser liberta dos grilhões de dominação da classe dirigente.

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Para Freire, a cultura é a representação de experiências vividas, artefatos materiais e práticas forjadas dentro de relações desiguais e dialéticas e os diferentes grupos estabelecem em uma determinada sociedade em um momento histórico particular. A cultura é uma forma de produção cujos processos estão intimamente ligados com a estruturação de diferentes formações sociais, particularmente aquelas relacionadas com gênero, raça e classe Também é uma forma de produção que ajuda os agentes humanos, através de seu uso de linguagem e outros recursos materiais, a transformar sociedade. Neste caso, a cultura está intimamente ligada à dinâmica de poder e produz assimetrias na capacidade dos indivíduos e grupos de definirem e realizarem suas metas. Além disso, a cultura também é uma arena de luta e contradição, e não existe uma cultura no sentido homogêneo. Pelo contrário, existem culturas dominantes e subordinadas que expressam diferentes interesses e operam a partir de terrenos de poder diferentes e desiguais. Freire argumenta em prol de uma noção de poder cultural que toma como ponto de partida as particularidades históricas que constituem os problemas, sofrimentos, visões e atos de resistência que compõem as formas culturais de grupos subordinados. O poder cultural tem então um foco dual como parte de sua estratégia para tornar o político mais pedagógico. Primeiramente, os professores terão que trabalhar com as experiências que os estudantes trazem às escolas e outros locais de instrução. Isto significa fazer das experiências públicas e privadas objeto de debate e confirmação; significa legitimar tais experiências a fim de dar àqueles que vivem e nelas se deslocam um sentido de afirmação, e fornecer as condições para que estudantes e outros mostrem uma voz e presença ativas. A experiência pedagógica aqui transforma-se num convite para tornar visíveis as linguagens, sonhos, valores e encontros que constituem as vidas daqueles cujas histórias são muitas vezes ativamente silenciadas. Mas Freire faz mais do que argumentar em prol da legitimação da cultura dos oprimidos. Ele também reconhece que tais experiências são contraditórias por natureza e guardam não apenas potencialidades radicais como também as sedimentações da dominação. O poder cultural, neste caso, dá uma volta e refere-se à necessidade de se trabalhar sobre as experiências que constituem as vidas dos oprimidos. Tais experiências em suas diversas formas culturais têm que ser recuperadas criticamente a fim de revelarem-se suas forças e fraquezas. Além disso, a autocrítica é elogiada em nome de uma pedagogia radical destinada a desenterrar e criticamente apropriar-se daqueles momentos ernancipadores esquecidos do conhecimento e experiência burgueses que fornecem as habilidades que^fs oprimidos necessitarão para exercer liderança na sociedade dominante. . , O que é notável nesta apresentação é que Freire criou uma teoria poder e produção cultural que começa com a educação popular. Emvez oferecer generalizações abstratas em torno da natureza humana, ele acerta


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mente argumenta em prol de princípios pedagógicos que surgem a partir de práticas concretas - os terrenos nos quais as pessoas vivenciam suas experiências cotidianas. Tudo isso sugere tomar com seriedade o capita] cultural dos oprimidos, desenvolvendo-se instrumentos críticos e analíticos para questioná-lo, e mantendo-se o contato com as definições dominantes de conhecimento, a fim de que possamos analisá-las em função de sua utilidade e modos nos quais elas contêm a lógica da dominação.

Freire, Teoria e

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A teoria social radical tem sido historicamente assolada pelo desenvolvimento do relacionamento entre os intelectuais e as massas, por um lado, e o relacionamento entre teoria e prática, por outro. Sob o apelo por união da teoria e prática, a possibilidade de práticas emancipadoras foi muitas vezes negada através de formas de vanguardismo nas quais os intelectuais efetivamente afastaram das forças populares a capacidade de definirem por si mesmas os limites de seus objetivos e práticas. Ao assumir urn monopólio virtual no exercício da liderança teórica, os intelectuais inconscientemente reproduziram a divisão do trabalho mental e manual que estava no cerne da maior parte das formas de dominação.Em vez de desenvolverem teorias da prática, enraizadas na experiência concreta de ouvir e aprender com os oprimidos, os intelectuais marxistas desenvolveram teorias de prática ou instrumentos técnicos de mudança que ignoravam a necessidade de uma reflexão dialética sobre a dinâmica e os problemas cotidianos dos oprimidos dentro do contexto da transformação social radical. Freire refuta esta abordagem do relacionamento entre teoria e prática, e redefine a própria idéia do intelectual. Como o teórico social italiano Antônio Gramsci, Freire redefine a categoria de intelectual e argumenta que todos os homens e mulheres são intelectuais. Isto é, independentemente de sua função social e econômica, todos os seres humanos atuam como intelectuais ao constantemente interpretar e dar significado a seu mundo e ao participar de uma concepção de mundo particular. Além disso, os oprimidos precisam desenvolver seus próprios intelectuais orgânicos e transformadores que possam aprender com tais grupos e ao mesmo tempo ajudar a fomentar modos de educação própria e luta contra as várias formas de opressão. Neste caso, os intelectuais são orgânicos no sentido de que não são membros externos que trazem a teoria para as massas. Pelo contrário, eles são teóricos organicamente mesclados com a cultura e atividades práticas dos oprimidos. Em vez de casualmente dispensarem conhecimento as massas agradecidas, os intelectuais fundem-se com os oprimidos a fim de fazer e refazer as condições necessárias para um projeto social radical.

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Esta posição é crucial ao destacar a função política e importância dos lectua~is. Igualmente significativa é a maneira na qual redefine a noção luta Política ao enf"atizar sua natureza pedagógica e a importância fundada natureza popular e democrática de tal luta. Isto levanta a questão •le •mportante de como Freire define a relação entre teoria e prática. Para Freire, "não há contexto teórico se este não estiver em união dialética com o contexto concreto". Em vez de defender o rendimento da teoria à prática, Freire argumenta a favor de uma certa distância entre as mesmas. Ele vê a teoria como antecipadora por natureza e postula que ela deve tomar os conceitos de compreensão e possibilidade como seus pontos fundamentais. A teoria é informada por um discurso de oposição que preserva seu distanciamento crítico dos "fatos" e experiências de uma determinada sociedade. A tensão e, sem dúvida, o conflito com a prática pertencem à essência da teoria e estão calcados em sua própria estrutura. A teoria não dita a prática; em vez disso, ela serve para manter a prática a nosso alcance de forma a mediar e compreender de maneira crítica o tipo de práxis necessária em um ambiente específico em um momento particular. Não há aqui apelo a leis universais ou necessidade histórica; a teoria surge dentro de contextos e formas de experiência específicas a fim de examinar tais contextos de maneira crítica e então intervir com base em uma práxis informada. Contudo, a contribuição de Freire à natureza da teoria e da prática e ao papel do intelectual no processo de transformação social contém uma outra dimensão importante. A teoria deve ser vista como a produção de formas de discurso que surgem de vários locais sociais específicos. Tal discurso pode surgir nas universidades, nas comunidades de camponeses, nos conselhos de trabalhadores, ou dentro dos diversos movimentos sociais. A questão aqui é que os educadores críticos reconhecem que estes diferentes locais dão origem a várias formas de produção e prática teóricas. Cada urn destes locais fornece idéias variadas e críticas acerca da natureza da dominação e das possibilidades de emancipação pessoal e social, e o fazem a partir das particularidades históricas e sociais que lhes dão significado. O que e les têm em comum é um respeito mútuo forjado na crítica e a necessidade "e lutar contra todas as formas de dominação.

e o Conceito de reine acredita que a sensibilidade crítica é uma extensão da sensibilidade histórica. Isto é, para compreender o presente, tanto em termos institucionais Quanto sociais, os educadores devem colocar todos os contextos pedagógi^°s em um contexto histórico para poder ver claramente sua gênese e ae senvolvimento. A história é usada por Freire em um duplo sentido: ela


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revela nas instituições e relações sociais existentes o contexto histórico q Ufc informa seu significado e o legado que tanto esconde quanto esclarece su3 função política. Por outro lado, Freire aponta para a história sedimentada que constitui quem somos como seres históricos e sociais. Em outras palavras, a história que está ancorada nas formas culturais que dão significado à maneira como falamos, pensamos, vestimos e agimos torna-se objeto de uma forma de análise histórica. Neste sentido, a história torna-se dialética na obra de Freire porque é usada para distinguir o presente enquanto dado e o presente enquanto portador de possibilidades de emancipação. Esta perspectiva torna o presente, na medida em que constitui nossa psique e a sociedade mais ampla, visível em termos de suas possibilidades revolucionárias, e assim aponta para a necessidade de um despertar crítico Co qu e Freire poderia chamar de processo de denúncia e anunciação), o qual se fundamenta na capacidade de transformação social. Em conclusão, a obra de Freire oferece uma visão de pedagogia e práxis que é partidária de sua essência; em sua origem e intenções, ela é a favor de "optar pela vida". Além disso, Freire demonstra mais uma vez que não é apenas homem do presente; é também homem do futuro. Sua fala, ações, calor e visão representam um modo de reconhecer e criticar um mundo que vive perigosamente à beira da destruição. Em certo sentido, a obra e presença de Freire estão aí não apenas para nos lembrar o que somos, mas também para sugerir no que podemos nos transformar.

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iferente de muitos movimentos de reforma educacional do passado, o atual apelo por mudança educacional apresenta aos professores tanto uma ameaça quanto um desafio que parecem sem precedentes na história de nossa nação. A ameaça vem na forma de. unia série de reformas educacionais que mostram pouca confiança na capacidade dos professores da escola pública de oferecerem uma liderança intelectual e moral para a juventude de nosso país. Por exemplo, muitas das recomendações que surgiram no atual debate ignoram o papel que os professores desempenham na preparação dos aprendizes para serem cidadãos ativos e Críticos, ou então sugerem reformas que ignoram a inteligência, julgamento e experiência que os professores poderiam oferecer em tal debate. Quando °s professores de fato entram no debate é para serem objeto de reformas educacionais que os reduzem ao statusde técnicos de alto nível cumprindo ditames e objetivos decididos por especialistas um tanto afastados da realidade cotidiana da vida em sala de aula.1 A mensagem parece ser que os Professores não contam quando trata-se de examinar criticamente a nature2a e processo de reforma educacional. O clima político e ideológico não parece favorável para os professores ^° momento. Entretanto, ele de fato lhes oferece o desafio de unirem-se ao de bate público com seus críticos, bem como a oportunidade de se engajarem err » uma autocrítica muito necessária em relação à natureza e finalidade da Preparação dos professores, dos programas de treinamento no trabalho e

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das formas dominantes da escolarização. De forma semelhante, o debate oferece aos professores a oportunidade de se organizarem coletivamente para melhorar as condições em que trabalham, e demonstrar ao público o papel fundamental que eles devem desempenhar em qualquer tentativa de reformar as escolas públicas. Para que os professores e outros se engajem em tal debate, é necessário que uma perspectiva teórica seja desenvolvida, redefinindo a natureza da crise educacional e ao mesmo tempo fornecendo as bases para urna visão alternativa para o treinamento e trabalho dos professores. Em resumo, o reconhecimento de que a atual crise na educação tem muito a ver com a tendência crescente de enfraquecimento dos professores em todos os níveis da educação é uma precondição teórica necessária para que eles efetivamente se organizem e estabeleçam uma voz coletiva no debate atual. Além disso, tal reconhecimento terá que enfrentar não apenas a crescente perda de poder entre os professores em torno das condições de seu trabalho, mas também as mudanças na percepção do público quanto a seu papel de praticantes reflexivos. Gostaria de dar uma pequena contribuição teórica para este debate e o desafio que ele suscita examinando dois problemas importantes que precisam ser abordados no interesse de melhorar a qualidade da "atividade docente", o que inclui todas as tarefas administrativas e atividades extras, bem como a instrução em sala de aula. Primeiramente, eu acho que é imperativo examinar as forças ideológicas e materiais que têm contribuído para o que desejo chamar de proletarização do trabalho docente, isto é, a tendência de reduzir os professores aostatusde técnicos especializados dentro da burocracia escolar, cuja função, então, torna-se administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos. Em segundo lugar, existe uma necessidade de defender as escolas como instituições essenciais para a manutenção e desenvolvimento cie uma democracia crítica, e também para a defesa dos professores como intelectuais transformadores que combinam a reflexão e prática acadêmica a serviço da educação dos estudantes para que sejam cidadãos reflexivos e ativos. No restante deste ensaio, irei desenvolver estes pontos e concluir examinando suas ímplicí!" ções para o fornecimento de uma visão alternativa da atividade docente.

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do

Docente

Uma das maiores ameaças aos professores existentes e futuros nas escol3s públicas é o desenvolvimento crescente de ideologias instrumentais q ue enfatizam uma abordagem tecnocrática para a preparação dos professor^ e também para a pedagogia de sala cie aula. No cerne cia atual ênfase no> fatores instrumentais e pragmáticos da vicia escolar colocam-se diversa-

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suposições pedagógicas importantes. Elas incluem: o apelo pela separação de concepção de execução; a padronização do conhecimento escolar com o interesse cie administrá-lo e controlá-lo; e a desvalorização do trabalho crítico e intelectual de professores e estudantes pela primazia de considerações práticas.2 Este tipo de racionalidade instrumental encontra uma de suas expressões historicamente mais fortes no treinamento de futuros professores. O fato de que os programas de treinamento de professores nos Estados Unidos há muito têm sido dominados por uma orientação e ênfase behaviorísta na mestria de áreas disciplinares e métodos de ensino está bem documentado.3 Vale a pena repetir as implicações desta abordagem, salientadas por Zeichner: Subjacente a esta orientação na formação dos professores encontra-se uma metáfora de "produção", uma visão do ensino como "ciência aplicada" e uma visão do professor como principalmente um "executor" das leis e princípios de ensino eficaz. Os futuros professores podem ou não avançar no currículo em seu próprio ritmo e podem participar de atividades de aprendizagem variadas ou padronizadas, mas aquilo que eles têm que dominar tem escopo limitado (por exemplo, um corpo de conhecimentos de conteúdo profissional e habilidades didáticas) e está totalmente determinado com antecipação por outros, com base, muitas vezes, em pesquisas na efetividade do professor. O futuro professor é visto basicamente como um receptor passivo deste conhecimento profissional e participa muito pouco da determinação do conteúdo e direção de seu programa de preparação.''

Os problemas desta abordagem são evidentes .com o argumento de John Dewey de que os programas de treinamento cie professores que enfatizam somente o conhecimento técnico prestam um desserviço tanto à natureza do ensino quanto a seus estudantes.5 Em vez de aprenderem a refletir sobre os princípios que estruturam a vida e prática, em sala de aula, os futuros professores aprendem metodologias que parecem negar a própria necessidade de pensamento crítico. O ponto é que os programas de treinamento de professores muitas vezes perdem de vista a necessidade de educar os alunos para que eles examinem a natureza subjacente dos problemas escolares. Além disso, estes programas precisam substituir a linguagem da administração e eficiência por uma análise crítica das condições Wenos óbvias que estruturam as práticas ideológicas e materiais do ensino. " Em vez de aprenderem a levantar questões acerca dos princípios que Su bjazem os diferentes métodos didáticos, técnicas cie pesquisa e teorias da e ducação, os estudantes com freqüência preocupam-se em aprender o "corno lazer", "o que funciona" ou. o domínio da melhor maneira de ensinar um dado" corpo de conhecimento. Por exemplo, os seminários obrigatórios de prática no campo consistem na partilha das técnicas utilizadas pelos idantes para administrar e controlar a disciplina em sala de aula, orgam2ar as atividades do dia e aprender a trabalhar dentro de cronogramas es Pecíficos. Examinando um programa destes, jesse Goodman levanta al-


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gumas questões importantes acerca cios silêncios prejudiciais que o mesmo incorpora. Ele escreve: Não havia questionamento de sentimentos, suposições ou definições nesta discussão Por exemplo, a "'necessidade" de recompensas e punições para "fazer as críanc-), aprenderem" era dada como garantida; as implicações éticas e educacionais não eram abordadas. Não se via preocupação em estimular ou alimentar o desejo intrínseco da criança por aprender. As definições de bons alunos como "alunos quietos", atividade no caderno de exercícios como "leitura", tempo envolvido com a tarefa como "nprendiza gern", e finalizar o material dentro do horário como "objetivo do ensino" - todas passavam sem questionamento. Os sentimentos de pressão e possível culpa quanto a não satisfazer os cronogramas também não eram explorados. A real preocupação nesta discussão era a de que todos "compartilhassem"."

As racionalidades tecnocráticas e instrumentais também operam dentro do próprio campo de ensino, e desempenham um papel cada vez maior na redução da autonomia do professor com respeito ao desenvolvimento e planejamento curricular e o julgamento e implementação de instrução em sala de aula. Isto é bastante evidente na proliferação do que tem se chamado pacotes curriculares "à prova de professor".7 A fundamentação subjacente de muitos destes pacotes reserva aos professores o simples papel de executar procedimentos de conteúdo e instrução predeterminados. O método e objetivo de tais pacotes é legitimar o que chamo cie pedàgogias de gerenciamento. Isto é, o conhecimento é subdividido em partes diferentes, padronizado para serem mais facilmente gerenciados e consumidos, e medidos através cie formas de avaliação predeterminadas. As abordagens curriculares deste tipo são pedàgogias de gerenciamento porque as principais questões referentes à aprendizagem são reduzidas ao problema da administração, isto é, "como alocar recursos (professores, estudantes e materiais) para produzir o número máximo de estudantes...diplomados dentro do ternpo designado".8 A suposição teórica subjacente que orienta este tipo de pedagogia é a de que o comportamento dos professores precisa ser controlado, tornando-o comparável e previsível entre as diferentes escolas e populações de alunos. O que fica claro nesta abordagem é que a mesma organiza a vida escolar em torno de especialistas em currículo, instrução e avaliação, aos quais se reserva a tarefa de concepção, ao passo que os professores são reduzidos à tarefa de implementação. O efeito não se reduz somente a incapacitação dos professores para afastá-los do processo de deliberação & reflexão, mas também para tornar rotina a natureza da pedagogia de aprendizagem e de sala de aula. Não é preciso dizer que os princípios subjacentes às pedàgogias de gerenciamento estão em desacordo com a premissa de que os professores deveriam estar ativamente envolvidos na produção de materiais curriculares adequados aos contextos culturais e sociais em quais ensinam. Mais especificamente, o estreitamento das opções curriculares ao formato de retorno aos fundamentos e a introdução cie pedàgogias inflexi'

•s <je tempo na tarefa operam a partir da suposição errônea de que todo~ - estudantes podem aprender a partir dos mesmos materiais, técnicas de °nsino em sala de aula e modos de avaliação. A noção de que os estucíanÊ s têm histórias diferentes e incorporam experiências, práticas lingüísticas alturas e talentos diferentes é estrategicamente ignorada dentro da lógica é ontabilidade cia teoria pedagógica administrativa.

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professores Ho quese se§ue! desejo argumentar que uma forma de repensar e reestruturar 1 natureza da atividade docente é encarar os professores como intelectuais transformadores. A categoria de intelectual é útil de diversas maneiras. Primeiramente/ela oferece uma base teórica para' examinar-se a atividade docente como forma trabalho intelectual, em contraste com sua definição em termos puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo lugar, ela esclarece os tipos de condições ideológicas e práticas necessárias para que os professores funcionem como intelectuais. Em terceiro lugar, ela ajuda a esclarecer o papel que os professores desempenham na produção e legitimação de interesses políticos, econômicos e sociais variados através das pedàgogias por eles endossadas e utilizadas./ Ao encarar os professores como intelectuais, podemos elucidar a importante idéia de que toda a atividade humana envolve alguma forma de pensamento. Nenhuma atividade, independente do quão rotinízada possa se tornar, pode ser abstraída do funcionamento cia mente em algum nível. Este ponto é crucial, pois ao argumentarmos que o uso da mente é uma parte geral de toda atividade humana, nós dignificamos a capacidade humana de integrar o pensamento e a prática, e assim destacamos a essência do que significa encarar os professores como profissionais reflexivos. Dentro deste discurso, os professores podem ser vistos não simplesmente como "operadores profissionalmente preparados para efetivamente atingirem quaisquer metas a eles apresentadas. Em vez disso, eles deveriam ser vistos como/ homens e mulheres livres, com uma dedicação especial aos valores doy intelecto e ao fomento da capacidade crítica cios jovens".9 J Encarar os professores como intelectuais também fornece uma vigoroSa crítica teórica das ideologias tecnocráticas e instrumentais subjacentes à eoria educacional que separa a conceitualização, planejamento e organizado curricular dos processos cie implementação e execução. É importante Batizar que os professores devem assumir responsabilidade ativa pelo ev antamento de questões sérias acerca do que ensinam, como devem ens mar, e quais são as metas mais amplas pelas quais estão lutando. Isto Sl gnifica que eles devem assumir um papel responsável na formação dos Propósitos e condições de escolarização. Tal tarefa é impossível com uma ülv isão de trabalho na qual os professores têm pouca influência sobre as


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condições ideológicas e econômicas de seu trabalho. Este ponto tem uma dimensão normativa e política que parece especialmente relevante para os professores. Se acreditarmos que o papel do ensino não pode ser reduzido ao simples treinamento de habilidades práticas, mas que, em vez disso envolve a educação de uma classe de intelectuais vital para o desenvolvimento de uma sociedade livre, então a categoria de intelectual torna-se uma maneira de unir a finalidade da educação de professores, escolarizacão pública e treinamento profissional aos próprios princípios necessários parq o desenvolvimento de uma ordem e sociedade democráticas. Eu argumentei que, encarando os professores como intelectuais, nós podemos começar a repensar e reformar as tradições e condições que têm impedido que os professores assumam todo o seu potencial como estudiosos e profissionais ativos e reflexivos. Acredito que é importante não apenas encarar os professores como intelectuais, mas também contextualizar em termos políticos e normativos as funções sociais concretas desempenhadas pelos mesmos. Desta forma, podemos ser mais específicos acerca das diferentes relações que os professores têm tanto com seu trabalho como com a sociedade dominante. Um ponto de partida para interrogar-se a função social dos professores enquanto intelectuais é ver as escolas como locais econômicos, culturais e sociais que estão inextrincavelmente atrelados às questões de poder e controle. Isto significa que as escolas fazem mais do que repassar de maneira objetiva um conjunto comum de valores e conhecimento. Pelo contrário, as escolas são lugares que representam formas de conhecimento, práticas de linguagem, relações e valores sociais que são seleções e exclusões particulares da cultura mais ampla. Como tal, as escolas servem para introduzir e legitimar formas particulares de vida social. Mais do que instituições objetivas separadas da dinâmica da política e poder, as escolas são, de fato, esferas controversas que incorporam e expressam uma disputa acerca de que formas de autoridade, tipos de conhecimento, formas de regulação moral e versões do passado e futuro devem ser legitimadas e transmitidas aos estudantes. Esta disputa é mais visível, por exemplo, nas demandas cie grupos religiosos de direita que atualmente tentam instituir a reza nas escolas, eliminar certos livros das bibliotecas escolares e incluir certas formas de ensinamentos religiosos no currículo de ciências. É claro que demandas de outro tipo são feitas por feministas, ecologístas, minorias, e outros grupos de interesse que acreditam que as escolas deveriam ensinar estudos femininos, cursos sobre meio ambiente, ou história dos negros. Em resumo, as escolas não são locais neutrqs_e.os professores não_podem temgoucjDjyjSUj: rnir_a_postura de serem neutros,. Num sentido mais amplo, os professores como intelectuais devem ser vistos em termos dos interesses políticos e ideológicos que estruturam a natureza do discurso, relações sociais em sala de aula e valores que eles legitimam em sua atividade de ensino. Com esta perspectiva em mente,

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gostaria de concluir que os professores deveriam se tornar intelectuais transformadores se quiserem educar os estudantes para serem cidadãos ativos e Críticos. Essencial para a categoria de intelectual transformador é a necessidade <je tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico. Tornar 0 pedagógico mais político significa inserir a escolarizacão diretamente na esfera política, argumentando-se que as escolas representam tanto um esforço para definir-se o significado quanto uma luta em torno das relações de poder. Dentro desta perspectiva, a reflexão e ação críticas tornam-se parte do projeto social fundamental de ajudar os estudantes a desenvolverem uma fé profunda e duradoura na luta para superar injustiças econômicas, políticas e sociais, e humanizarem-se ainda mais como parte desta luta. Neste caso, o conhecimento e o poder estão inextrincavelmente ligados à pressuposição de que optar pela vida, reconhecer a necessidade de aperfeiçoar seu caráter democrático e qualitativo para todas as pessoas, significa compreender as precondições necessárias para lutar-se por ela. Tornar o político mais pedagógico significa utilizar formas de pedagogia que incorporem interesses políticos que tenham natureza emancipadora; isto é, utilizar formas de pedagogia que tratem os estudantes como agentes críticos; tornar o conhecimento problemático; utilizar o diálogo crítico e afirmativo; e argumentar em prol de.um mundo qualitativamente melhor para todas as pessoas. Em parte, isto sugere que os intelectuais transformadores assumam seriamente a necessidade de dar aos estudantes voz ativa em suas experiências de aprendizagem. Também significa desenvolver uma linguagem crítica que esteja atenta aos problemas experimentados em nível da experiência cotidiana, particularmente enquanto relacionados com as experiências pedagógicas ligadas à prática em sala de aula. Como tal, o ponto de partida destes intelectuais não é o estudante isolado, e sim indivíduos e grupos em seus diversos ambientes culturais, raciais, históricos e de classe e gênero, juntamente com a particularidade de seus diversos problemas, esperanças e sonhos. Os intelectuais transformadores precisam desenvolver um discurso que una a linguagem da crítica e a linguagem da possibilidade, de forma que os educadores sociais reconheçam que podem promover mudanças. Desta rnaneira, eles devem se manifestar contra as injustiças econômicas, políticas e sociais dentro e fora cias escolas. Ao mesmo tempo, eles devem trabalhar Para criar as condições que dêem aos estudantes a oportunidade de tornarem-se cidadãos que tenham o conhecimento e coragem para lutar a fim de que o desespero não seja convincente e a esperança seja viável. Apesar de Parecer uma tarefa difícil para os educadores, esta é uma luta que vale a Pena travar. Proceder de outra maneira é negar aos educadores a chance de assumirem o papel de intelectuais transformadores.


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Notas 1. Para uma análise crítica mais detalhada das reformas, ver Aronowitz e Giroux, Educai' Vnder Siege-, ver também os comentários incisivos sobre a natureza impositiva cios °'* relatos em Charles A. Tesconi, Jr., "Additive Reforms and the Retreat from P Eclitcational Studies 15 (Primavera 1984): 1-11; Terence E. Deal, "Searching for the zai The Quest for Excellence in Education", Issues m Educatíon 2 (Verão 1984): 56-57- c . Shapiro, "Choosing Our Educational Legacy: Disempowerment or Emancipation?" Issitp* V' Education 2 (Verão 1984): 11-22. ' "'

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2. Para um comentário excepcional sobre a necessidade de educar os professores serem intelectuais, ver John Dewey, "The Relation of Theory to Practice", em John Dev^"* Tbc Middle Works, 1899-1924, JoAnn Boydston, ed. (Carbonciale, III.: Southern Illinoi : Universíty Press, 1977), primeiramente publicado em 1904. Ver também Israel Schefi]~S "University Scholarship and the Education of teachers", Teachers College Record 70 (1968)' 1-12; Giroux, Ideology, Culture, and the Process of Scbooling.

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3. Ver, por exemplo, Herbert Kliebard, "The Question of Teacher Education", em D. McCartv ed., New Perspectives on Teacher Educatíon ( San Francisco: Jossey-Bass, 1973). 4. Kenneth M. Zeichner, "Alternative Paracligm on Teacher Education", Journal of Teacher Education 34 (Maio-Junho 1983): 4. 5. Dewey, "Relation of Theory to Practice". 6. Jesse Goodman, "Reflection on Teacher Education: A Case Study and Theoretical Analysis" Interchange 15 (1984): 15. 7. Apple, Education and Power. 8. Patrick Shannon, "Mastery Learning in Reading and Contrai of Teachers" Lan"iict°e Am 61 (Set. 1984): 488. ^ 9. Scheffler, "University Scholarship", p. 11.

eja qual for o ponto de partida para uma nova direção do estudo curricular deve-se levar em consideração a divisão histórica e fragmentada dentro dos maiores departamentos curriculares da América do Norte. Há cerca de sessenta anos os educadores começaram a elucidar os interesses e suposições existentes de uma maneira que produziu dois modos bastante distintos de se pensar o estudo curricular.1 Estamos aqui nos referindo à divisão clássica entre interesses "administrativos" e "científicos", uma cisão talvez expressa de forma mais simples na diferença entre estas questões: (1) O que os professores devem ensinar? e (2) Que intervenções efetivas podem ser obtidas a partir da compreensão do desenvolvimento humano e dos processos de aprendizagem? Não iremos criticar ou nos ater a estas orientações, pois as mesmas são suficientemente familiares. Nossos interesses não se alinham com qualquer uma delas. Nossa preocupação é o desenvolvimento de uma nova forma de estudo acadêmico curricular que sustente o que chamamos de construção de uma política cultural. Que programa de estudo articularia esta preocupaÇao, e com quem estes esforços estariam aliados? Vamos começar sendo ^strategicamente práticos. Qualquer programa acadêmico tem que estar referido a uma clientela. Para aqueles de nós que são educadores, podemos também enfrentar a estrutura social e econômica de que somos parte. Nós oferecemos uma mercadoria. Nós competimos não apenas com outras univerSl dades mas também com nossos colegas em outros departamentos de nosSas instituições. Assim, a lógica desta mercadoria nos força a perguntar, são nossos clientes? Quem encontraria seus interesses abordados estudo curricular enquanto política cultural?

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Acreditamos que os educadores são cada vez mais defrontados com a especificação de práticas racionalizadas através de uma lógica de comodificacão individual que é ditada por uma relação instrumental com a economia. Estes são educadores que cada vez mais sentem que não sabem o que é estar ao lado do estudante, mas que assim o desejam desesperadamente. São educadores cuja localização contraditória dentro de um conjunto específico de relações sociais resulta na alternância entre levantamento e supressão de questões do tipo: O que conta como educação? O que se segue tem por premissa a noção de que nós nas universidades temos algo útil a oferecer para tal clientela (esta linguagem por si mesma significa um problema profundamente arraigado à estrutura de nosso trabalho, e utilizamos o termo propositalmente para levantar esta contradição). Ironicamente, nós que trabalhamos nas universidades somos forçados a oferecer política como uma mercadoria! É um tema familiar na sociedade ocidental que sempre embota a agudeza crítica. É uma contradição que devemos finalmente abordar e à qual voltaremos mais tarde. Pode-se notar que é uma contradição que é mais fácil de ser resolvida em um contexto de pesquisa, no qual o crescimento de alianças não depende tanto do sucesso na competição no mercado. Mas agora gostaríamos de ser um pouco mais específicos. Para os educadores que repensam a escolarízação contemporânea, a questão importante que precisa ser enfrentada é: Que abordagem programática do ensino acadêmico seria desejável? Isto é especialmente importante a fim de que os educadores considerem o que terá que ser levado em conta na formulação das práticas de ensino e organização que poderiam opor-se ao discurso e ideologia dominante. Em nossa visão, tal abordagem programática do estudo acadêmico no currículo seria aquela que compreendesse a escolarização: (1) como uma entre muitas formas, (2) como local cultural e político que incorpora um projeto de transformação e regulação, e (3) como uma forma produtiva que constrói e define a subjetividade humana através do repertório de ideologias e práticas que incorpora. Esta formulação requer uma forma de estudo curricular que enfatize o histórico e o cultural em relação aos materiais e práticas educativas. Além disso, ela aponta para áreas de estudo específicas que seriam cruciais para este esforço. Antes de examinar as formas de discurso que estruturariam o estudo do currículo, gostaríamos de comentar sobre os temas ou áreas de análise que seriam essenciais para tal programa.

Linguagem Em muitas escolas acadêmicas de educação, a linguagem (isto é, escrita, literatura, aprendizagem de segunda língua, e assim por diante)

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um dos focos ou áreas específicas de concentração disponíveis para os estudantes que entram no programa curricular. Esta delimitação exclusiva do que define uma preocupação com a linguagem sempre nos impressionou como um tanto bizarra no sentido de que legitima e limita as questões da linguagem como técnicas e instrumentais. Embora tais preocupações sejam evidentemente importantes, o que se suprime nesta orientação é a questão essencial da relação entre linguagem e poder. A fundamentação de tal posição torna-se clara se a aquisição de uma linguagem (seja ela inglês, matemática, física, teatro ou qualquer outra) for vista como uma forma de aprendizagem que não apenas instrui os estudantes quanto às formas de "nomear" o mundo, mas também lhes introduz em relações sociais particulares. Em outras palavras, o que é historicamente construído como estimado, aprovado, adequado e de valor instrumental é aprendido no "sentido" de uma versão discursiva particular de algum aspecto de nosso ambiente e de nós mesmos. A expressão está totalmente implicada na realização da experiência, mas o "busílis" é que a expressão nunca é manifestação arbitrária, sendo determinada dentro das condições reais que organizam sua situação social.2 O conhecimento institucionalmente legitimado organiza e desorganiza a experiência, e os educadores devem saber perguntar quem tem suas experiências e interesses sustentados pelas diferentes formas possíveis de educação.

Culturas Populares e Um outro tema de estudo essencial para a construção da educação como política cultural é a relação das culturas populares e subordinadas com os modos dominantes da escolarização. Temos que enfrentar as implicações do fato de que a experiência escolar dos estudantes está entrelaçada com suas vidas em casa e na rua. Isto não representa um apelo simplista por relevância; é mais uma afirmação de nossa necessidade de compreender as tradições de mediação que os estudantes trazem para seu encontro com o conhecimento institucionalmente legitimado. É uma tentativa de construir urna agenda teórica através da qual os educadores possam começar a considerar com seriedade as esperanças, ansiedades, experiências e histórias de grupos e classes subordinadas. Estamos utilizando o termo "cultura" c omo as maneiras distintas nas quais um grupo social vive e dá sentido às circunstâncias e condições de vida que lhe são "dadas".3 Estas podem ser "inconscientes" ou não; certamente elas são o produto de processos históri cos coletivos e não cie intenções meramente pessoais. Na verdade, os ^divíduos formam seus propósitos e intenções dentro das estruturas °rnecidas por seu repertório cultural.


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Teorizacão da Formação Social A fim de decidirem o que fazer, os educadores devem compreender por que as coisas são como são, como ficaram assim, e que condições as sustentam. Além disso, os educadores devem ser capazes de avaliar os potenciais de ação que estão embutidos nos relacionamentos e práticas reais. Isto exige que se pense sobre a educação através de sua inter-relação com a formação social circundante. Esta forma de análise requer uma certa familiaridade com as questões propostas pela teoria social e algum entendimento do estado como a agência através da qual a escolarização tem sido organizada nos últimos 150 anos. O mais importante, porém, é que isso significa aprender a analisar situações concretas de uma maneira que mostre como (e com que limitações) qualquer relacionamento social ou forma institucional pode ser transformada através da ação intencional. O modo como tais análises são formuladas depende, evidentemente, das visões específicas do modo como o mundo social é construído. Sem dúvida, este é um argumento em prol da intersecção essencial da teorização social e curricular. Também é um apelo por uma nova forma de discurso e linguagem curricular. História Não estamos aqui interessados na cronologia e sim em uma compreensão de como práticas educacionais específicas podem ser compreendidas enquanto construções históricas relacionadas com os eventos econômicos, sociais e políticos em um espaço e tempo particular. Isto é absolutamente essencial a fim de podermos pensar sobre como casos específicos de escolarização e teoria curricular podem representar uma entre as muitas formas possíveis. Esta posição não apenas destaca a natureza especificamente social e construída da escolarização, mas também fornece as bases para o pensamento e ação críticos e de oposição. Em resumo, ela fornece as bases para pensar-se em termos que possam antever um mundo e futuro diferentes. O conteúdo aqui teria que ser não apenas a história da escolarização do país, mas também sua comparação com outras.

Pedagogia Esta lista de temas talvez tenha sido um pouco parcial. Mas pretendemos dar a pedagogia o seu lugar. Sustentamos o termo pelo alcance e conexão teóricas definitivamente amplas com a prática que o mesmo sugere. Para nós, a pedagogia refere-se a uma preocupação com os materiais e instrução de um maneira que fale sobre sua integração, que lhe dê um foco e propó-

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sito. É aí que os educadores devem confrontar-se coletivamente com a questão: O que deve ser feito? Como poderíamos pensar sobre a leitura de um texto para abrir (reve]ar) sua mitologia?1 Como poderíamos organizar situações de aprendizagem para minimizar a violência simbólica cia cultura dominante?5 Que novos materiais e atividades poderiam ser enfatizados para dar aos estudantes um sentido de possibilidades alternativas?6 Como poderíamos trabalhar para problematizar a experiência e as necessidades dos estudantes de forma a fornecer a base para explorar-se a interface entre suas próprias vidas e as pressões e possibilidades da sociedade mais ampla? Existem respostas para tais questões, mas as mesmas terão sempre que ser desenvolvidas eventual e coletivamente. Estudar pedagogia nunca deveria ser confundido com nos dizerem o que fazer, mas a mesma cie fato requer novas formas de estudo acadêmico que implicam definitivamente a faculdade universitária em reais esforços para definir projetos educacionais que sejam verdadeiramente transformadores. Isto requer, como veremos, abandonar finalmente a denominação de nossos estudantes como clientela. Na seção anterior, tentamos esboçar de forma sucinta os temas específicos que acreditamos que deveriam gerar um discurso crítico para o estudo curricular. Estamos tentando provocar um discurso novo e crítico que defina o estudo curricular dentro dos parâmetros da cultura teórica que está ligada à dinâmica do comprometimento e luta. Para este fim, gostaríamos de prosseguir destacando algumas das categorias, as quais acreditamos que seriam essenciais para uma visão crítica do estudo curricular.

Teoria como

da Crítica e

Como certamente indicam os temas acima mencionados, cremos ser importante encarar a teoria curricular como forma de teoria social. Quando a teoria curricular é vista deste ângulo, torna-se evidente que o discurso curricular está inextrincavelmente relacionado com formas de conhecimento e práticas sociais que legitimam e reproduzem formas particulares de y ida social. O currículo, neste sentido, é visto como um discurso teórico que faz do político um ato pedagógico. Isto é, o currículo representa uma expressão de disputa em torno de que formas de autoridade política, ordens de representação, formas de regulação moral e versões do passado e do futuro deveriam ser legitimadas, repassadas e debatidas em locais pedagógicos específicos. Neste caso, não se deve condenar a teoria curricular Por ser política, mas por ser política de maneira oculta ou inconsciente. %ualmente importante é a noção relacionada de que o discurso curricular, c om todas as suas variações/é uma forma cie ideologia que tem intima


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relação com questões de poder, principalmente enquanto estas estruturam as relações sociais em torno de considerações de gênero, raça e classe. Além disso, nós achamos que o valor da teoria e prática curriculares deveria ser ligado à provisão de condições para que os estudantes as compreendam como forma de política cultural, isto é, como uma expressão da teoria social radical. Mas aqui deve-se fazer uma advertência. Ao ligar a teoria e prática curriculares à teoria social radical, não estamos argumentando que os estudantes deveriam aprender o discurso de, por exemplo, unia doutrina específica como o marxismo. Pelo contrário, a noção de radical, como a utilizamos neste contexto, é muito mais ampla e mais fundamental do que qualquer versão particular do marxismo ou outra doutrina política. Na verdade, ela sugere ligar a teoria e prática curriculares com os aspectos mais profundos da emancipação na qual a autorização própria e social sejam desenvolvidas em torno da meta de lutar contra todas as formas de dominação subjetiva e objetiva. De forma semelhante, ela sugere esforçarse para produzir formas de conhecimento e habilidades que forneçam as condições para uma vida qualitativamente melhor para todos. Como tal, o discurso curricular passa, neste caso, a ser valorizado pelas formas nas quais ele abarca tanto a linguagem da análise crítica quanto a linguagem da possibilidade. Sejamos mais específicos neste ponto. Informados pela linguagem da crítica, os estudos curriculares representariam um lugar dentro da universidade no qual a natureza partidária da aprendizagem e esforço humano forneceriam um ponto de partida para ligar o conhecimento ao poder. O compromisso com o desenvolvimento de formas de vida comunitária levaria seriamente em consideração as noções de liberdade, igualdade e solidariedade humanas. Assim, os estudos curriculares organizar-se-iam em torno da meta de educar os estudantes para oferecerem liderança moral e intelectual (não através de vanguardismo!). Neste caso, o discurso curricular relacionaria o conhecimento e o poder de três maneiras. Primeiro, ele questionaria todas as pretensões de conhecimento pelos interesses que estruturam tanto as questões que são levantadas quanto as questões que são excluídas. Segundo, as pretensões de conhecimento em torno de todos os aspectos da escolarízação e da sociedade seriam analisadas como parte de processos culturais mais amplos intimamente ligados com a produção e legitimação de formações sociais de classe, raça, gênero e idade enquanto reproduzidas dentro de relações assimétricas de poder. Terceiro, o conhecimento deveria ser visto como parte de um processo de aprendizagem coletivo intimamente relacionado com a dinâmica de luta e contestação, tanto dentro como fora da universidade. Longe de serem tratadas como objetivos, como algo a ser simplesmente dominado, as alegações de conhecimento no campo curricular seriam analisadas como parte de uma luta mais ampla em torno de diferentes ordens de

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representação, formas conflitantes de experiência cultural e visões dtvedo futuro. Com respeito ao discurso da possibilidade, estamos sugerindo com mencionado acima, que o estudo do currículo seja informado pôr umlinguagem que reconheça o mesmo como introdução, preparação é legitimação de formas da vida social. Isto é, o discurso curricular consideraria seriamente as particularidades sociais e históricas que constituem as formas e limites culturais que dão significado às vidas dos estudantes e outros aprendizes. Em um certo sentido, isto aponta para a necessidade de desenvolverem-se teorias, formas de conhecimento e práticas sociais que trabalhem com as experiências que as pessoas trazem para o ambiente pedagógico. Isto significa tomar com seriedade e confirmar as formas de linguagem, modos de raciocínio, disposições e histórias que dão aos estudantes voz ativa na definição do mundo. Em um outro sentido, a Hnguaoem da possibilidade refere-se à necessidade de trabalhar sobre as experiências que constituem as vidas dos estudantes. Isto significa que tais experiências com suas formas culturais variadas, têm que ser recuperadas de maneira crítica, de forma a revelar suas forças e também suas fraquezas. De forma semelhante, isto significa ensinar os estudantes a apropriarem-se criticamente dos códigos e vocabulário de diferentes experiências, de modo a lhes fornecer as habilidades que irão necessitar para definir, e não simplesmente servir, o mundo moderno. Como linguagem de possibilidade, o discurso curricular estaria ligado a formas de autofortalecímento e social que envolvessem a luta para desenvolver formas ativas de vida comunitária em torno dos princípios de igualdade e democracia. Ele iria infundir o trabalho pedagógico dentro e fora das escolas com um discurso que pode funcionar para trazer esperanças reais, forjar alianças democráticas e apontar para novas formas de vida social que pareçam realizáveis. Essencial para tal projeto seria o compromisso fundamental com as noções de esperança e emancipação. A importância, finalidade e estudo do currículo como forma de discurso e-prática estariam inextrincavelmente ligados a uma noção de prática educacional que toma como ponto de partida um compromisso com o bem-estar do público. Assim, o estudo curricular como expressão de formas específicas de conhecimento, valores e habilidades tomaria como princípio de organização a tarefa de educar os estudantes a tornarem-se cidadãos ativos e responsáveis; isto é, cidadãos que disponham das habilidades intelectuais e da coragem cívica necessárias para uma vida autodeterminada, reflexiva e democrática. A medida de sucesso para julgamento deste programa seria baseada no grau em que o mesmo consegue proporcionar as condições ideológicas e materiais para sua implementação e o grau no qual ele demonstra o relacionamento fundamental entre a escolarização e a idéia de emancipação humana.


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Reconstruindo a

entre

e Escolas

Como discurso teórico crítico, os estudos curriculares terão que redefinir o relacionamento entre teoria e prática, superando mais do que reforçando a divisão de trabalho entre eles. Particularmente ao definir a conexão entre instituições de educação superior e as escolas públicas, o estudo curricular terá que ser reconstruído em aliança específica com formas ativas de vida comunitária. Isto significa reconhecer que a teoria curricular pode ser vista como a produção de formas de discurso que surgem cie locais sociais específicos, e enquanto a comunidade universitária teoriza a partir de um local específico, os professores e administradores da escola pública, bem como outros envolvidos no trabalho pedagógico, teorizam a partir de contextos diferentes, porém igualmente importantes. Estes locais diferentes dão origem a várias formas de produção e prática teóricas. Cada uma destas diferentes esferas institucionais fornece idéias diversas e críticas sobre os problemas da produção curricular e escolarização, e o fazem a partir de particularidades históricas e sociais que lhes dão significado. A questão central é como estas formas de produção e prática teóricas podem ser unidas dentro de um projeto comum informado pelas linguagens de crítica e possibilidade. Este laço exige um repensar sobre quem somos enquanto educadores. Ele redefiniria os estudos curriculares como sustentáculos dos professoreseducadores enquanto intelectuais transformadores.7 Os educadores trabalhariam em conjunto com grupos e movimentos sociais específicos em torno de diversas preocupações emancipadoras. Eles ajudariam tais grupos a desenvolverem os instrumentos de liderança moral e intelectual, e, como tal, sua função pedagógica estaria ligada não apenas à produção de idéias, mas também a formas de luta coletiva em torno de preocupações econômicas, sociais e políticas variadas. A importância disso tem que ser julgada, em parte, contra a suposição de que os estudos curriculares como atualmente instituídos na maioria dos programas acadêmicos foram destituídos de uma visão democrática - de que, conseqüentemente, eles têm funcionado para educar os estudantes menos como intelectuais e profissionais reflexivos do que como funcionários públicos obedientes e técnicos especializados. Encarar professores e administradores como intelectuais transformadores oferece a oportunidade pragmática de ligar as possibilidades de emancipação às formas críticas de liderança ao reformular-se o papel do trabalho curricular. Ao tomar a categoria de intelectual seriamente, os estudantes, professores acadêmicos e outros teriam que investigar e se conscientizar plenamente de seu papel ativo na mediação entre a sociedade dominante e a vida cotidiana. Seria igualmente importante que eles se conscientizassem de que seu papel pedagógico é definitivamente político, já que não podem fugir das funções contraditórias de legitimação ou resistência às formas dominantes de ideologia e cultura. A categoria de intelec-

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ai orgânico também aponta para a luta diária em andamento dos educadores sobre o que constitui a distinção entre normalidade e desvio, sobre o que conta como prática social e escolar aceitável, e sobre o que conta como forma legítima de linguagem e conhecimento. Contudo, deve-se enfatizar que o conceito de intelectual transformador vai além de sugerir a função política envolvida no trabalho curricular. Ele também oferece um ponto de partida para que os educadores examinem suas próprias histórias, isto é, aquelas conexões com o passado e com formações sociais, culturas e experiências sedimentadas particulares que definem quem eles são e como estruturam as experiências escolares. De forma semelhante, o conceito transforma-se num referencial político para que os educadores assumam com seriedade a luta para eliminar a divisão entre trabalho intelectual e manual, não apenas em nosso próprio trabalho, mas também na sociedade como um todo. Finalmente, o uso do conceito como um princípio de organização do discurso curricular aponta para a importância de que os estudantes e outros examinem o caráter multifacetado do poder como força tanto ideológica como material. Em outras palavras, precisamos compreender como o poder funciona de maneira tanto positiva quanto negativa em meio as muitas contradições que constituem a vida escolar.8 Isto sugere a necessidade de desenvolverem-se análises concretas dentro dos programas de estudo curricular de como o poder funciona para policiar e estruturar a linguagem, como ele é usado como força para administrar e moldar a política do corpo, e como ele está implicado na organização do tempo e do espaço. Essencial a estas preocupações é o papel de limitação e habilitação que os profissionais curriculares desempenham como intelectuais. Assim, gostaríamos de concluir este capítulo retornando a uma das contradições que é saliente para os acadêmicos que buscam articular o estudo e a pesquisa educacional como forma cie investigação social e política cultural. Esta é a contradição, produzida em meio à lógica de mercadoria que estrutura nosso trabalho, entre nosso desejo de liberdade intelectual e empresarial do intelectual descompromissado e as obrigações e compromissos do intelectual orgânico. Os comentários a seguir pretendem elucidar e sta contradição e apontar para uma maneira de mitigá-la. Não existem soluções fáceis. O

^e, por um lado, adotarmos a noção anteriormente salientada d£ clue ° c urrículo seja visto como a expressão de uma forma de luta, deveni°s 'azer as Perguntas conseqüentes: Qual é a natureza desta luta? Do que gia Que forma ela assume? Em que lado estamos? O que precisa ser feíto-


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dúvida afirmaríamos que o estudo curricular se define a partir da abordarem destas questões. Por outro lado, devemos reconhecer que, como acadêmicos, nós ou trabalhamos para o governo ou temos um relacionamento particularmente íntimo com suas ideologias e práticas sociais. Como funcionários do estado, por exemplo, nós vivemos do valor excedente criado nas regiões particulares e áreas do país onde trabalhamos. Nós vivemos deste valor excedente situado em uma economia política definida tanto pela localização estrutural de nosso local de trabalho nas universidades quanto pelas relações concretas de nossa "profissão". À medida que os acadêmicos desejam adquirir os escassos recursos desta economia, o que inclui posse de cargo, cursos desejáveis, estudantes interessados, espaço nos jornais, tempo para escrever, reconhecimento dos colegas e assim por diante, devemos buscar definir e controlar o "chão" em que trabalhamos. Mas à medida que os acadêmicos fazem isto individualmente, em seus próprios termos, em competição com outros que desejam recursos semelhantes, tornamo-nos pelite bonrgeoisie. Esta é uma forma de prática e subjetividade material que sem dúvida é fomentada pela própria estrutura do trabalho nas universidades. Nós de fato reconhecemos que o caráter contraditório do ambiente universitário está em desacordo com a noção de estudo curricular que delineamos acima. Mas buscamos trazer para a questão e disputa aquelas práticas ideológicas e materiais que simultaneamente constituem a vida no trabalho e limitam a prática dos intelectuais universitários nos departamentos curriculares. Além disso, sugerimos que qualquer programa de estudo curricular como política cultural exige que tenhamos sucesso em alguma medida. Queremos colocar a questão de como os intelectuais podem lidar com esta contradição: como podem estimular a vida acadêmica coletiva que permita a liberdade intelectual e ainda assim permaneça ligada a outros interesses que não os seus. Admitimos que a expressão ''outros interesses que não os seus" parece um pouco paradoxal. Nós a utilizamos aqui em referência exclusiva à economia política que aludimos acima, no sentido de que esta economia define e estrutura "nossos" interesses. O fato de nos interessarmos em permanecer ligados com interesses "que não os nossos" é um assunto importante. Ele se relaciona com questões referentes a como respondemos a nossa família e amigos quando nos perguntam como justificamos o que fazemos todos os dias. Contudo, examinar isto nos furto desviar do assunto. Não dispomos de um programa abrangente, mas queremos de fato levantar e discutir algumas idéias. Esta discussão irá se ciar ern torno de três questões relacionadas: coleguismo, conteúdo programático e necessidade de abandonar-se a noção de estudantes como "clientela".

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Coleguismo espírito

competitivo está muito vivo na vida acadêmica, e estrutura granparte de nosso discurso e desejo. Existe pouquíssima interação social genuína (e conseqüentemente pouquíssima alegria) na produção cultural coletiva (autoria coletiva de artigos não significa necessariamente produção coletiva!). Como acadêmicos e intelectuais devemos nos tornar cada vez mais ponderados em torno cia criação de estruturas que apoiem o trabalho conjunto tanto em relação à pesquisa/investigação quanto em relação ao ensino conjunto e escrita conjunta. Estas estruturas podem parecer triviais, mas na dinâmica concreta da vida cotidiana elas podem assumir uma importância frustrantemente brutal. Elas são representadas por preocupações tais como garantir que os horários dos cursos permitam a possibilidade de co-ensino, e, em casos nos quais possa haver fundos arbitrários para subsidiar a pesquisa ou viagens, estabelecer prioridades que dêem preferência ao trabalho conjunto. Além disso, significa oferecer suporte técnico que possa estimular o trabalho conjunto, por exemplo, fornecendo tecnologia em informática que permitisse que vários autores tivessem acesso ao mesmo arquivo a fim de criar um texto verdadeiramente comum, no qual cada um poderia fazer seus acréscimos e alterações. No mesmo espírito, o trabalho em projetos coletivos em termos cie faculdade e estudantes precisa ser encorajado. Isto deve ser defendido tanto do ponto de vista dos limites cio trabalho individual (não se pode fazer tudo sozinho) quanto da importância de uma forma de estudo acadêmico que envolva os estudantes e a faculdade em alguma investigação concreta genuína que aborde um aspecto do estudo curricular. O que estamos sugerindo é que tais esforços devem estar embutidos na estrutura do próprio estudo acadêmico. Além disso, as exigências de curso deveriam ser estabelecidas de forma a permitir e encorajar os estudantes a cumprirem as obrigações do programa através do trabalho em projetos coletivos. Não é conseqüência sem importância que tal exigência tornaria o conhecimento e habilidades necessárias para o trabalho coletivo uma parte explícita de um programa de estudo curricular acadêmico.

Conteúdo do Programa Ef

n relação ao conteúdo do programa, concordamos com aqueles que arguentam que o estudo curricular não pode ser compreendido como um Recipiente vazio. Ele tem que tratar cie alguma coisa! Contudo, ao mesmo tempo acreditamos que organizar o estudo curricular através da identificado com as categorias disciplinares tradicionais é antítético ao tipo de pro§rama curricular que estamos advogando. Nossas noções de trabalho básim


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co são definidas pelos cinco temas especificados anteriormente ^ gem, culturas populares e subordinadas, teorização cia formação sócia] história e pedagogia). O que sugerimos é a identificação de "grupos dg trabalho discíplinares". Estes são grupos de estudantes de graduação ou pós-graduação cujos interesses em um determinado momento são reunidos em torno do trabalho em um assunto particular. Por exemplo, no Instituto Ontário de Estudos em Educação em Toronto existem grupos de trabalho emergentes de educação no trabalho, educação na saúde e literatura infantil. Tais grupos se reúnem para ler juntos e apoiar e criticar o trabalho uns dos outros. Á atividade destes grupos teria que ser apoiada como aspecto legítimo e essencial de um programa de estudo. Como não se atribui um conceito pela participação em tais grupos, eles correm o risco de se tornarem extracurriculares. Este é um problema familiar. A viabilidade de tais grupos torna-se uma questão de tempo disponível, legitimidade percebida e da importância de um grupo na provisão de identidade para seus membros. Existem formas específicas de criarem-se estas condições, mas esta questão exige um nível de especificidade inapropriado para este ensaio.

Clientela, do Educador Finalmente, como argumentamos anteriormente, os educadores devem parar de considerar os estudantes como clientela. Isto significa que o estudante individualmente considerado não se torna mais dependente dos membros da faculdade por seu conhecimento especializado (a palavra-chave aqui é dependente, não conhecimento especializado). Em termos concretos, o que isto poderia significar? Uma possibilidade é redefinir-se a unidade de admissão a um programa de pós-graduação, de forma que este se torne uma unidade social. Isto é, duas ou mais pessoas tornar-se-iam uma unidade admissível. Caso queira candidatar-se à admissão, tal unidade deve identificar uma situação ou projeto em que deseje trabalhar ou compreender melhor (isto não implica que, uma vez no programa, os estudantes tenham que permanecer presos a esta idéia quando começarem a ir além dos horizontes iniciais para dar sentido a suas vidas pessoais e profissionais). Esta é uma política radical que redefina o propósito da educação universitária liberal ocidental como não mais focalizada no desenvolvimento do indivíduo sozinho. Em vez disso, ela estabelece as condições para um trabalho de pós-graduação como investigação coletiva. Ela encorajaria grupos cie pessoas da mesma escola ou bairro, ou que compartilham de um sentido semelhante de frustração ou sonho, $ envolverem-se umas com as outras e levarem este envolvimento à atuação junto à faculdade dentro de um departamento curricular. A dependência pessoal à faculdade por seu conhecimento especializado é alterada à medida que um projeto comum torna-se o foco de estudo.

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Além disso, como enfatizado anteriormente, os educadores devem nieçar a ver o seu trabalho como parte de uma aliança com grupos de essoas fora de seu foco particular. Isto é importante para um programa -orn uma política de admissão coletiva. A ênfase no trabalho em projetos Conjuntos de faculdade/estudante também precisa, para ser uma forma geu ína de política cultural, um sentido de como ela se articula com os esforrOs em outros aspectos da esfera pública. Por exemplo, em Ontário, o trabalho coletivo de faculdade e estudante está atualmente desenvolvendo o currículo junto com grupos de direitos humanos comprometidos com a luta contra o racismo no Canadá. Tal aliança também poderia assumir a forma de trabalho com grupos políticos cuja agenda não seja apenas representação eleitoral mas articulação de uma agenda social dentro da esfera pública. Isto sugeriria alianças com grupos ecológicos, feministas ou de direitos humanos. Como argumentamos anteriormente neste ensaio, o estudo curricular precisa tornar concreto um discurso que traduza a teoria social em formas de práxis que contribuam para as noções de coragem cívica e cidadania ativa. Tais alianças não apenas promovem a base do trabalho coletivo como também ligam a teoria e a prática a formas de luta social. O que estamos advogando é a abordagem do estudo e ensino curriculares como algo essencial para a prática da política cultural que tem por base suas alianças cooperativas entre grupos que lutam para definir um estilo de vida. Sem dúvida, gostaríamos de reconhecer esta prática como educativa por si mesma. Este é um foro educacional que recusa as separações costumeiras de teoria e prática, objetivo e subjetivo, saber e fazer. É uma forma de profissionalismo que recusa o que Wendy Simon, um professor de escola primária, chamou de "status de camponês do professor", ao resistir às tendências hierárquicas na organização do quadro escolar. Em nossa visão, a transformação simultânea das circunstâncias e das pessoas é o tema orientador do trabalho e ensino curriculares enquanto política cultural. Isto pressupõe que nós aprendemos pela descoberta, questionamento, crítica e tentativas de mudança, e que todas estas práticas levam à reconceitualização de nós mesmos como possuidores de capacidades, habilidades e formas de conhecimento que anteriormente não havíamos percebido. É este tipo de atividade que o estudo acadêmico curricular pode ajudar a estimular e apoiar.

Notas Os

autores apresentaram pela primena \< z is> seções deste capítulo na The Curriatlum of Conference, realizada na Lbcola de Educação da Universidade Estadual üe , durante 16, 17 e 18 de maio de 19S i. Somos especialmente gratos à diretora Juditn Lanier e ao professor Cleo Cherryholmes por seu apoio.


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1. Herbert M. Kliebard, "The Drive for Curriculum Change in the Unite

^íffxtnl^r"^^^0105"

11

3. Giroux, Theory and Resistance. 4. Roland Barthes, Mythologies (New York: Hill & Wang, 1972). 5. Bourdieu e Passeron, Reproduction.

A

6. Giroux, Theory and resistance 7. Gramsci, Prison Notebooks. 8. Aronowitz e Giroux, Education under Siege.

de Culturais

HENRY A. GIROUX, DAVID SHUMWAY, PAUL SMITH E JAMES SOSNOSKI

~ as universidades da América do Norte, o estudo da cultura1 é tão fragmentado pela especialização que uma análise crítica cultural combinada é quase impossível. O desenvolvimento histórico de disciplinas isoladas alojadas em departamentos segregados produziu uma ideologia legitimadora que com efeito suprime o pensamento crítico. Racionalizada como proteção da integridade de disciplinas específicas, a departamentalização da pesquisa tem contribuído para a reprodução da cultura dominante ao isolar seus críticos uns dos outros.2 Sob a bandeira da liberdade acadêmica dos especialistas para dirigirem sua própria atividade, os especialistas ligam-se em formações discursivas que geralmente circunscrevem a natureza de suas investigações. Os profissionais das disciplinas que investigam fenômenos culturais, como, por exemplo, antropologia, sociologia, história, estudos literários, são limitados em sua capacidade de se comunicarem uns com os outros acerca de suas preocupações comuns. O estudo literário tradicional, por exemplo, tem se desenvolvido dentro de padrões formalistas que estabeleceram um limite quase intransponível entre o estudo de uma sociedade e o estudo de um romance; de forma semelhante, os sociólogos fazem uso da literatura de uma maneira que aliena os críticos literários tradicionais. E assim por diante. A sabedoria convencional dos acadêmicos é deixar que °s membros de outros departamentos façam o que quer que seja seu trabalho da maneira que quiserem - contanto que este direito lhes seja garantido. Como conseqüência destes desenvolvimentos, o estudo da cultura é conduzido em fragmentos, e, à medida que os especialistas devem definir a

N


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si mesmos em contraste com um público constituído cie amadores, a especialização afasta os intelectuais de outras esferas.3 Desabilita-se, assim a crítica, e possibilitam-se os mecanismos de reprodução social e cultural. O papel do especialista não é de todo compatível com o papel do intelectual. Como assinala Paul Piccone: A menos que se reduza a definição de intelectuais em termos de critérios educacionais puramente formais e estatísticos, está bastante claro que o que a sociedade moderna produz é um exército de especialistas alienados, privatizados e incultos que somente são instruídos dentro cie áreas muito estreitamente definidas. Em vez cie intelectuais no sentido tradicional de pensadores preocupados com a totalidade, esta intelilligentsici. técnica está crescendo vertiginosamente para operar o aparelho burocrático e industrial cada vez mais complexo. Sua racionalidade, contudo, tem caráter apenas insiritmental, e, portanto, é adequada principalmente para realizar tarefas parciais, mais do que para lidar com questões substanciais az organização social e direção política.1

Nosso argumento é que existe uma necessidade de que os estudos culturais envolvam de maneira crítica justamente aquelas questões políticas e sociais aludidas por Piccone, e promovam uma compreensão das dimensões tanto de possibilidade quanto cie limitação da cultura. Isto sugere tanto o desenvolvimento de uma análise crítica como a produção de formas culturais em consonância com interesses de emancipação. Uma tarefa importante de tal análise crítica transformadora é identificar as fissuras nas ideologias da cultura dominante. Na ausência de intelectuais que possam analisar criticamente as contradições de uma sociedade, a cultura dominante continua a reproduzir seus piores efeitos com toda a eficácia. E, sem uma esfera de crítica cultural, o intelectual de resistência não tem voz nos negócios públicos. Este capítulo começa mostrando como as definições de disciplina são historicamente arbitrárias. Ele então passa adiante para argumentar que as tentativas de romper os limites arbitrários estabelecidos pelas disciplinas e desenvolver programas interdisciplinares - estudos americanos ou canadenses, estudos femininos, estudos dos negros, etc. - fracassaram. A seguir o capítulo argumenta que a fundamentação humanista tradicional para o estudo disciplinar da cultura é inadequada no sentido de que mascara o papel que os membros de uma cultura podem desempenhar como agentes em sua formação. Isto nos leva a argumentar em prol cia necessidade de uma práxis contradisciplinar. Neste ponto, introduzimos a noção de intelectual transformador como uma formação educacional necessária para restituir aos educadores seu papel de intelectuais. As seções posteriores delineiam algumas das implicações de nossa discussão: o retorno dos intelectuais de suas torres de marfim para a esfera pública; e um movimento de afastamento da pesquisa individualista, esotérica, rumo a investigações coletiva? das mazelas sociais. O capítulo é concluído pelo delineamento das cone»' ções para o desenvolvimento de estudos culturais.

^ Arbitrariedade luterdíscipMíias

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e o Fracasso

\ maioria de nós pensa nas disciplinas acadêmicas como reflexo de catego rias mais ou menos naturais de coisas que chamamos de matérias. Inglês é diferente de história porque literatura e história são dois tipos distintos de coisas. Mas se considerarmos o assunto mais detidamente, logo reconheceremos que a identificação de uma disciplina com objetos naturais não explica muito. Em primeiro lugar, um grupo particular de objetos é assunto de uma série de disciplinas. O mesmo texto, A Cabana do Tio Tom, por exemplo, pode ser estudado por estudiosos de literatura e por historiadores. Em segundo lugar, os objetos particulares que uma disciplina estuda não permanecem iguais no decorrer de sua história. A literatura tem sua referência atual - ficção, poesia, e drama - somente desde o início do século dezenove. Além disso, a forma na qual se definem as categorias muda regularmente. O inglês foi reconhecido como área legítima de estudo somente desde o final do século dezenove, e novas subdisciplinas na física ou química têm surgido num ritmo cada vez mais rápido. O que é estudado sob a égide de uma disciplina acadêmica em um determinado momento não é uma matéria natural, mas uma área que é em si mesma constituída pela prática da disciplina. Tal área não é arbitrária no sentido de desenvolver-se aleatoriamente ou por capricho; uma área pode ser chamada de arbitrária porque é contingente com a circunstância histórica. Assim, ela reflete demandas culturais, sociais e institucionais. Isto se aplica a todas as áreas acadêmicas, mas mais especialmente em campos fora das ciênciais naturais. Para compreender-se por que este é o caso, é necessário observar mais intimamente a formação das disciplinas acadêmicas. Michel Foucault mostrou que a disciplina5 como estratégia particular de controle e organização social apareceu no final da era clássica e passou a prevalecer no período moderno. Embora Foucault não esteja diretamente preocupado com disciplinas acadêmicas, grande parte cie sua análise se a plica a estas empresas. O que é característico nas tecnologias dísciplinares é sua capacidade de simultaneamente normalizar e hierarquizar, homogenizar e diferenciar. Este paradoxo é explicado pelo controle que a disciplina exerce sobre a diferença. Como as normas são cuidadosamente estabelecidas e mantidas, os desvios podem ser medidos em escala. A meta cio profíssion al em uma disciplina é subir nesta escala diferenciando-se apenas da mane ira apropriada. Não é necessária uma análise ao estilo de Foucault para compreender ^ue uma disciplina limita o discurso. Ser parte de uma disciplina significa lazer certas perguntas, usar um conjunto particular de termos e estudar um c °njunto relativamente estreito de coisas. Mas a obra de Foucault de fato n °s ajuda a ver como estas limitações, esta disciplina, são reforçadas pelas


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instituições através de várias recompensas e punições, a maior parte das quais pertencentes à classificação hierárquica. A punição derradeira é a exclusão. Se paramos de nos expressar dentro do discurso da disciplina não seremos mais considerados parte da mesma. Isto geralmente não significa que os hereges serão proibidos de ensinar ou mesmo publicar; eles serão simplesmente marginalizados. A situação é similarmente grave para o novo Ph.D. , para o qual o preço da admissão à academia é a mesma conformidade com os discursos acadêmicos dominantes. Muito embora o desenvolvimento da "ciência normal" no sentido de Kuhn faça a distinção entre as ciências naturais e as outras disciplinas, "as ciências humanas tentam constantemente copiar a exclusão das ciências naturais de qualquer referência à base social e histórica de suas teorias".5 Nas ciênciais sociais e humanas, tem havido uma normalização cada vez mais condizente com a profissionalização das várias disciplinas, mas está claro que nenhuma disciplina teve êxito em excluir totalmente a "base" de suas teorias. Técnicas de formalização podem tornar a ciência normal possível nas ciências sociais e humanas somente através da exclusão de habilidades sociais, instituições e arranjos de poder que tornam possível o isolamento de atributos. Esta prática ignora a prática social e a interação cultural de cientistas sociais e humanistas. Como a prática social não é um dos objetos constituídos pelas ciências naturais, "é sempre possível e geralmente desejável que uma ciência normal inquestionável, a qual define e resolve problemas referentes à estrutura do universo físico, se estabeleça, [mas] nas ciências sociais tal ciência normal inquestionável indicaria apenas que uma ortodoxia se estabeleceu, não mediante realização científica, mas ignorando a experiência e eliminando todos os competidores".7 Embora as disciplinas humanístícas possibilitem uma variedade de atividades mais ampla do que as disciplinas das ciências naturais, estas atividades por si mesmas são hierarquicamente valorizadas. Em inglês, por exemplo, o estudo normal sob o "paradigma" da Nova Crítica era a interpretação descontextualixada de textos individuais dos cânones literários. Outros tipos de conhecimento eram permitidos e às vezes recompensados, mas nunca se permitia que sobrepujassem a prática normal da Nova Crítica. O conhecimento histórico, neste caso, tinha seu lugar, mas era considerado subordinado à Nova Crítica.8 Embora o trabalho nas ciências humanas não se proponha como ciência normal, sua estrutura disciplinar tem por objetivo produzir especialistasA estrutura disciplinar do estudo em literatura, história, sociologia e outras divisões que com freqüência concentram-se na cultura tende a proibir este» especialistas de relacionarem seu conhecimento com a esfera pública. O estudo disciplinar exige atenção constante àquelas poucas questões que constituem sua preocupação especializada corrente. Tais questões estão muitas vezes bastante afastadas das controvérsias genuínas de uma dada cultura.

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Os movimentos interdisciplinares, tais como os estudos americanos e estudos femininos, muitas vezes se desenvolveram a partir da idéia de que as questões mais importantes estavam sendo perdidas nas rupturas entre os limites rígidos das disciplinas. Como conseqüência, os estudos americanos começaram com a agenda de recuperar estas questões. Deve ser lembrado que o nacionalismo que deu luz aos estudos americanos e canadenses era abertamente político, e que os livros de estudos americanos eram críticos dos interesses ideológicos embutidos nos documentos canônicos da cultura americana. Não obstante, os estudos americanos elevem ser considerados como um exemplo preventivo para aqueles que tentarem estabelecer estudos culturais como empreendimento interdisciplinar dentro da academia. O problema é que nenhuma alternativa sólida à estrutura disciplinar foi desenvolvida dentro da academia, e, como resultado, movimentos tais como os estudos americanos devem paradoxalmente esforçar-se para tornarem-se disciplinas. Assim, embora estes movimentos muitas vezes comecem com uma perspectiva crítica, eles abandonam a análise crítica quando obtêm maior sucesso. À medida que tais movimentos resistem à disciplina, sua seriedade é questionada. Seus profissionais são considerados diletantes em vez de verdadeiros estudiosos, e seus empreendimentos são descartados como mero modismo. Nos estudos americanos, a idéia de interdisciplinariedade tornou-se uma maneira dos profissionais questionarem uma hierarquia particular, mas não ofereceu uma alternativa para a ordem hierárquica. E à medida que os estudos americanos se estabeleceram com mais firmeza, a interdisciplinariedade recuou em importância na retórica do movimento.9 Seria um erro considerar o fracasso do movimento interdisciplinar em continuar sendo um empreendimento crítico como resultado da supressão de idéias políticas. Como a visão política de um intelectual é postulada como irrelevante para o trabalho das disciplinas propriamente ditas, falar e pensar sobre questões políticas e sociais é visto como meramente excêntrico ao estudo disciplinar da cultura. Este fracasso em incluir os contextos históricos e as particularidades sociais pode ser visto mais claramente no tipo de pedagogia que as disciplinas tradicionais instituem. Os

Dificuldades com a Cultura

Tradicional do

da

maneira geral, a fundamentação da educação humanística tradicional é ela oferece aos estudantes acesso garantido a um reservatório de materiais culturais que é constituído como cânone. Tal cânone é relativamente flexível em sua definição na medida em que pode incorporar e tomar con hecimento de materiais recônditos e marginais; como enciclopédia de ti-


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pôs, ele não pode recusar nada de valor. Os valores que são operacionais aqui de fato variam de acordo com necessidades ideológicas específicas testemunhe-se a incorporação agora bastante segura do cânone dos estudos femininos ou mesmo de um estudo literário em alguns currículos universitários. Mas, ao mesmo tempo, existe um "padrão ouro" sempre implícito, através do qual estes incrementos e variações temporárias são reguladas. Como chefe do NEH*, William Bennett conduziu uma pesquisa ad boc para descobrir que livros "poderia-se esperar que todo estudante de segundo grau tivesse lido" antes da graduação. A lista de tais livros, trinta no total variavam desde a República de Platão, passando por Virgílio, Chaucer Dickens, e Tolstoy, até O Apanhador no Campo de Centeio™ Estes livros e autores representam o padrão de regulação de uma certa cultura corrente através do qual as ciências humanas e suas produções são medidas. Diz-se que uma familiaridade com o núcleo central estável do cânone permite aos estudantes absorverem os valores aí entesourados, a ponto de poderem aplicar tais valores a seus componentes mais marginais ou temporários. Ainda mais importante, os estudantes teriam acesso a uma riqueza que é ''humanizadora" em seus efeitos; mas estes efeitos encerram uma cumplicidade com a economia que produziu esta riqueza para a humanidade. Deixando de lado as questões não sem importância de como este projeto para as ciências humanas é ideologicamente efetuado e de como ele se relaciona na prática com as vidas dos estudantes (suas histórias sócio-econômicas individuais), é importante perguntar se seria desejável, ou até mesmo necessário, ou não que os estudos culturais se apropriassem ou explorassem de alguma maneira o mesmo tipo de fundamentação educacional. Afinal de contas, e como a nova direita é rápida em assinalar, esta fundamentação sempre tomou seriamente o efeito e função ideológica do que se ensina aos estudantes. Ao aprenderem a cultura dominante, ou assimilarem seus valores representativos, os estudantes estão teoricamente capacitados no sentido de possuírem os recursos para modos de ação e comportamento particulares dentro desta cultura. Pode-se facilmente argumentar (como é freqüentemente o caso dos estudos femininos, por exemplo) que o ensino de um conteúdo alternativo, de um novo cânone, pode efetivamente produzir novas posições ideológicas e, daí, ações políticas. Contudo, deve-se lembrar que a fundamentação humanista do cânone baseia-se em uma economia hierárquica na qual os objetos culturais são classificados. Alguns destes objetos ( os escritos de Shakespeare, por exemplo) são tidos como "o melhor" da cultura ocidental; eles, portanto, representam a essência da cultura. É exatamente contra esta visão simbólica cht cultura que os estudos culturais deveriam lutar. A instalação de um novo cânone, construído sobre suposições acerca do que é mais importante e N. do T.: National Endowment for íbe Humanisies (Fundo Nacional das Humanidades)

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valioso que os estudantes conheçam ou tenham familiaridade, simplesmente replica a tradicional visão hierárquica da cultura, embora de maneira nova e talvez minimamente subversiva. Os estudos culturais, por outro lado, deveriam ser construídos sobre uma economia diferente, a qual providenciasse que os objetos culturais, na verdade, estivessem dispostos de niodo relacionai. Isto eqüivale a dizer que os estudos culturais deveriam encarar com suspeita qualquer projeto de hierarquização no qual a cultura é delimitada a algumas de suas partes, quer tais partes representem o "melhor" da cultura ou mesmo representem o que foi predeterminado como política e eticamente importante e valioso. Os estudos culturais, em suma, deveriam abandonar a meta de dar aos estudantes o acesso àquilo que representa a cultura. Em vez disso, os estudos culturais têm a possibilidade de investigar a cultura como um conjunto de atividades que é vivido e desenvolvido dentro de relações assimétricas de poder, ou como irredutivelmente um processo que não pode ser imobilizado na imagem de um reservatório. Ao investigar e ensinar a noção de que a cultura é, num sentido real, inacabada, os estudos culturais podem assegurar sua própria eficácia política. Os estudantes - particularmente aqueles marginalizados pelos valores da cultura dominante - podem ser desenganados cia noção de que a cultura à qual de fato pertencem de alguma forma não é sua, ou lhes está disponível somente através de iniciação correta nos valores entesourados em textos representativos. Os estudos culturais, considerando novos objetos ( isto é, necessariamente não canônicos) e os inserindo em uma visão relacionai e não hierárquica, estimulam um questionamento das premissas das práticas educacionais e políticas dominantes. Ainda mais importante, os estudos culturais podem se recusar a concordar que "a literatura e qualquer outro objeto cultural... são distintos da política"11 e podem assim reconsiderar os acessórios ideológicos e políticos de um texto ou qualquer conjunto de textos. Evidentemente, o que está em jogo aqui é a possibilidade de que os estudos culturais possam promover nos estudantes, não o empenho por um acesso complacente predeterminado ou definitivo a um certo conjunto de valores culturais, mas sim uma análise continuada cie suas próprias condições de existência. Tal práxís, fundamentada na derrocada das pressuposições das abordagens disciplinares tradicionais, é um pré-requisito para urna resistência autoconsciente e efetiva às estruturas dominantes.

A Necessidade de Na primeira parte deste ensaio, assinalamos que as disciplinas preocupadas c oni a análise da cultura, inclusive aquelas chamadas humanísticas, tem tentado se modelar pelo padrão da ciência normal. Seu objetivo e descrever a cultura, acumular conhecimento sobre a cultura. Na seção antenor, argu-


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mentamos que tal objetivo deixa nos estudantes a impressão de que a cultura tem um caráter permanente, e que estruturas específicas podem ser descritas de um modo essencialista. Tais procedimentos são especialmente perniciosos naquelas disciplinas associadas com as humanidades, já qu e eles sugerem que a cultura já esta formada e não que ela está em processo de transformação. Os estudos culturais deveriam resistir a tais tendências. Isto requer um movimento de distanciamento de nossa concepção descontextualizada de práticas disciplinares em favor de uma "concepção de práxis humana enfatizando-se que os seres humanos não devem nem ser tratados como objetos passivos, nem como indivíduos completamente livres", já que o estudo da vida humana é precisamente "o estudo de práticas sociais definidas, voltado às necessidades humanas".12 Dados os mecanismos disciplinares em funcionamento na estrutura das universidades ocidentais, tal práxis é necessariamente contradisciplinar no sentido de que resiste à noção de que o estudo da cultura é o acúmulo de conhecimento sobre a mesma. Em nossa visão, o estudo correto da cultura está "intrinsicamente ligado com aquilo que tem que serfeüóní nas sociedades repletas de opressão. A pré-condição para tal ação é a resistência crítica às práticas prevalecentes. Contudo, a resistência não será eficaz se for aleatória e isolada; os intelectuais devem desempenhar o papel crucial na mobilização de tal resistência em uma práxis que tenha impacto político.

Transformadores Essencial para o projeto de emancipação que informa nossa noção de estudos culturais é a reformulação do papel do intelectual dentro e fora da universidade. Estamos de acordo com Gramsci de que é importante ver os intelectuais em termos políticos.1' O intelectual é mais do que uma pessoa das letras, ou um produtor e transmissor de idéias. Os intelectuais são também mediadores, legitimadores, e produtores de idéias e práticas sociais; eles cumprem uma função de natureza eminentemente política. Gramsci distingue entre intelectuais orgânicos radicais e conservadores. Os intelectuais orgânicos conservadores proporcionam às classes dominantes formas de liderança intelectual. Como agentes do status quo, tais intelectuais identificam-se com as relações de poder dominantes, e tornam-se, consciente ou inconscientemente, os propagadores de suas ideologias e valores. Eles oferecem às classes governantes a fundamentação das formações econômicas, políticas e éticas. De acordo com Gramsci, os intelectuais orgânicos conservadores podem ser encontrados em todas as estratificações da sociedade industrial desenvolvida — nas organizações industriais, nas universidades, na inclú;--

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tria cultural, nas diversas formas de administração, e assim por diante Ele a]eaa que os intelectuais orgânicos radicais também tentam oferecer liderança intelectual e moral à classe trabalhadora. Mais especificamente os intelectuais orgânicos radicais fornecem as habilidades pedagógicas e políticas que são necessárias para criar-se consciência política na classe trabalhadora, e para desenvolver liderança e envolver-se na luta coletiva. A análise de Gramsci é útil para formular-se uma das metas essenciais Jos estudos culturais: a criação do que desejamos chamar de intelectual transformador. Isto difere da noção de Gramsci de intelectuais orgânicos radicais; nós acreditamos que tais intelectuais podem surgir e trabalhar em diversos grupos que resistam ao conhecimento e práticas sufocantes que constituem sua formação social. Os intelectuais transformadores podem fornecer a liderança moral, política e pedagógica para aqueles grupos que tomam por ponto de partida a análise crítica das condições de opressão. O epíteto orgânico em nosso caso não pode ser reservado aos intelectuais que tomam a classe trabalhadora como único agente revolucionário. A noção de intelectual transformador é importante no sentido mais imediato porque torna visível a posição paradoxal na qual se encontram os intelectuais radicais da educação superior nos anos 80. Por um lado, tais intelectuais ganham a vida em instituições que desempenham um papel fundamental na produção da cultura dominante. Por outro lado, os intelectuais radicais definem seu terreno político oferecendo aos estudantes formas de discurso de oposição e práticas sociais críticas em desacordo com o papel hegemônico da universidade e da sociedade que ela apoia. Em muitos casos, este paradoxo funciona a favor da universidade: Geralmente, a meta tem sido elaborar disciplinas em vez de desenvolver projetos, apresentar (meld) os princípios sem vida cia semiologia, teoria de sistemas, pragmatismo e positivismo com os arcaísmos do materialismo histórico. O apetite infatigável destes intelectuais esquerdistas para ganharem credibilidade em suas respectivas disciplinas, para serem au courant e apreciados como sua "ala esquerda" e sua "tendência mais progressista", é evidência espantosa de que o que carecemos é de ... um movimento intelectual revolucionário.15

As observações de Bookchín nos lembram que o conhecimento crítico geralmente está desligado de qualquer relação com movimentos políticos concretos; a teoria social radical torna-se mera mercadoria de periódicos e conferências acadêmicas; e os intelectuais radicais têm abrigo seguro dentr o de um sistema de mandatos que lhes é oferecido como prova do comPromisso da universidade para com o pluralismo liberal. Em vez de renderem-se a este tipo de incorporação acadêmica e políkca, os estudos culturais precisam definir o papel do intelectual como prática contra-hegemôníca que possa tanto evitá-la quanto questioná-la. Em te rrnos gerais, podemos apontar as seguintes atividades pedagógicas e estra tégicas. Primeiramente, os estudos culturais precisam desenvolver ura


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currículo e uma pedagogia que enfatizem o papel político e mediador dos intelectuais. Isto significa fornecer aos estudantes os instrumentos críticos que precisarão para compreender e desmantelar a racionalização crônica de práticas sociais prejudiciais, e ao mesmo tempo apropriar-se do conhecimento e das habilidades que precisam para repensar o projeto de emancipação humana. Em segundo lugar, os intelectuais transformadores devem engajar-se ativamente em projetos que os estimulem a abordar seu próprio papel crítico na produção e legitimação das relações sociais. Tais projetos são necessários não apenas para lutar contra os intelectuais conservadores e os múltiplos contextos nos quais os processos de legitimação ocorrem mas também para ampliar os movimentos teóricos e políticos fora da universidade. Os intelectuais transformadores devem desenvolver e trabalhar com movimentos fora dos contornos limitantes das disciplinas, simpósios e sistemas de recompensa que tornaram-se os únicos referenciais da atividade intelectual. Ainda mais importante, tal projeto amplia a noção de educação e leva a sério a noção de Gramsci de toda a sociedade como uma grande escola.16 Além disso, ele estimula os intelectuais transformadores a desempenharem um papel ativo nas muitas esferas públicas em desenvolvimento em torno de diversos conflitos ideológicos. Assim, os estudos culturais postulam a necessidade de intelectuais transformadores que possam estabelecer novas formas de relações políticas dentro e fora da universidade. Neste contexto cultural, os estudos culturais refletem o apelo de Gramsci para que os intelectuais radicais forjem alianças em tomo de novas coligações históricas. Os intelectuais, podem desempenhar um papel importante no fortalecimento de indivíduos e grupos em domínios públicos de oposição.

e A importância de que os estudos culturais participem nas esferas públicas de oposição é uma premissa subjacente deste ensaio. Uma práxis contradisciplinar adotada por intelectuais transformadores não seria efetiva se tivesse como público somente as pessoas nas universidades. Em vez disso, ela deveria ocorrer de maneira mais abrangente cm público. Embora muitas universidades sejam instituições públicas, raramente as consideramos parte da esfera pública. Para que os estudos culturais sejam compreendidos como esfera pública de oposição, eles não devem ser concebidos como um "departamento" ou como parte de um limite que separa as atividades profissionais daquelas de amadores. Em vez de pensar os estudos culturais em termos que caracterizam com mais adequação as disciplinas, deveríamos reconceber as fundamentações tradicionais em um esforço para criar práticas contrárias. A sala de aula, por exemplo, é tradicionalmente vista como um lugar onde a

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informação é transmitida aos estudantes. Os especialistas de uma disciplina transmitem aos aprendizes o conhecimento reconhecido acerca de um assunto particular; os estudantes não são agentes neste processo, mas receptáculos passivos e explicitamente acrílicos. Contudo, como argumentamos, se assegurarmos aos estudantes um papel ativo no processo de formação cultural, eles poderão se tornar agentes na produção de práticas sociais. Para realizar isto deveríamos nos envolver com a fomentação de formas de resistência; necessita-se de uma pedagogia crítica que promova a identificação e análise dos interesses ideológicos subjacentes em jogo no texto e suas leituras. Estaremos então todos envolvidos como intelectuais transformadores em uma prática social que permita que ambas as partes compreendam a si mesmas como agentes no processo de sua própria formação cultural, uma concretização óbvia desta práxis seria a de uma mulher resistindo à visão das mulheres apresentada em um romance canôníco. Este exemplo é o reflexo de uma resistência a práticas sociais em ampla escala que oprimem as mulheres. Esta resistência precisa ser produzida. Em vez de abandonar o conhecimento, os intelectuais transformadores precisam repolitizá-lo. As publicações acadêmicas, critério disciplinar usado para estabelecer o mérito das opiniões profissionais em contraste com aquelas de um público constituído de amadores, não atingem o público. Embora não seja apropriado discutir este ponto aqui, alegamos que as disciplinas atualmente preocupadas com o estudo da cultura estão indevidamente ligadas à premissa de que sua tarefa é fazer pesquisa disciplinar, isto é, acumular e armazenar de maneira recuperável descrições dos fenômenos culturais. Mas, se reconcebermos nossa atividade como a produção (em vez de descrição) de práticas sociais, então o que fizermos em nossas salas de aula será facilmente estendido às esferas públicas. Não podemos nos render à noção disciplinar de que a pesquisa tem como seu único público os outros especialistas na área. Os intelectuais transformadores devem legitimar a noção de escreverem-se revisões e livros para o público em geral, e devem criar uma linguagem de análise crítica equilibrada por uma linguagem de possibilidade que permita a mudança social.1' Isto significa que precisamos nos envolver com a leitura política da cultura popular. Como Stanley Aronowitz afirma em Falsas Promessas, "cabe a nós investigar de que forma a cultura de massa torna-se constitutiva da realidade social".18 O treinamento em práticas disciplinares nos afasta do estudo da relação entre cultura e sociedade e nos aproxima do acúmulo de descrições do material cultural isolado de suas conexões com a vida cotidiana. Como assinala Aronowitz: Para compreender integralmente o impacto ideológico e as funções manipuiadoras das apresentações dos meios de comunicação atuais, é necessário apreciar-se o caráter multifacetado da cultura de massa contemporânea. Além cio conteúdo ideológico explícito dos filmes e da televisão - transmitindo novos modelos de papel, valores e estilos de vida a serem mais ou menos conscientemente imitados pelo público de


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massa — existe também uma série cie mensagens ocultas neles contidas que apelam a público muito em nível inconsciente. ... Tipicamente, estas definem o caráter da expe riência do espetáculo por parte cio espectador em termos cia... gratificação de seus desejos inconscientes.... Ao criar um sistema cie pseuclogratificações, a cultura c[à massa funciona como um tipo cie regulador social, tentando absorver tensões surgidas na vida cotidiana e dirigir as frustrações para canais que sirvam ao sistema, as quais cie outra forma poderiam realizar-se em oposição ao mesmo.'9

É em função dos efeitos da cultura serem inconscientemente absorvidos com tanta freqüência que surge a necessidade de estudos culturais que enfatizem a crítica. Como assinalamos anteriormente neste ensaio, as disciplinas que advogam aspectos selecionados da cultura como seu conteúdo restringem de forma arbitrária este conteúdo - por exemplo, constituindo a área de estudos literários como um cânone. Simultaneamente, elas estabeleceram um espaço entre os profissionais e o público a serviço das classes governantes, como no caso dos estudos literários, em que a chamada cultura inferior é excluída do domínio de pesquisa. Não deveríamos tampouco continuar a ser enganados pela admissão de filmes, romances populares, novelas e coisas deste tipo no currículo dos departamentos de literatura. À medida em que tais artefatos culturais forem examinados como simplesmente os materiais que constituem uma cultura fixa, sua descrição disciplinar não irá além da criação de reservatórios de conhecimento que quase nada têm a ver com a cultura vivida, muito menos com sua transformação. Somente uma práxis contradisciplinar desenvolvida por intelectuais que resistam à formação disciplinar terá chance de gerar práticas sociais de emancipação. O problema de sugerir que os estudos culturais sejam contradisciplinares é que eles não podem ser alojados nas universidades da maneira como estas atualmente se estruturam. Daí a necessidade cie contra-instituições. Haveria diversos tipos de agremiações, com membros variados - grupos de estudo, grupos de pesquisa contradisciplinar, até mesmo sociedades e institutos. É improvável que as estruturas e mecanismos díscíplínares das universidades desapareçam no futuro próximo. Contudo, seria um erro situar os estudos culturais dentro das mesmas. Nossa alternativa seria tratar as disciplinas como periféricas a nossas principais preocupações, e mesmo assim obter algumas importantes concessões de seus administradores. Esta é uma questão tática que tem que ser negociada a cada situação. Entretanto, podemos avançar ainda mais e desenvolver modelos de investigação colaborativa que ultrapassem os limites da universidade a fim de combater esferas públicas hegemônicas e formar alianças com outras esferas públicas de oposição. No contexto dos estudos culturais, não será adequado simplesmente produzir interpretações idiossincráticas dos artefatos culturais. O objetivo mais importante cie uma práxis contradisciplinar é a mudança social radicai-

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Não deveríamos nos resignar aos papéis que as universidades nos -atribuem. O intelectual transformador pode desenvolver uma práxis coletiva contradisciplinar, dentro da universidade que tenha um impacto político'fora da mesma. A questão tática importante neste momento da história das universidades norte-americanas é como estabelecer os estudos culturais como forma de análise crítica cultural. Nossa sugestão foi a formação de institutos de estudos culturais que possam constituir uma esfera pública de oposição.

Conclusão Para que os estudos culturais sejam informados por um projeto político que reserve um lugar central 2. análise crítica e a transformação social, eles terão que partir de um duplo reconhecimento. Primeiramente, é imperativo reconhecer que a universidade tem um conjunto particular de relações com a sociedade dominante. Estas relações não definem a universidade como um local de dominação nem como um local de liberdade. Em vez disso, a universidade, com relativa autonomia, funciona em grande parte para produzir e legitimar o conhecimento, as habilidades e as relações sociais que caracterizam as relações de poder dominantes na sociedade. As universidades, como outras instituições públicas, contêm pontos de resistência e luta, e é dentro destes espaços que existem condições ideológicas e materiais para produzir discursos e práticas de oposição. Tal reconhecimento não apenas politiza a universidade e sua relação com a sociedade dominante, mas também questiona a natureza política dos estudos culturais como esfera de análise crítica e como meio cie transformação social. Isto nos leva ao segundo ponto. Para que um projeto social seja radical, os estudos culturais devem desenvolver um discurso auto-regulador, com isso queremos dizer um discurso que contenha uma linguagem da crítica e concomitante linguagem de possibilidade. No primeiro caso, ele deve desvelar os interesses historicamente específicos que estruturam as disciplinas acadêmicas, as relações entre as mesmas, e a maneira pela qual a forma e conteúdo das disciplinas reproduzem e legitimam a cultura dominante. Esta é uma tarefa fundamental dos estudos culturais, pois, para que promovam um discurso e método de investigação de oposição, eles terão que incorporar interesses que afirmem mais do neguem a importância normativa e política da história, ética e interação social. O discurso cios estudos culturais eleve resistir aos interesses contidos n as disciplinas e departamentos acadêmicos estabelecidos. Ele deve question ar as pretensões à verdade e os modos de inteligibilidade essenciais a d efesa cio status quo acadêmico em diversos departamentos e disciplinas, igualmente importante, os estudos culturais devem indiciar os interesses


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embutidos nas perguntas que não foram feitas dentro das disciplinas acadêmicas. Ele deve desenvolver métodos de pesquisa acerca da forma como as atuais ausências e silêncios estruturados que governam o ensino, o conhecimento e a administração dentro dos departamentos acadêmicos negam a ligação entre conhecimento e poder, reduzem a cultura a um objeto inquestionável de mestria e recusam-se a reconhecer o estilo de vida particular que o discurso acadêmico dominante ajucia a produzir e legitimar. A fim de preservar sua integridade teórica e política, os estudos culturais devem desenvolver formas de conhecimento crítico, bem como uma análise crítica do próprio conhecimento. Esta tarefa exige resistência à reificação e fragmentação que caracterizam as disciplinas. Por causa de sua constituição, as estruturas disciplinares impedem a derrubada de divisões de trabalho técnicas e sociais das quais são parte e as quais ajudam a produzir. Os estudos culturais precisam desenvolver uma teoria cia maneira pela qual diferentes formações sociais são produzidas e reproduzidas dentro das relações assimétricas cie poder que caracterizam a sociedade dominante. De forma semelhante, eles precisam desenvolver uma linguagem cie possibilidade na qual o conhecimento seja visto como parte de um processo de aprendizagem coletivo ligado à dinâmica de luta dentro e fora da universidade. Os estudos culturais, neste sentido, devem desenvolver um discurso de oposição e uma práxis contradisciplinar para lidar com as disputas sobre diferentes ordens de representação, formas conflitantes de experiência cultural e visões diversas do futuro. É evidente que os interesses que informam tal problemática não podem ser desenvolvidos dentro dos departamentos tradicionais. Atualmente, a estrutura das universidades está inextrincavelmente atrelada a interesses que suprimem as preocupações críticas dos intelectuais dispostos a lutar por esferas públicas de oposição. Tais interesses podem ser desmantelados a favor de práticas mais radicais somente através dos esforços coletivos dos intelectuais transformadores.

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relacionamento entre o desenvolvimento histórico das disciplinas e sua departamentarzacão. Ver também Thomas S. Popkewitz, "Social Science and Social Amelioration: The nevelopment of the American Acaclemic Expert", em Paradigm anclldeology in Echicational Kesearch (Philadelphia: The Falmer Press, 1984), pp. 107-28. 2 Ver Burton Bledstein, The Culture ofProfessionalism: The Middle Class and the Developnioni Of Higher Education in America (New York: Norton, 1976). / Paul Piccone, "Symposium: Intelectuais in the 1980's". Telos 50 ( Inverno 1981-82): 116. - Michel Foucault, Discipline and Punish, Parte Três ( New York: Pantheon), pp. 135ff. ó Hubert L. Dreyfus e Paul Rabinow, Michel Foucault: Beyond Stmctumlism and Hermenêutica (Chicago: University of Chicago Press, 1982), p. 1637 Dreyfus e Rabinow, Michel Foucault, pp. 163-4. g Ver lames Sosnoski " The Magister Implicatus as an Institutionalized Authority Figure: Rereading the Histoty of New Critidsm". The GRIPReport Vol. l, ( Oxford, Ohio: Research in Progress, comercializado pela Societyfor Criticai Exchange). 9 Ver David Shumway, "Interdisciplinarity and Authority in American Stuclies", The GRJP Report, Vol. 1. 10. Ver New York Times, 13 Agosto, 1984, p. 7. Pergunta-se sobre a inclusão do Manifesto Comunista nesta lista canônica: sintoma de paranóia ou liberalismo cauteloso, ou ambos? 11. Ver a PN Review 10(6), 4-5, a qual é uma expressão bem típica da visão emergente da nova direita sobre as relações ideológicas da literatura. 12. Cf. Anthony Giclclens, CentralProblems in SocialHistoiy (Beúíeley. University of Califórnia Press, 1983), pp. 150-51. 13. Giddens, p. 4. 14. Gramsci, Prison Notebooks (New York: International Publications, 1971), pp. 5-27. 15. Murray Bookchin, "Symposium: Intelectuais in the 1980's" Telos 50 (Inverno 1981-82): 13. 16. Gramsci, Prison Notebooks, passim. 17. Ver Peter Hohendahl, The Instüution of Critidsm (Ithaca: Cornell University Press, 1982), pp. 44ff. e 242ff para uma discussão deste ponto.

Notas 1. Nossa definição de cultura é extraída de John Clarke et ai., "Subculture, Culture and Class", em Resistance Through Rituais, Stuart Hall e TonyJefferson, eds. (London: Hutchínson, 1976): "Por cultura compreendemos os princípios de vida compartilhados característicos de classes, grupos ou ambientes sociais particulares. As culturas são produzidas à medida que os grupos compreendem sua existência social no curso de sua experiência cotidiana. A cultura, portanto, está em íntima relação com o mundo da ação prática. Ela é suficiente, na maior parte cio tempo, para administrar a vida cotidiana. Entretanto, comei este mundo cotidiano é por si mesmo problemático, a cultura eleve obrigatoriamente assumir formai complexas e heterogêneas, 'de forma algumas livres de contradições'." Páginas 10-17. 2. Esta afirmativa se baseia no trabalho de vários membros do Group for Research into the Institutionalization and Professionalization of Literary Study CGRIP) (Grupo de Pesquis-1 para a Institucionalização e Profissionalização dos Estudos Literários) , os quais têm examinado

18. Aronowitz, False Promises, p. 97. 19. Ibicl., p. 11.


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s teóricos críticos da primeira geração, tais como Max Horkheimer, Theodor Adorno e Walter Benjamin, asseveram que nas democracias ocidentais a capacidade de razão crítica está desaparecendo rapidamente. Apontando para a usurpação do Estado, a indústria cultural e a concentração de riqueza em número cada vez menor de mãos, estes pensadores receiam que as condições ideológicas e materiais que tornaram a interação pública e o pensamento crítico possíveis estejam sendo solapadas pela crescente padronização, fragmentação e comercialização da vida cotidiana. Eles afirmam também que à medida que a vida cotidiana se torna mais "racionalizada" e abarrotada com imagens de ganância e individualismo para proveito próprio, o discurso da democracia irá desaparecer da vida pública até finalmente ser substituído pela linguagem e lógica da tecnocultura.1 Jürgen Habermas e Herbert Marcuse levam esta crítica adiante - elucidando como, no século vinte, a razão foi quase que eliminada e a investigação reflexiva perigosamente domesticada pela destruição das esferas públicas clássicas que predominavam na Europa do século dezoito e dezenove. Antes, as esferas públicas - agremiações políticas, periódicos, cafés, associações de bairro e casas de publicação - ofereciam redes através das quais indivíduos particulares reuniam-se para debater, dialogar e trocar opiniões. Esferas públicas deste tipo muitas vezes transformavam-se em uma força Política coesa. Para os pragmáticos americanos como John Dewey, a esfera Pública fornecia o nexo para diversos locais pedagógicos importantes, onde

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a democracia como movimento social estava embutida em um esforço contínuo de numerosos grupos subordinados para encontrarem e produzirem um discurso social e para ponderarem sobre as implicações de tal discurso na ação política.2 Ampliando a crença de Dewey de que a ação social inteligente guarda a melhor promessa para uma sociedade mais humana, os reconstrucionistas sociais nos anos 30 e 40 argumentavam em prol de uma política de individualidade social na qual os imperativos da democracia poderiam ser buscados não apenas nas escolas mas em todos os locais pedagógicos que reconheciam a prioridade da política na vida cotidiana. Sob a lógica desta posição encontrava-se uma ênfase no relacionamento entre conhecimento e poder, fazer e agir, compromisso e luta coletiva. Com efeito, a esfera pública não servia apenas para produzir a linguagem da liberdade, como também mantinha viva a esperança de que os grupos subordinados uni dia pudessem produzir seus próprios intelectuais; em termos de Gramsci, isto significava a criação de "intelectuais orgânicos" que pudessem preencher o espaço entre as instituições acadêmicas e as questões e operações específicas da vida cotidiana. Isto é, tais intelectuais poderiam fornecer as habilidades morais e políticas necessárias para financiar instituições de educação popular e culturas e crenças alternativas.3 Parte de nossa intenção neste capítulo é argumentar que as instituições de formação de professores precisam ser reconcebidas como esferas públicas. Tais instituições, na forma como atualmente existem, são prejudicialmente desprovidas de consciência social. Como resultado, é preciso desenvolver programas nos quais os futuros professores possam ser educados como intelectuais transformadores que sejam capazes de afirmar e praticar o discurso da liberdade e democracia.'1 Nesta perspectiva, a pedagogia e cultura podem ser vistas como campos de luta que se sobrepõem. O caráter contraditório do discurso pedagógico que atualmente define a natureza da atividade docente, a vida escolar cotidiana e a finalidade da escobrização pode ser submetido a um questionamento mais radical. Mais especificamente, o problema que queremos abordar gira em torno da questão de como os educadores radicais podem criar uma linguagem que permita aos professores tomarem com seriedade o papel que a escolarização desempenha na união de conhecimento e poder. Em suma, gostaríamos de explorar como uma força docente radicalizada pode contribuir tanto ' fortalecer os professores quanto ensinar para o fortalecimento. Uma das maiores falhas da educação norte-americana tem sido incapacidade de oferecer aos futuros professores os meios e imperativo morais para formar-se um discurso e conjunto de acordos mais críticos e torno das metas e finalidades fundamentais da escolarização. A formaça dos professores raramente ocupou um espaço crítico, quer público político, dentro cia cultura contemporânea, no qual o significado do poderia ser recuperado e recolocado de forma que as histórias cultui-1

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narrativas pessoais e vontade coletiva de professores e alunos tivessem a oportunidade de se unir em torno do desenvolvimento de uma esfera contrapública democrática. Apesar dos esforços anteriores de John Dewey e outros para reformarem a escolarização segundo a lógica da democracia radical e das recentes tentativas críticas dos teóricos educacionais de esquerda de ligar a ideologia da escolarização aos imperativos do estado capitalista, o espaço político que a formação de professores ocupa hoje continua, de maneira geral, não dando ênfase à luta pelo fortalecimento dos professores.5 Além disso, ele geralmente serve para reproduzir as ideologias tecnocráticas e corporativas que caracterizam as sociedades dominantes. De fato, é razoável alegar que os programas de formação de professores são destinados a criar intelectuais que atuem no interesse do estado, cuja função social é basicamente sustentar e legitimar o status quo. Por que os educadores deixam de aproveitar as possibilidades teóricas que lhes estão disponíveis a fim de repensar as alternativas democráticas e fomentar novos ideais de emancipação? Acreditamos que uma das principais razões está no fracasso dos pensadores esquerdistas e outros educadores em ir além do que nos referimos como linguagem da crítica. Isto é, os educadores radicais continuam presos a um discurso crítico que liga as escolas basicamente às relações de dominação. Daí decorre que as escolas servem principalmente como agências de reprodução social que fabricam ' trabalhadores dóceis e obedientes para o Estado; o conhecimento adquirido em sala de aula é geralmente considerado parte de uma estrutura de 'falsa consciência"; e os professores parecem esmagadoramente presos a uma situação em que não há como vencer. A agonia desta posição é que ela impediu que os educadores de esquerda desenvolvessem uma linguagem programática na qual pudessem teorizar para as escolas. Em vez disso, eles teorizaram principalmente sobre as escolas e, procedendo desta maneira, raramente se ocuparam com a construção cie novas esferas públicas dentro dos locais de ensino. Não há em seu discurso uma linguagem de Possibilidade que, como assinalam Laclau e Mouffe, proponha a "constituição de um imaginário radical".6 Em nosso caso, um imaginário radical representa um discurso que ofereça novas possibilidades de relações sociais democráticas; ele estabelece os laços entre o político e o pedagógico a fim ue fomentar o desenvolvimento de esferas contrapúblicas que se envolvam com seriedade com e nas articulações e práticas cia democracia radical. Nosso propósito aqui não é repetir as falhas da política de esquerda e da r eforrna educacional, e sim abordar o desenvolvimento de uma nova conCe itualização da educação e, através da mesma, de uma abordagem mais Cr itica da formação de professores.


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A Formação de Professores e o

do

A formação de professores constitui um conjunto de práticas institucionais que raramente resulta na radicalização dos professores. Os programas de educação de professores poucas vezes estimulam os futuros professores -j. assumirem seriamente o papel do intelectual que trabalha no interesse de uma visão de emancipação. Quando e se os professores de fato decidem se engajar em formas de política radical, isto ocorre invariavelmente depois de há muito terem abandonado suas instituições de formação. Nossas próprias experiências na formação de professores - primeiro como estudantes e depois como instrutores - confirmaram o que é geralmente aceito como lugar comum na maioria das escolas e faculdades de educação em toda a América do Norte: estas instituições definem a si mesmas como instituições de serviço. Elas são impulsionadas pela lógica da tecnologia de instrução e são autorizadas pelo estado a fornecerem conhecimento técnico e administrativo necessário. Elas desempenham quaisquer funções consideradas necessárias pelas várias comunidades escolares nas quais os estudantes realizam suas experiências de prática ou colocação no campo.7 Isto não quer dizer que os críticos de educação não fizeram propostas destinadas a radicalizar os programas de formação de professores. Pelo contrário. O problema é que quando tais propostas de fato aparecem, elas geralmente restringem-se à exaltação de modos mais refinados e reflexivos de investigação e métodos de instrução, ou então ficam restritas à prisão da análise crítica. Uma preocupação urgente que surge deste dilema é a incapacidade dos liberais e radicais de constituírem uma nova teoria e espaço social para a redefinição da natureza da atividade docente e a função social do ensino. Em outras palavras, o que geralmente está ausente no projeto político que informa estes discursos é a tentativa de relacionar a escolarização à luta mais ampla por uma democracia radical. Os educadores da esquerda mais radical geralmente não caem na armadilha de tentar reformar a educação de professores a fim de torná-los mais eficientes na resolução de problemas ou mais tecnicamente competentes em seu domínio de um conteúdo. Estes educadores geralmente evocam a linguagem da crítica, auto-reflexão e união de teoria e prática. Mas apesar de sua tentativa de problematizar o conhecimento e ligar a teoria a prática, este tipo de esforço pedagógico carece da capacidade de conceitualizar a educação de professores como parte de um projeto político mais amplo ou luta social em geral. Ele deixa de definir os programas de preparação de professores como parte de uma esfera contrapública ampliada que poderia funcionar de maneira coordenada para educar os intelectuais que estejam dispostos a desempenhar um papel central na ampla luta por democracia e justiça social. Com efeito, a linguagem da crítica que informa este tipo de discurso é excessivamente pessimista e tende a permanece» presa à lógica da reprodução social. Sua linguagem deixa de apreender

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reconhecer o conceito de contra-hegemonia como momento de luta colet vá, porque as sugestões programáticas que emergem de seu discurso esta basicamente presas às limitações das teorias de resistência prevalecente Vale a pena elaborar a distinção entre estas duas categorias.

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de Professores

Sentimos que o termo "contra-hegemonia", em distinção ao termo "resistêr cia", especifica melhor o projeto político que definimos como a criação d esferas públicas alternativas.8 Como usado com freqüência na literatur educacional, o termo resistência refere-se a um tipo de "lacuna" autônom entre as inelutáveis forças de dominação em todas as partes e a condiçã de ser dominado. Além disso, a resistência foi definida como um "espace pessoal, no qual a lógica e força de dominação são contestadas pelo pocic da agência subjetiva de subverter o processo de socialização. Vista dest modo, a resistência funciona como um tipo de negação ou afirmação cole cada diante de práticas e discursos governantes. É claro que a resistêncí muitas vezes carece de um projeto político explícito e com freqüência refle te práticas sociais que são informais, desorganizadas, não políticas e na' teóricas por natureza. Em alguns casos pode reduzir-se a uma recusa irrc fletida e derrotista em aquiescer a diferentes formas de dominação; er algumas ocasiões pode ser vista como uma rejeição cínica, arrogante, oi mesmo ingênua de formas opressivas de regulação moral e política. A contra-hegemonia, por sua vez, implica uma compreensão mais poli tica, teórica e crítica tanto da natureza da dominação quanto do tipo ó oposição ativa que engendra. Ainda mais importante, o conceito não ape nas afirma a lógica da crítica como também refere-se à criação de nova relações sociais e espaços públicos que incorporam formas alternativas d< luta e experiência. Como domínio reflexivo da ação política, a contra hegemonia transfere a natureza característica da luta do terreno da crític Para o terreno coletivamente construído da esfera contrapública. Detivemo-nos nesta distinção porque acreditamos que ela aponta par; formas nas quais os programas de educação de professores foram e conti nuam sendo isolados de uma visão e conjunto de práticas que tomem con seriedade a luta por democracia e justiça social. Parte deste problema < Proveniente da falta de uma teoria social adequada que possa fornecer ; "ase para repensar-se a natureza política da atividade docente e o pape "Os programas de formação de professores. Muitos dos problemas associados com a preparação de professores d< h oje em dia apontam para a falta de ênfase dos currículos na questão de poder e sua distribuição hierárquica e no estudo da teoria social crítica Fortemente influenciada pela psicologia comportamental e cognitiva pré Dominante, a teoria educacional tem sido construída em torno de um dis


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curso e conjunto de práticas que enfatizam aspectos metodológicos imediatos e mensuráveis da aprendizagem. Ausentes estão as questões referentes à natureza do poder, ideologia e cultura e como estas constituem noções específicas do social e produzem formas particulares de experiência estudantil.'-' Embora o interesse renovado na teoria social tenha desempenhado papel significativo na reconstituição da teoria educacional radical, o mesmo não realizou incursões sérias nos programas de formação de professores. Esta falta cie atenção à teoria crítica social destituiu os professores estudantes de uma estrutura teórica necessária para compreender, avaliar e afirmar os significados socialmente construídos por seus estudantes acerca de si mesmos e da escola, e portanto diminuiu a possibilidade de lhes garantir os meios para o autoconhecimento e fortalecimento social. Para muitos professores em formação que se encontram lecionando para estudantes da classe operária ou de minorias, a falta de uma estrutura bem articulada para compreender as dimensões de classe, cultura, ideologia e gênero da prática pedagógica torna-se ocasião para a produção de uma atitude defensiva alienada e uma armadura pessoal e pedagógica que muitas vezes se traduz em um distanciamento cultural entre "nós" e "eles".

A Teoria Social e a Formação de Professores Com o passar dos anos, os teóricos educacionais de esquerda aumentaram nossa compreensão da escolarização como um processo essencialmente político, como forma de reproduzir ou privilegiar um discurso particular, juntamente com o conhecimento e poder que possuem, para a exclusão de outros sistemas teóricos ou de significação. Como resultado, foi possível para muitos educadores reconhecer a escolarização como uma prática que é tanto determinada quanto determinante. O núcleo conceituai das análises realizadas pelos estudos radicais durante a última década foi fortemente influenciado pela redescoberta de Marx, e envolveu o exame do relacionamento entre a escolarização e a esfera econômica da produção capitalista. Estamos, em parte, de acordo com esta posição, e especialmente com a alegação de Ernest Mandei de que as nações industriais estão atualmente entrando numa forma de capitalismo corporativo no qual o capital expandiu-se extraordinariamente em áreas até então não afetadas. Também concordamos com a noção de que as formas cie controle de poder tornaram-se mais difíceis de serem reveladas e confrontadas de maneira crítica porque hoje saturam quase todos os aspectos cias dimensões pública e privada tb vida cotidiana.10 Mas ainda cremos que esta posição não conseguiu fugir tio reducionismo econômico que tanto procura superar. Além disso, tá reducionismo, em suas formas mais sofisticadas, é evidente no trabalho em andamento de alguns teóricos educacionais de esquerda, os quais dão ênfase excessiva ao relacionamento entre as escolas e a esfera econômica -

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custas do questionamento do papel específico de sinais, símbolos, rituais e formações culturais na identificação e construção da subjetividade'e voz do estudante.11 Nossa posição provém da observação de que o capitalismo estatal é regulado por mais do que pressões puramente econômicas, e que a intervenção do estado no processo econômico resultou no desenvolvimento de novos discursos simbólicos e culturais que dão origem e sustentam áreas importantes da vida social moderna. Isto é particularmente notável na maneira pela qual o estado controla a forma e conteúdo dos programas de formação de professores através da legislação de exigências de certificação para futuros professores. Assim, as questões referentes a como os estudantes produzem significados e criam suas histórias culturais não podem ser respondidas recorrendo-se unicamente às discussões de determinismo econômico e de classe social, mas devem começar a abordaias formas nas quais a cultura e a experiência se unem para constituir aspectos poderosamente dominantes da agência e luta humana. O interesse florescente pelo campo da cultura enquanto mediadora e geradora de subjetividade e discurso está atualmente deixando sua marca no projeto teórico da pedagogia crítica na América do Norte. Nos últimos anos, os educadores radicais tentaram com maior ou menor êxito incluir em seus trabalhos os principais conceitos formulados por filósofos e teóricos sociais europeus. Derrida, Saussure, Foucault, Barthes, Lacan, Gadamer e Habermas estão aos poucos penetrando nas publicações educacionais e tiveram o efeito cumulativo de dirigir um ataque maciço às formas dominantes de teorização e prática educacional. Extrapolando o projeto de desconstrução de Derrida, o combate hermenêutico de Gadamer, a reconstituição psicanalítica do sujeito de Lacan, a anarquia textual de Barthes e a noção de poder e investigação histórica de Foucault, os educadores críticos estão começando a construir um novo vocabulário teórico. Não é raro hoje em dia encontrar tentativas de "desconstruir"o currículo, ler o "texto" de instrução escolar, e articular as "formações discursivas" embutidas na pesquisa educacional.12 Alguns educadores usaram estes avanços na teoria social como auxílio para destituir o pensamento convencional sobre ensino de seu staíiis de discurso objetivo e cientificamente embasado. Uma boa parte deste trabalho questiona a visão ideológica do estudante como autor e criador de seu Próprio destino ao descrever como a subjetividade do estudante está inscrita e posicionada em "textos"pedagógicos variados. Este trabalho constitui Ur »ia linguagem crítica através da qual o comportamento de oposição pode Se r testado, a contestação política problematizada, e o "significado vivido" laminado de maneira crítica. Grande parte desta nova teorização social Pode mostrar-se útil para compreender-se como os estudantes formam suas instruções de si mesmos e da escola através da política de voz e representa Çào do estudante. Compreender a voz do estudante significa enfrentar a ne cessidade de dar vicia ao domínio dos símbolos, linguagem e gestos. A


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voz do estudante é um desejo, nascido da biografia pessoal e história sedimentada; é a necessidade de construirmos e afirmarmo-nos dentro de unia linguagem que seja capaz de reconstruir a vida privatizada e investi-la cie significado, e também validar e confirmar nossa presença vivida no mundo Daí decorre que silenciar a voz do estudante é torná-lo impotente. De maneira geral, os novos avanços da teoria social mudaram o foco de ideologia da lógica de economia da tradição marxista para as categorias mutuamente determinantes de cultura, ideologia e subjetividade. A subjetividade do estudante e sua experiência vivida estão agora sendo questionadas como práticas sociais e formações culturais que incorporam mais do que o domínio de classes e a lógica do capital. Por outro lado, estas novas abordagens teóricas estão agora disponíveis para desvendar as complexas relações entre as produções econômicas, culturais e ideológicas. Contudo, existem sérias precauções que uma pedagogia radical deve tomar antes de começar a compor com estas novas diretrizes da teoria social um discurso programático que possa informar uma visão mais crítica da educação de professores. Em vez de endossar estes movimentos de maneira indiscriminada, como o fazem alguns educadores, a tarefa atua! da pedagogia radical deveria ser apropriar de maneira crítica e seletiva os conceitos centrais da teoria do discurso, teoria de recepção, pós-estruturalismo, hermenêutica da desconstrução e diversas outras escolas de pesquisa, sem ficar presa em sua linguagem muitas vezes incompreensível, seu jargão enigmático e seus impasses teóricos. A pedagogia radical deve adotar o potencial crítico destes movimentos, mas ao mesmo tempo pressioná-los para explicarem suas tendências muitas vezes apolítícas, não históricas e excessivamente estruturalístas. Os educadores radicais devem continuar a buscar na revolução semiótica uma linguagem crítica que permita que os avanços teóricos relevantes sejam empregados com a finalidade de criar-se um currículo emancipador na educação de professores, colocando de lado os debates sobre questões marginais. Daí decorre também que a pedagogia crítica não pode realmente funcionar a menos que torne o desespero menos aceitável, através da promoção da promessa de uma aquisição progressista de conhecimento que resultaria na emancipação de grupos subordinados através da transformação de relações assimétricas de poder. Somos a favor da emergência de teorias pós-estruturalistas e semióticas para ocasionar-se uma interfertilização e reestruturação de idéias e teorias que até agora só foram marginal ou tenuamente relacionadas e reconhecidas. Além disso, estes desenvolvimentos teóricos foram importantes na criação de um movimento intelectual que tem interesse fundamental na produção e representação de significado dentro das formações culturais contemporâneas. Não obstante, devemos insistir que quaisquer que sejam o? desenvolvimentos gerados por estes discursos, estes últimos devem continuar a abordar os problemas centrais cie poder e política, particularmente enquanto expressos no domínio e subordinação dos povos dentro da socie-

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dade. Dado o desenvolvimento destas novas trajetórias teóricas na pedalo gia radical, é essencial compreender que o poder necessário para transfor tfiar a ordem social não pode ser ocasionado simplesmente através do exer cício de um discurso particular ou de uma síntese cie discursos. A refornv não pode existir como possibilidade prática fora da dinâmica vivida do movimentos sociais. O discurso por si só não pode ocasionar mudançí social. É com este entendimento em mente que os programas de forma çãc cie professores se comprometem sem concessões com as questões de íbrta lecimento e transformação, as quais combinam conhecimento e análise crítica num apelo por transformar a realidade no interesse das comunicla dês democráticas.

e Currículo Docente

Um currículo de formação de professores como forma de política cultura, enfatiza a importância de fazer do social, cultural, político e econômico at categorias básicas de análise e avaliação cia escolarização contemporânea.1; Dentro deste contexto, a vida escolar deve ser conceitualizada como arena repleta de contestação, luta e resistência. Além disso, a vida escolar pode ser uma pluralidade de discursos e lutas conflitantes, um terreno móvel nc qual as culturas da escola e da rua se chocam e os professores, estudantes e administradores escolares afirmam, negociam e, às vezes, resistem à forma como a experiência e prática escolares são denominadas e realizadas. A meta fundamental da educação é criar condições para que os estudantes se fortaleçam e se constituam como indivíduos políticos. O projeto de "fazer-se" um currículo de política cultural como parte de um programa de formação de professores consiste na ligação da teoria social radical a um conjunto de práticas estipuladas, através do qual os professores em formação sejam capazes de (desmantelar e questionar os discursos educacionais favorecidos, muitos dos quais foram vítimas de uma racionalidade hegemônica instrumental que limita ou ignora os imperativos de uma democracia crítica. Porém, estamos mais interessados em atrelar esta linguagem de análise crítica a uma linguagem de possibilidade a fim de desenvolver práticas alternativas cie ensino que sejam capazes de destruir a tógica de dominação dentro e fora das escolas. Em sentido mais amplo, temos o compromisso de articular uma linguagem que possa contribuir Para o exame do campo de educação docente como uma nova esfeia publica, a qual busque recuperar a idéia de democracia crítica como movin ~iento social de liberdade individual e justiça social. Queremos remodelar a educação docente como projeto político, como uma política cultural que Defina os professores em formação como intelectuais cuja vontade estabele Ça espaços públicos nos quais os estudantes possam debater, apropriar-se


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e aprender o conhecimento e habilidades necessárias para atingir a liberdade individual e a justiça social. Pensamos que reconceber a educação docente desta maneira é um método de revogar a prática retrógrada das burocracias educacionais de definir os professores basicamente como técnicos, funcionários pedagógicos que são incapazes de tomar decisões políticas ou curriculares. O escárnio e desprezo por parte dos burocratas dirigidos aos professores que exigem e exercem o direito de ligar o prático ao conceituai num esforço para ganhar algum controle sobre seu trabalho continua a assombrar o discurso do empreendimento educacional contemporâneo. A caracterização simultânea dos intelectuais como teóricos em suas torres de marfim, distantes das preocupações e exigências mundanas da vida cotidiana, tanto pelos administradores escolares quanto pelo público, é um outro sério obstáculo que deve ser compreedido pelos educadores como primeiro passo para superá-lo. Um currículo como forma de política cultural envolve a crença de que os professores podem funcionar na capacidade de pedagogos como intelectuais, e é esta questão que iremos agora abordar. A busca de uma pedagogia radical para a educação de professores tem como sua principal tarefa a criação de modelos teóricos que forneçam um discurso crítico para analisarem-se as escolas como locais socialmente construídos de contestação, envolvidos de maneira ativa na produção de experiências vividas. Inerente a esta abordagem encontra-se uma problemática caracterizada pela necessidade de definir-se como a prática pedagógica representa uma política particular de experiência, ou, em termos mais exatos, uma área cultural na qual o conhecimento, o discurso e o poder se ehcontram, de forma a produzir práticas historicamente específicas de regulação social e moral. Esta nova ênfase dentro da teoria educacional registra unia ampla gama de questões culturais e políticas que são essenciais para o futuro papel da escolarização e da democracia. Além disso, esta problemática aponta a necessidade de questionar-se como as experiências humanas são produzidas, contestadas e legitimadas dentro da dinâmica da vida escolar cotidiana. A importância teórica deste tipo de questionamento está diretamente ligada à necessidade de que os professores iniciantes formem um discurso no qual uma política abrangente cie cultura, voz e experiência possa ser desenvolvida. Em questão aqui esta o reconhecimento de que as escolas são instituições históricas e culturais que sempre incorporam interesses ideológicos e políticos. Elas atribuem a realidade significados muitas vezes ativamente contestados por diverso» indivíduos e grupos. As escolas, neste sentido, são terrenos políticos e ideológicos a partir dos quais a cultura dominante "fabrica" suas ''certezas hegemônicas; mas elas também são lugares nos quais grupos dominantese subordinados definem e pressionam uns aos outros através de uma cons tante batalha e intercâmbio em resposta às condições sócio-histórícas <-coO' tidas" nas práticas institucionais, textuais e vividas que definem a cultu1-

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escolar e a experiência professor/estudante. As escolas são tudo menos inocentes, e também não reproduzem simplesmente as relações e interesses sociais dominantes. Ao mesmo tempo, as escolas de fato praticam form as de regulação moral e política intimamente relacionadas com as tecnologias de poder que "produzem assimetrias nas habilidades dos indivíduos e grupos de definirem e satisfazerem suas necessidades".1'1 Mais especificamente, as escolas estabelecem as condições sob as quais alguns indivíduos e grupos definem os termos pelos quais os outros vivem, resistem, afirmam e participam na construção de suas próprias identidades e subjetividades. Como locais de contestação e produção cultural, as escolas incorporam representações e práticas que promovem bern como inibem o exercício de agência humana entre os estudantes. Isto fica mais claro quando reconhecemos que um dos elementos mais importantes em funcionamento na construção da experiência e subjetividade nas escolas é a linguagem. A linguagem intersecciona-se com o poder na maneira como formas lingüísticas particulares estruturam e legitimam as ideologias de grupos específicos. Intimamente relacionada com o poder, a linguagem funciona para posicionar e constituir a maneira pela qual professores e estudantes definem, medeiam e compreendem sua relação uns com os outros e com a sociedade mais ampla. Com as suposições teóricas anteriores em mente, queremos argumentar em termos mais específicos a favor do desenvolvimento dentro das instituições de formação de professores de um currículo que incorpore uma forma de política cultural. Com efeito, queremos argumentar em favor da construção de uma pedagogia de política cultural em torno de uma linguagem criticamente afirmativa que permita que professores potenciais compreendam como as subjetividades são produzidas dentro daquelas formas sociais nas quais as pessoas se deslocam, mas das quais muitas vezes têm consciência somente parcial. Esta pedagogia torna problemática a maneira como professores e estudantes sustentam, resistem ou acomodam as linguagens, ideologias, processos sociais e mitos que os posicionam em meio às relações existentes de poder e dependência. Além disso, ela aponto para a necessidade de que professores futuros e em exercício reconheçam o discurso como uma forma de produção cultural que sirva para organizar e legitimar modos específicos de denominar, organizar e experimenta r a realidade social. Nesta perspectiva, o conceito de experiência está relacionado com a Questão mais ampla de como se inscrevem as subjetividades dentro de Processos discursivos que se desenvolvem com respeito à dinâmica de Produção, transformação e luta. Compreendida nestes termos, uma pedagogia ~e Política cultural coloca uma dupla tarefa para professores potenciais, rimeiro, eles precisam analisar como a produção cultural é organizada de relações assimétricas de poder nas escolas (por exemplo, textos


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escolares, currículos, seleção, política, práticas pedagógicas). Segundo, eles precisam construir estratégias políticas de participação em lutas sociais destinadas a lutarem pelas escolas como esferas públicas democráticas. A fim de tornar esta tarefa praticável, é necessário avaliar os limites políticos e potencialidades pedagógicas dos diferentes, porém relacionados, exemplos de produção cultural que constituem os vários processos de escolarização. Note-se que estamos chamando estes processos sociais exemplos de produção cultural, em vez de utilizar o conceito mais familiar de reprodução social. Embora a noção de reprodução social aponte adequadamente' para as diversas ideologias e interesses econômicos e políticos que são reconstituídos dentro das relações da escolarização, ela carece cie uma compreensão teórica abrangente de como tais interesses são mediados, elaborados e subjetivamente produzidos, independentemente dos vários interesses que afinal se manifestem.

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na Formação de

Professores Gostaríamos de concluir novamente enfatizando e ampliando algumas considerações teóricas para o desenvolvimento de uma teoria crítica de educação de cidadania para os programas de formação cie professores. Essencial para uma política e pedagogia da cidadania crítica é a necessidade de reconstruir uma linguagem visionária e filosofia pública que coloquem a igualdade, liberdade e existência humana no centro das noções de democracia e cidadania. Exitem diversos aspectos desta linguagem que merecem algumas considerações. Primeiramente, é importante reconhecer que a noção de democracia não pode basear-se em qualquer noção a-históríca e transcendente da verdade ou autoridade, A democracia é um lugar de luta informado pelas concepções ideológicas competitivas de poder, política e comunidade. Este é um reconhecimento importante porque ajuda a redefinir o papel do cidadão como agente ativo no questionamento, definição e modelamento de sua relação com a esfera política e a sociedade mais ampla. Como colocado por Laclau e Mouffe, o conceito radical que a sociedade democrática introduz é que o lugar de poder torna-se um espaço vazio: a referência a uma garantia transcendei"1 desaparece, e com ela a representação da unidade essencial da sociedade.... Abie-s . assim, a possibilidade de um processo infindável de questionamento: nenhuma que possa ser fixada, cujos ditames não sejam objeto de contestação, ou cujos fundanie1 ^ tos não possam ser questionados.... A democracia inaugura a experiência de ut • sociedade que não pode ser apreendida ou controlacia, na qual o povo será proclan ^ do soberano mas sua identidade nunca será defmtivamente dada, permanecendo rate te.15

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Implícito nesta posição está o questionamento às noções tanto liberai1S como direitistas do conceito de política. Isto é, a noção de política não se se reduz à ênfase liberal na conformidade às regras e procedimentos administrativos. Tampouco reduz-se à visão de direita de que a política é um negócio privado cujo resultado tem pouco a ver com o bem-estar público e tudo a ver com a defesa da economia de livre mercado, defesa nacional, e uma definição individualista dos direitos e da liberdade. Mas é importante enfatizar que, ao redefinir a noção de política, a esquerda não pode simplesmente rejeitar de imediato a recente convergência das visões neoliberal e direitista de democracia. Em vez disso, ela deve "aprofundá-la e estendê-la em direção a uma democracia radical e pluralista".16 Para Laclau e Mouffe, isto significa reconhecer a importância daqueles antagonismos fundamentais entre as mulheres, diversas minorias radicais e sexuais, e outros grupos subordinados que abriram novos espaços políticos radicais através dos quais se possa pressionar pela ampliação do discurso e direitos democráticos. A emergência destas novas lutas democráticas demonstra a necessidade de uma revitalização na visão do significado e importância da noção do conceito de política. Benjamin Barber reforça esta visão quando alega corretamente que a esquerda americana precisa embasar a noção de política em tradições históricas que revelem o poder subversivo e dignificante do discurso democrático e que também sustentem a importância fundamental da autonomia do discurso político na compreensão e influência de aspectos importantes de nossas vida cotidiana. Ele escreve: A alternativa para a esquerda é uma revitalização da autonomia da política e da soberania da mesma sobre outros domínios de nossa existência coletiva. A iradição que gerou a constituição americana via a igualdade civil como a liberdade crucial. De acordo com esta tradição, a política pode refazer o mundo, e o acesso político, a igualdade política e a justiça política são os caminhos para uma igualdade econômica e social. As melhores armas da esquerda continuam sendo a constituição americana e a tradição política democrática que ela fomentou.17

A democracia, nesta visão, é vista como um movimento social ativo com base em relações ideológicas e institucionais de poder que exigem uma política participativa vigorosa mergulhada nas tradições cie uma demoCr acia jeffersoniana. Antes que uma noção radical de democracia possa ser Parte da agenda de formação cie professores, a esquerda precisa redesenv olver o conceito de cidadania ativa, o qual poderia ser vigorosamente c °nfrontado com os porta-vozes liberais e conservadores "que clamam por ^ais moderação na democracia, medidas para fazer com que a população oit e a... um estado de apatia e passividade para que a •''democracia" em J;u sentido favorável, possa sobreviver.18 Em termos radicais, a cidadania tlv s a não reduziria os direitos democráticos à mera participação no prpces0d e votação eleitoral, mas estenderia a noção de direitos à participação na


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economia, no estado, e em outras esferas públicas. Thomas Ferguson capreste sentimento em sua observação de que os pré-requisitos da democracia eletiva não são realmente o registro automático d eleitores ou mesmo o feriado de votação, embora estes ajudem. Na verdade, as verdade' rãs bases cia democracia efetiva são as associações institucionais mais profundas par o florescimento de forças, terceiros partidos prontamente acessíveis, meios de cornu nicação baratos, e uma rede próspera cie cooperativas e organizações comunitárias l*>

Em segundo lugar, uma linguagem radical de cidadania e democracia implica um fortalecimento dos laços horizontais entre cidadão e cidadão Isto exige uma política de diferença, na qual as demandas, culturas e relações sociais de grupos diversos sejam reconhecidas como parte do discurso do pluralismo radical. Como forma de pluralismo radical, a categoria da diferença não se reduz ao individualismo possessivo do indivíduo autônomo no cerne da ideologia liberal. Pelo contrário, a diferença estaria fundamentada nos vários grupos sociais e esferas públicas cujas vozes singulares e práticas sociais contêm seus próprios princípios de validade, enquanto ao mesmo tempo compartilham de uma consciência e discurso. Essencial para esta forma de pluralismo radical é uma filosofia pública que reconheça os limites entre os diferentes grupos, o eu e os outros, e ainda assim crie uma política de confiança e solidariedade que sustente uma vida comum baseada em princípios democráticos que criem as precondições ideológicas e institucionais tanto da diversidade quanto do bem público.20 Isto nos leva a nossa terceira consideração para revitalizar o conceito de cidadania e democracia de futuros professores. Um discurso revitalizado de democracia não deveria basear-se exclusivamente em uma linguagem de analise crítica, o qual, por exemplo, limita sua atenção nas escolas à eliminação das relações de subordinação e desigualdade. Esta é uma preocupação política importante, mas tanto em termos teóricos quanto políticos é lamentavelmente incompleta. Como parte de um projeto político radical, o discurso da democracia também precisa de uma linguagem de possibilidade, a qual combine uma estratégia de oposição com uma estratégia de reconstrução da nova ordem social. Tal projeto representa tanto uma luta em torno da tradição histórica quanto a construção de um novo conjunto de relações sociais entre o indivíduo e a comunidade mais ampla. Mais especificamente, a esquerda precisa situar a luta pela democracia em um projeto utópico que articule de maneira ativa uma visão de futuro fundamentada em uma linguagem programática de responsabilidade cívica e bem público. Ernst Bloch deu atenção significativa à importância do impulso utópico no pensamento radical, e sua noção da produção de imagens daquilo que "ainda não é" apresenta-se claramente em sua análise cios devaneios. Os sonhos vêm durante o dia e também à noite. E ambas as espécies de sonho suo motivadas pelos ciesejos que procuram satisfazer. Mas os devaneios diferem dos so-

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nhos noturnos, pois nos devaneios o "eu" permanece o tempo todo de ma consciente e privativa, imaginando as circunstâncias e imagens de uma v'ida dês 'melhor. O conteúdo do devaneio não é, como o do sonho noturno uma jornada retorno às experiências reprimidas e suas associações. Ele relaciona-se tanto auar possível, com uma jornada sem limites para frente, de forma que, em vez de reconstir aquilo que não é mais consciente, as imagens daquilo que ainda não é podem • imaginadas na vida e no mundo.21

A ênfase de Bloch na dimensão utópica dos devaneios leva a un quarta consideração. Em nossa visão, a insistência em incorporar a noçi utópica de "possibilidades não realizadas" na teoria radical fornece un base para analisar e constituir as teorias críticas do ensino escolar e cidad nici- Tanto o ensino escolar quanto a forma de cidadania que ele legitin podem ser desconstruídos como um tipo de narrativa histórica e ídeológique proporciona uma introdução, preparação e legitimação de formas pj íiculares cie vida social nas quais se dá lugar central a uma visão do futur um sentido de como a vida poderia ser. Dado o caráter antiutópíco bási< que caracteriza grande parte do discurso radical hoje em dia, a incorpor cão de uma lógica utópica como parte de um projeto de possibilída< representa um importante avanço no repensar do papel dos professores Finalmente, os educadores precisam definir as escolas como esfer públicas nas quais a dinâmica de engajamento popular e política democr tica possam ser cultivadas como parte da luta por um estado democrãti radical. Isto é, os educadores radicais precisam legitimar as escolas con esferas públicas democráticas, como lugares que forneçam um serviço p blico essencial na construção de cidadãos ativos, a fim de defender st importância fundamental na manutenção de uma sociedade democrática cidadania crítica. Neste caso, o ensino escolar seria analisado por seu p tencial em fomentar a alfabetização cívica, a participação do cidadão, coragem moral. A teoria da cidadania radical para programas de formaçí de professores deve começar a desenvolver papéis alternativos para i professores enquanto intelectuais dentro e fora das escolas. Esta é un questão importante porque salienta a necessidade de ligar a luta políti< dentro das escolas a questões sociais mais amplas. Ao mesmo tempo, e sustenta para professores futuros e em exercício a importância de usare suas habilidades e idéias em aliança com outros que estejam tentanc r edefinir o terreno da política e cidadania. O desenvolvimento de uma pedagogia radical para a autorização d gerações futuras de estudantes e professores exige que as escolas de ed c ação repensem a natureza de seus programas e suas práticas. Reconhec contudo, que o projeto que estamos descrevendo já está em anel . Os professores em formação precisam de mais tempo nas salas c a ula - mais do que geralmente se oferece em um ou dois anos cie trem n^ento - para explorar as conexões teóricas que estivemos sugerindo ent ensino escolar, subjetividade, cidadania e poder. Precisam igualmente c


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uma exposição prolongada a uma reorganização radical das instituições formadoras de professores em torno dos conceitos de história, linguagem, cultura e poder.22 É evidente que uma agenda radical de reforma escolar tem que começar em algum lugar, e pequenos grupos de professores trabalhando isoladamente em suas respectivas escolas não são suficientes para produzir as condições necessárias para tranformar as escolas em esferas contrapúblicas. As condições para democratizar as escolas no interesse do fortalecimento de professores e estudantes devem começar nas escolas e faculdades de educação através de uma reconstituição dos programas de formação de professores da maneira como sugerimos. Igualmente importante para a reforma radical é a necessidade de que os professores reconheçam que as esferas contrapúblicas não podem ser criadas somente dentro de instituições de treinamento de professores ou salas de aula, mas devem finalmente fundir-se com outras comunidades de resistência. O projeto que descrevemos focaliza o papel que os programas e instituições de formação de professores poderiam desempenhar na ampliação do discurso da democracia. Mas tal projeto vai muito além destas instituições e revela a necessidade de movimentos sociais e mudanças estruturais mais amplas. No final, reformas mais amplas exigem não apenas que os professores se engajem em novos movimentos sociais, mas que os programas de formação de professores redefinam a natureza de por que e como eles funcionam na sociedade.

Conclusão No momento atual, a política pública pesa muito a favor dos valores e interesses dos ricos e privilegiados. A ganância tomou o lugar da compaixão, e o impulso por lucros relega todas as preocupações sociais a uma forma de amnésia individual e social. Em risco no novo discurso da ideologia neoconservadora e yuppie estão não apenas os pobres, as minorias, as mulheres e os idosos, mas também as escolas públicas, serviços sociais e agências para o bem-estar da nação. A mensagem central, como argumentamos ao longo deste capítulo, é que os ultraconservadores lançaram um ataque geral tanto ao significado quanto às possibilidades de razão crítica e valores democráticos. As esferas públicas que poderiam fornecer o espaço crítico para o desenvolvimento de movimentos sociais, ou que sustentariam práticas sociais de oposição compatíveis com os mais importantes impulso11 da democracia, tornaram-se objeto de rejeição e escárnio ideológico p°r grupos de direita dentro e fora do governo e, em muitos casos, foram atacadas a fim de serem eliminadas da paisagem da política pública americana. Em um certo nível, isto significou a eliminação ou redução de fundo» para tais instituições. Em outro nível, significou o lançamento de um

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ideológico violento aos alicerces básicos de tais instituições. Este é evid temente o caso, por exemplo, com respeito às várias criticas e polític"' oferecidas para solapar as escolas públicas da nação. Os ultraconservacloré< gostariam de transformar as escolas públicas em instituições semelhantes uma mistura de escola local dominical, mercado de empresa e museu de velho oeste. A ideologia industrial, o sectarismo religioso e a uniformidade cultural fornecem a base para reconstruir as escolas públicas segundo :, imagem política dos políticos reacionários. Isto não deveria sugerir que a direita venceu a batalha. O que de fatc sugere é que os educadores deveriam organizar-se coletivamente nestes tempos difíceis a fim de lutar pela democracia como estilo de vida e unir os imperativos da vida cotidiana com formas de democracia política e econômica que tomem com seriedade as noções de liberdade e justiça. Em termos mais específicos, isto significa que os educadores progressistas de várias formações ideológicas precisam fazer das escolas centros de aprendizagem e propósitos democráticos. Os programas de formação de professores podem desempenhar um papel importante no fornecimento de lideranças necessárias para tornar as escolas responsivas à necessidade da democracia americana de criar cidadãos autoconfíantes, organizados e fortalecidos. De forma semelhante, os programas de formação de professores podem desempenhar papel importante no desenvolvimento de uma filosofia pública que ligue a aprendizagem e fortalecimento a uma visão de fidelídades mais amplas. Subjacente a estas fidelídades deve haver uma moralidade pública que enfatize as responsabilidades sociais que atentem para formas de comunidade que combinem o respeito pela liberdade individual e diversidade social com um compromisso com a vida pública democrática. A renovação de uma filosofia pública democrática americana precisa ser alimentada por uma visão que amplie mais do restrinja as possibilidades humanas. Isto presupõe o sentido de que a história é aberta, incerta, e digna de luta; aqui está em questão uma visão de futuro na qual a história não é aceita simplesmente como um conjunto de prescrições herdadas do passado sem questionamento. A história pode ser nomeada e refeita por aqueles que se recusam a permanecer passivos diante do sofrimento e opressão humana. Os educadores podem se unir a fim de politizar a natureza do que acontece nas escolas e estender o trabalho político em nossas salas de aula para outras esferas públicas.

Notas L Horkheimer, Eclipse of Reason; Theodor Adorno e Max Horkheímer, The Dialectíc of lightenment, John Cumming, trad. (New York: Schocken, 1969). ~- Arthur Lothstein, "Salving from the Dross: John Dewey's Anarcho-Communaüsm", The ophical Fórum 10 (1978): 55-111. En


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3 Jürsjen Habermas. Sn-iiktenimulele/erOffenlichkeitÇNeuwied: Luchterhand, 1962); Marcuse One Dimensiona! Alan; John Dewey, The Public and lis Problems (New York: Henry Holt' 1927); Gramsci, Príson Notebooks.

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4. Aronowitz e Giroux, Education UnderSiege. 5. Giroux, Theory and Resistance. 6. Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy (London: Verso, 1985) p. 190. 7. Goodman, "Reflections on Teacher Education", pp. 9-26. 8. Walter Aclamson, Hegemony and Revolution: A Study of Antônio Gramsci's Political and Cultural Theory (Berkeley: University of Califórnia Press, 1980). 9. Henriques et ai., Changing the Subject.

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10. Ernest Mandei, Late Capitalism (London: New Left Books, 1975); John Brenkman. "Mass Media: From Collective Experience to the Culture of Privatization", Social Text l (Inverno 1979): 94-109. 11. Peter McLaren, Schooling as a Ritual Performance (London: Routledge e Kegan Paul, 1986). 12. Cf. Cleo Cherryholmes, "Knowledge, Power, and Díscourse ín Social Studies Education", Boston University Journal fo Education 165(4): 341-58; Manuel Alvaraclo e Bob Ferguson, "The Curriculum, Media and Discursivity", Screen 24(3): 20-34; Philip Wexler, "Structure, Text, and the Subject: A Criticai Sociology of Schooí Knowledge", em Michaef Apple, ed., Cultural andEconomic Reproduction (Boston and London: Routledge & Kegan Paul, 19S2), pp. 275-303. Ferdinand de Saussure, Coursein GeneralLinguistics (London: Fontana, 1974); Jacques Derrida, Of Grammatology, trad. Gayatrí Chakravorty Spivak (Baltimore: John Hopkins Press, 1977); Míchel Foucault, Power and Knowledge: Selected Interuiews and Other Writings, ed. c. Gordon (New York: Pantheon, 1980); Jacques Lacan, Ecrits (London: Tavistock. 1977); Hans-Georg Gadamer, Truth andMethod (London: Sheed anel Ward, 1975); RolancI Banhes, Elements ofSemiology, trad. A. Lavers e C. Smíth (New York: Hill and Wang, 1968); Jürgen Habermas, The Theory of Communicatiue Action, Vol. l (Boston: Beacon Press, 1983). 13. Giroux e Simon, "Curriculum Study as Cultural Policies". 14. Johnson, "What Is Cultural Studies?", p. 11. 15. Laclau e Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy, pp. 186-87. 16. Ibid., p. 176. 17. Benjamin Barber, "A New Language for the New Left", Harper's Magazine (Nov. 198o): 50. 18. Noam Chomsky, Turning the Tide (Boston: South End Press, 1986), p. 223. 19. Ibid. 20. Chriscopher Lasch, "Fraternalist Manifesto", Harper's Magazine (Abril 1987): 17-20. 21. ErnstBloch. The Philosophy of the Future (New York: Herder and Herder, 1970), pp- s6" 87. 22. Henry A. Giroux e Peter McLaren, "Teacher Education and the Politics of EngagernentThe Case for Democratic Schooling", Harvard Educational Reuieiu 56(3): 213-38.

o aproximarem-se do século vinte e um, os Estados Unidos parece enfrentar uma dupla crise na educação pública. Um aspecto dês crise é evidente no surgimento da Nova Direita e seus ataques econ< micos e ideológicos às escolas.1 O segundo aspecto da crise refere-se z fracasso dos educadores radicais em igualarem-se à política educacion neoconservadora com um conjunto correspondente de visões e estratégia; Creio que ambas as crises oferecem aos educadores críticos a oportunidac não apenas de repensar a natureza e propósito da educação pública, m; também de elevar as ambições, desejos e esperanças reais daqueles qi desejam tomar com seriedade a questão da luta educacional e justiça soei; no futuro. Mas para que tais esperanças tornem-se realizáveis, precisamc avaliar não apenas os fracassos do pensamento educacional de esquerc na década passada, mas também os motivos do sucesso da política educacic nal neoconservadora e a "popularidade autoritária" sobre a qual ela f< capaz de construir um amplo consenso nacional. Para empreender est análise, primeiramente considerarei a natureza e ideologia do discurso nec conservador em relação à educação pública e a maneira como ela desafio algumas das suposições básicas da teoria educacional radical. Finalizarei capítulo apontando brevemente alguns dos elementos de uma teoria educí ciona! crítica que, a meu ver, precisam ser desenvolvidos no futuro. O aspecto mais óbvio da crise na educação pública e da resposta de ne oconservadores que ela está produzindo é visível no discurso atualment u ülizado para descrever o papel que as escolas deveriam desempenhar n sociedade americana. As escolas não estão mais sendo enaltecidas por sei

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3 Jürgen Habermas, StnikterwandeicierOffenlJcbkeit(.Neuwied: Luchterhand, 1962); Marcuse One Dimensional Man; John Dewey, The Public and lis Problems (New York: Henry Holt' 1927); Grumsci, Prison Notebooks.

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4. Aronowitz e Giroux, Education UnderSiege. 5. Giroux, Tbeory and Resistance. 6. Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy (London: Verso. 1985) p. 190.

Crise e na

7. Goodman, "Reflections on Teacher Education", pp. 9-26. 8. Walter Adamson, Hegemony and Revolutíon: A Study of Antônio Gramsci's Política! and Cultural Tbeory (Berkeley: University of Califórnia Press, 1980). 9- Henríques et ai., Changing th e Subject.

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10. Ernest Mandei, Late Capitalism (London; New Left Books, 1975); John Brenkman, "Mass Media: From Collective Experience to the Culture of Privatization", Social Text l (Inverno 1979): 94-109. 11. Peter McLaren, Scbooling as a Ritual Performance (London: Routledge e Kegan Paul, 1986). 12. Cf. Cleo Cherryholmes, "Knowledge, Power, and Discourse in Social Studies Education", Boston University Journal fo Education 165(4): 341-58; Manuel Alvarado e Bob Ferguson, "The Curriculum, Media and Discursivity", Screen 24(3): 20-34; Philip Wexler, "Structure, Text, and the Subject: A Critica! Sociology of School Knowledge", em Michael Apple, ecl, Cultural and Economic Reproduction (Boston and London: Routledge & Kegan Paul, 1982), pp. 275-303. Ferdinand de Saussure, Coursein GeneralLinguistícs (London: Fontana, 1974); Jacques Derrida, Of Grammatology, trad. Gayatri Chakravorty Spivak (Baltimore: John Hopkins Press, 1977): Michel Foucault, Power and Knowledge: Selected Interviews and Other Wrítings, ed. c. Gordon (New York: Pantheon, 1980); Jacques Lacan, Ecrits (London: Tavistock, 1977); Hans-Georg Gadamer, Trutb andMethod (London: Sheed and Ward, 1975); Roland Barthes, Elements of Semiology, trad. A. Lavers e C. Smith (New York: Hill and Wang, 1968); Jürgen Habermas, The Theory of Communicative Action, Vol. l (Boston: Beacon Press, 1983). 13. Giroux e Simon, "Curriculum Study as Cultural Politics". 14. Johnson, "What Is Cultural Studies?", p. 11. 15. Laclau e Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy, pp. 186-87. 16. Ibicl, p. 176. 17. Benjamin Barber, "A New Language for the New Left", Harper's Magazine (Nov. 1986): 50. 18. Noam Chomsky, Turning the Tíde (Boston: South End Press, 1986), p. 223. 19. Ibid. 20. Christopher Lasch, "Fraternalist Manifesto", Harper's Magazine (Abril 1987): 17-20. 21. Ernst Bloch, The Philosophy of the Future (New York: Herder and Herder, 1970), pp- Só87. 22. Henry A. Giroux e Peter McLaren, "Teacher Education and the Politics of EngagenientThe Case for Democratic Schooling", Harvard Educational Remeiu 56(3): 213-38.

o aproximarem-se do século vinte e um, os Estados Unidos parecem enfrentar uma dupla crise na educação pública. Um aspecto desta crise é evidente no surgimento da Nova Direita e seus ataques econômicos e ideológicos às escolas.1 O segundo aspecto da crise refere-se ao fracasso dos educadores radicais em igualarem-se à política educacional neoconservadora com um conjunto correspondente de visões e estratégias.2 Creio que ambas as crises oferecem aos educadores críticos a oportunidade não apenas de repensar a natureza e propósito da educação pública, mas também de elevar as ambições, desejos e esperanças reais daqueles que desejam tomar com seriedade a questão da luta educacional e justiça social no futuro. Mas para que tais esperanças tornem-se realizáveis, precisamos avaliar não apenas os fracassos do pensamento educacional de esquerda na década passada, mas também os motivos do sucesso da política educacional neoconservadora e a "popularidade autoritária" sobre a qual ela foi capaz de construir um amplo consenso nacional. Para empreender esta análise, primeiramente considerarei a natureza e ideologia do discurso neoconservador em relação à educação pública e a maneira como ela desafiou algumas das suposições básicas da teoria educacional radical. Finalizarei o capítulo apontando brevemente alguns dos elementos de uma teoria educacional crítica que, a meu ver, precisam ser desenvolvidos no futuro. O aspecto mais óbvio da crise na educação pública e da resposta dos n eoconservadores que ela está produzindo é visível no discurso atualmente utilizado para descrever o papel que as escolas deveriam desempenhar na s °ciedade americana. As escolas não estão mais sendo enaltecidas por seu

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papel de instituições democratizantes. Pelo contrário, como ilustra a recente enxurrada de relatórios comissionados, as escolas estão atualmente sendo vistas dentro dos parâmetros estreitos da teoria de capital humano.5 Em palavras simples, o relacionamento tradicional de distância entre as escolas e os negócios está atualmente sendo desmantelado com o propósito de alinhar as escolas mais intimamente com os negócios e interesses corporativos a curto e médio prazo. Esta virada em direção à educação pública enquanto cidadela da ideologia corporativa surge numa conjuntura histórica específica nos Estados Unidos. Para muitos, esta conjuntura é tanto caracterizada quanto compreendida como expressão da recessão econômica capitalista. Esta explicação só tem validade parcial, e, assim, deixa de explicar a popularidade do discurso neoconservador na educação pública como parte tanto de uma luta quanto de uma resposta à crise política e ideológica que a nação atualmente enfrenta. Em outras palavras, os neoconservadores não apareceram do nada; eles são parte de um conjunto diversificado de tradições históricas que se solidificaram em uma força política e ideológica particular neste momento específico da história. Neste processo, elas realinharam e remodelaram a natureza política de seu discurso e as configurações ideológicas que a informam. Além disso, os neoconservadores parecem fazer sentido para um público americano que está preocupado e intimidado pelas mudanças pelas quais o país tem passado desde os anos sessenta. Em questão aqui coloca-se o paradoxo de como os grupos que tão flagrantemente favorecem os ricos, as classes superiores, e a lógica do individualismo desenfreado podem mobilizar de maneira tão efetiva as necessidades e desejos cie grupos subordinados e oprimidos tais como as classes trabalhadoras, minorias e outros. O discurso neoconservador sobre a escolarização não apenas toca numa ampla gama de insatisfações, como também toma forte posição em questões educacionais importantes, tais como padrões, valores e disciplina escolar. Ao mobilizar o descontentamento público existente, ele combina dois aspectos da filosofia conservadora, de forma a incluir em seu discurso um elemento poderoso de apelo cultural-popular. Ele abarca, de diversas maneiras, elementos de comunidade e localismo em seu apoio à famílw, autoridade patriarcal e religião. De maneira semelhante, estes aspectos da filosofia conservadora tradicional estão em perfeita combinação com o> princípios do liberalismo clássico, com sua ênfase no individualismo, competição, e esforço e recompensa pessoal. Em torno da questão pró-familía, por exemplo, o discurso neoconservador examina uma gama completa de questões relacionadas com a natuie7.í\ da crise moral e econômica atual definida a seu modo. Neste caso^ <l família é vista corno uma entidade "natural" dada por Deus, existindo alen1 das fronteiras da história. Definida como o centro da moralidade e da ordem, o núcleo familiar é louvado como centro de civilização, comunidade e controle social. Como unidade básica da sociedade, ela é tomada

referencial moral e político a partir do qual constante contra seus "inimigos". Allen Hunter Um grande número de questões se... combinam em defesa'd''"f'^^^'^^^^^^^^ a e imagética da família atua como "símbolo de condensação" e'••' ':* * ' sta forma, a c oa íza \ ° Pr(> família"- é usada para reunir uma ampla gama de questões dist. >v''••,•« H-WI^S»»»»:» imagem positiva. Também os inimigos são amontoados. pe^^^fe^sSlIiiilSwS FeministÍ|í:gí||íp|| jovens e as drogas, a música negra, os homossexuais,, o- aborto" aborto> a „,! J 1:1 :„ . , „ ! _ - • _ 1:1 : . , , ! _ J:. .£..,:_ . a 5 educadores liberais, as leis liberais do divórcio, a contracepção e urtla !Tfi t"fl P f5' ° outros fenômenos são todos assemelhados a uma característica c comum: eles destroem a família e, junto com isso, a sociedade.'1 l(J

O discurso neoconservador também alimenta seu louvor à família com a ideologia do individualismo. Embora a princípio a ideologia do individualismo militante possa parecer em desacordo com o apoio ã família e à comunidade, ela é, na verdade, deslocada para uma outra esfera da sociedade, no sentido de que é usada como suporte ideológico para atacar o estado e outras formas de intervenção burocrática. Neste caso, as noções de mobilidade, autonomia e liberdade são relacionadas com a capacidade dos indivíduos de traçarem seu destino na dinâmica competitiva do mercado. Em contraste, alega-se que o estado e a intervenção governamental bloqueiam esta possibilidade e, assim, solapam as virtudes do trabalho árduo e da autosuficiência, e ao mesmo tempo desgastam o bem-estar econômico e a privacidade espiritual e patriarcal necessária para a manutenção da vida familiar. O que é interessante a respeito da ideologia neoconservadora é que ela toma com seriedade as formas nas quais o estado e outras instituições, inclusive as escolas, se intrometem na vida das pessoas ou, através da arrogância da política administrativa, funcionam para excluí-las da participação em questões vitais que afetam suas experiências em nível cotidiano. Nem é preciso dizer que, em muitos aspectos, as pessoas das classes trabalhadoras e outras respondem de maneira positiva às ideologias antigovernamentais porque encaram a política governamental e as práticas sociais não como benefícios, mas como imposições burocráticas aviltantes e poderosas em suas vidas. Por outro lado, muitas pessoas expressaram ambivalência quanto à educação pública, da qual os neoconservadores tiraram proveito r edefinindo-a em seu próprio interesse. Para muitas pessoas, as escolas ocupam um lugar importante, porém Paradoxal, entre suas experiências diárias e seus sonhos do futuro. Em certo sentido, a educação pública tem representado uma das poucas possibilidades de mobilidade econômica e social. Contudo, em função dos muitos problemas que assolam os sistemas escolares, sejam eles a violência nas e scolas, o absenteísmo, queda nos padrões ou escassez de recursos econômicos, a preocupação popular desviou-se da ênfase tradicional em ganhar a cesso à educação pública para uma preocupação em moldar e controlar a Política escolar. A ideologia neoconservadora tem sido politicamente hábil


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na abordagem destas preocupações, mas o faz de uma maneira que "as representa dentro de uma lógica... que sistematicamente as alinha com as políticas e estratégias de classe da direita".5 Ao capitalizar os sentimentos e descontentamento populares, o discurso neoconservador tem convenientemente argumentado a favor de políticas educacionais que promovam valores tradicionais e formas conservadoras de autoridade e disciplina. Mais do que negarem o papel das escolas na promoção de valores, os neoconservadores têm argumentado que a regulação moral deveria tornar-se uma dimensão central do currículo. Conseqüentemente, o currículo escolar tornou-se um dos principais focos de contestação popular e local de uma espécie de luta competitiva. Isto torna-se evidente quando os neoconservadores defendem a inclusão de práticas religiosas, a proibição de livros e áreas de estudo subversivas, e um renovado envolvimento com formas de escolarização que exibem um empreendimento instrumental no desenvolvimento de currículos que glorificam metas e valores que sustentam a ideologia do pragmatismo comercial. Além disso, como a política neoconservadora promove cortes nos subsídios financeiros às escolas públicas, assim como a outras formas de serviço social, ela cria uma nova força de trabalho de mulheres sem remuneração, as quais, segundo a mesma, pertencem ao lar. Ao mesmo tempo, os neoconservadores sustentam vigorosamente que o trabalho voluntário seja feito pelas mães diante dos cortes entre as classes de professores e senadores.6 Neste caso. o ataque à educação pública apóia-se em uma política discriminatória contra as mulheres. O resultado disso tudo fica completamente claro na forma como a ideologia neoconservadora separa a educação pública do discurso do autofortalecimento e da liberdade coletiva. Mais do que confrontar as desigualdades e reais fracassos da educação pública, a política neoconservadora vê a educação pública dentro de um modelo de raciocínio que enaltece preocupações econômicas estreitas, interesses privados e valores altamente conservadores. É instrutivo notar que o discurso neoconservador que atualmente domina o debate na educação nos Estados Unidos em parte fortaleceu sua posição ao relacionar as crises da vida cotidiana com os fracassos da educação pública. O que é particularmente interessante aqui é que as coalizões conservadoras têm se mostrado capazes de intervir nas preocupações populares sobre a escolarização em torno de diversas questões ideológicas de uma maneira que deixou os educadores radicais quase invisíveis no pi'e" sente debate. Acredito que isto nos informa menos sobre a credibilidade da ideologia conservadora do que sobre o fracasso teórico dos educadores radicais em considerarem seriamente as particularidades sociais e históricas da vida das pessoas. A educação radical manteve por muito tempo seu foco de atenção na questão de quem tem acesso à educação pública, ou ru apresentação de relatos, muitas vezes desesperadores, de como as escolas reproduzem, através do currículo explícito e oculto, as diversas desigualda-

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dês que caracterizam a sociedade dominante. Isto não deveria suoerir que os educadores de esquerda não ofereceram idéias importantes sobre o modo como funcionam as escolas, e sim que estas idéias ficaram muito aquém do que é teoricamente necessário para desenvolver uma teoria mais crítica e abrangente da escolarização. Durante a última década, os relatos radicais do ensino escolar concentraram-se em demasia nas análises críticas do ensino escolar, enquanto deixaram de cumprir a tarefa teórica mais difícil de estabelecer a fundamentação de modos alternativos de teoria e prática educacionais. A natureza unilateral da teoria educacional radical é evidente na maneira pela qual ela tem abordado as noções de poder, controle social e luta popular. Por exemplo, o poder nestes relatos tem muitas vezes sido definido basicamente como uma força negativa que funciona no interesse da dominação. Tratado como um exemplo de negação, o poder assumiu a característica de uma força contaminadora que deixa sua marca de dominação ou impotência no que quer que toque. Conseqüentemente, a noção de controle social tornou-se sinônima do exercício de dominação nas escolas, e a questão de como as escolas poderiam se tornar o local de produção de novas formas de conhecimento e práticas sociais de oposição foi largamente ignorada. É evidente, por exemplo, que houve uma confusão básica em torno da questão do que constituía a liberdade dentro do discurso da pedagogia radical. Este ponto pode ser melhor apreciado na suposição subjacente à maior parte da teoria educacional radical de que a disciplina, autoridade e padrões acadêmicos da escola são representantes de imposições coercivas que limitam o desenvolvimento da capacidade natural, emocional e intelectual dos estudantes. Assim, a liberdade tornou-se sinônimo da desmistificação e eliminação das restrições ideológicas e materiais impostas pelas escolas, de forma que os estudantes pudessem descobrir suas reais possibilidades e capacidades de aprendizagem. Em outras palavras, a liberdade é definida como a ausência de controle e o estudante é apresentado como a personalização de uma individualidade que tem que amadurecer como parte de um processo de desenvolvimento natural. O que se perde nesta visão teórica é a compreensão de que a educação sempre funciona de maneira complexa como força tanto positiva quanto negativa para produzir as próprias condições sob as quais se constituí a individualidade. Minha opinião é que a liberdade não está separada do poder ou cias questões de autoridade, padrões e disciplina dentro das escolas. Na verdade, ela relacionase diretamente com a questão de como ela tanto informa quanto surge Daquelas condições cotidianas das escolas que ajudam a produzir estudantes criticamente instruídos e socialmente responsáveis. Valerie Walkerdine esclarece este ponto de forma convincente quando alega que "o que os educadores precisam compreender é como esta condição que chamamos de individualidade é formada dentros dos dispositivos de regulação social, inclusive a educação".7


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A teoria educacional radical oferece muitas críticas esclarecedoras acerca da natureza socialmente construída do currículo escolar, mas ao mesmo tempo ela deixa de considerar com seriedade o que implica tal julgamento. Isto é, o currículo escolar não é simplesmente uma construção social. Ele é também uma expressão histórica de disputas passadas em torno do que constituía a autoridade política e cultural e as formas de regulação ética, intelectual e moral implicadas em formas específicas de autoridade escolar. Com poucas exceções, os teóricos educacionais radicais dão pouca atenção ao lado positivo da vida escolar, isto é, àquelas dimensões da escolarização que penetram a fundo as preocupações da experiência cotidiana. Neste caso negligenciam-se questões tais como o que constitui o conhecimento crítico, ou como a linguagem e a cultura deveriam ser desenvolvidas como parte de uma pedagogia crítica. Mais especificamente, o que se ignora é a questão fundamental de como definir uma noção positiva de controle e responsabilidade sociais a partir das quais construir e defender certas concepções de organização escolar, relações em sala de aula e corpos de conhecimento escolar hierarquicamente organizados. Finalizarei este capítulo abordando rapidamente algumas destas questões enquanto definidas para uma pedagogia crítica aplicável não apenas ao presente mas também ao futuro. Para que as escolas sejam vistas como locais ativos de intervenção e luta, nos quais exista a possibilidade de que professores e estudantes redefinam a natureza da aprendizagem e prática críticas, o relacionamento entre poder e controle social terá que ser redefinido. Neste caso, o poder terá que ser visto como força tanto negativa quanto positiva, como algo que opera sobre e através das pessoas. Seu caráter terá que ser visto como dialético, e seu modo de operação tanto como condição de capacitação quanto de limitação. Esta visão mais dialética do pocier tem implicações significativas para a redefinição do relacionamento entre controle social e escolarízação. É importante ver o controle social como portador de possibilidades tanto positivas quanto negativas. Isto é, quando ligado a interesses que promovem o autofortalecimento e social, o construto de controle social fornece o ponto de partida teórico sobre o qual estabelecer as condições de aprendizagem e prática críticas. De forma semelhante, a noção de podei que enfatiza esta posição começa com a suposição de que, para que o controle social sirva aos interesses da liberdade, ele deve funcionar de forma a fortalecer professores e estudantes. Como usado neste contexto, o controle social refere-se a formas de prática necessárias para a difícil tarefa de criar currículos que dêem aos estudantes voz ativa e crítica, proporcionando-lhes as habilidades que são básicas para a análise e liderança no mundo moderno. Mas a noção de controle social usada aqui também se refere a algo mais fundamental. Ela liga a noção de liberdade a formas de estrutura disciplina sociais que seriam essenciais na criação e ordenação de

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critérios para o desenvolvimento do tipo de currículo necessári promoção de formas de pedagogia crítica. Uma noção crítica d social não pode esquivar-se da difícil questão da responsabilidade do f necimento do contexto e das condições para o desenvolvimento dê for ^ emancipadoras de escolarização. Relacionada com esta noção cie controle social está a necessidade cie que os educadores radicais tomem com seriedade o relacionamento entre a escolarização e o que chamo de "poder cultural". Tradicionalmente, a cultura escolar tem operado basicamente dentro cie uma lógica que a defende como parte da estrutura da cultura superior. A função do professor era transmitir esta forma cie cultura aos estudantes na esperança de que cia compensaria aquelas formas culturais reproduzidas no âmbito da cultura popular e da experiência de classes subordinadas. Os educadores de esquerda opuseram-se a esta visão de cultura argumentando que a própria cultura superior desenvolveu-se a partir da estrutura de dominação e mistificação, e como tal tinha que ser rejeitada. Como parte de uma tarefa educacional de oposição, a cultura dos grupos oprimidos tinha que ser resgatada e representada para compensar as piores dimensões da cultura dominante. A noção chave aqui era a de que os educadores radicais tinham que trabalhar com a experiência dos grupos oprimidos. Embora este conceito seja esclarecedor tanto para criticar a cultura dominante quanto para dar voz às culturas subordinadas (a classe trabalhadora, os negros, as mulheres), ele deixou de desenvolver um método e pedagogia crítica para lidar tanto com a cultura dominante quanto com a cultura subordinada. Em outras palavras, ele deixou de considerar com seriedade a necessidade de trabalhar não apenas com as culturas subordinadas, mas também trabalhar sobre elas. Assim, trabalhar sobre elas significa não apenas confirmar as experiências culturais subordinadas, mas também interrogá-las de maneira crítica para resgatar seus pontos fortes e fracos. De forma semelhante, para que a noção de poder cultural forneça as bases teóricas para formas de pedagogia crítica, ela tem que tornar-se um referencial para examinar-se o que os estudantes e os outros precisam aprender fora de suas próprias experiências. Isto aponta para a necessidade de redefinir-se o papel cio conhecimento dentro dos contextos de estudos culturais e curriculares. A pedagogia crítica, então, focalizaria o estudo do currículo não apenas como uma questão de autocultívo ou de imitação cie formas específicas c te linguagem e conhecimento. Ela daria ênfase a formas de aprendizagem e conhecimento direcionadas à provisão de uma compreensão crítica cie corno a realidade social funciona; ela focalizaria a forma como certas dimensões de tal realidade são sustentadas; focalizaria a natureza de seus processos formativos; e também focalizaria a maneira pela qual seus aspectos relacionados com a lógica da dominação poderiam ser mudados. Stuart oferece uma idéia mais específica do tipo de habilidades que este tipo pedagogia crítica envolveria. Ele escreve:


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São as habilidades que são básicas, agora, para uma classe que pretende liderar, e não simplesmente servir, o mundo moderno. Elas são as habilidades básicas gerais de análise e conceitualização, de conceitos, idéias e princípios mais do que de "conteúdos" específicos e antiquados; de abstração, generalização e categorização, em todos os níveis em que puderem ser ensinadas.8

De forma semelhante, esta abordagem da pedagogia crítica estaria baseada em uma noção dialética do que conta como conhecimento e prática escolares realmente úteis para a construção de um currículo emancipador. Ela se desenvolveria em torno de formas de conhecimento que questionem e se apropriem das ideologias dominantes, em vez de simplesmente rejeitálas instantaneamente; ela também consideraria as particularidades históricas e sociais das experiências dos estudantes como ponto de partida para o desenvolvimento de uma pedagogia escolar crítica; isto é, ela partiria das experiências populares para torná-las significativas a fim de engajá-las criticamente. Ao começarem a pensar sobre as estratégias pedagógicas para o século vinte e um, os educadores críticos terão que desenvolver alguma clareza sobre que tipo de currículo é necessário para construir-se uma democracia socialista crítica. Isto significa redefinir a noção de poder, cultura escolar e conhecimento realmente útil. Tal tarefa não significa desmascarar as formas existentes de escolarização e teoria educacional; significa aperfeiçoá-las, contestando os terrenos nos quais se desenvolveram e construindo sobre eles as possibilidades democráticas inerentes às escolas e às visões que orientam nossas ações. O que sugeri neste capítulo aponta para a necessidade de infundir na teoria e prática educacional uma visão de futuro, a qual, espero, seja correspondida pela disposição dos educadores para lutar e assumir riscos. A natureza de tal tarefa pode parecer utópica, mas o que está em jogo é valioso demais para ignorar-se tal desafio.

1. Para uma análise detalhada clesta questão, Henry A. Giroux, "Public Philosophy and the Crisis in Education", Harvard Educational Review 42 (Maio 1984): 186-94. Também ver as observações esclarecedoras cie -Charles A. Tesconi, Jr., "Aclclitive Reform and the Retreat from Purpose", Educational Studies 15 (Primavera 1984): 1-190. 2. Ver minha análise crítica detalhada dos limites do discurso marxista na teoria educacional radical em Henry A. Giroux, "Marxism and Schooling: The Limits of Radical Discourse , Educational Theory 34 (Primavera 1984): 113-35. 3. Ver Giroux. "Public Philosophy". 4. Allen Hunter, "In the Wings: New Right Ideology and Organizatíon", Radica! America l? (1981): 129. 5. Stuart Hall, "Moving Right", Socialíst Review 11 (Jan.- Fev. 1982): 128.

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.

6. Míriam David, "Nice Girls Say No", New Internationalist (Marco IQR/n ->/"Teaching anel Preaching Sexual Morality: The New Rights Anti Fem Míriam Davíd, ln Brftain and U.S.A.", Journal of Education 166 (Março 1984): 63-76. *« 7. Valerie Walkerdine, "It's Only Natural: Rethinking Child-Centeres Pedas?n Anyone Here From Education? Donald (London: Pluto Press, 1983), p 87

' e™ Is

S. Stuart Hall, "Education in Crisís", em Is Tbere Anyone Here From Educatíon?,

p. 6.

Tbere


14 a A

de

HENRY A. GIROUX E PETER MCLAREN

eorge S. Counts, já em 1922, pôs em questão os princípios democráticos que supostamente estruturavam a natureza e as práticas da escolarização americana. Ao analisar as realizações acadêmicas nas escolas públicas, Counts foi capaz de desvelar e documentar um relacionamento claro entre oportunidade educacional e estrutura de classe:

G

Parece... provável que a seleção é primeiramente sociológica e depois psicológica; que as crianças entram e permanecem na escola de segundo grau porque vêm cios lares de classes mais influentes e abastadas, e não por causa de sua maior capacidade.... Por que deveríamos proporcionar, às custas do público, aquelas oportunidades educacionais avançadas para Y porque seu pai é um banqueiro e praticamente negálas a X porque seu pai varre as ruas cia cidade? Devemos fazer uma distinção entre a educação para todos e aquela que é para poucos. Atualmente, nossa educação secundária é do primeiro tipo em teoria, e do segundo na prática.1

Embora sessenta e cinco anos tenham se passado desde o estudo de Counts, as escolas continuam a reproduzir desigualdades cie classe, gênero e raça. O problema fica mais evidente na seleção institucionalizada. Embora o debate sobre a seleção escolar pareça ressurgir em todas as Ceadas, o mesmo é muitas vezes contornado ou marginalizado por preocupações orçamentárias ou administrativas que parecem mais urgentes. O


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livro dejeannie Oakes, Seleção Educacional'', promete restabelecera questão da seleção como assunto primordial para debate. Pesquisadora associada na Faculdade de Educação da UCLA, Oakes reuniu um número impressionante de dados para interrogar um tema antigo, porém importante: a estruturação do currículo e pedagogia escolar de forma a privilegiar alguns grupos em detrimento de outros com base em distinções de raça, gênero e classe.2 O livro de Oakes chega num momento importante de nossa história, dada a magnitude do debate e das atividades de reforma em torno da educação americana nos dias de hoje. Neste debate, os conservadores dominaram os primeiros rounds, e o discurso da reforma educacional foi reduzido à lógica reducionista do progresso econômico e realização individual. Dadas as circunstâncias, o surgimento de Seleção Educacional no mercado educativo é especialmente bem-vindo, nem que seja apenas para lembrar os educadores e o público da responsabilidade da organização e administração escolar pela produção de desigualdade e injustiça. Oakes inicia seu estudo com uma tentativa séria de "desvendar a tradição" da seleção educacional traçando o desenvolvimento das práticas de agrupamento e seleção segundo a capacidade em escolas americanas durante os últimos 100 anos. A afluência de imigrantes desqualificados provenientes do sul e leste europeu no início deste século, acompanhada pelo cumprimento das leis de trabalho infantil e educação compulsória, precipitaram o nascimento da escola secundária abrangente." Este novo tipo de escolariza cão requeria o abandono da '''noção oitocentísta da necessidade de aprendizagens comuns para construir-se uma nação coesa" em favor da diferenciação curricular na forma de seleção e agrupamento homogêneo.3 O darwinismo social serviu de ideologia legitimadora da caracterização das minorias étnicas e dos pobres como ocupando posição inferior na escala evolutiva e sendo menos aptos ao desenvolvimento moral do que a maioria angloprotestante. Aliado à preocupação crescente com a preservação da cultura branca anglo-saxônica dominante contra a "depravação" da população imigrante, o Darwinismo Social assim apoiou a tendência em direção à americanização que finalmente dominou o currículo escolar. A indústria americana devia fornecer a lógica deste novo tipo de educação apresentando nas escolas um modelo de aprendizagem de fábrica.

ilha'''N.cio T.'. Keeping Track: a expressão significa normalmente manter-se informado, ou acompan»^ o, em educação, track refere-se a um determinado programa de estudos ou nível curricular Contudo pela qual um estudante é encaminhado com base em sua capacidade ou necessidade. Optamos então Pc"* expressão xpressão "Seleção iEducacional", que transmite melhoro ponto em questão, definido pela autora log° a seguir.

Chicago: William Benton, Publisher, 1966).

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Como' conseqüência, e com o encorajamento de uma economia industr' I florescente, :ente, a produção e a eficiência tornaram-se os princípios ideológie^ lueoiógicos de orientação para o estabelecimento cie uma educação vocacional corno currículo alternativo apropriado para estudantes que não são destinados à faculdade. O desenvolvimento de testes de QI contribuiu adicionalmente para a fundamentação objetiva necessária para classificar os estudantes em vários programas com base em seu histórico étnico, racial e econômico. Realizada "dentro do espírito da eficiência científica", a testagem educacional era vista como "meritocrática", já que ajudava a classificar os estudantes em programas especializados nos quais receberiam o que se considerava a melhor educação possível, dadas as oportunidades disponíveis no mercado industrial. Depois de fornecer uma descrição histórica da seleção, Oakes desvela certos mitos e práticas de desigualdade em torno da seleção escolar. Ao analisar a disjunção entre os valores democráticos defendidos pelas escolas e as ideologias autoritárias e reprodutivas inerentes à morfología e práticas de seleção, Oakes trabalha com uma ampla e complexa amostra de dados obtidos em um estudo do final dos anos 70 com 25 escolas de primeiro e segundo graus sem segregação social (297 salas de aula) desenvolvido por John Goodlad em seu bem conhecido livro "Um Lugar Chamado Escola".'1 Argumentando que "os estudantes não devem cair na armadilha de pensar que uma preparação prévia para um mundo injusto requer exposição prévia à injustiça"5, Oakes procura nos mostrar que as escolas oferecem benefícios de maneira desigual. Ela afirma que, invariavelmente, os estudantes que são pobres e provenientes de minorias são mais privados de sua autoridade e direitos pelos procedimentos de seleção escolar. Este efeito provém em parte da maneira como o conhecimento escolar é distribuído em grupos de alto e baixo padrão. Oakes sustenta que os estudantes de grupos de baixo padrão têm maior probabilidade do que os outros de pertencerem a minorias ou serem provenientes cie classes mais pobres, além de aprenderem comportamentos que os tornam mais adequados para funções de status mais baixo. Em outras palavras, mínistra-se aos estudantes de baixo padrão conhecimento cie status inferior que tem "pouco valor de troca em termos sociais ou econômicos"'.6 Oakes também analisa as oportunidades cie aprendizagem. Seus dados revelam que os estudantes cie grupos de alto padrão desfrutam de vantagens educacionais distintas daqueles de grupos de médio e baixo padrão.Para os grupos de alto padrão, os professores dedicam mais tempo à aprendi2a gem; dedica-se mais tempo real em aula às atividades de aprendizagem; espera-se maior atenção às tarefas de casa; menor número de estudantes sã o dispensados das tarefas; e maior prática instrutiva é oferecida. Em resum o, para os estudantes de alto padrão, a aprendizagem ocorre em um ambiente que confirma suas identidades de alto padrão e, como tal, estrutura 0 tempo, atividade e o lugar cie forma a privilegiar seus sentido de identicta^ (.self) e realização.


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Para os estudantes de baixo padrão,,.o tempo na escola pode representar mais uma carga do que um bem. Tais estudantes muitas vezes vêem o conhecimento como desligado de suas vidas, e a instrução como um roubo de seu tempo. A escola torna-se um lugar para suportar o tempo mais do que para usá-lo no interesse de autofortalecimento e social. Digna de louvor é a análise de Oakes das reações dos estudantes de baixo padrão às formas nas quais as escolas administram e desestruturam suas vicias. Se tais alunos conseguem aprender alguma coisa, é a despeito da degradação que suportam. A seleção faz mais do que alienar os estudantes da escolarização; ela também solapa suas aspirações sociais e sentido cie valor próprio. Oakes sugere que os estudantes das camadas inferiores na hierarquia social rebaixam suas aspirações sem perceberem que as escolas os tratam injustamente. A posição de Oakes torna-se cruel neste ponto, traduzindo injustamente um fracasso social em um fracasso pessoal e obscurecendo nossa compreensão de como tais fracassos poderiam ser retificados no futuro. Em essência, as escolas desempenham papel importante na legitimação da desigualdade, na socialização dos estudantes para que aceitem as características de desigualdade da sociedade mais ampla. Oakes também examina a educação vocacional e alega que os programas vocacionais funcionam basicamente para segregar os estudantes pobres e minoritários em programas de treinamento ocupacional, preservando, desta forma, o currículo acadêmico para os estudantes de classe média e alta. Conseqüentemente, a educação vocacional é crucial para a reprodução das desigualdades de raça, gênero e classe nas escolas típicas da ordem econômica mais ampla. Não é de surpreender que Oakes constata que nos treinamentos vocacionais os não brancos são mais direcionados cio que os brancos a futuros em posições sociais e econômicas inferiores. Próximo ao fim cie seu livro, Oakes muda sua linguagem de crítica para uma linguagem de possibilidade. Ela analisa a legalidade da seleção e identifica características que poderiam ser o foco de ação legal. Sua premissa é que a seleção é uma ação governamental que classifica e separa os estudantes, e desta maneira determina o volume, a qualidade e mesmo o valor do serviço governamental (educação) que os estudantes recebem. As classificações realizadas são duradouras^ s estigmatizantes. Além disso, elas não parecem ser essenciais ao processo de provtôJ de serviços educacionais. Na verdade, em alguns estudantes elas podem interleru n processo educacional. 7

Evidentemente a discussão do litígio como meio de questionar os eftJí tos discriminatórios da seleção tem o intuito de sugerir uma estratégia pi'e | minar que poderia levar a uma igualdade mantida por legislação governament^Não desejamos discutir as proposições e conclusões gerais de Oakes, isto é, que o conhecimento escolar tem distribuição desigual e é qualitativa

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mente diferente de estudante para estudante; que a seleção a mobjij_ dacle .econômica e, social dos estudantes; e que a escolarizac^ , ,, . atitudes dos estudantes e lhes ensina a aceitarem seu status inferior como inquestionável e inviolável. Contudo, gostaríamos cie charnar a atencão para alguns problemas teóricos encontrados por Oakes quj(ncj^ embasa sem crítica seu ataque à seleção na teoria da reprodução. Oakes se utiliza dos trabalhos de teóricos da reproduçào> tajs como Bowles e Gintís, e teóricos radicais como Paul Willis, Basil Berrem Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron para sustentar suas conclusões.8 Não satisfeita em confiar na força ideológica de seus próprios dados, e j a reítera as principais alegações dos reproducionistas: que a escolarizacão legitima a desigualdade; que o status inferior corrói a auto-estima; que as escolas como máquinas de seleção, preparam os estudantes para papéis adultos assim ajudando a manter a estrutura social e os padrões organizacionais da sociedade mais ampla; que as escolas constituem e distribuem os estudantes de acordo com a raça, classe e gênero; e que os estudantes descontentes geralmente acabam nos mesmos cargos de baixo status de seus pais. Mas embora Oakes não hesite em usar a teoria da reprodução, ela deixa de abordar suas implicações mais radicais. Ela não chama atenção, por exemplo, para os efeitos deletérios da lógica cio capital em geral, ou a forma na qual esta lógica é produzida no próprio processo de seleção. Em outras palavras, a análise de Oakes não dá idéia de como as forças ideológicas e materiais do capital de fato estruturam - através da intervenção do estado. comércio e da ideologia do sucesso individual e competitividade - os vários interesses que operam nas escolas para o benefício das relações sociais capitalistas. Ela não reconhece que, sem grandes mudanças na distribuição do poder econômico e político na sociedade mais ampla, a reforma escolar rumo à igualdade é virtualmente impossível. Martin Carnoy, em contraste. coloca bem a questão: O sistema hierárquico de produção capitalista, estruturado em divisões de classe, gênero e raça em nossa sociedade, não será alterado pela qualidade superior e igual da educação básica a menos que sejam feitos esforços concorrentes para democratizar a economia e burocracia do estado. E se o local de trabalho não for democratizado, alguns grupos de crianças receberão a mesma educação com um retorno social muito inferior. A menos que as funções mais humildes, repetitivas, sejam relacionadas, por exemplo, entre os cidadãos, teremos lavadores de pratos muito intelectuais e muito insatisfeitos trabalhando por salários baixos. Os apelos para que considerem sua educação como um fim em si mesmo só podem ser feitos por aqueles que sentam em suas torres de marfim e são bem pagos para fazê-lo.9

A falta de inclinação de Oakes para considerar "uma ampla reconstru#0 social" a leva a oferecer sugestões para reformas mais imediatas. Com Ur « apelo ansioso à política pragmática, ela adota uma posição que se tr acluz mais ou menos assim: se não podemos criar urna autentica democracia de maneira realista, pelo menos podemos tentar criar igualdade nas


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escolas. Conseqüentemente, ela assevera que as escolas devem "parar de dividir e selecionar os estudantes para funções futuras na sociedade". Além disso, elas deveriam "abandonar seu papel como agentes de reprodução das desigualdades na sociedade mais ampla"10. À medida que seu plano de reforma se desdobra, Oakes nos apresenta um modelo pedagógico baseado, como poderia-se esperar, em agrupamentos obrigatoriamente heterogêneos e um currículo comum, o qual seria, surpreendentemente, orientado por um enaltecimento do conhecimento "de status superior". Oakes alega que a reorganização das escolas de forma que o padrão predominante torne-se o uso de grupos heterogêneos poderia nivelar as experiências educacionais dos estudantes de várias maneiras. Primeiramente, se déssemos um currículo igual aos estudantes, idealmente constituído em grande parte pelo conhecimento de status superior hoje reservado basicamente aos estudantes de padrão superior, o fechamento do acesso dos estudantes a oportunidades futuras seria consideravelmente adiado e talvez reduzido. Toclos os estudantes seriam pelo menos expostos aos conceitos e habilidades que permitem acesso à educação superior. E se alguns estudantes não compreenderem os conceitos com a mesma rapidez e abrangência cie outros, pelo menos terão tido um começo, uma chance."

Como diferenças na aquisição de conhecimento ainda ocorreriam dentro de grupos heterogêneos, Oakes desenvolve o que considera estratégias pedagógicas alternativas idealmente adaptadas para o ensino de grupos heterogêneos. Uma alternativa é usar testes com referência a critérios em vez de testagens que comparem um estudante com o outro. Além disso, as tarefas de aprendizagem seriam reestruturadas para fomentar a aprendizagem cooperativa, permitindo aos estudantes evitarem os modelos individualistas e competitivos de instrução atualmente empregados pela maior parte dos professores. As estruturas de aprendizagem cooperativas, alega Oakes, oferecem três vantagens características: "(1) um incentivo inerente para que os estudantes interajam uns com os outros como recurso de aprendizagem; (2) um meio de acomodar diferenças entre os aprendizes no processo de aprendizagem; e (3) uma maneira de minimizar bastante ou eliminar os efeitos cias diferenças iniciais no nível de habilidade ou na velocidade de aprendizagem dos estudantes na atribuição de recompensas pela mesma'. ~ O que se perde nesta visão de Oakes da reforma escolar é uma anáfe6 crítica da natureza do conhecimento de status superior. Oakes não vê q ue a aceitação sem crítica da primazia do conhecimento de status supetio1 poderia levar à desvalorização de formações culturais populares e conheci mento subcultural e a uma exclusão da legitimidade do capital cultural de* estudantes da classe trabalhadora. Em outras palavras, Oakes não mosti-1 compreensão teórica do relacionamento entre cultura, poder e aprendiz-1 gem. Existe pouca compreensão em seu discurso de como as escolas incorp ram uma cultura dominante que muitas vezes funciona no nível da vic escolar cotidiana para deslegitlrnar, marginalizar, ou efetivamente

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as "vozes" dos estudantes de grupos subordinados. Não se apresenta qual quer análise do relacionamento entre linguagem e poder, da forma na qual a linguagem funciona para introduzir os estudantes em modos de vida particulares, e, sendo assim, como ela constrói e inclui formas particulares de subjetividade. À teoria de reprodução em geral e a análise de Oakes em particular deixam de desenvolver uma teoria da subjetividade e uma política de experiência estudantil relacionadas com a dinâmica da aprendizagem prática Com efeito, o que nos é apresentado é uma nova estratégia liberal sem o benefício dos esclarecimentos radicais oferecidos pelos próprios teóricos da reprodução que Oakes tanto endossa quanto critica. Oakes termina por sacrificar a primazia da política ao construir uma noção de reforma docente que afasta as categorias fundamentais de cultura, ideologia e poder da pedagogia, para a qual aponta como uma forma de tornar as escolas locais democráticos com oportunidades iguais. O que acabamos obtendo é mais rogeriano e interacionista do que qualquer forma de pedagogia radical que tenha se desenvolvido nos Estados Unidos até hoje. Dizem-nos, por exemplo, que a forma e conteúdo das disciplinas escolares deveriam ser reorganizados de uma maneira mais equitativa, e que, uma vez que os estudantes agem ou interagem uns com os outros de uma maneira fortemente determinada pela forma como os professores estruturam as metas de aprendizagem, os professores precisam estar mais atentos à organização das tarefas de sala de aula e à alocação de recompensas pela aprendizagem. Mas poucas descrições contextuais nos são oferecidas de como a própria voz e capital cultural do estudante são mediados e constituídos pela experiência escolar, ou de como a voz e capital cultural dos estudantes são construídos dentro de formações sócio-culturais mais amplas. Na melhor das hipóteses, Oakes esboça uma visão em que estudantes de todos as classes e raças teriam a mesma chance de sobreviver economicamente em um mundo injusto. A própria Oakes admite que não tem certeza se sua visão de igualdade nas escolas teria, a longo prazo, o efeito de desestimular as desigualdades da sociedade. No mínimo, Oakes crê que os estudantes teriam um início melhor do que têm agora na estrada para o sucesso no trabalho. Mas qualquer proposta de reforma escolar que duvida de seu próprio poder de afetar a realidade fora da própria escola - além de ajudar os estudantes a encontrarem um lugar no mercado capitalista — nos e ngana ao esconder a possibilidade de que os professores poderiam se organizar coletivamente fora da escola, em aliança com outros movimentos sociais, a fim de efetuar mudanças políticas e estruturais que possam dirigir-se tanto às escolas quanto à sociedade como um todo. Oakes não apresente questões acerca de se a persistência da visão dominante da educação - a qual ela vagamente relaciona com "oportunidades de emprego" - tem justificativa ética. É claro que o dilema de Oakes não é novo. Eie reflete o maior ir npasse na reforma educacional liberal: Como podem as escolas dar aos estudantes um sabor de democracia, de forma que os mesmos sejam motiva-


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dos a criarem uma ordem social mais justa e mais igualitária quando deixarem a escola, e ao mesmo tempo rejeitar as sugestões ou estratégias de mudanças de grande alcance na sociedade mais ampla por serem demasiadamente radicais ou fora da realidade? As formulações de Oakes sobre a natureza e propósito da escolarização democrática não são suficientemente problematizadas. Na visão de Oakes, um sistema educacional destituído de desigualdade seria organizado para garantir "maiores realizações acadêmicas, mais atitudes positivas em relação às atividades instrutivas, e ênfase aos relacionamentos interpessoais e entre os grupos".13 Existe uma certa lógica nisso. Mas sem uma análise sistemática e sustentada do sistema social e econômico mais amplo que é responsável pela desigualdade nas escolas, o modelo de escola democrática que Oakes endossa não representa mais do que uma fábrica ideológica aperfeiçoada para a eficiência "democrática". O que acabamos obtendo é menos uma questão de fortalecimento democrático do que uma forma cie escolarização na qual os estudantes de todas as classes e grupos sociais são igualmente socializados dentro dos imperativos da cultura dominante. Na visão de reforma de Oakes, todos os estudantes teriam maiores chances de obter conhecimento de padrão superior e melhores oportunidades de emprego, mas as escolas como tal continuariam sendo as empregadas da cultura dominante. Isto nos sugere um problema bem como uma confusão, na qual Oakes parece estar presa. Oakes parece confundir a natureza processual da democracia com a questão de fortalecimento para a democracia. Uma coisa é argumentar que as escolas deveriam se tornar ambientes mais democráticos, mas tal apelo é teoricamente vazio se não estiver acompanhado de uma tentativa de determinar com clareza as formas de conhecimento, os valores e as práticas sociais que os estudantes irão necessitar a íim de compreenderem como uma sociedade particular funciona, onde estão situados na mesma, e quais são suas características de maior desigualdade. Com efeito, Oakes apresenta uma defesa da democracia enquanto ambiente que carece de quaisquer agentes. Seria uma democracia de formas vazias. O conceito de boa escolarização deveria transcender considerações pedagógicas que focalizam preocupações do tipo "tempo na tarefa , "envolvimento do aluno com as tarefas de aprendizagem", e o "grau de intensidade do envolvimento do aluno". Oportunidades iguais deveriam passar a significar mais do que simplesmente oferecer aos dois gênero», todas as classes e todas as raças as mesmas chances de serem igualmente socializados para ocupações de classe superior. Os dois conceitos exige" que reconsideremos o relacionamento entre conhecimento e poder. Precisamos aprender como a autoridade funciona nas escolas para moldai * subjetividade de acordo com a lógica da sociedade dominante. À luz da realidade política atual, o enfoque estreito cie Oakes na questão imediata da organização e burocracia escolar pode oferecer à NoV«-

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Direita e outros a oportunidade de se mobilizarem em torno de questõeque afetam as escolas de maneira indireta, porém poderosa. A abolição da seleção é uma pré-condíção da escolarização democrática. Mas o fracasso de Oakes em considerar com seriedade a necessidade de que as escolas funcionem politicamente como esferas públicas, ou que estabeleçam laços com componentes populares, tais como movimentos de trabalhadores, grupos feministas e grupos de desarmamento, aproxima perigosamente suas recomendações daquelas de uma outra proposta recente em favor cie um sistema completamente unificado de escolarização, a qual também tem um enfoque humanístico e de status superior: A Proposta Paideia. Em última análise, o conceito de igualdade que Oakes adota permanece acrítico e indiferenciado. A desigualdade não é simplesmente "causada" por disposições estruturais e administrativas ou pela adesão irrefletida de professores bem intencionados a mitos que erroneamente promovem a seleção de estudantes. A desigualdade é melhor compreendida contextualmente, por referência a conjuntos de práticas e negociações sociais entre atores sociais dentro de certos limites estruturais, históricos e ideológicos. Como salientam Connell et ai., a desigualdade não pode ser compreendida por um tipo de aritimética de vantagem e desvantagem. Se tanto, a analogia deveria ser com composições químicas mais do que com adição e subtração. Precisamos de instrumentos para pensar sobre mudanças qualitativas, saltos e descontínuiclades, como nosso meio de penetrar na essência do sistema."

Acreditamos que a noção das causas das desigualdades deveria ser minimizada em favor dos esforços para compreender os relacionamentos e padrões sociais que operam no sistema educacional, incluindo as contradições e tensões dentro destes padrões, e uma compreensão de como as pessoas se relacionam com estes padrões e relacionamentos e os medeiam. Mais do que tentar manipular os fatores causais da desigualdade, como faz Oakes, Connell et ai. preferem falar "em termos dos potenciais que uma dada situação tem para as pessoas que nela se encontram, e os limites do que podem fazer com ela".15 Em outras palavras, a noção de causa é infrutífera a menos que seja examinada no contexto da ação social. Vista desta perspectivada seleção é mais produto de como o poder e o conhecimento operam através das disposições institucionais e formações sócio-culturais do que resultado de uma causa institucional uniderecional. Com todos os seus dados e boas intenÇòes, o livro de Oakes nos aproxima muito pouco da resposta à questão Proposta por Counts em 1922. Portanto, nos parece simplesmente adequado que deixemos que o espírito de Counts reitere nossa preocupação final, a de que os educadores precisam fazer uma escolha entre escolarização e Democracia ou escolarização e dominação. Oakes não consegue nos trazer l 'ma compreensão das escolas como locais possíveis de e sobre democracia. Ela aborda a questão de se as escolas podem ou não funcionar no


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interesse da democracia, mas ela o faz com uma temeridade teórica e política que sugere a necessidade de um novo modelo de teoria e prática educacional radical. Em sua procura por respostas, Oakes vira de cabeça para baixo a tradição recente da teoria educacional radical e confunde o início da teoria educacional tradicional em sua etapa de reprodução como seu momento culminante. Isto é teoricamente enganoso e politicamente incorreto. Sugerimos que os educadores tirem proveito do novo discurso e questões propostas pela teoria educacional radical. Ela é uma abordagem que liga a teoria à prática, combina a linguagem da crítica com a linguagem da possibilidade e analisa as escolas de forma a revelar como elas poderiam produzir novos indivíduos, novas subjetividades e a coragem necessária para reformas institucionais mais amplas.16

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Notas

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1. George S. Counts, The Selectiue Character of American Secondary Education (Chicago: University of Chicago Press, 1922), pp. 154, 156. 2. Oakes, Keeping Track. 3. Ibicl., p. 21. 4. John Goodlad, A Place Called School (New York: McGraw-Hili, 1984). 5. Oakes, Keeping Track, p. 205. 6. Ibid, p. 92. 7. Ibíd., p. 173. 8. Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America; Paul Willis, Learning toLabour (Lexington, Mass.: D.C. Heath, 1977); Bernstein, Class, Codes, and Conlrol, Vol.3; Bourdieu e Passeron, Reproduction. 9. Martin Carnoy, "Education, Democracy and Social Conflict", HarvardEducationalReview 43(1983): 402. 10. Oakes, Keeping Track, p. 205. 11. Ibid., p.206. 12. Ibid., p.210. 13. Ibid., p. 211. 14. R. W. Conell et ai, Making the Difference (Sydney, Austrália: Allen &Unwin, 1982), p193. 15. Ibicl. 16. Para uma análise das várias tradições que caracterizam os desenvolvimentos recentes n:' teoria educacional teoria, ver Aronowitz e Giroux, Education UnderSíege, e McLaren, Schoohng as a Ritual Performance.

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ntônio Gramscí finalmente desponta como um dos grandes teóricos da teoria social marxista, quase quarenta e cinco anos após sua morte. Contudo, a preocupação quase global com os escritos de Gramsci tem sido acompanhada de um paradoxo que continua sem resolução. Embora a obra de Gramsci seja atualmente acessível a estudiosos muito além do alcance de sua Itália nativa, existe pouca concordância sobre o significado ou importância de seu trabalho. Interpretada e reinterpretada, a obra de Gramsci foi elaborada e popularizada a ponto de, às vezes, ter sido destituída de suas mais importantes características. Em meio à confusão e aos slogans, o nome de Gramsci tornou-se uma auréola para racionalizar as alegações teóricas mais banais. As origens deste problema são tanto a natureza de seus escritos quanto o gênero no qual expressou suas idéias. Seus primeiros trabalhos consistiam principalmente de empreendimentos jornalísticos que, embora significativos, eram um tanto limitados pelo gênero em que foram elaborados. Os escritos da prisão, mais célebres, foram redigidos sob o olhar cie desdém de um censor de uma prisão fascista, e, na melhor das hipóteses, são fragmentários e inacabados. Isto não significa sugerir a ausência de uma riqueza de idéias e análises nestes escritos; eles estão aí, mas exigem uma leitura paciente e sistemática, na qual muitas vezes idéias contraditórias e não desenvolvidas ao máximo têm que ser situadas dentro dos parâmetros da visão de mundo de Gramsci para serem totalmente compreendidas.


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A. contextualização das idéias de Gramsci é particularmente relevante com respeito a seus escritos em educação. Teóricos e abstratos, eles são desfigurados por uma linguagem codificada e por perspectivas incompletas e variáveis. Por exemplo, grande parte de suas notas de prisão sobre mudança curricular e pedagogia foram escritas como resposta às reformas escolares propostas por Gentile em 1923. A importância destes escritos só pode ser integralmente apreciada dentro do posicionamento geral de Gramsci sobre hegemonia, intelectuais, e "guerra de posições". Não proceder desta maneira significa correr o risco de sustentar uma leitura simplista da posição de Gramsci sobre educação, a qual incorretamente o descreve como partidário de um estilo conservador de escolarização. Esta visão é particularmente errônea, já que tal análise ostenta os clichês comumente usados da educação tradicional e progressista. Este tipo de categorização não é histórica ou dialética, e simplesmente não pode acomodar a noção de que o que era rotulado cie política educacional progressista nos anos vinte poderia ser considerado como bastante "conservador" por alguns educadores "radicais" nos anos 80. Quando abstraídos dos contextos sócio-históricos nos quais foram usados, estes termos tornam-se inaplicáveis para avaliar-se o valor da contribuição de Gramsci para a teoria e prática educacionais críticas. Assim, a verdadeira questão não é, no sentido não histórico convencional, a cie rotular elementos de pedagogia tradicionais ou progressistas na obra de Gramsci. Em vez disso, o ponto de partida teórico importante para avaliar os escritos educacionais de Gramsci é se sua problemática sobre educação, as questões que ela levanta e as sugestões apresentadas oferecem as unidades de construção conceituai de uma pedagogia crítica coerente tanto com seus próprios objetivos de mudança social radical quanto com as necessidades políticas da classe trabalhadora nos países industriais avançados do ocidente durante os anos 80 e 90. O trabalho de Harold Entwistle representa um dos primeiros esforços maduros para explorar a relevância dos escritos de Gramsci para o desenvolvimento de uma base para a teoria e prática educacionais. Entwistle aborda esta tarefa primeiramente examinando em detalhes os escritos <z notas sobre escolarização de Gramsci. Ele então compara sua própria análise destes escritos com a maneira na qual a obra de Gramsci foi interpretada e usada pelos assim chamados novos sociólogos da educação, bem como por outros teóricos educacionais radicais. Depois de ressuscitar o "verdadeiro" Gramsci, Entwistle passa a repudiar aqueles críticos radicai^ que supostamente interpretaram erroneamente sua obra. Ele prova que a lição a ser aprendida da obra de Gramsci é que as escolas não proporcionam o ambiente para uma "educação radical, contra-hegemônica".1 A analise de Entwistle da obra de Gramsci nos oferece a oportunidade de articulai algumas das principais suposições que caracterizam seu trabalho, critica! uma apropriação particularmente conservadora destas suposições, e indicar a relevância que sua obra poderia ter para os educadores.

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Nesta visão, a pedagogia crítica é de responsabilidade exclusiva das instituições destinadas à educação de adultos, isto é, locais de trabalh* sindicatos, etc. Assim, em nome cie Gramsci, somos colocados perante uni estranho dualismo: por um lado, a escolarização para crianças é vista como um exercício de imposição de disciplina, trabalho árduo e" fatos objetivosisto é, ela passa a ser um lugar em que os professores podem apresentar mecanicamente aos estudantes da classe trabalhadora os instrumentos e "virtudes" da cultura e história tradicionais. Por outro lado, a educação para adultos é caracterizada por auto-reflexão, pensamento crítico, e "relacionamentos professor-estudante nos quais ambas as partes estão ativamente engajadas como aprendizes na busca da verdade e mudança social. Em seu sentido mais importante, o dualismo que caracteriza a visão de Entwistle da escolarização e de Gramsci representa a chave para compreender a metodologia que ele usa para desenvolver sua tese. Trata-se de uma metodologia que é tão reducionista quanto não dialética. Sua razão de ser parte não de um problema ou questão a ser explorada, mas de um fervor messiânico, cujo propósito parece ser impor uma leitura positivista de Gramsci, a qual infelizmente o faz parecer nada mais do que um apologista grosseiro do modo mais reacionário de pedagogia. Entwistle também parece ter usado este livro para exorcizar a má influência dos novos sociólogos da educação e dos educadores críticos neomarxistas. Em ambos os casos, a interpretação não corresponde à realidade. A leitura de Gramsci apresentada por Entwistle revela-o como um chefe "severo", cujas visões sobre disciplina, conhecimento e hegemonia o colocam mais em sintonia com Karl Popper e jacques Barzun (ambos os quais são citados de maneira positiva) do que com semelhantes a Karl Marx, Paulo Freire ou mesmo John Dewey. Por exemplo, se quisermos levar a sério a versão de Entwistle de Gramsci como modelo de educação socialista, então teremos que aceitar a alegação de que Gramsci acreditava que o conhecimento humano é objetivo no sentido adotado por Karl Popper. Isto é, que o conhecimento é "independente de quem reivindica saber, e que existem leis objetivas, inegociáveis, às quais o homem deve se adaptaise quiser dominá-las".2 Ao fazer esta alegação epistemológica, Entwistle obscurece a distinção de Gramsci entre as ciências naturais, que envolvem "as coisas objetivas" do inundo natural que correspondem aos atributos marcados por convenções lingüísticas, e o conhecimento do mundo social, o qual envolve percepções da realidade social compreendidas a partir da forma na qual os seres humanos constituem e conferem significado ao mundo. O "conhecimento sem um sujeito" cie Popper e sua noção de lógica que opera de forma independente da volição humana guardam pouca semelhança com o pensamento cie Gramsci, o'qual rejeitou a falsa distinção entre conhecimento e interesses humanos.3 Além disso, a posição de Gramsci não pode ser compreendida como um argumento para o tipo de relatívísmo cultuado


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pelos primeiros proponentes da nova sociologia da educação e corretamente criticado por Entwistle.' E tampouco pode ser usada para sustentar a visão de conhecimento de Popper, com seu apoio subjacente a formas organizacionais tecnocráticas concebidas "de forma que o conhecimento objetivo, anistóríco e abstrato possa ser empregado no controle dos eventos históricos".5 Gramsci foi muito claro sobre a rendição da ação humana e da prática social às projeções baseadas em leis estatísticas e modelos de objetividade e previsão. Ele argumentou que tal visão não apenas reforçava a passividade entre as massas como também dava suporte à falsa noção de que o futuro poderia ser previsto através de uma leitura mecânica do passsado.6 O ponto aqui é argumentar contra o objetivismo que despoja a epistemologia e marxismo de Gramsci de sua subjetividade, história e humanismo. A preocupação de Gramsci com os "fatos" e seu rigor intelectual em seus escritos educacionais só faz sentido enquanto análise crítica bem articulada das formas de pedagogia que separam os fatos dos valores, a aprendizagem cia compreensão, e a emoção do intelecto. Não era mistério para Gramsci que a pedagogia das reformas de Gentile, as quais enfatizavam o "sentimento", a "emoção" e as "necessidades mais imediatas da criança" para a exclusão do conteúdo e dos modos de racionalidade técnica, representava uma forma de dominação operando à guisa de uma teoria educacional libertária. É somente dentro do contexto da própria pedagogia dialética de Gramsci que sua análise crítica da escolarização vocacional, sua preocupação em ligar a sabedoria à autodiscíplina árdua e sua rejeição do "imediato" testemunham uma epistemologia que rejeitava uma versão positivista da realidade social e da natureza humana, com seus falsos dualismos e sua imagem de um mundo de fatos com subsistência independente e estruturados como leis. A leitura de Gramsci empreendida por Entwistle não penetra na origem deste dualismo; ela simplesmente a inverte. Isto é, ele substitui a glorificação unilateral da urgência \iinmediacy) das necessidades por uma glorificação igualmente unilateral da urgência dos "fatos". A pedagogia radical para Gramsci era histórica, dialética e crítica. Mais do que adular a "urgência" das necessidades humanas ou a "urgência" dos fatos, ela rejeitava a mera factualidade e requeria que a escolarização fosse "formativa enquanto era 'instrutiva'."7 Para Gramsci, a tarefa pedagógica era, em parte, "mitigar e tornar mais fértil a abordagem dogmática que deve inevitavelmente caracterizar estes primeiros anos".8 Tal tarefa não é fácil, e demandava, por um lado, a necessidade de "estabelecer limites nas ideologias libertárias", ao passo que, por outro, era necessário reconhecer que "os elementos de luta contra a escola mecânica e jesuíta haviam se tornado prejudicialmente exagerados".9 Subjacente à pedagogia cie Gramsci encontra-se um princípio educacional no qual um humanismo confortável é substituído por um radicalismo obstinado; não um radicalismo que falsamente separa a necessidade e espontaneidade, disciplina e aprendizagem de habí-

lidades básicas importantes da imaginação, e sim as intecra 10 ixr h' dúvida que os exercícios repetidos, o trabalho árduo e a discipü suporte na pedagogia de Gramsci. Mas, como Philip SimpscTassi^f ^ trabalho árduo necessário não é o princípio que ele encontra no traba'lho tanto quanto seu poder de transformação".11 As interconexões ent ' f plina e pensamento crítico na visão de escolarização de Gramsci só 1SC1~ prestam suporte a uma noção conservadora de pedagogia se o conceit d > disciplina e autocontrole físico for abstraído de sua ênfase na importância de desenvolver-se uma contra-hegemonia, "a qual requer a formação de um proletariado militante, autoconsciente, que irá lutar sem trégua por seu direito de governar a si mesmo...".12 Em outras palavras, a alegação de Gramsci de que "sempre será um esforço aprender a autodisciplina e autocontrole físicos; o aluno, com efeito, tem que passar por um treinamento físico" fica seriamente distorcida a menos que compreendida dentro do contexto de suas outras observações sobre aprendizagem e desenvolvimento intelectual.13 Por exemplo, ele escreveu em 1916: Devemos romper com o hábito de pensar que a cultura é conhecimento enciclopédico, através do qual o homem é concebido como mero recipiente para despejar e conservar dados empíricos ou fatos brutos e desconexos que subseqüentemente ele terá que distribuir em seu cérebro como nas colunas de um dicionário de forma a ser capaz de no futuro responder aos diversos estímulos do mundo externo. Esta forma de cultura é realmente prejudicial, especialmente para o proletariado. Ela só serve para criar desajustados, pessoas que se acreditam superiores ao resto da humanidade porque acumularam em sua memória uma certa quantidade de fatos e datas que vomitam em toda a oportunidade a ponto cie quase levantar uma barreira entre elas e os outros."

Entwistle acertadamente critica o relativismo de Gramsci, seu fracasso em situar o conhecimento historicamente, e sua leitura linear da hegemonia como uma imposição de significado, como falhas graves tanto na interpretação quanto no uso dos princípios educacionais de Gramsci. Mas na tentativa de fortalecer sua posição de que Gramsci argumentava contra o desenvolvimento de uma pedagogia radical na qual as escolas seriam locais de lutas contra-hegemônicas, Entwistle desenvolve uma análise crítica da escolarização que é enganosa. Entwistle argumenta que a noção de Gramsci da função hegemônica da escola "reside em sua organização mais do que em seu currículo, ou no "currículo oculto" implícito no método de ensino".15 Isto é, a função hegemônica da escola nada tem a ver com o que ou como ela ensina, e sim com a maneira na qual ela impede que estudantes da classe trabalhadora obtenham acesso a uma educação humanística tradicional.16 Nesta visão um tanto "notável", as questões referentes a como as escolas funcionam dentro do sistema mais amplo de relações de poder a fim de manter o domínio dos grupos governantes são facilmente/irrefletidamente (glibfyy desconsideradas como inconseqüentes ou enganosas. Ao ignorar a questão de como a ím-


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posição de significados e valores distribuída nas escolas está dialeticamente relacionada com os mecanismos de controle econômico e político na sociedade dominante, Entwistle despolitiza o relacionamento entre poder e cultura. Desta maneira, ele banaliza o papel que as escolas desempenham na definição do que é conhecimento legítimo e prática social. Conseqüentemente, sua própria análise acaba sendo uma forma cie ideologia administrativa, a qual substitui as questões referentes ao relacionamento entre conhecimento e poder por questões que se limitam a como um dado corpo de conhecimento deve ser ensinado e aprendido no encontro em sala de aula. Um ponto significativo é parcialmente desenvolvido por Entwistle em sua alegação de que a noção de hegemonia de Gramsci foi mal-interpretada e aplicada por diversos educadores radicais. Ao verem a hegemonia como a simples imposição cie significados, eles banalizaram o conceito definindo-o simplesmente como uma forma de reiteração. Este é um importante corretivo na compreensão cie como os mecanismos de dominação intermedeiam a sociedade mais ampla e a escola, particularmente enquanto se manifestam nas práticas materiais dos relacionamentos sociais escolares, nas práticas ideológicas dos professores, nas atitudes e comportamento dos estudantes e nos próprios materiais didáticos. A noção de luta ideológica de Gramsci era crítica demais para sugerir que os professores deveriam simplesmente transmitir a cultura prevalecente. Ele argumentava que a cultura humanístíca tradicional deveria ser dominada, porém compreendida no sentido dialético a fim de ser criticada e rearticulada de acordo com as necessidades de uma classe trabalhadora radical. A oposição, e não a transmissão, é o tema crítico que Gramsci postula como a principal tarefa pedagógica da escolarízação radical. Isto não significa sugerir que se deve fazer uma limpeza completa da cultura existente, ou substituí-la por outra completamente nova e já formulada. Na verdade, trata-se de um processo de transformação (com o objetivo de produzir uma nova forma) e rearticulação de elementos ideológicos existentes".17 Mais uma vez, a cultura dominante tinha que ser criticamente compreendida antes cie poder ser transformada. Esta é uma questão significativa na noção de educação de Gramsci, pois tem importantes implicações para os relacionamentos professor-estudante em uma teoria crítica da pedagogia, implicações que estão em oposição às visões que Entwistle atribui a Gramsci. Gramsci compreendeu claramente, como assinala Femia, que "a consciência revolucionária não devia ser injetada na classe trabalhadora de tora, e sim mobilizada de dentro"1H. Isto não significa, como alega Entwistle, que não existe uma cultura cia classe trabalhadora. E, por outro lado, tampouco sugere que os radicais deveriam argumentar em favor cia equivalência da cultura da classe trabalhadora com a cultura dominante. As duas posições são reducionistas e ignoram as complexas mediações e modos de resistência que existem entre a cultura dominante e as várias espécies de cultura cia

classe trabalhadora. A reprovação cie Entwistle da cultura c H-J H, . 11 i ~ . ^-^ V-'HSSG tríí fvi t Ihaciora não apenas ignora seus momentos de resistência e suas -K• • dades como fonte parcial de contra-hegemonia, mas também sugere * - '~ domínio nas escolas é relativamente total. Tal visão interpreta mal a n ^~° de hegemonia, bem como a capacidade das pessoas de resistirem à clorni nação. Esta última posição também ignora a visão de Gramsci sobre' o relacionamento entre o "senso comum" e o "bom senso", bem como sua visão de que a interconexão entre os dois fornece um exemplo essencial de uma fonte de pedagogia contra-hegemônica em torno da qual estruturar as relações professor-estudante. Para Gramsci, o senso comum não sugeria simplesmente uma consciência mistificada; referia-se, em vez disso, ao terreno onde os homens adquiriam consciência de si mesmos. Colocado de maneira mais simples, a cultura das classes trabalhadoras não deve ser equacionada com passividade e unidimensionalidade; ela deve ser vista como um modo de prática incapaz de "romper com o mundo dado e transformá-lo".ly Longe de ser passiva, tal visão de mundo é simplesmente "desconexa e ambivalente".20 A tarefa dos educadores críticos não é negar a cultura da classe trabalhadora, mas usá-la como ponto de partida a fim de compreender como estudantes particulares dão significado ao mundo. Os estudantes devem ser capazes de falar com suas próprias vozes, antes de aprenderem a sair de suas próprias estruturas de referência, antes de poderem romper com o senso comum que os impede cie compreender as fontes socialmente construídas que subjazem seus próprios processos de autoformação e o significado de questioná-los e romper com os mesmos. A noção de Gramsci de que o senso comum contém as sementes de uma visão mais racional cio mundo reforça sua visão de que a tarefa do intelectual é desenvolver lutas contra-hegemônicas utilizando a consciência popular como ponto de partida em qualquer relacionamento pedagógico. Quando Gramsci argumenta que "todo o professor é sempre um aluno, e todo aluno, um professor",21 ele não está abandonando o apelo por uma pedagogia disciplinada. O que ele está fazendo é introduzir um princípio educacional nas relações professor-estudante que não deixa espaço para o elitismo ou pedantismo estéril. A noção de que o professor é sempre um aprendiz coloca os intelectuais na posição de não apenas ajudar os estudantes a apropriarem-se de suas próprias histórias, mas também observarem de maneira crítica a natureza de seu próprio relacionamento com os estudantes da classe trabalhadora, bem como com outros grupos oprimidos. A noção de Gramsci de que o elemento popular 'sente' mas nem sempre sabe ou compreende; o elemento intelectual 'sabe' mas nem sempre compreende e em particular nem sempre sente"22 coloca em alto relevo duas importantes dimensões de hegemonia que devem ser contestadas nas escolas. Por um lado, as ideologias devem ser combatidas e "des-reificadas", quer estejam no currículo explicito ou oculto. Por outro lado, as práticas hegemônicas que estão sedimentadas


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nas relações sociais do encontro em sala de aula. essenciais à própria textura de nossas personalidades e estrutura de necessidades, devem ser transformadas através de formações sociais concretas que permitam comunicação e ação crítica.23 Somente com este tipo de pedagogia os educadores críticos serão capazes de compreender como as sementes de reprodução social estão contidas na própria natureza da resistência dos estudantes, e como eles poderiam, por exemplo, usar este discernimento para tranformar a resistência muitas vezes mal direcionada em formas de consciência política e ação social.

17. Chantal Mouffe, "Hegemony and Icleology in Gramsci", em Chant-,1 M and Marxist Theory Paul' *-//;}, 107<Ti pp. 191-92 ,i Moutte, ed., Gramsci & -^ (London: Routledge ° & Kecan 18. Joseph V. Femia, "The Gramsci Phenomenon: Some ré n ,. Pohtical Studies 27 (1979): 478. 19. Mihaly Vajda, "Antônio Gramsci: Prison Notebooks Review", Telos n" r fiQ7n também Paul Piccone, "Gramscrs Marxism: Beyond Lenin and Toalhtti" Th» V?1' Ver 3 (1973): 485-511. ' eory and Society 20. Femia, "The Gramsci Phenomenon", p. 481. 21. Gramsci, Prison Notebooks, p. 481. 22. Ibid., p. 418.

Notas 1. Harold Entwistle, Antônio Gramsd: Conservatiue Schooling for Radical Politics (London: Routledge & Kegan Paul, 1979), p. 177. 2. Ibicl, pp. 46, 47. 3. Karl R. Popper, Objective Knowledge: An Euolutionary Approach (Oxford: Oxford University Press, 1962). 4. Young, Knowledge and Control. 5. John Friedman, "The Epistemology of Social Practíce: A Critique of Objective Knowledge", Theory and Society 6 (1978): 80. 6. Antônio Gramsci, The Modem Prince and Other Wrüings (New York: International Publishers, 1967), pp. 95-101. 7. Gramsci, Prison Notebooks. S. Ibid., p. 30. 9. Ibid., pp. 32-33. 10. Esta questão é explorada em profundidade em Marx \X'"artofsky, "Art and Technology: Confiicting Models of Education? The Use of a Cultural Myth", em Walter Feinberg e lleniy Rosemont, jr., Work, Technology, and Education (Urbana, III.: University of Illinois Press, 1975), pp. 166-85; Giroux, "Beyond the Limits of Radical Ectucational Reform"; Elshtain, "Social Relations of the Ciassroom". 11. Philip Simpson, "The Whalebone in the Corset: Gramsci on Education, Culture. and Change", Screen Education N°. 28 (1978): 20. 12. Jerome Karabel, "Revolutionary Contraclictions: Antônio Gramsci and the Problems oi Intelectuais", Politics and Society 6 (1976):172. 13. Gramsci. Prison Notebooks, p. 42. 14. Antônio Gramsci, "Socialism and Culture". em Paul Piccone e Pedro Cavalcante, Histoi.V, Philosophy, and Culture in the Young Gramsci (Si. Louis: Telos Press, 1975), pp. 20-21. 15. Entwistle, Antônio Gramsci, p. 92. 16. Ibid., p. 93.

23. Maxine Greene, "The Politics of the Concrete", Social Pmctice (June 1980); Henrv A Giroux, "Beyond the Correspondence Theory: Notes on the Dynamics of Educ-itión-ii Reproduction and Transformation", em ídeology, Culture, and the Process of Scbooline (Philadelphia: Temple University Press, 1981).


16 Ética e na Crítica HENRYA. GIROUX

necessidade de esperança como pré-condição para a luta e pensamento crítico geralmente não é característica das formas prevalecentes da teoria educacional radical na América do Norte. Em parte, o que atualmente passa por grande parte da teoria educacional radical representa uma linguagem da crítica, destituída de qualquer linguagem de possibilidade, o que, por sua vez, representa uma visão de política sem os benefícios de um discurso moral substancial ou de uma visão programática do futuro. Existe uma tendência crescente, especialmente entre a segunda geração de teóricos educacionais radicais, de evitar uma lógica de esperança e possibilidade como base para o engajamento teórico e político. Embora a maior parte da teoria social radical se utilize de várias correntes sofisticadas para definir o seu projeto, a teoria educacional radical parece ainda atrelada ao legado do cientifícismo e reducíonísmo ideológico que tende a se manifestar como uma variante do marxismo vulgar ou simplesmente como produção acadêmica ruim. Um dos aspectos mais marcantes de grande parte da teorização educacional radical é sua glorificação crescente cia teoria como método e verificação. Hoje os teóricos educacionais radicais falam da impoitância da teoria ser empiricamente segura, ou de seu valor coffl° estrutura coerente de asserções. Alguns educadores radicais argumentam ao estilo de Popper em prol de que a teoria educacional enfrente o teste de ser empiricamente confirmada ou falsificada.1 Isto não significa sugerir que ^as questões de coerência, consistência lógica interna ou verificação empmca não

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sejam importantes. Mas a teoria deveria primeiramente ser valorizada por seu projeto político, sua crítica de relevância social, sua qualidade de distanciamento. Em outras palavras, ela deveria ser valorizada por seu potencial de liberar formas de análise crítica e estabelecer a base cie novas formas de relações sociais. A teoria educacional não pode ser reduzida à questão paralisante e politicamente inofensiva da consistência e confiabilidade, obsessão peculiar da teoria social dominante; pelo contrário, seu valor deveria ser avaliado por sua capacidade de confrontar o discurso e práticas sociais da opressão com o que Walter Benjamin uma vez chamou de "imagens potencialmente liberadoras de liberdade". Em parte, a natureza profundamente antiutópica de grande parte da teoria educacional radical contemporânea deve-se ao isolamento dos teóricos das fontes de crítica social e dos movimentos sociais, bem como ao pessimismo dos acadêmicos que desconfiam de qualquer forma de luta ou teorização que possa surgir nas esferas públicas fora da universidade. Em alguns casos, isto toma a forma de uma recusa absoluta em admitir qualquer esperança ou possibilidade de que os professores e outros possam ser capazes de travar lutas contra-hegemônicas nas escolas. Temos, por exemplo, a alegação exagerada de alguns teóricos de que qualquer luta por reforma democrática e fortalecimento dos estudantes dentro das escolas só leva a um tipo de "falsa consciência". Evidenciando basicamente um discurso que enfatiza a lógica esmagadora da dominação ou o fracasso dos professores em agir perante a mesma, estes teóricos parecem simplesmente reciclar o etos da teoria da reprodução sem reconhecer como suas suposições ideológicas moldam suas opiniões.2 Esta é a linguagem do não comprometimento, sustentada como análise crítica ideológica (uma linguagem que não contém o menor indício de engajamento político). De forma semelhante, um outro grupo de teóricos radicais comete a façanha paradoxal de exigir a mudança educacional exaltando a reforma "de baixo para cima", e ao mesmo tempo mostrando pouca confiança ou compreensão nos esforços dos professores ou no poder da teoria social para contribuir para tal mudança.3 O desespero e reducionismo cie tais abordagens também se manifesta em sua recusa em considerar a possibilidade de desenvolverem-se estratégias políticas nas quais as escolas possam ser ligadas a outros movimentos sociais e esferas públicas. Brandindo suas credenciais marxistas ortodoxas de maneira clássica, alguns educadores radicais chegam a argumentar que a teoria educacional crítica deu demasiada atenção às considerações cie raça, gênero e idade: se quisermos realmente ser radicais é importante começar a trabalhar enfatizando a primazia da classe como a determinação universal e mais importante na luta por liberdade.' Isto não é apenas unw teorização fraca, pois às vezes é acompanhada de formas de discurso acadêmico que trocam os imperativos das análises críticas por insultos generaHzantes e estilísticos. As tradições radicais são negligentemente desconsideradas como meros "interlúdios inspiradores"; análises radicais complexas

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são casualmente chamadas de "exageros enfadonhos e... simplificações didáticas".5 Além da desconsideração leviana de certas tradições e escolas cie pensamento educacionais, surgiu uma vileza cie espírito que abstrai e reífíca a dor e sofrimento que ocorre nas escolas. Isto é, em meio às análises "científicas" referentes às condições de trabalho dos professores, aos perigos da escolarização e do capitalismo e à economia política dos manuais pouca atenção é dada a uma política do corpo, ao sofrimento humano concreto, ou a formas de fortalecimento coletivo entre professores e/ou estudantes à medida que surgem a partir das várias lutas contra a dominação dentro das escolas. Na verdade, o desaparecimento de um discurso do corpo, o qual elucide e aponte para exemplos concretos de sofrimento e oposição, significa uma ausência teórica crucial porque aponta para o desaparecimento do discurso da política e engajamento. Em vez de desenvolverem um projeto e ética política que incorpore a análise crítica e a esperança, que ligue as escolas e outras instituições a formas correntes de luta, estas espécies recém surgidas de teoria educacional crítica parecem estar sufocadas de narcisismo ideológico, intimamente mais ligadas aos princípios autobeneficientes do vanguardismo e desespero do que a qualquer outra coisa. A teoria social em si mesma precisa ser ressuscitada e aprofundada de forma a prover uma base mais crítica e abrangente para os educadores repensarem a natureza subjacente de seu projeto político e ético. Ela deve fornecer os indicadores teóricos necessários para que os professores compreendam seu papel como ativistas sociais cujo trabalho é sustentado e informado por lutas e movimentos sociais mais amplos. Diversos trabalhos críticos recentes ajudaram a elucidar estas questões para uma forma renovada de teoria social e educacional radical. Dois livros recentes, de Terry Eagleton e Sharon Welch, em particular, estabelecem idéias teóricas importantes para centralizar e focalizar o significado e as possibilidades de uma teoria social crítica reconstruída que dê atenção especial às noções cie esfera pública democrática e discurso da ética crítica.6 É significativo que, embora cada autor trate de diferentes aspectos da luta política e da crítica social, eles se unem no discurso potencialmente transformador e radicalmente utópico que mostram. O livro de Eagleton é especialmente bem-vindo porque tenta oferecer uma visão da crítica social como um conjunto de práticas históricas inextrincavelmente ligadas às questões de poder e controle. Além disso, ele é capaz de situar a crítica como uma prática social dentro de uma análise em transformação histórica das várias esferas públicas que lhe forneceram apoio institucional. Eagleton argumenta que a crítica social nasceu da disputa nos séculos dezessete e dezoito na Inglaterra entre a classe média nascente e os imperativos políticos do absolutismo real. Colocando-se contra "as imposições arbitrárias da autocracia", as classes médias formaram uma esfera publica burguesa constituída de "uma série de instituições sociais (clubes, jornais, cafés, periódicos) nas quais indivíduos independentes reúnem-se para o


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intercâmbio livre e igual de um discurso razoável, unindo-se, assim, em um corpo coeso cujas deliberações podem assumir a forma de uma forca de poder político".7 Para Eagleton, a esfera pública clássica tem uma importante qualidade dialética. Em primeiro lugar, ela define a crítica social como parte de um discurso mais amplo voltado à política cultural e moralidade pública, e sendo assim, invoca os princípios iluministas de discussão racional e livre troca de idéias para questionar noções de autoridade enraizadas na superstição, tradição, e decretos absolutistas. A esfera pública clássica estabeleceu um legado no qual a escrita, o estudo da literatura e a crítica social tinham uma "função amplamente civilizadora"8. Em segundo lugar, a esfera pública clássica finalmente fortaleceu e mistificou as relações sociais burguesas e o poder do estado. Infundindo um falso igualitarismo na esfera pública, seus partidários burgueses negaram a estrutura subjacente de privilégios e finalmente dissociaram a política do conhecimento argumentando que a esfera pública era um lugar onde todos os homens e mulheres poderiam expressar suas idéias independentemente de sua classe social. Como Eagleton deixa claro, a razão e racionalidade, mais do que o poder e a dominação, tornaram-se a ideologia usada tanto para esconder quanto legitimar o sistema de desigualdade que deu à esfera pública clássica sua legitimidade e fundamentação para existir. Com a ascensão do industrialismo na Inglaterra, a esfera pública clássica foi invadida pelas forças do mercado, o declínio da legitimidade de sua própria neutralidade, e a emergência de esferas públicas entre classes e grupos subordinados. Conseqüentemente, o crítico burguês não podia mais falar enquanto voz universal da razão sem questionamento. Assim, a própria natureza da crítica mudou, especialmente a crítica literária, que então refugiou-se na universidade, onde foi institucionalizada nos departamentos cie inglês, perdendo sua conexão com a vida cotidiana e seu papel potencialmente crítico como base para uma forma de política cultural. Eagleton está em sua melhor forma ao explicar como isto aconteceu. Ele mostra que a crítica não apenas divorciou-se radicalmente da vida social como também perdeu qualquer reivindicação de uma visão legitimadora da autoridade enraizada em sua capacidade como prática social inextrincavelmente ligada ao bem-estar da comunidade mais ampla da experiência cotidiana. Ela pode ter obtido segurança no ambiente acadêmico, mas, em última instância, o fez cometendo o suicídio político. Isto não significa dizer que a universidade e seus intelectuais não desempenham qualquer função social e política. O ponto de Eagleton é que elas não produzem mais formas de crítica social que sejam emancipacloras por natureza, uma crítica com laços políticos ativos com a sociedade mais ampla. Em vez disso, a crítica agora é tão amestrada que serve como apologia do estado, ou então degenerou em formas misteriosas de teorização marxista em que substituem por lutas literárias as batalhas políticas que envolvem

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relações cie poder reais mais do que imaginárias. Para Eagleton, a universidade como esfera pública fracassou em um duplo sentido ideológico Enquanto a crítica acadêmica tradicional tenta "treinar os estudantes no emprego efetivo cie certas técnicas, no domínio eficiente de um certo discurso como meio de certificá-los como novos membros intelectualmente qualificados para a classe governante",9 a crítica de esquerda, da forma como surgiu nas universidades, especialmente nos anos 70, assume uma posição altamente abstrata e teoricamente questionável em relação ao propósito da crítica social. Para Eagleton, os vários estruturalismos de tendência pósmodernista e desconstrutivista degeneraram em um "liberalismo sem um indivíduo".10 As questões de poder e disputa são com freqüência reduzidas a análises de textos e estruturas, ao passo que as questões de autoridade e disputa subjetiva são neutralizadas em um jogo cie infinitas diferenças e índeterminações. Segundo Eagleton, a ampla função política e civilizadora da crítica não é característica dos acadêmicos nem da universidade em geral. Embora tal alegação pareça simplesmente reciclar uma análise crítica muito conhecida nas revoltas estudantis dos anos 60, Eagleton habilmente a utiliza para analisar como os intelectuais dentro da universidade poderiam afirmar a primazia da natureza política de seu trabalho ligando-o aos projetos político-culturais mais amplos. Em questão aqui está a preocupação de que, na ausência de uma esfera pública vital, a crítica não tem oportunidade de ser debatida e institucionalizada em um contexto coletivo que lhe permita tornar-se uma força política mobilizadora. Eagleton tenta evidenciar teoricamente sua posição através da análise dos efeitos políticos da obra de Raymond Williams, um dos mais importantes escritores socialistas da Inglaterra. Embora em 1979 Williams já tivesse vendido 750.000 cópias de seus livros apenas na Inglaterra, ele tinha poucas chances de organizar politicamente seu público leitor na ausência de uma esfera contrapública socialista. Eagleton comenta: Na ausência efetiva cie um movimento teatral da classe trabalhadora, o drama político de Wilüam encontrou um lar, para seu bem ou mal, na mídia capitalista: na ausência de instituições de produção literária e intelectual da classe trabalhadora, uma das tarefas mais vitais cio intelectual socialista (aquela cia popularização resoluta de idéias complexas, conduzida dentro cie um meio comum que proíbe o patronato e a condescendência) lhe foi negada. A popularização política genuína envolve mais do que produzir obras que tornem a teoria socialista compreensível ao público de massa, mesmo que tal projeto seja importante; o público leitor deve ser mais institucionalizado cio que amorfo, capaz cie receber e interpretar tal trabalho em um contexto coletivo e ponderar suas conseqüências para a ação política."

Essencial ao próprio projeto político de Eagleton é a linguagem tanto crítica quanto de possibilidade. Ele oferece uma análise histórica e critica da função social da crítica e dos intelectuais que a praticam dentro de


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diferentes ambientes institucionais. Entretanto, ele é bastante claro ao argumentar que, para que os intelectuais desempenhem um papel contra-hegcmônico ativo no âmbito da política cultural, eles terão que abandonar sua posição de intelectuais solitários reduzidos à produção de crítica. Na verdade, tais intelectuais precisam reafirmar uma nova política de socialidade. na qual seu trabalho seja desenvolvido e nutrido através de um conjunto vivido de relações com aqueles grupos que estão a seu lado politicamente. Para ser mais direto, tais intelectuais terão que se tornar parte do movimento social mais amplo ligado às esferas públicas existentes. Subjacente ao apelo de Eagleton para que os educadores liguem seu trabalho às esferas públicas há um reconhecimento importante: dada a natureza presente da indústria cultural e do poder cada vez mais abrangente do Estado, a esfera pública clássica dos séculos dezessete e dezoito não pode fornecer o modelo político e ideológico sobre o qual desenvolver esferas públicas nos países industrializados do ocidente. A esfera pública clássica se desenvolveu em torno de uma noção de racionalidade e discussão que geralmente substituía o diálogo voltado ao desenvolvimento de formas de solidariedade e organizações políticas pelo discurso e debate polido. Eagleton argumenta que as esferas públicas por necessidade política precisam ir além de tal noção de racionalidade, e ele encontra modelos alternativos em duas fontes. A primeira fonte é histórica e aponta para as várias esferas públicas organizadas pelas classes trabalhadoras na República de Weimar. Como assinala Eagleton,

em meio a novas formas cie política. O inventário histórico cie Eagleton d-i natureza da crítica social e suas formas concorrentes e legitimadoras d~ prática intelectual oferece um vislumbre das forças sociais e políticas em funcionamento que separam o conhecimento cio poder e a teoria crítica da prática política concreta. De maneira semelhante, tal análise aponta para o poder da universidade na produção de intelectuais, para os quais, na ausência de uma esfera pública, o desespero e o cinismo muitas vezes são confundidos como elementos essenciais da teoria e prática críticas. É claro que o apelo de Eagleton para que os intelectuais ampliem e desenvolvam seu trabalho dentro de esferas públicas envolvidas na luta corrente por democracia radical oferece novas esperanças na definição dos termos de política cultural adequados para a parte final do século vinte. O que Eagleton não faz é fornecer o embasamento ontológico para o tipo de trabalho intelectual que postula um forte comprometimento em superar os casos de sofrimento e desenvolver formas concretas de socialidade que fortaleçam mais do que prejudiquem uma política cultural crítica. É esta questão que Sharon Welch aborda de maneira admirável, e para a qual agora me volto no restante deste capítulo.

o movimento da classe trabalhadora não era apenas uma força política formidável; ele era também equipado de seus próprios teatros e sociedades corais, clubes e jornais, centros de recreação e foros sociais. Foram estas condições que ajudaram a tornai' possível um Brecht e um Benjamin, e mudar o papel do crítico de intelectual isolado para funcionário político. Na Grã-Bretanha dos anos 30, os grupos de propaganda comunista (agitpropgroups), o Teatro da Unidade, a Liga de Fotos e Filmes1 dos Trabalhadores, o Clube dos Trabalhadores, a Sociedade Operária Londrina de Cinema e uma série cie outras instituições refletiam elementos desta rica contracultura. 12

O medo em particular, nos diz Sartre, é um estado que anula a pessoa; conseqüentemente, o oposto animador se aplica, subjetiva e principalmente objetivamente, à esperança. E mesmo que seja na construção de meros castelos no ar, o gasto total de uma íorma ou outra pouco importa... a esperança com um plano e em conexão com o... possível ainda é a melhor e mais poderosa coisa que existe. E mesmo que a esperança simplesmente se eleve no horizonte, enquanto somente o conhecimento do Real a mude de forma concreta por meio da prática, ainda assim é somente a esperança que nos permite obter a compreensão inspiradora e consoladora do mundo para o qual ela aponta, como a compreensão mais sólida, mais calcada em tendência e mais concreta."

O movimento das mulheres representa, para Eagleton. um segundo modo de política e forma de socialidade em funcionamento no qual a lógica das esferas públicas pode ser identificada. O que é notável na análise de Eagleton é sua identificação dos elementos críticos do movimento das mulheres com o que ele chama de política do corpo, uma forma de socialidade que liga a racionalidade com o poder e o desejo e não apenas com estruturas discursivas. De considerável importância aqui é uma política na qual a experiência, interesses, desejos e necessidades cotidianas configuram-se corno parte de uma política cultural que busca ampliar e aprofundar a noção tanto de opressão quanto de emancipação. Por fim, Eagleton liga o trabalho intelectual e a prática política com o desenvolvimento de espaços públicos nos quais novas formas de subjetividade possam ser construídas

O simples peso do apocalipse oblitera a utopia. A catástrofe não evoca imagens de redenção. Em vez disso, ela produz cinismo, que não é menos ideológico. O cinismo é a aceitação total do poder cia realidade como destino, ou como piada, a "consciência infeliz" da impotência. É a postura endurecida, murcha: a negatividade desapegada que mal se permite qualquer esperança, no máximo um pouco de ironia e autopiedade.'3

Os educadores conservadores agora empregam a linguagem da análise crítica radical a fim de anular o sofrimento da história. Eles argumentam que o desenvolvimento de uma consciência crítica nas camadas populares traduz-se tout court em um ataque injustificado à tradição, e ao mesmo tempo promove um individualismo niilista para proveito próprio. Segundo esta visão, a razão crítica parece incapaz de tomar como seu objeto a história formativa específica de uma cultura particular a fim de questionar a interação de suas tradições dominantes e emancipadoras. Em vez disso, a razão é reduzida a uma inércia política. Ao mesmo tempo, a razão critica continua separada do fortalecimento social de forma a negar as possibilidades de lutas coletivas organizadas em torno das contradições da vida cotidi-


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ana e do legado das memórias históricas radicais que foram excluídas do discurso da cultura dominante. A esperança, neste caso, torna-se indefensável e impraticável.15 Agora alguns educadores radicais alegam que a noção de esperança como base de uma linguagem de possibilidade realmente não passa de um "truque de contra-hegemonia", empregado mais para efeito ideológico do que por motivos teóricos consistentes.16 Em outras palavras, a esperança como visão de possibilidade não contém projeto político imanente, e, como tal, tem que ser sacrificada no altar da realidade empírica. Ironicamente, esta posição torna a própria noção de contra-hegemonia indefensável, uma vez que toda luta significa implicitamente um elemento de possibilidade utópica. Não é de surpreender que tal posição acabe por definir a prática social crítica como nada mais do que "um ceticismo persistente para com a reforma a partir do status quó'.17 Neste caso, o conceito de esperança é usado para repudiar a ação política. Este beco sem saída teórico e político é a antítese do que significa falar a linguagem da possibilidade e ao mesmo tempo engajar-se na prática crítica, isto é, ele vai contra o questionamento da opressão e ao mesmo tempo luta por um novo tipo de subjetividade e formas alternativas de comunidade. A questão crucial que confronta os educadores é que a tendência antiutópica crescente entre alguns elementos da esquerda aliou-se ideologicamente com a nova direita. Esta aliança espúria produz um discurso que ofende a lógica democrática ao estreitar a possibilidade de que os intelectuais se tornem parte daqueles movimentos sociais correntemente envolvidos na defesa e promoção dos valores universais de vida e liberdade. Isto é, o discurso da nova direita/esquerda na educação representa uma tendência teórica que nega as próprias bases nas quais a prática intelectual pode ser legitimada.18 Em meio à crise aprofundada da democracia nas nações industrializadas do ocidente, é imperativo que os educadores críticos dêem séria consideração à função social e política do relacionamento entre os intelectuais e os movimentos sociais de emancipação. Como assinalei anteriormente, teóricos como Terry Eagleton argumentaram de forma persuasiva que a universidade não estimula mais o discurso da liderança moral e crítica social. Conseqüentemente, o apelo pelo desenvolvimento de esferas contrapúblicas fora da universidade aponta para a necessidade cie reconstruir-se uma política cultural na qual os educadores críticos e outros intelectuais possam tornar-se parte de qualquer um dos diversos movimentos sociais nos quais utilizam suas habilidades teóricas e pedagógicas na construção de coligações históricas capazes de mudança social emancipadora. Em um certo nível, isto sugere que tais intelectuais podem trabalhar para analisar lutas históricas específicas travadas pelos vários movimentos sociais radicais em torno da importância política da educação na batalha por justiça econômica e social. Este tipo de análise não apenas elucida as atividades dos

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mentos sociais fora da universidade, os quais têm lutado por conhecimento e formas dei prática crítica, mas também fornece ia base para mntírWo,. «.„ . r "\ \ f i • *-wi iniciei "I ~oC que tipos de esferas publicas poderiam ser politicamente úteis na atual conjuntura histórica. Esta é uma discussão importante porque fornece a fundamentação teórica para o desenvolvimento de esferas contrapúblicas como defesa e transformação da própria educação pública, mais do que como um substituto a longo prazo para o sistema de educação pública e educação superior. Ao expandir a noção de educação e estender as possibilidades cie atividade pedagógica a uma variedade de esferas sociais, os educadores críticos podem tornar as políticas, discursos e práticas de escolarização abertas à crítica, e, assim, disponíveis a um maior número de pessoas que, de outra forma, são geralmente excluídas de tal discurso. É imperativo que os educadores considerem como as instituições sociais podem ser compreendidas e desenvolvidas como parte de uma luta política e educacional mais ampla; além disso, ao combinar a linguagem da crítica com uma linguagem de possibilidade, tais educadores podem desenvolver um projeto político que amplie os contextos sociais e políticos nos quais a atividade pedagógica pode funcionar como parte de uma estratégia contra-hegemônica. Essencial para este projeto é a questão de como formas específicas de prática democrática podem ser sustentadas por uma versão particular de justiça e moralidade. Os educadores devem ser claros quanto aos referenciais morais para justificar-se como formas particulares de experiência podem ser legitimadas e realizadas como parte tanto do desenvolvimento de esferas públicas democráticas quanto de mudança social radical em geral. Evidentemente, o discurso da mudança social precisa desenvolver uma concepção crítica de democracia enquanto prática que opera a partir de formas sociais particulares e que está enraizada em um conjunto específico de interesses políticos e morais. É para esta questão que agora me volto. Escrevendo nos anos 20, Ernst Bloch procurou se opor à perspectiva do Iluminismo do século dezoito, na qual o conceito de utopia era desconsiderado porque não podia ser legitimado através da razão e fundamentado em uma realidade empírica imediata. Bloch argumentava que a utopia era uma forma de "excedente cultural" no mundo: "ela contém a centelha que alcança além do vazio circundante".19 A tentativa de Sharon Welch de desenvolver uma teologia de libertação feminista deve muito a Ernst Bloch, embora não se baseie diretamente em sua obra.20 Assim como Bloch, ela desenvolve sua análise do Cristianismo tradicional dentro cie uma linguagem cie análise crítica que rejeita as abstrações universais acerca da boiidade da humanidade e, em vez disso, focaliza exemplos concretos de sofrimento, os atos de resistência que com freqüência engendram, e o p2Pe^ que o Cristianismo tradicional desempenhou ao ignorar tal sofrimento ou contribuir diretamente para ele. Ao mesmo tempo, ela postula uma noÇao de esperança que é mediada por formas de luta nas quais "visões alteriiatí-


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vás da sociedade, humanidade, estruturas institucionais, ordens de conhecimento... são acionadas".21 Para Welch, a esperança é tanto um referencial de mudança social e luta pedagógica quanto base para reconstruir uma teologia radical, a qual combine a visão da teologia da libertação, com seu foco nos oprimidos, com a meta feminista radical de reconstruir as identidades e subjetividades sociais em novas formas de comunidade. Welch escreve: Esta teologia surge a partir da luta para criar, e não apenas proclamar, uma comunidade humana que incorpore a liberdade. A verificação desta luta não é conceituai e sim prática: o processo bem-sucedido de iluminação e emancipação, processo que é aberto e autocrítico. Esta teologia surge do esforço por viver na berlinda, aceitando tanto o poder quanto o perigo do discurso, engajando-se na batalha pela verdade com unia preferência consciente pelos oprimidos.... É um discurso imbuído de uma tragédia particular da existência humana — a lembrança perigosa do desespero, aridez, sofrimento -a lembrança igualmente perigosa das concretizações históricas de liberdade e comunidade.... [Este] tipo de teologia... afirma com Bloch "que a esperança instruída é o indicador desta era — não apenas a esperança, mas a esperança e o conhecimento para tomar o caminho que leva a mesma".22

Essencial ao projeto político de Welch é a descoberta de uma linguagem que dê expressão fundamental à primazia da experiência, poder e ética. A meta de Welch é ir além do "espaço vazio" da racionalidade do Iluminismo, que limita a experiência à percepção a fim de desenvolver um discurso que forneça compreensão histórica e social de como a experiência é formada, legitimada e realizada dentro de formas sociais particulares enquanto estas são organizadas dentro de relações particulares de poder. Na ótica de Welch, a experiência é tanto construção histórica quanto prática vivida. Ela conecta a necessidade de compreender como as formas sociais posicionam e produzem a experiência com o imperativo adicional de questionar como a experiência, em seus momentos contraditórios e muitas vezes menos do que coerentes, é sentida e habitada. Para Welch, o sofrimento não pode ser reduzido aos relatórios estatísticos mecanicamente produzidos pelo Estado e pelos centros de poder da Igreja; é uma experiência vivida que relaciona desejo, dor, sofrimento e esperança. A experiência de Welch como feminista fornece parte da base para sua crítica dos rituais e teologias do Cristianismo estabelecido como religião da classes médias. Welch recorda que sua própria experiência tanto cio patriarcado quanto das formas de socialídade não relacionadas com o sexo levaramna a questionar as práticas da Igreja Cristã tradicional. Estas experiências, inclusive sua insurreição real contra a prática cie discriminação sexual, proporcionaram a Welch a base para analisar a visão cia Igreja Cristã do pecado como expressão da ideologia masculina. Elas também permitiram-lhe desenvolver uma análise crítica teórica da recusa tradicional do Cristianismo em desenvolver um discurso que assuma com seriedade a natureza historicamente contingente da verdade, doutrina e redenção. Operando por trás de um discurso de absolutos e essências universais, o Cristianismo tradicional, na

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visão de Welch, deixou de desenvolver urna visão de fé e eclésia baseada num comprometimento com os grupos marginais e excluídos que eram explorados e oprimidos. Mas em vez de rejeitar totalmente o Cristianismo (como foi feito por Marx, Proudhon, Bakunín e muitos radicais contemporâneos), Welch opta por reconstruir e estender aquelas dimensões da esperança cristã que apontam para a possibilidade de luta e felicidade humana. Neste caso, ela alega que dentro do Cristianismo existem discursos que não aceitam o papel da Igreja tradicional e das instituições fundamentais da sociedade dominante. São estes discursos excluídos e marginalizados que hoje precisam ser recuperados. Welch usa esta questão para demonstrar o quão profundamente a luta por controle religioso se inscreve em uma linguagem e cultura particulares. Além disso, sua própria escolha de um discurso característico, baseado em uma interpretação radical da fé e da prática social, não apenas elucida as suposições de uma teologia feminista radical, mas também questiona a contingência histórica e ideológica do conhecimento e seu relacionamento com o poder. Ao apropriar-se de maneira crítica da noção de Foucault do relacionamento entre poder e linguagem, Welch demonstra, através cie sua própria interpretação do Cristianismo, como a linguagem oferece uma série de posições do indivíduo, uma gama de discursos a partir dos quais a compreensão histórica se desenvolve e formas particulares de conhecimento e prática social são legitimadas. Para Welch, é imperativo que um elemento importante da teologia radical reconheça a linguagem como construção social, ligada aos aparatos de poder e definições particulares da verdade. Um dos pontos mais fortes do livro reside em seu argumento de que a linguagem tem que ser vista em suas dimensões históricas e cie formação social como parte de uma política cie identidade, ética e luta. Na teologia da libertação, escolhe-se pensar e agir da perspectiva do oprimido. Acredito que a opção é escolhida, e não imposta. Ser um teólogo feminista da libertação é reconhecer o papel constitutivo de nossa participação matricial nas lutas de resistência e optar por continuar a pensar e agir desta perspectiva, reconhecendo a contingência desta escolha.... O contexto destas teologias é uma das camadas de toda a tradição cristã, uma opção particular que é crítica da sociedade e da igreja institucional. Esta camada é uma forma prática, comunal e revolucionária de eclésia. As teologias cia libertação estão enraizadas na memória das lutas e esperanças revolucionárias expressas na "Bíblia secreta" e na história das heresias. Elas estão enraizadas nas comunidades de fé que são contínuas com aqueles aspectos da tradição cristã que têm se comprometido com a libertação ao longo da história e com a solidariedade para com os oprimidos.23

Uma cios pontos fortes da teologia da libertação é sua redefinição cia relação entre teoria e prática. A teoria é definida através de sua capacidade de recordar e legitimar padrões de prática ética que servem melhor as necessidades e esperanças humanas. Welch embasa sua noção de prática radical em uma teoria cie fé construída em torno de uma visão particu ai sofrimento humano, solidariedade e comunidade humana.


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Vaie a pena elaborar este relacionamento. Em primeiro lugar, Welch argumenta que uma prática radical começa com uma identificação das necessidades e desejos dos grupos dominados e suas tentativas correntes de acabar com seu sofrimento e opressão. Isto não é simplesmente um reflexo do sofrimento humano, mas mais um referencial moral para ação política enraizada em uma afirmação da importância da vicia humana e da necessidade de abordar as injustiças causadas pela discriminação de classe, sexo, raça e outras formas de exploração. Ao abordar suas próprias experiências em seu trabalho com mulheres maltratadas, Welch demonstra vigorosamente este ponto ao reconhecer o contexto do sofrimento humano como um campo de luta e esperança. Eu consigo sair do tédio e desespero auto-indulgente somente à medida que permaneço em comunidade com aqueles que são oprimidos e estão lutando contra esta opressão. Viver em comunidade com mulheres que ajudam outras mulheres e crianças a se recuperarem dos traumas de estupro, incesto e mau trato, com homens que trabalham contra o estupro através da identificação e questionamento da equação da sexualidade e violência na socialização masculina, com mulheres e homens que tentam criar comunidades cie não violência em um mundo violento, faz-me lembrar que o sofrimento é real, que ele deve ser abordado mesmo que não se tenha certeza de suas causas ou não se conheçam os melhores meios de curar seus clanos. Lembrar a realidade da opressão nas vidas das pessoas e valorizar estas vidas é poupar-se do luxo da desesperança.21

Essencial à afirmação da vida humana é uma noção bilateral de análise crítica. Primeiro, existe a necessidade de se desenvolverem formas de análise crítica que elucidem como os mecanismos concretos de poder operam dentro de diferentes relações ideológicas e institucionais de dominação. Segundo, existe a ênfase em analisar a própria análise crítica como um tipo particular de prática na qual os homens e mulheres questionem instituições opressivas e dominadoras. A análise crítica, nesta visão, está ligada ao reconhecimento, como parte de qualquer projeto radical, das especifícidacles históricas e culturais que constituem a natureza dos tipos particulares cie resistência. A noção de solidariedade de Welch é uma categoria fundamental para organizar-se uma noção radical de fé em torno cie uma conceitualizaçao específica da luta e como um engajamento vivido com a ação coletiva^ Welch concebe a solidariedade como uma forma de socialidade que é vivenciada na participação real "nas lutas de resistência dos oprimidos ."' Enquanto ato participativo, a solidariedade fornece a base teórica para desenvolverem-se, de maneira crítica, novas formas de socialidade baseadas no respeito pela liberdade humana e pela própria vida. Como tal, a solidariedade como experiência vivida e forma cie discurso crítico serve como um referencia para criticar as instituições sociais opressivas e como um ideal para desenvolver as condições materiais e ideológicas necessárias para criarem-se comunidades nas quais a humanidade é antes afirmada do que negada.

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Intimamente ligada à visão cie Welch do sofrimento humano e solidari dade é sua noção de comunidades redimidas, a qual pode ser mais clarament compreendida em contraste com sua análise crítica do discurso cristão tradicional dos universais abstratos. Ao falar dos universais, tais como os direitos humanos e a paz universal, a Igreja tradicional recusou-se a abordar as particularidades cia dor, sofrimento e luta dentro das comunidades concretas nas quais as pessoas experienciavam a vida cotidiana. Repetindo as palavras de Foucault, Welch argumenta que o Cristianismo recusou-se a reconhecer o processo pelo qual o poder é incorporado e instalado dentro das condições concretas de opressão, e desta forma ele muitas vezes deixa de aliviar o sofrimento de suas vítimas. Por trás cio discurso cristão tradicional dos universais existe um silêncio estruturado. O tipo de humanidade e subjetividade que Welch acredita ser coerente com seus próprios princípios teológicos feministas representa uma forma de comunidade pela qual precisa-se lutar, mais do que uma forma de comunidade que deva ser exigida através de um apelo às Escrituras. Welch compreende claramente que o poder do amor, trabalho e justiça aparece não apenas através do discurso, mas através de uma luta por condições sociais e econômicas específicas. Welch acertadamente insiste que a noção de comunidade não representa uma forma a priori de organização social que precisa ser estabelecida para os oprimidos. Pelo contrário, a noção de comunidade redimida representa uma luta por um tipo particular de subjetividade e existência social cujos contornos são definidos pelos processos históricos através dos quais as pessoas de fato lutam, desenvolvem formas concretas de socialidade e promovem o discurso da autolibertação e da libertação social. Inerente às noções de Welch de sofrimento, solidariedade e comunidade redimida estão os princípios da prática política e pedagógica que destacam uma visão específica do relacionamento entre poder, conhecimento e luta cultural. Welch deixa isto claro na seguinte declaração: Questionar a verdade da opressão não é apontar para suas debilidades intelectuais ou conceituais, mas expor suas debilidades na prática, revelar e fomentar formas alternativas de comunidade humana que a questionem no nível das operações diárias de poder/conhecimento. Questionar efetivamente a opressão é apontar para seu fracasso em determinar a natureza cia existência humana e buscar ampliar a esfera de influência de estruturas alternativas.... A tentação de definir as esperanças de libertação dos outros deve ser evitada. O genocídio cultural de um Cristianismo imperialísta não é acidental, mas tem por base tal abordagem arrogante da libertação. É opressivo "libertar" as pessoas se sua própria história e cultura não servem como fonte fundamental de definição de sua liberdade. 26

Welch não se contenta em simplesmente questionar a noção cristã tradicional da verdade em sua política de comunidades redimidas; em vez disso, ela tenta uma reconsideração fundamental do conceito, a qual é essencial em todo o seu sistema teórico. A articulação de Welch de uma política da verdade ecoa o espírito fortalecedor presente nos escritos de


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Ernst Bloch e Michel Foucault. Bloch argumenta contra uma fundamentação transcendental da verdade, uma vez que é a lógica de tais racionalizações a príori que muitas vezes é usada para legitimar o status gno. Para Bloch, a verdade deve ser dirigida em relação ao mundo e situada na dialética corrente da interação e comunidade humana. Como assinala Bloch: Existe um segundo conceito de verdade... o qual é, pelo contrário, repleto de valor (Wertgeladen) — como, por exemplo, no conceito de "um verdadeiro amigo", ou m expressão de Juvenal Tempestaspoética - isto é, o tipo de tormenta que se encontra num livro, uma tormenta poética, o tipo que a realidade nunca testemunhou, uma tormenta levada ao extremo, uma tormenta radical e, portanto, uma verdadeira tormenta.27

A própria formulação de Welch do conceito de verdade como enraizada nas aspectos mais fundamentais da experiência e solidariedade rejeita claramente, juntamente com Bloch, a noção Iluminista da verdade como um modo universal de conhecer e ordenar a experiência. Contudo, enquanto Bloch proporciona a Welch uma noção de verdade como análise crítica radical, Foucault liga a verdade com as engrenagens mais fundamentais do poder e do conhecimento, e assim fornece uma maneira radicalmente nova cie conceitualizar-se o papel do intelectual e da prática intelectual. Nos termos cie Foucault, a verdade não existe fora do poder, nem é produto e recompensa daqueles intelectuais que se libertaram da ignorância. A verdade é parte de uma economia política do poder. Nas próprias palavras de Foucault: A verdade é uma coisa deste mundo: ela é produzida somente em virtude cias múltiplas formas de coação. E ela induz efeitos regulares de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e situações que nos permitem distinguir afirmações falsas e verdadeiras, os meios pelos quais cada unia delas e sancionada; as técnicas e procedimentos aos quais se concede valor na aquisição da verdade; o status daqueles que têm a responsabilidade cie dizer o que conta como verdade.... Parece-me que o que deve agora ser levado em conta no intelectual não e o "portador dos valores universais". Em vez clisso, é a pessoa que ocupa uma posição específica (mas cuja especificidade está ligada, em uma sociedade como a nossa, ao funcionamento geral de um aparato da verdade).28

A análise de Foucault cia economia política da verdade e seu estudo cios modos discursivos e institucionais nos quais os "regimes de verdade são organizados e legitimados fornecem a Welch uma base teórica sobre a qual desenvolver o conceito de prática intelectual como uma forma cie política cultural. Welch argumenta que os intelectuais têm que ser vistos ern termos de sua função social e política dentro de ''regimes de verdade particulares. Isto é, os intelectuais não podem mais se iludir acreditando que estão servindo em nome da verdade, quando, de fato, estão profunda-

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mente envolvidos em batalhas "em torno do status da verdade e do papel econômico e político que ela desempenha".29 „ Ao "" ". desenvolver , , . esta visão, ,'„'. Welch , ainda . argumenta " " que, M UV -, para que a pratica intelectual crie uma política alternativa e emancipacíora da verdad ela precisa ser embasada em formas de discurso e ação moral e ética que dirijam-se ao sofrimento e às lutas dos oprimidos. Esta é uma das formulações mais marcantes desenvolvidas por Welch. Ela é notavelmente produzida através de uma apropriação crítica dos princípios radicais mais fundamentais da teologia da libertação e da teoria feminista. De igual importância é a tentativa de Welch de apontar formas específicas de prática intelectual coerentes com sua visão de uma ética legitimadora. As formulações pedagógicas de Welch surgem a partir de sua convicção de que os intelectuais precisam reconsiderar o relacionamento entre conhecimento e poder. Isto é particularmente claro em sua análise crítica das falhas da visão de ideologia do marxismo tradicional.30 Na visão marxista clássica, o poder se relaciona com o conhecimento basicamente através das formas nas quais ele serve para distorcer ou místíficar a verdade. Conseqüentemente, a análise crítica da ideologia serve principalmente para examinar as condições econômicas e sociais subjacentes do conhecimento, ou as formas nas quais o conhecimento pode ser analisado por suas distorções e mistificações. Segundo Welch, o que se perde nesta formulação é qualquer compreensão do papel produtivo que o poder representa ao gerar formas de conhecimento que produzem e legitimam formas particulares de vida, ressoam com os desejos e necessidades das pessoas e constróem formas particulares de experiência. Ampliando o importante conceito de Foucault, Welch argumenta que a relação conhecimento/poder produz efeitos "positivos" perigosos pela maneira na qual cria necessidades, desejos e verdades particulares. É neste ponto que sua análise pode fornecer aos educadores a base para reconstruir-se uma teoria social crítica que ligue a pedagogia a formas de crítica e possibilidade. Ao elucidarem-se os efeitos produtivos do poder, torna-se possível que os professores como intelectuais desenvolvam formas de prática que tomem com seriedade a maneira como as subjetividades são construídas dentro de "regimes de verdade"; destaca-se também a importância de desenvolver-se uma teoria da experiência como aspecto central da pedagogia radical. Isto também aponta para o papel que os educadores podem desempenhar como portadores de memória perigosa. Como intelectuais transformadores, os educadores podem servir para revelar e desenterrar aquelas formas de conhecimento histórico e subjugado que apontam para as experiências de sofrimento, conflito e luta coletiva. Neste sentido, os professores como intelectuais podem começar a ligar a noção de compreensão histórica aos elementos de análise crítica e esperança. Tais lembranças mantêm vivo o horror da exploração desnecesária, bem corno a necessi-


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dade constante de intervir e lutar coletivamente para eliminar as condições que a produzem. Por fim, Weich argumenta de forma convincente que os radicais precisam se engajar em lutas contra-hegemônicas como "intelectuais específicos". Tal formulação requer que os intelectuais pensem não em termos de civilidade, profissionalismo ou promoções de mandato, mas redefinam seu papel dentro da especificidade dos locais políticos, econômicos e culturais onde os "regimes de verdade" são produzidos, legitimados e distribuídos. É dentro destes conceitos que os intelectuais podem confrontar a microfísica do poder e trabalhar para construir esferas públicas alternativas que tenham urna conexão orgânica corrente com a dinâmica da vida cotidiana. Eagleton e Welch respectivamente desenvolvem e demonstram a importância de tornar o discurso da ética e da esperança, por um lado, e a luta em andamento para o desenvolvimento de esferas públicas democráticas dentro e fora das escolas, por outro, aspectos centrais de uma teoria educacional crítica. Enquanto Eagleton questiona e reconstrói criticamente o relacionamento entre crítica social e a esfera pública, Welch fornece os referenciais morais que ligam a teoria e prática às lutas políticas e pedagógicas correntes com grupos oprimidos e subordinados. Ambos os autores fornecem os contornos de um projeto político que não apenas está em desacordo com o caráter antíutópico exibido por muitos educadores radicais e conservadores, como também traz esperanças reais para o desenvolvimento de uma prática e teoria educacional dentro de um discurso que una a escolarização a uma política na qual a crítica e a esperança estejam fundamentadas em um projeto prático de possibilidade.

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5. Philip Wexler, "Introducing the Real Sociology of Education", Contemüorarv y 13:4 (1984): 408. 6. Terry Eagleton, The Function ofCrüicism: From the Spectator to Post-StructuraHsm (Lond Verso, 1984); Welch, Communities of Resistance. 7. Ibid., p. 9. 8. Ibid., p. 107. 9. Ibid., p.91. 10. Ibid., p. 98. 11. Ibid., p. 113. 12. Ibid., p. 112. 13- Anson Rabinach, "Between Enlightenment and Apocalypse: Benjamin, Bloch, and Modern German jewish Messianism", New German Critique 34 (Winter 1985): 124. 14. Ernst Bloch, The Principie o/Hope, III (Cambrídge, Mass.: MIT Press, 1985), pp. 1366-67. 15. Um exemplo deste tipo cie discurso pode ser encontrado em todo o trabalho de C. A. Bowers. Ver, por exemplo, The Promise of Theory (New York: Longman, 1984). O tratamento da história de Bowers como um discurso unificado não problemático que é sinônimo de uma tradição reverenciada não tem nada em comum com críticos do Iluminísmo tais como Adorno, Horkheimer e Benjamin, os quais acreditavam que uma consciência histórica libertadora envolveria (não destruiria) seletivamente o continuum da história, indo de encontro a ela para resgatar suas memórias subjugadas e reprimidas. Bowers erra ao argumentar que a visão de pensamento crítico da esquerda traduz-se diretamente em um individualismo desarraigado que nega a própria noção de tradição. Parece ter escapado à atenção de Bowers que o pensamento crítico é uma preconclição para ação coletiva ou para uma leitura seletiva do passado. Este é o discurso do apologista político. 16. Esta posição é mais bem exemplificada no artigo mais recente de Nicholas C. Burbules, ''Review Article Education Under Siege", Educational Theory, 36:3 ( 1986): 301-13.

Notas 1. Por exemplo, ver Dan Líston, "On Facts and Values: An Analysis of Radical Curriculum Studies", Educational Theory, 36:2 (1986): 137-52. 2. Um exemplo típico é Nicholas C. Burbules, "Radical Eclucational Cynicism and Radical Education Skeptícism", em Philosophy of Education 1985, Davíd Nyberg, ed. (Urbana. III.: Philosophy of Education Society, 1986), pp. 201-5. 3. Por exemplo, ver Robert R. Bullough, Jr., e Andrew D. Gitlen, "Schooling and Change: A View From the Lower Rung", Teachers College Record 87:2 (1985): 219-37. Ver também Robert V. Bullough, Jr., Andrew D. Gitlin, e Stanley L. Goldstein, "Ideology, Teacher Role, and Resistance", Teachers College Record 86:2 (1984): 339-58. Estes autores têm uma maneira curiosa de descobrir problemas que têm uma longa tradição de análise radical e então os apresentar como se eles nunca tivessem sido examinados de uma maneira crítica semelhante. 4. Ver, como um exemplo, Dan Liston, "Marxism and Schooling: A Failed or Limited Tradítion.' , Educational Theory 35:3 (1985): pp. 307-12. Argumentei contra esta posição em Giroux. Theory and Resistance, e Giroux, "Rumo a Uma teoria crítica da Educação", neste volume.

17. A posição de Burbule aponta para sua própria confusão quanto à natureza dos interesses que guiam sua própria política. Este parece ser um problema constante em grande parte de seu trabalho. Ver Burbules, "Review Article", p. 309. 18. É impossível detalhar os problemas que precisam ser enfrentados ao apelar-se para as alianças com movimentos sociais críticos. Para uma discussão brilhante desta questão, ver Perene Feher e Agnes Heller, "From Red to Green", Teíos 59 (Primavera 1984): 35-44. 19. Bloch, citado em Anson Rabinach, "Unclaimed Heritage: Ernst BlodYs Herítage of Our Times and the Theory of Fascism", New German Critique, 11 (Primavera 1977): 11. 20. Welch, Communities of Resistance. 21. Ibíd., pp. 74-75. 22. Ibíd., pp. 90-92. 23. Ibid., p. 26. 24. Ibid., p. 90. 25. Ibid., p. 15.


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26. Ibid., pp. 82-83. 27. Michael Lowy, "Interview with Ernst Bloch", New German Critique 9 (Outono 1976)- 37

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28. Michel Foucault, Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings, 1972-1977 (New York: Pantheon, 1980), p. 132. 29. Ibid., p. 132. 30. A esquerda educacional é notável por seu tratamento reducionista da ideologia e Maneis mo. Ver Michael Dale, "Stalking a Conceptual Chamaleon: Ideology in Marxist Studies of Education", Educational Theory 36:3 (Verão 1986): 241-57. Ver também o tratamento de Burbules de ideologia-análise crítica em Burbules, "Review article", p. 310. Para um trata mento unidimensional do Marxismo e educação, ver Francis Schrag, "Education anel Historical Materialism", Interchange 17:3 (Outono 1986): 42-52. O artigo de Schrag de fato tem uma virtude: ele oferece aos professores e alunos um exemplo clássico cie como não escrever sobre Marxismo e educação.

B Abordagem neomarxista, 59-61. Ver também Educadores radicais Ação coletiva, 67-70 Ação social, pensamento critico e, 39-40, '67-70, 52n2 educação em estudos sociais e, 67-69 sociedade e, 195-196 Adler, Mortimer, 125-126. Ver também Proposta Paideia Administração científica, 43-44, 113-115 Adorno, Theodor, 117-118 Agência crítica, 123-124 Alfabetismo, 33-34, 119-121, 148-149 América do Norte, obra cie Freire e, 150151 Analfabetismo: crítico, 39-41 cultural, 100-101. Ver também "Novo analfabetismo" Análise de texto, 138-139, 141-142 Antiutopia, 243-244, 250-251 Apple, Michael, 48-49,55-56, 81-82 Aprendizagem emancipadora, autorização e, 147-148, 151-152, 202-203, 52n2 formas de conhecimento e, 85-87, 219121 história e, 145-146, 155-51 para professores, 202-203 Aronowitz, Stanley, 62-63, 115-119, 189190 Arons, Stephen, 61-62 Autoprodução, teoria da, 140-141 Autoridade, sala de aula democrática e, 7072 Avaliação: dialógica, 70-72 currículo oculto e, 64-66 participação dos estudantes na, 106-108

Barber, Benjamín, 207 Bennett, William, 183-184 Bernstein, Basil, 62-63, 83-84, 113-114, 226-227 Bloch, Ernst, 208-209, 251-252, 255-256 Bookchin, Murray, 187-188 Bourdieu, Pierre, 83-84, 101-102, 113-114, 226-227 Bowers, C.A., 259nl5 Bowles, Samuel, 65-66 Bruner, Jerome, 63

Cagan, Elizabeth, 68-69 Cânone nas humanidades, 183-184 Capital Cultural: sociedade dominante e, 36-38, 113-114 dos estudantes, 82-84, 100-102, 107-108, 127-129, 227-129 dos oprimidos, 153-154 dos professores, 38-39 Capitai humano, 213-214. Ver também Capital cultural Carnoy, Martin, 226-227 Centralidade da criança, 130-132 Cidadania: educação e, 33, 162-163 treinamento de professores e, 206-207 Ver também Ação Social Cinismo, 249-250 Classe social. Ver Cultura dominante Culturas subordinadas Classe trabalhadora Classe trabalhadora, 130-131, 238-239, 24S249. Ver também Culturas subordinadas


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Colegialidade, 174-175 Comunicação: cultura dominante e, 113115 escrita vs. oral, 95-97 Comunidade redimida, noção de, 254-255 Comunidade, noção de, 254-255 Conflito cultural, 131-133 Conflito social, 57-58. Ver também Luta Conhecimento diretivo, 84-85 Conhecimento: construção do, 60-61 como experiência, 131-132 como fato, 33-34, 44-46, 64, 81-83, 234237 como significado, 45-46 crítico, 39-40 cultura dominante e, 151-152 currículo e, 47-50 de alto vs. baixo status, 223-225, 227-228 diretivo vs. produtivo, 84-87 distribuição de, 223-225 legitimação seletiva do, 64, 80-82 papel emancipador do, 85-87 processos pedagógicos e, 148-149 produtivo, 84-85 valores e, 98-100. Ver também Relação conhecimento/ poder "Conhecimento positivo" 126-127 Connell, R.W., 230-231 Consciência política, 86-88 Contra-hegemonia: em Gramsci, 236-238 esperança e, 147-148, 249-250 papel do intelectual e, 28-29, 187-188, 247-248, 257-258 pedagogia e, 251-252 vs. Resistência, 198-199 Controle social, 57-58, 216-217 Controle: discurso das relações cordiais e, 130-131 Controle social dos estudantes, 126-128, 130-131 dos professores, 159-160 no modelo tradicional, 45-46. Ver também Hegemonia significado e, 48-49 Counts, George S., 223 Criatividade, 65-66 Cristianismo tradicional: universais abstratos e, 254-255 luta humana e, 252-253

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movimento cia Teologia da Libertação e, 149-150, 251-252 papel do, 251-252 Crítica social, esferas públicas e, 245-246 Cultura dominante: pedagogia crítica e, 218-219 discurso da cultura vivida e, 141-142 discurso da relevância e, 133-135 domínio da, e crítica, 237-238 educação tradicional e, xxx, 184-185 ensino escolar e, 226-229 intelectuais e, 179-180, 187-188 natureza reprodutiva da, 148-149 tecnologia e, 113-114 "Cultura do silêncio", 83-84, 100-102 Cultura popular, 190 Cultura: formas de, 152-153 como experiência vivida, 152-153 como inacabada, 184-185. Ver também Discurso, das culturas vivida como mediadora, 200-201 como terreno cie luta, 132-136 controle religioso e, 252-253 Cultura dominante Culturas subordinadas escolas como corporificações de, 123125 noção de, 38-39, 235nl pluralismo normativo e, 131-133 poder e, 133-136 popular, 166-167 Culturas subordinadas: pedagogia crítica e, 218-219 discurso da relevância e, 133-135 mobilização neoconservadora cias, 213214 Currículo oculto: consciência do, 86-87 conhecimento escolar e, xxx, 60-61 crítica textual e, 139-140 e a abordagem estrutural-funcíonalista, 57-58 e validade cio conhecimento, 64-65 elementos de, 64-65 Freire e, 148-149 Gramsci e, 237-238, reformadores liberais e, 216-217 metas da educação social e, 56-57 mudança educacional no, 66-67, teoria educacional e, 35-37, 56-57-60-61 organização curricular e, 64-67

relações em sala de aula e, 60-61, 64-6 / riscos de ignorar-se o, 64,74 Currículo: regulação moral no, 215-216 exigências da nova espécie de, 50-51 oficial vs. oculto, 56-57, 73-74 organização do, 64-67 sociologia cio, 43-51, 217-218 teoria tradicional do, 43-46, 55-56. Ver também Nova sociologia do currículo Cusick, R, 126-127

D Darwinismo social, 223-225 Democracia: conceito de, 206-207, 251-252 "novo analfabetismo" e, 115-116 autorização para a, vs. natureza processual da, 229-230 como filosofia pública, 210-211 linguagem de crítica e possibilidade e, 207-208 participativa, 71-72 processos sociais subjacentes à, 67-70 Desigualdade, causas da, 230-231 legitimação da, 223-225 Dewey.John, 28-29, 195-197, I42nl4 Diálogo, 70-72 Diferença, noção de: currículo e, 134-136 na pedagogia do pluralismo normativo, 131-132-133 no discurso da administração e controle, 125-126 política e, 207-208 teoria da pedagogia administrativa e, 160-161 Disciplinas Acadêmicas: arbitrariedade das, 180-181-82-83 como ciência normal, 181-182-82-83, 185-186 estudos culturais e, 191-192 normalização das, 181-182-82-83 práxis contra-disciplinar e, 185-186-88, 190-92-93 Disciplinas. Ver Disciplinas acadêmicas Discurso educacional neoconservador: natureza e ideologia cio, 213-117-118 sentimento popular e, 213-214-116-117 teoria educacional radical e, 213, 216217-118-119

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Discurso positivista, 147-148 Discurso utópico, 208-209, 251-25? Ver também Terry Eagleton Sharon Welch Discurso: das relações cordiais, 130-131 campos de, 137-138-38-39 da administração e controle 33 124-1?= 128-129, 158-159, da satisfação das "" necessidades, 129-131 da análise de texto, 138-139, 141-142 da democracia, 28-29 da experiência, 123-125 da integração, 130-136 da política cultural, 135-136 da produção, 137-138, 141-142 da relevância, 128-131, 133-136 das culturas vividas, 140-141 Discurso educacional neoconservador do poder, 150-151 Linguagem de possibilidade Ver também Linguagem da análise crítica Dominação: nos países industriais desenvolvidos, 112-115 complexidade da, 145-146 conhecimento e, 151-152. Ver também Cultura dominante Poder Dorfman, Ariel, 139-140 Dreeben, Robert, 62-63

Eagleton, Terry, 244-245, 250-251, 257-258 Educação progressista. Ver Discurso, da relevância Educação vocacional, 223-226 Educação: natureza política da, 25, 61-64 para política radical, 233-240 Educadore de esquerda Ver Educadores radicais Educadores radicais: natureza antiutópica cios, 243-244, 250-251 crise na educação pública e, 213, 21ó217 teoria e, 243-244 Teoria social européia e, 200-203 Empirismo, 225n8 Entwistle, Harold, 233-238 Enzensberger, Hans, 114-116


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Escola de Frankfurt, 113-114. Ver também Theodor Adorno Herbert Marcuse Jürgen Habermas Max Horkheimer Escola mimética de escrita, 92-9-4 Escola romântica de escrita, 93-96 Escolas urbanas, 126-128 Escolas: como agência de socialização. 6263 como esferas políticas, 161-162 universidades e, 171-172 sociedade e, 47-48, 55-58, 61-62, 133134, 223-225, 228-229 Escrita: conceitos de, 102-103 abordagens tradicionais da, 92-97 como processo, 92-93, 95-'96 como veículo de aprendizagem, 101-108 vs. comunicação oral, 95-97 Esferas contrapúblicas. Ver Esferas públicas oposicionistas Esferas públicas democráticas: desenvolvimento de, 251-252, 257-258 escolas como, 28-29, 137-142, 205-206, 208-211. Ver também Esferas públicas oposicionistas na obra de Eagleton, 244-245 Esferas públicas oposicionistas: desenvolvimento de, xxxiii, 250-251 escolas e, 230-231 fora da universidade, 250-251 intelectuais e, 188-192, 247-248 política pública e, 209-210 teoria educacional radical e, 243-244-3738 Esferas públicas: ausência de, para os intelectuais, 248-249 classe trabalhadora, 248-249. Ver também Esferas públicas democráticas clássicas, 245-246, 247-248 crítica social e, 245-246 escolas como, 230-231 Esferas públicas oposicionistas estudo curricular e, 176-177 estudos culturais e, 188-189 intelectuais e, 179-183 nos países industrializados, 247-248, 250251 para investigação reflexiva, 195-196 poder e, 151-152

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

trabalho conjunto faculdade/professor e 176-177 universidades como, 203-204, 246-247 Especialização, 179-180, 182-183 Esperança. Ver Linguagem da possibilidade Discurso utópico Estruturas de aprendizagem cooperativas, 227-228 Estudar, 123-124 Estudo curricular: clientela do, 165-166, 176-177 ambiente universitário e, 173-174 colegialidade e, 174-175 como política cultural, 165-166 conteúdo do programa e, 175-176 esferas públicas e, 176-177 ideologia e, 48-50 intelectuais transformadores e, 172-17370-71 linguagem cie crítica e possibilidade e, 169-170-68-69 pedagogia crítica e, 219-220-121 relacionamento teoria-prática e, 171-172 Estudos americanos, 182-183 Estudos culturais: práxis contradisciplinar nos, 185-186, 190-191 e linguagem de crítica e possibilidade. 189, 190-191 intelectuais transformadores e, 186-187, 191-192 necessidade dos, 179-180 Estudos de pós-graduação. Ver Treinamento de professores Ética na educação, 56-57, 244-245, 252-253, 256-257 Ewen, Stuart, 113-114 Exigências cie Certificação, 127-129 Experiência: poder cultural e, 153-154 como prática vivida, 252 conhecimento como, 131-132 discurso da, 123-125 verdade enraizada na, 255-256. Ver também Capital cultural

Falsa consciência, 60-6l, 196-197 Família, 61-63, 214-215 Fatos, Ver Conhecimento, como fato

Teoria, fatos e Fortalecimento: aprendizagem emancipadora e, 147-148, 151-152, 202203, 52n2 dos professores, 195-196 educação tradicional e, xxx Foucault, Michel, 180-181, 252-256, 257258 Freire, Paulo, 61-62, 123-124, 145-146 Fruchter, Norman, 118-119 Funcionalismo, 56-61,135-136

G Gintis, Herbert, 65-66 Gitlin, Todcl, 119 Glazer, Nathan, 133 Goodlad, John, 223-225 Goodman, Jesse, 159-160 Gouldner, Alvin, 99-100 Governo, intervenção do, 214-215 Gramsci, Antônio, 112-113, 186-187, 233240 Grandes grupos, currículo oculto e, 64-66 Gray, Francine du Piessix, 93-94 Greed, 195, 209-211 Greene, Anthony, 59-60 Grupo pós-freudiano, 94-95 Grupos oprimidos. Ver Culturas subordinadas

H Habermas, Jürgen, 195 Habilidades, para liderança, 218-220 dos professores, 134-135. Ver também Micro-objetivos Hall, Stuart, 219-220 Hegemonia: nas práticas de sala de aula, 127-128 cultural, 112-115 noção de Gramsci cie, 237-238, cultura da classe trabalhadora e, 238-239 História: conceito de inserção histórica e, 155-156 escrita como veículo de aprendizagem com, 101-108 possibilidades de emancipação e, 145146, 155-156

teoria curricular e, 167-169 Horkheimer, Max, 85-86 Humanidades, cânone nas, 183-184 Hunter, Allen, 214-215

Idéia organizadora, conceito cie, 102-106 Ideologia: construção do conhecimento e, 59-60 como ferramenta pedagógica, 36-37 currículo como estudo na, 48-50 Iglitzin, Lynne B., 86-87 Imaginário radical, 196-197 Incapacitação dos professores, 35-36, 157158 Independência, 62-63 Individualismo, processos em sala de aula e, 68-70 autobeneficiente, 195, 209-210 discurso neoconservador e, 214-215 e cooperação de grupo, 67-68 Indústria cultural, 114-116 Informação, contextualização da, 99-101 Institucionalização da crítica social, 246247 Instituto Ontario de Estudos em Educação (Toronto), 175-176 "Intelectuais orgânicos", 195-196 Intelectuais transformadores: estudos culturais e, 186-187, 191-192 estudantes como, 135-136 estudo curricular e, 172-173 professores como, 29-31, 135-136, 142, 157-158, 160-161, 186-187-188, 257-258 relação teoria-prática e, 154-155 Intelectuais: conservadores vs. radicais orgânicos, 186-187 política cultural e, 256-257. Ver também, Intelectuais transformadores Inteligência, taxa de, 232nl7 Interação de grupo, 64-65, 71-72 Interações professor-aluno. Ver relações estudante-professor Inter-clisciplinas, fracasso das, 182-183 Interesse próprio vs. interesse do grupo, 69-70 Inter-relacionamento currículo-escolasocíedade, 47-48, 55-57


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HENRY A. GIROUX

jackson. Philip, 64-66 Jameson, Frederic, 100-101, 118-119 Johnson, Richard, 139-140 Justiça, 56-57, 60-61

K Kant, Immanuel, 86-88 Kliebard, Herbert, 43-44 Kohlberg, Lawrence, 88 Kosinski, Jerzy, 91

Laclau, Ernesto, 206-207 Leitura. Ver Mídia impressa vs. cultura visual Liberdade, 217-219 Libertação da memória, xxxiv-xxxv Liderança cie pares, 70-74 Linguagem da crítica: estudo curricular e, 169-170 educadores radicais e, 43, 196-198, 231232 na obra cie Freire, 145-146 na teologia da libertação, 251-252 no trabalho de Eagleton, 247-248 seleção e, 226 Linguagem da possibilidade: estudo curricular e, 170-171 educadores radicais e, 196-197, 231-232, 249-250 mudança social e, 251-252 na obra de Eagleton, 247-248 opressão e, 148-149 seleção e, 226 teologia da libertação e, 146-149, 251-252 Linguagem: educacional, 33-35 como construção social, 134-135, 252254. Ver também Discurso cio currículo da nova sociologia, 47-48 do pensamento positivo, 132 Linguagem cia análise crítica Linguagem da possibilidade poder e, 166-167, 205-206, 228-229 Local de trabalho: pedagogia crítica e, 234235

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

escolas e, 60-63, 65-68 Lortie, Dan C., 65-67 Luta, 252-253. Ver também Resistência Conflito social

M Macro-objetivos, 83-88 Marcuse, Herbert, 195 Marketing cie massa, 113-114 Markovic, Mihailo, 87-88 Marxismo: teoria curricular e, 169-170 Abordagem neomarxista e a obra de Freire, 145-146 Educadores radicais reducionismo econômico do, 200-202 relacionamento intelectual-massas e, 154 relacionamento poder/conhecimento no, 257-258 Ver também Antônio Gramsci Materiais curriculares: mudança educacional e, 55-56 envolvimento do professor com, 40-41, 127-129, 159-160 mediação dos significados e, 48-49 racionalidade e, 34-36 Materiais de sala de aula, Ver Materiais curriculares Métodos cie ensino, 39-41, 158-160 Micro-objetivos, 83-85 Mídia eletrônica. Ver Mídia visual Mídia impressa ^.cultura visual, 116-120 Míclia visual: Esquerda americana e, 117118 pensamento crítico e, 116-120 vs. cultura impressa, 116-120 Minorias. Ver Culturas subordinadas Modelo estrutural funcional, 39-40, 56-61, 135-136 Modelos de ensino: modelos de responsabilidade, 127-129 modelo administrativo, 124-129 modelo estrutural-funcional, 39-40, 5661, 135-136 modelo de escrita-história, 101-108. Ver também Teoria educacional Modelos de Responsabilidade, 127-129 Modos comunicativos, uso vs. potencial dos, 111-113, 115-116

Moral na educação, 215-216. Ver também Ética na educação Mouffe, Chantal, 206-207 Movimento de retorno aos fundamentos, 33-34, 55, 92-93, 160-161 Movimento dos objetivos, 79-81, 88 Mudança educacional: currículo oculto e, 66-67 reforma e, 55-56, 157, 223-225 teoria cia reprodução e, 226-227 desigualdade social e, 226-229 teoria social e, 243-244 Mulheres: discurso neoconservador e, 215216 esferas públicas e, 248-249. Ver também Teologia feminista Culturas subordinadas

N Necessidades da criança: raciocínio crítico e, 235-237 satisfação das, 129-131 Negócios, escolas e, 213-214 Negros. Ver Culturas Subordinadas Nietzsche, Fríecirich Wilhelm, 98-99 Normalização, das disciplinas, 181-182 Notas (escolares), 70-72 Nova Direita, 213 Nova sociologia do currículo: questionamento feito pela, 46-50 como idealismo subjetivo, 58-60 e a linguagem de crítica, 146-147, 43-44 idéias gerais da, 43-45, 47-50 relativísmo da, 235-236 significado da, para o futuro, 49-51 "Novo analfabetismo", 115-116

O Oakes, Jeannie, 223-225 Objetividade: perspectivas normativas e, 45-46, 97-98 e o modelo curricular tradicional, 45-47 dos meios visuais, 118-119. Ver também Conhecimento, como fato Objetivos dos cursos: relações sociais em sala de aula e, 80-82 capital cultural e, 82-84

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macro vs. micro-objetivos e, 83-88 movimentos humanístico vs. Behaviorista nos, 79-81 teoria e, 81-83

Passeron, Jean-Claude, 226-227. Ver também Pierre Bourdieu Passividade, 57-58 Pedagogia crítica: como política cultural 135-136 como situacional, 50-51 cultura dominante e, 218-219 culturas subordinadas e, 133-135, 218219 discurso da experiência e, 123-125 e linguagem de crítica e esperança, 243— 247, 257-258 noções de emancipação e, 50-51 poder cultural e, 218-219 Pedagogia: estudo curricular e, 168-169 controle social e, 217-218 política e, 161-162 Ver também Pedagogia crítica Pensamento crítico: componentes cie pedagogia e , 96-102 ação social e, 39-40, 67-70, 52n2, 235nl5 alfabetização como, 33-34, 119-121 capital cultural e, 82-84 cultura visual e, 116-120 currículo oculto e, 65-66 disciplina e, 236-237 educação de professores e, 158-159 ensinar para, 41 ensino cie estudos sociais e, 97-102 esperança e, 249-250 modelo do currículo tradicional e, 46-47 nas democracias ocidentais, 195 posição cie Consistência Interna e, 98-99 vs. urgência das necessidades 235-237 Pensamento: abordagem dialética do, 102103 ação social e, 67-69, 136-137 teoria e, 82-83. Ver também Pensamento crítico "Percepção imaculada" 97-98 Piccone, Paul, 179-180 Pinar, William F., 43-44


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Pluralismo normativo, 130-133 Pluralismo radical, 207-203 Poder cultural, 153-154, 218-219 Poder: Cristianismo e, 252-253 controle social e, 218-219 cultura e, 133136 currículo oculto e, 64-65 linguagem e, 166-167, 252-253 na pedagogia de Freire, 150-151 na teoria educacional radical, 216-217 produção cultural e, 136-137 programas dos estudos curriculares e, 173-174, experiência e, 124-125 Relação conhecimento/poder verdade e, xxv, 38-40, 255-256. Ver também Poder cultural Política cultural: estudo curricular e, 165166 campos de discurso e, 137-138 currículo da formação de professores e, 203-204e educação, na visão de Freire. 145-146 pedagogia da, 135-136 prática intelectual e, 247-248, 256-257 Política cio corpo, 244-245, 248-249 Política pública, 209-210 Política radical, ensino escolar para, 233240 Popham, \V. James, S9n2 Popkewitz, Thomas S., 64 Popper, Karl, 234-236 Posição de Consistência Interna, 98-99 Práxis contradisciplinar, 185-186, 190-191 Privilégio: de experiência culturalmente específica, 129-132, 223-225 da linguagem, 134-135 cio conhecimento de stattis superior, 223225, 227-228 e seleção, 223-225 pocler nas escolas e, 133-134 prática pedagógica e, 124-125 Problemática, 35-37 Processos democráticos em sala de aula: currículo oculto e, 68-70, 73-74 implementação de, 69-74 valores por trás dos, 66-69 Produção capitalista: coletividade e, 68-70 igualdade nas escolas e. 226-227 intervenção cio estado e, 200-201

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

Produção cultural: discurso da, 137-138, 141-142 experiência e, 152-153 nas escolas, 136-137, 205-206 poder e, 136-137 processo cie, 148-149, 206-207 Produção, discurso da, 137-138, 141-142143- Ver também Produção capitalista Produção cultural. Proposta Paideia, A (Adler), 125-126. 230231 R

Racionalidade cio íluminismo, 251-252, 255-256 Racionalidade tecnocrática: crítica da, 4347 administração científica e. 43-44 como hegemonia cultural, 114-115 escrita e, 92-93 estado da, 43-45, 51 no campo cie ensino, 157-158 objetivos e, 80-81 professores como intelectuais e, 161-162 treinamento cie professores e, 38-40, 158-159, 172-173 Racionalidade, noção de, 34-36. Ver também Racionalidade tecnocrática Realização, 62-63, 70-71 Recompensas, 65-66, 70-71. Ver também Avaliação Reconstrucionistas sociais, 195-196 Reformas de Gentile, 235-236 Relação conhecimento/poder: discurso curricular e, 170-171, 237-238 crítica social e, 248-2-49 democracia e, 230-231 discurso das culturas vividas e, 141-142 esferas públicas e, 195-196 intelectuais transformadores e, 30-31, 162-163 verdade e viu, 38-40, 255-256 Relação teoria-prática, 154-155, 252-253 Relações professor-aluno: pedagogia contra-hegemônica. e, 238-239 democráticas, 66-71 currículo oculto e, 64-67 Relações sociais em sala de aula: objetivos dos cursos e, 80-82

aprendizagem autoclirigida e, 131-132 conhecimento e, 51, 60-64, 100-101 199 200 democráticas, 69-74, 108 diálogo e, 71-72 dominação e, 237-238 e seleção, 69-71 notas e, 70-72 nova sociologia e, 47-50, 59-60 pensamento crítico e, 100-101 Relações professor-aluno Ver também Currículo oculto Relações sociais: análise das, 167-168 contraditórias, 145-146 Currículo oculto, nas escolas, 135-136 teoria e, 243-244 Ver também Relações sociais em sala de aula Relatividade cultural, 59-60 Relevância, 128-131, 133-136, 142nl4 Repolitização da produção acadêmica, 189 Reprodução social: relacionamentos sociais em sala de aula e, 60-61 conceito de, 137-138 e inter-reladonamento currículo-escolasociedade, 47-48 educadores radicais e, 243-244 escola como agência de, 37-38, 147-148 Oakes e, 226-229 pensamento crítico e, 98-99 relacionamento cultura-sociedade e, 112115 seleção e, 223-223 vs. processo de produção, 148-149 us. produção cultural, 206-207 Reprodução. Ver Reprodução social Resistência, 198-199. Ver também Luta Ritmo próprio, 72-74 Rogers, Carl, 131-132

Seleção educacional (Oakes), 223-225 Seleção. 223-224 formas específicas de por classe, raça e gênero, 130-131 história da, 223-225 linguagem da crítica e possibilidade e 226

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sala de aula democrática e, 69-71 Senso comum, 238-239 Sexo, seleção e, 130-131 Sharp, Rachel, 59-60 Significado: construção do, 37-38 47-49 58-61 caráter histórico do, 57-58 ideologia e, 36-37, 60-61 Simon, Roger, 133-135 Simpson, Philip, 236-237 Sistema de referência, 87-88, 99-100 102105 Sociedade: função dos professores na 160161 escolas e, 47-48, 55-58, 61-62, 133-134, 213-214, 223-225, 228-229 Soelle, Dorothée, 149-150 Sofrimento, 253-254 Solidariedade, 254-255 Sontag, Susan, 93-94

Tecnologia, uso i's. potencial da, 111-113, 115-116 Televisão. Ver Mídia visual Teologia cia libertação, 146-147, 251-252 Teologia feminista, 251-252. Ver também Sharon Welch Teoria da privação cultural, 129-130 Teoria educacional: teorias alternativas na, 25-26, 38-39 abordagem neomarxista na, 59-61 abordagem sócío-fenomenológica da, 39-40, 56-61 abordagem tradicional, 25-26, 35-38, 147-1-iS. Ver também Modelos de ensino discurso e, 33-35. Nova sociologia do Currículo Teoria social: necessidade de reconstrução cia, 244-245 como previsão, 235-236 educação de professores e, 199-200 Teoria: fatos e, 81-83, 97-100 educadores radicais e, 243-2~*4 Trabalho conjunto faculdade/estudante, 175-177 Trabalho docente: natureza política do, 199-200 proletarizaçfio do, 157-158


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Treinamento de professores: contrahegemonia e, 198-199 abordagem técnica e, 39-41, 158-159, 172-173. Ver também Estudo curricular analfabetismo crítico e, 39-41 e linguagem de crítica e possibilidade, 203-204 estudo curricular e, 165-74 instituições de, como esferas públicas, 195-196 política cultural e, 176-177, 203-204 recuo do político e, 197-198 teoria social e, 199-200 trabalho conjunto faculdade/estudante e, 175-177 Tyler, Ralph, 61-62

U Universidade: sociedade dominante e, 190-191 escolas e, 171-172 institucionalização da crítica e, 246-247 intelectuais radicais na, 187-188

democracia na educação e, 67-70 discurso neoconservador e, 213-214, 216-217 fatos e, 99-100 transmissão de, 65-67 Van Nostrand, A.D., 96-97 Verdade: conhecimento como, 64 enquanto enraizada na experiência '55256 relação conhecimento/poder e, viii, 3840, 255-256 Vida humana, afirmação da, 253-254 Voz do estudante, xxxv, 201-202, 21S-219, 228-229, 238-239

w Walkerdine, Valerie, 217-218 Welch, Sharon, 244-245, 249-252 Williams, Raymond, 247-248 Wiliiamson, Judith, 139-140 Willis, Paul, 226-227

Zeichner, Kenneth M., 158-159 Valores: teoria curricular e, 45-47, 50-51

ACTRDPOLE. Indústria Gráfica Lida.


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