OS EIXOS DE ESTRUTURAÇÃO DA TRANSFORMAÇÃO URBANA NO PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO DE SÃO PAULO: OPORTUNIDADES DE FINANCIAMENTO DA INFRAESTRUTURA DE MOBILIDADE
PAULO EDUARDO SCHEUER ORIENTAÇÃO: CARLOS LEITE DE SOUZA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE SÃO PAULO, 2020
Paulo Eduardo Scheuer
Os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana no Plano Diretor Estratégico de São Paulo: oportunidades de financiamento da infraestrutura de mobilidade
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, como requisito à obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo
Orientador: Prof. Dr. Carlos Leite de Souza
São Paulo, 2020
S328e Scheuer, Paulo Eduardo Os eixos de estruturaçăo da transformaçăo no Plano Diretor Estratégico de Săo Paulo : oportunidades de financiamento da infraestrutura de mobilidade / Paulo Eduardo Scheuer 135 f. : il. ; 30 cm
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Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2020. Orientador: Carlos Leite de Souza Bibliografia: f. 125-135. 1. Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (DOT).. 2. Recuperaçăo da valorizaçăo fundiária. 3. Plano Diretor Estratégico (PDE)..4. Políticas públicas urbanas. I. Souza, Carlos Leite de, orientador. II. Título.
CDD 720
Bibliotecária responsável: Paola Damato CRB-8/6271
AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Carlos Leite de Souza, pelo incentivo e aprendizados no percurso desta pesquisa. Aos meus pais, minha tia Claudia e irmãos, Julia e Luiz, pelo apoio de sempre. Ao Antonio, amigo da vida, pela iniciativa de me ajudar a financiar os estudos, tornando esta dissertação uma realidade. Aos amigos de sempre, em especial, André, Roni, Leandro, Newton, Rodrigo, Bassim e Karina, pelo interesse e trocas. Ao amigo e parceiro do dia a dia no trabalho, Pedro, pela compreensão e incentivo. Aos professores Fernando de Mello Franco e Camila Maleronka, pelas contribuições na banca de qualificação, e José Antonio Apparecido Junior, na banca de defesa. À Eliana, pelo apoio contínuo e conversas. Aos colegas do mestrado, nesta trajetória de muito aprendizado e trocas.
RESUMO A necessidade de acesso equânime às oportunidades nas metrópoles brasileiras coloca os sistemas de mobilidade urbana de alta capacidade como peças potenciais de políticas públicas urbanas que visam o enfrentamento das vulnerabilidades socioeconômicas e o desenvolvimento planejado. Por outro lado, a implantação destas infraestruturas tende a demandar investimentos que desafiam a capacidade de aporte dos governos e gerar valorização dos terrenos e imóveis beneficiados. Assim, a dissertação aborda fontes alternativas de financiamento urbano que operam sobre a valorização fundiária para direcionar os montantes arrecadados à qualificação e expansão da rede, a partir de instrumentos de captura dos incrementos de valor do solo. Como recorte, a pesquisa discorre sobre as disposições do Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2014 do município de São Paulo que buscam viabilizar o financiamento de sua política de mobilidade sustentável, a exemplo da vinculação de parte dos recursos do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB) à esta finalidade. O principal elemento resultante desta diretriz no território é representado pelos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU), aonde se preveem os maiores coeficientes de aproveitamento (CA máximo) e o desenvolvimento orientado pelos eixos de mobilidade, princípio correlato ao Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (DOT). Em complemento, são abordados casos que combinam o DOT a mecanismos de captura da valorização da terra para financiar a construção de linhas, estações e centralidades, como o Empreendimento Associado, Reajuste de Terras e Financiamento pelo Incremental de Arrecadação.
Palavras-chave: Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (DOT). Recuperação da valorização fundiária. Plano Diretor Estratégico (PDE). Instrumentos urbanísticos. Políticas públicas urbanas. Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU).
ABSTRACT The need for equanimous access to infrastructures and opportunities in brazilian metropolises turns the mass transit systems into potential key features of urban policies that aim at tackling socioeconomic vulnerabilities and planned urban development. On the other hand, the implementation of these infrastructures tends to increase the value of the benefited properties and to demand investments that challenge the public sector’s financing capacity. By means of this, the dissertation addresses alternative sources of urban financing that make use of the increments in land values and that direct the collected amounts to the provision of public mass transit systems through instruments of Land Value Capture (LVC). This research also provides discourse about the features of the São Paulo´s Strategic Master Plan of 2014 (Plano Diretor Estratégico - PDE) that target making financing feasible for its sustainable mobility policy, exemplified by the usage of part of the resources from the Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB) to this end. The main resulting element of these guidelines on the territory is represented by the Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU), where are the highest Floor Are Ratio (FAR) index and the qualified dense urban development can be seen, the latter of which is guided by the mass transit axes, a correlated principle with the Transit-Oriented Development (TOD). Keywords: Transit-Oriented Development (TOD). Land Value Capture. Urban instruments. Public urban policies. Strategic master plan.
LISTA DE FIGURAS Figura 1.1. Distribuição dos empregos formais e alta e muito alta vulnerabilidade sociais na Região Metropolitana de São Paulo. Figura 1.2. Empregos por sub-região da Região Metropolitana de São Paulo, em 2007 e 2017. Figura 1.3. Densidade de empregos (empregos/ha), em 2017, em distritos de São Paulo e demais municípios. Figura 1.4. Distribuição da infraestrutura de mobilidade urbana na RMSP, em 2018. Figura 1.5. Tempo médio de deslocamento por ida e volta ao trabalho nos distritos do município de São Paulo, em 2017. Figura 1.6. Tempo médio das viagens diárias por modo e renda familiar mensal na RMSP, em 2017. Figura 1.7. Distribuição dos empregos formais e dos moradores com emprego formal no município de São Paulo, por zonas, em 2015. Figura 1.8. Taxa geométrica de crescimento anual nos distritos do município de São Paulo, entre 1970 e 2010. Figura 1.9. Densidade demográfica no município de São Paulo, em 2010. Figura 1.10. Comportamento teórico da taxa de valorização fundiária produzida por uma obra pública. Figura 1.11. Composição do custeio do transporte público urbano na Europa. Figura 2.1. Esquema dos componentes do valor do solo urbano e incidência de instrumentos de recuperação da valorização fundiária. Figura 2.2. CA básico e limites máximos em uma cidade hipotética com CA básico 1,0. Figura 2.3. Coeficiente de aproveitamento básico nos PDEs de 2002 e 2004. Figura 2.4. Objetivos de aplicação dos recursos do FUNDURB nos PDEs de 2002 e 2014 em relação à mobilidade urbana. Figura 2.5. Esquema de destinação dos recursos do FUNDURB, segundo PDE de 2014 do município de São Paulo. Figura 2.6. Coeficiente de aproveitamento máximo no PDE de 2004. Figura 2.7. Coeficiente de aproveitamento máximo no PDE de 2014.
Figura 2.8. Investimento do FUNDURB, de 2013 a 2018. Figura 2.9. Receita do FUNDURB, de 2012 a 2019. Figura 2.10. Recursos liquidados para a política de mobilidade urbana, em reais (R$), de 2014 a 2018. Figura 2.11. Recursos liquidados para a política de mobilidade urbana em relação aos montantes liquidados, em reais (R$), de 2014 a 2018. Figura 3.1. Custo da infraestrutura per capita diminui à medida em que a densidade aumenta. Figura 3.2. Esquema de núcleos urbanos policêntricos compactos e de uso misto, conectados pelos sistemas de transporte de massa. Figura 3.3. Esquema de funcionamento da cidade compacta. Figura 3.4. Relação entre forma urbana e custo efetivo do transporte coletivo público. Figura 3.5. Sincronização entre o “nó”, lugar e valor de mercado potencial da Estrutura de Três Valores. Figura 3.6. Diagrama do conceito DOT, proposto por Calthorpe. Figura 3.7. Benefícios urbanos pretendidos pelo conceito DOT. Figura 3.8. Transição de setores do Transecto Urbano. Figura 3.9. Modelo de transições de densidade do Transecto Urbano. Figura 3.10. Esquema do Plano de Dedos de Copenhague, em 1947. Figura 3.11. Densidade populacional e de empregos ao longo das principais rotas de mobilidade sobre trilhos de Copenhague e região, em 2012. Figura 3.12. Coeficientes de aproveitamento do solo em relação à rede de mobilidade urbana, em Seoul. Figura 3.13. Tipologias do DOT urbano e DOT suburbano. Figura 3.14. Indicador do valor de compra de residências em vários tipos de áreas nos Estados Unidos, de 1996 a 2013. Figura 3.15. Vista aérea de Curitiba e verticalização ao longo dos eixos de corredores de ônibus.
Figura 3.16. Canaleta segregada de ônibus do sistema RIT. Figura 3.17. Distribuição da população segundo renda nos eixos estruturantes da RIT, em 2009. Figura 3.18. Coeficiente de aproveitamento máximo possível na OUC Linha Verde, eixos estruturais e de adensamento. Figura 3.19. Sistema Transmilenio de Bogotá, fases de implantação e linhas alimentadoras. Figura 3.20. Ônibus coletivos em congestionamento em Bogotá, antes da implantação do Transmilenio. Figura 3.21. Sistema Transmilenio em operação em Bogotá. Figura 3.22. Localização da Ciudadela El Recreo (em laranja) em relação às linhas troncais e terminais do Transmilenio, em 2004. Figura 3.23. Vista da Ciudadela El Recreo, no início de sua implantação. Figura 3.24. Vista aérea da Ciudadela El Recreo, nos anos 2000. Figura 3.25. Macroáreas do Plano Diretor Estratégico de 2014. Figura 3.26. Proporção dos empregos acessíveis por transporte público em até 60 minutos em São Paulo. Figura 3.27. Coeficientes de aproveitamento mínimos, básicos, e máximos nos EETU, conforme macroárea. Figura 3.28. Eixos de Estruturação da Transformação Urbana existentes e previstos no PDE de 2014. Figura 3.29. Parâmetros urbanísticos propostos pelo PDE de 2014 nas áreas de influência dos EETU. Figura 3.30. Eixos de Estruturação da Transformação Urbana na LPUOS de 2016. Figura 3.31. Zonas de Estruturação Urbana e MEM existentes e previstas no PDE de 2014. Figura 3.32. Empreendimento de uso misto de alto padrão lançado na área de influência do eixo de mobilidade urbana da Avenida Rebouças, na zona Oeste. Figura 3.33. Total de unidades residenciais por área útil lançadas entre 2004 e 2018 nas áreas de influência dos EETU, por período. Figura 3.34. Mapa de indicação dos locais licenciados para a realização de empreendimentos que demandaram área computável adicional acima do coeficiente de aproveitamento básico a partir da vigência da Lei 16.050/2014.
Figura 4.1. “Ciclo virtuoso” dos efeitos da acessibilidade das redes de mobilidade urbana articulados com mecanismos de recuperação da valorização fundiária. Figura 4.2. Elementos chave do financiamento da mobilidade urbana pelos instrumentos de recuperação da valorização fundiária combinados ao DOT selecionados e agentes envolvidos. Figura 4.3. Densidade populacional urbana ao longo da rede de mobilidade sobre trilhos de Hong Kong. Figura 4.4. Percentuais da receita líquida da MTR, entre 2000 e 2012. Figura 4.5. Esquema de financiamento do modelo T+P. Figura 4.6. Abrangência das áreas de captação em um raio de 500m ao redor das estações de uma linha da MTR. Figura 4.7. Combinação entre a infraestrutura de mobilidade urbana e outros usos no projeto da estação Kowloon, em Hong Kong. Figura 4.8. Empreendimento imobiliário ao redor da estação Kowloon. Figura 4.9. Cidade Jardim Tama (Tokyu Tama Garden City), constituída por quatro cidades interconectadas por uma linha de trem a sudoeste de Tóquio, numa área superior a 50 milhões de km², onde habitam cerca de 600 mil pessoas. Figura 4.10. Entorno da estação Tama Plaza, na Cidade Jardim Tama. Figura 4.11. Esquema conceitual do funcionamento do Reajuste de Terras. Figura 4.12. Percentuais da receita líquida da Tokyu Corporation, entre 2003 e 2012. Figura 4.13. Desenvolvimento urbano na estação Shiodome. Figura 4.14. Esquema de implantação e financiamento de uma estação e linha sobre trilhos integradas com um empreendimento imobiliário pelo metódo do Reajuste de Terras em áreas urbanas consolidadas. Figura 4.15. Esquema de implantação e financiamento de uma estação e linha sobre trilhos integradas com um empreendimento imobiliário pelo metódo do Reajuste de Terras em áreas suburbanas.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CTN DAT DOT EETU FIA FUNDURB HIS HMP IPTU ITBI ISS LPUOS LVC MEM METRÔ MTR NAU OI OOAU OODC ONU OUC OU
Código Tributário Nacional Desenvolvimento Adjacente ao Transporte Desenvolvimento Orientado pelo Transporte Eixos de Transformação da Estruturação Urbana Financiamento pelo Incremental da Arrecadação Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano Habitação de Interesse Social Habitação de Mercado Popular Imposto Territorial e Predial Urbano Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Land Value Capture Macroárea de Estruturação Metropolitana Companhia do Metropolitano de São Paulo Mass Transit Railway Nova Agenda Urbana Operações Interligadas Outorga do Direito de Alteração de Uso Outorga Onerosa do Direito de Construir Organização das Nações Unidas Operação Urbana Consorciada Operação Urbana
PDE PIU POT PP RIT RMSP SITP SMDU TIF TDC TPC T+P UH VLP VLT ZEIS ZEUA ZEUP ZEU
Plano Diretor Estratégico Projeto de Intervenção Urbana Plano de Ordenamento Territorial Plano Parcial Rede Integrada de Transportes Região Metropolitana de São Paulo Sistema Integrado de Transporte Público Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano Tax Increment Financing Transferência do Direito de Construir Transferência de Potencial Construtivo Trilho + Propriedade Unidade Habitacional Veículo Leve Sobre Pneus Veículo Leve Sobre Trilhos Zona Especial de Interesse Social Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Ambiental Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Previsto Zona de Estruturação Urbana
SUMÁRIO 15 INTRODUÇÃO 20 34
CAPÍTULO 1 O papel do sistema de transporte público coletivo de alta capacidade no desenvolvimento urbano
39 49
CAPÍTULO 2 Instrumentos de recuperação da valorização fundiária e seu potencial para financiar o transporte público de massa
59 70
CAPÍTULO 3 Modelos de compacidade urbana baseados na influência das infraestruturas de transporte público coletivo
78
3.2 A Rede Integrada de Transporte na estruturação urbana de Curitiba
82
3.3 Mobilidade e desenvolvimento urbano em Bogotá: o caso do Transmilenio
87
3.4 Os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana no Plano Diretor Estratégico de São Paulo
103 107
CAPÍTULO 4 Modelos de recuperação da valorização do solo combinados ao financiamento do DOT
112
4.2 Reajuste de Terras e o sistema sobre trilhos da região metropolitana de Tóquio
118
4.3 Financiamento pelo Incremental de Arrecadação e uma nova linha de metrô em Nova Iorque
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
124
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.1 Fontes tradicionais de custeio da infraestrutura de mobilidade urbana no Brasil
2.1 Atributos do Plano Diretor Estratégico de 2014 relacionados ao financiamento da mobilidade urbana
3.1 O Desenvolvimento Orientado pelo Transporte
4.1 Empreendimentos Associados e a rede de mobilidade metroferroviária de Hong Kong
15 INTRODUÇÃO Um dos maiores desafios enfrentados pelas cidades brasileiras atualmente é o acesso às infraestruturas e oportunidades urbanas de forma equânime, em especial pelas faixas da população mais vulneráveis e de menor renda, em um contexto de urbanização dispersa e precária, que se expressou com maior veemência a partir da segunda metade do século 20 (VILLAÇA, 1998; REIS FILHO, 2006). Neste contexto, o sistema de transporte público coletivo passa a ser um elemento potencial para ampliar o acesso ao emprego, reduzir a emissão de poluentes e tornar as cidades mais eficientes do ponto de vista econômico em regiões metropolitanas complexas, como a de São Paulo. Por outro lado, levando-se em consideração que as condições de acessibilidade às infraestruturas de mobilidade não ocorrem de maneira homogênea no tecido urbano e linear no tempo, a sua implantação usualmente tende a gerar uma valorização diferenciada dos terrenos próximos em detrimento de outros e atrair o interesse de proprietários e do mercado imobiliário. Além disso, os recursos necessários às obras dos sistemas de transporte coletivo de massa geralmente ultrapassam a capacidade de investimento dos governos, em especial estados e municípios (ANTP, 2017). Tomando este raciocínio como ponto de partida, a presente pesquisa aborda fontes alternativas de financiamento urbano que operam sobre a valorização fundiária e direcionam os montantes arrecadados para a provisão de sistemas de transporte público coletivo. Nosso recorte de estudo são as estratégias do Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2014 do município de São Paulo que buscam viabilizar o financiamento da sua política pública de mobilidade urbana, estruturada em um modelo de desenvolvimento da cidade ao longo das áreas de influência dos eixos da rede de alta capacidade.
16 Tratam-se de instrumentos que visam ampliar a capacidade de arrecadação do Estado pela captura de parte ou da totalidade dos incrementos de valor dos terrenos beneficiados por obras públicas ou alterações dos parâmetros urbanísticos de uso e ocupação do solo, conceito conhecido como recuperação da valorização fundiária (Land Value Capture). Seu intuito é reverter os recursos em melhorias urbanas, sob a noção de que os ônus e benefícios do processo de urbanização devem ser distribuídos de maneira justa (FURTADO, 1999; SMOLKA e AMBORSKI, 2000). No primeiro capítulo, abordamos os meios tradicionais de custeio dos sistemas de transporte coletivo público no Brasil e de seus componentes, como os subsídios públicos e as receitas tarifárias. Sua análise pretende compreender em que medida estas fontes de recursos oferecem margem para novos investimentos na expansão, operação e manutenção da rede pelos governos e operadores (CARVALHO ET AL., 2013). Desta aproximação, discorremos no segundo capítulo sobre a definição dos instrumentos de captura da valorização do solo e sua adoção no Brasil e em alguns países, com foco na experiência do município de São Paulo. Eles permeiam a concepção da política pública urbana da cidade desde a década de 1970, a partir dos desdobramentos do conceito de “solo criado” e de mecanismos como as Operações Urbanas Consorciadas (OUC) e a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC), regulamentadas pelo Estatuto da Cidade, em 2001 (BRASIL, 2001; FURTADO E MALERONKA, 2003; SANTORO, 2009). Contudo, apesar da ampla utilização destes mecanismos na capital paulista e de importantes receitas extraorçamentárias advindas de instrumentos como o Certificado de Potencial Adicional Construtivo (CEPAC) e dos recursos
17 encaminhados ao Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB) via OODC (SANDRONI, 2008), constata-se que as melhorias urbanas contempladas pelos montantes muitas vezes priorizaram obras viárias voltadas ao automóvel individual em detrimento de modais coletivos (NOBRE ET AL., 2016). A partir da revisão do PDE, em 2014, houve aperfeiçoamentos da política de gestão do uso do solo que pretenderam ampliar a geração de recursos aos cofres públicos, como o estabelecimento do coeficiente de aproveitamento (CA) básico igual a um em toda a cidade. No espectro da mobilidade urbana, a destinação de ao menos 30% dos recursos do FUNDURB aos sistemas de transporte coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres ampliou a interface desta política setorial com conceitos de mobilidade sustentável, em modos coletivos e ativos (LEITE ET AL., 2018; WRI, 2018). Após seis anos de vigência, dados apontam para avanços e desafios desta diretriz do PDE, no que tange ao atendimento do percentual mínimo estabelecido investido no período, assim como alterações recentes realizadas pelo poder público quanto à finalidade dos aportes (BONDUKI, 2019; IAB, 2019; LEITE ET AL., 2019). Em correlação, tratamos no terceiro capítulo a respeito de modelos de desenvolvimento urbano associados aos eixos de mobilidade de alta capacidade, pelos seus atributos de articulação da gestão do uso da terra com o planejamento da rede. Eles têm em comum o objetivo de induzir o adensamento populacional qualificado ao longo de linhas, estações e terminais, estratégia que tende à dinamização do mercado de solos e da atividade imobiliária sobre as quais os instrumentos de captura da valorização da terra geralmente atuam e sugerem potencial para ampliar o financiamento das infraestruturas do sistema de transporte de massa (SUZUKI ET AL., 2013).
18 Neste sentido, se relacionam com reflexões acerca da urbanização sustentável, amparadas na agenda ambiental, na qualificação de centralidades policêntricas e compacidade urbana, com maior repercurssão a partir da década de 1990, sob conceitos como o Crescimento Inteligente (Smart Growth) (CALTHORPE, 1993) e, mais recentemente, o Urbanismo Social (LEITE ET AL., 2020). Um conceito derivado do Crescimento Inteligente abordado pela pesquisa é o Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (DOT), configurado pela transformação do uso do solo nas proximidades das infraestruturas de transporte de massa por meio do adensamento integrado à qualificação dos espaços públicos e da diversificação de atividades - modelo aplicado de maneira similar em algumas cidades como Curitiba, em seus Eixos Estruturantes, e em Bogotá, na rede Transmilenio, a serem abordadas. No caso do PDE de 2014, o DOT guarda relação com os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU), constituídos por eixos nos quais as áreas de influência possuem parâmetros urbanísticos diferenciados, a exemplo de maiores coeficientes de aproveitamento e incentivos ao adensamento populacional (LEITE E AWAD, 2012; FONSECA, 2015; FRANCO ET AL., 2015). Estas estratégias nos interessam por terem correspondências, segundo os autores pesquisados, com a viabilização do financiamento dos EETU e da política de mobilidade urbana de São Paulo como um todo (LONGO, 2015; BALBIM ET AL., 2016). O diagnóstico da indução do desenvolvimento urbano compacto e socialmente equilibrado pretendido pelo PDE de 2014 é levantado por balanços recentes que analisam aspectos relevantes como o tamanho das unidades habitacionais
19 construídas nos perímetros dos EETU ativos, a participação dos empreendimentos licenciados de moradia popular e a relação geográfica daqueles que demandaram área computável adicional em relação aos eixos, servindo de termômetro de avaliação desta política pública urbana (CORRENTE, 2019; SMDU, 2019). Por último, no quarto capítulo, discorremos sobre algumas experiências internacionais que lançam mão de modelos de desenvolvimento urbano similares à estratégia DOT combinados aos instrumentos de recuperação da valorização fundiária, para financiar a operação e a expansão da rede de mobilidade e centralidades urbanas (SUZUKI ET AL., 2015). Como casos de referência, foram selecionados os mecanismos de Empreendimento Associado (Joint Development) (TANG ET AL., 2004; NOBRE ET AL., 2016) adotado na rede metroferroviária de Hong Kong (China); o Reajuste de Terras (Land Readjustment), no sistema sobre trilhos da região metropolitana de Tóquio (Japão) (MONTANDON E SOUZA, 2007; CERVERO E MURAMAKI, 2009); e o Financiamento pelo Incremental de Arrecadação (FIA) (Tax Increment Financing) (MALERONKA E HOBBS, 2017; CORTEZ, 2018) na construção de uma nova linha de metrô inserida no projeto de requalificação urbana Hudson Yards, em Nova Iorque (Estados Unidos).
20
1 O papel do sistema de transporte pĂşblico coletivo de alta capacidade no desenvolvimento urbano
21 No decorrer da segunda metade do século 20, o processo de urbanização brasileiro foi marcado pelo o que alguns autores denominam como disperso, expandindo os núcleos urbanos tradicionais em direção às bordas do território, em grande medida a partir da implantação de loteamentos informais precários, condomínios horizontais e centros de atividade terciária (MARICATO, 1996). Concomitantemente, a metropolização das cidades produziu “constelações” de novas centralidades que avançaram sobre o meio rural, conectadas por um sistema viário expresso voltado ao automóvel individual (VILLAÇA, 1998; REIS FILHO, 2006). Este tipo de produção do espaço urbano é criticado por modelos contemporâneos de planejamento, que propõem cidades mais compactas e sustentáveis do ponto de vista ambiental e socioterritorial, nas quais as infraestruturas de mobilidade urbana têm papel estruturante (LEITE ET AL., 2015). Na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), com população de mais de 20 milhões de habitantes e 39 municípios, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014), o “crescimento desordenado” conduziu à ocupação de regiões periféricas, de maior fragilidade ambiental, pela população geralmente excluída do mercado imobiliário formal (NOBRE, 2004). São áreas habitadas majoritariamente por famílias de menor renda, pouco atendidas por políticas públicas adequadas de moradia social, em terras de baixo valor e caracterizadas pela autoconstrução (BONDUKI, 1996). Entre 1970 e 2010, a evolução demográfica da RMSP acentuou-se tanto na capital paulista (em 80%, com salto de 5,9 para 11,2 milhões de habitantes), quanto nos municípios do entorno (alta de 281%, passando de 2,2 para 8,3 milhões de habitantes) (BALBIM ET AL., 2016).
22 Este processo acarretou desequilíbrios nas condições de acesso à infraestrutura de suporte urbana, como saneamento básico, equipamentos públicos e, como recorte de análise deste trabalho, às redes de mobilidade urbana de alta capacidade. Para Reis Filho (2006), parte disso se deve ao acúmulo histórico de investimentos públicos em determinados núcleos mais valorizados pelo mercado imobiliário e governos locais, em detrimento de outros. Segundo Meyer et al. (2014, p.137), esta dinâmica guarda relações com a maneira pela qual os sistemas de transporte público coletivo se distribuem no tecido urbano, sendo um dos componentes de compreensão da metropolização, compreendida pelo [...] desenvolvimento dos três elementos articulados que o constituíram: a dispersão intensiva do padrão periférico; o deslocamento da função residencial para áreas desprovidas de atributos urbanos básicos; e a acentuada desarticulação do sistema de transporte público e dos fluxos responsáveis pela mobilidade intra-metropolitana.
Tomemos novamente como exemplo a RMSP para ilustrar as assimetrias urbanas no acesso às infraestruturas de mobilidade. As regiões bem servidas pelas linhas e estações da rede são também as que acumulam grande parte dos postos de trabalho formais e distam dos locais onde estão os índices mais expressivos de vulnerabilidade social, em sua maioria, nas periferias (figura 1.1). Segundo a Pesquisa Origem Destino de 2017 da Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ, 2019) pouco mudou na distribuição de empregos na RMSP em dez anos, desde 2007, onde a sub-região Centro, equivalente ao município de São Paulo¹, continuou concentrando mais de 60% dos empregos (figuras 1.2 e 1.3). No mesmo período, o sistema de transporte sobre trilhos aumentou sua rede em pouco mais de 40 km - de 61,4 para 89,8 km, no Metrô, e de 251,1 para 267,5 km, na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
1. Sub-região Sudoeste: Embu das Artes, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra; Sub-região Oeste: Barueri, Carapicuíba, Cotia, Itapevi, Jandira, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Santana de Parnaíba, Vargem Grande Paulista; Sub-região Norte: Cajamar, Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato, Mairiporã; Sub-região Nordeste: Arujá, Guarulhos, Santa Isabel; Sub-região Leste: Biritiba-Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Suzano; Sub-região Sudeste: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra; e Sub-região Centro: São Paulo (METRÔ, 2019).
23 Figura 1.1. Distribuição dos empregos formais e alta e muito alta vulnerabilidade sociais na Região Metropolitana de São Paulo. Fonte: elaboração do autor, com base em SMDU (2014).
Empregos formais mais empregos menos empregos
Índice paulista de vulnerabilidade social vulnerabilidade muito alta vulnerabilidade alta vulnerabilidade média trem metropolitano (CPTM) sistema viário estrutural hidrografia
24 Em 2018, apenas 22% dos domicílios da RMSP localizavam-se em até um quilômetro de uma estação ou terminal público das redes operadas pelo governo estadual (metrô, trens e corredores de ônibus). Se feito um recorte por renda per capita, as famílias com ganhos superiores a três salários mínimos concentravam 44% das residências dentro desta distância, segundo dados do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, 2018)². Do ponto de vista da densidade populacional, podemos ver no mapa da figura 1.4 que o sistema atende melhor as regiões menos densas do território.
Figura 1.3. Densidade de empregos (empregos/ha), em 2017, em distritos de São Paulo e demais municípios. Fonte: elaboração do autor, com base em Metrô (2019, p.35).
limite de municípios
75 a 100
até 25
100 a 150
25 a 50
mais de 150
50 a 75
As discrepâncias também se expressam no volume de deslocamentos pendulares, com crescimento de 75% entre 2000 e 2010, atingindo 44 milhões de viagens diárias com destino à capital paulista, segundo a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (EMPLASA, 2013). Figura 1.2. Empregos por sub-região da Região Metropolitana de São Paulo, em 2007 e 2017. Fonte: elaboração do autor, com base em Metrô (2019, p.32). Sub-região de emprego
Empregos 2007
Empregos 2017
(x1.000)
%
(x1.000)
%
Sudeste
215
2,3
255
2,7
Oeste
724
8,0
820
8,8
Norte
135
1,5
171
1,8
Nordeste
540
6,0
573
6,1
Leste
462
5,1
547
4,9
Sudeste
1.060
11,7
1.087
11,6
Centro
5.930
65,4
6.004
54,1
Total
9.066
100,0
9.367
100,0
2. Faixa 1: até 1.908 reais; Faixa 2: de 1.908 a 3.816 reais; Faixa 3: de 3.816 a 7.632 reais; Faixa 4: de 7.632 a 11.448 reais; Faixa 5: mais de 11.448 reais. Dados de abril de 2018. Resultados de percentual de pessoas residentes em até um quilômetro de uma estação ou terminal de transporte público de média e alta capacidade, considerando população total. População por setor censitário disponibilizada pelo IBGE. Estação ou terminal de transporte público de média e alta capacidade (TMA) mapeadas pelo ITDP (2018).
25 Figura 1.4. Distribuição da infraestrutura de mobilidade urbana na RMSP, em 2018. Fonte: elaboração do autor, com base em ITDP (2018). limite RMSP
buffer de 1 quilômetro estações de média e alta capacidade corredores de média e alta capacidade
Percentual de domicílios acima de 3 salários mínimos 0 a 5% 5 a 25% 25 a 50% 50 a 100%
Densidade de habitantes por km² mais denso menos denso
26 Em 2017, o tempo médio para os modos coletivos nas cinco faixas de renda analisadas pela Pesquisa Origem Destino na RMSP foi de 60 minutos, apenas sete minutos a menos do que em 2007. Em todas as faixas, a duração das viagens dos meios individuais é em média 50% menor se comparada aos coletivos (METRÔ, 2019), como mostra a figura 1.6. Situação análoga ocorre no município de São Paulo, com 1,5 mil quilômetros quadrados e cerca de 12 milhões de habitantes, em que 64% dos postos de trabalho formais concentram-se nas Zonas Sul 1, Oeste e Centro3, enquanto 60% das residências da população com emprego formal estão nas extremidades do território, como aponta a figura 1.7, conforme dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE, 2017). Quanto à duração das viagens diárias, leva-se em média uma hora e meia para ir e voltar do trabalho, com diferenças importantes a depender do recorte territorial (figura 1.5). Um exemplo é a comparação do tempo médio de deslocamento de quem mora no Itaim Bibi, na zonal sul (inferior a 45 minutos), e de um residente de Cidade Percentual de domicílios acima de 3 salários mínimos menos de 1h de 1h a 1h15
limite do município
de 1h15 a 1h30
linhas de metrô
de 1h30 a 2h
linhas da CPTM
mais de 2h
corredores de ônibus
Figura 1.5. Tempo médio de deslocamento por ida e volta ao trabalho nos distritos do município de São Paulo, em 2017. Fonte: elaborado pelo autor, com base em SMDU (2019, p.2).
27 Figura 1.6. Tempo médio das viagens diárias por modo e renda familiar mensal na RMSP, em 2017. Fonte: elaboração do autor, com base em Metrô (2019, p.58).
tempo médio de viagem em minutos
70 60
60
coletivo
61
58
55
individual
53
50
não motorizado
40 30
26
24
20
14
13
10
27
26 11
26 10
10
0 faixa 1
faixa 2
faixa 3
faixa 4
faixa 5
Figura 1.7. Distribuição dos empregos formais e dos moradores com emprego formal no município de São Paulo, por zonas, em 2015. Fonte: elaboração do autor, com base em SEADE (2017, p.3).
30
postos formais (Rais)
25,4
25 20
17,8
15
em %
10
moradores com emprego formal (PED)
23,6
22,2
21,0
8,7
10,2
5,7
7,6
5
13,9
13,7 7,4
2,8
5,1
5,0
4,4
0 Zona Sul 1
Zona Oeste
Zona Centro
Zona Leste 1
Zona Norte 1
Zona Leste 2
Zona Sul 2
Zona Norte 1
28 Tiradentes, no extremo leste (duas horas e quarenta minutos), segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU, 2019). Quando cruzados estes dados com os distritos que apresentam as maiores taxas geométricas de crescimento e densidade populacional (próximas ou superiores a 200 hab./ha), vemos que também são os menos atendidos pelo sistema de transporte coletivo (figuras 1.8 e 1.9), ao contrário de bairros do chamado Centro Expandido - como Santo Amaro, Vila Leopoldina, Barra Funda e Lapa, com menos de 100 hab./ha (CINTRA, 2014).
Figura 1.8. Taxa geométrica de crescimento anual nos distritos do município de São Paulo, entre 1970 e 2010. Fonte: elaboração do autor, com base em SMDU (2015, p.17).
-4 a 0 0a4 4a8 8 a 12
Com o sucessivo abandono dos planos e políticas de incentivo aos trilhos (bondes, trens e metrô), o ônibus, como um modal de implantação barata, de penetração flexível no território e guiado de forma independente pela iniciativa privada, foi um ingrediente fundamental para a expansão na metrópole industrial, contribuindo com as demais condicionantes. […] Ademais, a implantação das linhas seguia uma lógica parecida com a implantação de novos bairros precários produzidos pelos moradores e pelo Estado: não era pensada a partir da continuidade da rede para a construção de um sistema eficiente, mas sim desarticuladas e extremamente fragmentadas (LONGO, 2015, p.89). 1970-1980
1980-1991
1991-2000
12 a 25
2000-2010
29 Figura 1.9. Densidade demográfica no município de São Paulo, em 2010. Fonte: elaboração do autor, com base em SMDU (2015, p.20).
acima de 250 hab./ha de 200 a 250 hab./ha de 150 a 200 hab./ha de 100 a 150 hab./ha de 50 a 100 hab./ha abaixo de 50 hab./ha hidrografia
30 Este quadro de urbanização dispersa tem reflexos na densidade global da capital paulista, de 72,47 hab./ha, se comparada a outras metrópoles do mundo, representando “a metade da densidade de Tóquio, a menos da metade da densidade de Nova Iorque e a um terço da densidade de Bombaim ou Deli, que tem 308,48 hab./ha para referenciarmos outras magnitudes” (LEITE ET AL., 2015, p.97). Longo (2015, p.92) pondera que a expansão urbana de metrópoles brasileiras como São Paulo se caracteriza por padrões de ocupação complexos e sobrepostos, que mesclam sua conformação industrial e contemporânea: Não se trata da existência de um corte abrupto ou da substituição completa de uma pela outra. [...] Por exemplo, não podemos afirmar hoje que as áreas periféricas sejam exclusivamente sinônimo de de precariedade e de localização de população de baixa renda; tampouco podemos assegurar que estas áreas sejam caracterizadas como subúrbios de média e alta renda - como nas cidades americanas. Fundamentalmente, ambos os elementos coexistem, revelando uma forma particular de dispersão urbana presente não só em São Paulo, mas em tantas outras metrópoles brasileiras.
Parte das discrepâncias urbanas descritas sobre a capital paulista pode ser explicada em função do acúmulo de investimentos públicos ao longo do tempo em infraestrutura de suporte em bairros nobres do quadrante sudoeste da cidade4 da cidade de São Paulo (VILLAÇA, 1998). No que diz respeito à rede de mobilidade urbana, de maneira geral, os distritos beneficiados pela sua expansão no período entre 2007 e 2017 tiveram ampliada sua presença no número de deslocamentos diários – alguns exemplos são a implantação da linha 4-Amarela e a extensão da linha 2-Verde, ambas do Metrô, e a extensão da linha 9-Esmeralda, da CPTM. Já a participação dos modais individuais aumentou nos distritos menos acessíveis ao sistema.
3. Distritos da Zona Sul 1: Vila Mariana, Saúde, Moema, Ipiranga, Cursino, Sacomã, Jabaquara, Santo Amaro, Campo Belo e Campo Grande; Zona Sul 2: Cidade Ademar, Pedreira, Campo Limpo, Capão Redondo, Vila Andrade, Jardim Ângela, Jardim São Luiz, Socorro, Cidade Dutra, Grajaú, Parelheiros e Marsilac; Zona Leste 1: Mooca, Água Rasa, Belém, Brás, Pari, Tatuapé, Vila Prudente, Sapopemba, São Lucas, Aricanduva, Carrão, Vila Formosa, Penha, Artur Alvim, Cangaíba e Vila Matilde; Zona Leste 2: Emerlino Matarazzo, Ponte Rasa, Itaquera, Cidade Líder, José Bonifácio, Parque do Carmo, São Mateus, Iguatemi, São Rafael, São Miguel, Jardim Helena, Vila Jacuí, Itaim Paulista, Vila Curuçá, Guaianases, Lajeado e Cidade Tiradentes; Zona Norte 1: Tremembé, Jaçanã, Vila Maria, Vila Guilherme, Vila Medeiros, Santana, Tucuruvi e Mandaqui; Zona Norte 2: Casa Verde, Limão, Cachoeirinha, Freguesia do Ó, Brasilândia, Pirituba, Jaraguá, São Domingos, Perus e Anhaguera; Zona Oeste: Pinheiros, Alto de Pinheiros, Itaim Bibi, Jardim Paulista, Lapa, Perdizes, Vila Leopoldina, Jaguaré, Jaguará, Barra Funda, Butantã, Morumbi, Raposo Tavares, Rio Pequeno e Vila Sônia; Centro: Sé, Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, República e Santa Cecília. 4. Conjunto de 20 distritos do município de São Paulo que coincidem em sua maioria com o perímetro do Centro Expandido, no qual concentram-se as camadas de alta renda e a maioria dos investimentos públicos e privados em infraestrutrura urbana.
31 Entre as hipóteses contribuintes a este cenário, estão incentivos vigentes no recorte temporal analisado à aquisição de automóveis por meio de políticas de acesso ao crédito e a redução de tributos sobre estes bens (SMDU, 2019). Uma das principais consequências do acesso não universalizado à infraestrutura urbana no território, como ocorre nos contextos apresentados, é que, tipicamente, quanto mais inserida for uma propriedade às melhorias urbanas, maior será seu valor em relação a outras (SMOLKA, 2014). Na América Latina, investimentos e ações do Estado podem gerar incrementos no valor do solo que variam de 10% a 30%, a depender do grau de urbanização de cada cidade (figura 1.10) (BORRERO ET AL., 2011).
Figura 1.10. Comportamento teórico da taxa de valorização fundiária produzida por uma obra pública. Fonte: elaboração do autor, com base em Borrero et al. (2011).
30%
comportamento em um microciclo
% de valorização
comportamento normal
2 anos anúncio
4 anos construção
7 anos
10 anos
15 anos
posterior à obra
20 anos
32 O gráfico da figura 1.10 explica esta dinâmica, na qual o anúncio da execução de uma infraestrutura hipotética seria capaz de alavancar o valor da terra, seguido por relativa desvalorização em função dos impactos negativos da construção em si até a conclusão da obra, novo momento de alta. No caso paulistano, os bairros beneficiados pela expansão do metrô valorizam, em média, 16% os apartamentos localizados em até um quilômetro de distância de uma estação, podendo atingir picos de incremento de até 32%, como ocorrido no bairro do Sacomã, na zona Sudoeste (GEOIMÓVEL, 2019). Um exemplo recente é a variação de valores dos imóveis na rua Fradique Coutinho, em Pinheiros, zona Oeste. Na via de cerca de dois quilômetros de extensão servida pela linha 4 amarela do Metrô, a proximidade à estação de mesmo nome, entre outras amenidades, acarreta numa diferença de até 4.000 reais (VEJA SÃO PAULO, 2020). Sobre a localização destes investimentos públicos no território, A economia política da urbanização latino-americana oferece muitos exemplos de decisões públicas questionáveis (ineficientes, inequitativas, insustentáveis) relacionadas com a alocação espacial dos investimentos em infraestrutura urbana e serviços e com o uso arbitrário de normas e regulamentos de usos do solo. Não é difícil ver como a expectativa de obter benefícios extraordinários a partir de intervenções públicas pode levar à cumplicidade entre proprietários de terras e responsáveis pela regulação urbana (SMOLKA, 2014, p.5).
Os desequilíbrios socioterritoriais do uso do solo e do acesso à infraestrutura de suporte nas cidades, em especial às de mobilidade urbana, é uma pauta que permeia discussões recentes sobre as diretrizes para a urbanização sustentável e foi destacada pela publicação da Nova Agenda Urbana (NAU) da Organização das Nações Unidas (ONU), por ocasião da Habitat III, em Quito, no Equador, em 2016.
33 Entre as medidas recomendadas para seu enfrentamento, estão o desenho de políticas de planejamento urbano e a promoção do desenvolvimento econômico integrados à instrumentos urbanísticos que possam viabilizar fontes alternativas às diversas esferas de governo e ampliar novos investimentos em melhorias nas áreas mais vulneráveis. Nesta perspectiva, o documento da NAU enfatiza o papel dos “planos urbanos com a força da lei”, do “estabelecimento de sistemas de gestão do solo” e do “financiamento local para infraestrutura básica” (ONU, 2016). Em correlação à estas diretrizes, destacamos neste capítulo o papel dos mecanismos de recuperação da valorização fundiária (Land Value Capture) (SMOLKA E AMBORSKI, 2000). São instrumentos que pretendem ampliar a arrecadação do Estado a partir da captura dos incrementos do valor da terra oriundas de ações públicas no território, para revertê-los em investimentos em infraestrutura urbana na cidade, a exemplo dos sistemas de transporte público de massa. Uma reflexão inicial para a compreensão de seu potencial à geração de receitas extraorçamentárias em políticas de mobilidade urbana é o entendimento da capacidade fiscal de arrecadação dos entes federativos brasileiros, em especial municipais, assim como os meios tradicionais de custeio e financiamento das redes de transporte público de alta capacidade, a serem discutidos a seguir.
34
1.1 Fontes tradicionais de custeio da infraestrutura de mobilidade urbana no Brasil
35 O processo de descentralização institucional deslanchado a partir da década de 1980 em toda a América Latina contribuiu em parte para o estabelecimento de limites de investimentos dos governos subnacionais, ao definir maiores responsabilidades aos estados e municípios sobre os gastos em bens e serviços públicos, cujos montantes compõem mais de 40% dos orçamentos, conforme a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, 2011). Uma pesquisa feita na região pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aponta o alto grau de dependência dos entes subnacionais com as transferências de recursos, muitas vezes alocados pela esfera federal, e o baixo potencial de arrecadação do imposto sobre a propriedade. No Brasil, desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988 (BRASIL, 1988), as municipalidades adquiriram maior autonomia fiscal, administrativa e política, o que de certa forma enfatizou o papel das prefeituras na coordenação, gestão do planejamento urbano e definição das diretrizes dos investimentos em seus territórios. Tradicionalmente, as principais fontes de receita dos municípios são o Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), além de garantias a recursos partilhados com outros estados por meio de acordos referendados pela legislação nacional (DOWELL ET AL., 2000). Apesar da dotação de autonomia pela reforma constitucional, os municípios estão sujeitos a cumprir determinadas obrigações financeiras e administrativas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000 (BRASIL, 2000). Eguino e Leite (2018) argumentam que a gestão fiscal do imposto sobre a propriedade, por exemplo, poderia melhorar na medida em que houvesse o aperfeiçoamento dos cadastros dos imóveis, da atualização dos valores dos edifícios e da modernização da administração tributária municipal.
36 A respeito dos sistemas de mobilidade urbana no Brasil, as cifras necessárias para sua a operação, manutenção e expansão desafiam a capacidade de investimento dos governos locais. Historicamente, o poder público tem sido responsável pela maior parcela dos aportes na infraestrutura de transporte coletivo de massa, salvos exemplos em que equipamentos, garagens e pátios ficam à cargo dos operadores privados ou quando empresas concessionárias também direcionam melhorias advindas das outorgas no próprio sistema (IPEA, 2010). Segundo a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP, 2017, p.122), o direcionamento dos recursos nesta área acentuou-se na última década. A política de incentivo à aquisição de veículos individuais, associada ao período de crescimento econômico observado no início dos anos 2000, acabou contribuindo para a volta da questão dos transportes urbanos para a pauta política, em função da elevação dos congestionamentos e, consequentemente, da piora das condições de mobilidade urbana no Brasil. No entanto, o governo federal somente passou a se envolver de forma mais acentuada com o tema na segunda metade da década de 2000, acenando com investimentos federais no setor de mobilidade.
Atualmente, a maioria dos modelos operacionais brasileiros é bastante dependente da arrecadação tarifária, ocorrendo um “subsídio cruzado”, em que parte dos usuários ajuda a cobrir os custos de outros que possuem gratuidades e descontos (ANTP, 2017). Nos sistemas de ônibus coletivos, as subvenções são em geral pouco representativas, com índices mais expressivos em Brasília (cerca de R$ 300 milhões anuais) e São Paulo (média de R$ 2,5 bilhões anuais).
37 No caso dos modais metroferroviários, os subsídios são maiores, constituindo em média aproximadamente 35% do custeio total da rede (IPEA, 2010). Ainda, segundo Carvalho (2019, p.7), na composição da receita dos sistemas metroferroviários no Brasil, “uma minúscula fração desse valor é obtida com receitas não tarifárias, originárias em venda de espaço publicitário e exploração imobiliária”. Se comparado este quadro à composição do financiamento do transporte público urbano em algumas cidades europeias, vemos casos em que há maior equilíbrio entre receitas advindas de tarifas, subsídios e outras fontes (figura 1.11).
Figura 1.11. Composição do custeio do transporte público urbano na Europa. Fonte: elaboração do autor, com base em IPEA (2013, p.13). 100
subsídio público
4
4
38
45
46
43
46
50 46
Copenhague
Barcelona
Valência
Berlim
Vilnius
Madrid
0 Budapeste
9
14
45
18
7 44
1
50 46
54 46
59 39
68
40
72 53
48
31
40
Paris
4
41
25
Lyon
4
42
38
Londres
50
26
Cádis
Varsóvia
50
32
Hamburgo
31
4
50
36
Sevilha
32
53
Stuttgart
54
Estocolmo
26
Turim
9
Praga
em %
54
1
40 20
60
56
Amsterdã
60
74
68
56
46
Helsinque
80
20
receita tarifária outras receitas
38 Quanto aos órgãos de financiamento, as principais fontes são o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), o BID e o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), apoiando tanto empresas quanto projetos de melhoria de infraestrutura elaborados pelos estados e municípios. Contudo, geralmente o acesso às linhas de crédito especiais ao setor público é dificultado pelas exigências de cumprimento dos limites de endividamento da lei de responsabilidade fiscal, mencionada anteriormente. Para as empresas, costuma haver empecilhos de garantias patrimoniais exigidas nos contratos. Há também casos em que o investimento se dá via ações de repasse de recursos a fundo perdido em programas especiais (IPEA, 2010). Neste contexto, o financiamento da mobilidade urbana no Brasil se apresenta como uma pauta ainda mais desafiadora aos entes subnacionais, quando analisados os recursos necessários para a sua materialização no território. Segundo o BNDES, (2017) calcula-se em R$ 234 bilhões (ou cerca de 5% do PIB) o custo da execução de sistemas de transporte público de diversos modais para suprir a demanda de 15 regiões metropolitanas, a uma ordem de R$ 25 bilhões anuais, em 12 anos. Face à esta problemática, discorreremos na sequência acerca do papel de alguns instrumentos de captura da valorização fundiária da política nacional e internacional. Eles nos interessam porque, conforme apontam Suzuki et al. (2015), o desenvolvimento urbano influenciado pelos sistemas de mobilidade urbana tende a dinamizar a atividade imobiliária e os valores dos terrenos adjacentes, sendo uma oportunidade para ampliar a arrecadação extraorçamentária e potencializar o financiamento das redes de transporte público coletivo de alta capacidade - infraestrutura que, como apontado, demanda grande quantidade de recursos.
39
2 Instrumentos de recuperação da valorização fundiária e seu potencial para financiar o transporte público de massa
40 Os instrumentos de recuperação da valorização fundiária baseiam-se na captura de parte ou da totalidade dos incrementos do valor do solo das propriedades que foram beneficiadas por investimentos públicos e se estruturam a fim de retornar à sociedade estes montantes gerados coletivamente para financiar a cidade (SANTORO ET AL., 2005). Alguns autores os compreendem como mecanismos de “gestão social da valorização da terra”, com fins redistributivos. Isto é, Fazer a gestão social da valorização da terra significa, precisamente, construir e fazer funcionar os meios legais e normativos que garantam que a valorização seja redistribuída para toda a coletividade que passa a ser também beneficiada por aquelas ações públicas que sempre implicam algum benefício privado (SANTORO ET AL., 2005, p.10).
No recorte desta dissertação, salientamos o potencial da aplicação deste ferramental em dotar as diversas esferas governamentais de maior autonomia fiscal para ampliar sua capacidade de investimento nas redes de mobilidade urbana. Primeiramente, sem pretender esgotar a literatura sobre o histórico dos instrumentos de recuperação da valorização da terra, discorreremos acerca de suas definições conceituais e alguns momentos em que foram notabilizados nacional e internacionalmente. Nos Estados Unidos, na década de 1940, surgiram as Taxas do Impacto do Empreendimento (Development Tax Fees) (NOBRE ET AL., 2016), baseadas na antecipação dos futuros custos que o empreendimento acarretaria à infraestrutura urbana, difundindo-se nos país nas décadas seguintes como um instrumento de financiamento de equipamentos públicos.
41
Na França, com a revisão do Código de Urbanismo e Habitação de 1975, foi criado o Teto Legal de Densidade (Plafond Légal de Densité), que limitava os índices máximos de aproveitamento dos terrenos em 1,5 para 1 em Paris e 1 para 1 no restante do país; os interessados em edificar um empreendimento acima destes parâmetros deveriam pagar uma taxa ao governo (NOBRE ET AL., 2016). A Colômbia também se notabilizou pelo aperfeiçoamento de seus marcos regulatórios nacionais pela adoção da captura do incremento do valor da terra (participación en las plusvalías) como uma estratégia fiscal de ascender a capacidade de investimentos governamentais, a partir da sua constituição, em 1991, e da Lei de Desenvolvimento Territorial (Ley de Desarrollo Territorial). Elas reconhecem e definem os instrumentos aplicáveis sobre diferentes tipos de valorização oriundas da ação pública no solo, a exemplo da alteração e regulamentação de zoneamentos de usos urbanos, conversão do uso rural para urbano e liberação de maiores densidades construtivas (LEITE ET AL., 2020). Além de obter recursos ou terra urbana sem custo para os espaços públicos e equipamentos, estes instrumentos permitem maior equidade entre os grupos de proprietários dos terrenos, o que facilita as decisões de planejamento [das esferas de governo da Colômbia] (TORRES E GARCÍA, 2010, p.31, tradução nossa).
A respeito dos componentes do valor do solo sobre os quais estes mecanismos operam, nos baseamos no modelo elaborado por Furtado (2003), na figura 2.1.
42
alterações da norma urbanística
investimentos públicos
no ordenamento territorial e em melhorias urbanas. A respeito da participação dos proprietários no processo de valorização da terra neste ciclo,
“esforço” do proprietário
ações de outros indivíduos
Em “C”, encontram-se as alterações da normativa urbanística que podem permitir o aproveitamento máximo dos parâmetros de uso e ocupação do solo, construtivos e a alteração do tipo de atividade do terreno. Em “D” estão os investimentos públicos em obras de infraestrutura e serviços, decorrentes de ações do Estado
valorização apropriada pelo proprietário anterior
Figura 2.1. Esquema dos componentes do valor do solo urbano e incidência de instrumentos de recuperação da valorização fundiária. Fonte: elaboração do autor, com base em Furtado (2003, p.82).
“esforço” do proprietário anterior
Em “A” está o “esforço” do proprietário, que engloba tanto o “esforço” do proprietário anterior como incrementos de valor alheios a ele, apropriados individualmente. Em “B”, estão ações de outros indivíduos, em razão da sua localização, integração no tecido da cidade e do acesso à infraestrutura de suporte e aos serviços públicos no entorno.
A
B
C
D
A0
componentes do valor da terra urbana (A+B+C+D)
B
C
D
todo o valor da terra = incrementos gerais de valor da terra incrementos de valor alheios às ações do proprietário parcela de incidência dos intrumentos de recuperação da valorização fundiária
incrementos de valor decorrentes de ações do setor público valorização decorrente de investimentos públicos
43 Ainda que certas ações realizadas diretamente por proprietários privados possam aumentar o valor da terra, essa situação tende a ser a exceção. Normalmente, estes incrementos advêm de ações realizadas por outros agentes, principalmente pelo setor público, como nos casos em que se autoriza o desenvolvimento de usos do solo e densidades específicas, por meio de ações em infraestrutura, pelos efeitos nas forças de mercado em função do aumento da população urbana, entre outras causas. Em qualquer um destes casos, fica claro que os proprietários não fizeram nada para aumentar os valores do solo e que pode ser socialmente desejável capturar parcela ou todo o incremento do valor da terra ao setor público (SMOLKA E AMBORSKI, 2000, p.51, tradução nossa).
A bibliografia consultada aponta para diferentes tipos de classificação dos instrumentos, além de categorias que não são necessariamente independentes entre si, ao poderem funcionar de maneira sistêmica na política pública urbana. Neste trabalho nos apoiamos em Smolka e Amborski (2000), que definem os mecanismos de recuperação da valorização do solo em três categorias: (i) impostos, contribuições e taxas; (ii) exações (contrapartidas em espécie ou serviços); e (iii) contrapartidas regulatórias por direitos de construção. Segundo os autores, essencialmente, estes instrumentos estão divididos entre tributários e não tributários. No primeiro tipo, os recursos são adquiridos por meio de impostos, taxas ou contribuições. O IPTU é um exemplo de tributo bastante conhecido e recupera parte da valorização segundo as alíquotas estabelecidas. Como outros impostos, não possui destinação específica e geralmente é utilizado para custear serviços públicos. Entre as contribuições, a Contribuição de Melhoria, por exemplo, constitui um encargo ou contribuição que recai sobre os proprietários que se beneficiam
44 diretamente de um serviço ou uma intervenção pública. Em geral, as legislações limitam os montantes a serem recuperados pelo menor custo entre o projeto ou o incremento do valor do solo decorrente. No Brasil, sua aplicação está prevista no Código Tributário Nacional e no Estatuto da Cidade (BRASIL, 2012). Na segunda categoria de instrumentos, os não tributários, a aquisição de recursos é baseada em contrapartidas por alterações na regulação urbanística do uso e ocupação do solo, como o aumento do potencial construtivo de um terreno. São exemplos desta categoria a OUC, OODC e Outorga do Direito de Alteração de Uso (ODAU). Segundo Leite e Eguino (2018) a aplicabilidade dos mecanismos de recuperação da valorização do solo requer um ambiente institucional constituído por um marco jurídico e normativo favorável à sua adoção. Fazem parte dele o fortalecimento dos sistemas de cadastro das propriedades imobiliárias, a fim de disponibilizar informações básicas necessárias para as estimativas dos valores das cobranças; a capacidade dos governos de fazer análises econômicas; e a capacitação dos técnicos municipais. No Brasil, na década de 1970, ocorreram as primeiras discussões sobre novos instrumentos urbanísticos, por técnicos do Centro de Estudos e Pesquisa de Administração Municipal (CEPAM) da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior do Estado de São Paulo (MOREIRA ET AL., 1975). Um importante conceito tratado foi o de “solo criado”, entendido como “a criação de áreas adicionais de piso utilizável não apoiadas diretamente sobre o solo” e a relevância de mecanismos com potencial de neutralizar parte da valorização do solo advinda de coeficientes de aproveitamento diversos em cada zona da cidade, pelo fundamento de
45 que isso levaria “a uma valorização diferenciada dos terrenos” (MOREIRA ET AL., 1975, p.7). O desdobramento conceitual levou à proposta de outros dispositivos de gestão do uso do solo, em especial a diferenciação entre o direito de propriedade e o direito de construir, a Transferência de Potencial Construtivo (TPC) e a proporcionalidade entre terrenos privados e públicos nas cidades. Posteriormente, as reflexões se ampliaram para o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e levaram ao acontecimento de seminários e da publicação da Carta de Embu, em 1976, com assinatura de juristas, economistas e arquitetos. Em 1977, a imprensa especializada difundiu o conceito de “solo criado” na edição de nº16 da revista CJ Arquitetura. A construção além do CA5 único para todas as propriedades de um município seria permitida inicialmente por meio da TPC (com regras estabelecidas pelo poder público), pela aquisição dos direitos de construir de outras áreas ou do Estado – neste caso, em dinheiro ou ofertando-se terrenos relevantes para a região (NOBRE ET AL., 2016).
5. Coeficiente de Aproveitamento é a relação entre a área edificada, excluída a área não computável, e a área do lote podendo ser: a) básico, que resulta do potencial construtivo gratuito inerente aos lotes e glebas urbanas; b) máximo, que não pode ser ultrapassado; c) mínimo, abaixo do qual o imóvel poderá ser considerado subutilizado (SMDU, 2016).
No final da década de 1980, na cidade de São Paulo, o conceito de “solo criado” foi adotado pelas Operações Interligadas (OI), ao outorgar flexibilizações dos parâmetros urbanísticos de uso e ocupação do solo de terrenos ocupados por moradias subnormais mediante a construção ou doação de Habitação de Interesse Social (HIS) destinadas à população removida. A modificação das OI, em 1992, incluiu as contrapartidas financeiras, iniciando a experiência de aplicação de pagamento por área adicional no município (NOBRE ET AL., 2016). Posteriormente, as Operações Urbanas (OU), desenvolvidas no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, também incorporaram o conceito de “solo criado”, por lançarem mão da venda de potencial construtivo adicional nas áreas de vigência
46 para financiar intervenções dentro de seu perímetro. Elas configuravam-se inicialmente como estratégias de ação urbanística pública com a participação privada em áreas de transformação prioritárias, estabelecidas pelo Plano Diretor municipal (MONTANDON, 2009). A prefeitura paulistana também criou o CEPAC, título mobiliário negociado em leilões eletrônicos, cuja aquisição permitiria direitos de construção acima do limite determinado pelos parâmetros urbanísticos do zoneamento e sob os índices estabelecidos em cada OU. Inicialmente idealizado em 1995 pela Secretaria Municipal de Planejamento (SEMPLA), foi regulamentado pelo Estatuto da Cidade, em 2001, e aplicado a partir desta década. As receitas obtidas por estas transações pretendiam permitir ao poder público maior fôlego orçamentário para investimentos que, “desta forma, não necessitaria realizar desembolsos prévios se ali desejasse realizar obras viárias ou de outra natureza” (SANDRONI, 2008, p.6). Em 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade, regulamentaram-se os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, cuja conteúdo dispõe sobre a política pública urbana. O direito de construir passou a ser tratado como objeto de regulação pública, tendo seus limites estabelecidos por lei e pelas diretrizes do marco regulatório municipal, atribuindo grande importância ao Plano Diretor6, considerado o principal instrumento de planejamento urbano das cidades8 (SANTORO ET AL., 2005). A ele coube definir as regiões em que os direitos de construir podem ser exercidos acima do coeficiente de aproveitamento básico (CAb)7 até o limite máximo estabelecido por cada município e cobrar por contrapartidas dos terrenos beneficiados (figura 2.2). Pelo definido no artigo 28, o CA básico dos terrenos urbanos pode ser único ou diferenciado para áreas específicas dentro de cada zona.
6. “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana” (BRASIL, 1988, p.153). 7. O CA básico “[...] consiste na utilização autorizada para os terrenos urbanos, sem o pagamento de contrapartida. Isto é, trata-se da definição de uma quantidade (metragem) relativa de edificação, conforme o tamanho do terreno, considerada como o aproveitamento básico, autorizado gratuitamente, e indistintamente, a todos os proprietários de terrenos urbanos.” (FURTADO E MALERONKA, 2010, p.2).
47 Figura 2.2. CA básico e limites máximos em uma cidade hipotética com CA básico 1,0. Fonte: elaboração do autor, com base em Furtado e Maleronka (2013, p.3). CA básico passível de cobrança de contrapartida
Para Furtado e Maleronka (2013, p.3), o conteúdo urbanístico do CA básico está relacionado aos limites máximos a serem estabelecidos em cada área urbana, “segundo critérios de adequação à infraestrutura disponível e de acordo com outros critérios urbanísticos, como, por exemplo, a composição da paisagem”. De maneira geral, o Estatuto da Cidade regulamentou mecanismos que se relacionam com o conceito de recuperação da valorização do solo, como o IPTU, a Contribuição de Melhoria, OODC, OOAU, Transferência do Direito de Construir (TDC), OUC e o CEPAC, ampliando também a utilização do conceito de “solo criado” em nível nacional (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2012).
limites máximos 4,0 3,5 3,0 2,5
A OODC, por sua vez, tem como princípio a cobrança dos direitos de construção de terrenos urbanos acima do CA básico até o limite máximo estabelecido em cada região da cidade pelo Plano Diretor. A aplicação e operação da OODC deve ser definida por lei específica, dispondo a fórmula de cálculo de cobrança, condições de isenção da outorga e a contrapartida do beneficiário.
2,0 1,5 1,0 0,5 0 área A
área B
área C
área D
No município de São Paulo, a OODC foi regulamentada a partir do novo PDE de 2002 (PMSP, 2002) em alinhamento às diretrizes do Estatuto da Cidade e, em 2004, a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS) estabeleceu os coeficientes básicos e máximos em cada zona urbana, permitindo que o Plano Regional Estratégico de cada subprefeitura definisse seus próprios parâmetros, limitados ao teto colocado pelo zoneamento (PMSP, 2004). Ao final, o CA básico variava segundo cada zona o que, a depender do caso, reduzia a contrapartida financeira da OODC.
48 Outras disposições vinculavam o potencial construtivo adicional obtido por meio de outorga onerosa a um estoque em cada um dos distritos definidos pela LPUOS e destinavam os recursos recolhidos ao FUNDURB9 (NOBRE ET AL., 2016). De diferentes maneiras, os instrumentos apresentados carregam em si a possibilidade de se reinvestir o arrecadado em melhorias urbanas, seja em um perímetro específico ou na cidade como um todo. Destacamos, assim, seu atributo potencial em financiar as redes de transporte público de massa, questão tratada pela revisão do PDE de São Paulo, em 2014 (ao redefinir parâmetros de uso e ocupação do solo e da aplicação dos instrumentos de recuperação da valorização fundiária), prevendo alterações que pretendiam gerar aumento de recursos destinados ao FUNDURB - parte deles para financiar especificamente os sistemas de mobilidade urbana sustentável, tema a ser discutido na sequência.
8.“[...] a OODC permite que esse excedente econômico seja recuperado pelo poder público, ao invés de ser apropriado pelos proprietários fundiários. A estes, na vigência da OODC, cabe somente aquela parcela do valor do terreno urbano que esteja vinculada ao direito básico de uso da propriedade urbana, o qual é por sua vez definido através do coeficiente de aproveitamento básico dos terrenos urbanos” (FURTADO E MALERONKA, 2010, p.8). 9. Fundo público cuja objetivo é financiar investimentos na cidade conforme o Plano de Metas do município e as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor.
49
2.1 Atributos do Plano Diretor EstratĂŠgico de 2014 direcionados ao financiamento da mobilidade urbana
50 A partir da revisão do PDE, em 2014, o CA básico foi definido igual a 1 para todos os terrenos urbanos (figura 2.3) e se estabeleceu uma nova fórmula SOCIALIZAR OS de cálculo das contrapartidas financeiras da OODC. Segundo Leite et al. GANHOS DA (2018) e Nobre et al. (2016), em conjunto, estas medidas representaram PRODUÇÃO DA uma relevante ampliação da capacidade de investimento em infraestrutura CIDADE de suporte nas regiões de maior vulnerabilidade social da cidade10.
Figura 2.3. Coeficiente de aproveitamento básico nos PDEs de 2002 e 2004. Disponível em: <www.https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br> (Acesso em:COEFICIENTE 29 jun. 2020). BÁSICO = 1 PARA TODA CIDADE Para reequilibrar os ganhos relativos à produção construtiva realizada na cidade, o PDE estabeleceu o Coeficiente de Aproveitamento (C.A.) Básico = 1 para toda a cidade
No que tange o financiamento da política de mobilidade, houve importantes A adoção do Coeficiente de Aproveitamento Básico = 1 toda cidade define quevincular o potencial ao construtivo avanços na destinação dos recursos do para FUNDURB, ao se menos adicional dos terrenos pertence à sociedade e seu 11 ganho deve ser revertido para a coletividade. Assim, 30% especificamente à mobilidade urbana sustentável , em sistemas deos recursos arrecadados com a venda de potencial aos empreendimentos construam transporte coletivo público, cicloviário econstrutivo circulação de pedestres que (figuras 2.4 e acima do Coeficiente Básico serão investidos em 2.5) (PMSP, 2014; NOBRE ET AL, 2016).melhorias urbanas em toda cidade. O Plano Diretor define ainda instrumentos urbanísticos para combater propriedades ociosas, que causam grande prejuízo à população, aumentando o custo por habitante dos equipamentos e serviços públicos oferecidos.
Em complemento, os maiores coeficientes de aproveitamento da cidade distribuídos de maneira menos concentrada se comparados ao do PDE de 2002 (figuras 2.6 e 2.7) - foram articulados à uma de suas principais diretrizes: a COMBATER A TERRA OCIOSA QUE em NÃO qualificação urbanística e a indução do adensamento populacional e construtivo CUMPRE A FUNÇÃO SOCIAL regiões consideradas compatíveis para o desenvolvimento urbano futuro. Em tese, ARRECADAR IMÓVEIS ABANDONADOS são estratégias que estimulariam a atividade imobiliária nestas porções da cidade, E DAR DESTINAÇÃO SOCIAL ampliando assim a arrecadação pelos mecanismos de recuperação da valorização do solo e, consequentemente, a receita do FUNDURB (LONGO, 2015). IMPLEMENTAR A COTA DE SOLIDARIEDADE
Estes princípios se territorializam na Rede de Estruturação e Transformação APLICAR A OUTORGA ONEROSA SOBRE O VALOR DE Urbana, composta pelos EETU, nas áreas de influência dosMERCADO, eixos deCOM transporte ATUALIZAÇÃO ANUAL público de média e alta capacidade existentes e previstos; e pela Macroárea de Estruturação Metropolitana (MEM), dotada de infraestrutura urbana, empregos ou áreas ociosas, ambas a serem discutidas em mais detalhes em
PERMITIDA A CONSTRUÇÃO DE
1X
A ÁREA DO LOTE EM TODA A CIDADE
C.A. Básico > 1 C.A. Básico = 1 C.A. Básico < 1
2004 2004 antes do DO PDE ANTES PDE
2014 2014
Observação: os parâmetros construtivos nas Operações Urbanas Consorciadas são definidos por legislação específica vigente.
depois PDE DEPOIS DOdo PDE
CA básico maior do que 1 ENTENDA O QUE SIGNIFICA O C.A. BÁSICO = 1:
CA básico igual a 1 CA básico menor do que 1
$
POTENCIAL CONSTRUTIVO ADICIONAL (COEFICIENTE DE APROVEITAMENTO MÁXIMO) 1X A ÁREA DO
ÁREA DO
TERRENO Figura 2.4.TERRENO Objetivos de aplicação dos recursos do FUNDURB nos (COEFICIENTE DE PDEs de 2002 e 2014 em relação à mobilidade urbana. APROVEITAMENTO BÁSICO = 1) Fonte: elaboração do autor, com base em PMSP (2002 e 2014, grifo nosso).
O QUE ACONTECE COM CONSTRUÇÕES ACIMA DO C.A. BÁSICO = 1?
PDE 2002 PDE 2014 Caso o empreendedor queira construir além do Coeficiente de Aproveitamento Básico, até o Lei nº 13.430/2002, art. 238 Lei nº 16.050/2014, art. 339 limite máximo estabelecido, terá que pagar uma contrapartida financeira chamada Outorga Onerosa, que é destinada ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB)
Transporte coletivo público urbano
Sistema de transporte coletivo público, sistema cicloviário e sistema de circulação de pedestres
OS RECURSOS SÃO INVESTIDOS EM MELHORIAS URBANAS COM CARÁTER DISTRIBUTIVO:
51 capítulo posterior. Tratam-se de locais com parâmetros urbanísticos diferenciados, a exemplo do CA máximo de até de 4, a depender da macroárea na qual estão inseridos, enquanto outras regiões atingem o limite de 2, com algumas exceções de leis anteriores e dispositivos do PDE de 2014 (PMSP, 2014). Desta maneira, A necessidade prioritária de demarcação dos Eixos coincide também com seu papel de captação de recursos para o município. Este fato é derivado da determinação do coeficiente de aproveitamento básico igual a 1 para toda a cidade [...]. Como o adensamento populacional e a concentração de funções levam à ampliação do potencial construtivo nas áreas de influência dos Eixos, tais perímetros são observados com outro grau de importância pelo poder público (LONGO, 2015, p.135). 10. Nobre et al. (2016) explicam que parte disso se deve: à redefinição do Cadastro de Valores de Terreno para fins de Outorga Onerosa e às mudanças entre as fórmulas de cálculo das contrapartidas do PDE de 2002 e do PDE de 2014 que, mesmo mantendo os fatores de planejamento e os fatores de interesse social, em função do uso a ser licenciado, a contrapartida financeira resultante faria, em tese, com que o “empreendedor procure construir o CA máximo para reduzir o valor unitário da contrapartida” (2016, p.186). 11. Outro importante vínculo dos recursos do FUNDURB que têm interface com os objetivos do PDE de 2014 e dos EETU é a destinação de ao menos 30% para a “execução de programas e projetos habitacionais de interesse social, incluindo a regularização fundiária e a aquisição de imóveis para constituição de reserva fundiária e de parque habitacional público de locação social” (PMSP, 2014, artigo 340).
Figura 2.5. Esquema de destinação dos recursos do FUNDURB, segundo PDE de 2014 do município de São Paulo. Fonte: elaboração do autor, com base em SMDU (2014). Disponível em: <www.https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/socializarosganhos/> (Acesso em: 29 jun. 2020).
FUNDURB Sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e circulação de pedestres (ao menos 30%) Execução de programas e projetos habitacionais de interesse social, regularização fundiária e aquisição de imóveis (ao menos 30%) Implantação de equipamentos urbanos, espaços públicos de lazer e áreas verdes
Proteção, recuperação e valorização de bens e de áreas de valor histórico, cultural ou paisagístico Ordenamento e direcionamento da estruturação urbana Criação de unidades de conservação ou proteção de áreas de interesse ambiental
52 Figura 2.6. Coeficiente de aproveitamento máximo no PDE de 2004. Fonte: elaboração do autor, com base em SMDU (2014). Disponível em: <www.https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/> (Acesso em: 29 jun. 2020).
4,0 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 menos de 1,0
53 Figura 2.7. Coeficiente de aproveitamento máximo no PDE de 2014. Fonte: elaboração do autor, com base em SMDU (2014). Disponível em: <www.https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/> (Acesso em: 29 jun. 2020).
4,0 2,5 2,0 1,5 1,0 menos de 1,0
54 Para tanto, Leite et al. (2019) argumentam que o caminho à transformação urbana prevista pelo PDE de 2014 (objetivos que perpassam o financiamento dos sistemas de mobilidade sustentável) está sujeito à integração entre as normativas e os instrumentos dispostos, incluídos os de recuperação da valorização fundiária sendo a OODC, por exemplo, a principal fonte de recursos do FUNDURB (SMDU, 2020). Os autores também ressaltam o caráter redistributivo do fundo público, ao constatarem que os distritos mais beneficiados por recursos oriundos da OODC entre 2013 e 2018 estão no centro histórico e em áreas periféricas (figura 2.8). São aportes importantes, se considerarmos que a implantação de um corredor de ônibus, por exemplo, é uma obra que requer muitas desapropriações. Segundo estimativa realizada pela empresa estatal de planejamento e desenvolvimento urbano do município, a SP-Urbanismo, os 200 km de corredores de ônibus e áreas adjacentes ligadas aos eixos implicariam uma demanda aproximada de 1,4 milhão de metros quadrados de aquisição de terra. Ainda de acordo com essa estimativa, o valor de mercado dessa quantidade de terra a ser adquirida, caso sua totalidade se operasse por meio de desapropriações, seria da ordem de R$ 4,8 bilhões. Tais números dão a dimensão financeira do problema (BALBIM ET AL., 2016, p.251).
Um ponto de atenção é que, apesar do quadro exposto objetivar o ganho de fôlego fiscal ao município de São Paulo, em grande parcela a partir dos recursos obtidos pelos instrumentos de captura da valorização da terra vinculados ao FUNDURB - seguindo numa crescente nos dois últimos anos (figura 2.9) -, dados recentes mostram certa irregularidade nos investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana.
Figura 2.8. Investimento do FUNDURB, de 2013 a 2018. Fonte: elaboração do autor, com base em Leite et al. (2019, p.15).
0.00% - 0.05%
0.40% - 2.00%
0.05% - 0.20%
acima de 2%
0.20% - 0.40%
Centro Expandido
55 Em levantamento que qualifica os tipos de investimentos do fundo entre 2013 e 2018, portanto, na maioria do recorte após a aprovação do PDE de 2014, Leite et al. (2019) mostram que os maiores percentuais destinaram-se à habitação (25,54%), infraestrutura sanitária (16,74%) e desapropriações (10,30%). O investido em sistemas de ciclovias, ônibus coletivos e pedestres, contudo, consta nas três últimas posições, representando apenas 15% dos US$ 430 milhões dos aportes do período.
808.247
Figura 2.9. Receita do FUNDURB, de 2012 a 2019. Fonte: elaboração do autor, com base em <http://www.gestaourbana. prefeitura.sp.gov.br/> (Acesso em: 29 jun. 2020).
900
Estes dados alinham-se aos da SMDU (2019), conforme balanço de 5 anos da sanção do PDE de 2014. Na figura 2.10, vemos que em 2014, 2015 e 2016, o destinado à política de mobilidade urbana aproximou-se do percentual mínimo estabelecido pelo marco regulatório, mas caiu expressivamente nos dois anos seguintes (17% em 2017 e 2018).
Figura 2.10. Recursos liquidados para a política de mobilidade urbana, em reais (R$), de 2014 a 2018. Fonte: elaboração do autor, com base em SMDU (2019, p.56).
800 Recursos arrecadados pelo FUNDURB
Recursos liquidados destinados à política de mobilidade urbana
2014
335.297.085,35
69.727.370,97
22,9%
2015
262.300.819,02
104.721.148,03
43,9%
2016
236.445.178,43
66.708.191,26
31,0%
200
2017
106.868.739,83
16.504.665,29
17,0%
100
2018
131.865.938,44
20.415.473,20
17,0%
Total
1.072.777.761,07
359.298.085,65
36,8%
0
421.414 231.952
231.396
265.504
300
227.562
400
212.056
500
311.436
600
em milhões de reais (R$)
Percentual do montante liquidado destinado à mobilidade urbana em relação ao total
Ano
700
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
56 Se analisados os tipos de recursos liquidados na política de mobilidade entre 2014 e 2018, vemos que os investimentos em sistemas de transporte público coletivo e circulação de pedestres diminuíram a partir de 2016, e o cicloviário, de 2015 em diante (figura 2.11). Leite et al. (2019, p.17) também salientam a importância da discriminação e qualificação dos investimentos, pois entendem que Há uma carência de parâmetros objetivos e rigorosos na definição dos itens financiados, até para que estes ganhem maior consistência em termos de continuidade de políticas públicas, além de corretas definições e, consequentemente, não sujeição à escolhas políticas inconsistentes e questionáveis.
Um agravante para a efetivação das diretrizes do FUNDURB ocorreu em outubro de 2019, quando o Executivo da capital paulista sancionou alterações dos incisos I e II do artigo 340 (Lei nº 17.217 de 23 de outubro de 2019), referentes à finalidade dos seus recursos na provisão de HIS e infraestrutura de mobilidade urbana. Figura 2.11. Recursos liquidados para a política de mobilidade urbana em relação aos montantes liquidados, em reais (R$), de 2014 a 2018. Fonte: elaboração do autor, com base em SMDU (2019, p.57).
Ano
Recursos arrecadados pelo FUNDURB
Recursos liquidados no sistema de transporte público coletivo
Recursos liquidados no sistema cicloviário
Recursos liquidados no sistema de circulação de pedestres
Recursos liquidados nos sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e circulação de pedestres
Percentual dos montantes liquidados em relação aos 30% dos montantes arrecadados
2014
227.562.823,10
47.983.006,79
6.579.774,20
2.809.552,14
57.372.333,13
25,2%
2015
265.504.393,48
57.020.613,98
1.147.782,88
43.880.039,65
102.048.436,50
38,4%
2016
231.396.111,72
29.613.477,85
-
26.085.625,97
55.699.103,82
24,0%
2017
231.952.509,95
16.504.665,29
-
-
16.504.665,29
7,1%
2018
421.414.858,61
17.292.197,88
-
3.123.275,32
20.415.473,20
4,8%
Total
1.377.830.696,86
168.413.961,79
7.727.557,08
75.898.493,08
252.040.012,00
18,3%
57 Pelo novo conteúdo aprovado, é incluída a “implantação e realização de melhorias nas vias estruturais”. À época, o processo de modificação foi considerado ilegítimo e seu conteúdo questionado por nota pública do IAB-São Paulo12, indicando desconformidades com as diretrizes do PDE de 2014. Entendeu-se também que a alteração “elimina esse avanço, ao permitir que os recursos do FUNDURB possam ser usados em qualquer melhoria em vias estruturais e em qualquer ação habitacional” (BONDUKI, 2019, p.2). Destacamos também entre os instrumentos urbanísticos dispostos no PDE de 2014 que podem contribuir para viabilizar sua política do mobilidade urbana sustentável o Projeto de Intervenção Urbana (PIU), que prevê projetos estruturados em áreas específicas nas unidades de planejamento definidas pelo marco regulatório. Segundo Franco et al. (2015, p.67), o PIU coloca o projeto urbano como um elemento central
12. No documento, a entidade considera que, apesar da importância da produção de unidades habitacionais diante do corte de programas federais “[...] há, porém, a necessidade de um levantamento mais preciso sobre como os recursos municipais estão sendo utilizados na área da habitação, e a ampliação do debate sobre o tema, seguindo os ritos necessários a qualquer proposta de alteração do plano diretor”. Quanto à mobilidade, considera que “[...] o plano diretor deixaria de priorizar modos de deslocamento que possuem impacto positivo na saúde pública e no meio ambiente urbano, em desacordo com a política nacional de mobilidade urbana” (IAB SP, 2019, p.2).
[...] na pactuação programática para a transformação urbana via organização dos objetivos e diretrizes das transformações a longo prazo, na medida que posiciona o PIU como um elemento propositivo da articulação entre o programa de desenvolvimento urbano, as estratégias de financiamento das intervenções previstas e a definição de etapas e fases para sua implementação.
Em correlação, Balbim et al. (2016, p.294) levantam hipóteses para viabilizar a implantação dos EETU em “áreas complexas”, a partir de sua elaboração e integração com o PIU. [...] entretanto, onde o mercado imobiliário não tiver interesse de produção, para a implantação articulada dos eixos, será necessário o uso de instrumentos urbanísticos para o desenvolvimento de projetos estruturados.
58 Por último, destacamos um dado do balanço da SMDU (2019) que é de grande interesse a esta pesquisa, a respeito da possível correspondência entre a localização das áreas de influência dos EETU, compreendidas pelas Zonas de Estruturação Urbana (ZEU) na LPUOS subsequente (PMSP, 2016), e a maior parte dos empreendimentos com OODC aprovados pelas regras do PDE de 2014. A análise da SMDU sugere “um padrão de concentração ainda não totalmente auto-evidente, mas esperável” no qual [...] a distribuição da localização destes empreendimentos dentro dos perímetros que, definidos pelo EETU e parametrizados pela ZEU, preveem tanto os maiores coeficientes de aproveitamento máximo na cidade, quanto os menores valores relativos de contrapartida” (SMDU, 2019, p.25).
Neste sentido, os EETU sugerem potencial para receberem investimentos articulados aos objetivos do FUNDURB em mobilidade urbana sustentável com as receitas oriundas da aplicação dos instrumentos de captura da valorização da terra. Os EETU compõem estratégias de incentivo ao adensamento no entorno das infraestruturas de transporte público coletivo e pretendem criar condições para um desenvolvimento urbano mais eficiente e compacto, conceitos a serem apresentados na sequência.
59
3 Modelos de compacidade urbana baseados na influĂŞncia das infraestruturas de transporte pĂşblico coletivo
60 O tipo de urbanização que se intensificou na segunda metade do século 20 - alicerçado na matriz viária dirigida ao automóvel particular, na separação do solo por usos distintos e pela expansão de bairros periféricos e subúrbios em direção às franjas urbanas - gerou uma produção urbanística dispersa, marcada pela fragmentação da localização da moradia, do emprego, lazer e dos serviços (REIS FILHO, 2006; ANELLI, 2007). Em contraposição a este fenômeno, diversos autores propõem um novo modelo para o século 21, no qual o crescimento urbano se pauta por densidades maiores e concentradas, em centralidades diversas e eficientes, preferencialmente conectadas pela infraestrutura de mobilidade de alta capacidade. A articulação entre o adensamento populacional e construtivo permeado pela diversidade de usos junto às redes de transporte público de massa tem sido objeto de autores e pesquisas nas últimas décadas. A problematização busca refletir e apontar novas possibilidades para o que compreendem como cidades sustentáveis (NOBRE, 2004), com maior ressonância a partir dos anos 1990, em confluência com a pauta ambiental em discussão na época, a exemplo da publicação da Agenda 21, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Nesta perspectiva, os autores consultados refletem sobre modelos de desenvolvimento urbano que têm em vista a compacidade, onde o crescimento se daria para “dentro”, ao invés da dispersão. Em contextos complexos como os das metrópoles brasileiras, poderiam gerar resultados estruturantes, sobretudo por se fundamentarem na qualificação em detrimento da substituição (LEITE E AWAD, 2012). Segundo Longo (2015, p.97), alguns obstáculos para a efetivação destes princípios se encontram na própria legislação e regulação urbanística nacionais, em disposições que contribuem para a manutenção da urbanização dispersa, a exemplo da lei de parcelamento do solo urbano.
61 Basta tomarmos como exemplo a pulverização dos loteamentos fechados, irregulares pela legislação federal, ou mesmo a grande flexibilidade geralmente garantida pela legislação municipal: como a lei federal determina que o parcelamento do solo ocorra somente dentro do perímetro urbano, cabe ao poder público municipal definir esse perímetro. No entanto, na grande maioria dos casos, esses limites são absolutamente maleáveis, moldados pela iniciativa privada, sem grandes exigências e controle do poder público.
Ainda na década de 1960, Jacobs (1961) contribuiu para o debate sobre a densidade urbana, à época de sua conhecida publicação Morte e Vida de Grandes Cidades, com críticas ao urbanismo do Movimento Moderno e a divisão de usos no terrítório. A autora discute a relação entre a vitalidade urbana e o adensamento populacional moderado, ao defender as externalidades positivas da combinação da diversidade de atividades com a valorização das calçadas e de espaços públicos. A interface adequada ao pedestre também é defendida por Gehl (2010) como atributo favorável à interação direta entre indivíduos e o ambiente construído. Ascher (2010, p.86), por sua vez, sublinha a importância das redes de mobilidade urbana como contribuintes à construção de metrópoles contemporâneas multifuncionais interconectadas. Para o autor, elas devem se traduzir [...] por uma diversidade funcional das zonas urbanas, por uma multicentralidade, pela polivalência de uma parte dos equipamentos e serviços, e pelo reforço do papel dos transportes e das diversas redes que, mais do que nunca, asseguram a eficiência do conjunto dos sistemas urbanos metropolitanos. Os lugares de conexão entre diferentes redes assumem uma importância crescente e transformam a intermodalidade nos transportes em desafio chave das dinâmicas urbanas.
62 Para Rogers (2001), as estações, entendidas como “nós”, também são uma resposta ao uso monofuncional do solo e ao espraiamento urbano, pelo potencial de mobilizarem em seu entorno a diversificação de atividades. Em conjunto, conformariam uma rede de núcleos compactos e de uso misto, conectados pelas linhas do sistema de mobilidade urbana (figuras 3.2 e 3.3). Chakrabarti (2013) expõe que o espraiamento urbano acarreta custos de deslocamentos e a necessidade constante de investimentos em novos equipamentos públicos para atender as demandas de um território esparso, além de impactos negativos ao meio ambiente (figura 3.1). Figura 3.1. Custo da infraestrutura per capita diminui à medida em que a densidade aumenta. Fonte: Chakrabarti (2013, p.182 e 183).
63 Figura 3.2. Esquema de núcleos urbanos policêntricos compactos e de uso misto, conectados pelos sistemas de transporte de massa. Fonte: Rogers (1997, p.39). sistema de transporte de massa
as densidades variam conforme as distâncias dos pontos de ônibus
os sistemas se ligam a núcleos centrais sistema linear aberto
sistema fechado em anel
Figura 3.3. Esquema de funcionamento da cidade compacta. Fonte: elaboração do autor, com base em Rogers (1997, p.39). o zoneamento das atividades induz à utilização e dependência do automóvel particular
habitações
núcleos compactos reduzem as distâncias e permitem o deslocamento a pé ou de bicicleta
serviços habitações distâncias que exigem deslocamentos de carro
lazer
lazer
serviços
distâncias que podem ser percorridas a pé ou de bicicleta
64 O autor se contrapõe ao modelo suburbano das comunidades norte-americanas, iniciado no século 20, e se coloca a favor do que chama de “infraestruturas de oportunidade”. Elas se definiriam pela articulação de “hiperdensidades” (superiores a 230 hab./ha) à um sistema de infraestruturas de suporte que poderiam ampliar o acesso ao transporte, emprego, à educação, entre outros benefícios. Segundo Suzuki et al. (2013), os ganhos econômicos propiciados pelo aumento da densidade populacional também contribuem à redução dos custos de operação das redes de mobilidade, ocorrendo o oposto em locais onde a forma urbana é dependente do automóvel individual (figura 3.4). Figura 3.4. Relação entre forma urbana e custo efetivo do transporte coletivo público. Fonte: elaboração do autor, com base em Suzuki et al. (2013, p.174).
automóvel individual é o único meio efetivo de deslocamento predominantemente policêntrica
Atlanta Teerã transporte público é o único meio efetivo de deslocamento Jakarta Paris
predominantemente monocêntrica densidade muito baixa
combinação entre transporte público e automóveis individuais são meios efetivos de deslocamento
Shangai densidade muito alta
65 Bertolini e Dijst (2003) também veem como positiva a proximidade aos “nós”, conferindo às estas centralidades multiuso o caráter de “ambientes de mobilidade”, cuja papel seria articular escalas locais e regionais, atraindo fluxos de pessoas e possibilidades de interação social. Em linha de raciocínio similar, Glaeser (2011), por sua vez, sustenta o conceito de cidades altamente verticalizadas e densas, pela perspectiva de que a proximidade entre indivíduos propiciada pelos centros urbanos é um atributo de estímulo à inovação, diversidade de atividades intelectuais, culturais e prosperidade econômica. O autor procura evidenciar esta tese com diversos dados e estatísticas; entre elas, a de que a produtividade seria 50% maior nas regiões metropolitanas norte-americanas onde habitam mais de um milhão de pessoas, se comparadas às áreas em menor escala; e a possibilidade de se ampliar o rendimento per capita de uma nação em até 30% quando a população urbana cresce 10%. Contudo, Rodriguez e Mojica (2008) salientam que as assimetrias de acessibilidade ao sistema entre bairros bem servidos por linhas e estações e outros nos quais os serviços ainda não estão implantados ou restritos podem gerar competição no mercado de solos pelas propriedades contíguas à rede e valorizar mais estes terrenos em detrimento dos demais na cidade. Em um mercado de solo metropolitano, se espera que o investimento em transporte proporcione vantagens quanto à acessibilidade dos terrenos adjacentes em relação a outros menos afetados. Posto que o número de terrenos que se beneficiam das melhorias de acessibilidade é limitado, é esperado que as famílias e empresas valorizem tais benefícios e estejam dispostas a pagar mais pelas propriedades, supondo que as demais condições são iguais. Neste sentido, as melhorias oriundas dos investimentos em transporte se capitalizam no valor das propriedades (RODRIGUEZ E MOJICA, 2008, p.3, tradução nossa).
66
Leite et al. (2015, p.98) sublinham as novas tendências urbanísticas que visam superar estes desafios por uma chave de leitura do contexto urbano local, ao buscarem “compreender melhor o território, absorvendo leituras da cidade existente, identificando suas centralidades e limites, potenciais, sua história e seus conflitos”. Os autores destacam o Novo Urbanismo (New Urbanism) (CALTHORPE, 1993), corrente teórica presente há mais de 20 anos nos EUA, que deu origem a um congresso e carta homônimas, em 1993 e 1996, respectivamente, cuja conteúdo pretendia delinear as diretrizes do urbanismo contemporâneo. Seus princípios prezam pelo uso eficiente do solo urbano a partir do adensamento integrado ao usufruto do espaço público pelos pedestres e aos sistemas de mobilidade urbana. Alguns conceitos que derivaram do Novo Urbanismo são o Crescimento Inteligente (Smart Growth) (DUANY ET AL., 2002) e o Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (DOT) (Transit-Oriented Transport) (CALTHORPE, 1993). Outro conceito recente correlacionado às políticas públicas urbanas contemporâneas é o Urbanismo Social. Suas premissas passam pela melhoria da qualidade de vida das cidades por meio da articulação de soluções de habitação, adensamento populacional e
Figura 3.5. Sincronização entre o “nó”, lugar e valor de mercado potencial da Estrutura de Três Valores. Fonte: Salat e Ollivier (2017, p.7).
valor de mercado potencial
A geração de valores fundiários diferenciados produzida pela interação geográfica entre os “nós” do sistema de mobilidade urbana, sua oferta e localização no tecido urbano é interpretada por Salat e Ollivier (2017) pelo conceito da Estrutura de Três Valores (3 Value Framework). Neste processo, à medida em que a relação do que entendem como “componentes de centralidade” das estações aumenta - (i) intensidade de presença, (ii) proximidade e (iii) entrelaçamento – maior será o valor potencial de mercado no entorno de onde elas estão inseridas, como mostra a figura 3.5.
r do valo
va lor do lug ar
” “nó
67 reformas legais para orientar o planejamento urbano. Prioriza-se a qualificação de regiões que apresentam as maiores densidades populacionais e carências urbanas. Um atributo que destacamos deste conceito é a importância que dá a mecanismos de financiamento da infraestrutura de suporte, baseados em “recursos gerados pelo próprio processo de urbanização, com critério redistributivo” (LEITE ET AL., 2020, p.3). Deste panorama, elucidamos o que Suzuki et al. (2013) indagam a respeito da eficiência do sistema de mobilidade urbana, do ponto de vista da sua articulação às densidades do território. Isso porque uma melhor relação de custo-benefício da rede estaria diretamente ligada à demanda de usuários, preferencialmente em áreas adensadas, mais propensas à geração de viagens e capilarizadas em múltiplas centralidades. Assim, a acessibilidade representaria o indicador de conexão entre locais e oportunidades urbanas em regiões distintas, estabelecendo dinâmicas com os tipos de uso e os sistemas de transporte público de massa. Leite et al. (2015, p.108) ponderam que A distribuição das redes de alta capacidade para fora dos limites das áreas centrais é um movimento fundamental para atingir áreas periféricas já urbanizadas e que contam com potencial de adensamento construtivo e populacional. Contudo, esse argumento não deve ser confundido com a lógica de expansão extensiva da infraestrutura. Trata-se, na verdade, de construir uma rede com grau elevado de conectividade e ampla o suficiente para atingir centralidades periféricas, alimentando tais pontos com altos índices de acessibilidade e garantindo, desta forma, o fortalecimento de núcleos multifuncionais simultaneamente distribuídos e conectados. Falamos, portanto, como o próprio conceito de cidade compacta propõe, em um desenho integrado entre cidade e infraestrutura de mobilidade.
68 Para se viabilizar esta estratégia de planificação da mobilidade urbana pela leitura chave dos diversos contextos locais a médio e longo prazo, os autores sugerem uma perspectiva normativa que demandaria quebra de paradigmas do planejamento urbano tradicional, pois [...] ao contrário do que pautam as leis brasileiras de zoneamento urbano, deixa de ter sentido que as políticas urbanas disciplinem, tendo como núcleo central, exclusivamente, o uso e a ocupação do solo. Segregar as cidades de acordo com os usos – áreas residenciais de um lado e áreas comerciais de outro – é perpetuar o modelo de desenvolvimento insustentável, obrigando o deslocamento diário da população em longas distâncias, confinando a vida urbana ao interior solitário dos automóveis (Leite et al., 2015, p.98).
A necessidade de alternativas ao planejamento tradicional é compartilhada por Banister (2008), ao também salientar que as redes de mobilidade podem ser um espectro de compreensão e atuação sobre a complexidade das cidades, em especial em estratégias que articulam o uso do solo. Esta frente de análise poderia ajudar a calibrar o dimensionamento físico do sistema e seu impacto social e econômico no território. Para Longo (2015, p.105), planos urbanísticos e projetos recentes que colocam o tema da mobilidade urbana como elemento estruturante têm sido uma questão central para a mitigação das desigualdades sociais das cidades. [...] no processo de implantação de infraestruturas de porte metropolitano, como é o caso das redes de alta capacidade, repousa um possível caminho para as urgentes transformações da metrópole a partir da necessária correspondência entre mobilidade e urbanidade.
69 Em conjunto, os autores apresentados fazem críticas ao modelo disperso de urbanização que marcou o século 20 e refletem sobre cenários alternativos de planejamento e financiamento urbano em que as infraestruturas de mobilidade de alta capacidade são elementos potencialmente contributivos ao desenvolvimento de cidades menos espraiadas, eficientes e socialmente justas. A seguir, apresentaremos o DOT, conceito derivado destas reflexões e casos nacionais e internacionais correlatos, com destaque para os EETU, mencionados anteriormente como uma das principais estratégias do PDE de 2014 do município de São Paulo.
70
3.1 O Desenvolvimento Orientado pelo Transporte
71 Figura 3.6. Diagrama do conceito DOT, proposto por Calthorpe. Fonte: Calthorpe (1993, p.45).
Figura 3.7. Benefícios urbanos pretendidos pelo conceito DOT. Fonte: WRI (2018, p.14).
A partir da década de 1990, em consonância à discussão que emergia sobre a mobilidade urbana sustentável, o conceito DOT, difundido por Calthorpe (1993) em sua publicação A Nova Metrópole Americana (The New American Metropolis), propõe que o planejamento e projeto urbano local e regional sejam capazes de orientar o desenvolvimento das cidades a partir da associação entre as infraestruturas de transporte coletivo de massa e o equilíbrio entre o adensamento populacional e construtivo (figura 3.6). O autor destaca a importância de estruturas urbanas sistêmicas que levem em consideração a escala do pedestre e de espaços públicos, da diversidade de atividades e a facilidade de acesso às estações, amparando esta estratégia na gestão do uso e ocupação do solo. A qualificação urbanística pretendida ocorreria nas áreas de influência dos eixos do sistema de mobilidade, em grau variado de transformação conforme as características do contexto local. Busca-se o incentivo a ambientes de interação social e o equilíbrio entre a geração de oportunidades de moradia e emprego no território em diversos espectros de urbanidade (WRI, 2018) (figura 3.7). Suzuki et al. (2013) também destacam o DOT como estratégia de contenção do espraiamento urbano, desestímulo do uso do automóvel individual e dos deslocamentos pendulares, ao procurar aproximar a habitação das atividades econômicas.
72 No campo do desenho urbano, as diretrizes do DOT recomendam soluções como conexões curtas e diretas entre modais, segregação de vias para ciclovias, gestão local dos estacionamentos próximos às estações e espaços públicos com boa iluminação e mobiliário “amigável” aos pedestres (SUZUKI ET AL., 2013). Abordagem correlata é feita por Duany et al. (2002), pela proposição do Transecto Urbano (Urban Transect)13, modelo derivado do Crescimento Inteligente, em um arranjo de parâmetros de uso e ocupação do solo balanceados pela gradação de densidades que variam conforme a proximidade aos eixos de infraestrutura de mobilidade (figuras 3.8 e 3.9). Em seis níveis de transição, morfologia e densidade (T1 a T6), os maiores índices concentram-se nos núcleos urbanos mais desenvolvidos, reduzindo-se em intensidade à medida em que se estendem para regiões rurais ou reservadas à proteção ambiental, como mostram as figuras 3.7 e 3.8.
Figura 3.9. Modelo de transições de densidade do Transecto Urbano. Disponível em: <https://www.dpz.com/?s=transect> (Acesso em: 29 jun. 2020).
13. Linha ou secção através de uma faixa de terreno, ao longo da qual são registradas e contabilizadas as ocorrências do fenômeno que está sendo estudado.
Figura 3.8. Transição de setores do Transecto Urbano. Disponível em: <https://www.dpz.com/?s=transect> (Acesso em: 29 jun. 2020).
73 Apesar de ser considerada uma estratégia contemporânea, a articulação entre densidade e infraestrutura de mobilidade urbana possui alguns precedentes históricos. Ilustramos a seguir dois casos: o primeiro é o Plano de Dedos (Finger Plan) (LSE CITIES, 2013) de Copenhague, implementado pelo Instituto de Planejamento Urbano Dinamarquês (Danish Town Planning Institute), a partir de 1947. Ele baseiase na ordenação territorial da região ao redor das linhas ferroviárias que se irradiam do centro da capital dinarmarquesa e visava conter a expansão da mancha urbana Figura 3.10. Esquema do Plano de Dedos de Copenhague, em 1947. Disponível em: <http://www.danishdesignreview.com/> (Acesso em: 29 jun. 2020).
Figura 3.11. Densidade populacional e de empregos ao longo das principais rotas de mobilidade sobre trilhos de Copenhague e região, em 2012. Elaboração do autor, com base em LSE Cities (2013, p.50).
Rede de trem e metrô densidade na estação residentes empregos estação linha Central 14 mil
pico de densidade de empregos e residentes na estação por km²
Densidade populacional cada contorno representa um aumento de 2.500 empregos e residentes por km² área urbana área verde
74 em direção às áreas verdes, num desenho semelhante ao de uma mão, como é visto na figura 3.10. Em 2007, o plano foi endossado em nível nacional por uma renovação regulatória, por meio do Ato de Planejamento Dinamarquês (Danish Planning Act) (LSE CITIES, 2013), que reforça o princípio do uso misto e adensamento populacional próximos às estações de trem. A figura 3.11 mostra os resultados desta estratégia após seis décadas, onde se vê a concentração de atividades urbanas no centro e ao longo dos corredores radiais das linhas que conformam a estrutura metropolitana local. Outro exemplo de calibragem é Seoul, na Coreia do Sul (figura 3.12), onde os coeficientes de aproveitamento do solo são definidos em diferentes escalas conforme os objetivos de transformação no tecido urbano pelo zoneamento (cores quentes representam índices superiores). Figura 3.12. Coeficientes de aproveitamento do solo em relação à rede de mobilidade urbana, em Seoul. Fonte: Salat e Ollivier (2017, p.27 e 28).
75 Nas porções com CAs máximos superiores são autorizados usos comerciais e mistos no entorno das estações e terminais, medidos pelo grau de conexão e importância no sistema, configurando uma “cidade diversa na qual pequenos bairros residenciais se justapõem à distritos financeiros adensados, próximos às estações de metrô” (SALAT e OLLIVIER, 2017, p.27, tradução nossa). Quanto às condições de viabilidade da implementação do DOT, destacamos considerações que ponderam sobre desafios e adequações para a eficácia dos resultados esperados e jogam luz sobre a possibilidade da segregação socioeterritorial decorrente da valorização da terra que é beneficiada pelas infraestruturas de mobilidade urbana. Para Suzuki et al. (2015), a implantação dos componentes determinantes do DOT – entendidos pelos autores como condições legais (“macro”) e de projeto (“micro”) - está sujeita à um ambiente institucional favorável e sólido, que deveria passar pela integração de políticas intersetoriais entre diversas esferas do governo, instituições financeiras e empresas públicas, além da participação popular durante sua gestão. Para tanto, seria fundamental a inserção de seus objetivos nos marcos regulatórios da política pública urbana de cada cidade, como os Planos Diretores (ITDP, 2018, p.27, 2014). A política urbana é a principal articuladora das agendas setoriais no processo de desenvolvimento das cidades e regiões metropolitanas. Os princípios de DOTS enfatizam a necessidade de integração do planejamento de transporte e uso do solo nesse processo, sendo fundamental, ainda, sua articulação com as outras agendas setoriais que compõem a política urbana, do ponto de vista econômico, ambiental e social.
76 Calthorpe (1993), por sua vez, propõe uma adequação às circunstâncias urbanas locais pela diversificação tipológica do DOT: um urbano, mais verticalizado e denso, estruturado ao redor de estações de maior relevância e fluxo, como os eixos regionais; e outro suburbano, com densidades mais ponderadas, mas ainda multifuncional, em áreas onde o uso residencial geralmente predomina (figura 3.13). Em correlação, Leite et al. (2015, p.9) apontam que, além da expansão da rede, é necessário compreender o impacto de seu desenho no tecido urbano local, uma vez que os “nós” de cruzamento de linhas das estações intermodais costumam ser valorizados por polarizarem oportunidades e transformações urbanas mais intensas. As altas densidades atendem claramente às demandas do mercado imobiliário e da construção e precisam ser cuidadosamente estudadas, dimensionadas e planejadas para cada local, cada bairro, de acordo com diversos parâmetros, em especial, à capacidade de suporte (infraestruturas urbanas e serviços e equipamentos de uso coletivo). Idealmente, os Planos Diretores devem realizar com frequência estudos de densidade x capacidade de suporte e, a partir daí, desenvolver os desejáveis estudos de simulação de crescimento projetado para cada bairro. Impor altas densidades ao território sem a devida capacidade de suporte é contribuir para a má configuração do território, prejudicar o dinamismo urbano e gerar indesejável qualidade de vida aos moradores.
Cervero (2013) discute sobre obstáculos ao DOT no que diz respeito às interferências do espectro político nos desenhos de projetos de implantação de Corredores de Ônibus Exclusivos (Bus Rapid Transit - BRT), em especial nos países em desenvolvimento. O autor aponta que é comum gestores públicos restringirem seu conceito à execução de infraestruturas de transporte de massa a curto prazo e baixo custo, sem atentarem para o potencial de transformação urbanística que a rede pode propiciar no uso do solo adjacente.
Figura 3.13. Tipologias do DOT urbano e DOT suburbano. Fonte: Fonseca (2017, p.51).
77 Figura 3.14. Indicador do valor de compra de residências em vários tipos de áreas nos Estados Unidos, de 1996 a 2013. Fonte: elaboração do autor, com base em Renne (2014) apud Salat e Ollivier (2017, p.74).
Muitas vezes, ainda se considera que a solução para a mobilidade se concentra simplesmente na prestação do serviço de transporte e na engenharia de tráfego [...]. É muito importante compreender que a mobilidade urbana não é um tema exclusivo à política setorial de transporte. Para tanto, é fundamental que se vá além das ações programáticas em transporte público, associando a temática da mobilidade às estratégias urbanísticas, à regulação e aos instrumentos de planejamento determinados pelos planos diretores, de modo a induzir as cidades ao desenvolvimento sustentável (WRI, 2018, p.12).
Desenvolvimento Orientado pelo Transporte híbrido Desenvolvimento Adjacente ao Transporte média nacional 400 350 300 250 200 150
ago-13
jul-12
jun-11
mai-10
abr-09
fev-07
mar-08
jan-06
dez-04
out-02
nov-03
set-01
ago-00
jul-99
jun-98
mai-97
100
abr-96
Um dos efeitos do descompasso entre o planejamento territorial e os eixos seria a implantação de corredores em locais inadequados, sem espaço ou condições para a criação de novas densidades.
14. As áreas DOT são definidas pelo autor como comunidades densas, caminháveis e de uso misto, distantes até 800 metros de uma estação de trem; DAT são regiões adjacentes, caracterizadas por baixas densidades, com uso do solo dependente do automóvel.
Em outro estudo, Renne (2014, apud SALAT e OLLIVIER, 2017) demonstra os impactos do DOT no valor dos terrenos beneficiados pelos eixos de mobilidade. Segundo o autor, nos EUA os valores dos imóveis em propriedades inseridas nas áreas de influência de cerca de quatro mil estações de trem sobressaem em relação à outras localizadas nas adjacências (Desenvolvimento Adjacente ao Transporte)14 ou em regiões “híbridas” entre estas duas tipologias de análise (figura 3.14). A pauta da oferta de habitação acessível face à valorização dos terrenos das áreas atendidas pelo sistema de transporte coletivo de massa também é abordada como uma questão que exige a coordenação de diferentes esferas governamentais durante o planejamento e a execução dos eixos. Suzuki et al. (2013) jogam luz para o efeito segregador da valorização da terra pela alta dos valores de venda e aluguel dos imóveis, destacando a importância de políticas setoriais que visem seu enfrentamento.
78
3.2 A Rede Integrada de Transporte na estruturação urbana de Curitiba
79 Figura 3.15. Vista aérea de Curitiba e verticalização ao longo dos eixos de corredores de ônibus. Disponível em: <http://www.jorgewilheim.com.br> (Acesso em: 29 jun. 2020).
Figura 3.16. Canaleta segregada de ônibus do sistema RIT. Disponível em: <https://www.curitiba.pr.gov.br> (Acesso em: 29 jun. 2020).
Um exemplo brasileiro conhecido pelas suas correspondências ao conceito DOT são os Eixos Estruturantes, previstos pelo Plano Diretor de Curitiba de 1966, e idealizados como corredores de ônibus coletivos dispostos em faixas exclusivas e estações ao longo de avenidas troncais, conformando a Rede Integrada de Transportes (RIT) (figuras 3.15 e 3.16). O plano previa a articulação da rede com outros modais, terminais e linhas alimentadoras em todas as regiões da cidade e a indução de altas densidades com ocupação mista no entorno dos eixos (atualmente são cinco implementados – Norte, Sul, Leste, Oeste e Boqueirão (SUZUKI ET AL., 2013). Em estudo conduzido por Ghidini (2009) sobre a avaliação desta política de desenvolvimento urbano num período de cerca de 40 anos, o autor argumenta que de fato houve a promoção do crescimento linear ordenado junto ao adensamento construtivo e populacional ao redor dos corredores – atingindo cerca de 300 hab./ ha em algumas regiões -, além da dinamização da atividade econômica em até cinco vezes nas proximidades do sistema RIT e ampliação do uso do transporte público coletivo, responsável por 45% dos deslocamentos diários. Contudo, segundo a pesquisa, a valorização fundiária decorrente da implantação da infraestrutura de mobilidade urbana e dos maiores coeficientes de aproveitamento vinculados ao redor não foram suficientes para efetivar a desejada diversificação social residencial. O autor suporta esta tese ao sobrepor a distribuição da população segundo as faixas de renda com os Eixos Estruturantes (figura 3.17) e menciona que
80 A consolidação residencial dos eixos de mobilidade não ocorreu conforme o plano previa, já que os terrenos limítrofes aos corredores de transporte de massa se sobrevalorizaram afastando os cidadãos de classe média e baixa aos bairros localizados na periferia da cidade (RECK E MARCHEZETTI apud GHIDINI, 2009, p.79, tradução nossa).
Segundo a pesquisa, os usuários que menos utilizam regularmente o sistema de transporte da RIT pertencem a estratos de renda elevados e realizam a maioria das viagens em automóveis. O autor conclui que, apesar dos avanços desde sua concepção, “o sistema não foi capaz de minimizar o crescimento da motorização, da poluição do ar e contaminação dos rios e que a ´favelização` atinge atualmente 12% da população da cidade” (GHIDINI, 2009, p.82, tradução nossa). Também são apontadas alterações no tecido urbano local, como a demolição de imóveis e pressão sobre os valores dos aluguéis, inviabilizando a permanência da população originalmente residente. Em 2011, a capital paranaense aprovou a Operação Urbana Linha Verde (OUC-LV). O projeto articula princípios de recuperação da valorização fundiária e do DOT, ao permitir a emissão de mais de quatro mil CEPACs nas áreas de influência adjacentes à um novo corredor BRT. A OUC-LV visa captar fundos para contribuir com as obras de conversão do eixo rodoviário da antiga BR-116 (historicamente ocupada por usos comerciais, serviços e terrenos vagos), em um corredor que percorre 23 bairros (figuras 3.18) (SILVA, 2018).
Figura 3.17. Distribuição da população segundo renda nos eixos estruturantes da RIT, em 2009. Fonte: elaboração do autor, com base em Ghidini (2009, p.80). domicílios com maior renda domicílios com menor renda setores censitários Eixos Estruturantes
81 Figura 3.18. Coeficiente de aproveitamento máximo possível na OUC Linha Verde, eixos estruturais e de adensamento. Fonte: elaboração do autor, com base em Silva (2018, p.94).
perímetro da OUC-LV
2,5
1,0
3,0
1,8
4,0
2,0
6,0
7,0
A OUC se articula ao sistema existente da RIT e lança mão de parâmetros de uso e ocupação do solo diferenciados (como maiores índices de aproveitamento e liberação de gabarito dos edifícios) para estimular o adensamento, a diversidade de atividades e financiar ações como ciclovias, regularização fundiária e preservação de espaços verdes, com potencial de receber até meio milhão de habitantes (SUZUKI ET AL., 2013; SILVA, 2018). Silva (2018, p.98) analisa que, apesar da contribuição financeira arrecadada nos leilões realizados para viabilizar a execução das obras de mobilidade em suas etapas planejadas e evidências da promoção imobiliária pelos incentivos da OUC, os lotes adensados ainda estão em fase de evolução e ocorreram poucos processos de controle social durante a gestão da OUC. Outro apontamento da autora (p.98) diz respeito à possível concorrência entre instrumentos urbanísticos na cidade, como a OODC e o TDC, “situação que pode explicar a baixa adesão de leilões de CEPAC para a OUC Linha Verde”, em parte por “ser possível exercer o coeficiente de aproveitamento 4,0 em outras áreas de maneira gratuita, ao passo que no perímetro da Linha Verde o proprietário terá que adquirir CEPACs para aumentar o coeficiente”. Suzuki et al. (2013), por sua vez, ponderam que do ponto de vista habitacional, apesar dos avanços dos instrumentos de captura da valorizaçao da terra para complementar o financiamento dos eixos de mobilidade e de sua articulação à projetos recentes de gestão do solo, a maioria da população de baixa renda de Curitiba não reside nas áreas lindeiras (em análise similar à de Ghidini), seja pela oferta de terra mais barata em áreas distantes dos corredores ou pela localização dos projetos de moradia de interesse social estatais pouco integrados ao sistema.
82
3.3 Mobilidade e desenvolvimento urbano em Bogotรก: o caso do Transmilenio
83 Figura 3.19. Sistema Transmilenio de Bogotá, fases de implantação e linhas alimentadoras. Fonte: elaboração do autor, com base em Cervero (2013, p.14). estação final do Transmilenio com estacionamento para bicicletas estação final do Transmilenio estação do Transmilenio com estacionamento para bicicletas estação do Transmilenio fase 1 fase 2 fase 3 perímetro urbano município de Bogotá
No final da década 1990, Bogotá, na Colômbia, iniciou a remodelação de sua rede de mobilidade urbana com um sistema similar ao de Curitiba, o Transmilenio. O planejamento da primeira fase, a partir de 1998, e operação, em 2000, encadeou um processo de transformação urbana calcado na integração de corredores exclusivos de ônibus coletivos (servidos por estações de transferência com pagamento prévio ao embarque e terminais abastecidos por linhas locais alimentadoras) com outros modais (ciclovias, calçadas e passarelas) e equipamentos públicos novos ou requalificados (parques, habitação social, bibliotecas e programas de controle da expansão urbana). Ações de desestímulo ao uso do automóvel particular complementavam o programa, como estações públicas de aluguel de bicicletas e bolsões de estacionamento (RODRIGUEZ E MOJICA, 2009). A segunda etapa foi iniciada em 2003 e acrescentou mais três corredores. Atualmente na terceira fase (figuras 3.19 e 3.21), o Transmilenio transporta diariamente cerca de 2,5 milhões de passageiros por 130 quilômetros de vias segregadas (BAZANI, 2019). Os ônibus articulados e alimentadores são operados por empresas privadas e a infraestrutura física fica à cargo do setor público (SUZUKI ET AL., 2013). Para Leite et al. (2020, tradução nossa, p.80), Além da inovação tecnológica, o Transmilenio destaca-se pela promoção da urbanidade, reforçando e qualificando o espaço urbano como um ativo coletivo ao se inserir num tecido existente, ampliando a acessibilidade e envolvendo outras dimensões da cidade por meio da capilaridade do sistema.
Antes do Transmilenio, o transporte público da cidade era administrado por motoristas de ônibus privados organizados em empresas e associações, com prestação de serviço de baixa qualidade, falta de segurança e pouca fiscalização pelo governo local (figura 3.21).
84 O custeio da operação era baseado exclusivamente nas tarifas pagas pelos usuários, provocando competição entre os condutores, congestionamentos, poluição e velocidade média dos ônibus ineficiente (RODRIGUEZ E MOJICA, 2009). Junto à expansão da rede de mobilidade, Bogotá iniciou o programa habitacional Metrovivienda, do qual Santoro (2011) cita a Ciudadela El Recreo como referência de provisão e financiamento de moradia acessível nas proximidades do Transmilenio, localizada em gleba adquirida pela empresa pública de capital misto e com mais de oito mil unidades construídas. Desde o final dos anos 1990, o governo municipal tem desenvolvido este programa, adquirindo terrenos a valores baixos para urbanizálos com infraestrutura de suporte básica para comercializá-los posteriormente à empreendedores privados interessados em executar unidades habitacionais à população de baixa renda. Os lotes são vendidos ao mercado imobiliário a valores mais altos para ajudar a cobrir os investimentos iniciais e os recursos obtidos também são empenhados no apoio técnico e financeiro das famílias com faixas de renda inferiores, por meio de subsídios diretos à demanda. [...] Nesta inversão de papéis – onde o Estado urbaniza, mas não constrói casas, e dá financiamento e subsídios para a compra de habitações ofertadas pelo mercado –, empresas como a Metrovivienda seriam responsáveis pela criação de bancos de terra e pela urbanização de glebas onde o poder privado desenvolveria projetos para serem vendidos mediante créditos imobiliários e subsídios estatais à demanda (SANTORO, 2011, p.103).
Cervero (2005, p.25, tradução nossa) menciona que, ao adquirir terrenos em momento anterior à implantação da infraestrutura de linhas e terminais do Transmilenio, o Metrovivienda possibilita manter os valores das moradias baixos e assegura sua integração com a rede (figuras 3.22, 3.23 e 3.24). Desta maneira, o programa
Figura 3.20. Ônibus coletivos em congestionamento em Bogotá, antes da implantação do Transmilenio. Fonte: Cervero (2005, p.26).
Figura 3.21. Sistema Transmilenio em operação em Bogotá. Disponível em: <https://www.thecityfixbrasil.org/> (Acesso em: 29 jun. 2020).
85 Figura 3.22. Localização da Ciudadela El Recreo (em laranja) em relação às linhas troncais e terminais do Transmilenio, em 2004. Fonte: Cervero (2005, p.22). terminal final Transmilenio linha Transmilenio Ciudadela El Recreo
desloca a condição tradicional dos assentamentos informais periféricos em lugares bem servidos pela rede de transporte e pelo Metrovivienda, cuja projetos oferecem tanto moradia legal quanto acesso aos centros econômicos da cidade.
Segundo o autor, estimativas apontam como resultado da combinação entre moradia e transporte coletivo público que o número de postos de trabalhos acessíveis em até uma hora de deslocamento dos empreendimentos do Metrovivienda seria três vezes maior do que nos territórios urbanos informais. Combinado ao Metrovivienda, o projeto foi viabilizado a partir de um Plano Parcial (PP) (Plan Parcial), geralmente utilizado em áreas propensas à urbanização e regularização fundiária, ordenado a partir de “Unidades de Atuação Urbanística” e com diretrizes definidas pelos Planos de Ordenamento Territorial (POT) (Plan de Ordenamiento Territorial), ambos instrumentos de planejamento urbano nacionais regulamentados pela Lei de Desenvolvimento Territorial (LEITE ET AL., 2020). Segundo Leite et al. (2020) e Santoro (2009), o POT é o instrumento básico das metas da política pública urbana colombiana, definindo seus meios de atuação e projetos de larga escala. Da definição geral das áreas de aplicação do POT, delineia-se o PP, um plano específico de gestão territorial, no qual são delimitados os perímetros de intervenção, seus objetivos e sua operacionalização – como a integração dos projetos com o tecido urbano adjacente, regulações urbanas específicas e de financiamento para cada um deles e a adoção de instrumentos de gestão do solo. Por outro lado, Cervero (2013) questiona que, apesar do planejamento da rede de mobilidade urbana integrado ao Metrovivenda e da maior dinâmica imobiliária
86 verificada ao redor dos terminais próximos, houve pouca articulação das linhas e estações com políticas de gestão do solo que pudessem intensificar densidades e atividades diversas por meio de alterações nos parâmetros normativos do zoneamento (como ocorre na OUC brasileira, por exemplo). Neste sentido, em 2013, o POT de Bogotá foi revisado pelo decreto 364/13, propondo orientar o desenvolvimento urbano futuro da capital colombiana em função da distribuição das maiores densidades habitacionais ao redor dos eixos do Sistema Integrado de Transporte Público (SITP), do qual o Transmilenio faz parte (LEITE ET AL., 2020).
Figura 3.23. Vista da Ciudadela El Recreo, no início de sua implantação. Disponível em: <https://www.germansamper.com/metrovivienda> (Acesso em: 29 jun. 2020).
Figura 3.24. Vista aérea da Ciudadela El Recreo, nos anos 2000. Disponível em: <https://twitter.com/EnriquePenalosa/status/> (Acesso em: 29 jun. 2020).
87
3.4 Os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana no Plano Diretor Estratégico de São Paulo
88 O PDE do município de São Paulo, revisado em 2014 e com vigência até 2029, foi estruturado a partir de dez estratégias que pretendem orientar o ordenamento urbano da cidade (PMSP, 2014). Dentre elas, destacamos abaixo algumas que consideramos correlatas com os princípios DOT, por corresponderem em muitos aspectos aos modelos de planejamento que sublinham o papel da mobilidade urbana na estruturação sistêmica da compacidade urbana e indicam mecanismos para seu financiamento (ITDP, 2018), mencionados em capítulo anterior15. • Socializar os ganhos de produção da cidade; Definição do coeficiente de aproveitamento básico igual a 1 na cidade, visando a recuperação da valorização fundiária gerada por investimentos públicos que podem potencializar o financiamento da política de mobilidade urbana sustentável. • Melhorar a mobilidade urbana; Delimitação de eixos de transporte coletivo público de média e alta capacidade em todo o território e a destinação de ao menos 30% do FUNDURB para sistemas de mobilidade urbana coletivos e ativos. • Orientar o crescimento da cidade nas proximidades do transporte público; Parâmetros urbanísticos de incentivo ao adensamento populacional e construtivo, uso misto e desenvolvimento compacto ao longo da rede de transporte público coletivo.
15. Em mais detalhes, LEITE ET AL. (2018) destacam importantes disposições das estratégias do PDE de 2014 que se complementam: a alocação de 25% das receitas obtidas via CEPAC nas OUC para a produção de habitação social; a ampliação de 107% das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS); a implementação da Cota de Solidariedade, instrumento que obriga empreendimentos com área construída acima de 20 mil metros quadrados a reservar 10% dela para moradia acessível ou doar o equivalente financeiro ao FUNDURB; a criação da categoria HIS 1 para famílias de 0 a 3 salários mínimos e destinação mínima de 60% para esta faixa nos empreendimentos HIS e EZEIS; e a criação do Departamento de Controle da Função Social da Propriedade (DCFSP) para coordenar e aplicar o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsória (PEUC) em terrenos e construções vazias ou subutilizadas.
89 • Promover o desenvolvimento econômico da cidade Diretrizes de desenvolvimento compacto do município associados à área central da cidade e à rede de transportes públicos, visando o desenvolvimento policêntrico da cidade. • Qualificar a vida urbana nos bairros; Incentivos para a diversificação e coexistência de atividades urbanas que pretendem estimular a utilização de modais ativos na escala do bairro.
16. Setores orla ferroviária e fluvial: Áreas no entorno dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, onde existem grandes terrenos ociosos ou subutilizados; Setor central: Região central da cidade, onde está o centro histórico, com grande oferta de emprego, comércio e serviços; Setor eixos de desenvolvimento: Áreas carentes de emprego e muito povoadas, localizadas ao longo de importantes eixos de transporte (SMDU, 2014).
O PDE de 2014 também estabeleceu a MEM, correspondente a cerca de 15% da área do município, aonde se prevê uma transformação a longo prazo em territórios estratégicos, configurados pela acumulação histórica de sistemas de infraestruturas urbanas (figura 3.28). Ela é dividida por setores16 caracterizados pelas suas particularidades socioeconômicas e estruturas urbanas - concentração de emprego e áreas ociosas, como ocorre nos Arcos, ou baixa oferta de postos de trabalho e densidades populacionais superiores, a exemplo dos Eixos de Desenvolvimento - e ambientais (bacias, rios, etc.). Em cada um, se prevê a aplicação de instrumentos urbanísticos, a exemplo da OUC (FRANCO ET AL., 2015). A delimitação de macroáreas no PDE de 2014 evidencia porções homogêneas do território que orientam objetivos específicos e comuns de desenvolvimento urbano. Essas porções homogêneas retratam, quando vistas em seu conjunto, o quadro da desigualdade socioterritorial da cidade. Dentre esse conjunto, o plano reconhece o processo histórico que faz das várzeas e planícies fluviais de São Paulo singulares e estratégicas, incorporando-as na forma de Macroárea de Estruturação Metropolitana (MEM). Essa macroárea define um território que recepcionará intervenções que levem necessariamente em conta a abrangência metropolitana da cidade nos próximos 16 anos (FRANCO ET Al., 2015, p.61).
90 Macroárea de Estruturação Metropolitana Grande oferta de infraestrutura e eixos de mobilidade, mas com desequilíbrios na relação entre emprego e moradia. Macroárea de Urbanização Consolidada Área mais urbanizada do muncípio, com vias saturadas e grande concentração de empregos e serviços. Macroárea de Qualificação da Urbanização Área mais urbanizada do muncípio, com vias saturadas e grande concentração de empregos e serviços. Macroárea de Redução da Vulnerabilidade Urbana Elevado índice de áreas precárias, irregulares e de risco, além de baixa oferta de infraestrutura e equipamentos. É ocupada predominantemente por população de baixa renda. Macroárea de Redução da Vulnerabilidade Urbana e Recuperação Ambiental Elevado índice de áreas precárias, irregulares e de risco, além de baixa oferta de infraestrutura e equipamentos. É ocupada predominantemente por população de baixa renda. Macroárea de Controle e Recuperação Urbana Áreas vazias ou subutilizadas com ou sem cobertura vegetal, áreas de reflorestamento, exploração mineral e algumas áreas industriais. Possui ocupação predominantemente horizontal. Macroárea de Contenção Urbana e Uso Sustentável Grandes parcelas de vegetação natural intercaladas com atividades agrícolas e chácaras. Localizada integralmente na Área de Proteção de Mananciais. Não inclui nenhum assentamento urbano. Macroárea de Preservação dos Ecossistemas Naturais Possui áreas de remanescentes florestais que conservam suas características naturais e é rica em biodiversidade. Não inclui nenhum assentamento urbano.
Figura 3.25. Macroáreas do Plano Diretor Estratégico de 2014. Fonte: elaboração do autor, com base em SMDU (2016, p.85).
91 Figura 3.26. Proporção dos empregos acessíveis por transporte público em até 60 minutos em São Paulo. Fonte: Pereira et al. (2019, p.31).
No que diz respeito à política de mobilidade, nas áreas de influência dos EETU incentiva-se o adensamento populacional e construtivo a partir do estabelecimento de índices de aproveitamento máximo que podem chegar até quatro vezes17 (figura 3.29), a construção de HIS para faixas de rendas variadas e Habitação de Mercado Popular (HMP), a diversidade de atividades e a qualificação dos espaços públicos. É possível visualizar a importância dos eixos de mobilidade urbana no município de São Paulo em recortes como o da figura 3.26, em que se vê a distribuição de empregos no território acessíveis em até 60 minutos pelo sistema. Em conjunto, a MEM e os EETU conformam a Rede de Estruturação da Transformação Metropolitana, onde se concentram os principais instrumentos urbanísticos previstos do PDE de 2014 e, portanto, de suas diretrizes de reorientação da expansão e qualificação da metrópole. Longo (2015, p.133) salienta o caráter de uma visão sistêmica do território inerente ao modelo de planejamento incorporado por estes elementos do plano. Apesar dessa estratégia já existir em certa medida no PDE de 2002 - que também concentrava os instrumentos de intervenção em elementos urbanos similares [...], a leitura sistêmica é enfatizada na versão atual na medida em que o plano reorganiza territorialmente os elementos de forma a evidenciar a oportunidade de áreas dotadas não só de grande disponibilidade fundiária, mas também de estabelecer uma continuidade física entre as partes aparentemente desconexas.
17. Caso os eixos estejam numa região cuja a estratégia do PDE é preservar as áreas verdes ou na qual o adensamento populacional não é considerado adequado para o contexto, o CA máximo do EETU é inferior.
O PDE de 2014 estabeleceu que as áreas de influência no entorno dos eixos e estações do sistema de transporte público coletivo de média e alta capacidade existentes e planejadas (figura 3.28) – ônibus, trem, metrô, Veículo Leve Sobre Pneus (VLP)
92 e Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) – são essenciais para orientar este modelo de desenvolvimento urbano a longo prazo. A ativação dos eixos ocorre por meio de decreto da ordem de serviço da respectiva obra. Destas diretrizes, os EETU buscam assim articular parâmetros urbanísticos para fomentar a construção de edifícios multifuncionais, o caráter coletivo dos espaços públicos adjacentes e desestimular o uso do transporte individual motorizado (PDE, 2014). Segundo o artigo 75 do PDE, os EETU são definidos Pelos elementos estruturais dos sistemas de transporte coletivo de média e alta capacidade, existentes e planejados, determinam áreas de influência potencialmente aptas ao adensamento construtivo e populacional e ao uso misto entre usos residenciais e não residenciais.
As áreas de influência dos EETU são definidas por quadras inteiras e estendemse ao entorno conforme a capacidade de cada modal. São contabilizadas as áreas inseridas numa faixa de 150 metros para cada lado de corredores de ônibus e VLP e num raio de 400 metros das estações dos sistemas metroferroviários – metrô, trem, monotrilho e VLT - e VLP em linha elevada (figura 3.29). Os EETU foram recepcionados pela LPUOS de 2016 e classificados como territórios de transformação pela ZEU, em diferentes Zonas Eixo (figuras 3.30 e 3.31)18 (SMDU, 2016). Apesar de correspondências conceituais com planos urbanísticos anteriores que evidenciam o papel indutor das redes de alta capacidade (a exemplo do Plano Urbanístico Básico - PUB, de 1969) e com a estratégia das Áreas de Intervenção Urbana (AIU), do PDE de 2002, como o adensamento incentivado nas áreas de influência dos eixos de mobilidade, os EETU diferenciam-se pela sua definição e demarcação nos mapas do plano, inseridos no rol de instrumentos autoaplicáveis do PDE de 2014 (sem necessidade de lei específica para serem regulamentados) (LONGO, 2015).
18. Conforme artigo 6º da LUOPS, os territórios de transformação “são áreas em que se objetiva a promoção do adensamento construtivo, populacional, atividades econômicas e serviços públicos, a diversificação de atividades e a qualificação paisagística dos espaços públicos de forma a adequar o uso do solo à oferta de transporte público coletivo, compreendendo: a) Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU); b) Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Ambiental (ZEUa); c) Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Previsto (ZEUP); d) Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Previsto Ambiental (ZEUPa); e) Zona Eixo de Estruturação da Transformação Metropolitana (ZEM); f) Zona Eixo de Estruturação da Transformação Metropolitana Previsto (ZEMP).
93 Para Longo (2015, p.135), “essa mudança revela a atenção dada à lógica de associar mobilidade e desenvolvimento urbano, que deixa de ser um entre tantos outros aspectos do plano e passa a ocupar uma posição central”. Entre os incentivos do PDE de 2014 direcionados às áreas de influência dos EETU, muitos deles com elementos de desenho urbano, destacamos o incentivo ao uso misto pela não computação de atividades não residenciais até certo limite da área computável total; as fachadas ativas, como estímulo à interface das atividades comerciais e de serviços no nível do térreo com a rua; a limitação do fechamento de muros em testadas a partir de determinada metragem do lote; a cota parte máxima do terreno por unidade habitacional, equação que define o número mínimo de unidades habitacionais por lote para promover maior adensamento populacional; a dispensa do recuo frontal pela doação de parte do lote para alargamento das calçadas; as vias de fruição pública, voltadas ao pedestre; e a limitação de área não computável destinada a vagas de estacionamento. Figura 3.27. Coeficientes de aproveitamento mínimos, básicos, e máximos nos EETU, conforme macroárea. Disponível em: <https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/> (Acesso em: 29 jun. 2020).
94 Figura 3.28. Eixos de Estruturação da Transformação Urbana existentes e previstos no PDE de 2014. Fonte: SMDU (2014). área de influência dos eixos ativos em 2016 área de influência dos eixos previstos
95
Figura 3.29. Parâmetros urbanísticos propostos pelo PDE de 2014 nas áreas de influência dos EETU. Disponível em: <https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/> (Acesso em: 29 jun. 2020).
A respeito da relação entre a produção formal resultante dos parâmetros incentivados nos EETU, Balbim et al. (2016, p.185) mencionam que Embora não definam propriamente o desenho, orientam a produção dos espaços públicos e privados por meio do estímulo a usos e formas de ocupação dos lotes coerentes com a transformação urbana pretendida.
96 Figura 3.30. Eixos de Estruturação da Transformação Urbana na LPUOS de 2016. Fonte: elaboração do autor, com base em PMSP (2014; 2016).
PDE - Lei nº 16.050/14
LPUOS - Lei nº 16.402/16
Eixos de Estruturação da Transformação Urbana existentes na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana
Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU)
Eixos de Estruturação da Transformação Urbana existentes na Macrozona de Proteção e Recuperação Ambiental
Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Ambiental (ZEUa)
Eixos de Estruturação da Transformação Urbana previstos na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana
Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Previsto (ZEUP)
Os autores também aludem para as dificuldades de implementação dos EETU e a transformação urbana esperada no tocante à capacidade de mobilização da atividade imobiliária e à complexidade das regiões periféricas, salientando a importância da coordenação do setor público neste processo. [...] a maior parte dos incentivos citados depende do interesse de atuação do mercado e, sobretudo nos trechos de eixos que cruzam áreas periféricas da cidade, com situações de irregularidades da propriedade da terra e a necessidade de um número maior de desapropriações em virtude da necessidade de abertura de vias para construção de corredores de ônibus, o mercado não tem interesse. É, por isso, imperativa a atuação do Estado no sentido de alcançar as transformações pretendidas com a implantação dos eixos [...] (BALBIM ET AL., 2016, p.286).
97 Figura 3.31. Zonas de Estruturação Urbana e MEM existentes e previstas no PDE de 2014. Fonte: SMDU (2014).
ZEU-u ZEU-a ZEUP-u ZEUP-a ZEM ZEMP Macroárea de Estruturação Metropolitana (PDE)
98 Após seis anos de vigência, estudos recentes elaborados pelo setor público e entidades de arquitetos e urbanistas trazem um panorama geral sobre o estado atual das principais metas do PDE de 2014, do qual analisamos alguns dados que também se relacionam com o financiamento dos EETU. No balanço do IAB-SP, publicado em julho de 2019, cerca de 60 mil habitações de interesse social haviam sido licenciadas em ZEIS, houve a maior arrecadação da séria histórica do FUNDURB nos 12 meses anteriores a esta data, desde 2004, e a implantação de 470 km de ciclovias e ciclofaixas. Entre 2014 e 2018, destacam-se os investimentos públicos em HIS da faixa 1 (renda familiar mensal de zero a três salários mínimos), compondo 64% do total das unidades licenciadas. Já o setor privado destinou 33% das unidades habitacionais à faixa 2 (de três a seis salários mínimos). Quanto à distribuição de HIS por macroárea no período, 31% das licenças de construção em ZEIS concentraram-se na MEM, melhor dotada de infraestrutura de mobilidade urbana e 28% em regiões carentes, sobressaindo a Macroárea de Redução da Vulnerabilidade Urbana e Ambiental (SMDU, 2019). Em geral, os parâmetros incentivados pelo PDE de 2014 nas áreas de influência dos eixos de mobilidade urbana se fizeram presentes a partir de sua aprovação nos novos empreendimentos, mas levanta-se a questão de serem melhor combinamos aos incentivos de inclusão social, como a promoção de HIS e da locação social (IAB, 2019). Balbim et al. (2016, p.90) apontam para a necessidade de seu monitoramento, a fim de se analisar Em que medida o processo de concentração das classes de mais alta renda pode interferir nos intentos dos eixos de reduzir a desigualdade urbana, e como pode afetar a dinâmica dos deslocamentos casa-trabalho.
99 Figura 3.32. Empreendimento de uso misto de alto padrão lançado na área de influência do eixo de mobilidade urbana da Avenida Rebouças, na zona Oeste. Disponível em: <http://www.vncapotevalente.com.br/> (Acesso em: 29 jun. 2020).
Um levantamento a respeito do tamanho das unidades residenciais lançadas no entorno dos EETU entre 2004 e 2018 (SMDU, 2019) indica, conforme a figura 3.33, a intensificação do uso do espaço urbano. Houve crescimento de cerca de 500% de UH com área útil de até 35m² no período de 2014 e 2018 e um terço das UH construídas tinham área igual ou até 70m², se comparado ao ciclo de 2009 a 2013, sugerindo um maior aproveitamento construtivo dos lotes pelo mecanismo da cota parte máxima. Ainda, a quantidade de lançamentos com área útil acima de 70m² decresceu, com destaque para a redução do número de unidades superiores a 120m² (7.281 unidades, entre 2004 e 2008, contra 1.315, de 2014 a 2018). De 2014 a 2018, 81% da área útil das UH foi menor ou igual a 70m², sendo um terço composta por aquelas de até 35m². A oferta de unidades residenciais sem vagas para automóveis nos EETU conforme disposição do PDE de 2014 também chama atenção, respondendo por cerca de 59% dos lançamentos.
19. A pesquisa da autora considerou os lotes inseridos nas ZEUs, ZEUas, ZEUPs e ZEUPas “como única mancha ao se verificar a produção imobiliária dentro destas e fora destas Zonas Eixos” (Corrente, 2019, p.9).
Quanto à distribuição geográfica dos maiores acréscimos de área construída residencial e não residencial total entre 2014 e 2018 nas áreas de influência dos eixos, destacam-se os distritos bem servidos pela infraestrutura de mobilidade metroviária - Vila Mariana, Bela Vista, Tucuruvi, Jabaquara e Saúde. Corrente (2019), por sua vez, mostra um cenário diversificado e em evolução, com a intensificação da atividade imobiliária na áreas de influência das Zonas Eixo21, onde predominam as tipologias de empreendimentos de maior renda em relação às de HIS ou HMP (figura 3.32). Comportamento similiar teve a maior parcela das propostas para aquisição de área computável adicional com contrapartida financeira via OODC nas Zonas Eixo. No período entre a aprovação do PDE de 2014 e outubro de 2018, os lançamentos concentraram-se em distritos cuja renda média mensal sobre o emprego formal é superior e têm correspondências geográficas com o quadrante sudoeste descrito por Villaça (1998), como mostra a figura 3.34.
100 Das 343 propostas analisadas, 114 (33%) estão no quadrante sudoeste, sendo 90 do tipo
Figura 3.33. Total de unidades residenciais por área útil lançadas entre 2004 e 2018 nas áreas de influência dos EETU, por período. Fonte: elaboração do autor, com base em SMDU (2019, p.6).
6.641
7.000
6.152
6.500 6.000
5.000
4.000
3.742
4.072
4.500
4.529
4.859 4.911
5.500
3.063
3.500
819
1.141
maior que 120m²
maior que 70m² e menor que 90m²
maior que 35m² e menor que 50m²
até 35m²
0
maior que 50m² e menor que 70m²
500
530
1.000
1.522
2.000
1.315
2.500
1.650
2.275
3.000
número de unidades
[...] as Zonas Eixo não conseguem ainda por si só influenciar os processos de tomada de decisão pelo poder público no que diz respeito a aquisição de terrenos, também por desapropriação, para viabilizar habitação de interesse social via FUNDURB. Consideramos importante vincular a importância das ZEUS nessas viabilidades de promoção de habitação de interesse social, por exemplo (Corrente, 2019, p.21).
7.049
7.500
1.500
de 2014 a 2018
7.281
8.000
Uma tendência de o mercado priorizar áreas cujo desenvolvimento de modais de transporte coletivo de alta e média capacidade é maior, bem como manter os já atuais polos que concentram emprego. (CORRENTE, 2019, p.12).
Já no que tange o território do município como um todo, 38% dos lançamentos estão nas proximidades das infraestruturas de mobilidade urbana, reforçando a atratividade exercida pelos parâmetros dos EETU e do incentivo à moradia nestas porções da cidade - predominaram nas Zonas Eixo as propostas da categoria Residencial (61%), seguida pela HMP (24%) e Não Residencial (14%). Nas zonas fora dos eixos, o tipo HMP prevalece (58%), seguido pelo uso Residencial (24%) e Não Residencial (20%). Nos distritos com menor renda média per capita, verificase também uma distribuição mais espraiada dos empreendimentos que solicitaram potencial construtivo adicional, “andando na contramão do adensamento planejado vinculado ao transporte público de média e alta capacidade” (Corrente, 2019, p.16). Em relação à promoção de HIS ao redor dos eixos a autora pondera que
de 2009 a 2013 7.834
de 2004 a 2008
maior que 90m² e menor que 120m²
residencial R2V ou R2H, “sem vínculo com a faixa de renda”, 22 do tipo Não Residencial e somente duas de HMP. Fora do quadrante, por outro lado, dos 229 pedidos, há o predomínio de HMP (64%). Para a autora (p.11), o número de solicitações de HMP expressa um “reflexo positivo pela adoção da categoria HMP de modo a ter respondido aos incentivos do poder público em cima do mercado imobiliário de modo a viabilizar moradia para esta tipologia”, mas mantém
101 Figura 3.34. Mapa de indicação dos locais licenciados para a realização de empreendimentos que demandaram área computável adicional acima do coeficiente de aproveitamento básico a partir da vigência da Lei 16.050/2014. Fonte: elaboração do autor, com base em Corrente (2019, p.15).
categorias de empreendimentos com OODC municípios da RMSP EETU / ZEU / ZEUP / ZEUa / ZEUPa Lei nº 16.402/16 - Zonas de Estruturação da Transformação Urbana Lei nº 16.050/14 - Eixos Estruturação da Transformação Urbana Rendimento médio mensal por distrito R$ 1.750 - 2.106 R$ 2.106 - R$ 2.570 R$ 2.570 - R$ 3.094 R$ 3.094 - R$ 3.777 R$ 3.777- R$ 5.795 R$ 5.795- R$ 10.079 sem dados de renda
102 Diante da dinamização fundiária e imobiliária acarretada pela ampliação do acesso aos eixos, aventa-se a possibilidade de assegurar que parte desta valorização seja recuperada pelo setor público para financiar a própria rede e as estratégias de planejamento urbano associadas ao DOT (das quais os EETU se correlacionam) por meio de instrumentos utilizados no país, como a OUC e a OODC, por sugerirem ao poder público “a vantagem da coordenação da gestão, a possibilidade de detalhamento do projeto urbanístico e a viabilização de instrumentos de financiamento, como os CEPACs” (WRI, 2018 p.97). Assim, considerando o exposto sobre a influência dos sistemas de mobilidade urbana na valorização fundiária, no desenho das políticas públicas recentes de planejamento e ordenamento territorial urbano e na produção imobiliária, discorreremos no último capítulo sobre conceitos e casos internacionais que articulam os mecanismos de recuperação da valorização do solo com o DOT. São estratégias combinadas que, como apontam Suzuki et al. (2015, p.14, tradução nossa), Têm grande potencial para futuras adaptações dos mecanismos de captura da valorização fundiária praticados em São Paulo, a fim de contribuir com o financiamento da rede de mobilidade e moldar a forma urbana por meio da articulação de densidades adequadas via DOT.
103
4 Modelos de recuperação da valorização do solo combinados ao financiamento do DOT
104 A adoção de instrumentos de recuperação da valorização fundiária nas áreas de influência das infraestruturas de mobilidade combinados ao ordenamento territorial e da rede para viabilizar o financiamento de sua operação e expansão é recorrente em alguns países, como China, Japão e Estados Unidos. No caso de São Paulo, apesar da ampla experiência na cobrança sobre o direito de construir, “raramente estes recursos foram adequados para financiar o transporte coletivo ou estratégias relacionadas ao DOT”, em parte pela falta de coordenação entre as agências operadoras dos sistemas e os departamentos de planejamento urbano da cidade (Suzuki et al., 2015, p.14). Como discorrido no primeiro capítulo, o custeio do sistema de mobilidade urbana de alta capacidade no Brasil é bastante dependente da receita tarifária e de transferências entre esferas do governo para financiar sua expansão, operação e manutenção. De modo geral, Suzuki et al. (2015) apontam que raramente o setor público e as agências operadoras conseguem recuperar por completo seus investimentos na rede pelo retorno financeiro das tarifas, em parte por usualmente mantê-las a um valor que pretende assegurar seu acesso à população como um todo. Neste cenário, Em muitos casos, os fundos oriundos dos instrumentos de captura da valorização fundiária combinados com receitas tarifárias da rede podem financiar integralmente o sistema de transporte público enquanto mantêm tarifas baixas para encorajar o incremento de passageiros [...]. Sistemas de transporte público coletivo eficientes geram aumento no valor das terras e maiores receitas aos proprietários situados ao longo destes corredores (SALON e SHEWMAKE, 2011, p.25, tradução nossa).
105 Uma dinâmica que Rodriguez et al. (2013) sugerem como um possível “ciclo virtuoso” (figura 4.1), pois, em tese, os empreendedores imobiliários estariam dispostos a investir em propriedades onde as expectativas de retorno são maiores, como os arredores de linhas, estações e terminais. Figura 4.1. “Ciclo virtuoso” dos efeitos da acessibilidade das redes de mobilidade urbana articulados com mecanismos de recuperação da valorização fundiária. Fonte: elaboração do autor, com base em Rodriguez et al. (2013).
investimento em mobilidade urbana
benefícios pelo aumento da acessibilidade
capitalização sobre o valor das propriedades
(re) desenvolvimento
No que diz respeito à viabilidade deste arranjo, destacamos dois que Salon e Shewmake (2011) apontam como fundamentais à eficácia da captura da valorização do solo direcionada ao financiamento do DOT: (i) a eficiência do sistema de mobilidade urbana pelo grau de sua articulação com as densidades populacionais do território atendido e o consequente ganho de acessibilidade à rede pela população; (ii) um contexto institucional e de governança que permita ao setor público desenvolver este tipo de política pública urbana. Desta relação desenharia-se um modelo de planejamento e desenvolvimento que comporia boa parte dos elementos de dinamização do mercado de solos, da atividade imobiliária e do aumento de demanda de usuários projetada.
106 Outro ponto relevante é que apesar da dinamização do mercado fundiário e imobiliário decorrente da implantação do DOT ser potencial para a adoção de mecanismos de captura da valorização da terra, a participação dos agentes privados nesta estratégia estaria ligada à seu interesse nos eixos a serem desenvolvidos e poderiam influenciar na dinâmica dos instrumentos e empreendimentos para financiar as infraestruturas de transporte coletivo de massa, pois a A força do mercado imobiliário presente na área interfere diretamente no nível de participação dos incorporadores interessados. Em “mercados aquecidos”, que têm elevado potencial de desenvolvimento, é mais viável exigir contrapartidas de incorporadores para financiar a construção de infraestruturas de mobilidade e espaços públicos associados aos empreendimentos, tendo em vista o potencial ganho de capital proveniente de decisões de governo que gerem valorização imobiliária (ITDP, p.69).
Neste sentido, sem pretender esgotar o tema e discutidas algumas diferenças sobre sua adoção na conjuntura da regulação urbanística brasileira, discorreremos a seguir a respeito de alguns conceitos e casos internacionais de interesse desta pesquisa que lançam mão destes instrumentos para contribuir ao financiamento da rede de mobilidade urbana de alta capacidade de maneira articulada ao modelo de planejamento e desenvolvimento que pauta o conceito DOT (figura 4.2).
Figura 4.2. Elementos chave do financiamento da mobilidade urbana pelos instrumentos de recuperação da valorização fundiária combinados ao DOT selecionados e agentes envolvidos. Fonte: elaboração do autor, com base em Suzuki et al. (2015, p.53).
Instrumento selecionado
Beneficiários e contribuintes
Tipicamente promovido por
Empreendimento Associado (Joint Development)
proprietários de terrenos e empreendedores imobiliários
agências operadoras da rede e setor privado
Reajuste de Terras (Land Readjustment)
proprietários de terrenos e empreendedores imobiliários
agências operadoras da rede e setor privado
Financiamento pelo Incremental proprietários de terrenos de Arrecadação (FIA) e empreendedores imobiliários (Tax Increment Financing - TIF)
Estado
107
4.1 Empreendimentos Associados e a rede de mobilidade metroferroviรกria de Hong Kong
108 No campo da mobilidade urbana, o Empreendimento Associado (Joint Development) (NOBRE ET AL., 2016) é uma estratégia amparada na parceria entre o poder público e uma empresa privada, que pretende viabilizar a construção de uma estação de transporte coletivo público de alta capacidade financiada total ou parcialmente com capital privado. Em contrapartida, o agente privado pode, por exemplo, explorar comercialmente as terras adquiridas no entorno pela implantação de um empreendimento imobiliário de uso misto integrado, do qual espera ter o retorno financeiro ao longo do tempo (SUZUKI ET AL., 2015).
Figura 4.3. Densidade populacional urbana ao longo da rede de mobilidade sobre trilhos de Hong Kong. Fonte: Suzuki et al. (2015, p.73).
Este tipo de associação é implementado em Hong Kong, na China, desde os anos 1980, onde uma série de políticas de gestão do uso do solo se relaciona com o planejamento da rede de mobilidade urbana (composta por ônibus, bondes, balsas trens e metrôs, utilizada por 90% da população em 5 milhões de viagens diárias, em um sistema que ultrapassa os 200 km de extensão) e tem como principal agente promotor a Mass Transit Railway (MTR), empresa de economia mista (MTR, 2016). O método da MTR baseia-se na concomitância da execução das obras das estações metroferroviárias e de empreendimentos compactos de alta densidade para assegurar o incremento de novos usuários e de receitas extratarifárias de maneira linear no tempo (figura 4.3) (HE ET AL., 2018). Esta variedade integrada de atuações sobre a dinâmica imobiliária e comercial carrega um atributo importante da perspectiva da compacidade urbana e do financiamento da rede, ao permitir que ela se expandisse de forma planejada por todo o território, composto por ilhas e penínsulas, onde o solo edificável é escasso e seu valor bastante alto, sem ficar demasiadamente sujeita aos subsídios públicos (figura 4.4) (CERVERO E MURAMAKI, 2009).
Figura 4.4. Percentuais da receita líquida da MTR, entre 2000 e 2012. Fonte: elaboração do autor, com base em Suzuki et al. (2015, p.83).
transporte atividades imobiliárias serviços residenciais serviços empresariais
109
siste
dire
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retorno financeiro sobre a concessão dos terrenos
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governo
des
operadora
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Figura 4.5. Esquema de financiamento do modelo T+P. Fonte: elaboração do autor, com base em MTR (2019).
setor privado
Figura 4.6. Abrangência das áreas de captação em um raio de 500m ao redor das estações de uma linha da MTR. Fonte: Xue e Sun (2020, p.7).
Numa cidade de alta densidade como Hong Kong, depender unicamente de receitas sobre as tarifas raramente supriria os custos de construção e manutenção de seu sistema de transporte público sobre trilhos (HE ET AL., 2004, p.472).
Este modelo é conhecido como Trilho + Propriedade (Rail + Property), no qual o poder público, a operadora do sistema e o mercado imobiliário participam conjuntamente (figura 4.5). Numa primeira etapa, o governo atua identificando locais potenciais para a implantação de futuras centralidades urbanas e coordena as diretrizes de desenvolvimento regional. A MTR, ao receber o convite do governo, elabora um plano urbano que detalha o desenho da estação e do entorno sob aspectos da densidade populacional, tipologia dos edifícios e do uso do espaço pretendidos. Após a aprovação do plano, a MTR obtém o direito ao desenvolvimento dos terrenos (development rights) a longo prazo sobre o perímetro concedido, gerencia a implantação da linha e da estação, subdivide e arrenda a área acima e no entorno aos agentes privados interessados via concurso público. As empresas ganhadoras ficam então responsáveis por todos os investimentos relacionados à construção, venda e locação destes terrenos e empreendimentos, cabendo à MTR o papel de supervisionar o processo. Ao final, as receitas oriundas da comercialização das unidades é compartilhada entre os promotores privados e a MTR, beneficiando também o governo pelos retornos financeiros gerados pela concessão dos terrenos (HE ET AL., 2018). Geralmente os projetos da MTR abrangem áreas de captação (catchments areas), num perímetro de 500 metros de distância da estação (figura 4.6), cuja atratividade se mede pelo ganho de acessibilidade dos usuários dentro de um tempo de caminhada considerado como razoável (figura 4.6) (XUE E SUN, 2020).
110 Esta versão de Hong Hong de uma parceria público-privada não se resume em encarregar os custos da construção das linhas ao setor privado, mas gerar um desenvolvimento no qual cada setor traz sua vantagem à mesa (por exemplo, mecanismos de aquisição de terra pelo setor público e capital próprio, no caso do privado), numa situação “ganha-ganha” que pretende viabilizar financeiramente os investimentos e forjar uma conexão entre o sistema sobre trilhos e o mercado imobiliário local que seja atraente a inquilinos, investidores e usuários (SUZUKI ET AL., 2013, p.6).
Tipicamente, a requalificação passa por diversas escalas de desenho urbano, com foco na adequação das quadras para que o tecido seja compatível aos pedestres e atraente a novos fluxos de usuários tanto para o sistema de mobilidade urbana como para as novas torres dos arredores. O programa dos empreendimentos é dividido entre o setor público e privado, sendo o primeiro responsável pelos edifícios institucionais, infraestrutura de suporte e habitação de interesse social, enquanto o segundo ergue as construções comerciais e residenciais (figuras 4.7 e 4.8) (XUE E SUN, 2020). A densidade dos edifícios das áreas de captação basicamente reflete a atividade econômica ao redor da estação. O desenvolvimento da diversidade de usos e a distribuição de propriedades residenciais adjacentes têm relação direta com o número de passageiros (XUE E SUN, 2020, p.2, tradução nossa).
Segundo Suzuki et al. (2015), o caso de Hong Kong também serve como referência da construção de um arranjo institucional governamental que permitiu viabilizar modelos de desenvolvimento urbano consorciados como o T+P, pela criação de um departamento de planejamento e desenho urbano que assegura e regula a qualidade dos empreendimentos.
Figura 4.7. Combinação entre a infraestrutura de mobilidade urbana e outros usos no projeto da estação Kowloon, em Hong Kong. Fonte: elaboração do autor, com base em Xue e Sun (2018, p.101).
estação de trem estação de ônibus hotel residencial escritórios comercial
111 Figura 4.8. Empreendimento imobiliário ao redor da estação Kowloon. Disponível em: <https://www.amny.com/manhatta> (Acesso em: 29 jun. 2020).
Apesar dos avanços da experiência de Hong Kong no que tange a geração de recursos extratarifários e alternativos para financiar a rede de mobilidade de alta capacidade e do modelo de desenvolvimento urbano com muitos pontos de contato com o DOT, apontamos alguns estudos que abordam possíveis obstáculos de viabilidade do Empreendimento Associado e externalidades negativas em relação à oferta de habitação social ao redor das estações. Para Medda e Modeleswka (2011, p.16, tradução nossa) [...] deve ser observado que a efetividade deste tipo de parceria de investimentos depende da correta previsão da demanda de determinada infraestrutura de mobilidade, assim como a estabilidade do mercado imobiliário. Além disso, o que decide o sucesso ou o fracasso do mecanismo do Empreendimento Associado é o ambiente macro e microeconômico e a estrutura urbana da área a ser desenvolvida.
A valorização fundiária decorrente do aumento da acessibilidade do modelo T+P atingiu incrementos de até 30% nos terrenos lindeiros (CERVERO E MURAMAKI, 2009) e tendeu a moldar “um tipo de dinâmica de mercado de solos que potencialmente estimula mais o desenvolvimento residencial privado em detrimento do público”, segundo He et al. (2018, p.471, tradução nossa). Conforme os autores, a moradia social nos arredores das infraestruturas da MTR se fez mais presente em suas décadas iniciais, verificando-se uma mudança na oferta destas tipologias pelo governo ao longo dos anos, em parte em função do aumento do papel do setor privado na dinâmica e no retorno financeiro do T+P. A habitação social tende a estar localizada em terras menos acessíveis pela rede de mobilidade, em função daquelas mais próximas das estações terem valor de mercado superior, o que em parte é explicado por serem uma importante fonte de receitas ao governo de Hong Kong.
112
4.2 Reajuste de Terras e o sistema sobre trilhos da regiĂŁo metropolitana de TĂłquio
113 No Reajuste de Terras (Land Readjustment) viabiliza-se o financiamento de melhorias urbanas num perímetro específico, pelo consórcio entre os proprietários de terras e órgãos públicos ou empresas privadas vinculadas ao setor público a partir do seu reodernamento fundiário (MONTANDON E SOUZA, 2007; NOBRE ET AL., 2016). Trata-se de [...] um método de desenvolvimento urbano de execução compartilhada em que todos os proprietários e inquilinos contribuem para o financiamento e a realização do projeto, distribuindo de maneira equilibrada os custos e benefícios dos resultados [obtidos] (MONTANDON E SOUZA, 2007, p.18).
A configuração fundiária resultante é disponibilizada ao mercado novamente e geralmente vinculada a um plano de desenvolvimento urbano em escala regional coordenado pelo setor público, integrado à implantação de infraestrutura de suporte, como a de mobilidade. Em troca, os proprietários recebem parcela da terra reurbanizada ou unidades habitacionais e comerciais proporcionais à sua contribuição, como compensação (fig. 4.11). A diretriz de compartilhamento equânime dos recursos e valorizações decorrentes do mecanismo Se apoia num regime urbanístico da propriedade que possibilita ao Poder Público instituir a obrigatoriedade de adesão dos proprietários situados em áreas inseridas nos perímetros de projetos de desenvolvimento urbano. Isto é, a participação privada não se dá através dos incentivos urbanísticos, mas através da incidência de obrigações ao proprietário, tais como a cessão obrigatória de parte do terreno para execução de obras públicas. Como contrapartida a esta contribuição o proprietário conta com parte da valorização do terreno decorrente das melhorias urbanísticas promovidas pelo projeto (MONTANDON E SOUZA, 2009, p.93).
114 Figura 4.11. Esquema conceitual do funcionamento do Reajuste de Terras. Fonte: Montandon e Souza (2007).
Figura 4.9. Cidade Jardim Tama (Tokyu Tama Garden City), constituída por quatro cidades interconectadas por uma linha de trem a sudoeste de Tóquio, numa área superior a 50 milhões de km², onde habitam cerca de 600 mil pessoas. Fonte: Boontharm (2019, p.143).
1962
No Japão, a empresa Tokyu Corporation lança mão deste método para implantar redes de mobilidade de alta capacidade sobre trilhos através de projetos urbanos integrados que constituem bairros e comunidades adensadas (figuras 4.9 e 4.10), sem grande necessidade de subsídios governamentais (NOBRE ET AL., 2016). Eles são elaborados com parâmetros de uso e ocupação do solo diferenciados ao redor de estações que podem ser total ou parcialmente financiados pelo consórcio formado, reduzindo os custos de desapropriação e construção pelo setor público (SUZUKI ET AL., 2015).
1999
Figura 4.10. Entorno da estação Tama Plaza, na Cidade Jardim Tama. Disponível em: <https://openjicareport.jica.go.jp> (Acesso em: 29 jun. 2020). década de 1960
atualmente
115 Figura 4.12. Percentuais da receita líquida da Tokyu Corporation, entre 2003 e 2012. Fonte: elaboração do autor, com base em Suzuki et al. (2015, p.110). transporte atividades imobiliárias serviços residenciais serviços empresariais serviços hoteleiros e de lazer
Figura 4.13. Desenvolvimento urbano na estação Shiodome. Disponível em: <https://japanthis.com/> (Acesso em: 29 jun. 2020). 1986
2002
Esta combinação entre centralidades urbanas compactas e os eixos sobre trilhos é similar ao DOT, conhecida como Comunidades Integradas sobre Trilhos (Rail Integrated Communities) (CALIMENTE, 2012), nas quais Emprego, lazer, compras e serviços públicos concentram-se no entorno das estações ferroviárias, fazendo o uso do automóvel quase desnecessário em várias partes da cidade. Quase todos os aspectos da vida diária podem ser alcançados por trem, ônibus, bicicleta ou mesmo a pé (NOBRE ET AL., 2016, p.168).
Inicialmente, a Tokyu Corporation organiza os proprietários da área a ser desenvolvida em cooperativas e ao contribuírem com parte de seu terreno original, recebem um lote menor e readequado ao desenho urbano e fundiário pretendido pelo empreendimento, porém mais valorizado em função dos benefícios urbanos realizados nos arredores. Uma parte das contribuições é destinada à áreas reservas, passíveis de comercialização para financiar os custos do projeto e sua execução ou usos públicos, como parques e estruturas viárias. Outros componentes contribuintes ao financiamento são a possibilidade de venda dos direitos adicionais de construção das propriedades, autorizada pelo governo no perímetro do projeto, e a exploração comercial e imobiliária de empreendimentos construídos no entorno das estações (MEDDA E MODELEWSKA, 2011). Em conjunto, as soluções de financiamento oriundas do método de Reajuste de Terras diversificam a composição de receita da Tokyu Corporation (figura 4.12), ampliando sua capacidade de investimento em novas estruturas de mobilidade e desenvolvimento urbano. Em Tóquio, outro exemplo é o entorno da estação Shiodome, objeto de um projeto imobiliário via Reajuste de Terras, abrangendo 11 quadras distribuídas em 21 hectares, convertidos num complexo multiuso combinado à uma linha de metrô (figura 4.13).
116 O modelo japonês de Reajuste de Terras possui diferentes formas de aplicação e financiamento (inclusive dentro de uma mesma região metropolitana, tanto em áreas consolidadas como suburbanas - figuras 4.14 e 4.15), mas que confluem com as diretrizes de planejamento urbano nacional, amparadas na criação de centralidades policêntricas regionais por meio da expansão da rede sobre trilhos (SUZUKI ET AL., 2015). Figura 4.14. Esquema de implantação e financiamento de uma estação e linha sobre trilhos integradas com um empreendimento imobiliário pelo metódo do Reajuste de Terras em áreas urbanas consolidadas. Fonte: elaboração do autor, com base em Suzuki et al. (2015, p.102).
proprietários “fragmentados”
prioridade de passagem da linha de transporte público coletivo área de projeto uso individual da propriedade CA máximo: 2
área de piso com direito de desenvolvimento pelo empreendedor
Figura 4.15. Esquema de implantação e financiamento de uma estação e linha sobre trilhos integradas com um empreendimento imobiliário pelo metódo do Reajuste de Terras em áreas suburbanas. Fonte: elaboração do autor, com base em Suzuki et al. (2015, p.116).
metrô (proposta)
subsídios do governo
alteração do zoneamento
terreno adquirido
1ª etapa
prioridade de passagem da linha de transporte público coletivo reajuste fundiário
2ª etapa
proprietários “consolidados” A,B,C,D e F uso misto CA máximo: 6
novo proprietário X equipamentos públicos
estação nova uso comercial parque público uso residencial
metrô (em operação)
3ª etapa
117 Santoro (2009, p.106), contudo, pondera sobre as dificuldades de implementação do instrumento no contexto fundiário das cidades brasileiras, comumente caracterizado por ocupações informais e densas, nas quais há o “fracionamento das posses, [...] diferentes estágios de regularização jurídica e a diversidade de interesses dos ocupantes”, além de um “histórico na América Latina de resistências, por parte dos empreendedores privados, em se envolverem de forma consorciada com governos para o desenvolvimento de projetos urbanos públicos, com medo dos riscos deste investimento”. A complexidade fundiária e as amarras jurídicas também são apontadas por Montandon (2009, p.95) para a viabilização do instrumento de Reajuste de Terras no Brasil, requerendo possivelmente alterações da normativa urbanística nacional. Parece‐nos que a interferência no direito de propriedade seja necessária para que o princípio de compartilhamento de custos e benefícios seja instituído no Brasil. Tal interferência não se daria exatamente como uma mudança ao que já foi estabelecido na Constituição de 1988, mas na revisão da regulamentação do regime urbanístico da propriedade no âmbito nacional.
118
4.3 Financiamento pelo Incremental de Arrecadação e uma nova linha de metrô em Nova Iorque
119
valor recuperado via FIA valor de base da propriedade criação
tempo
valor final após término de cobrança do FIA
valor avaliado da propriedade
Figura 4.16. Diagrama de funcionamento do FIA. Fonte: elaboração do autor, com base em Campion (2017, p.3).
término
O Financiamento pelo Incremental de Arrecadação (FIA) (Tax Increment Financing - TIF) recupera antecipadamente o aumento futuro dos impostos sobre propriedades beneficiadas pela construção de infraestruturas de suporte urbana. São vigentes por determinado período e atuam em perímetros chamados de Distritos FIA (TIF Districts). Seus objetivos aplicam-se em áreas ociosas ou subaproveitadas (a exemplo de antigos bairros industriais), com características potenciais para a promoção de projetos de desenvolvimento urbano. O governo pode antecipar a arrecadação a partir do anúncio de um projeto por meio de operações de crédito como a emissão de títulos - lastreados na recuperação esperada dos impostos das propriedades atingidas – e ter fôlego fiscal para dar início às obras com os montantes recolhidos (CORTEZ, 2018) (figura 4.16). O incremento no valor das propriedades é a base arrecadatória do TIF [FIA], mas também é reserva de valor dos proprietários. Assim, cria-se uma relação “ganha-ganha”. Um aspecto crucial deste mecanismo é então o de que o valor adicional arrecadado via TIF deve ser reinvestido apenas dentro do perímetro delimitado, estimulando ainda mais o desenvolvimento da área (MALERONKA E HOBBS, p.21, 2017).
Na cidade de Nova Iorque este instrumento vem sendo aplicado na construção de um novo distrito financeiro, o Hudson Yards, amparado na valorização prevista por um projeto requalificação urbana de uma antiga área industrial e pouco adensada na porção oeste da ilha de Manhattan (figura 4.17). O programa, aprovado em 2005, modificou os parâmetros do zoneamento para atrair o setor privado e viabilizou o financiamento de uma nova estação de metrô no local, elemento chave do plano, ao custo de US$ 2,4 bilhões, com a adoção de uma versão FIA num perímetro definido (figura 4.18) (MALERONKA E HOBBS, 2017).
120 Complentam o projeto um centro comercial, junto à espaços públicos, edifícios residenciais e hoteleiros. A prefeitura também prevê desenvolver mais de 13 mil unidades habitacionais, sendo 4.000 de interesse social. A respeito da implantação do FIA no Brasil, Maleronka e Hobbs (2017), mencionam que em uma possível correspondência entre a OUC e o FIA (pela aquisição de recursos para investimentos em infraestrutura num perímetro específico, oriunda de uma valorização futura), o fundamento de cada instrumento não é igual.
Figura 4.17. Vista aérea do projeto Hudson Yards, em Nova Iorque. Disponível em: <https://www.amny.com/manhattan> (Acesso em: 29 jun. 2020).
A valorização capturada pelo CEPAC é antes a valorização decorrente do aumento do potencial construtivo do lote, que aquela decorrente da melhoria geral da região, por conta dos investimentos realizados (MALERONKA E HOBBS, p.22).
Os autores encontram dificuldades de base legal, impedindo que os impostos, como os prediais, tenham vinculação específica e apontam que sua viabilização demandaria modificações no marco normativo nacional. Figura 4.18. Nova linha de metrô e uso do solo no projeto Hudson Yards. Fonte: Fisher e Leite (2018, p.15). predominantemente residencial uso misto predominantemente comercial espaço público cultural linha de metrô
121
Consideraçþes finais
122 A ampla experiência da utilização dos instrumentos de recuperação da valorização fundiária previstos pelo Estatuto da Cidade ao longo da construção do marco regulatório do município de São Paulo, em especial a OUC e a OODC, aponta para um cenário potencial de crescente integração destes mecanismos para financiar a qualificação e expansão das infraestruturas de transporte público coletivo de alta capacidade. Segundo Nigriello e Cortez (2004), o entorno das estações são “territórios de oportunidade”, por poderem representar mutuamente a consolidação destas estratégias. Para Nigriello et al. (2002, p.93), [...] a articulação entre a rede de transporte e a concentração de atividades merece especial atenção porque responde, ao mesmo tempo, aos objetivos do planejamento urbano e do planejamento de transporte.
Neste sentido, os autores mencionam que o PDE de 2002 abriu possibilidades para o financiamento da mobilidade urbana pela incorporação do ferramental de captura da valorização fundiária elencado no Estatuto da Cidade e sugerem sua integração com projetos urbanos num perímetro ao redor das estações. À época, analisaram a viabilidade em obter recursos diretamente à rede de Metrô, estudando cenários ao longo da linha 4-Amarela. As hipóteses levantadas indicavam a utilização da OODC, pela definição de AIUs, e dos CEPACs, pelas OUCs, em áreas de influência aonde seriam vigentes parâmetros urbanísticos de uso e ocupação do solo diferenciados e de incentivo ao adensamento construtivo e populacional. A vinculação de parte dos recursos do FUNDURB à política de mobilidade urbana sustentável ganhou corpo no PDE de 2014 e na sua territorialização nos EETU. Em correlação aos princípios do DOT (incentivos urbanísticos e
123 coeficientes de aproveitamento máximo superiores nas áreas de influência dos eixos), os dados analisados sobre os EETU indicam que estas diretrizes veem sendo atingidas do ponto de vista de uma mudança tipológica do ambiente construído e da otimização do solo urbano, onde o adensamento populacional é estimulado pela maior presença de empreendimentos com mais unidades habitacionais por lote e maior ocorrência da diversidade de usos, em especial pela adoção da fachada ativa, além da expectativa de arrecadação pelos mecanismos de recuperação da valorização do solo parecer seguir numa crescente. A implantação dos corredores de ônibus em Curitiba e Bogotá, sua articulação com equipamentos urbanos e a evolução da regulação urbanística sobre a valorização fundiária ao longo dos anos podem ser parâmetros de avaliação e crítica sobre como viabilizar o desenvolvimento urbano pautado pela mobilidade. Estas experiências trazem dados que permitem confrontar seus objetivos com o desempenho obtido, no intuito de encontrar caminhos para a compacidade urbana acessível a todas as faixas de renda e evitar a segregação espacial decorrente dos possíveis incrementos de valor do solo pela implantação destas infraestruturas de suporte, como observado por alguns autores. Apesar dos avanços do PDE de 2014, dados recentes apresentados nesta pesquisa colocam desafios para que os EETU possam ser implantados em conformidade com outras diretrizes e mecanismos previstos no marco regulatório paulistano. Entre eles, destacamos a aproximação entre mobilidade urbana e HIS em áreas mais valorizadas e com maior presença de oportunidades de emprego e a implantação dos eixos em áreas periféricas e precárias, tanto pelo ponto de vista da atração do mercado
124 imobiliário e da capacidade de investimento na política habitacional pelo poder público quanto dos recursos necessários às intervenções no tecido urbano para a implantação de corredores de transporte de massa e a reorganização fundiária do seu entorno. Para os dois cenários, a capacidade de suporte de cada contexto urbano local e a leitura das preexistências é uma variável importante para a viabilidade dos EETU, na medida em que, como mencionam diversos autores, a integração entre o planejamento do transporte coletivo público e o uso de solo é fundamental para a boa política pública urbana e quebra de paradigmas do planejamento urbano, combinando mobilidade e urbanidade. Quanto ao financiamento, os dados e balanços apresentados demonstram a importância da constância dos investimentos na política de mobilidade urbana sustentável para que os eixos previstos sejam implantados em sua totalidade num intervalo de tempo coerente às demandas urbanas. Também apontam para a necessária qualificação e identificação dos aportes realizados, com maior acesso à informação e precisão de dados, a fim de garantir o controle social sobre os recursos empreendidos e a priorização destes recursos pelo poder público, conforme as diretrizes do PDE. No entanto, as recentes alterações da destinação dos recursos do FUNDURB merecem atenção e monitoramento para que os aportes não priorizem as estruturas viárias voltadas ao automóvel particular como ocorreu, por exemplo, nas primeiras OUCs da capital paulista, conforme mencionado por alguns dos autores consultados. Entre os instrumentos do PDE de 2014 que podem potencializar a implantação dos eixos previstos, destacamos o PIU, pela sua concepção de projeto estruturado em áreas específicas, numa possível aplicabilidade compatível com uma linha,
125 estação ou terminal, em que o melhor mecanismo de financiamento poderia ser previsto e adequado, guardando correlações com o POT e os Planos Parciais do marco regulatório colombiano. Também neste sentido, o financiamento da rede de mobilidade urbana por instrumentos de captura da valorização fundiária dos casos expostos em Hong Kong, Japão e nos Estados Unidos são referenciais de modelos e estratégias de intervenção para adequação e utilização dos instrumentos urbanísticos dispostos no Estatuto da Cidade e pouco ou parcialmente implementados até então nas cidades brasileiras. Dessa forma, o conjunto de dados e estudos de casos nacionais e internacionais apresentados indicam oportunidades para o financiamento das infraestruturas de mobilidade urbana de alta capacidade, a exemplo do EETU do PDE de 2014. Ao mesmo tempo, apontam para a necessidade de seu aperfeiçoamento legal e institucional, integrando políticas públicas setoriais, realizando adequações na sua implantação no território e nos processos de participação social, principalmente quando forem consolidados em territórios de alta complexidade e vulnerabilidade social, como os da metrópole de São Paulo.
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