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Natália Oliveira Teles da Silva
Um caminho para dividir: Elen Cristina Geraldes
por Elen Cristina Geraldes e Natália Oliveira Teles da Silva
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Em quase 20 anos de magistério, orientei mais de 200 pesquisas, entre iniciação científica, conclusão de curso, especialização, mestrado e doutorado. Fui também coorientadora. Estive do “outro lado do balcão”, como orientanda. Embora meu currículo seja extenso, ainda fico ansiosa antes de levar cada trabalho a uma banca, antes de ouvir cada menção final. Perco o sono quando percebo que o estudante não está se encontrando. Exulto com bons resultados e até com resultados não tão bons, mas que representam o coroamento de um processo digno, honesto.
Nas orientações, às vezes somos escolhidas, às vezes escolhemos. Na graduação, cabe ao estudante buscar o professor que vai acompanhá-lo, usando critérios como a experiência e a identificação com a temática da pesquisa. Na vida real, essas escolhas passam frequentemente pelas teias do afeto e da admiração. É muito lisonjeiro receber um convite, mas essa sensação passa rápido, obliterada pela imensa responsabilidade.
Frequentemente, na pós-graduação, quem escolhe seus orientandos é o docente. Aí contam o diálogo estabelecido entre os interesses de pesquisa do estudante e do professor, mas também as afinidades de ritmo de trabalho, visões de mundo, ideologias.
Há 20 anos, repito que o caminho é do orientando. Há 20 anos, percebo que quem tem o mapa é o orien-
tador. Na orientação há aconselhamento, há escuta, há troca. Mas nem sempre isso é o suficiente. Algumas vezes nos tornamos coautores, reescrevendo aqui e ali, prescrevendo uma alteração, compartilhando uma hipótese, errando e acertando conjuntamente. A sabedoria em identificar quando a coautoria acontece e se é necessária vem com o tempo, mas pode ser subjugada pela alquimia das relações.
Sim, relações. Afeto, mas também raiva, frustação, desapontamento, rancor. As orientações precisam com frequência de um divã, não somente para os orientandos. É muito importante ter clareza para identificar as emoções em que estamos imersos e lucidez para interromper certos processos, mas nem sempre é possível. Estar no controle é uma doce fantasia.
Vale a pena? Sofrer, acordar mais cedo, dormir mais tarde, às vezes se desapontar pela resistência, despreparo e descuido de outrem? Mas há tantas alegrias, tão impagáveis, como ver alguém crescer, descobrir, apaixonar-se pela pesquisa. E também há o aprendizado presente em cada trabalho.
Foi orientando que aprendi sobre vários temas comunicacionais, distantes de minha vivência profissional e até da minha formação acadêmica. Foi orientando que firmei minha pauta como pesquisadora. Nas orientações tive interlocutores aguçados, que questionaram minhas certezas. Desconstruí, divergi, rompi: o legado das orientações é de pegar o conhecimento à unha, expô-lo a jovens que não têm nada a perder (não são necessariamente submissos aos cânones) e discutir muito, com paixão. Mudar o outro e deixar-se mudar.
Será que a orientação em Comunicação tem alguma marca, alguma especificidade? Eu acho que sim, mas sou suspeita para falar, já que estou mergulhada nesse universo, sem muitos elementos para comparação. Acho que essas características próprias ocorrem por conta dos estudantes, dos professores e da disciplina.
Em geral, alunos de Comunicação têm familiaridade com o ato de escrever. Nem todos, talvez apenas a minoria escreva bem, mas os estudantes de comunicação são afeitos a tamanhos e prazo. Três páginas de metodologia para quarta, ok? Esse pragmatismo impele a conclusão das monografias, das dissertações, das teses que em geral não são abandonadas pelo caminho.
No entanto, se estão acostumados à escrita, esses estudantes em geral estão pouco familiarizados à teoria. Alguns se surpreendem e a abraçam com avidez. A maioria, porém, vai tentar adequar a teoria a um objeto, a um tema, a uma ideia. De fato, na formação do profissional de comunicação, há uma submissão da teoria e da metodologia aos ditames das técnicas. Nas pesquisas, é necessário romper com essa hierarquia.
Por fim, percebo que uma diferença do orientando de comunicação é a forma como se revela e desvela na defesa de seus trabalhos. Desde a graduação, há um cuidado que se manifesta da roupa especial para a banca até a qualidade das apresentações. Meus olhos brilham com argumentos e conceitos aflorando no power point, com tanta firmeza e convicção emergindo até de estudantes muito tímidos.
Vejo especificidades também nos orientadores de Comunicação. Somos de uma categoria profissional que
trabalha em equipe, construindo produtos e processos coletivamente, apesar de toda concorrência e competição. Dessa forma, vejo em mim e em muitos colegas uma tendência de vestir a camisa dos orientandos. E, como os estudantes que orientamos, também aprendemos na raça a pesquisar, e às vezes nos sentindo iniciantes neste universo das teorias, dos métodos. Muitas vezes, a Ciência se assemelha para nós a um belo sapato de festa, raro e caro, mas pouco confortável.
Orientar em Comunicação é fazer ciência onde há falta e excesso de referências, um local em que o conhecimento parece sempre ser uma ruptura, uma transgressão, e não uma continuidade. Dessa constatação, apresento aos meus orientandos o desafio e a motivação para que leiam os seus pares, as pesquisas produzidas na mesma faculdade e no mesmo curso. É necessário construir os alicerces no esforço coletivo de ler e citar os colegas.
Também identifico uma assimetria entre os esforços teóricos e metodológicos. Aparentemente, as teorias já adentraram mais os nossos estudos, mas falta consciência metodológica. Nem sempre percebemos nossas opções de pesquisa, nem sempre elucidamos os caminhos percorridos. Tento estimular os estudantes a narrarem, de forma calma, generosa e honesta o seu percurso, que é constituído pelas demandas do próprio objeto, pelas necessidades e expectativas do campo científico e pelos limites e possibilidades do pesquisador.
O que mais me importa em um processo de orientação? A ideia de que o pesquisador está se formando e se informando. A pesquisa não o define, é apenas uma etapa de um processo contínuo, cumulativo, do qual pode
emergir um futuro orientador e orientadora. Ele está cercado por demandas de prazo, de resultado, muitas vezes pesquisando nos intervalos do trabalho, nos cacos do dia. O processo não é ideal porque não há processo ideal.
Olho com alegria o percurso de orientações concluídas e com expectativa o que ainda está por vir. Nem sempre o percurso é suave. Nem sempre vamos de mãos dadas. Estamos todos aprendendo.