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DUCK, YOU SUCKER! A ÉTICA E A MORAL NO UNIVERSO DE “QUANDO EXPLODE A VINGANÇA”.
Paulo Vitor Luz Corrêa *
RESUMO Este artigo propõe a análise da ética e moral dentro do mundo dos filmes de Sergio Leone, principal diretor italiano do western spaghetti. A obra analisada é “Quando explode a vingança”, de 1971. Foram separadas algumas partes do longa-metragem e fez-se um estudo da sociedade atual por meio de sua evolução ao longo da história, valores e grupos sociais inseridos ou não na mesma. Palavras-chave: Ética; Moral; Western; Sociedade.
___________________________ * Estudante do 3° ciclo do curso de Cinema e Audiovisual da faculdade UNIMONTE – Centro Universitário Monte Serrat, em Santos-SP. pauloluzcorrea@gmail.com
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METODOLOGIA DE PESQUISA
A elaboração deste artigo foi composta por duas fases de pesquisa: a primeira que consistiu em assistir os filmes de Sérgio Leone e escolher um destes para abordar a Ética e a Moral, e a fim de melhor aproveitamento do tema proposto e originalidade, escolheu-se “Quando explode a Vingança”. Em seguida, separou-se trechos relevantes do filme que fossem interessantes para o desenvolvimento do tema.
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INTRODUÇÃO
Sérgio Leone (03/01/1929 – 30/04/1989) foi um diretor de cinema italiano famoso por seus filmes westerns spaghetti nas décadas de 60 e 70. Começou trabalhando como assistente no período do neorrealismo italiano tendo sua primeira experiência como diretor em “O Colosso de Rodes” (1961). Entretanto, foi em 1964 que lança aquele que seria o primeiro de seus filmes a ganhar destaque mundial: “Por um punhado de dólares”. O longa estrelado por Clint Eastwood reviveu o gênero, desgastado perante um semblante americano de bandidos, mocinhos e John Wayne para o anti-herói como protagonista, diferenças sociais em xeque e a violência explícita no universo faroeste. As películas de Leone foram alvos de duras críticas quando lançadas, principalmente “Quando explode a vingança”, analisado neste artigo. Atreladas dimensões políticas explicitas junto a estética dos Spaghetti, - caracterizado por Leone com seus close-ups e a falta de diálogo - a denúncia da disparidade social, a obra não foi aceita pelo público e levou a United Artists (estúdio americano de cinema, detentor dos direitos do filme) a cortar boa parte do mesmo, prejudicando o produto final. Em meio ao ambiente diegético que cerca “Quando explode...”, conceitos morais e éticos estão inseridos na presente obra, como a relação da Elite com o povo, governos totalitaristas e a rebelião deste povo com o propósito de condições melhores de vida. Destacou-se alguns desses momentos, desenvolvendo uma análise da ética e da moral na sociedade.
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A ÉTICA, MORAL E O WESTERN. Ramos (2012) diz que a “Ética” vem do grego “Ethos”, que significa “morada” ou “residência”, e posteriormente “costumes” e “hábitos”. Nasce a partir das convicções do sujeito e tem fins voltados para a coletividade. Alguns de seus conceitos são a necessidade de se importar com o outro tal qual consigo mesmo, fugir do senso comum e buscar a felicidade. A Ética é como “Ciência que trata de hábitos que procedem da interioridade do sujeito, tentando aperfeiçoar a natureza humana.” (RAMOS, 2012). O Autor continua ao explicar a confusão entre ética e moral. Oriunda do latim “mos”, a moral também significa “costumes”, e define um conjunto de regras estabelecidas por um grupo dominante dentro do funcionamento de uma sociedade, que no caso, seria a Elite. Como gênero, o Western surge nas telas de projeção como obra ficcional e cultural, de incorporar ou rejeitar elementos míticos preexistentes e de definir eventuais incorporações. Se agarrou aos elementos criados pela sociedade norte-americana até então representativos dos valores puritanos dos primeiros colonizadores. Quando David W. Grifflth e Thomas H. Ince começaram a trabalhar com Westerns – em 1910 - o gênero já sofria críticas por apenas repetir clichês, como a imagem do índio como ser selvagem e irracional, a luta entre o bem e o mal personificados no mocinho e no vilão, a poeira e a Igreja. Os desenvolvimentos históricos de uma sociedade acabam por transformar determinados valores, antes positivos, em ultrapassados e inadequados. O enfraquecimento de uma visão aparentemente positivista revitaliza o estilo, segundo Mascarello: Tanto as comunidades da fronteira, como os elementos e personagens que simbolizam e sustentam valores moralistas vão sendo representados de forma cada vez mais complexa, ambígua e pouco positiva. Nesse sentido, a transformação dos EUA em um país eminentemente urbano e industrial torna cada vez mais esmaecida a imagem de uma nação sem limites físicos, substituída pela sensação de opressão da exploração capitalista do indivíduo e pela necessidade da competição acirrada entre vizinhos. (MASCARELLO, 2010, p. 171)
Assim, o aparecimento do mito do progresso nas sociedades modernas provocou grandes mudanças nas esferas sociais. O novo passou a ser sinônimo de melhor, e o amanhã será sempre melhor do que hoje. A ordem social passa a ser legitimada pelo avanço técnico. O mesmo se aplica ao cinema e aos filmes, principalmente os westerns.
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“QUANDO EXPLODE A VINGANÇA”
A história foca em Juan Miranda (Rob Steiger), camponês que sobrevive assaltando diligências, e John Mallory (James Coburn), um terrorista do IRA (Exército Republicano Irlandês) que vaga pelo México. Com ideais diferentes, ambos adentram no movimento para a revolução que acontece no país. Diferentemente de outros filmes de Sérgio Leone, a exemplo “Três Homens em conflito” (1966) e “Era uma vez no Oeste” (1968), “Quando explode a vingança” tem conteúdo político explícito, a começar pela frase de Mao Tsé Tung: “A revolução não é um jantar social, um acontecimento literário, um desenho ou um bordado. Não pode ser feita com elegância e delicadeza. A revolução é um ato de violência”. A citação faz uma menção a ruptura da política com a moral na sociedade moderna, representado imageticamente pelo faroeste. Sung (2002, p.72) analisa que, enquanto os princípios morais-religiosos determinavam o comportamento do indivíduo na sociedade em aspecto econômico, político e artístico, a modernidade trouxe o processo de racionalização baseados nos cálculos matemáticos e métodos científicos. A frase de Tung, líder da revolução e independência ocorrida na China entre os anos 30 e 40, mostra uma prévia do contexto da obra e seus dilemas apresentados. Quando Juan entra na diligência e se depara com aristocratas, burgueses e até mesmo um Padre, é humilhado e hostilizado com risos e difamações enquanto a nata se alimenta. Na cena citada, percebe-se as personificações da Elite, pelos aristocratas, e da sociedade, na imagem de Juan. A primeira, detentora do conhecimento, da riqueza e da imposição da moral na sociedade vigente. É autoritária e totalmente contrária a obtenção de direitos rente ao povo. O segundo, o pobre, analfabeto e parte de uma massa que sofre por estar sempre controlada. Em dado momento, um dos burgueses comenta que “camponeses são como animais, mas assim como animais, domesticáveis”. A Elite impõe valores morais que serão aceitos pela sociedade, que podem não ser seguidos por esta mesma Elite. Quando todos aceitam os costumes e morais impostos, simplesmente não se discute sobre, mas do contrário, surge a necessidade de fundamentar o pensamento. As comunidades humanas sempre criaram sistemas de valores e normas para garantir a sobrevivência social, e a ética se estende a uma reflexão que analisa fundamentos de um determinado sistema moral.
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A mulher presente na diligência comenta que os pobres vivem na promiscuidade, e após apagar as luzes para dormir, todos “amontoados como ratos no esgoto” dão vazão a seus pecados. O Padre faz coro a seu depoimento. Esta visão é uma aplicação da ética medieval, onde a moral tem valor maior que a Ética devido aos dogmas instalados pela Igreja no período. Segundo Ramos (2012) mesmo a renúncia ao prazer e valorização do martírio, celibato e jejum, credita ao povo uma situação de transcendência, de abdicar da vida física para garantir o lugar no paraíso. Conceitos, claro, estabelecidos pela Igreja para que não se rebelem da sua condição de pobreza extrema. “Aceitar as contradições sociais e econômicas, [...] esperando receber a recompensa no além, quando finalmente a contemplação do paraíso permitiria atingir a felicidade plena, individual e coletiva, participando e retornando ao espírito divino”. (RAMOS, 2012).
Figura 1: Diligência. Elite dominadora.
Os mesmos fazem uma constatação de que dispor direitos ao povo – no caso a reforma agrária - é uma amostra de “dar o governo e a nossa terra a esses idiotas”, uma prova do sistema capitalista que define o poder para os donos de terra. O trabalhador é praticamente escravizado diante de uma carga horária extensa para que sua mais-valia seja satisfatória para aqueles que o pagam. Também presente no filme está o totalitarismo, regime no qual o governante tem poder absoluto. O presidente do México, General Huerta (Franco Graziosi), aparece em um cartaz com os dizeres: “El Sr. Gobernador ama al pueblo. El pueblo ama al Sr. Gobernador.”
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Olhando para o político estão camponeses, de costas. O enredo é baseado na Revolução mexicana de 1913. O governo de Huerta no filme é marcado pelo sofrimento do povo e da figura do exército totalmente repressora, executando e combatendo quem se rebela ao Estado. Uma resistência, liderada por Pancho Villa e Zapata, se mantém firme contra o tirano, sustentado pelas forças armadas. A sobrevivência do indivíduo depende da sobrevivência do próprio grupo social. Por mais que o totalitarismo de Huerta não se sustente, há uma estrutura existente e portanto, a necessidade de uma moral, a partir do momento em que a convivência social é utópica sem coletividade. Na obra esta condição está presente nas duas instituições presentes e opostas entre si: o exército e a resistência, com suas divisões de tarefas, líderes e regras impostas.
Figura 2: Totalitarismo de Huerta.
Em relação aos protagonistas, ambos se desenvolvem de uma maneira semelhante em “Três Homens em conflito”. Se detestam inicialmente devido ao choque de universos diferentes, mas igualmente não aceitos pela sociedade: um ladrão analfabeto e um terrorista especializado em dinamites. Passam por situações de gato e rato até entrarem na mesma jornada, ainda que de forma acidental: a revolução que move o país. Os personagens de Rob Steigner e James Coburn apresentam uma linha de pensamento própria. A moralidade de Juan é voltada a um pequeno grupo no qual faz parte – sua família – e vive em busca da permanência desta estrutura, mesmo que precise cometer crimes não aceitos pela comunidade mexicana. A criação dos filhos como pistoleiros, igualmente pobres
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e ladrões, evidencia os valores de um grupo social segmentado e isolado da Sociedade por não se encaixar em seus requisitos. John se preocupa com a coletividade e volta seus ideais para a reforma dos conceitos sociais, como um governo justo e o povo com direitos e condições de vida aceitáveis, mesmo que pra isso também precise quebrar códigos de conduta morais e éticos, como assassinar pessoas. Interessante notar a simbologia que cerca os personagens. Enquanto que um (Juan) é a representação do povo, o outro (John) é a do conhecimento e do material para libertar este povo. Como dito por Juan a John, “você cava o buraco e eu entro”. Assim, Se Juan analisava com bons olhos a presença de John para assaltar o banco de Mesa Verde, é porque ele, como massa, tinha noção de que nunca teria oportunidade de o faze-lo em outras condições.
Figura 3: Juan e John. Pensamentos diferentes.
A falta de patriotismo de Juan Miranda evidencia a insatisfação do povo perante as condições sociais, econômicas e políticas do país. Ao ser questionado sobre a revolução, Juan foi incisivo: “Eu sei do que eu estou falando quando eu falo sobre revoluções. As pessoas que leem os livros vão ás pessoas que não conseguem ler os livros, gente pobre, e dizem: ‘Temos que fazer uma mudança!’; Então as pessoas pobres fazem as mudanças. Então, o povo que lê os livros, todos sentados em volta de suas grandes mesas polidas, falam e falam e falam e comem e comem e comem. Mas o que aconteceu com as pessoas pobres? Elas estão mortas! Esta é a sua revolução. Então por favor, não me fale sobre revoluções. O que acontece depois? A mesma merda começa tudo de novo outra vez!” (QUANDO EXPLODE A VINGANÇA, 1971).
Partindo da linha de pensamento acima, se o povo não se rebela porque sabe que vai sofrer, sofre do mesmo jeito sem fazer nada. “O sentido que damos a nossa existência e o modo como solucionamos os problemas que surgem na relação com outras pessoas e com a natureza é de nossa responsabilidade.” (SUNG, 2002, p. 15-16). Uma sociedade instável só assim o é devido à instabilidade daqueles que a formam.
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Pensar que o futuro está nas mãos de cada ser traz insegurança, preferindo acreditar na existência do destino ou de uma entidade superior que pré-define a vida. A humanidade deve conquistar o seu ser, afinal ele não nasce pronto. Seu grande desafio é buscar um espaço de felicidade e liberdade em vida, levar seus conceitos éticos de forma que saiam de si mesmo e que exprimam na coletividade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do momento em que o público cujo cotidiano é marcado por horários e disciplinas cujos horizontes são interrompidos por edifícios e fábricas remodelou o gênero western. Seu papel mediador fica mais complexo e contraditório com seu código de honra cada vez mais distante das regras de uma civilização isolada e egoísta. A figura de semideus do cowboy isolado e heroico nos filmes pós guerra até a década de 70 não existe mais, dando lugar á personagens mais cínicos, humanos, psicologicamente mais complexos e próximos do cidadão comum. (MASCARRELO, 2010, p.171-174). O mundo humano em sua totalidade dos produtos de sua atividade é construído pela moral e ética. Instrumentos para produzir sua sobrevivência na relação com a natureza, linguagem para comunicar-se e guardar sua memória, leis e normas vigentes em sociedade para regular a convivência são aspectos culturais criados e estabelecidos pela humanidade ao longo de seu desenvolvimento. O mesmo se aplica aos filmes. Representação da realidade, incorporam sentidos e elementos míticos da sociedade. Personagens se deparam com dilemas morais do enredo a todo tempo, e buscam uma forma de solucioná-los e/ou viver com eles. Na estética de Leone, isso não é diferente, com a diferença de que em “Quando explode...”, tudo é explícito. Afinal, a revolução é um ato de violência.
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REFERÊNCIAS
CARREIRO, Rodrigo. Era uma vez... a revolução: a trajetória de Sergio Leone nas páginas das Cahiers du Cinéma. Revista Brasileira de estudos de cinema e audiovisual, Pernambuco, v.1, n.1. Disponível em: <http://www.socine.org.br/rebeca/pdf/rebeca_1_10.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2013. __________________. Quando explode a vingança. Pernambuco: Cine Reporter, 2005. Resenha sobre o filme “Quando explode a vingança”. Disponível em: <http://www.cinereporter.com.br/criticas/quando-explode-a-vinganca/>. Acesso em: 08 jun. 2013. QUANDO EXPLODE a vingança. Direção: Sérgio Leone. Produção: Claudio Mancini, Fulvio Morsella e Ugo Tocci. Itália: MGM, 1971, 1 DVD. MASCARELLO, Fernando. História do cinema mundial. 6 ed. Campinas: Papirus Editora, 2010. 432p. MONTEIRO, Bruna. Pouco reconhecido, Sergio Leone inspira produções atuais. Pernambuco: UFPE.br, 2011. Reportagem sobre Sergio Leone e western spaghetti. Disponível em: < http://www.ufpe.br/agencia/index.php?%20option=com_content&view=article&id=39499:po uco-reconhecido-cineasta-sergioleone-inspira-producoes-atuais&catid=228:cinema>. Acesso em: 06 jun. 2013. RAMOS, Fábio Pestana. O Conceito de ética. Santo André: Para entender a história, 2012. Texto que aborda o conceito de ética, diferença da moral, ética normativa e felicidade ética. Disponível em: <http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2012/03/o-conceito-de-etica.html>. Acesso em: 08 jun. 2013. ____________________. Evolução conceitual da ética. Santo André: Blogspot, 2012. Texto sobre a evolução conceitual da ética. Disponível em: <http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2012/03/evolucao-conceitual-da-etica.html >. Acesso em: 08 jun. 2013. SUNG, Jung Mo; SILVA, Josué Cândido da. Conversando sobre ética e sociedade. 11 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1995, 117 p.