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MESA
mesa Imagens Contemporâneas
Os vazios da imagem e a arte Silvana Leal
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A imagem vem para preencher nossos vazios? A imagem vem para reafirmar nossa existência. O Homem, desde sua origem, prescindiu da imagem para confirmar seu estar no mundo. Da imagem, os Homens extraíram à magia; pela imagem o Humano margeia a magia. Em cada imagem um germe dentro de nós germina. Da superfície visível aos invisíveis da imagem – os interstícios, as fendas por onde ela transpassa.
As imagens como traços são escritas por olhos que nos olham, diria Huberman: “o que vemos só vale – só vive – em nossos olhos pelo que nos olha. Inelutável, porém é a cisão que separa dentro de nós o que vemos daquilo que nos olha. Seria preciso assim partir de novo desse paradoxo em que o ato de ver só se manifesta ao abrir-se em dois. Inelutável paradoxo.” Partindo deste ponto poderíamos então nos perguntar: O que olha a imagem de nossos dias atuais? Como a arte se comporta na atualidade? Com que olhos, olha, ela, a imagem?
A arte contemporânea desfaz fronteiras, abre espaços e sugere novas linguagens informacionais. Ela não se quer verdade, ela retorna ao simbólico resignificando o símbolo. As imagens contemporâneas buscam produzir no espectador “reações” através de dispositivos conceituais e sensoriais que visam superar os suportes da própria arte e as fronteiras do Belo. Segundo Guattari: “É evidente que a arte não detém o monopólio da criação, mas ela leva ao ponto extremo uma capacidade de invenção de coordenadas mutantes, de engendramento de qualidades de serem inéditas, jamais vistas, jamais pensadas. O limiar decisivo de constituição desse novo paradigma estético reside na aptidão desses processos de criação para se auto-afirmar como fonte existencial, como máquina autopoética.” A imagem fotográfica
A fotografia enquanto linguagem na arte vem sofrendo mutações desde sua origem e percorreu um longo caminho durante todo o século XX até atingir, sem mais dúvidas, seu status como arte. Hoje podemos dizer segundo Dubois, que: “A arte contemporânea como marcada em seus fundamentos pela fotografia”. Em sua multiplicidade a fotografia nos aponta quanto aos seus aspectos para caminhos diversos, desde os técnicos até os aspectos filosóficos. E é exatamente estes aos quais, eu como artista visual me ocupo, a fotografia como práxis ou como forma existencial de pensar este nosso estar no mundo. Seus aspectos culturais, sociológicos, antropológicos, psicológicos e ou epistemológicos. Seu caráter como matéria sensível, como arte. Faço isso me utilizando tanto do real quanto do imaginário, no entanto neste segundo caso a operação se dá por meio da criação de mundos ficcionais, em uma experiência que busca libertar a fotografia do real enquanto documento, colocando-a em uma dimensão imaginária. Aplicada ao que denomino como onirografia - grafia dos sonhos que se utiliza de uma política do imaginário para instaurar no espectador uma reflexão a despeito do desejo e suas variações. A fotografia como construção pura de uma imagem icônica e não como um documento da realidade, na qual apresento o fazer fotográfico no território onírico. Tanto numa quanto em outra a intenção é revelar a qualidade emocional dos corpos. O que busco vem apontar para uma geografia do espaço humano e sua política interna. Desta diversidade de caminhos no território fotográfico penso que cada fazedor de imagem pode trilhar o vir-a-ser da imagem através do ato fotográfico que lhe seja próprio. Que expresse este seu estar no mundo de maneira original e comprometida, já que este estado de obturação da imagem vivido pelo fotógrafo se aproxima ontologicamente do seu existir. A imagem se construindo a partir do gesto do fotógrafo, este “buscador” de imagem. O que busca o fotógrafo em seu vir-a-ser resulta em uma imagem que em si revela não somente valores estéticos, mas substancialmente valores éticos e morais. Para tanto, a fotografia passa a ser semente dispersora desta multiplicidade e em seu duplo, tanto revela a realidade como, transfigura-a. Partindo da realidade ela mostra outras realidades. Outros devires. A transgressão da imagem a gerar uma riqueza infinita de possíveis. Devires que podem gerar existências polissêmicas, já que à fotografia por sua natureza intrínseca assim o é. Com efeito, podemos dizer que qualquer imagem seja ela fotográfica ou não em qualquer Tempo sofre a ação de prazer, quanto a isso explicita tão bem Jacques Aumont “... o prazer da imagem é sempre, em última instância, o prazer de ter acrescentado um objeto aos objetos do mundo.” Prazer este que parte tanto do criador, quanto do receptor da
imagem. E poderíamos arriscar que uma das características da imagem contemporânea é que ela se volta para o espectador como fazedor e não apenas como mero receptor. O espaço de quem olha a imagem torna-se fruto da ação do artista; uma maneira de recuperar o espectador. O artista espécie de provocador utiliza-se de linguagens variadas para incitar, mover o espectador em torno da imagem. Doravante, mais do que reproduzir imagens infinitamente estamos na era da multiplicação de linguagens; não só estamos produzindo imagens como estamos criando novas formas de criar imagens. Hoje é sabido o quanto as imagens são mediadoras entre culturas, povos, sociedades, indivíduos, no entanto é importante relembrar que como mediadoras as imagens podem ir além das virtualidades, podem ser imagens que sobrevivam pelo vínculo. Imagens que recriem infinitamente o imaginário. Concebendo para tanto, o olhar como suporte simbólico, instância expressiva da alma. Seja a imagem, real ou imaginária, arte ou documento deve ela estar por excelência comprometida com seu Tempo. Os excessos da imagem e a consciência crítica
A imagem contemporânea feita de excessos e de excessos o mundo nos olha e se atravessa. Neste mundo repleto de formas visuais é fundamental repensar esta avalanche de imagens. Repensar as relações entre sujeito-objeto-imagem de maneira dialética. Conjugar a complexidade do mundo que margeia a imagem. Refletir sobre a criação de imagens no seio de nossas culturas. Refletir a respeito das potências das imagens e de suas responsabilidades enquanto fazedoras de sentidos. Que a imagem ultrapasse as virtualidades e sobrevivam pelo vínculo. De imagens que recriem o imaginário. Exercer efeitos imagéticos que venham a incitar paradoxos. Gerar reflexões sobre o que se vê em seu “dentro”. Toda imagem em sua corporalidade objetual nos coloca frente a frente com nossas contradições, ou seja, a fotografia não é apenas um objeto dentre os objetos do mundo, outrossim um “objeto” construtor de sentidos. É preciso não abandonar a consciência crítica em detrimento do sedutor mundo das imagens espetaculares. Da frágil e quebradiça imagem publicitária, televisiva, da imagem abusiva, como simples mercadoria, consumo. Da imagem como fuga, domínio, como poder. Do mundo das imagens da aparência enganadora. Ou como coloca tão bem Guattari em seu inquisidor livro Caosmose: “Como podemos ainda falar de universos de valor com esse esfacelamento da individuação do sujeito e essa multiplicação das interfaces maquínicas?” Que sistema é esse que destrói valores do bem comum em função de interesses tão particulares, capazes de arruinar toda uma sociedade? Reatualizar os rituais da imagem? Dar novos ritmos? Assumir os vazios da alma? O que quer o espírito de nosso Tempo? Apenas informações e mais informações incessantemente? A qualquer preço, a qualquer custo? É preciso transgredir as ameaças do excesso. É preciso olhar como estas imagens nos olham. O que elas querem nos dizer em seu olhar? Seria preciso uma reestruturação do epifenômeno da fotografia? Que vínculo estaríamos produzindo ao fazer imagens?
O futuro da imagem
Captar os traços transitórios de nosso Tempo e realizar o mapeamento imagético eis alguns de nossos desafios como fazedores de imagens. O vir-a-ser contemporâneo oscila entre o mundo da finitude com todas as suas coordenadas objetivas e o mundo de universos infinitos, na qual o sujeito estaria entregue para além dos limites, estaria aberto as suas próprias diferenças e também as suas qualidades heterogenéticas. O novo paradigma estético surgiria nesta ambivalência entre a complexidade e o caos, caberia, portanto, ao artista comprometido enfrentar este desafio. “Trata-se aqui de um infinito de entidades virtuais infinitamente ricos de possível, infinitamente enriquecível a partir de processos criadores”. Podemos, portanto, através dos processos criadores das imagens sensíveis, contaminar o mundo.
Segundo Vilém Flusser: “Urge uma filosofia da fotografia para que a práxis fotográfica seja conscientizada. A conscientização de tal práxis é necessária porque, sem ela, jamais captaremos as aberturas para a liberdade na vida do funcionário dos aparelhos, diz ainda: ...a filosofia da fotografia é necessária porque é reflexão sobre possibilidades de se viver livremente num mundo programado por aparelhos. Reflexão sobre o significado que o homem pode dar à vida, onde tudo é acaso estúpido, rumo a morte absurda. Apontar caminho para a liberdade, a única revolução ainda possível.” É necessário que o fazedor de imagem esteja consciente do seu processo enquanto produtor de consciências e que este não deixe que aparelhos reprimam ou manipulem a consciência histórica em detrimento da liberdade. Faz-se necessário ainda uma transformação de valores que primem fundamentalmente por uma ecologia humana global que vise “emancipar a sociedade do absurdo.”
Fotografia, outras artes e educação do olhar Rosana Paulino
Ao ser convidada a escrever um texto para o Festival de Fotografia Floripa Na Foto, decidi falar de meu trabalho por uma via transversal, abordando um tema que há muito vem chamando minha atenção: a necessidade de uma educação do olhar, a mais ampla e livre possível, que irá possibilitar no futuro a construção de uma poética pessoal na área de Artes Visuais.
Esta escolha se deu em resposta as experiências e fatos presenciados como professora de diferentes modalidades ligadas às Artes Visuais, variando desde cursos básicos de desenho à orientação de projetos de jovens aspirantes a este circuito cultural. Tal vivência me levou a perceber dois aspectos cruciais ligados ao emergir das novas tecnologias digitais, os quais têm impactado sobremaneira a formação destes futuros profissionais. O primeiro aspecto observado diz respeito a um dos mitos propiciados pelo surgimento e constante aperfeiçoamento das novas tecnologias digitais. O aspecto está relacionado à falsa ideia de que os avanços na área descortinariam um mundo novo onde “todos poderiam ser artistas”, bastando apenas saber escolher o instrumento adequado para tal. Esta premissa, embalada pela avidez contemporânea em substituir materiais “obsoletos” (muitas vezes máquinas cujos softwares apresentam vida média de aproximadamente dois anos), faz com que a ferramenta ganhe mais importância do que a ideia por trás da obra. Confia-se, neste caso, que o aparelho irá talvez trabalhar por si só, ou que seus recursos inclusos serão capazes de “corrigir” alguns problemas advindos da falta de preparo de quem fotografa ou executa outras formas de arte com apoio na tecnologia digital, como o vídeo, por exemplo. Hoje em dia, tanto a fotografia digital quanto o vídeo são formas de expressão e, como tal, são maciçamente utilizados por um público cada vez mais amplo. Entretanto, exprimir-se simplesmente, sem o necessário aprofundamento, tanto intelectual quanto técnico, não confere a ninguém o status de criador/artista, transformando automaticamente em arte o que não é. Não podemos negar, entretanto, que existem boas notícias ligadas às novas tecnologias, e elas não são poucas. Uma delas, talvez a mais importante, é que, em alguns casos especiais, ou seja, naqueles em que o “operador” da mídia possui algumas competências já desenvolvidas no âmbito das artes visuais, o instrumental pode de fato ajudar na resolução do trabalho. A má notícia é que, sem competências minimamente desenvolvidas, ninguém consegue realizar algo que tenha valor como obra de arte, mesmo utilizando-se dos mais avançados equipamentos.
Esta constatação, como dito anteriormente, vem diretamente da vivência em sala de aula e das observações sobre algumas posturas comuns aos alunos, o que nos leva ao segundo ponto que gostaria de enfocar neste texto. É comum notarmos entre estudantes e iniciantes de diferentes categorias ligadas à área visual a tentativa de evitar o contato com algumas formas de expressão que consideram “desatualizadas”, principalmente às ligadas ao desenho em suas diversas formas. Esquivam-se, também, da apreciação de obras de arte em técnicas variadas, limitando-se apenas a seu principal campo de interesse, o qual, muitas vezes, reduz-se a uma ou duas modalidades artísticas, quase sempre relacionadas a elementos digitais, área, sem dúvida, de domínio das gerações mais jovens. Estes embates levaram-me a refletir sobre o fato de diferentes mídias comporem a construção de minha poética. Penso em como o desenho e a gravura influenciaram minha visão da fotografia. Em relação às novas tecnologias, confesso que fui, e muito, favorecida pelo aparecimento das máquinas digitais. Ao ser educada primeiramente em modos de construção da imagem nos quais podemos ver, passo a passo, o surgimento do produto final, como é o caso das técnicas citadas acima, confesso que não me sentia à vontade com a fotografia analógica, onde estas etapas não são perceptíveis. Fotografar, apenas imaginando um possível resultado final dificultava, e muito, meu trabalho. A que vem toda esta discussão, portanto? Ao fato de que, tendo uma formação artística que me expôs ao contato primeiramente com outras formas de arte, meu modo de construir um trabalho visual passa, primeiramente, não pela fotografia, mas pelo desenho, que pratico desde criança. Alcançou, depois, a gravura, a escultura, a costura para, finalmente, chegar à fotografia. Este caminho proporcionou uma reverberação nas criações fotográficas e fez com que minhas investigações viessem frequentemente atreladas a outros modos de pensar a imagem. O resultado disso foi a composição de trabalhos híbridos que, no meu caso, ajudaram a ampliar meus conceitos sobre o fazer artístico. Este roteiro permitiu-me ver e, sobretudo, entender, a importância das diferentes formas artísticas. A resistência de alguns jovens em relação a este tipo de aprendizado aponta para um possível empobrecimento de suas futuras produções, as quais poderão ser circunscritas a um universo conceitual e material menos complexo do que se esperaria diante da multiplicidade de meios à disposição dos/as artistas contemporâneos/as. O hibridismo na produção dos trabalhos que muitas vezes misturam técnicas tão diversas como fotografia e costura, como é o meu caso, seria reduzido a uma única possibilidade de se pensar e construir o registro visual.
Confesso que só recentemente me aventurei no campo da “fotografia pura”, se é que esta seja a expressão adequada. Estou aproveitando as vantagens da câmera digital que me permite ver o registro, clicar e já ter um resultado muito próximo daquilo que será o resultado final (não esquecendo que o registro poderá ser depois manipulado). Cria-se assim uma aproximação deste modo de pensar e construir imagens ao das técnicas anteriormente citadas. Entretanto, sem o desenvolvimento de competências relativas à elaboração visual, mesmo que em outras áreas, o advento da tecnologia
digital nada teria a acrescentar ao meu trabalho.
Isto fica bastante claro ao percebemos que as obras construídas com o uso das máquinas digitais são claramente devedoras de outros trabalhos que se colocam como híbridos e que conjugam diferentes áreas de produção da obra de arte. Isto se torna muito evidente numa série de fotografias intitulada “A Linha da Vida”, que tem ligação direta com trabalhos anteriormente desenvolvidos.
Lurdes, Sandra e Lia. Imagem da série A Linha da Vida. Fotografia digital sobre papel, 40,3 x 30,5cm, 2011. Sem dúvida, ao escolher a palavra “linha” como elemento constituinte do trabalho, não somente criei um vínculo simbólico entre estas imagens e outras anteriormente concebidas que tratam de relações interfamiliares, unindo mulheres de diferentes gerações de uma mesma família, como também conectei o trabalho a outros já realizados, onde a linha, mais do que constituir parte alegórica do trabalho, lhe é essencial. Os exemplos abaixo mostram isto de modo bastante claro:
Parede da memória. Tecido, microfibra, xerox, linha de algodão e aquarela 8,0 x 8,0 x 3,0 cm cada elemento - 1994 Detalhe da instalação As Amas. Fotografia digital, parafina, fitas de cetim e rosas brancas. Instalação: Dimensão variável. Peça em destaque: 18,5 cm de diâmetro. 2009.
O que tantos alinhavos tentam dizer é: uma ampla e diversificada educação do olhar, seja em qual meio for, ainda é — e será cada vez mais — necessária à construção de qualquer poética séria, independentemente do meio eleito pelo/a artista. Meios tecnológicos, sejam quais forem, não serão capazes de fundamentar a construção caso esta educação não exista. Os/as jovens aspirantes a artistas na área de artes visuais, multimídia, fotografia etc., terão de ser educados, neste sentido, aprendendo que não devemos desprezar meios à primeira vista “desatualizados”. Afinal, em arte, os caminhos não se sobrepõem, mas sim se entrecruzam o tempo todo. Uma máquina do tipo pinhole, feita manualmente, pode ser mais eficaz na construção de uma obra do que uma digital de última geração. A escolha do equipamento dependerá do que se busca discutir com o trabalho. E se a imagem pinhole pedir, por que não associá-la à gravura, a objetos ou à costura, por exemplo? Muitos dos mais instigantes trabalhos contemporâneas que têm a fotografia em sua constituição, e isto já ocorre há um bom tempo, se utilizaram do hibridismo em sua construção. Num texto antológico, datado de 1994, o crítico, professor e diretor do Museu de Arte Contemporânea, Tadeu Chiarelli, já nos chamava a atenção para o fato de que:
“O propósito deste texto (A Fotografia Contaminada) é dar aspectos de uma outra fotografia contaminada pelo olhar, pelo corpo, pela existência de seus autores e concebida como ponto de intersecção entre as mais diversas modalidades artísticas, como o teatro, a literatura, a poesia e a própria fotografia tradicional. Assim, os autores aqui citados não seriam vistos propriamente como fotógrafos, mas como artistas que manipulam o processo e o registro fotográfico, contaminando-os com seus sentidos e práticas oriundas de suas vivências e do uso de outros meios expressivos (grifo da autora).1
As exigências de domínio técnico contemplarão cada vez mais uma ampliação dos meios utilizados, uma vez que o universo de novas técnicas e tecnologias cresce de maneira nunca antes vista. Para que os/as jovens postulantes a artista possam escolher se irão, ou não, usufruir de algumas
vias já abertas, relacionadas ao uso de diferentes materiais e técnicas em uma mesma obra, deverão ter em mente que as novas exigências de conhecimento não descartam o já estabelecido, mas sim lhe agregam novos valores. Encarar, pois, de modo aberto os diferentes meios de produção da criação visual, sem preconceitos ou julgamentos hierárquicos em relação às diferentes modalidades que não superiores ou inferiores mas sim complementares, é o primeiro passo para que o/a artista possa alcançar os elementos necessários para a construção de sua poética. BIBLIOGRAFIA CHIARELLI, Tadeu. A Fotografia Contaminada. In: Arte Internacional Brasileira. São Paulo, Lemos Editorial, 1999. Identidade/Não-Identidade: A Fotografia Brasileira Hoje. In: Arte Internacional Brasileira. São Paulo, Lemos Editorial, 1999.
PHILLIPS, Lisa. Photoplay: A Arte Contemporânea na Fotografia (catálogo). São Paulo, Museu de Arte de São Paulo, 1994. SEMIN, Didier; GARB, Tamar e KUSPIT, Donald. Christian Boltanski. Londres: Phaidon Press Limited, 1997.
Imagens/fotografias como trama do irrealizável Milla Jung
Eu venho da fotografia, da fotografia como área que tem sua própria história, características inerentes e peculiaridades. Mas de uns anos para cá tenho tentado ampliar esse debate, No meu trabalho questiono a dimensão utópica das imagens/ fotografias na sociedade contemporânea. De que modo essas imagens/fotografias instauram uma trama do irrealizável, realiza. Uma pessoa contempla uma imagem, é capturada e
passando da ideia de fotografia para a noção de imagem. Talvez seja essa passagem o que expresse a minha vontade de ter uma produção artística vinculada à contemporaneidade, num esforço de refletir sobre o tempo presente e o potencial das imagens hoje. Nessa ampliação, também passou a me interessar, além das fotos como resultado final: sua recepção pelo espectador, o lugar do imaginário diante das imagens, o espaço expositivo como estrutura significante e o discurso das instituições ligadas à fotografia, à imagem e à arte em geral.
ESPAÇO DE AFETOS
ou seja, aquilo que só existe enquanto desejo e que não se Milla Jung
algo latente acorda na zona do sujeito. Assim, as imagens/ fotografias iniciam um processo imaginário que se desenvolve de diferentes maneiras em cada um.
Vou apresentar meus últimos 3 trabalhos a partir desta intenção crítica:
Neste trabalho (desenvolvido no coletivo Escapatórias com a Anuschka Lemos e o Felipe Prando) a questão que permeou o processo foi a de como libertar a fotografia de seu efeito de real? Como fazer entender que a fotografia não precisa ser pensada como representação, mas sim como apresentação, ou criação de mundos, inclusive mundos ficcionais?
DESERTO DE REAL Milla Jung São pensadas as imagens a partir de dois eixos:
A proposta da exposição “Deserto de Real” foi lidar com a dimensão profética da imagem, como o desejo que cintila num “lá” que não alcançamos. Pensando o seguinte rebatimento: uma pessoa contempla uma imagem, é capturada e algo latente acorda na zona do sujeito. Elucidar a situação é ver-se de fora enquanto atravessado
pela experiência. 1. Imagens-artifício como efeito de superfície
Através de fotografias que remetam à natureza, mas que sejam feitas a partir de referentes artificiais: um painel de metal pintado de azul oceânico e palmeiras plantadas nas vitrines de lojas descontextualizadas de ambiente natural. O intuito é provocar uma atração dissimulada, seduzir o espectador com fotografias que contenham uma promessa/cintilação, e na mesma medida jogá-lo ao vazio, forçando-o compreender esta trama.
2. Deslocalização do espectador
Diante de cada proposição, através do uso de diferentes escalas e suportes, o espectador é convidado a perguntar-se sobre o próprio lugar e atuação. Retirado do lugar comum meramente contemplativo de espectador, ele deve criar sua própria instrumentalização de leitura.
PAÍS IMAGINÁRIO Milla Jung
País Imaginário é uma proposição sobre a potência das imagens contemporâneas no campo da arte. Partindo da pergunta de como se apreende uma fotografia, crio um território para o espectador experimentar o sem-fim de possibilidades sobre a escuta das imagens. Uma fotografia que é acordada por uma narrativa que por sua vez também acorda novas imagens, numa via de mão única onde a experiência primeira se perde em nome do multiplicável. A exposição/instalação compõe-se de dois espaços, um com uma série de dez narrativas em áudio e outro com uma biblioteca de livros de fotografia artística e foi especialmente produzida para o Museu da Fotografia Cidade de Curitiba, instituição que ocupa, no seio da cidade, o papel de articulador de um sistema onde a visualidade é pensada como um processo de construção cultural, e que pode desse modo validar novos paradigmas sobre as concepções de realidade, reprodução e representação.
“Que tipo de amor é capaz de protegê-las? Porque, veja isto, elas estão de máscaras. E posam inadvertidamente. Sorriem. É um retrato amoroso, mediado pela fantasia.
Nada de reciprocidades, as máscaras impedem uma linha imaginária.
Mas alguém existe. E alguém se despe.
É, não tenho certeza de quem está sendo protegido. Porque é difícil olhar esta fotografia. Quem, realmente?
Só com amor esta foto pode ter sido feita. E Lacan diz que amar é dar o que não se tem...”
(Texto-áudio de Milla Jung para País Imaginário)