Livro Amordaça

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curtas aparentemente desatadas. A sensação “matrioskal” - pequenas partes que se juntam para criar camadas de novos sentidos - pode evocar também a dinâmica de quebracabeça e remeter o leitor ao universo da literatura infantojuvenil. Mas não se primeiras páginas, revela-se o tom adulto deste livro, particularmente no ímpeto de escancarar desejos dos personagens. Sim, há personagens. Na primeira parte está ELA: criativa, histérica, curiosa, libertina e resiliente. Em seguida, somos apresentados a ELE: apaixonado, sensível (com um quê de paranoico), egocêntrico e boêmio. Já ELES - elos, laços e nós - conversam, dialogam, fundem-se, abarcando relacionamentos, desejos (os contidos e os inconstantes), intimidade e intervalo. Entre ELES quase não há meios-termos

AMORDAÇA

engane: aqui, as histórias infantis são de ninar gente grande. Logo nas

AMORDAÇA aGATHA ALMEIDA

– conversam aos berros ou sussurram. Ora no ouvido, ora no coração. Um livro de personagens com almas “desamordaçadas”. Doce e obsceno. De tão breve, queremos mais; de tão profundo, tememos não suportar mais nada.

www.benvindaeditora.com

A autora

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Agatha Almeida é uma jovem poetisa, que prefere o termo poeta para se designar. Com 26 anos, ela é mineira, nascida na capital Belo Horizonte e criada no mundo. Cresceu no interior de Minas Gerais, na cidade de Passos, onde passou a maior parte da infância e pré-adolescência. Concluiu o Ensino Fundamental na América do Norte, em London, uma cidade da província canadense de Ontário. Lá, aperfeiçoou seu conhecimento da língua inglesa, “arranhou” o francês e então retornou ao Brasil para graduar-se em Comunicação Social e Jornalismo, pela PUC Minas. Apaixonada por comunicação e pelas palavras, fez Especialização em Processos Cria­ tivos em Imagem e Palavra, em 2014, na mesma Instituição. Atualmente, cursa MBA em Comuni­ cação e Marketing, bem como se dedica à produção audiovisual, à escrita e aos estudos de gênero e autoria. Agatha também atua, nas mesas de bar e nas redes sociais, como defensora tenaz do feminismo.

aGATHA ALMEIDA

uma narrativa maior, porventura linear, a partir de textos em versos e histórias

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minicontos. No entanto, a obra surpreende ao permitir que o leitor construa

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Amordaça está catalogado na estante como um livro de poemas e de



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Amordaรงa

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Agatha Almeida

Amordaça

1a Edição

2016


Copyright © 2016 by Agatha Almeida É proibida a reprodução deste livro ou de parte dele sem a prévia autorização da autora. As personagens e as situações desta obra são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos.

Edição Marina Acúrcio Revisão Luiz Morando Projeto gráfico e Capa P Design Gráfico

Este livro foi impresso em Belo Horizonte, em abril de 2016, pela Gráfica Del Rey, para a Benvinda Editora.

Ficha catalográfica Almeida, Agatha. A263a Amordaça / Agatha Almeida. - Belo Horizonte : Benvinda, 2016. 96 p. : il. ; 22 cm.

ISBN: 978-85-67515-14-4

1. Poemas. I. Título.

CDU: 82-1

Catalogação na publicação: Maria Angélica Ferraz Messina-Ramos. CRB-6: 2002

Para contato e comercialização desta obra: livroamordaca@gmail.com www.benvindaeditora.com


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Dedico este livro às minhas paixões; a meu pai, pelo apoio quase incondicional; e ao estimado Olavo D’Aguiar, por acreditar em mim e nesta publicação.




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Apresentação


Poemas e minicontos constroem o universo das relações humanas, tão bem apresentadas pela autora. O que está contido em Ela; Ele; Eles,elos, laços e nós é a intimidade de suas personagens que vão se desnudando para o leitor. Desejo de se entregar sem pudor, angústia de não conseguir, mas seguir “tentando”, necessidade de preservar a caixa da esperança e a paixão alucinada que decide: Se isso me comprar qualquer ternura, dou cigarro, dou brinco, dou casa e carro Ao ler o título Amordaça, talvez imaginemos poemas reveladores de alguma submissão, afinal estamos condicionados a viver conforme regras estabelecidas, mas o que percebemos é o contrário: a liberdade de mostrar nosso mundo interior e a maneira como lidamos com essa realidade bastante delicada, ou profundamente sensual. A verdade é que Amordaça não será um livro único, ele nos permite imaginar que outros virão para interagirmos com a jovem e promissora poeta. Gilda Parenti

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Sumรกrio Ela ........................................................21 Ele..........................................................41 Eles, elos, laรงos e nรณs ........71

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mordaça. [Do lat. vulg. Mordacia. ] S.f. 1.Objeto com que se tapa a boca de alguém a fim de que não fale nem grite. 2. V açaimo. 3. Fig. Repressão da liberdade de escrever ou de falar. 4. Bras. Pau fendido longitudinalmente até além do meio, e usado para amaciar a cordoalha; sovador. amordaçar. [De a-² + mordaça+ -ar². ] V.t.d. 1. Pôr mordaça em; açaimar. 2. Impedir de falar, de opinar, de manifestar-se mordaçar [De mordaça + -ar². ] V.t.d. Aplicar mordente (8) a; submeter à ação de mordente FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.

Paradoxalmente, AMORDAÇA foi escrito para escancarar, falar alto, gritar, berrar, esganiçar, escandalizar, dizer o que se deseja dito, lido e compartilhado. Ao abrir o livro, a mordaça se desintegra e expõem-se desejos, medos, caprichos, confissões, amores e desamores. “Desamordaçado”, então, leitor, delicie-se.



ela


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Despertar Minha personagem me chama pelos corredores das folhas de papel, ergue os dedos delicados E é, apenas quando ouço a voz de Vânia, que me permito escrever sem pensar que estou prestes a morrer ou que ei de enlouquecer e ceder a cada ruído ou aceno dissimulado

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Amordaçar Ouvi atenta e absolutamente aturdida, a confissão, ou o insight minucioso, de um amigo sobre a natureza dos desejos dele de posse do namorado. Observei enquanto ele elaborava uma descrição visceral dos anseios da relação. A vontade manifestada no relato era de ter poder irrestrito sobre o tal novo namoradinho. Tudo, segundo ele próprio, por egoísmo, paixão, ciúme e tudo de podre que há no âmago de todo mau-caratismo. ... me perder em pecado, quero um capacho! Foi o desfecho da frase que ele usou para resumir a lascívia descontrolada. Ele não pretendia atuar sobre nada dos feelings. E, mesmo que quisesse, não havia como. Admito que fiquei curiosa, envolvidíssima, e, sem pestanejar, entrei no joguinho fantasioso de dominação do ser amado. Brinquei mesmo, confesso que sem remorso, já que não existe cartomante, bruxaria, macumba nem força do pensamento suficiente para realizar e satisfazer os impulsos (e as maluquices) desse meu camarada. Nem dos meus. Divertindo-nos horrores, pensamos na situação perfeita para subjugar nossos afetos a cada um dos nossos caprichos. Já sei! - explodiu meu amigo. Uma poção do amor resolveria o problema. Deixaria o coitado do affaire dele de quatro, enfeitiçado e pronto para atender a qualquer demanda: da mais infimamente covarde à mais heroica. Articulamos juntos um plano no qual o medo não seria um obstáculo, nem a dúvida, nem o tempo. A poção teria efeito permanente. Consideramos cada detalhe: os efeitos colaterais, o desenrolar da ação e também o resultado dela.

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Seria um amor desvairado, enlouquecido, efusivo, apaixonado, constante, incondicional e destemido. Em menos de dois minutos, tínhamos oitenta e dois adjetivos e uma ideia besta que refletia a grandeza e superficialidade do nosso ego. - Mas e se você cansar? - perguntei. - Não vou. Ele me respondeu em deleite, sorrindo com os olhos fechados. - Mas e se? - insisti - Não vou, Flor, sei que não vou. Eu me conheço. Olhei para ele com descrença. Posso ser bem debochada com o olhar, já me disseram - Caso eu canse, existe uma outra poção. - Como assim? Quer dizer que é preciso duas poções? - Não. O antídoto é simples. É só contar a verdade para ele. Conto que ele foi enfeitiçado e pronto. Shazam! Acabou-se o que era doce. - Ué! Isso não faz parte do plano nem dos detalhes que determinamos. - Eu sei. Mas você acha mesmo que é possível amar alguém que te enfeitiçou, que quer te dominar, que desrespeita suas vontades, te faz de bobo, de escravo, tira sua liberdade, sua autoestima, seu livre-arbítrio, e mente, te engana com o pretexto de que é parte do amar? Não dá, né? Isso não é amor nem aqui nem no Chipre. É capricho, é prazer e só.

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- Então você não ama o cara, oras! - Acho que não. Se eu o amasse não viveria pensando em como amordaçá-lo. - Engraçada essa palavra. Amordaçar. Amor-daçar. É um tipo de calar-com-amor. Superparadoxo. Minha palavra do dia! Vou olhar no dicionário. - Ela define como me sinto. Confundo esse delírio com amor. - Mas no fundo você sabe que não é. - Sei, claro. Conheço as borboletas e concordo com Quintana, Flor.

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Herança Ao nascer, de regalo, da vida ou de Eva, recebi afamada caixa de esperança contida que por vezes me escapa Se sofro de ausência, ou se de porvir tomo porre, me consolo logo no colo daquela última que morre E então tudo é papel e do rosto tiro a tinta A pena imortaliza o estalo da alma enternecida Dessas coisas que lhes falo eternizo cada estampido As torpezas, disfarço soprando cada acento renhido É nas tais águas de março que confesso essa inconstância secreta, que me tira o sossego e faz de mim poeta E assim agradeço a herança ou o capricho com que me presenteia essa vida

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Inane Com fome Consumo [consome] Codifico Produzo Desperdiço tempo Paro Penso

É totalitário esse vazio pós-moderno

Sem errado nem certo Rápido oblívio Histérico Sedento, obcecado pelo gozo, que pensa que sua loucura deve ser tolerada por todos

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Me chamou para jantar Ficou de papinho. Não curto muito. Não curto muito? Acho um porre! Papo furado me cansa, vira joguete, não jogo bem, não tenho prática, não tenho sorte nem

habilidade. E quem não joga acaba subjugado ao tabuleiro alheio. Não é preguiça, juro. É sede, é fome e gula. E nesse comer tudo de uma vez, corro o

risco de empanturrar-me. Empanturramo-nos? Fazer o quê? Se a feijoada for boa, repito. Toucinho. Pescoço. Linguiça. Bife de porco não

recuso. Nem de cachorro. Adoro espeto de gato. Dá azia, dor de cabeça, mas é gostoso. Picanha! A carne é fraca. Avó diz que se não matar engorda. Ainda não morri de

amor. Talvez todo esse banquete engorde mesmo. É. Definitivamente, engorda. E

se não tomar cuidado dá barriga! Fato.

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Primeira vez Subiram de escada porque, segundo ele, era mais rápido. Terceiro andar, ele abre a porta e ela entra. Quarto escuro, cama desarrumada, vários pôsteres na parede, a maioria de bandas, uns cinco de mulher pelada.

– Quer com música? Do que você gosta? – Gosto de quatro. – Não. Do que você gosta de ouvir? Staves? – Não conheço.

Ele escolhia o disco. Ela tirava a roupa. Era sexta-feira à noite e ela tinha pressa. Ele olhou para ela seminua e surpreso murmurou. – Calma. – Calma. – Calma. – Calma. – Calma. – Calma. Calma o quê. Pensou a moça estranhando. – Vem. Pediu ajoelhada sobre a cama. – Você é rápida demais. Ela não disse nada; beijou, abraçou e acariciou ele. Deitaram-se. Ele tentou uma, duas, três vezes. Não teve jeito. Os dois sentaram e ela se cobriu com uma camisa. Cabisbaixo e derrotado balbuciou alguma coisa tentando se explicar.

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– Não sei o que houve. É a primeira vez que isso acontece.

– Tudo bem, acontece. Olha para mim, levanta a cabeça – disse ela sem graça. – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ... – Estou tentando... ... ...

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Menos um Intrigavas tanto que entreguei tua mediocridade, escancarando minha dubiez Nem notável, nem banal Ordinariamente mediano E, se lembrado, será como tal Nesse rascunho, numa penada, deixo-te à altura Tchau

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Fra[n]queza Quanta palavra sem sentido Sim, sei ler De todo, não pude, não posso, não consegui O olhar desgostoso pegou de relance o ponto final e, a contragosto, cada ofensa Canalha… piranha... vadia... Joguei tudo numa caixinha. Sacudindo por horas de um lado para o outro, tentei separar as letras; m(f )ake new wor(l)ds. Sou de juntar Sou de dar Só assim para tanta dor Só pecando para perdoar Ainda assim, nada funciona As malditas palavronas continuam intactas na caixola Sinto. Minhas mentiras não acalmarão teu coração. E tua verdade, teu mar de ira, me afogou. Meu bravo guerreiro liquid(ific)ou o que restava de mim. Não mais meu, já não sou mais. Tu não queres resposta, mas darei mesmo assim. Aguarda correspondência. Crua e cruel. A última carta já não é tua. Essa é minha. Última promessa

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Sofia E sempre chorosa jurava e sofria; - NĂŁo sou fria!

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Ouvi dizer De olhos verdes, quis gritar, espernear, escambau. Trancou-se no quarto e encheu o cu de cacau e cigarro Nem Otelo explica

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ele



A carta Quinze páginas de paixão diluída, uma frase de verdade: Não era amor, era amizade

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Cigana, cigana... Nos braços desta mulher, colo de mãe é pouco Nos olhares desta moça, me desconcerto todo Dança como quem não quer nada E dança, a ordinária Eu sou formiga Ela é toda cigarra, toda cigarro, lichia e limão O cheiro que odeio impregna de lascívia o arbítrio; impregna de luxúria a libido A desgraçada é bonita, eu sou um grosso Ela fala, sussurra música nos meus olhos Dança, me devora A mão dele sobre as pernas dela... Ele mal sabe das pernas que tem na mão

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Eu sei Sei sobre as pernas que tive nos lábios Ah, se ela soubesse que quando ela passa… Desconfio que sabe, sabe tanto que usa, que joga, que abusa Essa mulher é toda Me pediu um trago Dei, claro Sou todo dado Se isso me comprar qualquer ternura, dou cigarro, dou brinco, dou casa e carro

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Perdoo E então, quando eu finalmente pude, procurei um motivo para as ações dela. E encontrei. Só não levei em conta o poder das circunstâncias. Eu a culpei, e a culpo por me subjugar, pelo comportamento desagradável, pelo deboche. Talvez, por isso, fui de desesperadamente inseguro a incorrigivelmente arrogante em um pulo, num ímpeto. Tentei, sem sucesso algum, me preservar. Sempre, sempre, sempre precipitado. Só fiz isso porque eu queria acreditar que o comportamento depende estritamente da cabeça da gente. Esqueci que as escolhas - ao menos as minhas - são feitas também da ocasião. E agora essa filha da puta não sai da minha cabeça. Ela está em todo lugar. Ela é mais de uma. Percebe o meu dilema? A minha aflição? Minhas desculpas? Se minha atitude é remissível so is hers. E, por isso, fico na dúvida se procurei pretextos para mim ou para ela, se sou altruísta e (estupidamente) apaixonado, ou perspicaz e superentendedor da alma humana. De qualquer um dos jeitos, meu ego não sai da equação. Dos dois jeitos sou foda; dos dois jeitos a perdoo. E é por todas elas que escrevo.

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