Cachoeira da Naná. O território de Morro do Pilar resguarda fontes abundantes de água em estado de pureza natural. Um patrimônio singular desta região da Serra do Espinhaço
Projeto: 200 anos da 1ª Fundição de Ferro em Alto-Forno do Brasil Idealização: Instituto Espinhaço – Biodiversidade, Cultura e Desenvolvimento Socioambiental Realização: Prefeitura Municipal de Morro do Pilar Identidade visual, Produção de textos, Editoração e impressão: P Design Gráfico Revisão de texto: Mariângela Fonseca Ferreira Fotografia: Jorge Santos
A
presentação
Projeto 200 Anos da 1ª Fundição de Ferro do Brasil: Morro do Pilar, história e tradição no berço da siderurgia brasileira Encravado na Serra do Espinhaço, região central do Estado de Minas Gerais, o tricentenário município de Morro do Pilar tem sua origem vinculada ao sonho dos exploradores e bandeirantes que buscavam terras míticas onde brotavam ouro e pedras preciosas em abundância. Naquele momento da história,final do século XVII e início do século XVIII, acontecia uma frenética corrida daqueles que migraram para essa região, muitos dos quais desbravadores, sonhadores e, claro, aventureiros. Assim, quis o destino que Morro do Pilar tivesse uma estreita relação com os minerais gentilmente guardados em seu solo e fosse fonte de atração para muitos que por aqui passaram, inicialmente pelo ouro e, posteriormente, pela abundante reserva de minério de ferro. Nesse ambiente de sonhos e disputas, estava sendo gestado um novo ciclo
Morro do Pilar foi sede da primeira transferência de tecnologia entre a Alemanha e o Brasil
minerário na Serra do Espinhaço, um ciclo que elevaria as terras de Morro do Pilar à condição de primazia, notadamente, em relação à fundição de ferro no Brasil. Relatam os registros históricos que, em 10 de outubro de 1808, através de Carta Régia, foi autorizado ao senhor Manuel Ferreira da Câmara Bitencourt estabelecer uma fábrica de fundição de ferro em Morro do Pilar, fazendo desse território o berço da siderurgia no Brasil. Em setembro de 1813, foi fabricado, pela primeira vez, ferro líquido em alto-forno no Brasil, inaugurando a importante indústria do ferro em território brasileiro. Dessa inciativa em Morro do Pilar, nasceram mais de
120 outras pequenas forjas agrupadas pela região que tem um dos maiores potenciais minero-metalúrgico do país. Também quis o destino que, após dificuldades técnicas para manter a produção de ferro, o rei Dom João VI, em 1816, mandou contratar 14 técnicos da Alemanha para apoiarem a fundição no Brasil. Nesse momento da história, Morro do Pilar foi sede da primeira transferência de tecnologia entre a Alemanha e o Brasil quando, em 1820, chegaram a Morro do Pilar os alemães Hermann Utsch e João Henrique Utsch. Ambos, pai e filho, trabalhavam com fundição de ferro na pequena cidade de Mudersbach, situada na Renânia Palatina, região com forte identidade no manuseio do ferro e da siderurgia. Hermann Utsch e João Henrique Utsch trabalharam na Real 4
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Mapa antigo da região, destacando a Vila de Conceição e o povoado de Morro de Antônio Soares, hoje chamado de Morro do Pilar Morro do Pilar | MG | 1813 – 2013
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Fábrica de Ferro de Morro do Pilar até 1830, quando João Henrique Utsch adquiriu um terreno próximo à cidade de Morro do Pilar e construiu, com seu pai, a Fábrica do Sumidouro, às margens do rio Santo Antônio. Essa foi a primeira fabrica de ferro de propriedade de um alemão no Brasil. O município de Morro do Pilar é um dos mais antigos núcleos urbanos na Serra do Espinhaço, cordilheira do Brasil, que no ano de 2005 foi reconhecida como uma Reserva da Biosfera pela Unesco, dada a sua importância em biodiversidade, cultura e desenvolvimento socioeconômico. No território morrense, estão resguardados significativos e singulares conjuntos orográficos de rara beleza cênica, além de uma riqueza natural única, sintetizada na exuberância da Serra do Cipó, símbolo regional do qual o município faz parte. Em 2013, Morro do Pilar inicia a comemoração dos “200 Anos da 1ª Fundição
O município de Morro do Pilar é um dos mais antigos núcleos urbanos na Serra do Espinhaço, cordilheira do Brasil
de Ferro do Brasil em Alto-Forno” e da primeira transferência de conhecimento e tecnologia entre a Alemanha e o Brasil. Também agora, no ano de 2013 está sendo comemorado o ano da Alemanha no Brasil, evento com o qual trabalharemos em sinergia. Contando hoje com aproximadamente 4.000 habitantes, Morro do Pilar está recebendo a implantação de uma grande mineração de ferro que extrairá 25 milhões de toneladas de minério por ano em nosso território. Esse é um dos maiores projetos de mineração do Brasil e, por isso mesmo, também é nosso maior desafio conciliarmos a mineração com o aumento da qualidade de vida para a
comunidade. Hoje, Morro do Pilar vive um novo ciclo em sua história, um momento de júbilo e de contentamento. Afinal, neste ano de 2013, iniciam-se as comemorações dos 200 anos da 1ª Fundição de Ferro do Brasil em Alto-Forno. No entanto, este mesmo momento traz também uma fase de 6
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A Pedra do Cachimbo, referência na paisagem e na história de Morro do Pilar
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As águas de Morro do Pilar guardam a viabilidade do futuro do município. As águas carregam, assim como os seres humanos, a memória da Vida
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reflexão sobre o passado vivenciado pelo eldorado e o futuro que deve ser responsavelmente construído como um modelo de desenvolvimento que seja ambientalmente correto, socialmente justo e economicamente viável através da implementação de políticas de sustentabilidade e inovação, desenvolvimento socioeconômico com educação, preservação ambiental e valorização de nossa cultura e nossa memória histórica. Essa é a reflexão história que o Projeto 200 Anos da 1ª Fundição de Ferro em Alto-Forno do Brasil quer proporcionar e provocar. Amparados na ideia de cidadania global, criatividade, resgate histórico e no propósito de criação de modelos inovadores de gestão pública e sustentabilidade, Morro do Pilar busca, com a implantação deste Projeto, também retomar e estreitar os laços históricos, culturais e de primazia na relação de transferência tecnológica que nos unem com a cidade de Mudersbach, na Alemanha. Essa ligação no passado entre as duas cidades foi a responsável por todo o importante processo da siderurgia e da indústria brasileira, cujas raízes estão em Morro do Pilar
Outro objetivo do Projeto é o de proporcionar para o cidadão morrense elementos positivos e de novos valores sociais, com o trabalho associado à cultura e à memória do seu povo
e está diretamente vinculada com a vinda dos mestres fundidores da família Utsch. Outro objetivo do Projeto é o de proporcionar para o cidadão morrense elementos positivos e de novos valores sociais, com o trabalho associado à cultura e à memória do seu povo, sobretudo, diante do cenário de crescimento populacional vertiginoso de sua população. Esse fato, por si só, justifica o investimento de esforços no sentido de promover a valorização da cultura e da história local, além de ofertar novos elementos que possam valorizar o saber local, a produção de memória e as novas perspectivas de qualidade de vida para toda a comunidade. Morro do Pilar | MG | 1813 – 2013
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Peça de ferro fabricada na Real Fábrica de Ferro de Morro do Pilar
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O ato de transformação do ferro é visto, desde tempos antigos, como um processo de alquimia, de mutação e de criação, ligado à memória do próprio homem
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ontextualização Histórica
Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar: 200 Anos da Primeira Fundição de Ferro em Alto-Forno no Brasil Célio Macedo Alves Doutor em História Social pela USP Minas Gerais, como indica o próprio nome, é um estado rico em jazidas de inúmeros e preciosos minerais. Nos primeiros cem anos de colonização de seu território, o ouro fez a riqueza de Portugal. Nos 200 anos que se seguiram o ferro indicou para Minas Gerais a sua vocação econômica. E no centro dessa quinada encontra-se, inegavelmente, como um divisor de águas, a fábrica instalada em Morro do Pilar, empreendimento fundado por um mineiro visionário e obstinado, que nele se entregou, literalmente, de corpo e alma. Se a duração foi efêmera – cerca de vinte poucos anos, o que era uma eternidade para uma época tão difícil –, a ideia vitoriosa, pelo contrário, serviu para abrir um novo capítulo na história do país, em que os nomes do fundador, Intendente Câmara e da Fábrica Real do Morro de Gaspar Soares se encontrarão inscritos para sempre. O território montanhoso de Minas Gerais encerra em sua entranha enormes jazidas desse precioso metal, cuja exploração e cujo beneficiamento tornaram-se mais eficientes e lucrativos somente a partir do século passado, quando grandes mineradoras e siderurgias vieram a se instalar no Brasil. Embora no século XIX se possa registrar a presença de atividades mineradoras e de fundições
A fábrica instalada em Morro do Pilar, empreendimento fundado por um mineiro visionário e obstinado, que nele se entregou, literalmente, de corpo e alma
de ferro, essa foi, em verdade, mais uma época de intensas experimentações no campo da metalurgia. Mas, incontestavelmente, é nesse século que se deve buscar o nascimento de nossa vocação mineralógica e siderúrgica, fortemente presente na economia até os dias atuais começou de forma incipiente e insegura, tendo em vista o atraso do país nesse significativo ramo fabril, já que nada nesse sentido tinha sido realizado ainda aqui nos trópicos.
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O minério de ferro, abundante no subsolo de Morro do Pilar, pode ser a via para um novo tempo de desenvolvimento sustentável do território
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Durante os 300 anos de colonização do Brasil, a Coroa portuguesa só teve olhos para as riquezas que daqui se pudesse extrair: primeiro o pau-brasil; depois o açúcar e, já no século XVIII, o ouro das Minas Gerais. Era a lógica do conhecido pacto colonial, no qual a colônia deveria existir tão somente para gerar matérias-primas e não para produzir manufaturados, que deveriam ser adquiridos da metrópole. Obviamente, funcionaram pequenas fundições, em vários pontos do território; mas eram de cunho doméstico, valendo-se da técnica do cadinho, trazido da África pelos escravos, na qual o ferro era fundido e transformado em toscos utensílios usados na agricultura e na mineração. Somente em fins do século XVIII, se conseguiu mudar esse tipo de mentalidade. Os ventos dos ideais iluministas, que varriam parte da Europa, sopraram, tardiamente, sobre Portugal, fazendo com que o rei e seus ministros buscassem novos meios de modernizar a economia portuguesa, bastante defasada em relação às outras nações. No bojo disso, também surgiam instruções e ideias para o aproveitamento das riquezas minerais da colônia, até então desconsideradas devido ao exclusivo colonial. Assim, começou-se a ter olhos para o cobre, o nitrato, o estanho e, em especial, para o ferro. Permitir a fundição do ferro em alta escala era a solução para amenizar a crise da própria mineração aurífera e da agricultura, atividades cuja sobrevivência dependia essencialmente do uso de ferro. É nesse cenário de mudanças que surge a figura de Manuel Ferreira da Câmara
Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt, o primeiro brasileiro a estabelecer um alto-forno para a fundição de ferro no Brasil.
Bittencourt, o primeiro brasileiro a estabelecer um alto-forno para a fundição de ferro no Brasil. Natural de Minas Gerais, ele conhecia bem as dificuldades dos mineradores e agricultores da capitania em obter as ferramentas necessárias para o exercício de suas atividades, as quais chegavam aqui a preços exorbitantes e impraticáveis, já que tudo era importado de outros países. Nem mesmo a incipiente produção da metrópole dava conta desse enorme mercado que se abria no Brasil. Câmara, depois de formar em Leis e Filosofia na Universidade de Coimbra, o principal centro de irradiação do pensamento iluminista em Portugal, passou alguns anos viajando
pela Europa, aprendendo técnicas para extração e beneficiamento de minérios, administração de minas e aprimorou ainda seus conhecimentos sobre mineralogia em geral. Isso ocorreu entre 1790 e 1798, momento, certamente, em que começou a esboçar o seu sonho de estabelecer uma fábrica para produção em larga escala do ferro em Minas Gerais. De retorno a Portugal, Câmara foi indicado pela Coroa para avaliar locais para extração de carvão para fábricas do reino. Assim, usou seus conhecimentos técnicos e científicos para realizar projetos econômicos e administrativos sobre as colônias, esforço que lhe valeu a indicação para ocupar o prestigioso e importante cargo de Intendente de Diamantes na capitania – um cargo que, desde sua criação, em 1739, nunca havia sido ocupado por um brasileiro. Câmara retornou ao Brasil logo depois, em 1801, entretanto, apesar da indicação, teve de aguardar ainda alguns anos para ser empossado, o que veio a ocorrer somente em outubro de 1807. Assim que assumiu suas funções na administração diamantina, o novo intendente já deixou bem claro os seus propósitos: diversificar a mineração na colônia, modernizar os processos de extração dos diamantes e, o mais audacioso deles, estabelecer a fabricação de ferro para abastecer o Brasil e até alguns países da América do Sul. 14
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O desenvolvimento sustentável é a “chave” para o futuro de Morro do Pilar. A exploração do minério de ferro deve reverter para a comunidade os benefícios gerados a partir da atividade
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Peça produzida na Real Fábrica de Ferro de Morro do Pilar, utilizada à época nos escravos da região
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Com muita obstinação, o Intendente pôs em prática o seu tão sonhado projeto de montar a fábrica na Comarca do Serro do Frio. A sua execução foi facilitada com a transferência da Corte para o Rio de Janeiro, em março de 1808. Sete meses depois desse acontecimento, Câmara obteve o alvará para a instalação da fábrica, que, por sua escolha, seria no Morro do Gaspar Soares, local onde existia grande quantidade de ferro, de matas para o fabrico do carvão e de abundantes cursos de água. Somente encontrou dificuldades na obtenção de material para a construção, que tinha de vir de longe, e em conseguir mão de obra qualificada para o funcionamento da fábrica; nesse aspecto, a falta de gente para tocar o forno fazia com que ele mesmo experimentasse, por várias vezes, essa função, ocasião em que deixava de lado suas obrigações de intendente. Os primeiros resultados da fundição em alto-forno, sistema escolhido por ele para sua fábrica, vieram a ocorrer só em 1813, mas ainda assim de forma insatisfatória. Outras tentativas foram realizadas até 1814. Somente em 1815, a fábrica funcionou a todo vapor, tendo o ferro corrido pelo alto-forno e, pela primeira vez no Brasil, sem nenhum problema. A fábrica funcionou produzindo ferro regularmente até o ano de 1822, quando começou a entrar em decadência. Em 1824, cessou definitivamente a sua produção e, em 1831, teve seus bens e terrenos colocados em licitação pública pelo governo. É importante ressaltar que, pela mesma época em que Câmara erguia sua fábrica do Morro do Pilar, outros dois empreendimentos siderúrgicos também eram A primeira fábrica de ferro instalados no Brasil, patrocinados pela Coroa: as Fábricas Patriótica, em Congonhas, e São João de Ipanema, em Sorocaba/SP, inauguradas, respectivamente, em 1811 a utilizar o sistema de altoe 1815; contudo, seriam projetos idealizados e executados por estrangeiros, os forno a ser implantada no alemães barão Guilherme d´Eschwege e Frederico Luiz Guilherme de Varnhagen. Brasil e também de ter sido A aventura metalúrgica do Intendente Câmara, no entanto, carrega a um feito exclusivo de um supremacia de ter sido a primeira fábrica de ferro a utilizar o sistema de alto-forno brasileiro a ser implantada no Brasil e também de ter sido um feito exclusivo de um brasileiro que desde o final do século XVIII já sonhava com a possibilidade de se ter uma fábrica no Brasil, e com as vantagens econômicas que esse empreendimento traria aos brasileiros. De retorno ao Brasil, em 1801, Câmara foi cuidadosa e pacientemente amadurecendo seu projeto, aguardando, como um bom mineiro, a hora e o momento certo para poder pô-lo em prática. Assim, fábrica e fundador se fundem em uma mesma história, em que se destacam, entre outros fatores, a originalidade e a ousadia dos projetos e o arrojo da iniciativa, levados a cabo em um país que muito pouca ou nenhuma tradição tinha nesse campo, e, por fim, pelo pensamento de índole progressista em que se inserem. A Fábrica do Pilar, nesse aspecto, refletiu as contradições do empreendedorismo em um tempo de rupturas e de construção de novos paradigmas. Apesar da brevidade de sua existência, a experiência de seu funcionamento afirma-se como o primeiro esboço de formação da vocação de Minas Gerais no ramo da siderurgia mundial. Se o século XVIII foi marcado pelo ouro, do XIX em diante, temos o ferro como nossa principal sina. Para se ter uma noção exata do feito do Intendente Câmara com a instalação de sua Fábrica Real do Morro do Pilar e dimensionar melhor a sua importância histórica, é necessário que o situemos em um cenário mais abrangente, que narre como foi se desenvolvendo na colônia uma mentalidade mais esclarecida sobre a potencialidade da metalurgia no Brasil.
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O Intendente Câmara e a Fábrica do Morro do Pilar Câmara era natural de Santo Antônio do Itacambiruçu da Serra do Grão Mogol (atual cidade de Itacambira), termo de Minas Novas do Araçuaí. Por volta dos 20 anos, foi enviado, com seu irmão mais velho, José de Sá Bittencourt e Accioli, para os estudos na Universidade de Coimbra. No ano de 1788, recebeu da Universidade o grau de bacharel, formado tanto na Faculdade de Leis, como na de Filosofia. Em 1779, influenciado pelo influxo do iluminismo europeu, o duque de Lafões fundou a Academia Real das Ciências, que se tornou o principal instrumento da ilustração portuguesa, estimulando pesquisas e estudos para uma ampla avaliação econômica do reino e de seus domínios coloniais. Em 1789, Câmara foi aceito como sócio da Academia, apresentando uma memória intitulada Observação feita por ordem da Real Academia de Lisboa acerca do carvão de pedra da Freguesia da Carvoeira. Esse estudo justificou a escolha que dele fez o governo como pensionário e chefe de uma missão científica para visitar os principais centros intelectuais e industriais da Europa. Tendo por companheiros de viagem outro brasileiro, José Bonifácio de Andrada, e um português, Pedro Fragoso de Sequeira, a viagem iniciou-se em 1790 e só terminaria oito
Manuel Ferreira da Câmara foi escolhido como pensionário e chefe de uma missão científica para visitar os principais centros intelectuais e industriais da Europa.
anos depois, em 1798. A missão começou por Paris, onde seus membros dedicaram-se ao estudo de Química com o célebre cientista Fourcroy e, depois, de Minerologia, com Le Sege; em seguida, foram para Freyberg, onde frequentaram as lições de mineralogia com mestre Werner e ainda realizaram diversas visitas técnicas às minas de diversas regiões da Alemanha. Depois disso, a expedição científica visitou as minas da Saxônia e da Boêmia, da Hungria, da Suécia, da Noruega e da Rússia; e ao final, da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda. Como registro de viagem, Câmara elaborou uma memória em francês sobre as minas de chumbo e de prata e sobre a fundição de ferro por meio de diminuta porção de combustível e por um novo processo. Em 1795, o novo ministro Luís Pinto de Souza Coutinho, no intuito de reformar a política colonial, criou um cargo exclusivo para os negócios coloniais, sob a condução de Dom Rodrigo de Souza Coutinho, futuro Conde de Linhares. Simpático aos ideais da ilustração, Dom Rodrigo fez acelerar as reformas e convidou vários cientistas e estudiosos para realizarem estudos econômicos e administrativos sobre as colônias, entre eles Manuel Ferreira Câmara e Bonifácio de Andrada, que acabavam de retornar da missão em viagem pela Europa. Uma das primeiras tarefas de Câmara foi revisar a legislação colonial referente à mineração e, em particular, a do Regimento Diamantino, instituído em 1771. Outra incumbência de Câmara, e dessa vez aproveitando a sua experiência sobre minas adquirida na missão, foi a de visitar os reais estabelecimentos industriais de Portugal, visando identificar áreas de onde poderia ser extraído o carvão para abastecer essas fábricas. Outros trabalhos ainda foram solicitados a Câmara, aumentando cada vez mais o seu prestigio na Corte, o que lhe valeu, em 7 de novembro de 1800, através de uma Carta-régia, a sua nomeação ao cargo de Intendente Geral das Minas do Ouro e dos Diamantes nas Capitanias de Minas Gerais e do Serro do
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O subsolo de Morro do Pilar guarda uma riqueza mineral que, se bem trabalhada, pode ser revertida em riqueza social e melhoria da qualidade de vida da comunidade Morro do Pilar | MG | 1813 – 2013
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Igreja do Canga, construída em substituição à antiga capela primitiva, no mesmo local onde nasceu o povoado de Morro do Pilar
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Frio. No entanto, devido às tribulações políticas e econômicas por que passava Portugal, Câmara teve de aguardar sete anos para assumir seu cargo, o que só veio a ocorrer em 27 de outubro de 1807, quando foi empossado pelo governador da capitania, Pedro Xavier de Ataíde e Melo, como o 12º Intendente dos Diamantes – aliás, o primeiro brasileiro a ocupar esse importante e cobiçado cargo na administração colonial. No exercício de sua função de intendente, Câmara, como nota Joaquim Felício dos Santos, era um homem de vistas largas, de planos arrojados, de personalidade forte, que provocava ao mesmo tempo fortes antipatias e deslumbradas admirações. O seu maior feito enquanto exerceu o cargo no antigo Tijuco, no entanto, foi a construção da fábrica de ferro do Morro do Pilar, no início do século XIX. Como se demonstrou até aqui, as condições para o surgimento de fábricas de ferro no Brasil, mais especificamente em Minas Gerais, começaram a se tornar favoráveis a partir dos últimos anos do século XVIII, através de alvarás, cartas-régias, estudos científicos e várias petições e solicitações para aberturas de fábricas no país. No entanto, foi preciso esperar até o ano de 1808, quando a família real se transferiu para o Brasil, escapando da invasão do território português pelas tropas francesas. Pela primeira vez na história, um monarca europeu pisava no Novo Mundo! A transferência da Corte para o Rio de Janeiro trouxe mudanças substanciais para o país: abertura dos portos às nações amigas, permissão para entrada de estrangeiros (técnicos, cientistas, artistas, etc.) em território brasileiro, criação de órgãos administrativos, judiciários e militares até então inéditos na colônia e autorização para abertura de fábricas e manufaturas em cumprimento a um de decreto real datado de 1801.
As condições para o surgimento de fábricas de ferro no Brasil, mais especificamente em Minas Gerais, começaram a se tornar favoráveis a partir dos últimos anos do século XVIII
Outro aspecto importante nessa transferência foi que, a partir daquela data, a comunicação entre a Corte e as respectivas células administrativas do Brasil podia ser executada de uma maneira mais rápida e ágil, sem o contratempo de haver entre elas um imenso oceano a separá-las. Solicitações, petições, projetos podiam ser avaliados nos ministérios e ter suas decisões despachadas em um espaço de tempo muito menor. Estando no Brasil desde 1801, Manuel Ferreira da Câmara, não sendo ainda empossado no cargo de intendente por intrigas palacianas, sabia muito bem o que essa distância significava em termos de decisões. Por isso, a vinda da Corte para os trópicos foi fundamental para a execução de seu mais ambicioso projeto: abrir a primeira fábrica de ferro em Minas Gerais,um projeto que, provavelmente, vinha sendo gestado desde suas viagens pela Europa, quando visitou minas e aprendeu metalurgia e mineralogia; e depois, de retorno a Lisboa, quando elaborou estudos econômicos e mineralógicos sobre a Capitania de Minas para o governo. Agora, com o príncipe regente e seu amigo Dom Rodrigo de Souza Coutinho, bem mais próximos, a situação era favorável, para pôr em prática seu empreendimento fabril. A vinda da Corte implicou também a transferência de todos os órgãos da administração Morro do Pilar | MG | 1813 – 2013
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pública para o Rio de Janeiro, entre eles a Diretoria Diamantina, com orçamento anual de 120:000$000 (cento e vinte contos de réis) para os Serviços da Real Extração do Diamantino no Distrito do Serro. O intendente encontrava-se presente na Corte do Rio nessa oportunidade, e, de retorno à Capitania, trazia outra boa notícia: o ministro Dom Rodrigo lhe autorizava a tomar providências para a instalação da tão sonhada fábrica de ferro em Minas Gerais, que ficaria sob sua responsabilidade. A confirmação oficial para o estabelecimento da fábrica veio por uma carta-régia datada de 10 de outubro de 1808. Nela, o intendente ficava autorizado a deduzir dos 120:000$000 réis da assistência anual do Distrito, que pela Fazenda se fazia para os trabalhos da extração, a quantia de 18:000$000, sendo 10:000$000 réis no ano de 1809 e 4:000$000 em 1810 e 1811. Deveriam ser aplicados, como mais convenientemente fosse, ao estabelecimento de uma fábrica de ferro, no lugar mais apropriado da Comarca do Serro do Frio, a fim de suprir os trabalhos da extração com o ferro que fosse necessário para os serviços diamantinos, devendo o seu preço ser calculado pela média dos preços do ferro vindo do Rio de Janeiro nos três anos próximos anteriores e não pelo que se vendesse aos particulares. Além da construção da fábrica, o intendente tinha planos mais ousados: produzir ferro não somente para o consumo na extração diamantina, mas para suprir mercado brasileiro, o que o levou a projetar e até iniciar a construção de uma estrada ligando o povoado do Pilar ao Rio Doce, de onde a produção, por via fluvial, seria encaminhada diretamente ao porto de Vitória. Mas, por falta de apoio político do governo mineiro, a construção do caminho foi interrompida no ano de 1819. Restava agora escolher o local adequado para a instalação
A atenção seria despertada pela imensa e inexaurível riqueza de ferro depositada no Morro de Gaspar Soares, junto ao povoado do Morro do Pilar
da fábrica, uma tarefa não tão árdua assim para alguém com vastos conhecimentos adquiridos sobre as minas europeias e a sua administração. Nesse aspecto, logo sua atenção seria despertada pela imensa e inexaurível riqueza de ferro depositada no Morro de Gaspar Soares, junto ao povoado do Morro do Pilar, termo da freguesia de Conceição do Mato Dentro, na estrada que liga o Tijuco a Vila Rica, que, segundo ele, oferecia ferro em abundância, matas para gerar o carvão, pasto para os animais necessários na produção e muita água. Morro do Pilar, naquele tempo, era um povoado triste e arruinado, praticamente quase despovoado, devido à decadência da mineração aurífera. Mas, o local já fora um dos maiores centros de mineração de ouro da Comarca do Serro do Frio, cujas minas foram descobertas, por volta de 1701, pelo bandeirante Gaspar Soares, irmão do coronel Antônio Soares Ferreira, descobridor das minas de ouro na região dos “frigidíssimos ventos” ou Serro do Frio. O nome do descobridor foi incorporado ao morro onde se ergueria a fábrica de ferro. 22
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Fazer com que a sustentabilidade sócio/ambiental/econômica se torne o caminho para que Morro do Pilar possa vir a ser uma referência positiva em Minas Gerais. Este é o planejamento da equipe que está à frente da Gestão Municipal Morro do Pilar | MG | 1813 – 2013
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Cachoeira do Pica-pau. O turismo ecológico será dinamizado e apoiado com os recursos gerados pela atividade mineraria. O turismo é a “indústria” de longo prazo de Morro do Pilar
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O terreno para a construção da fábrica foi doado pelo guarda-mor Sancho Bernardo de Herédia, rico minerador do Morro do Pilar. Exatamente a 5 de abril de 1809, iniciaram-se as obras de construção da fábrica de ferro do Intendente Câmara. As dificuldades foram imensas, exigindo obstinada determinação. As pedras para as dependências e para o moinho da fábrica tiveram que vir em carros de boi de Congonhas do Norte, exigindo a abertura de uma estrada. Outro empecilho foi a falta de mão de obra suficiente e qualificada para a construção (pedreiros, oleiros, carpinteiros, ferreiros, etc.). Esses operários tiveram de ser trazidos com escravos de arraiais vizinhos; e para a fundição do ferro propriamente dita, Câmara não encontrou trabalhadores especializados em fundição e era obrigado a atuar ele próprio em todas as frentes, sendo ao mesmo tempo projetista, engenheiro, pedreiro, oleiro e fundidor, o que implicava a sua permanência ali por longos dias ou, por vezes, meses a fio, além das constantes viagens que tinha derealizar entre o Tijuco e a sua fábrica. O plano inicial da fábrica constava da construção de um alto-forno, com vinte e oito pés de altura (8,5 metros), para vazar o ferro pelo sistema da Alemanha. Mas a insuficiência de água para movimentar os malhos e foles fez o intendente alterar o plano primitivo e levantar outros três fornos baixos pelo sistema catalão, que deviam funcionar ao mesmo tempo e auxiliar o forno maior. A falta de água, algumas vezes, deixava os fornos sem funcionar por dois ou três dias por semana. A primeira tentativa para se fundir o ferro ocorreu no final do ano de 1812, quando se iniciou o aquecimento do forno; o ferro principiou a correr e estender-se por todo o cadinho, mas a operação teve de ser suspensa devido a um transtorno ocorrido nas máquinas, causando a completa destruição do forno. Câmara não desanimou, fez reparos e até solicitou do
Exatamente a 5 de abril de 1809, iniciaram-se as obras de construção da fábrica de ferro do Intendente Câmara.
governo o envio de um mestre fundidor estrangeiro. No final de 1813, foi enviado o mestre alemão João Schönewoff, que até então trabalhara com Eschwegw em sua fábrica de Congonhas. Entre agosto e setembro de 1814, com a supervisão do mestre alemão, a fábrica de Câmara conseguiu fabricar pela primeira vez ferro líquido em alto-forno no Brasil, não obstante terem ocorridos problemas ainda dessa vez. Somente em 15 de outubro do ano seguinte, no entanto, o ferro correu do alto-forno sem nenhum problema, sendo produzidas 180 arrobas do metal. Para celebrar o seu primeiro êxito siderúrgico do alto-forno da Real Fábrica do Morro do Pilar, o Intendente Câmara partiu de sua fábrica para o arraial do Morro do Pilar | MG | 1813 – 2013
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Tijuco, acompanhado de uma comitiva de 36 pessoas e três carros de bois transportando as barras produzidas. Os bois encontravam-se enfeitados com fitas, com o retrato do rei e do próprio Câmara; os carros tinham tarjas portando versos escritos e eram escoltados por homens tocando trombetas e tambores. Houve festas no Tijuco com cavalhadas e luminárias durante três dias seguidos e um Te Deum de agradecimento a Deus pela fabricação do ferro. Poetas entoaram loas ao pioneiro da indústria de ferro em Minas Gerais. A fábrica, naquela época, contava com 15 fundidores e carregadores de forno; oito ferreiros; seis carpinteiros; dois negros; dois moços e um feitor, perfazendo um total de 34 trabalhadores ao todo. O intendente acompanhava tudo de perto, rodeado de sua comitiva, composta de cerca de 16 pessoas. Câmara se encolerizava facilmente, reprimindo seriamente os trabalhadores quando havia algum deslize ou descuido. Depois de um efêmero período de florescimento, a Fábrica Real
Entre agosto e setembro de 1814, a fábrica de Câmara conseguiu fabricar pela primeira vez ferro líquido em alto-forno no Brasil.
do Pilar começou a entrar em decadência, pela falta de trabalhadores e oficiais competentes. Por conta disso, em 1820, D.João VI mandou contratar mestres e peritos na metalurgia do ferro e nos serviços de altofornos para as fábricas do Brasil. Desses foram destinados à Fábrica do Pilar dois fundidores prussianos em alto-forno, o mestre Hermann Utsch e um oficial, seu filho João Henrique Utsch, que ali deviam permanecer por cerca de dez anos. Em 1822, Câmara deixou de ser intendente para assumir uma cadeira na Assembleia Constituinte Brasileira. A fábrica ficou sem direção permanente e entrou em franco processo de decadência, vindo a paralisar suas atividades por volta de 1824. Sem direção, a Fábrica Real do Morro do Pilar foi praticamente abandonada e por ordem do Conselho de 26 de fevereiro de 1831, foi determinado proceder-se um inventário de todos os bens da fábrica, que era composto de uma casa de pedra e taipa destinada ao carvão; uma casa de pedra com alto-forno, foles e roda; casa de pedra do martelo grande, com três fornalhas de fundir e duas de resfriar; casa com moinho; rego que conduz água para a fábrica na extensão de meia légua; 70 cabeças de bois para carro, uma sesmaria de terra sita no lugar denominado Paiol ou Congonhas, doada à fábrica pelo falecido capitão-mor Bernardo de Hérida e uma mata no lugar denominado Fernandes.
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Os campos de canga ferruginosa de Morro do Pilar guardam não apenas um recurso mineral. Eles guardam, sobretudo, uma biodiversidade única que precisa ser conservada. A mineração pode ser uma aliada da preservação ambiental: este é o projeto pensado para Morro do Pilar Morro do Pilar | MG | 1813 – 2013
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A fundição do ferro na região do Morro Pilar após o fechamento da fábrica Findou assim a aventura da Fábrica do Morro do Pilar, sonho do Intendente Câmara, em fazer desenvolver a fundição de ferro em larga escala no país. No entanto, a sua tentativa não foi em vão, pois as suas arrojadas ideias serviram de motivação para o surgimento de inúmeras pequenas fábricas e forjarias na região. Prova disso é que os próprios Utschs, pai e filho, tendo seu contrato com o governo encerrado em 1830, resolveram permanecer no país, abrindo sua própria fundição. Em razão disso, adquiriram um terreno junto à ponte do Sumidouro, a 7 km de Conceição, e ai construiram a Fábrica do Sumidouro, com forja do tipo catalã. Essa foi a primeira fábrica de ferro de propriedade de um alemão no Brasil; já o outro filho, Daniel Henrique Utsch, construiu uma forjaria na Fazenda Mata Cavalos, conhecida como “Fábrica Daniel” e nela trabalhou até ficar cego; e seu filho, de mesmo nome, fundou a Fábrica de Ferros Cubas, para a fabricação de enxadas, foices e cravos, que foi a melhor fábrica da região pela excelência de seu ferro. Outros descendentes dos Utschs também tiveram suas forjarias na região. Mais tarde, inúmeras outras pequenas fundições se espalhariam pela região, como aponta um relatório elaborado por Joaquim Candido da Costa Sena, então jovem engenheiro formado pela Escola de Minas de Ouro Preto, intitulado Viagem de estudos metalúrgicos no centro da Província de Minas (1881), que enumera alguns desses empreendimentos visitados por ele, indicados pelos nomes dos donos, pelo tipo de forja usada, pela quantidade e pela qualidade de ferro produzida e pelos utensílios fabricados. Além das fábricas dos Utschs acima mencionadas, ele cita ainda a Fábrica de Ferro do Tenente João Martins, a Fábrica de Ferro do Coronel Antônio Rodrigues, a Fábrica do Tenente Jorge, a Fábrica de Ferro do Sr. Joaquim Batista, a Fábrica de Ferro do Capitão Modesto, a Fábrica de Ferro do Sr. Eduardo Félix, a Forja do Português e a Fábrica de Ferro do Capitão Domingos, esta considerada a mais importante de todas elas. A maior parte delas está situada entre Morro do Pilar e Conceição de Mato Dentro. Se hoje o cenário da siderurgia mineira é dominado pelas grandes companhias, tais como Arcelor Mittal, Açominas, Usiminas, entre muitas outras, não se deve renegar, entretanto, a importância histórica desses empreendimentos pioneiros que, com seus erros e seus acertos, propuseram mudar o curso da mentalidade mineradora e industrial então vigente no Brasil daquela época. Da fábrica do Intendente Câmara, pouco restou, além de uma ruína de parede de pedra. Já dessas outras inúmeras pequenas fundições somente a lembrança descritiva de viajantes da época, e, talvez, o imaginário que em torno delas se formou nas regiões onde tiveram suas efêmeras existências. Por isso, todo e qualquer projeto que tente contar essa bela e sofrida história é um modesto, mas singelo memorial que se pode erguer em honra do intendente e de seu sonho de fabricar ferro nos sertões do país. 28
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Sede da fazenda Mata Cavalo, um referencial da memória dos negros em Morro do Pilar Morro do Pilar | MG | 1813 – 2013
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Referências Bibliográficas ANTUNES, Américo. Do diamante ao aço. A trajetória do Intendente Câmara. Belo Horizonte: UNA, 1999. GOMES, Francisco Magalhães. História da siderurgia no Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1983. MENDONÇA, Marcos Carneiro. O Intendente Câmara. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958. MORAIS, Geraldo Dutra de. História de Conceição do Mato Dentro. Belo Horizonte: Biblioteca Mineira de Cultura, 1942. SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do Distrito Diamantino. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1976.
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Preservar a memória, a história e a cultura do povo de Morro do Pilar: uma das propostas centrais no Projeto 200 Anos
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Projeto 200 Anos da 1ª Fundição de Ferro em Alto-Forno no Brasil
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roposição e objetivos
O projeto 200 Anos da 1ª Fundição de Ferro em Alto-Forno no Brasil, será lançado em dezembro de 2013 e propõe estender suas atividades no ano de 2014 e 2015, com um variado conjunto de ações culturais que incluem os seguintes produtos: 1. criação do Conselho de Notáveis dos 200 da 1ª Fundição de Ferro em Alto-Forno no Brasil, composto por cidadãos referenciais nas áreas da cultura, da siderurgia, da ciência, dos meios empresarial e acadêmico; 2. realização de pesquisa sobre os mitos e simbolismos relacionados ao processo de extração do ferro e da siderurgia; 3. realização de pesquisa histórica sobre o processo da 1ª Fundição de Ferro em Alto-Forno no Brasil; 4. realização de pesquisa arqueológica das forjas primitivas e dos vestígios históricos ligados ao processo de siderurgia em Morro do Pilar; 5. construção de uma réplica, em escala reduzida, do alto-forno utilizado à época da 1ª Fundição, como processo educativo e cultural, com o propósito de realizar uma única fundição “congelar a corrida”, 200 anos depois da primeira, feita pelo Intendente Câmara; 6. desenvolvimento de estudos para proposição do Monumento Histórico-Cultural da Serra do Canga, com o objetivo de resguardar as antigas minas, assim como a memória ligada à 1ª Fundição e ao local de origem da cidade de Morro do Pilar; 7. estruturação e implantação do Centro Cultural da 1ª Fundição de Ferro em Alto-Forno do Brasil; 8. realização de exposição e atividades que demonstrem o valor e a singularidade da cultura morrense, com cerimônia de lançamento do projeto 200 Anos, com o Conselho de Notáveis, em Belo Horizonte; 9. desenvolvimento e implantação de projeto de reforma para revalorização do Monumento da 1ª Fundição de Ferro – Intendente Câmara e a Real Fábrica de Ferro de Morro do Pilar, onde estão as ruínas da 1ª fundição; 10. elaboração de um livro-arte sobre a história de Morro do Pilar e os processos ligados à 1ª Fundição de Ferro em Alto-Forno, como fonte de resgate da identidade e da cultura locais;
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Os tambores utilizados pelos negros no Catopê há mais de 150 anos e ainda preservados, guardam a memória da cultura de Morro do Pilar Morro do Pilar | MG | 1813 – 2013
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11. criação de um vídeo educativo-cultural, com o objetivo de registrar e divulgar todos os elementos da cultura e da história de Morro do Pilar; 12. criação da Comenda Hermann Utsch - Comemorativa dos 200 Anos da 1ª Fundição de Ferro em Alto Forno do Brasil, com premiação de personalidades locais, nacionais e internacionais ligadas ao processo de siderurgia, especialmente, os descendentes brasileiros e alemães da família Utsch; 13. criação da Comenda Intendente Câmara - Comemorativa dos 200 anos; 14. criação da Comenda Johann Schönewolf - Comemorativa dos 200 anos; 15. concessão do título de Cidadão Honorário (Post Morten) a Hermann Utsch, com a presença de seus descendentes; 16. desenvolvimento e lançamento de um selo comemorativo dos 200 Anos da 1ª Fundição de Ferro em AltoForno do Brasil; 17. criação e confecção de uma medalha/ moeda comemorativa dos 200 anos; 18. criação de uma agenda de atividades culturais voltadas para a valorização da história e da memória locais; 19. proposição e assinatura do Acordo de Cidades Irmãs: Morro do Pilar e Mudersbach (Alemanha – terra de Herman Utsch), com a realização de intercâmbio e troca de conhecimentos nas áreas de siderurgia, meio ambiente, tecnologia, educação e cultura; 20. criação, na região do Sumidouro, do Memorial Herman Utsch, no local onde foi sepultado o primeiro Utsch a vir para o Brasil.
Com a realização de todos esses objetivos, pretendemos dar justa e merecida significância para o processo da 1ª Fundição de Ferro em Alto-Forno, momento histórico que inaugurou numa nova era no desenvolvimento em nosso país. Todo esse patrimônio histórico que guarda a memória não apenas de Minas Gerais, mas do Brasil, hoje oculto e esquecido, precisa ser revalorizado e divulgado. Daí o esforço de Morro do Pilar ao buscar, 200 anos depois, recordar sua própria memória, a memória da sua gente e de seus antepassados, uma memória que possa projetar uma nova relação com o futuro, com projetos inovadores e sustentáveis, capazes de trazer uma significativa melhoria na qualidade de vida dos cidadãos morrenses.