15 minute read

5.5 Os ecossistemas e agricultores sanjoanenses sob a ótica dos gestores

5.5 Os ecossistemas e agricultores sanjoanenses sob a ótica dos gestores

A secretária Marcela Nogueira Toledo concedeu uma entrevista no dia 28/09/2020 às 17h15min na sede da SEMA em São João da Barra, no qual destacou a atuação deste órgão ambiental em quatro vertentes: (i) atuação da SEMA junto ao Porto do Açu; (ii) os impactos portuários; (iii) avanço do mar e erosão costeira em São João da Barra; e (iv) projetos socioambientais para os agricultores familiares. Quanto a atuação da SEMA, cabe ressaltar que este órgão não tem poder de licenciamento e/ou de penalização, apenas monitoramento e fiscalização das atividades portuárias. Isso limita suas atribuições diante dos impactos já registrados.

Advertisement

O município participa de todas as audiências do licenciamento, discute os impactos, antes de qualquer empreendimento o município é ouvido em todos os setores, inclusive o ambiental, onde é perguntado tudo sobre o empreendimento, o impacto que gerará, as mitigações que serão feitas mediante os impactos que ocorrer, então, atua-se preventivamente. A secretaria acompanha os laudos e pareceres do INEA e quando há algum problema no território, como denuncia de lançamento de algum produto ou salinização nos cursos hídricos, é feita a investigação e análise de solo e água para poder sempre preservar o meio ambiente do município. Mas não há divulgação destes dados.

Quanto ao Porto do Açu, a visão da Secretária contradiz os estudos realizados na região sobre os vários impactos negativos aos ecossistemas e a população. Entretanto, apesar de enfocar os aspectos positivos deste megaempreendimento, a entrevistada também reconhece os impactos no cotidiano da população rural.

A implantação do Porto do Açu vem ser a salvação da arrecadação do município e a promoção de emprego e renda na região. É algo positivo para o município, sem deixar de considerar a questão do impacto. Mas relacionado às MCGs, não aponto o Porto do Açu como aquele que vai trazer um grande impacto ou vai acelerar na região o desequilíbrio ambiental associado às MCGs.

Quanto a erosão costeira de São João da Barra, a Secretária menciona o processo erosivo em Atafona, mas não o da Praia do Açu, intensificado após o início das construções e atividades portuárias. Apesar disso, cabe ressaltar o seu conhecimento técnico sobre o tema e as soluções que devem ser adotadas nas áreas.

A prefeitura montou uma equipe multidisciplinar junto com o MP, INEA, IBAMA, Projeto TAMAR e diversos órgãos para discutir a questão da erosão costeira do município e do avanço do mar sobre Atafona e seus impactos e

interferência sobre o Rio Paraíba do Sul e sua dinâmica deltaica. Estes são fenômenos diferentes e associados à elevação do nível do mar. As últimas considerações dos estudiosos é que poderia fazer espigão, alargamento de praia e bags para diminuir os impactos das ondas sobre a orla e a faixa de areia. Porém, todos eles não garantem que mesmo associando todas essas alternativas vai conseguir o objetivo, que é contenção do avanço do mar nesta região.

Em relação aos projetos socioambientais, apesar das ações listadas na entrevista, a atuação da SEMA junto aos agricultores ainda é tímida e deficiente diante dos impactos e prejuízos ocasionados com a chegada do Porto do Açu.

A Prefeitura e a Secretaria são parceiros nos projetos do Porto do Açu, como a RPPN Caruara. Hoje, o município tem um programa de patrulha mecaniza e oferece gratuitamente máquinas e retroescavadeira para o agricultor que pode utilizar por 3 horas, tendo mais de 1.500 produtores cadastrados na Secretaria. Tem um viveiro de mudas em Água Preta e as distribui gratuitamente aos produtores. Tem a formalização do produtor e apoio na retirada da nota fiscal. Apoia-se a venda e comercialização dos produtores através de feiras subsidiando o transporte com dois micro-ônibus para os produtores e dois caminhões as mercadorias, para a feira de Campos as terças e sextas e em São João da Barra aos sábados e domingos. Foi feita uma parceria com o SENAC e o SENAR e oferecem gratuitamente vários cursos profissionalizantes.

A Secretária contestou as críticas negativas sobre o Porto do Açu e as desapropriações. Para tal, destacou três exemplos que demonstram que o megaempreendimento é positivo para o município e a população: (i) Vila da Terra; (ii) Aprovila; e (iii) Feira no Porto. Sobre as desapropriações, a Secretária afirma que não foram 500 famílias desapropriadas como divulgado na mídia, pois do total de 476 ações judiciais propostas, apenas 93 terrenos contavam com famílias residentes dentro do polígono total do DISJB (segundo levantamento realizado pela Prefeitura). Ao todo, 53 famílias foram reassentadas no Vila da Terra, 48 negociaram suas propriedades no DISJB com a Porto do Açu, três recusaram, dois casos aguardam autorização judicial para concluir a venda e 11 permanecem no DISJB. De acordo com a Secretária, o assentamento Vila da Terra possui uma elevada a produtividade e diversidade de produtos agrícolas e têm melhores condições habitacionais.

Minha família foi desapropriada e meu pai foi realocado para a Vila da Terra, então, a conheço de dentro. Lá você vai ouvir as pessoas dizendo que tiveram sua moradia melhorada, que antes não tinham luz, água potável, transporte, escola e médico e passaram a ter. Houve um cenário com apoio a produção,

venda e organização social, um impacto positivo, pois se pegar antes e depois do Porto a vida dessas 50 famílias melhoraram significativamente comparando como e onde viviam.

Quanto a Associação de Moradores e Amigos do Açu (AMA) e a Associação de Moradores e Produtores Rurais da Vila da Terra (APROVILA), a Secretária menciona que a SEMA mantem um relacionamento ativo com ambas, pois são desenvolvidas várias ações (e.g. fisioterapia, doações de alimentos, palestras).

Criada com o apoio do Porto que cedeu uma área lá dentro da Vila da Terra, onde tem fisioterapia e acontece projeto social.

Em relação ao projeto Feira no Porto, trata-se da principal ação voltada para ganho de renda dos agricultores. Entretanto, há um número baixo de participantes e os dados socioeconômicos não são coletados para demonstrar a evolução e benefícios deste projeto.

A Feira no Porto foi criada para mitigar aqueles mais impactados com as desapropriações e o impacto da implantação do Complexo. Isso trouxe uma integração, porque essas famílias têm uma característica de viver isoladamente. Um dos impactos negativos das desapropriações é a questão da identidade e a construção de vínculo com o local e fazer interagir socialmente é uma grande dificuldade. Então, a feira no Porto foi muito positiva neste sentido.

Devido às restrições da pandemia da Covid-19, o Engenheiro Florestal e Coordenador de Meio Ambiente da empresa Porto do Açu S/A, Daniel Ferreira do Nascimento, concedeu uma entrevista no dia 30/10/2020 às 10h pelo aplicativo Microsoft Teams. O profissional respondeu todas as perguntas do questionário, nos quais foram destacados os seguintes tópicos: (i) objetivos do reflorestamento; (ii) técnicas de plantio; (iii) quantitativo reflorestado e monitorado; (iv) taxa de sucesso; (v) mudanças climáticas; e (vi) projetos socioambientais. Em relação aos objetivos e metas do reflorestamento, o coordenador da RPPN mencionou que algumas áreas já estão quitadas junto ao órgão ambiental e se tornaram florestas, com suas funções ecológicas restabelecidas e se conectando em mosaicos que são formados dentro do processo natural de restinga.

Um dos principais objetivos restabelecer as funções ecológicas do ecossistema daquele fragmento. Outros objetivos estão associados ao

contexto de compensação e atendimento as condicionantes que estão imputadas a determinadas licenças, porque o plantio é distribuído por diferentes processos de licenciamento. O objetivo principal do plantio é a restauração das áreas que foram antropizadas no passado por diversos usos. Os objetivos específicos estão relacionados ao restabelecimento das funções ecológicas, como contribuir para o conhecimento científico, preservar a diversidade das floras das restingas da AID e realizar o manejo visando à manutenção da variabilidade genética.

Quanto ao quantitativo reflorestado, o coordenador da RPPN afirmou que os plantios atuais são melhores do que aqueles inicias de 2012, porque ao longo desse tempo se vem conhecendo melhor as espécies e as condições e dinâmica hídrica e de solo desse ambiente, e isso fez com que o trabalho tivesse mais eficiência no processo produtivo e de restauração no campo.

Hoje, 1/3 da Caruara corresponde a 1.430 ha a serem restaurados e já foram plantados cerca de 1.100 ha. Não se tem ainda um relatório consolidado de todas as ações de reflorestamento, pois são empresas e licenças diferentes e cada um reporta de uma forma. Não tem um monitoramento específico de imagens aéreas, porque é uma coisa cara, mas tem fotos antigas e pelo Google Earth consegue acompanhar a evolução dessas áreas.

Sobre as técnicas de plantio, o entrevistado destacou que houve uma construção do processo metodológico diferenciado que foi adaptado de outras metodologias sobre restauração em ambientes costeiros, incluindo uso de mão-deobra local. Isso permitiu trazer técnicas que ajudaram a replicar as características da vegetação e ter uma celeridade no processo de restauração.

Produção de mudas é a primeira etapa do processo e foi o maior desafio inicial, desenvolver o conhecimento sobre essas espécies que não se tinha na literatura e entender qual a melhor condição edáfica para cada uma dessas espécies, respeitando as fisionomias do ecossistema de restinga. A metodologia de anéis é específica e vem sendo utilizada desde 2001, onde diferentes anéis espaçados entre si por 20 m e de 24m entre linhas, com média de 36 anéis por ha e 1.116 mudas por ha.

Especificamente sobre as taxas de sucesso do reflorestamento, durante e após a entrevista não foram apresentados dados sobre a listagem de espécies que são produzidas no viveiro dentro da RPPN e aquelas que têm as maiores e menores sobrevivência após o plantio (apesar de terem sido solicitados). Ainda assim, o coordenador afirma uma taxa de sucesso de 70% durante o reflorestamento.

Hoje a taxa de sucesso está com perdas inferiores a 30%, mas isso varia com

as condições edáficas da área de plantio, o qual é distribuído em áreas mais secas nas formações de cordão arenoso e áreas mais úmidas. Essas áreas respondem de forma diferente. No início as perdas eram de 50% e as metodologias e ações vêm sendo aprimoradas e hoje as perdas são inferiores a 30%, tendo 70% de pega das mudas. Não se tem informação sobre a taxa de sobrevivência para cada espécie, porque não é feito um acompanhamento por espécie, é uma lacuna de conhecimento que deve ser preenchida pelas pesquisas por universidades e instituições de ensino.

Em relação aos projetos socioambientais desenvolvidos, o coordenador afirma que a RPPN está em um processo de estruturação e procurando patrocínio para fazer nos próximos anos a sede e construir a casa do pesquisador, uma nova base de tartarugas marinhas mais próxima da praia, estrutura de visitação. Atualmente, esta UC é utilizada para programas de fauna e flora e educação ambiental.

O empreendimento tem a RPPN Caruara como uma ancora de conservação da biodiversidade e esses projetos relacionados à conservação tem uma relação com a Unidade. O programa de educação ambiental com plantio de mudas e visitas das escolas no viveiro. Tem ações com universidades como aulas de campo direcionadas.

Quanto aos impactos das MCGs na RPPN Caruara e no programa de reflorestamento, o coordenador afirmou que esta UC já protege o meio ambiente através da manutenção das áreas de restinga com vegetação fixadora, com lagoas que suportam carga de água e com as mudas produzidas que são utilizadas em outras áreas. O planejamento dos próximos 10-20 anos é fomentar novos projetos no território para ter ampliação das áreas verdes, de conservação e da área costeira.

Os 31 km de praia que existem no município, em 8 km a restinga continua intacta e as lagoas dentro da RPPN vão permanecer como grandes áreas de retenção de água doce no território e equalizam essa pressão do mar sobre o continente. A planície costeira é imensa e pode ser influenciada pelo aumento do nível do mar e a Caruara protege 7 km de frente e 6 km de fundo, um tamanho de área mantida nesse cenário. Mas não há planejamento para um cenário apocalíptico, como elevação de 30 cm, que inviabilizaria o empreendimento e inundaria metade de São João da Barra. O planejamento é para cenários mais imediatos.

Devido às restrições da pandemia da Covid-19, a Gerente de Relacionamento com Comunidade da empresa Porto do Açu S/A, Lucíola Alves Marçal, concedeu uma entrevista no dia 21/09/2021 às 16h pelo aplicativo Microsoft Teams, na qual foram destacados os seguintes tópicos: (i) benefícios e impactos do Porto do Açu; (ii) desapropriações; e (iii) atuação da gerência junto aos agricultores familiares.

Sobre os benefícios e impactos do Porto do Açu para São João da Barra, a gerente destaca principalmente os aspectos positivos, como a melhora socioeconômica e ambiental do município através da arrecadação tributária (Imposto Sobre Serviços e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços verde), oferta de empregos, o fornecimento de água potável, o asfaltamento de ruas, fortalecimento do comércio local e a implementação da RPPN Caruara. Segundo a entrevistada, estas informações constam no primeiro relatório de sustentabilidade da empresa Porto do Açu divulgado em 2020. Segundo a gerente, os impactos negativos, como aumento do tráfego no 50 Distrito, o impacto sobre a comunidade pesqueira com os navios e bloqueio de áreas de pesca, são monitorados, mitigados e eliminados pela empresa.

É um empreendimento de uma magnitude muito forte e com uma potência gigante. Hoje a gente trouxe um certo desenvolvimento estruturante para aquela região. Lógico, tem alguns assuntos críticos que a gente não pode não mensurar que é a questão da desapropriação. Porque com a chegada do Distrito Industrial e do Governo do Estado teve um impacto muito grande na área de território. Mas, hoje com 10 anos de desenvolvimento, a gente vislumbra que a comunidade tem muitos pontos positivos com a chegada do empreendimento do que negativos. Benefícios positivos a gente acredita que são muito maiores do que os negativos. E a gente não fala em prejuízo, mas algumas comunidades do entorno elas sofreram e sofrem ainda a dinâmica que é a chegada do empreendimento. Cabe ao poder público fazer a organização do seu planejamento estruturado e a organização do seu planejamento urbano. Mas a gente entende que o 50 Distrito ele permaneceu na sua cultura histórica de agricultura. A agricultura foi pouco impactada mesmo com a chegada do empreendimento.

Em relação às desapropriações, a gerente reconhece a complexidade deste processo, principalmente por questões culturais e de identidade dos agricultores com a terra que nasceram e na qual trabalharam a vida inteira. De acordo com a entrevistada, a empresa Porto do Açu conduziu as desapropriações de forma transparente e cuidadosa, no qual foi estabelecido um relacionamento de respeito com os habitantes do 50 Distrito. Porém, alguns grupos recusaram essa conversa e a proposta da empresa no momento da desapropriação com o governo do Estado e com a CODIN. Ainda assim, a empresa mantém canais de comunicação (e.g. 0800, e-mail, Whatsapp, programa de visitas, comitês comunitários).

O processo de desapropriação não é um processo simples. É um processo que demanda muita sensibilidade e muito cuidado com o território, porque a gente está falando de cultura, a gente está falando de famílias que haviam ali com muito conhecimento. A implementação do empreendimento e a chegada da desapropriação para implementação do Distrito Industrial passou por

alguns percursos de forma muito negativa. Foi um processo doloroso, mas a empresa fez de um todo para desenvolver grandes ações de negociação, de convite, de diálogo, de participação com grupos e famílias que aceitaram o processo de desapropriação. Lógico, tiveram grupos com muita dificuldade de aceitação. Mas nem por isso a gente fechou portas. A gente convidou 100% pro diálogo, 100% pra uma avaliação. A gente teve muita manchete negativa? Teve. Mas tiveram muitas ações aqui que a gente corroborou de forma muito respeitosa e cuidadosa para que o máximo de famílias pudessem conversar, negociar as suas áreas, fazer uma aquisição da sua propriedade sem passar pelo momento de desapropriação. O ato de desapropriar ele é muito duro. E isso realmente tiveram alguns casos muito pontuais em que a gente não conseguiu mitigar. Porque eles também não estavam preparados para isso, eles não quiseram diálogo com isso, eles preferiram a linha do advogado, a linha da justiça, outra linha. Isso a gente respeitou. Mas, as portas de convite e diálogo elas sempre foram feitas, sempre foram realizadas. A comunidade da Vila da Terra foi reassentada com 53 famílias e essas famílias estão lá até hoje. A gente está fazendo agora a atualização cadastral porque muitas famílias retornaram ou saíram ou venderam.

Quanto a agricultura familiar, a gerente listou uma série de ações que supostamente são realizados pela empresa Porto do Açu, inclusive durante a pandemia da Covid-19, como a compra de produtos agrícolas das comunidades Vila da Terra e Alto do Cardeiro (doando-os para instituições sociais, destinando-os para merenda escolar e para o restaurante desta empresa), além do apoio logístico de transporte para os agricultores do projeto Feira no Porto. Entretanto, a entrevistada expõe as dificuldades para que mais investimentos das empresas que atuam no Porto do Açu sejam realizados na cadeia agrícola local, como a falta de mapeamentos de dados sobre suas rendas e de produção, o baixo poder de organização da comunidade e a falta de liderança. E esse foi o motivo da criação de comitês comunitários no município, para ser uma porta de diálogo com a comunidade e para que ela entenda qual é a melhor forma de se reivindicar investimento. Os projetos, são aprovados por um Conselho de Desenvolvimento local da Porto do Açu, com destaque para o Participa Açu e o Programa de Monitoramento de Ocupação Urbana.

A gente tem um carinho muito grande por eles, por pensar na agricultura familiar como um pilar da sustentabilidade. Hoje, uma das grandes fragilidades é a organização social daquela comunidade. Não posso apoiar um projeto com CPF, preciso apoiar um projeto com elegibilidade, com organização, com institucionalização. Tem uns dois anos que a gente voltou fazendo uma pesquisa dos investimentos já realizados na agricultura familiar do território para mensurar o quanto ele foi positivo, o quanto ele foi negativo e quais foram os gargalos.

This article is from: