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6.3 A qualidade hídrica no 50 Distrito

que podem aumentar o NGMM) também não são levadas em consideração (SEENATH, WILSON e MILLER, 2016). No entanto, esse método de avaliação possui vantagens ao facilitar a identificação visual de áreas mais suscetíveis as inundações diretamente da elevação do NGMM, fornecendo uma projeção do cenário mais favorável (GALLIEN, SANDERS e FLICK, 2014). Frequentemente, a representação de áreas inundáveis em estudos feitos em regiões costeiras ocorre em forma de linhas ou faixas. Apesar de nesta tese o procedimento metodológico considerar linhas e não células individuais, essas linhas não percorreram o território sanjoanense de forma ampla. Consequentemente, houve a formação de linhas circulares em pontos bem específicos e, após a inclusão do buffer, as áreas inundáveis apresentaram uma abrangência circular. Os resultados obtidos mostram que em São João da Barra, os possíveis impactos da elevação do NGMM seriam: (i) alterações na qualidade da água de aquíferos, estuários e lagoas; (ii) estabelecimento de processos erosivos e/ou variação da intensidade erosiva que já ocorre em Atafona e na Praia do Açu; e (iii) perdas econômicas devido a inundação das áreas do Porto do Açu, áreas urbanas e áreas agropecuárias do município. A literatura científica aponta que a elevação do NGMM não será abrupta, e sim, ocorrerá de modo paulatino (CAZENAVE et al., 2014; RASMUSSEN et al., 2018; VOUSDOUKAS et al., 2018). Do mesmo modo, os cenários de inundação do IPCC não consideram flutuações de marés, fato que pode aumentar a amplitude e energia deste evento com as MCGs. Portanto, a cada década a possibilidade é que as inundações temporárias e/ou permanentes atingirão um maior número de pessoas e cidades costeiras (NICHOLLS e CAZENAVE, 2014). Por isso, deve-se considerar que os resultados obtidos neste estudo podem ser ainda mais significativos.

6.3 A qualidade hídrica no 50 Distrito

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Durante a amostragem no CQ as medições revelaram uma qualidade de água fora dos padrões indicados para fins de irrigação (segundo os critérios do USDA). Em Água Preta um PA apresentou valores de CE e salinidade elevados no CQ. Porém, apesar de ser um indício, não se pode conectar diretamente estes resultados com a atual deposição de sedimento no aterro hidráulico, visto que o último acidente

ambiental ocasionado pelo Porto do Açu ocorreu em 2012, e não há estudos e/ou registros recentes junto aos órgãos fiscalizadores (e.g. INEA, SEMA de São João da Barra, MP) que a estrutura do aterro hidráulico esteja causando percolação de água salina no lençol freático. Além disso, foi observado que sua vazão de água e profundidade do CQ variam em diversos trechos, provavelmente por este apresentar níveis diferenciados de assoreamento, inclusive com presença de macrófitas aquáticas e gramíneas. Este último fato também foi notado por Mansur et al. (2004), que observaram um maior deslocamento das massas de água e uma maior profundidade do CQ na localidade de Bajuru quando comparado à localidade de Sabonete. Apesar disso, este corpo hídrico continua sendo bastante utilizado na pesca, irrigação de pastagens e áreas de cultivo de olerícolas que garantem o sustento de inúmeras famílias, e ainda possui importância na drenagem regional. Os autores identificaram regiões na Microbacia do Rio Doce onde processos naturais elevam a salinidade dos lençóis freáticos e das águas superficiais. Em relação a LDI, parâmetros como CE, STD e temperatura da água destoaram dos valores obtidos em outros estudos realizados neste corpo hídrico (SUZUKI et al., 2002; AZEVEDO, 2006; ROCHA, 2010; SANTOS, 2012; VILAÇA, 2015; RAMOS, 2019). Apesar do presente estudo ter amostrado nos mesmos meses e locais georreferenciados dos estudos supracitados, os seguintes aspectos precisam ser considerados para explicar essa diferença observada e que pode limitar essa comparação de dados sobre a LDI: (i) uso de condutivímetros portáteis de diferentes marcas e calibragens; (ii) amostragem de parâmetros físico-químicos realizada em diferentes anos; (iii) variação sazonal na precipitação pluviométrica nos meses de amostragem; (iv) diferença do volume hídrico devido a abertura/fechamento da barra da LDI ao longo dos anos de amostragem; e (v) a própria abertura de barra, que geralmente ocasiona entrada de água marinha nos períodos de maré enchente e alta, cuja influência depende da largura e profundidade do canal. Os estudos supracitados também avaliaram outros parâmetros, como oxigênio dissolvido, demanda bioquímica de oxigênio, coliformes totais, carbonatos, turbidez e pH, tendo como resultados valores discrepantes daqueles descritos na literatura. As possíveis explicações para isso são: (i) contaminação histórica desse corpo hídrico e seu entorno devido ao lançamento indisciplinado de efluentes e à disposição inadequada de resíduos sólidos

decorrentes da urbanização desenfreada; e (ii) ausência de um sistema efetivo de fiscalização e monitoramento e de um programa de educação ambiental amplo e contínuo junto a sociedade. Conforme demonstram os resultados obtidos, a LDI apresenta um gradiente espacial de salinidade, CE e STD. Ou seja, estes parâmetros possuem um padrão de distribuição longitudinal, pois à medida que ocorre um distanciamento do oceano há um decréscimo de seus valores. Esse padrão de resultados, com maiores valores na porção norte (próxima a boca da barra de areia) e menores valores nas porções ao sul (mais interiores ao continente), também foi observado por Suzuki et al. (2002), Rocha (2010), Santos (2012), Vilaça (2015) e Ramos et al. (2019). Portanto, a proximidade do oceano interfere no gradiente salino da LDI. Esse padrão de distribuição também foi observado em outras lagoas costeiras do Norte Fluminense (PETRUCIO, 1998; BIDEGAIN, BIZERRIL e SOFFIATI, 2002; CHAGAS e SUZUKI, 2005; CORRÊA et al., 2013; VIANA et al., 2013; SANTOS et al., 2015; SILVA, 2018). O gradiente sazonal na CE e salinidade também merece ser destacado, já que no período seco para a região (abril a setembro) os valores destes parâmetros foram mais baixos quando comparados àqueles amostrados na estação chuvosa (outubro a março), provavelmente devido a maior influência precipitação pluviométrica. Especificamente para a CE na LDI, cabe ressaltar que em 2011 foi observado um padrão inverso por Suzuki (com. pess.), com maiores valores na porção mais afastada do oceano. Este fato pode estar relacionado a fatores externos, como o escoamento de água marinha da areia depositada no aterro hidráulico do Porto do Açu localizado na porção sul da LDI. Outros fatores externos como a abertura clandestina da barra para a entrada da água do mar e a influência do spray marinho tendem a manter o padrão horizontal na LDI. É sabido que a abertura da barra ocasiona drásticas mudanças hidrológicas e hidroquímicas na LDI que alteram seu gradiente salino, conforme já observado por Suzuki et al. (2002). Porém, no presente estudo não foram realizadas medições em época de abertura de barra, e por isso, não é possível afirmar se tais alterações influenciariam nos resultados obtidos quanto ao gradiente físico-químico longitudinal. A LDI possui uma grande biodiversidade, conforme exposto no Plano de Manejo da RPPN Fazenda Caruara. Portanto, qualquer desequilíbrio ambiental, como um processo de salinização, pode influenciar negativamente as espécies terrestres e

aquáticas que usufruem de seus recursos para reprodução e sobrevivência. Neste contexto, as UCs, como a RPPN Fazenda Caruara, e futuramente a Área de Proteção Ambiental de Grussaí, podem atuar na preservação deste ecossistema e torná-lo mais sustentável ao monitorar e limitar o uso dos seus recursos naturais. Quanto aos PATs dos agricultores, foi verificado que existe uma considerável variação de valores de STD e CE para o 50 Distrito, principalmente em Água Preta. Além disso, a maioria dos PATs apresenta restrições quanto seu uso na irrigação devido aos valores de CE, pois suas águas foram classificadas como C2 e C3. Cerqueira et al. (2014), ao analisarem 44 poços distribuídos em todo o território sanjoanense, encontraram esse mesmo padrão (CE variando de 84 a 1338 μS/cm e média de 535 μS/cm; STD variando de 41 a 669 mg/L). Burla et al. (2015) verificaram que, dos 42 poços amostrados em Água Preta e Mato Escuro em março/2013, apenas em 5,45% as águas foram classificadas como C4 (CE muito alta). Ainda de acordo com Cerqueira e colaboradores, aproximadamente 90% das amostras apresentaram qualidade de água dentro do recomendado para fins de irrigação, enquanto que cerca de 10% das amostras dos PATs destas duas localidades exibiram alguma restrição ao seu uso na irrigação. Entretanto, segundo Latini (2016), a salinidade das águas dos poços localizados no 50 Distrito está aumentando desde 2010. A autora ainda afirma que um dos impactos ambientais do Porto do Açu foi a salinização das águas desta região em 2012. Porém, não é possível afirmar que os valores elevados de sais presentes em 2021 nas águas dos PATs amostrados em Água Preta são resultados diretos da percolação de água marinha do aterro hidráulico e/ou de outras interferências e acidentes causados direta e indiretamente pelo Porto do Açu. O método e equipamento de amostragem e a época e condições climáticas em que as coletas foram realizadas por Latini podem explicar essa diferença de resultados. Apesar dos dados do presente estudo não indicarem mudanças hidroquímicas em PATs, as atividades do Porto do Açu ainda podem vir a ocasionar futuramente e/ou já ocasionam em outras regiões diferentes das que foram amostradas nesta pesquisa. No período de coleta de dados, a pandemia da Covid-19 interferiu parcialmente no cronograma de campo, e por isso, a amostragem de água foi realizada apenas em 2021, não sendo possível coletar dados também em 2020, conforme previsto inicialmente. Como contrapartida, buscou-se fazer a amostragem próximo aos locais

georreferenciados destes outros estudos e no mesmo período (março, julho, outubro e dezembro), além de utilizar os mesmos parâmetros para comparação (CE, salinidade, STD e temperatura da água). Conforme ressaltado por Cerqueira et al. (2014), o aquífero sanjoanense apresenta elevada vulnerabilidade natural de contaminação tanto devido à pequena profundidade do nível freático quanto às altas permeabilidades das areias que cobrem o território municipal. É de salientar que fatores antrópicos podem contribuir para esta contaminação, tais como: (i) aplicação em larga escala e sem controle de fertilizantes agrícolas e agrotóxicos pelos agricultores familiares, que utilizam essas práticas devido ao solo da região ser altamente arenoso e pouco fértil e também para combater diversas doenças fitossanitárias; (ii) deposição irregular de resíduos no lixão municipal; e (iii) construção e operação do Porto do Açu, especialmente seus aterros. Além disso, as características geológicas de São João da Barra (e.g. solo altamente arenoso e lençol freático próximo à superfície que possibilitam elevadas taxas de infiltração e percolação), podem potencializar tanto os processos naturais quanto os impactos dos acidentes ambientais causados pelo Porto do Açu no CQ e demais corpos hídricos, como a LDI. Essa contaminação dos lençóis freáticos e canais artificiais e naturais pode comprometer o equilíbrio ecossistêmico terrestre e aquático e afetar a saúde humana. Mansur et al. (2004) e Burla et al. (2015) constataram que a Microbacia do Rio Doce possui poucas informações relacionadas a contaminação e a degradação de seus corpos hídricos superficiais e subterrâneos, o que eleva a importância da realização de estudos direcionados e mais aprofundados sobre a qualidade do aquífero livre de São João da Barra. Diante deste cenário, é possível afirmar que, além de fatores externos como o Porto do Açu, o aumento da salinidade em alguns pontos na Microbacia do Rio Doce, como no CQ e PAT, também pode ocorrer em períodos de grandes secas ou quando há uma redução do volume de água doce na alimentação do lençol freático devido ao rio Paraíba do Sul encontrar-se em cotas baixas. O próprio processo histórico de avanço e recuo do mar e a estrutura geológica da região sanjoanense também são responsáveis pela presença de salinidade nas águas subterrâneas e superficiais deste recorte territorial. Em relação ao aterro hidráulico, o próprio EIA-RIMA do DISJB produzido pelos responsáveis do Porto do Açu já previa que poderiam ocorrer alterações

hidroquímicas na LDI em decorrência do transporte de areia e água marinha diretamente do mar com deposição dos sedimentos às margens deste corpo hídrico. De fato, os dados coletados no presente estudo reforçam essa possibilidade, uma vez que os valores de CE e salinidade de dois PAs na LDI próximo ao aterro (PA5 e PA6) foram superiores aos valores dos PAs mais próximos à barra. Mas apesar do impacto da salinização constar neste documento não foi apresentada nenhuma medida mitigadora, compensatória e/ou análise de risco. Além de minimizar um possível impacto ao afirmar que o lençol de água e corpos hídricos da região já apresentavam condições de salinidade de águas doces e salobras, a única proposta indicada neste EIA/RIMA (em caso de transbordo e derrame de água salgada) foi o monitoramento ambiental através do “Programa de Monitoramento dos Ecossistemas Aquáticos e Aquífero”. Outro impacto que também não consta no EIA/RIMA supracitado e que está relacionado à formação do aterro hidráulico é o do espalhamento de sedimentos marinhos, o qual ocorre devido às condições meteorológicas locais (e.g. direção e velocidade do vento). No aterro hidráulico, mesmo em períodos sem chuvas na região, é possível visualizar o acúmulo de água salgada sobre a areia (PESSANHA, 2022). Entretanto, é necessário ponderar os seguintes aspectos: (i) na amostragem hídrica não foi determinado o raio de impacto direto da movimentação da água salgada depositada no aterro hidráulico, a qual pode ter percorrido diferentes direções e ter afetado mais trechos e propriedades do que as inicialmente identificadas; (ii) quanto mais próximo da fonte de contaminação, maiores as chances de salinização dos PATs e do CQ; e (iii) como o período amostral ocorreu anos o acidente ambiental, é possível que áreas mais distantes tenham sido salinizadas e não identificadas dentro do raio de impacto direto e/ou que áreas com águas classificadas dentro dos padrões para fins de irrigação tenham se recuperado e retornado aos valores normais de CE e salinidade após o acidente supracitado. Apesar das alterações mais significativas do Porto do Açu, tanto positivas (e.g. geração de empregos, arrecadação tributária) quanto negativas (e.g. desapropriações, poluição), já terem ocorridas em São João da Barra nos últimos 12 anos, este megaempreendimento ainda pode gerar impactos em longo prazo e que ainda não se manifestaram e/ou não foram previstos em seus EIAs/RIMAs. A salinização antrópica do lençol freático e dos solos da região do 50 Distrito merece atenção especial, e, portanto, novos estudos são necessários para verificar a

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