Caderno pedagógico UMA HISTÓRIA PARA CONTINUAR

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UMA HISTÓRIA PARA CONTINUAR... CADERNO PEDAGÓGICO

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2008


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UMA HISTÓRIA PARA CONTINUAR... CADERNO PEDAGÓGICO

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CO-PRODUÇÃO ESTE - ESTAÇÃO TEATRAL DA BEIRA INTERIOR A MOAGEM - CIDADE DO ENGENHO E DAS ARTES


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1 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

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2 ...UMA HISTÓRIA PARA CONTINUAR O PROJECTO

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2.1 OFICINA DE EXPRESSÃO DRAMÁTICA E FÓRUM DE DISCUSSÃO

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3 SOBRE O ESPECTÁCULO

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4 SINOPSE, FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

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5 GUIÃO ...UMA HISTÓRIA PARA CONTINUAR

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6 OBSERVAÇÕES AOS PROFESSORES

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6.1 TEMAS A EXPLORAR

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6.2 TRABALHOS A REALIZAR

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6.3 PROPOSTA DE EXERCÍCIOS DE EXPRESSÃO DRAMÁTICA QUE PODEM AJUDAR À COMPREENSÃO DA HISTÓRIA

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7 CONTACTOS

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8 TEXTOS COMPLEMENTARES

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8.1 TEATRO DE SOMBRAS

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8.2 TEATRO DE OBJECTOS

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8.3 TEATRO DO OPRIMIDO

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9 FONTES E BIBLIOGRAFIA

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1 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA O respeito pelos programas jamais se deveria sobrepor ao respeito pelos alunos. Fernando Peixoto

A capacidade de invenção é fundamental para o desenvolvimento humano. A intervenção ao nível grupal tem por base o conceito de Educação Permanente, definido pela UNESCO como um Direito Humano Fundamental, como um “processo de ser humano” que através da diversidade de experiências aprende a expressar-se, a comunicar, a interrogar o mundo e a conhecer-se a si próprio cada vez melhor. “A Educação Permanente deve ser vista simultaneamente como uma consequência da cidadania activa e uma condição para a plena participação na sociedade” (directiva geral da UNESCO). A Educação Artística associa-se ao conceito de “Educação Permanente”, pretende através das artes descobrir novos instrumentos de observação, análise e de aprendizagem de conteúdos, ministrados de forma atractiva, dinâmica, mobilizadora da compreensão e da sensibilidade num ambiente de aceitação mútua em ordem à superação de fobias, de complexos, de auto-marginalização, de egocentrismo criandose um ambiente de verdadeira solidariedade colectiva. “A arte é uma mentira que nos ajuda a compreender a verdade” (Picasso). Mais do que metralhar conteúdos, a educação artística pretende motivar a percepção e compreensão de valores que edificam o homem e o integram consciente e solidariamente na comunidade. Procura um olhar renovado sobre a vida e explora caminhos no sentido de promover a comunicação e a expressão desses olhares.

cola,

os jogos de expressão artística possibilitam a inserção, no meio escolar, da experiência vivida no exterior e, deste modo, a escola torna-se não numa entidade fechada, abstracta ou distante, mas num prolongamento do real que ajuda a descobrir, interpretar e compreender. Muitas crianças deparam-se com dificuldades de aprendizagem ao nível cognitivo. Nalguns projectos desenvolvidos em parceria com as escolas e com os professores, como é o caso do “musepe”, os

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artistas procuram abordar nas suas sessões temáticas abordadas na sala de aula, muitas vezes de forma camuflada, fazendo com que a criança trabalhe ao nível da essência, dando-lhe referências sensoriais que lhe poderão permitir, no futuro, associar esse conteúdo a uma terminologia. A educação artística é, no fundo, um processo de exploração de outros meios de comunicação e de expressão que promovem a sociabilização, a percepção de si e dos outros, desperta a criança e o adolescente ao nível intelectual e pessoal, criando pontes com o mundo exterior e influenciando o seu comportamento social.

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2 ...UMA HISTÓRIA PARA CONTINUAR O PROJECTO

Muitas crianças sentem-se fracassadas pessoal e socialmente pela absoluta incapacidade de pensar uma história. Meirieu

Correspondendo à vocação de criação e formação de públicos, a ESTE - Estação Teatral inicia a sua actividade de criação focando-se com especial interesse no público mais jovem. Não quisemos projectar este trabalho apenas à dimensão do espectáculo, à simples relação entre quem faz e quem vê. Acreditamos que, quando se fala em criação e formação de públicos, esta relação é esporádica e inócua. O teatro deve ser visto numa relação mais dinâmica e prolongada. Antes de assistirem ao espectáculo as crianças participam numa oficina de expressão que visa criar pontes e ligações entre os alunos e a obra. Quem sabe ouvir uma história, sabe contar uma história, quem ouve histórias, é estimulado a compreendê-las, exercitando também a capacidade de criar e contar. Apropriar-se da linguagem é apropriar-se da história, conquistando autonomia para interpretá-la, compreendê-la e modificá-la à sua maneira, projectando nela um acto de reflexão e um juízo crítico individual integrado num projecto colectivo. No projecto ...Uma História Para Continuar é apresentado um espectáculo “em fase de construção” às crianças que terão de trabalhar sobre a história apresentada e terminá-la. Este espectáculo procura fazer reflectir as mentes mais jovens, mesmo que de uma forma inconsciente e metafórica, sobre questões sociais, económicas, políticas e filosóficas contemporâneas. O projecto culmina numa segunda apresentação (Junho 2008) criada a partir das reacções directas e indirectas dos seus espectadores. Será ainda realizada uma exposição dos trabalhos no momento da segunda apresentação.

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2008 é o ano do Diálogo Intercultural, onde certamente as problemáticas da liberdade, da justiça, do direito à diferença, do individualismo, entre outras, terão um lugar de destaque nas discussões e decisões políticas da actualidade. Dar às crianças uma oportunidade real para reflectirem sobre estas temáticas, fornecendo-lhes referências para que se interroguem e opinem sobre o momento presente, é um dever cívico e pedagógico que cabe a nós, artistas, educadores e programadores. A história contada é inspirada na Tomada do Carvalhal que data de 1890, um acontecimento político e social passado na aldeia de Souto da Casa, na região do Fundão. Na história da Tomada do Carvalhal, um feitor, António Antunes Aquém, foi castigado pelo povo por, em nome do seu patrão, o senhor Garrett, se ter tentado apropriar indevidamente dos terrenos baldios do Carvalhal, situados no alto da Serra da Gardunha. O feitor foi obrigado a descer a Serra com um castanheiro de pequeno porte às costas, seguido pelo povo que lhe perguntava incessantemente, De quem é o Carvalhal? Esta rebelião popular teve o seu fim perante a resposta do feitor, É nosso! E foi assim, depois de alguns trâmites jurídicos e processuais, que o povo conservou o direito de amanhar essas terras. Esta história real, com mais de cem anos, transporta na sua essência muitas das contendas com que nos continuamos a deparar no momento presente, no “aqui e agora”. 10

Na primeira fase do projecto, o espectáculo deixará em aberto a resolução do conflito propondo às crianças que decidam, depois de apresentados os factos, a quem pertencem as terras e, após encontrarem essa resposta, terão de decidir o processo, “como é que se fez?” para repor a ordem nas terras do pão, ou seja, se as crianças decidirem que as terras são do proprietário, terão de explicar o que fez este personagem para afirmar o seu direito de posse sobre as terras. A opção de não se fazer uma reconstituição histórica do acontecimento, de nem sequer se localizar a história em nenhum espaço e tempo em concreto, é uma opção consciente que se coaduna com os objectivos pedagógicos e artísticos deste projecto. Mais do que memorizar uma data ou uma localização geográfica pretende-se que as crianças pensem de facto, que compreendam a essência da história e a discutam de uma forma criativa, passando a transportá-la dentro de si, pois só assim poderão intervir verdadeiramente sobre a história. A possibilidade de se falar às crianças da história do Carvalhal na sala de aula será uma opção do professor, mas gostaríamos que elas decidissem por si a resolução do conflito, sem que fossem directamente influenciadas por uma única realidade. Se contarem a história do Carvalhal como referência à compreensão do conflito, pedimo-vos que lhes dêem outras visões e lhes dêem outras referências históricas e/ou fantásticas. A resolução descoberta pelas crianças não tem de ser igual à da história do Carvalhal.


2.1 OFICINA DE EXPRESSÃO DRAMÁTICA E FÓRUM DE DISCUSSÃO

A melhor forma de se integrar as crianças no teatro é mostrar-lhes ou desvendar-lhes essa magia, 11 a de podermos ser outra pessoa, noutro espaço, noutro tempo, noutra história. As crianças facilmente se deixam transportam através da imaginação para outro universo, mas não criam a distância com a realidade da sua vida. Nesta oficina procuramos criar uma ponte entre a sua realidade cultural e a realidade do trabalho que vamos apresentar; trata-se acima de tudo de um “aquecimento”, de preparar o jovem público para ver o espectáculo em perfeita sintonia com quem o estará a fazer. Durante a oficina serão enunciadas as regras para se assistir ao espectáculo: o silêncio, a concentração... Faremos em conjunto alguns exercícios de expressão corporal com o objectivo de descontrair o público e exercícios de disponibilização utilizando réplicas de objectos que entrarão no espectáculo começando, desde esse momento, a despertar a curiosidade para o mundo e para a linguagem dos objectos. No final do espectáculo vamos mostrar como funcionam os seus bastidores, como manipulamos os objectos, como fazemos as sombras, de onde vem o som. Vamos lançar as primeiras perguntas sobre a história lançando um debate, um fórum de discussão, de forma a assegurar a compreensão das ideias, começando precisamente a relacioná-las.


NOTAS

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3 SOBRE O ESPECTÁCULO

Encontrar um tema, uma história. Encontrar uma forma de se contar essa história. Encontrar um título. Escrever um texto. Enfim, conceber um espectáculo sobre um tema sério, mas que prenda a atenção e suscite a curiosidade dos mais pequenos, o público mais cruel pela sua exigência. O objectivo deste espectáculo é o de explorar um Teatro Didáctico de Intervenção, que conta histórias onde o único limite é o infinito, mas também o de alimentar o imaginário, despertando-o de modo a desenvolver as capacidades dos espectadores que terão de resolver e responder a problemas para que a história avance e o conflito se resolva. Em vez de se procurarem soluções audiovisuais cheias de efeitos especiais para captar a atenção do público, sendo que, na verdade, não temos orçamento para tal, decidi criar um espectáculo com técnicas e linguagens ancestrais adaptando-as às exigências do mundo contemporâneo. Recordo, de forma muito presente, a infância, os tempos em que brincava durante horas com amigos imaginários ao “faz de conta”. Sei, no entanto, que às crianças do nosso tempo é cada vez mais difícil imaginar ou entreterem-se com (ou sem) nada. A quantidade de informação e de bens materiais com que são também elas bombardeadas diariamente, fê-las mudar de hábitos e de brincadeiras e, estranhamente, o jogo das escondidas tornou-se em dez anos num jogo tradicional. Neste espectáculo recorremos às sombras chinesas que, por norma, são feitas com formas recortadas em cartão ou noutros materiais, e a sombras humanas, que utilizam objectos de tamanho real. O gesto e a música substituem o recurso à palavra e exploramos o teatro de objectos construindo a partir desta técnica os heróis e anti-heróis da história.

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A manipulação de objectos e sombras, o gesto e a música são assim as linguagens utilizadas de forma preferencial neste espectáculo através de uma dramaturgia coerente e objectiva. Esta opção não invalida a existência de um texto, mas a palavra surge apenas em certos momentos específicos da narrativa assumindo-se este espectáculo, essencialmente, como uma narrativa visual.

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4 SINOPSE, FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Era uma vez uma terra, uma terra sem dono, onde não cresciam apenas flores, milho, centeio. 15 Desta terra cresciam também sonhos, ambições, desejos e, às vezes, sofrimento e revolta (…) As terras do pão estavam em pé de guerra. Num mundo fantástico em que as enxadas, as panelas, as cabaças, as foices e outros objectos do quotidiano rural pensam, sentem, dançam e sonham, em que os humanos trabalham e cantam envoltos de uma névoa, num mundo em que as sombras têm cores e os animais falam, instala-se a confusão perante a pergunta, de quem é uma terra sem dono? Embrenhados num mundo de ilusão, de movimentos e gestos, de objectos e sombras, de sons e canções, contamos uma história aparentemente simples, mas cuja essência revela os grandes dilemas da actualidade, a questão da posse, da partilha, do egoísmo, da compaixão, da liberdade, do poder, da justiça, do castigo, da tolerância… Pão de Guerra conta-nos, através de metáforas visuais e narrativas, histórias de amor e de revolta centradas na eterna dualidade entre o eu e o nós.


Concepção, texto, dramaturgia e encenação Maria de Vasconcelos Música original Alexandre Barata Sonoplastia Alberto Lopes e Alexandre Barata Montagem e Apoio Técnico Alberto Lopes, João Caria, Pedro Fino Espaço Cénico e Adereços Maria de Vasconcelos e Pedro Fino Desenho de Luz Pedro Fino Operação Técnica Alexandre Barata e Pedro Fino Produção 16

Telma Marques e Pedro Fonseca Fotografias Pedro Galhano Grafismo e Paginação António Santos (postal) e Pedro Fonseca (caderno pedagógico) Interpretação Alexandre Barata, Maria de Vasconcelos e Pedro Fino Financiamento Câmara Municipal do Fundão Co-produção ESTE – Estação Teatral da Beira Interior A Moagem - Cidade do Engenho e das Artes


5 GUIÃO ...UMA HISTÓRIA PARA CONTINUAR

CENA 1 Lavoura

Formato: Sombra humana + canção n.º 11 Romanças

Ao som de uma canção vemos a noite transformar-se em dia. Com a aurora nasce uma sombra humana que segura uma enxada. Esta pessoa começa a trabalhar a terra. Os movimentos são lentos e terminam com uma mão que segura uma foice e corta centeio. A canção começa a transformar-se nas sonoridades do trabalho rural e do tempo.

CENA 2

Transformação Formato: Sombras chinesas + sons do trabalho rural e do tempo

(Abre-se uma nova sombra no ciclorama. Vemos uma árvore. Neste espaço cresce um campo de cereais, vemos flores e espigas de milho a surgirem do chão. Passa uma borboleta e desce dos céus uma aranha.) Aranha Era uma vez uma terra, uma terra sem dono, onde não cresciam apenas flores, milho, centeio. Desta terra cresciam também sonhos, ambições, desejos e, às vezes, sofrimento e revolta. Era uma terra que se transformava em cores, em música e em que tudo ganhava vida (A aranha sobe. Volta a passar a borboleta, a sombra vai-se apagando e começamos a ouvir o pífaro)

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CENA 3

Vamos regar o pão Formato: Sombras humanas + Música ao vivo (mistura de instrumentos musicais com objectos da lavoura) + Instalação do cenário

(Começa a ouvir-se o som da peneira e do chocalho, que se vêem-se em sombra. Entra a actriz que faz do cesto um instrumento musical. Entra o pífaro e vemos um músico a tocá-lo, umas mãos seguram uma peneira, um chocalho, e com os sons do cesto de verga criamos uma pequena orquestra. Espalhase milho pelo chão, como se fossem sementes. A actriz pousa o cesto, começa a cantar e a instalar o cenário, que é nesse momento negro e vazio, até o transformar num campo colorido. O músico troca o pífaro pelo adufe. Do cesto retira umas meias de lã e umas botas que calça nas mãos.) Canção A terra é de quei a amanha E o chól é de quei o apanha Ai bamos chemear o pão A terra dá-nos comer E a binha dá-nos buer Ai bamos regar o pão 18

A terra é de quei trabalha Não é de quei enxovalha Ai bamos colher o pão A terra é cobichada É fortuna desejada Ai querem-nos roubar o pão

CENA 4

Proprietário e Feitor Formato: Um actor em sombra (proprietário) e manipulação de objectos (um par de botas no estrado, o feitor)

(Entra o feitor. Ouvem-se os seus passos. Habita o espaço como se o tacteasse. Apercebe-se que está só e assume uma posição de descanso, está prestes a adormecer quando o proprietário aparece em sombra com uma imagem imponente face ao feitor (botas). Proprietário fala sem sotaque.) Proprietário O que é isto? Feitor assusta-se. Recompõe-se e escuta servilmente as palavras do seu patrão. Proprietário (irónico) Agora deram em plantar alfaces e cenouras? Não bastava o pão e a batata? (Grita.) Meca!


(Feitor “em sentido”.) Proprietário (Deambulando, prossegue) Tu és o meu feitor e a partir de hoje terás uma grande tarefa. Ambosdois sabemos que a terra, que vai daqui até ao cabeço, é minha, da minha família! Certo? (Proprietário olha para o feitor.) (Feitor faz um gesto de afirmação, mas conta ao seu patrão que o povo pensa de outra maneira.) Proprietário exaltado O quêi? Dizem o quêi? Que a terra é de quem a amanha? De quem a trabalha? Que disparate! A terra é da minha família. Nós apenas permitimos que o povo semeasse nelas, mas isso agora acabou-se! Tenho planos para estas terras! (Fica absorto nos seus pensamentos.) (Feitor caminha de um lado para o outro como se pensasse também.) Proprietário (com movimentos majestosos) Empurra o povo lá para baixo. Quero estas terras livres! Feitor explica como irá expulsar o povo das terras simulando dar-lhes dois pontapés. Proprietário (que emerge dos seus pensamentos) O quêi? Não me interessa como o vais fazer. Acata as minhas ordens sem comentários! (Simula que se vai retirar) (Feitor corre atrás do proprietário e pergunta se será recompensado.) Proprietário Não, Meca, não há terras para ti! Cumpre com as tuas obrigações que seguramente serás bem recompensado. Vá atão! (Sai) (Feitor fica contente. Antes de sair destrói algumas culturas e chama as suas ovelhas.)

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CENA 5

Destruição Formato: Manipulação de Objectos

(Entram dois objectos em cena que, pelo ambiente sonoro que produzem e pela sua textura, nos conduzem à imagem de duas ovelhas. Aproximam-se do público, sobem depois para o estrado e começam a comer a erva dos campos.)

CENA 6 Revolta

Formato: Objectos em Sombras

(Enquanto as ovelhas comem e destroem as terras, surge em sombra uma foice que as observa.)

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Foice Qu’é que che pacha aqui? Xô daí bicharada! Raios m’a partichem a criação! Xô! Toca a andar! Ide almoçar a bossa casa! Pcht! Xô! Ei xô! (Sai primeiro uma ovelha) Xai daí ó calmeirona! Mas quei é que pôs aí a bicharada? Xô! A andar! (Sai a 2ª ovelha e aparece o Meca) Meca! Traidor! Se te apanho mato-te! Podes ter a certeza! Desaparece daqui antes que faça uma desgraça! (Meca começa a correr e sai de cena em câmara lenta enquanto a luz da sombra vai aumentando) Que desgraça! As colheitas foram todas destruídas! Acudam! Ó pessoal, onde é que vocês se meteram! Destruíram-nos as colheitas! 1º Sacho (Aparece) Mas o que é que che pacha aqui home que che oubem os teus gritos para lá dos montes? Foice Olha para as nossas colheitas! Tu já biste isto? 1º Sacho (Observa as terras) Tudo destruído! Desde Janeiro a semear o pão e de um momento para o outro ficamos sem nada! Ai que sachais, sachadeiras, que sachais?! 1ª Forquilha (Aparece) Mas o que é que che pacha aqui? Ó, meu Deus, mas parece que passou aqui um vendaval! 2ª Forquilha Um vendaval? Mas eu nem ouvi a triboada! Mas quem é que andou aqui a amassar o pão?


Tanto suor para nada! Andamos aqui a tentar arrancar o sonho do chão e fazem-nos uma coisa destas! (Aparece o 2º sacho) 2º Sacho (manual) Cansada de vir a correr Mas o que é que che pacha aqui? Ai o lavradio está todo destruído!! Todos Tudo destruído! Tudo destruído! 2º Sacho Mas quei é que nos quer roubar o pão? Foice Quando cá cheguei estava um rebanho a comer o pão, as chenouras, as alfaches… tudo! Eu bem as enxotei, mas já era tarde demais! (Baixa o tom de voz para criar suspense) E as ovelhas eram do… Meca! Todos ÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓ 1º Sacho Mas onde é que está o desgraçado do Meca? Foice Fez-se à breda quando comecei a gritar com ele! Fugiu o Falcato! 2ª Forquilha Mas porquê? 2º Sacho Pode ter sido um acidente! 1º Sacho Ora, ora um acidente! Se tivesse sido um acidente ele não tinha fugido a correr! Quer envidar é o que é! 2º Sacho Quer o quei? 1º Sacho Quer envidar! Quer chubir na bida! E às nossas custas! Mas leva com um pau pela espinhela abaixo que até anda de lado! Debe penchar que as terras chão dele! Mas espera che queres ber! 1ª Forquilha Dele como? Estas terras num têm dono! E quei é que as trabalha? Quei é? Todos Xomos nós! Xomos nós!

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2º Sacho Pachamos o ano inteiro a amanhar a terra facha chuva, facha chol. Fiquemos com as mãs cheias de borregas e de calos para dar comida aos nossos filhos que andam para aí descalços e de um momento para o outro ficamos chem nada! Tem de cher feita justicha! Afinal de quei chão as terras? 1º Sacho Chão de quei? Chão dele? (Começa a ouvir-se a música dos bombos) Tem de cher fêta justicha! As terras chão de quei? Todos As terras chão de quei? Chão dele? Chão minhas? Tuas como? Chão bossas! As terras chão nochas, chão de todos! Não há direito de nos destruírem as colheitas! Ai querendes ou não querendes? São minhas? Vossas? Dele? De quem? (O som dos bombos mistura-se com as palavras que se vão tornando imperceptíveis. Os objectos ficam muito agitados)

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CENA 7

Pé de guerra VS. Normalidade Formato: Sombras chinesas

(No meio desta confusão volta a descer a aranha, enquanto o som dos bombos se vai dissipando.) Aranha A discussão sobre a destruição das terras lavradas prosseguiu de forma muito acesa. Perguntavam, sem se cansar, a quem pertenciam aquelas terras afinal? E se pertenciam a alguém, será que esse alguém tinha o direito de destruir as culturas de forma tão impiedosa e cruel? As terras do pão estavam em pé de guerra! Mas, nem todos estavam informados do que acabara de acontecer, e aqueles que ignoravam a desgraça pensavam, falavam e faziam outras coisas. (Surge a música da Festa. Apaga-se a sombra e acende-se a luz do estrado.)


CENA 8 Festa

Formato: Manipulação de objectos

(Entram 2 bailarinas em cena [2 cabaças] que dançam saltitando alegremente. A este par junta-se um outro [2 canecas]. Nesta curta coreografia assistimos a uma pequena cena de ciúmes. A música termina com aplausos. Saem as bailarina e surgem dois personagens, uma senhora leiteira e um senhor velhote, um garrafão.)

CENA 9

Blá! Blá! Blá! Formato: Teatro de Objectos

Leiteira Chempre às boltinhas, às boltinhas. Num chei como é que num caem p’r’o lado Garrafão Ó mulher chempre a reclamar. Deixa lá as gaitas dançarem à bontade. Leiteira Mas num podiam rodar para o outro lado? Daqui a nada fiquem tontas e caem… Garrafão Do chão não passam. Leiteira Ai, maj ch’o lête ajeda! Nocho chenhor que nos balha… Garrafão Antes ajedar o lête que o binho! Leiteira O binho faje-me mal à chiética… Garrafão Chó pencha no mal… raios m’a partichem a mulher ou diabo. Cale-te e deixa oubir a mújica. (Pausa) Leiteira A música já acabou! Garrafão Não acabou nada. Está no intervalo! Leiteira Às tantas chegámos no fim da festa! Garrafão Está no intervalo!

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Leiteira Tenho um mau pressentimento! Garrafão Está no intervalo! Leiteira Tenho um aperto no peito. Garrafão Mas é só o intervalo! Leiteira Ainda por cima não sei da Teresinha! Garrafão Debe estar com o Jaquim. Deixa lá de penchar em desgrachas e bamos dançar que a música debe estar a começar! (Apaga-se a luz do estrado e acende-se a luz do cubo)

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CENA 10

Apaixonados Formato: Teatro de objectos

(Acende-se a luz no cubo e aparecem dois personagens, a Teresinha, almotolia, e o Jaquim, a garrafa.) Teresinha ‘Tou cansada da lavoura! Jaquim Eu gostava era de ter um banco! (Aparece um banco em cena. Fala com o manipulador.) Pst! Não era destes! Era um banco a sério! (Manipulador encolhe os ombros. Sobem para cima do banco. Em tom de brincadeira) Chega-te para lá que este banco é meu! Teresinha fica ofendida Agora és dono do banco? E do jardim? Jaquim O jardim também é meu! Teresinha O jardim e o banco que eram de todos, agora são só teus? Jaquim Chim chenhor!


Teresinha E também és dono do Sol? E das flores? E das estrelas? E das pessoas que aqui entram? Jaquim (em tom de brincadeira) Isso já não sei… Teresinha Atão pensa nisso! Jaquim Estava a brincar! Tenho uma surpresa para ti… Ó Zé! Zé Diz lá Jaquim! Jaquim Toca-me aí esse estilo. Zé Mas tocar o quê? O Vira? 25

Jaquim Não! A surpresa… Zé A serenata? Jaquim A serenata!


CENA 11 Serenata

Formato: Teatro de objectos + Sombra humana

(Ao som da guitarra ouve-se:) O meu amor disse que vinha Antes da lua nascer Ai lua que vais tão alta E o meu amor sem aparecer (2 x) (Apaga-se a sombra. Voltamos aos apaixonados.)

CENA 12

Paris de França Formato: Teatro de objectos

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Teresinha Ó Jaquim! Esteja lua cheia ou lua nova, vou aparecer sempre! Jaquim Tenho andado a sonhar com uma ideia. Acho que devíamos ir ver a lua noutras terras. Devíamos a procurar uma vida melhor… Teresinha Mas nós temos uma vida tão bonita aqui. Não precisamos de sair da nossa terra para encontrar a felicidade. Jaquim Levamos a felicidade connosco e voltamos um dia à nossa terra, mas pelo menos vimos outras coisas, trazemos um pé de meia… Teresinha Vamos ter saudades da nossa terra. Para trabalhar não precisamos de ir embora! Deixar a terra onde fizemos as nossa juras de amor… Jaquim Mas vamos para a terra dos amantes! Para Paris! Para França! Vamos para Paris de França… Teresinha Mas até na terra dos amantes não vamos passar de dois emigrantes! Jaquim Não sejas pessimista. É uma cidade romântica e há lá muito trabalho. Tenta só imaginar-nos a passear por Paris de França (Luz dos apaixonados baixa. Começa-se a ouvir música da Piaff.)


CENA 13

Paris de França II Formato: Sombras chinesas

(Aparece o quadrado: 1º lua; 2º Torre Eiffell; 2 namorados a passear ao som da Edith Piaff. Ouve-se no final da cena:) Jaquim Voltamos lá para o nosso Portugal e fazemos uma maison com janela para a frente e fenaîtres para trás e uma placa a dizer, restaurant.

CENA 14

Fim da Festa Formato: Teatro de objectos

(Volta a música da Festa num volume baixo que permita a audição da vozes.) Garrafão Estás a ver já começou a música! Vamos dançar? (Entra a Panela e ficam os três a dançar durante alguns momentos.) Panela Pelo menos um dia longe da cozinha! Já não posso ver castanhas! É muita faina, são as terras, as roupas, os catraios, tratar os animais… se não fossem estas festas de vez em quando… Leiteira Tem toda a razão. Garrafão Haja Festa!

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Leiteira Gosto muito do seu avental! Panela Fui eu que o fiz! Copiei-o de uma revista, nem foi preciso ir à modista! Leiteira Somos muito habilidosas! Eu fiz esta camisa da minha imaginação, fi-la de retalhos e não gastei um tostão! Garrafão Haja Binho! Eu cá aparei o bigode, mas continuo feio como um bode! (ri-se) Leiteira e Panela Não está nada feio! Está tão jeitoso! Leiteira Ó Senhor João, você é um bonacheirão! Garrafão Tristezas não pagam dívidas! 28

Leiteira Ó Dona Natália, não se pode ir embora sem antes nos dizer uns poemas! Garrafão Aquele dos marujos… Dão-nos marujos de papelão! Leiteira Com carimbo no passaporte, Panela Por isso a nossa dimensão Não é a vida nem a morte Leiteita Dão-nos um bolo que é história Panela Da nossa história sem enredo Leiteira E não nos soa na memória Garrafão Outra palavra para o medo (Entra o sachinho a correr.) Sachinho Destruíram-nos as colheitas! Querem-nos roubar as terras!


Venham todos! Querem-nos roubar as terras! (Sai a correr) Todos (Enquanto saem) E agora? Vamos morrer à fome? Que será de nós… O estrado fica vazio. Começa a apagar-se a luz e a acender-se a luz das sombras. Ilumina-se o quadrado da primeira cena.

CENA 15 FIM

Formato: Sombras chinesas

(Repete-se a 1º cena de sombras chinesas fixando-se a 1º imagem das terras. Aparece a aranha) Aranha Como podem imaginar naquele dia já ninguém voltou a dançar nem a dizer poesias. A festa acabou no momento em que se espalhou a notícia sobre a destruição das colheitas. Mas e o que terá acontecido? Será que se zangaram? Que discutiram? Que castigaram alguém? Revoltaram-se ou calaram-se? E de quem são afinal umas terras sem dono? De quem são? (Volta-se a ouvir a música dos bombos e palavras: Nossas? Dele? Vossas? Minhas?...)

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6 OBSERVAÇÕES AOS PROFESSORES A arte é imanente a todos os Homens e não a apenas a alguns eleitos. Augusto Boal

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Preferimos que os alunos se confrontem com perplexidades e dúvidas, do que criem uma relação fechada e acabada com o objecto apresentado, tendo assim como objectivo deixar que a imaginação dos espectadores preencha os vazios e os não-ditos deixados pela linha narrativa do espectáculo. Voltamos a sublinhar que a opção de se falar às crianças da história do Carvalhal na sala de aula será uma decisão do professor. Gostaríamos que as crianças decidissem por si a resolução do conflito sem que fossem directamente influenciadas por uma única realidade. Se contarem a história do Carvalhal como referência à compreensão do conflito, pedimo-vos, mais uma vez, que lhes dêem outras visões e lhes dêem outras referências históricas e/ou fantásticas. A resolução do conflito descoberta pelas crianças não tem de ser igual à da história do Carvalhal. Com este dossiê pretendemos dar aos professores algumas ferramentas de trabalho e explicar a que níveis são necessárias a colaboração e imaginação das crianças para terminar a nossa história. Para darmos o espectáculo por concluído, não só vamos precisar da ajuda das crianças para resolver o conflito e, possivelmente, de novas personagens, mas também de encontrar um título para esta história e uma imagem para o cartaz.


6.1 TEMAS A EXPLORAR

Para que consigam reflectir sobre a história, como um todo, e dar-lhe continuidade encontrando 31 a resolução do conflito, poderão ser abordados temas e situações do espectáculo, na sala de aula, com o intuito de contextualizar as crianças: 1] A Agricultura: associá-la a um espaço físico/imagem; a uma profissão/trabalho; ao fenómeno da transformação e da metamorfose pensando na “viagem” dos alimentos desde a semente; 2] Avaliar e perceber os interesses e as necessidades das personagens em relação às terras, do proprietário, do feitor, dos trabalhadores rurais, abordando assim as questões da posse, do egoísmo e da partilha, do poder; 3] Questionar a atitude do proprietário de mandar destruir as colheitas falando-se assim da imposição da vontade pela força, do castigo; 4] A festa enquanto espaço físico e social. As crianças poderão investigar danças tradicionais ou cantigas da região através de entrevistas aos pais e aos avós descobrindo no que trabalhavam, como se divertiam, se dançavam, se cantavam no trabalho ou faziam serenatas, se emigraram algum dia…; 5] Em que situações da peça vemos momentos de amor e de revolta; 6] Os apaixonados, será que emigraram? Como vai terminar a sua história? Vão para Paris?


6.2 TRABALHOS A REALIZAR OS TRABALHOS DEVEM SER APRESENTADOS ATÉ DIA 15 DE ABRIL DE 2008

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PARA O CARTAZ Serão escolhidos um título e uma imagem para o cartaz a partir dos trabalhos apresentados pelas turmas: 1] Encontrarem um título para o espectáculo/história (3 títulos por turma); 2] Fazer um desenho sobre o espectáculo (individual).

PARA A HISTÓRIA Encontrar a resolução do conflito (composições individuais): 1] A quem pertencem as terras sem dono? 2] Como se vai resolver o conflito? O que vai acontecer? As crianças terão de criar novas cenas que levem ao desenlace do conflito.

PARA O ESPECTÁCULO/HISTÓRIA Criar um novo objecto para o espectáculo (no mínimo 1 por turma) que possa ser usado como: 1] Instrumento musical; 2] Adereço e/ou 3] Personagem


Cada objecto deve vir acompanhado de ficha de identificação onde conste: 1] Nome 2] Idade (se for personagem) 3] Profissão (se for personagem) 3] Acção que vai ter na história ou em que momento do espectáculo deve entrar e porquê? 4] Como se manipula?

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NOTAS


6.3 PROPOSTA DE EXERCÍCIOS DE EXPRESSÃO DRAMÁTICA QUE PODEM AJUDAR À COMPREENSÃO DA HISTÓRIA

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JOGO DAS PROFISSÕES Os participantes em grupos de 3 ou 4 reproduzem através da expressão corporal, através de uma imagem colectiva, profissões relacionadas com a história. O grupo que assiste tem como objectivo adivinhar a situação retratada. É natural que se explorem posturas gestuais relacionadas com o quotidiano rural.

O RETRATO DE FAMÍLIA Em grupo constroem os retratos das possíveis famílias daquelas terras explorando assim as competências sociais das personagens .


CRIAR UM ESPECTÁCULO recorrendo a sombras e a objectos. As crianças podem também transformar os objectos e as sombras do espectáculo em personagens humanas

IMPROVISAÇÃO DE MUNDOS SONOROS Em dois grupos, recorrendo apenas ao som, recriar um lugar e/ou uma acção. O grupo que assiste tem como objectivo adivinhar do que se trata. Objectivo específico Estimular o sentido criativo dos participantes no sentido de se criarem sonoridades tendo como instrumentos o aparelho vocal e outros objectos que não têm de ser necessariamente instrumentos musicais convencionais.

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SUBSTITUIR A PALAVRA PELO GESTO. JOGO DA MÍMICA Alguém conta uma história. O grupo é dividido em dois. Com base na história, um grupo ocupa-se do Mundo Sonoro e a outra dos Gestos da Acção e terão, desta forma, de contar a história. Objectivo específico Início da dramatização de pequenas histórias onde começam já a surgir pequenas personagens e ambientes sonoros.


7 CONTACTOS

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Contamos com a vossa colaboração e estaremos disponíveis para registar, em qualquer momento, as vossas dúvidas, comentários e sugestões. Este projecto é nosso, é de todos. Responsável Pedagógica Maria de Vasconcelos Telemóvel 91 681 80 07 E.mail mariavasco@gmail.com Coordenação Alexandre Barata Telemóvel 963859394 E.mail esteteatro@gmail.com Site www.esteteatro.home.sapo.pt Produção Telma Marques e Pedro Fonseca Telemóvel 96 677 24 16 E.mail tmarquesgabcultural@gmail.com Financiamento Câmara Municipal do Fundão Co-produção ESTE – Estação Teatral da Beira Interior e A Moagem - Cidade do Engenho e das Artes


8 TEXTOS COMPLEMENTARES 8.1 TEATRO DE SOMBRAS

Considerado a pré-história do cinema, o espectáculo com sombras remonta há cerca de 2000 37 anos, embora as sombras tenham feito sempre parte da memória histórica do Homem. Os artistas que, oito milénios antes, pintaram búfalos nas grutas de Altamira à luz de candeias de azeite, tiveram certamente consciência e até, talvez, receio das sombras que projectavam. Apesar de ser impossível determinar ao certo o local das primeiras apresentações, acredita-se que esta técnica começou a ser explorada na China no reinado do imperador Wu Ti (140-086 A.C.) em que muitos contadores de histórias, com vontade de levar as tradições orais a mais gente e com a ajuda da imagética, criaram écrans de dois metros por um, a um metro do chão. Antes do écran, havia uma plataforma estreita onde o contador fixava os paus das marionetas, de modo a manter a personagem totalmente imóvel. Nestes espectáculos era comum a presença de um ou mais músicos a tocar flauta e vários instrumentos de percussão. Durante os séculos X e XI o teatro de sombras difundiu-se até Java, onde os espectáculos faziam parte de cerimónias de iniciação, dando a conhecer aos jovens a mitologia e a história da sua cultura, sendo apresentados em alturas marcantes da vida, como casamentos ou cerimónias fúnebres. Nas peças javanesas, a música era o contraponto da narração; numa cena de batalha, a música fazia aumentar a tensão, desempenhando, por outro lado, nos momentos românticos, uma função tranquilizadora. Esta técnica viajou depois para o ocidente, pela Turquia e Grécia. O teatro de sombras na Europa Ocidental assumiu uma forma bastante diferente. As marionetas deixaram de ser translúcidas e coloridas e passaram a ser pretas e opacas. O primeiro país onde se terão implementado foi na Alemanha, seguindo


depois para França e Inglaterra. Outros países com tradição própria de teatro de sombras são a Malásia, o Egipto, o Irão e o Cambodja. As sombras são figuras recortadas em cartão e/ou couro com as partes translúcidas e coloridas muitas vezes articuladas e, por isso, parecem mais reais, mexem a cabeça, os braços. Estão por norma seguras por um cabo de aço ou de madeira.

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8.2 TEATRO DE OBJECTOS

O Teatro de Objectos aproxima-se, no seu conceito, ao teatro de marionetas, e há mesmo quem 39 defenda que fazem parte de um só grupo. O actor-manipulador transfere para o objecto a personagem e é através da qualidade do movimento, da voz/sons/música e do gesto que dá vida àquele objecto. No teatro de objectos pode ou não haver texto/palavra. Os actores vestem-se por norma de preto e usam luvas da mesma cor, de forma a dissipar a sua presença, o que permite que o foco de atenção esteja no objecto. Não há, porém, a necessidade de se esconder o manipulador, como acontecia frequentemente no teatro de marionetas, dado que, muitas vezes, o próprio manipulador pode contracenar com o objecto. Nalguns espectáculos os objectos aparecem caracterizados, noutros surgem com a sua aparência de sempre, sendo a manipulação e o mundo sonoro os elementos que nos fazem viajar para outros mundos, permitindo-nos esquecer a utilização real e quotidiana do objecto. Os objectos podem ser manipulados através de fios, mas a grande maioria dos actores-manipuladores movimenta-os directamente com as mãos. As técnicas relacionadas com o movimento têm como base os mesmos princípios da técnica da máscara. Na fase da infância, a maioria de nós brinca com os objectos dando-lhes nomes, projectando neles situações, conversas através do jogo e da imaginação. Na sua essência, o teatro de objectos assemelha-se a esse jogo, procurando, porém, de forma consciente, um estudo preciso do movimento e do ritmo, criando-se a ilusão de que aquele objecto está vivo.


8.3 TEATRO DO OPRIMIDO

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A Estética do Oprimido baseia-se na ideia de que o teatro é essencial, está na essência própria do Ser Humano. Trata-se do teatro que todo o ser humano é, devido à capacidade de se ver a agir, de ser espectador de si próprio: Como actor: Age Como encenador: Dirige a acção Como figurinista: Tenta adequar a sua aparência à situação e ao cenário onde vai actuar Como dramaturgo: Produz o texto conforme a ocasião Como ser humano: É capaz de representar a realidade, recriar o real numa imagem, para entender a sua existência e imaginar a sua acção futura. O Teatro do Oprimido actua estimulando as pessoas a descobrirem o que já são, a revelarem para si próprias que são potência, que ,por serem capazes de metaforizar o mundo, ou seja, de representá-lo, são capazes de recriá-lo. O objectivo é que essa descoberta, ou redescoberta, permita que cada um se aproprie do que originalmente é seu: da capacidade de se ver a agir, de analisar e recriar o real, de imaginar e inventar o futuro. O objectivo do Teatro do Oprimido é o de oferecer lazer educativo incentivando a interacção por meio da Arte (dramática, plástica, musical…), melhorando a qualidade de vida dos participantes. Um dos exemplos de maior sucesso da prática do Teatro do Oprimido foi em 1973, no Peru, num Plano Nacional de Alfabetização Integral (vide in Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas by Augusto Boal, pp. 179238, editora Civilização Brasileira, 2005) O seu principal objectivo é o de destruir a barreira entre actores e espectadores.


Alguns géneros/regras/objectivos do Teatro do Oprimido: Teatro Imagem Dispensa o uso de palavra. Usamos o corpo, fisionomias, objectos, distâncias e cores que nos obrigam a ampliar a nossa visão sinalética. Os espectadores intervêm directamente na acção “falando” através de imagens feitas com os corpos dos demais actores ou participantes. O objectivo é tornar visível o seu pensamento. Dramaturgia-Simultânea Os espectadores “escrevem” simultaneamente o argumento com os actores que representam a acção Teatro Debate Os espectadores intervêm directamente na acção dramática, substituem os actores e representam, actuam. Teatro Fórum Talvez a forma do Teatro do Oprimido mais democrática e, certamente, a mais conhecida e praticada em todo o mundo; usa ou pode usar todos os recursos de todas as formas teatrais conhecidas, a estas acrescentando uma característica essencial: os espectadores – aos quais chamamos de Spect-actores – são convidados a entrar em cena e, actuando teatralmente e não apenas usando a palavra, revelar seus pensamentos, desejos e estratégias que podem sugerir, ao grupo ao qual pertencem, um leque de alternativas possíveis por eles próprios inventadas: “O teatro deve ser um ensaio para a vida real, e não o fim em si mesmo” (Augusto Boal). O espectáculo é o início de uma transformação social. Teatro Invisível Consiste na representação de uma cena num ambiente que não seja o teatro, e diante de pessoas que não sejam espectadores. O lugar pode ser um restaurante, uma fila, uma rua, um mercado, um hospital, um comboio… As pessoas que assistem à cena serão as pessoas que aí se encontram natural ou acidentalmente. Durante o “espectáculo”, essas pessoas não devem sequer desconfiar de que se trata de um espectáculo. Estamos perante uma forma de Teatro, de expressão, em que todos criam, os que ensinam e os que aprendem, com base em técnicas e regras não impositivas, métodos que estimulam o uso do acto ensaiado na realidade, ou seja, a prática destas formas teatrais cria uma espécie de insatisfação que necessita complementar-se através da acção real, na vida real. A acção dramática esclarece a acção real. Augusto Boal Encenador e Teórico de Teatro. Fundador do Teatro do Oprimido, um movimento artístico, político e estético que se desenvolveu entre 1971 e 1986, quando esteve exilado na Argentina e aí começou a trabalhar com grupos de refugiados. Nasceu no Rio de Janeiro em 1931 e continua ligado ao Centro do Teatro do Oprimido (CTO) no Rio de Janeiro e em Paris. A teoria e os exercícios do Teatro do Oprimido são actualmente usados em diversos projectos de Teatro e Comunidade, quer em prisões, hospitais psiquiátricos, com crianças com necessidades especiais, etc. No esforço de consubstanciação teórica do projecto, o Teatro do Oprimido de Boal é uma grande referência por dois aspectos: a forte estrutura teórica que o precede e a ampla utilização que dele é feita.

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9 FONTES E BIBLIOGRAFIA

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Jara, Jesus; Clown, O Navegante das Emoções; Albaeditorial, Barcelona, 2006 Lecoq, Jacques, El cuerpo poetico, Albaeditorial, Barcelona, 2002 Boal, Augusto, Jogos para Actores e Não Actores, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2005 Boal, Augusto; Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 2005

Francis, David; A Magia da Imagem: A arqueologia do Cinema através das colecções do Museu Nacional de Turim, Museo Nazionale del Cine Torino, 1996 http://www.risoterapia.org http://www.menuhin-foundation.com http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_de_sombras http://www.marcello.pro.br/sombras.htm http://opinionsur.org.ar/joven/Teatro-de-Marionetes-A-vida http://www.youtube.com/watch?v=SphHaiW7fzg http://www.youtube.com/watch?v=z-I19IUf-0o&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=XvipmhL75rc&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=vdjQH6t8GIE


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FINANCIAMENTO

CO-PRODUÇÃO


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