"Lado Esquerdo", por Maria Lontra

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MARIA LONTRA

LADO ESQUERDO

Sorocaba 2015



SUMÁRIO PREFÁCIO por Pedro Alberto

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Toda vez que declamo

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Auto Peças

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O Pulo do Gato

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Casa Bagunçada

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Alguns cigarros até me cairiam bem

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E eu, que não gosto de dividir o cobertor

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Exatidão

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É esse meu problema

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Nosso Amor

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Caminhante Avulso

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Ele não rima às pessoas

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A Moda

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Ponte

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Fraturas

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Tenho andado pelas ruas

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Alma Inconstante

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Queda

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Sossego

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Ser

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Tinha no Busão uma Travesti

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Tudo Aqui é Caos

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Pó de Quê?

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Quando Éramos Deuses

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3 Atos

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Não Adianta Ser Poeta de Alma Pequena

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Para(peito)

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Marca Páginas

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Flor Amarela

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No Outro Lado da Rua

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Estado de Vida

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Chover

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Disseram-me que foi uma noite difícil

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Nas noites em que o olhar se cruza

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Cinza

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Era Tempo

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Depois de Tanta Espera o Fim...

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Sotaque Teu

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Pagã

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Maria

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Rola o boato que a felicidade morreu

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Acordes

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Sobre a vida e a busca por cicatrizes

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Vou na contramão do samba

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Pedra Gritante a Beira Mar

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Cartas para um Estranho

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Amigo

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Em Caso de Amor

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Ermanos

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Mil e Uma Formas de Não Morrer: Sem Ar 62 Tão cedo e já raiou o dia

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PREFÁCIO

São poucas vezes na vida que podemos dizer que encontramos pessoas que são uma parte de nossa própria existência, extensão do nosso próprio carinho e gratidão pela vida. Diria até que muitas pessoas passam a vida toda Conheci a Maria em 2013, quando organizei o primeiro Encontro Poético em Sorocaba. Na época, não passamos de 10 pessoas reunidas numa praça; mas mesmo assim, ela insistiu em participar de praticamente todas as edições já realizadas do evento, e se tornou uma das maiores companhias da minha vida. Ao longo desse tempo, pude acompanhar os seus escritos, ainda que ela não tivesse o hábito de declamá-los com muita frequência. Próximo do lançamento de meu próprio primeiro livro, “Fogos, Mares e Marias” (em homenagem justamente à esta pessoa maravilhosa a quem você está prestes a ler), resolvi editar alguns dos vários poemas de Maria Lontra e apresentá-los também no formato de um livro digital, mesmo sem pedir sua autorização... Que eu sei que seria cedida. Espero que amem esses versos o tanto quanto eu a amo. - Pedro Alberto.



Toda vez que declamo derramo dou ramos floresรงo.


Auto Peças O pulso do meu cardíaco parece não mais acelerar. É estagnado o batimento. O passo parece não querer mais continuar. As engrenagens não se encaixam, nem mesmo se dão ao trabalho de tentar. E o óleo que às minhas veias lubrifica, parece não mais oxigenar. Gêneo Hétero. Nada quer se misturar. Cada coisa em seu lugar. Pois antes mesmo de estar pronta, essa máquina pois-se a quebrar. Antes da partida, já estava partida. Procurando peças novas, para me restaurar. Mas não há peça solta à venda na esquina. Peça pro conserto só se for de bom grado, e alma amiga. Mas é que antes da partida, eu já estava partida. Já deixei peças minhas consertando outra máquina, em algum lugar.

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O Pulo do Gato Era sempre assim, em cima do muro, ronronando à janela. Um dia ele caiu e percebeu que ao contrário dos gatos não teria 6 vidas extras.

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Casa Bagunçada A porta estava aberta e o café passado. Você sabia que podia entrar e beber. A janela dava pra rua mas você nem olhou por ela. Você não viu que ainda era dia e foi dormir… Tocava um disco riscado de Buarque, você nem ouviu o que a musica lhe falou. Era um tal de “olhos nos olhos”, você preferiu rock and roll. Você vinha pedir abrigo e a casa te aceitava. Um dia era beijo e abraço, outro dia nada. E depois da sua ida o que fica é só bagunça. E eu que era toda sua, mas o que sobra é casa suja.

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Alguns cigarros até me cairiam bem, porque eu já tô queimando por fora: queimar por dentro não faz mal a ninguém. Você me parece imune e faz desdém, tá pedindo brasa pra qualquer um na rua, comprando cigarros baratos por vinténs. E eu acho que um pouco de mim lhe cairia bem, porque eu já tô queimando por fora: queimar por dentro não faz mal a ninguém.

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E eu, que não gosto de dividir o cobertor Era só uma questão de tempo pro tempo não fazer mais sentido. Era só questão de hábito pra te querer comigo. Eu pensei em falar do que não gosto, te fazer avisos, mas a verdade é que não haverá nada previsto. Por que eu que não gosto de falar de amor, faço rima e piada disto. Eu que não gosto de dividir o cobertor me acostumei com a ideia de me tornar teu abrigo.

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Exatidão Alguém leu a sorte em algum tarô de aluguel . Alguém me leu em um velho papel. Mas as minhas escritas, não são tudo que sou nem o que fui. As pessoas se desgastam as pessoas se machucam e não pense que o tempo cura, talvez só faça doer mais. A sua dor não é maior que a minha, ambas são exatas, se cruzando no mesmo ponto entre escolher o choro ou um gole de cachaça. Nossa dor é exata. E ela não para de crescer.

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É esse meu problema: querer vencer o mundo sozinha, declarar guerras zonear meus passos. Meu problema é fugir dos abraços “não quero choro nem vela”, não aceitar trégua nem rezas. É esse meu problema da fuga; eu fugi mil vezes de mim. É esse meu problema sem cura, que eu sei, está longe do fim.

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Nosso amor foi em v達o(s).

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Caminhante Avulso Tinha ele lá no terminal, sozinho. Tinha ele, tinha temporal dentro dele. E eu sei o que é solidão, como sei. Mas ele consegue ser tão só, tão incompleto, perdido. Tinha espaço na casa e no sorriso; ocupei o banco da sala e deixei a porta aberta. Tinha ele, tinha também eu, um novo amigo.

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Ele não rima às pessoas ele rima pessoas, como quem rima versos. Vai puxando um a um; no fim, ao invés de sonetos cria novos universos.

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A Moda Quero que se vista independente do que dizem as revistas. Quero que você se conheça, mas que mesmo assim, se surpreenda com o que pode fazer. Quero que você se toque e que se transforme, mas acima de tudo que se torne tudo aquilo que nasceu para ser. Quero que você se vista, mas sempre lembrando, que tua roupa não está acima de você.

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Ponte Eu me prendia a ela e a chamava de lar. Às vezes a chuva é fina, mas é lá que quero ficar. Eu também me prendia a ele quase como uma oração; às vezes a voz é distante, mas não pra quem escuta com o coração. Eu me prendia a josé, a eduardo, às pedras, ao violão, me prendia a menina e ao poeta, me prendia a todos que estavam ao chão, e depois me erguia, para ligar os pontos por cima do mar. Eu me prendia a eles pois é lá que quero ficar.

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Fraturas Há lacunas de vento. Caminhos estreitos, onde a alma não passa. Há muros caídos, passos perdidos na praça. Há uma falta de calma e excesso de erro, um paralelo perfeito caindo na vala. Eu queria escrever nas paredes da sala e gritar ao alto pro céu me ajudar, mas eu não olho pro céu nem pros sorrisos… Eu quebrei.

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Tenho andado pelas ruas, visto muitos rostos de gente que acha que se proibir é se valorizar. Decorei poucos nomes, mas decorei todas as lágrimas de gente que acha que sorrir não é se enganar.

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Alma Inconstante Tem dias quebrados apartamentos, lado-a-lado se parecem com continentes. Não sei se te conheço mas se ainda não, quero conhecer. Quero saber o motivo de sair do meu lado e se mudar pra um cenário, ao qual não posso pertencer. Você pode pedir tempo mas desculpe, o tempo passa e o que sobra é arrependimento você pode querer ficar em paz mas serei o seu tormento por te querer de volta. Meu amigo de alma inconstante pode até ficar tão distante que mesmo assim te chamo pra dançar.

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Queda Todo dia pedia trégua traçava seus traços e o caminho, sem régua. Todo dia a mesma selva já se contradizia o pseudo poeta com “a velocidade terrível da queda” Todo dia a mesma reza. Não quero subir, prefiro sempre estar em livre queda.

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Sossego E se eu clamar em forte clave talvez n達o de sol somente lua. E se eu amar minha fraqueza iminente e mesmo assim desbravar a vida de cara nua. Mas se eu clamar pelas ruas por um pouco de sossego todos ver達o no meu rosto esse desespero de querer ser mais de querer ter paz de pedir perd達o. Mas se meu desatino for o meu caminho, rumo ao centro vou querer ser sol e lua brasa e vento e esse tal de sossego deixo pro mais tardar.

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Ser Eu sou só o pó da pólvora de armas falidas um pedaço de inferno, para almas banidas. Eu sou apenas um ser humano tentando abdicar do seu único real direito… Errar.

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Tinha no Busão uma Travesti Deu dó de ver a tristeza dela presa no olhar dele. Ninguém sentou ao seu lado preferiam ficar em pé, deu dó de ver. O pessoal todo encarava, um risinho ou outro baixinho se escutava. E muito olhar torto se puseram a carcomer ela tava indo a mais um dia de batalha a batalha de todo dia pintar o rosto colocar saia e mostrar pra todo mundo que mulher é só questão de ser.

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Tudo Aqui é Caos Desde a fala rápida desregulada até a risada em escala crescente e constante. Tudo aqui é bagunçado atrapalhado ai de mim por ser assim. É tudo aos tropeços, atropelado. Eu sinto aos avessos eu sinto errado Tudo aqui é caos d disso fiz meu cais.

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Pó de Quê? Tudo tu pode. Po de Pó de quê? Ninguém te proíbe, vai e brinca com tua sorte. A cada carreira pra dentro, é tua carreira que cai no bote. Mas tudo tu pode. Po De. Pó de quê? Foi só um filete parecido com o de sangue que saiu na tua Bota quando tu foi na boca perguntar se aqui pode? Po De Pó de quem? Enquanto tu cheira o conteúdo do pote eu choro por não ser o suporte… Mas tu pode, pode, tudo pode. Vá lá, com tuas novas flores, sem aroma no banheiro se trancar insira o conteúdo inspire devagar. Tu pode, tudo pode só não venha a se enganar. Que o teu pode tudo pó de até matar. 32

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Quando Éramos Deuses Vivemos a eternidade até descobrimos seu fim, embriagados de desejos líquidos (um gole quente) e mentes decadentes. Criamos tudo ao nosso redor visto que tudo era imaginação que nossas mentes faziam, e desfaziam; brincar de roda no anel de saturno e rir-se de tudo. O mundo se bastava em nós mesmos, fundíamos nossos olhos, junto ao tempo. Éramos deuses de ninguém, pois ninguém teria tanta fé em nós se não nós mesmos embriagados de desejos líquidos, mas isso somente quando éramos deuses.

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3 Atos [Você pede por paz e eu aceito a trégua não vai existir guerra] Além da linha da minha escrita e sobre o que eu já não sei escrever. Além do meu orgulho gosto de você. Além minha rima assimétrica e da minha casa bagunçada e sobre aquilo tudo que eu tento dizer gosto de você Me disseram que é perigoso gostar assim sem medo de ser errado sem medo que chegue ao fim; me pediram pra tomar cuidado que há riscos de me afogar. Eu respiro fundo e digo que já me joguei em alto [a]mar.

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Não Adianta Ser Poeta de Alma Pequena Me falaram que o mundo seria mesquinho. e foi. Por isso escolhi outros caminhos e fui. Eu escolhi escrever sentimentos, ao invés de grita-los nas horas erradas. Revesti-me de arte. Então não me venha com ladainhas, de como a arte deve ser. Pois a arte é o como se sente não somente o que você vê. Não me coloque regras nem atire tuas pedras porque não adianta ser poeta se for poeta só pra você. Meus sentimentos eu sinto sozinha, mas na escrita eu sinto a dor, de quem já não tem força pra escrever. Então não adianta gritar ODE A ARTE se tua arte você só quiser vender. Não adiante ser poeta de boca curva, palavras mesquinhas e alma pequena.

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Para(peito) Quis escrever. Minha praga de queimar retina transcender escorrendo a parafina. Entender a mania de fazer rima e escorrer toda lágrima perdida. O parapeito do meu leito é estreito pro meu jeito. E no meu peito não tem jeito é sentimento. (e fim)

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MARCA PÁGINAS Não, a vida não é um livro. Mas mesmo assim, insisto em tentar lê-la exatamente por não conseguir decifrar algumas palavras que me soam estrangeiras. Eu leio porque alguns capítulos valem a pena e de vez em quando me aparecem pessoas para marcar as páginas; só as que fazem sorrir. E quando eu sinto saudade, volto a lê-las.

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Flor Amarela O ser tão fácil te deixou tão inválido que agora é impossível de caminhar. Não é possível sentir nem respirar Tu arranca meus pedaços sem moderação, canibalismo in-sagrado sem ter coração. E eu que pensei em mais um dia comum tentar ter fé tentar enxergar e eu que pensei em mais um dia comum me reerguer me libertar, mas tu arranca meus pedaços; agora, não é possível sentir nem respirar. Tu arranca meus pedaços sem moderação canibalismo in-sagrado sem ter coração.

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No Outro Lado da Rua Sempre se fez a pergunta de por que a rua atravessar a questão é: oquê se espera no outro lado encontrar. E eu te vi parado lá não sabia o porquê; por um momento eu quis correr no outro deixei estar. Descobrir que é preciso ser forte para ficar, mas mais difícil tem sido a liberdade encontrar. Mas eu deixo você ir por não poder acompanhar e eu deixo… E eu sei que perderei meu eixo mas o outro lado da rua Eu não posso atravessar.

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Estado de Vida Eu quis quebrar os copos na sua cabeça, mas você estava transparente demais para ser acertado. Então adentro sua loucura para sair da minha. São trocas justas para vidas tão curtas e palavras tão vagas, vazio. Uma luta para não existir onde o medo é entrar em estado de vida.

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Chover Eu olho pro céu e não vejo estrelas jogadas ao léu , apagando em direção ao amanhecer. Eu acho que a chuva cansou de chover e o mundo cansou de girar; eu olho as pessoas em seus caminhos estreitos: será que o destino é sempre o mesmo? Espero que a vida não canse de ser a melhor forma de sobreviver. Eu acho que a chuva cansou de chorar e o mundo cansou de viver.

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Disseram-me que foi uma noite difícil em que se tentou manter o controle. Baby, você não pode ter tudo o que quer. Mas pode ter tudo oque estiver ao seu alcance. E essa noite, o mundo será nosso, e nós iremos incendia-lo.

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Nas noites em que o olhar se cruza a rua esconde a luz da lua, crua no silêncio é que se escuta os murmúrios de quem se afundou, ao navegar. Te cria, transforma oque há por dentro. Descobre oque existe por detrás do medo. Canta o lobo corre solto sem exitar. Canta também, maré de antigas sereias nesse mar deves navegar? Cantando à luz da lua. Sua voz, reflete meu mar.

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Cinza Apenas neutro e fim. Gosto desse tom asfalto de queimar borracha de pneu, que se mistura a fumaça de cigarro e também às fotografias velha e fria. Dias de céu nublado. Eu gosto do cinza e nada de ruim há.

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Era Tempo Confesso que fiquei abalado com essa história de insensatez. Nossos pontos desequilibrados , eu já não me vejo à um mês; foi por não estar ao teu lado tudo mudou de vez. Se soubesse, teria ficado? Ou partiria com desdém? Tava ali, sempre ali e só eu não vi. Era tempo de você chegar atrasado E quebrar minha TV. Se fosse comigo, (juro) eu teria ficado.

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Depois de Tanta Espera, o Fim nos Alcançou Tudo o que você amou nos últimos anos começou a te matar, tudo o que você plantou a tua volta começou a sufocar caminhas tão distante chegando ao vazio em instantes , nossa única garantia é o ontem, que permanece intacto. O amanhã não será nosso… Nos foi proibido. Na ultima vez que eu te reli eu achei todos os versos necessários para fazer os meus para que me leias também. Nossa única garantia é o ontem, que permanece intacto O amanhã não será nosso… É que me cansa a fala, e me dói o corpo. Me ponho louca ao decifrar-te. Nossa única garantia é o ontem, que permanece intacto O amanhã não será nosso… Eu quis fazer canção mas dessa escrita só se faz silêncio. O drama é só meu.

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E eu repito como em uma oração sem um pingo de fé: O amanhã não será nosso.

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Sotaque Teu Vi o cabelo se misturar ao sotaque. Farei minha arte agora: pra você. Pelo riso que tu dispara às vezes eu perco a fala: ao ver. Não preciso falar rebuscado porque é teu coração quem lê. Menina menina, cê tem espaço no abraço. Pela fala calma, e a alma boa. É bom te conhecer. Menina menina, farei minha arte agora: pra você.

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Pagã E o que tenho de cética tenho de pagã. Porque nenhuma linha me é reta, e me encanta a contradição dos seres, que se deixam lentos e rápidos e amanhecem com a lua. Enquanto escrevo, a fumaça cresce ao meu redor e a flor amarela cai sob mim. Mas eu continuo a escrever, porque nada importa a não ser aquilo que imagino. Que é a mais exata definição do real: aquilo que cada ser imagina. E essa sou eu, presa numa cela criativa. O caos dessa vida, é o resultado dos choques desses universos individuais que caminham para o abismo. E eu gosto do caos, tem me sido os únicos momentos de paz.

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Maria As pedras sempre a deriva da maresia quando se chocam, faĂ­sca. A areia ficava, o Mar ia.

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Rola o boato que a felicidade morreu. Quem a procurou, e não encontrou, com o passar do tempo se esqueceu. Rola o boato que deus morreu. Quem rezou, e não o alcançou, com o passar do tempo se perdeu. Rola o boato que o amor morreu. Quem o coração entregou e nenhum em troca recebeu, com o passar do tempo endureceu.

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Acordes Me perdia em seus acordes, rezava ao relógio: não me acorde. Eu seguia a melodia em cada toque, acho que me perdi em seus acordes Talvez a música alta, a bebida forte, talvez minha vontade misturada com má sorte. Eu rezava aos céus pra que a chuva suporte minha retina rasgada num corte. Melodia, Maria, melodia quem foi que lhe disse que a vida era fantasia? Não rezo ao tempo que volte dessa vez não me perco dessa vez silêncio do rádio tiro o volume. Se a saudade bater eu viro o disco pro lado B.

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MARIA LONTRA


Sobre a Vida e a Busca por Cicatrizes A vida não é uma busca do belo. Viver é sobre-sair-se à miséria, ao ódio, à maldade. Não somos gados, mas nos marcam a brasa, corpo, carne: fala, alma. Meu corpo é só o resumo de mim. Minha fala é gaga. Minha alma é fraca dentro de qualquer sentimento e há feridas pela pele e pensamento. Deixe-se queimar em brasa. Deixe-se marcar. Deixe por fim, seu corpo por você falar.

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Vou na contramão do samba, cair na noite, feito criança. Brincar de polícia e ladrão, vou botar ordem no barracão. Puxar a onça pelo rabo, cantar alto, subir no telhado. Vou gritar ao mundo pichar o teu muro e vou pra avenida te jogar na dança. Vou na contra mão do samba, na direção: você.

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MARIA LONTRA


Pedra Gritante a Beira Mar Há um náufrago na beira, a ressaca o carregou. Frio é o beijo da sereia rema o barco, rima versos… canções de areia. Sem bussola água marinha segue a ursa, saudades tinha. Como pode ser só uma pedra? se para mim: lapidado diamante. A pedra grita. Ou era o pedro? A alma gira… Seus gritos ecoam dentro de mim. Saudades tenho eu, do teu abraço gago que se repete, repete e re-re-pete antes de partir Eras pedra? Eras queda? Eras perda?

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Oras pedra, pare de pedrices… Antes que eu jogue a pedra na Geni e seja a pedra no meio do teu caminho. Se for chegado a conselhos lhe digo, apenas grite!!! Você é como maré, vai e vem, sem que eu perceba, mas não terá mais problemas se o teu grito me ensinar. Assim eu te chamo, mesmo distante pros nosso grito se abraçar. Grita a pedra beira mar: era pedra? ou era pedro?

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MARIA LONTRA


Cartas para um Estranho Eu não sei de mim, mas sei menos ainda de você e eu sabia tanto; Agora nem sei… Nas eu vejo você e se você soubesse as cores que eu enxergo dentro do seu olho você teria tanta fé em si. Mas mesmo com tantas cores é com os olhos fechados que você se mostra. Quando você fecha os olhos eu não vejo você vejo seu coração e sua alma pulsante Eu não sei de mim mas quero saber, eu nunca sei de nada, mas eu sei sentir. Eu não vejo você e se você soubesse

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dos meus medos, você seria o mesmo? Você tem fé de quê? Mas mesmo com tantos rostos, se eu fecho os olhos verei você. Quando eu fecho os olhos eu te vejo dentro do meu coração e minh’alma pulsante.

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Amigo E você me conhece tão bem, sabe das minhas fraquezas, sabe de mim como nem eu sei. E você me cuida e me respeita de maneira tão integra, mostrando sua nobreza. E eu não sei se tenho sido boa amiga, mas bem, a gente tenta. Mas você é, e sempre foi o meu melhor amigo, meu suporte na vida. E eu te devo tanto, mas ao mesmo tempo, não devo nada, porque de nada você me cobra. Meu querido, você é toda bondade que existe em mim. Obrigada, amigo.

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Em Caso de Amor Abra a janela cedo deixa a luz entrar sai de casa vem pra rua deixa a cidade saber o que teu riso tem pra falar. Deixa as paredes dizer o que na tua boca tens contido que hoje fez valer o que por toda vida tens sentido. Grita pro mundo que a felicidade tem o nome dela, mas pra ela sussurre porque ela tá tão perto que não tem por que gritar.

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Ermanos Não sinto saudades do quintal da casa branca só sinto saudade de brincar de pega-pega lá, com você. Nem sinto saudade de ser criança pois nós dois, juntos passamos a crescer. Não sei se te chamo de irmão, pai, ou amigo às vezes te chamo de nomes feios mas por que eu sei que com a gente tudo acaba em riso… Ou quase isso. Não sinto saudade do que não tenho com tanto que você fique sempre comigo e das brigas com você só vou gostar se no fim fizer as pazes comigo. Não sei como terminar esse poema, então só te digo: Pedro… Tchau.

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Mil e Uma Formas de Não Morrer: Sem Ar Pra você caro amigo, encontrei uma solução para esse tal problema, de sentir, ter emoção. Se você esta cansado, e se sente sufocar agora eu lhe ensino as mil maneiras de não morrer, sem ar. Primeiro você precisa entender que antes de morrer é preciso viver. Por isso não garanto eternidade. Não corra, caminhe; se possível, rasteje: assim é mais difícil de a felicidade alcançar, e felicidade é uma coisa que pode te matar, sem ar. Não pule, nem voe, se possível não sonhe. Tirar o pé do chão também pode matar. Imagine se você subestima o alicerce, e se jogar em alto mar. Onde a maré te levaria, onde a maldade não pode alcançar. Não pode! É proibido, mares e marés também te colocam em perigo. Uma dica importante, para não subestimar: se afaste agora mesmo de tudo que seu coração fizer acelerar.

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MARIA LONTRA


Se o coração acelera, o mal já tá feito; alegria e desejo matam, tiram o oxigênio. Por isso não cante, nem dance, não transe nem fume. Não se coloque em zona de risco. Não se deixe levar. Uma vida em que se perde ar, de pouquinho em pouquinho é sempre uma vida de maior emoção, De maiores risos, de céu mais azul. É sempre uma vida carregada de canção, de melhores amigos, de amores achados e perdidos. De explodir o coração. Mas se tira aquilo o que que te leva o ar, meu amigo, o que há de ficar? Pra uma vida sem vida, é preferível nem mesmo respirar. Pra você agora, fica uma missão: prende o ar e se joga. Se leve pelo coração.

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Tão cedo e já raiou o dia: eu vejo o suor da sua pele cair em forma de chuva sobre a minha. Tão cedo e já raiou o dia. Tão cedo e já raiou… Não farei promessas que selem as palavras que já foram ditas; não pedirei, porém, que me leve nem que me siga. Se sou planta, então me regue. Me perdi em labirintos, jardins de margaridas, mas se me alcanças me sossegue.

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MARIA LONTRA


O sol se esconde atrás da colina vem noite vem dia. Tão cedo e já raiou o dia... Tão cedo e já se foi outro dia.

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