EXAME Moçambique - Março, 2017

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ECO CARVÃO ● Um negócio em brasa e que é sustentável

Nº 53 v Março 2017 v 200Mt v 5

RETALHO ON-LINE ● IzyShop está a crescer no mercado

Edição Moçambique

DUBAI O triunfo da diversificação económica

COMBUSTÍVEIS

ATÉ À ÚLTIMA GOTA

Depois do pânico generalizado pela falta de combustível, a EXAME analisa o mercado, explica como funciona, quem são os principais players e o que vem aí num segmento económico decisivo para o país




REVISTA MENSAL — ANO 5 — NO 53 — MARÇO 2017 TIRAGEM: 10 000 EXEMPLARES — FOTO DE CAPA: LAUREN NICOLE/GETTY

32

MOÇAMBIQUE

32 Sustentabilidade Uma empresa moçambicana apresenta uma solução sustentável para a produção de carvão a partir do coco 36 Construção Num sector a atravessar dificuldades, a Nadhari Opway está a iniciar o seu processo de internacionalização

COCO: Novo carvão ecológico

NEGÓCIOS

40 Destinos Como o Dubai conseguiu, em pouco mais de três décadas, tornar-se independente da exportação de petróleo 46 Empreendedor Titos Munhequete é um empreendedor moçambicano que viu no on-line uma oportunidade de sucesso

GLOBAL

MAURO VOMBE

52 Estados Unidos Como é que o Presidente Trump vai convencer o Congresso do seu próprio partido a apoiá-lo: eis a questão 56 Tendências O caso da ThyssenKrupp e como aumentou a produtividade implementando um novo padrão de funcionamento

46

IZYSHOP: Num segmento promissor

GESTÃO

66 Gurus Uma nova safra de académicos aplica conceitos científicos à resolução dos mais comuns dilemas existenciais que afectam todos 72 Positiva Empreendedores brasileiros descobriram um novo filão: aplicações em saúde em países subdesenvolvidos

MARKETING

FINANÇAS

76 Sustentabilidade Porque é que, cada vez mais, grandes empresas como a Ambev apostam no marketing de (boas) causas

MAURO VOMBE

84 Entrevista Como Margrethe Vestager, líder do órgão de regulação da UE, conseguiu pôr as grandes empresas “em sentido”

84

TECNOLOGIA

90 Voz Conversar com as máquinas já não é coisa de filmes e as grandes empresas investem no desenvolvimento da tecnologia

ENTREVISTA: Regular as megaempresas

LIVRO

94 Esforço Em Mindset, Carol Dweck, pioneira no estudo sobre o desenvolvimento pessoal, defende a valorização do esforço

VICTOR J. BLUE/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

4 | Exame Moçambique

SECÇÕES

Editorial Primeiro Lugar Grandes Números Mundo Plano Gestão Moderna Novos Ângulos Bazarketing Dinheiro Vivo Liderança Exame Final

6 8 18 50 64 74 80 82 88 98


22 Até à última gota Depois do pânico generalizado pela ameaça de falta de combustíveis, a EXAME analisa o mercado e explica o que vem aí num sector fundamental para a economia do país

PETER DAZELEY/GETTY

CAPA I COMBUSTÍVEIS


CARTADODIRECTOR JOAQUIM TOBIAS DAI

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SONHAR NÃO PAGA IMPOSTO

Como os seres humanos, as sociedades reagem a estímulos e incentivos

6 | Exame Moçambique

JÚLIO DENGUCHO

S

em surpresas, o início do ano continua difícil para a economia nacional. O atraso na finalização e entrega do relatório de auditoria às dívidas por parte da Kroll significa também um adiamento de 30 dias no regresso à mesa de negociações, com vista a um acordo com o FMI para o reatamento do programa de ajuda financeira e, por conseguinte, a continuação da política restritiva iniciada em 2015, que norteou o OE de 2016 e também define o de 2017. Aliás, realce-se o facto de este Orçamento ter sido preparado sem a previsão de ajuda orçamental por parte dos parceiros programáticos, suspenso e sem data para retorno. As subsequentes negociações colocaram a auditoria como condição necessária para o regresso do pacote de apoio orçamental. Entretanto, numa conjuntura atípica e extremamente negativa, passou um ano completo sem que tivéssemos tido ajuda directa ao Orçamento. Foi difícil, com o baixo preço das commodities, a desconfiança na nossa economia por parte dos investidores e principais agentes económicos mundiais, dívida pública elevada e deterioração das reservas líquidas. Ainda assim, um orçamento financiado a 100% pelas receitas fiscais foi cumprido, pela primeira vez desde o multipartidarismo. O ano de 2016 deve ensinar-nos que é nas dificuldades que aprendemos a sair da nossa zona de conforto e a superar-nos. E, assim, metas devem desde já ser estabelecidas para que Moçambique consiga financiar a totalidade do seu Orçamento. Viver a contar com a boa vontade de outros limita os nossos sonhos e retira-nos incentivos para fazer melhor. No aclamado livro Porque Falham as Nações — As Origens do Poder, da Prosperidade e da Riqueza, Acemoglu e Robinson defendem que, tal como os seres humanos, as sociedades reagem a estímulos e incentivos. Quanto mais incentivos à superação, melhor o desempenho. Para tal, argumentam, são as instituições fortes que criam incentivos, sejam estes económicos ou políticos. Devemos encarar o ano de 2016 e as suas restrições como um incentivo à nossa superação de hoje em diante. As nossas instituições devem ser fortes no sentido de conseguirem gerar incentivos que resultem em desempenhos melhores dos políticos, agentes do Estado, agentes económicos e dos cidadãos em geral. Neste sentido, será necessário procurar melhores resultados do lado da redução da despesa pública e alargamento da base tributária. Os primeiros meses do ano foram ainda marcados por uma melhoria no desempenho do metical por força das políticas monetárias do Banco Central. Melhor face ao euro e ao dólar, do que ao rand, devido à dependência do país das importações da África do Sul. Será este o ano em que a ênfase nas políticas e incentivos económicos para produção de bens de substituição das importações será sentido? Assim esperamos. b

Director: Joaquim Tobias Dai (joaquim.dai@examemocambique.co.mz) Director Executivo: Jaime Fidalgo (jaime.fidalgo@examemocambique.co.mz) Editor Executivo: Pedro Cativelos (pedro.cativelos@examemocambique.co.mz) Arte: Elsa Pereira Colaboradores Regulares: Valdo Mlhongo, Cristina Freire, Rui Trindade, Thiago Fonseca (crónica), Mauro Vombe (fotografia), Júlio Dengucho (fotografia), Pedro Pinguinha e Ricardo Calmão (arte final) e Maria João Aires (arte) Colaboraram nesta edição: Aline Scherer, André Lopes, Filipe Serrano, Gustavo Magaldi, Naiara Bertão, Rafael Kato, Renata Vieira, Sofia Fernandes, Cristina Simont (opinião) Direitos Internacionais: EXAME Brasil (texto e imagens), AFP, Graphic News e IStockPhoto Coordenação Geral: Marta Cordeiro (projecto), Inês Reis (arte) e Ana Duarte (gestão de projecto) Multimédia e Internet: Plot.

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Sociedade Moçambicana de Edições, Lda. Director-Geral Miguel Lemos Conselho de gerência Luís Penha e Costa Rui Borges António Domingues



PRIMEIRO LUGAR MOÇAMBIQUE ESSENCIAL. PEQUENAS NOTÍCIAS SOBRE UM GRANDE PAÍS

EXTRACÇÃO AUMENTOU: Sector mineiro foi dos poucos que cresceu em 2016

ECONOMIA

CRESCIMENTO CAIU PARA METADE EM 2016

M

oçambique cresceu apenas 3,3% em 2016, metade do registado no ano anterior, em que o ritmo de crescimento económico chegou aos 6,6%, de acordo com Instituto Nacional de Estatística (INE) nas Contas Nacionais Preliminares de 2016. A desaceleração é, assim, sublinhada pelos analistas do INE “com base nas estimativas do PIB, calculadas com base no somatório dos quatro trimestres de 2016”, e que vem confirmar a expansão da economia 8 | Exame Moçambique

mais lenta desde o início do século e uma desaceleração efectiva da economia em 3,3 pontos percentuais relativamente a 2015. As razões do abrandamento não são directamente apontadas pelo INE mas são conhecidas de todos. Um ano de 2016 particularmente complicado, em que o metical depreciou perto dos 50%, face a 2015, e em que a descida generalizada das principais commodities, aliada ao abrandamento do crescimento da economia mundial e à subida da inflação (25,3% no final do

ano), e a um apertar do cinto, por parte do governo, nomeadamente ao nível do investimento público. Factores que acabaram por não deixar grande margem para o crescimento estimado no início do ano no OE 2016, que começou nos 6,2% e foi ajustado em Agosto passado para 4,5%. Na altura, o ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, afirmava que “o impacto dos cortes da política de austeridade então assumida, iria resultar em 24 mil milhões de meticais (350 milhões de dólares)”.


Não se trata de uma ampliação do limite. É uma revogação total desta medida.

EVGENYMIROSHNICHENKO/THINKSTOCK

Rogério Zandamela, governador do Banco de Moçambique, na primeira reunião do novo ano do Comité de Política Monetária do Banco Central.

Segundo o governante, a redução das despesas de funcionamento em questões relacionadas com bens e serviços chegaria aos 40% e a despesa global passaria dos 246 mil milhões de meticais (mais de 3,6 mil milhões de dólares) para 242 mil milhões de meticais (3,3 mil milhões de dólares). Assim, os investimentos públicos foram congelados, o que acaba por se reflectir igualmente neste abrandamento económico. Depois, Maleiane anunciou medidas para dinamizar a economia e começar desde logo a apontar para a meta de crescimento de 5,2% prevista para 2017. Algo que, de acordo com o INE, não se fez notar no terceiro e quarto trimestres de 2016, com as receitas do IVA, ou dos produtos, a aumentarem a um ritmo inferior a 2015.Do relatório do INE ressalta ainda a agricultura, que continua a ser o ramo de actividade que mais contribui para o PIB. Em 2016 chegou aos 20,2%, tendo aumentado 2,9% face a 2015, mas o sector extractivo foi o que mais contribuiu para o crescimento do PIB em 2016, principalmente no último trimestre do ano, fruto do crescimento das receitas com as exportações no sector do carvão (225%) por via do aumento exponencial do preço desta commoditie nos mercados internacionais, e do alumínio (18%).

CRESCIMENTO DESACELERA Crescimento do PIB foi, em 2016, o mais baixo do século (em milhares de milhões de meticais) Crescimento 6,6%

531,7

2014

Crescimento 3,3%

592,1

2015

609,7

2016 FONTE: INE.

ECONOMIA

BM acaba com restrições e anuncia superavit O Banco de Moçambique (BM) decidiu eliminar o limite de utilização de cartões de débito e crédito no exterior que estava fixado em 700 mil meticais e que vigorava desde o início de 2016. Recorde-se que o anterior governador, Ernesto Gove, havia imposto limitações para as transacções com cartão no exterior, que chegavam já aos 800 milhões de dólares por ano, como forma de impedir a saída de divisas. Agora, Rogério Zandamela, governador do BM, anunciou a abolição dessa medida, explicando que a estabilidade cambial e o reforço da confiança dos agentes económicos no futuro da economia nacional “criou espaço para a liberalização das operações no exterior. Não estaremos mais nesse negócio”, declarou o governador. A medida surge na sequência do aumento anunciado das reservas internacionais líquidas (aumentaram para 1,798 mil milhões de dólares) que, de acordo com Zandamela, cobrem agora cinco meses de importações base. O governador atribui este crescimento ao facto de, pela primeira vez em mais de 20 anos, se ter registado, em apenas um trimestre, é certo, um superavit das exportações face às importações, explicado essencialmente pelo aumento das receitas com a exportação de carvão e de alumínio, e que fez cair em 60% o défice histórico da balança de pagamentos ao exterior.

SALA DE MERCADOS MOEDA (metical face ao dólar, na compra)

Janeiro

Fevereiro

70,78

70,40 GÁS NATURAL (dólar por 1000 m3)

Janeiro

Fevereiro

3,38

2,93 PETRÓLEO (dólar por barril)

Janeiro

Fevereiro

52,71

55,40

CARVÃO DE COQUE (dólares por tonelada)

Janeiro

Fevereiro

180,13

181,23 MILHO (dólares por tonelada)

Janeiro

Fevereiro

352,25

377,50 OURO

(onça em dólar, na compra)

Janeiro

Fevereiro

1 203,0

1 237,4

Todas as cotações apresentadas referem-se ao intervalo compreendido entre 17 de Janeiro a 17 de Fevereiro de 2017. FONTES: US Energy Administration, Bloomberg Markets, Banco de Moçambique.

março 2017 | 9


PRIMEIRO LUGAR DÍVIDA PÚBLICA

Standard & Poor’s mantém notação de risco de Moçambique

JAMES LEYNSE/CORBIS/GETTY IMAGES

A

manutenção da notação de risco surge na sequência do agravamento para ‘SD’ após o Governo ter falhado o pagamento da primeira prestação da dívida soberana a sete anos (59,8 milhões de dólares) em Janeiro. Moçambique mantém assim a notação... Moçambique mantém a notação de risco em moeda estrangeira a longo e a curto prazo em “SD/D” de acordo com a agência Standard & Poor’s num comunicado divulgado no mês passado. A classificação “SD” significa que um devedor decidiu de uma forma selectiva falhar o pagamento de uma prestação mas que irá pagar atempadamente as prestações relativas a outras emissões de dívida, e a classificação “D” significa que um devedor falhou um ou mais pagamentos. “A manutenção da notação de risco surge na sequência do agravamento para ‘SD’ em 18 de Janeiro de 2017, na sequência de nesse mesmo dia o governo ter falhado o pagamento da tranche de 59,8 milhões de dólares”, pode ler-se no comunicado. A agência informou ainda que a perspectiva mantém-se estável em moeda nacional, uma vez que considera ser “provável que Moçambique continuea honrar as suas dívidas em meticais”.

DÍVIDA AFECTA RATING: Notação do país tem descido

EXTRACÇÃO

Produção da Vale aumentou 10,7% em 2016 A Vale Moçambique anunciou que em 2016 extraiu 5,5 milhões de toneladas de carvão mineral da mina que explora em Moatize, na província de Tete, representando um acréscimo de 10,7% relativamente aos 4,96 milhões de toneladas registados em 2015. De acordo com o comunicado da empresa, o aumento da produção ficou a dever-se à melhoria registada no projecto I e no início da nova exploração, denominada Moatize II. Não obstante este aumento em relação a 2015, a produção de carvão em 2016 não atingiu a meta dos 10 milhões de toneladas 10 | Exame Moçambique

definidas pela empresa. Algo que a mineradora justifica pelos atrasos na fase do arranque da unidade de projecto Moatize II e pelas restrições de fornecimento dos explosivos. A quantidade de carvão escoada pela empresa nos corredores ferroviários de Sena/Beira e de Nacala atingiu 8,8 milhões de toneladas em 2016, ficando 113% acima dos 4,1 milhões de toneladas transportados em 2015. O carvão embarcado em 2016 totalizou 8,7 milhões de toneladas, mais 36% que os 3,7 milhões de toneladas embarcados em 2015.



PRIMEIRO LUGAR AGRICULTURA

AGRICULTURA MERECE ELOGIO: “Moçambique é dos países que implementa os nossos projectos”

16 mil milhões para combater pobreza

FOTOKOSTIC/THINKSTOCK

A agricultura é um dos sectores-chave para o desenvolvimento do país e o combate à pobreza que afecta mais de 50% da população moçambicana. E é a pensar nisso que o governo, através do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, aprovou um projecto avaliado em 16 mil milhões de meticais focado na agricultura. O projecto terá início nas províncias de Nampula e Zambézia e aos poucos irá abranger todo o país. “O que fizemos foi mobilizar recursos de forma a que a intervenção do Estado possa estar bem definida. Envolvemos também a agricultura familiar e o sector privado, em particular os pequenos agricultores e as pequenas e médias empresas”, explicou Celso Correia, ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural. Espera-se que o financiamento pelo Banco Mundial venha alavancaro desenvolvimento rural através de novas infraestruturas e de crédito bonificado aos agricultores.

FINANCIAMENTO

BAD dá boa nota Moçambique

D

e acordo com o director executivo do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Heinrich Gaomab II, Moçambique tem sido “um exemplo em termos de eficiência no reembolso dos fundos concedidos pelo BAD. “Estou orgulhoso, porque Moçambique é um dos poucos países em África que implementa os projectos do nosso banco, bem como reembolsa com rapidez os nossos fundos”, disse Gaomab II citado pela Agência de Informação

de Moçambique (AIM). O director referiu que o BAD encara com particular interesse a agricultura, a produção de energia e o desenvolvimento de infra-estruturas. No caso concreto do sector agrícola, Gaomab II apontou como exemplo o regadio do Baixo Limpopo, localizado no distrito de Xai-Xai, na província de Gaza. Moçambique integra o grupo BAD desde 1977, tendo já aprovado 62 projectos num total de cerca de 1,7 mil milhões de dólares.

PARCERIAS ECONÓMICAS

AGRICULTURA: Novas infra-estruturas a caminho

12 | Exame Moçambique

AFRICA924/THINKSTOCK

Indonésia quer investir em Moçambique A agricultura e a indústria extractiva (petróleo e gás) são sectores nos quais a Indonésia pretende investir em Moçambique. O anúncio foi feito pela ministra dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, Retno Marsudi, no Fórum Empresarial Moçambique-Indonésia. “A Indonésia pode ser um grande parceiro de negócios da economia moçambicana porque estes dois países têm uma

ligação histórica muito próxima, mas queremos renovar esta ligação”, disse a ministra perante uma plateia de cinco dezenas de empresários moçambicanos. A governante manifestou a disponibilidade do Exim Bank em debater com os empresários moçambicanos sobre o que a Indonésia pode oferecer em termos de mecanismos de financiamento.



PRIMEIRO LUGAR

RESTRIÇÕES: Abastecimento de água tem vindo a ser racionado

FORMAÇÃO

Japão doa 6 milhões de dólares a Moçambique BORGOGNIELS/THINKSTOCK

Com o objectivo de restruturar os centros de formação em Maputo, Quelimane e Nacala mediante a provisão de novos equipamentos, o governo japonês, através da sua Agência de Cooperação Internacional (JICA), doou no mês passado 6 milhões de dólares a Moçambique. Para o efeito, foi assinado um memorando de entendimento entre o Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional – INEFP e a Agência de Cooperação Internacional. Akira Mizutani, embaixador do Japão, mostrou o seu comprometimento em apoiar Moçambique na formação profissional. “O projecto foi concebido para aumentar e dinamizar a capacidade do INEFP, em parceria com a JICA e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Brasil, de melhorar a qualidade do sistema de formação profissional”, disse o embaixador citado pelo O País. O projecto tem a duração de quatro anos e após a reabilitação dos centros serão ministrados 27 cursos, com destaque para a agricultura, metalomecânica e a construção civil.

ÁGUA

Moçambique “precisa” de 4 mil milhões de dólares

A

o longo do último mês e meio, as cidades de Maputo e Matola têm enfrentado restrições no acesso à água da rede. De acordo com a empresa Águas da Região de Maputo, a escassez de chuva na zona sul do país é o principal motivo para esta situação. E feitas as contas, de acordo com o ministro das obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, Carlos Bonete,

INDÚSTRIA EXTRACTIVA

ENSINO: Formação é financiada pelo Japão

Depois de ter suspendido as actividades em Dezembro de 2015 devido à queda dos preços internacionais do carvão, o consórcio indiano Internacional Coal Ventures Ldt (ICVL) vai retomar a extracção em Moçambique. De acordo com o presidente executivo da empresa, P. K. Singh, as operações foram suspensas naquele período “pelo facto de o preço da tonelada do carvão metalúrgico ter caído para menos

STOCKSNAPPER/THINKSTOCK

Consórcio indiano retoma carvão

HASLOO/THINKSTOCK

14 | Exame Moçambique

Moçambique precisa de 4 mil milhões de dólares para garantir o fornecimento de água e saneamento, a nível nacional, a cerca de 30 milhões habitantes até 2029. “No momento temos uma cobertura de 50%, em termos de acesso seguro e abastecimento da água, e quanto ao saneamento temos apenas um terço da população abrangida”, disse o governante citado pela AIM.

de 80 dólares”. Em 2014, o consórcio comprou ao grupo anglo-australiano Rio Tinto uma participação de 65% na mina de Benga e de 100% em activos carboníferos denominados Zambeze e Tete Oriental por 50 milhões de dólares, tendo a exploração, que manteve a actividade durante dois anos, registado prejuízos consecutivos.



PRIMEIRO LUGAR INFRA-ESTRUTURAS

Obra do porto de Maputo inaugurada As alterações estruturais no porto de Maputo agora inauguradas incidiram na dragagem do canal de acesso, que dotaram a infra-estrutura de capacidade para receber navios de grande porte. Para o director executivo da Companhia de Desenvolvimento do Porto de Maputo (MPDC), Osório Lucas, este constitui um passo para se alcançar a meta de subida gradual da capacidade de manuseamento da carga dos actuais 25 para 40 milhões de toneladas até 2020. “Hoje somos um porto preparado para receber navios de elevada tonelagem”, afirma Lucas. Recorde-se que, antes, os navios de maior porte eram obrigados a fazer escalas duplas, o que acabava por ter reflexos ao nível do custo final. Segundo o director executivo da MPDC a ambição neste momento é fazer do porto de Maputo “uma escala de referência”. Refira-se que a reabilitação teve um custo final de 84 milhões de dólares.

COOPERAÇÃO

EUA apoiam com 37,2 milhões de dólares

A

conjuntura política desfavorável, a burocracia e os constrangimentos logísticos são obstáculos que têm contribuído para a redução dos índices relacionados com ambiente de negócios na economia moçambicana. Exemplo disso é que no relatório “Doing Business” do Banco Mundial, divulgado em Outubro do ano passado, Moçambique caiu três posições, ocupando neste momento o 137.º

lugar num total de 190 países avaliados. E é com vista a melhorar estes indicadores e criar as condições para atrair mais investimentos que os Estados Unidos da América decidiram apoiar o país com mais de 37,2 milhões de dólares até ao fim de 2017. O valor destina-se ao financiamento de acções destinadas aos sectores da agricultura, comércio, energia e conservação da biodiversidade.

GAZA

Já se podem adquirir passagens áreas das Linhas Áreas de Moçambique (LAM) a partir da província de Gaza com a abertura de uma unidade de venda na cidade de Xai-Xai. Através de uma parceria com a empresa pública Correios de Moçambique, a LAM deu início a um processo que poderá alargar-se a outras zonas do país. Com esta parceria, os Correios de Moçambique vão facilitar a venda de pas-

D.R.

LAM abre posto de venda de passagens áreas

NOMIS_G/THINKSTOCK

16 | Exame Moçambique

TEBNAD/THINKSTOCK

ENERGIA: Fundo de ajuda será destinado à agricultura, energia e biodiversidade

VOOS: Viagens estão mais acessíveis

sagens aéreas a partir da cidade de Xai-Xai, capital da província de Gaza, um dos vários pontos do país onde o acesso a um bilhete de avião exigia a deslocação a Maputo, aumentando ainda mais os custos das viagens.



GRANDES NÚMEROS PARA SABER LER OS SINAIS DE UMA ECONOMIA EM MUDANÇA

CLIMA

A CONSCIÊNCIA DE UM GRANDE PROBLEMA

N

o final da 22.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, o Comité Directivo da COP 22 realizou o primeiro estudo pan-africano sobre o aquecimento global. O estudo incidiu junto dos jovens nascidos entre 1980 e 2000, os millennials, de 19 países africanos, entre os quais Moçambique. “O tempo está a esgotar-se para atingirmos, a longo prazo, as metas da redução das temperaturas”, advertiu Aziz Mekouar, embaixador para as negociações multilaterais na COP 22, que ressalvou ainda que, apesar de tudo, “a mobilização política é maior do que já foi, como ficou provado pela Proclamação de Marraquexe, declarada por 197 partes na Convenção (Moçambique incluído)”, acrescentou no encerramento da COP 22, a 18 de Novembro de 2016. Na verdade, esta COP foi um verdadeiro sucesso, com a participação recorde de 65 mil entidades, cooperações, representações políticas, diplomáticas e empresas. Conforme estipulado no Acordo de Paris, que já foi ratificado por 113 países e representa 78,96% das emissões globais, o aumento da temperatura global deve permanecer abaixo dos 2°C. Caso contrário, é bem real o risco de condenar toda uma geração: os millennials, nascidos entre 1980 e 2000. São eles que irão sofrer mais com as consequências do aquecimento global. Este é o primeiro estudo com opiniões destes jovens africanos sobre o tema das mudanças climáticas, que inclui os seus receios e preocupações, bem como a vontade para agir e identificar os meios que necessitam para o fazer. Pois são eles a geração capaz de travar as alterações climáticas que hoje todos sentimos.

18 | Exame Moçambique


África terá de triplicar a sua produção agrícola até 2050 para satisfazer as necessidades de uma população que irá duplicar. Aziz Mekouar, embaixador das Nações Unidas para as negociações multilaterais da COP 22.

94%

Consideram-se directamente afectados pelas alterações climáticas e observam os seus efeitos todos os dias

79%

Notam o progresso da desertificação nas suas regiões

73%

Consideram a poupança de água essencial como forma de gerir melhor um recurso escasso e precioso

Ao contrário do que se pensa, os jovens ainda relevam pouco a Internet e as redes sociais no que concerne a estas questões

47%

71%

Observam chuvas mais frequentes e imprevistas

76%

Dos millennials africanos acham que devem ser os governos os primeiros a agir contra o aquecimento global

Assinalam o aumento do número de incêndios florestais

Consideram o desenvolvimento das energias renováveis fundamental para combater o aquecimento global

Consideram os media tradicionais (televisão, rádio e jornais) a principal fonte de informação fidedigna em assuntos relacionados com o meio ambiente

86%

Têm noção de que a luta pelo clima requer acesso a água potável para consumo. O lançamento de "Água para África" na conferência internacional sobre água e clima é um primeiro passo neste sentido

73%

77%

Relatam o aumento de doenças nas culturas e na pecuária

15%

92%

Em África, nove em cada dez millennials consideram as energias renováveis uma prioridade. Até 2030 a quota de electricidade produzida pelas energias renováveis deverá ser de 52%

53%

Mais de metade acusa os governos de não lutarem o suficiente contra as suas consequências

69%

Consideram a gestão de resíduos como a forma mais eficaz de combater o aquecimento global. Também defendem o aumento da reciclagem (65%) e o limite do uso de recipientes de plástico (64%)

69%

Querem fazer parte da luta contra o aquecimento global e consideram que podem alcançá-lo

13%

Assumem que as escolas e as universidades parecem ter contribuído muito pouco para a sua educação sobre as questões climáticas BUENA VISTA IMAGES/GETTY

86%

Estudo realizado pela CG Consulting, em nome do Comité Directivo da COP 22, em 19 países africanos: Argélia, Angola, Camarões, República Democrática do Congo, Egipto, Etiópia, Gana, Costa do Marfim, Quénia, Malawi, Marrocos, Moçambique, Nigéria, República do Congo, Ruanda, África do Sul, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe. FONTE: CG Consulting.

março 2017 | 19




CAPA COMBUSTร VEIS

22 | Exame Moรงambique


ATÉ À ÚLTIMA GOTA

Depois de se ter generalizado o pânico pela falta de combustível, a EXAME foi tentar perceber o que aconteceu. E o que pode vir de facto a acontecer num sector fundamental para a economia PEDRO CATIVELOS

JAMESBREY/GETTY

M

aputo. Sábado, 4 de Fevereiro, 10 horas da manhã. Uma longa fila de veículos aguarda pacientemente para abastecer numa das poucas bombas de gasolina da cidade onde ainda há combustível. “O que se passa?”, ou “como é possível que aconteça isto”. Era do melhor que se podia ouvir. A verdade é que os boatos de falta de combustíveis já iam circulando, dias antes, pelas redes sociais. E confirmaram-se mesmo nesse fim-de-semana. Ao longo desse fim-de-semana, e até à segunda-feira seguinte, as poucas bombas que ainda tinham reservas estabeleceram limites para cada cliente que iam entre 10 a 30 litros por viatura. Foi o primeiro sinal de uma situação que afecta todos e que tem repercussões que vão do dia-a-dia do comum cidadão até à actividade económica do país.

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CAPA COMBUSTÍVEIS

Ao fim da tarde desse mesmo dia, o director nacional de Hidrocarbonetos e Energia, Moisés Paulino, reconhecia as falhas de distribuição em algumas das principais cidades de Moçambique. Porque, se em Maputo, nesse mesmo dia, o abastecimento foi regularizado, os problemas no resto do país alastraram ao longo da semana. Em algumas delas a escassez abriu desde logo um novo ramo do mercado informal. Chimoio, Manica, Cabo Delgado, Sofala, Zambézia e Tete debateram-se com falta de combustível durante alguns dias, os preços dispararam dos 55 para os 70 meticais (no Chimoio chegou aos 100 meticais por litro) no mercado informal, sendo que a demora na chegada do navio abastecedor ao porto de Nacala foi apontada como a causa da escassez. O director provincial dos Recur-

sos Minerais e Energia, Olavo Deniasse, assume que “as oscilações no fornecimento são recorrentes há alguns meses”. E João de Lima, director dos Recursos Minerais e Energia na província de Manica, concorda com ele. “Enfrentamos ainda alguns problemas na logística da gasolina.” Mas a Imopetro, entidade oficial responsável pela importação de combustíveis que depois abastece os operadores de mercado, pronunciou-se nessa mesma segunda-feira, 6 de Fevereiro, assumindo que o abastecimento da gasolina estaria “normalizado” na zona centro e norte do país com a descarga de gasolina no porto de Nacala. Tudo não passou de um susto, e o problema resolveu-se em poucos dias. No entanto, a preocupação surgiu e as questões impõem-se: o que terá levado a esta situação? O que se passou? Será que pode acontecer de novo?

PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS É FIXO NUM MERCADO COM DEMASIADAS VARIÁVEIS. O QUE TORNA ESTE UM NEGÓCIO ARRISCADO, E CARO, PARA O ESTADO 24 | Exame Moçambique


INFRA-ESTRUTURA E LOGÍSTICA: Principais operadores do mercado, como a Petromoc, a BP, a Galp e a Puma, têm anunciado grandes investimentos na rede de abastecimento e armazenagem de combustíveis

COMBUSTÍVEL AFINAL... É BARATO O preço global médio da gasolina é de 1,02 dólares por litro, enquanto o do gasóleo é de 0,91. Mas existem grandes disparidades entre os diversos mercados. Moçambique é um dos mais baratos da África Subsariana e até do mundo, sendo que, da lista dos trinta primeiros, é dos poucos não produtores (dólares por litro)

1

Venezuela

0,1

2

Arábia Saudita

0,24

28 Estados Unidos

0,68

29

MOÇAMBIQUE

0,70

84

África do Sul

1,02 FONTE: Global Petrol Prices.

A QUESTÃO DO PREÇO

O mercado dos combustíveis é bastante complexo. Tentemos simplificá-lo começando no que toca ao consumidor. O preço. Como se chega ao preço dos diferentes combustíveis em Moçambique? O que existe é um preço tabelado pelo Estado, que advém da combinação entre o preço base de compra no exterior, a variação dos preços internacionais do produto, a correcção das perdas ou ganhos nos períodos anteriores e depois a conversão cambial que nos dá o preço base ao qual se acrescentam os impostos fiscais e a margem do distribuidor. Muitas variáveis para um preço fixo, pode pensar-se. Por isso mesmo, o combustível aumentou três vezes no último ano e meio. Para o consumidor pode ser muito, mas para as contas do Estado todas estas variáveis, conjugadas numa conjuntura económica desfavorável, como a que o país enfrenta, acabam por ser demasiado onerosas. Já lá vamos. De acordo com uma análise do CIP, publicada em Agosto, sobre o sector dos combustíveis, “quando os combustíveis estavam a preços historicamente baixos nos mercados internacionais devido à queda do barril de petróleo para valores abaixo dos 30 dólares, e quando as reservas internacionais líquidas do Banco de Moçambique eram confortáveis, não fazia sentido que

o cidadão continuasse a pagar o preço elevado do combustível de então”. Essa lógica fazia sentido em 2014. Mas fará hoje, com o preço do petróleo acima dos 54 dólares e as reservas líquidas do Banco de Moçambique, apesar de um pouco melhor que há alguns meses, ainda a enfrentar um sério desgaste provocado por um 2016 complicado? O consumo dos combustíveis fósseis no país aumentou a uma taxa média de 6% ao ano até 2009, ano em que passou a ter uma taxa de crescimento média de 15% por ano. O sector dos transportes foi o responsável pela maior parte deste aumento de consumo, seguido pelo sector industrial. No entanto, os transportes de passageiros e mercadorias correspondem a apenas 10% a 15% do total de combustíveis consumidos no país. E aqui chegamos à questão complicada com a qual o governo vai ter de lidar nos próximos meses. Entre um aumento do preço dos combustíveis que irá gerar descontentamento, ou o pagamento de uma factura mensal às gasolineiras, que tenderá a aumentar. E porquê? Porque o mercado dos combustíveis em Moçambique é um mercado fechado, em que os preços não estão liberalizados. Porquê? Tudo tem origem a 5 de Fevereiro de 2008, quando milhares de cidadãos residentes na província de Maputo se revoltaram, em protesto contra a subida março 2017 | 25


CAPA COMBUSTÍVEIS

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OS 8 PASSOS DA IMPORTAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS A compra de combustíveis no exterior é financiada através de um sindicato bancário que inclui os maiores bancos, que garantem o financiamento das importações, e dos custos associados, em dólares através de cartas de crédito.

O sindicado cobra então pelos seus serviços uma “comissão do sindicato”, bem como uma “comissão de garantia” de, respectivamente, 0,5% e 1% do valor da factura, diz um estudo da CIP sobre o sector. Estima-se que, em 2014, o sindicato tenha arrecadado cerca de 30 milhões dólares em comissões ligadas à importação de combustíveis líquidos (CL).

Isso assegura ao fornecedor que os combustíveis são pagos. Existe um prazo de 90 dias para o pagamento, que pode ser prorrogado por 15 dias. No caso de a distribuidora não cumprir com o pagamento até essa data, a garantia bancária é accionada para efectuar o pagamento ao fornecedor.

do preço do “chapa 100’”, como resultado do agravamento do preço de importação dos combustíveis, situação que forçou o governo a aumentar o preço do gasóleo em 14%, do petróleo de iluminação em 19% e da gasolina em 8,1%. De acordo com a imprensa da época, as manifestações só terminaram após o acordo alcançado entre o governo e os transportadores, com vista à adopção de medidas compensatórias e à retirada dos 17% do IVA sobre o gasóleo, culminando com a decisão da anulação da nova tarifa. À época, quando o governo começou a subsidiar as gasolineiras no diferencial entre o preço de compra ao fornecedor e o preço de venda ao público, a cotação do barril de petróleo no mercado internacional era de cerca de 120 dólares. Hoje, com o preço a menos de metade, seria de esperar que o preço tivesse descido e que os subsídios já não fossem necessários. Mas não é bem assim.

A razão de ser da formação e do envolvimento nas aquisições de um sindicato bancário acontece porque nenhum dos bancos licenciados em Moçambique reúne, sozinho, os requisitos estabelecidos no Decreto 45/2013 em termos de disponibilidade de liquidez e moeda estrangeira para garantir o pagamento das importações aos fornecedores.

“O governo não está numa situação em que possa reflectir para baixo os preços dos combustíveis, dado que ainda tem responsabilidades para com as gasolineiras que operam no país”, afirmou recentemente o ministro da Indústria e Comércio, Ernesto Max Tonela. O subsídio de combustível é relevante num país com um dos mais baixos PIB per capita do mundo e onde os transportes colectivos são essenciais para o dia-a-dia dos cidadãos, ao mesmo tempo que a geografia do país torna essenciais os transportes de mercadorias de sul para norte, mas igualmente do litoral para o hinterland. E sabemos que o aumento dos preços dos produtos petrolíferos, todos importados, provoca uma réplica interminável nos vários degraus da economia. Que abalam e fazem aumentar o custo de vida, em geral, dos preços dos transporte públicos e de mercadorias ao preço dos produtos consumidos, a maioria dos

ENTRADA DO FMI EM FORÇA NA ECONOMIA NACIONAL IRÁ LEVAR A ALTERAÇÕES NO SEGMENTO DOS COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS 26 | Exame Moçambique


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O Banco de Moçambique entra nesta questão das importações de duas formas: necessidade de manter as reservas internacionais em quantidades suficientes para garantir os pagamentos das importações (cerca de 40% são para os combustíveis); efectuar as transferências em dólares dos pagamentos das importações feitas pelas gasolineiras aos fornecedores.

Uma parte destas empresas cobre todos os aspectos da cadeia de valor do sector (exploração, produção, refinação, comércio, transporte, armazenagem e distribuição). Isso é importante para a IMOPETRO, pois nesse caso o fornecedor contratado dispõe da sua frota. Noutros casos, o fornecedor tem que terceirizar transporte.

Nos últimos anos o número de fornecedores (traders) que concorreram nos concursos lançados pela IMOPETRO Lda é de menos de dez empresas, entre as quais alguns grandes global players: Addax Petroleum, Engen Internacional Ltd, Glencore, Independent Petroleum Group - IPG, Total Internacional, Trafigura e Vitol.

quais essenciais ao dia-a-dia. E com a entrada em cena do FMI na economia nacional, a política de subsídio aos combustíveis parece mesmo ter de mudar. E os preços que se mantêm estáveis desde 2011, apesar da queda do preço do petróleo, e agora do aumento, se antes criaram um alívio ao stress fiscal de ter que subsidiar os preços de combustíveis, agora ameaçam revelar um efeito inverso. Em 2014 os subsídios aos combustíveis chegaram a 1,1% do PIB. De acordo com um estudo sobre o sector, cerca de 50% dos beneficiários do subsídio aos combustíveis estão em Maputo. Até porque é na capital que está a maioria dos veículos. FALTA DE PAGAMENTO OU QUESTÃO PONTUAL?

Voltando ao fim-de-semana no início de Fevereiro. A questão circulou um pouco à boca fechada. O episódio aconteceu poucos dias depois de ter sido comunicado oficialmente aos credores de títulos no valor de 726,5 milhões de dólares que o pagamento da prestação dos juros no montante global de 59,8 milhões de dólares, devidos a 18 de Janeiro de 2017, não seria cumprido. O que, naturalmente, fez disparar os alarmes no mundo financeiro e baixar os ratings do país nos mercados. Aqui entra a questão. O navio de combustível que abastece quinzenalmente a zona sul

Os descarregamentos são armazenados nos bunkers das alfândegas até à saída dos combustíveis para os postos de abastecimento. Os CFM opera os portos do país e cobra uma taxa para estes serviços de cerca de 14 dólares por metro cúbico sobre produtos petrolíferos descarregados, aproximadamente o dobro das taxas cobradas nos principais portos da África do Sul.

com mais de 4 milhões de litros, só descarrega a sua preciosa carga, se a importação de combustíveis que depende da emissão de garantias bancárias de milhões de dólares for efectuada. O que sempre aconteceu. Mas o processo tornou-se mais moroso nos últimos meses. Porque o sindicato bancário formado para prestar serviços nesta área, muito mais apertado por parte da nova governação do Banco de Moçambique, está a restringir a emissão de garantias aos armadores internacionais, que não descarregam a mercadoria sem que existam colaterais no exterior. Dinheiro vivo precisa-se. É que, de acordo com o que a EXAME apurou junto de diversos operadores do mercado, as garantias bancárias emitidas pela banca nacional não servem hoje de total garantia ao abastecedor externo. E terá sido essa a razão deste atraso com os navios de importação de combustível, que acabaram por chegar a Moçambique entre o final da primeira quinzena e início da segunda quinzena de Fevereiro, segundo revela a própria Importadora Moçambicana de Petróleos (IMOPETRO). Um funcionário sénior da IMOPETRO confidencia mesmo que a crise “estará apenas no início”. No entanto, o director nacional de Hidrocarbonetos e Energia no Ministério dos Recursos Minerais e Energia, Moisés Paulino, refuta as especulações dizendo que “a ruptura no abastecimento se deveu ao atraso março 2017 | 27


CAPA COMBUSTÍVEIS

QUEM É QUEM NO MERCADO DOS COMBÚSTÍVEIS

É a única operadora de aquisições de combustíveis líquidos (criada por decreto-lei em 2012) e tem, portanto, uma posição de monopólio na aquisição e importação de combustíveis líquidos. Os seus sócios são as empresas distribuidoras licenciadas no país, quer a nacional Petromoc SA, detendo 51% do capital social, quer gasolineiras internacionais.

A empresa detém a comercialização e distribuição de produtos petrolíferos operacionalizada através de uma rede de 34 postos de abastecimento e 32 lojas de conveniência. A Galp Energia é um dos maiores players do mercado, e registou em 2014 uma quota de 15%, correspondendo a um total de vendas de 182 quilotoneladas de produtos petrolíferos.

28 | Exame Moçambique

A empresa estatal de combustíveis detém uma quota de mercado de 50% liderando o segmento de distribuição de CL, detendo também a maior rede de revenda, constituída por 119 estações de serviços e postos. Possui e opera instalações de armazenagem e oleodutos em todos os portos moçambicanos, num parque de armazenamento que compreende 19 depósitos.

A BP Moçambique tem actualmente uma quota de mercado de 18% e lidera no abastecimento de lubrificantes (35%) e combustíveis de aviação (50%). Detém 28 pontos de venda a retalho no país e tem presença em todos os oito aeroportos. A recolocação em funcionamento do terminal de Nacala é um dos vários projectos de reabilitação que a BP está a levar a cabo em Moçambique.

O grupo Total anunciou em meados de 2016 um investimento de 50 milhões de dólares na expansão de postos de abastecimento de 43 para 60 em Moçambique. O objectivo é tornar-se o segundo maior operador, apontando ao aumento da quota de mercado para os 30% até ao final de 2017.

A empresa petrolífera tem investido em Moçambique. Ainda em 2016 anunciou o investimento de 60 milhões de dólares na construção de mais um terminal de combustíveis em Nacala, em Nampula, depois de no final de 2015 ter feito um grande investimento num outro terminal na Matola.

da chegada dos navios petrolíferos”. E até aproveita para desmentir que o governo se esteja a preparar para aumentar os preços dos combustíveis, garantindo que não existe actualmente uma justificação para a alta dos preços e que os problemas do abastecimento seriam solucionados. Como, de facto, e pelo menos em Maputo, aconteceu. “Logo no início, quando sentimos esta ruptura, fizemos um trabalho com as gasolineiras no sentido de repormos o stock de combustíveis”, acrescentou Paulino, que aponta ainda para “a massificação do uso de gás em viaturas como uma alternativa” para fazer face a situações similares. “Nós temos gás e é por isso que agora estamos a tentar incentivar o uso deste recurso”, declarou o director nacional de Combustíveis. COMO FUNCIONA O MERCADO HOJE? E O QUE VAI MUDAR?

As gasolineiras licenciadas em Moçambique importam anualmente através da empresa IMOPETRO (operadora de aquisições de combustíveis líquidos estatal) cerca de 1,3 milhões de toneladas métricas de produtos petrolíferos, como o gasóleo, gasolina e combustível para a aviação. De acordo com dados publicados pelo Banco de Moçambique, o país gastou em 2014 perto de 1,17 mil milhões de dólares com importações de combustíveis líquidos, valor que baixou para quase metade em 2015, para os 608 milhões de dólares. Os combustíveis consumidos em Moçambique são adquiridos maioritariamente nos mercados do Golfo Arábico (gasóleo) e do Mediterrâneo (gasolina) e canalizados para


OPERADORES AGUARDAM COM EXPECTATIVA: Mercado é regulado pelo governo, e os principais operadores aguardam com expectativa o que vai acontecer ao longo dos próximos meses

MAIS GASÓLEO

Gasóleo é o combustível mais consumido. E cerca de 65% dos combustíveis que entram no país destina-se aos mercados vizinhos Gasóleo

70%

Gasolina

21%

A1 “Jet Fuel”

8%

FONTE: CIP.

os postos de abastecimento, quinzenalmente, através dos portos de Maputo-Matola, Beira, Nacala e Pemba em quantidades que variam entre 250 mil e 320 mil toneladas métricas. Um dos problemas, não em Maputo onde está a maior capacidade de armazenamento, mas na Beira, Nacala ou Pemba, tem a ver com a reduzida capacidade das infra-estruturas existentes.

Por isso, nos dois últimos anos têm sido anunciados inúmeros grandes investimentos das maiores gasolineiras (Petromoc, Puma e BP) no mercado nacional, direccionados para a amplicação dos terminais de armazenamento dos maiores portos nacionais. Mas o que pode mudar então? Por solicitação do Ministério de Recursos Minerais e Energia, uma equipa do FMI prestou assis-


CAPA COMBUSTÍVEIS

E SE FALTASSE O COMBUSTÍVEL, COMO SERIA? Foram apenas alguns dias de sobressalto. Mas a questão dá que pensar. E se os combustíveis de repente faltassem? Sociedade Todos os veículos motorizados

iriam parar. Do automóvel aos transportes públicos, como os chapas, autocarros, passando pelos aviões e comboios. E os navios igualmente. Logo, toda a mobilidade torna-se inexistente. O que paralisa a sociedade e a economia. As pessoas não podem ir para os seus trabalhos, ficarão sem rendimentos e as empresas param.

Agricultura No sector que mais contribui para o PIB nacional (20%), o peso dos combustíveis é bastante maior do que se pensa — da maquinaria à logística de transporte e distribuição. De acordo com um levantamento fornecido pela White Oak Pastures, a criação de cada bovino consome em média 4,75 barris de petróleo por ano. Isso equivale a mais de 158 milhões de barris apenas para carne. É um exemplo que ilustra que, sem gasolina, muito provavelmente nada teríamos para comer.

Defesa Nos Estados Unidos, o Departamento de Defesa é o maior consumidor de combustível, gastando 75 milhões de litros de gasóleo e quase 180 mil milhões de dólares por ano. Em Moçambique, onde ainda há pouco tempo se verificavam focos de instabilidade político-militar, esta seria, sem dúvida, uma questão preocupante.

Recolha de lixo Anualmente são necessários

6 mil camiões, que gastam 75 milhões de litros de combustível, para recolherem o lixo de Nova Iorque. Em Maputo serão muitos menos, mas sem combustível as doenças iriam alastrar.

Extracção mineira Cobre, ouro, prata, platina e muitos outros minerais são descobertos, transportados e processados usando maquinaria pesada que queima combustível. Logo, uma das maiores fontes actuais de rendimento do país ficaria parada.

30 | Exame Moçambique

tência técnica ao governo sobre o tema, aconselhando a que se procedesse “à reforma do sistema de importação e dos subsídios aos combustíveis”. Embora reconhecendo que a factura dos combustíveis paga pelo Estado tem estado a reduzir em consequência da queda dos preços nos mercados, “o sistema actual tem um custo elevado, é ineficiente e está mal direccionado”, lê-se no documento. O custo da importação de combustíveis para Moçambique, acrescentou o FMI, “é mais alto do que para a maioria dos países da região devido a uma série de ineficiências no sistema de importação”, mas os preços praticados no mercado acabam por ser dos mais baixos, sendo que essa factura acaba por ser paga pelo Estado e, logo, por todos os contribuintes. Voltamos à equação impossível, pelo menos numa óptica de redução de despesas do Estado, com as contas agora acompanhadas pelo FMI. E dois anos depois das primeiras observações do FMI sobre o sector, a questão permanece em cima da mesa, e a EXAME sabe que uma das exigências do Fundo Monetário para voltar a “abrir a porta” a Moçambique tem a ver com o mercado dos combustíveis e precisamente com esta questão. De entre as medidas que poderiam ajudar a melhorar o sistema, e que está em consideração, está a permissão de importação aos distribuidores de produtos petrolíferos e às grandes empresas de recursos naturais, podendo assim mobilizar financiamento directamente, de acordo com as suas necessidades de mercado. E o FMI assume mesmo que a probabilidade do risco de rupturas varia com factores económicos, como a desvalorização do metical, a contracção da economia moçambicana e as restrições na circulação de pessoas e bens nas estradas da zona centro do país impostas pela instabilidade político-militar, entretanto apaziguada. Esta situação, aliada aos bons sinais de que as reservas líquidas aumentaram pela primeira vez, no último trimestre de 2016, para 1,7 mil milhões de dólares, suficientes para cinco meses de importações, permitem alguma folga inesperada ao Executivo e não ter de tomar a opção difícil entre importar alimentos ou combustíveis. Por outro lado, a evolução do preço do crude nos mercados internacionais e o aumento de preços que se tem verificado obriga o governo e o FMI a continuarem o debate sobre o que fazer com os combustíveis em Moçambique. Liberalizar o mercado enfrentando, com isso, um aumento dos preços de acordo com o seu real valor? Ou criar subsídios específicos para transportes de passageiros, tarifas para combustível industrial e agrícola, ou para os transportes de mercadorias, deixando o ónus do aumento apenas aos consumidores que o podem pagar? Os próximos meses responderão a esta questão. Uma subida drástica e inesperada do preço teria efeitos difíceis de prever na economia moçambicana, sem dúvida. Contudo, apesar da volatilidade do mercado, o cenário de subidas dramáticas dentro de 12 meses é pouco provável. De acordo com o mercado, a EXAME pode adiantar que é pouco provável que haja rupturas sérias no abastecimento de combustíveis até ao fim do semestre, mas a evolução da economia, bem como as imposições do FMI, poderão trazer novidades ao sector. b



MOÇAMBIQUE SUSTENTABILIDADE

ECO(CO) COMBUSTÍVEL O abate ilegal de árvores para fazer carvão levou Sebastião Coana a criar um tipo de combustível ecológico, feito através da casca de coco. Nasceu assim um negócio sustentável e de sucesso PEDRO CATIVELOS E VALDO MLHONGO

D

emorou cerca de oito meses, da pesquisa à materialização, um projecto que viria a culminar com a criação desta nova espécie de carvão ecológico, denominado Eco Carvão, criado a pensar na protecção ambiental sem perder o lado comercial. Além do óbvio benefício para a natureza, uma vez que a maioria do carvão vegetal utilizado em Moçambique é obtido através do abate ilegal de árvores, este tipo de carvão ecológico tem qualidades especiais. Como a não produção de labaredas, a capacidade de queimar durante mais tempo de maneira uniforme e o facto de não emitir fumos ou odores desagradáveis. E porque o carvão é ainda hoje uma das maiores fontes de energia das populações rurais o preço é igualmente uma questão essencial, sendo que também aqui o carvão feito de coco é competitivo, o que o torna, além de uma opção com óbvios benefícios ecológicos, acessível a todos os consumidores. E este segmento ganha ainda maior relevância porque matéria-prima é coisa que não falta. E se, por um lado, a desflorestação é um mal evidente, já o coco é um bem que não escasseia. Ainda para mais num país que está entre os vinte maiores produtores mundiais, com 260 mil toneladas de coco (limpo) por ano. “O que vi foi uma 32 | Exame Moçambique

oportunidade que não estava a ser aproveitada. O coco é um produto facilmente acessível para grande parte da população, mais barato e que não requer o abate de árvores porque utiliza algo que habitualmente era simplesmente deitado fora”, diz. E o que era até agora um desperdício, é qualquer coisa como 85% de todo o coco, uma vez que, habitualmente, só se aproveita a polpa e o sumo. Até há poucos anos, quando começaram a ser descobertas utilizações para os tais 85% que

des superfícies comerciais de toda a capital, Maputo. “Sim, e começámos há pouco tempo a explorar também os mercados de Xipamanine, Praça dos Combatentes (vulgo Xiquelene), Zimpeto e temos alguns contentores na cidade da Matola”, salienta o empresário. Da sua fábrica, localizada no distrito de Palmeira, saem mensalmente cerca de 100 toneladas de carvão proveniente da casca de coco. A matéria-prima é proveniente da província de Inhambane, a segunda

A fonte de energia mais comum em Moçambique está a “queimar” as florestas e são precisas soluções anteriormente eram simplesmente desaproveitados. E foi por tudo isto que, em Outubro de 2015, Sebastião Coana, de 28 anos, colocou em prática o projecto do Eco Carvão, com o objectivo de fabricar uma alternativa energética limpa ao carvão vegetal. Mas se no início o seu mercado se restringia a pequenos grupos de vendedeiras do distrito da Manhiça, a sua aldeia natal, hoje, através de parcerias com supermercados e gasolineiras, o produto já é comercializado em gran-

maior produtora do país depois da província da Zambézia. E é por lá também que o processo de produção também se inicia: “Primeiro fazemos a recolha da casca de coco, e depois inicia-se o processo de carbonização, através da queima. E já na fase final, aqui em Palmeira, fazemos a moagem e adicionamos os restos de farinha de trigo das padarias. Por fim faz-se a moldagem para que se possam fabricar os briquetes de carvão propriamente dito”, enuncia. Claro que num


SEBASTIÃO COANA Idade: 28 anos Naturalidade: Palmeira Empresa: Eco Carvão Formação: Mestrado em Finanças Internacionais Início de actividade: 2015 Número de trabalhadores: 14

MAURO VOMBE

Investimento inicial: 3 milhões de meticais

março 2017 | 33


MOÇAMBIQUE SUSTENTABILIDADE

MOÇAMBIQUE NO TOP 20 DOS PRODUTORES MUNDIAIS DE COCO Em 2016, 90% da oferta mundial de coco proveio da Ásia, um sector cuja procura aumentou 500% desde o início da década (em milhões de toneladas)

18,300

15,353

20º

11,930

Filipinas

Índia

Moçambique

FONTE: World Economic Atlas.

processo de industrialização como este, também foram criadas oportunidades de empregos para as comunidades das zonas rurais. “Sim, creio que faz todo o sentido, numa lógica de sustentabilidade, incluir as pessoas, criar oportunidades de rendimento para a população local. Como? Através da recolha da casca de coco. De algo que era lixo, agora criamos valor.” E toda esta estratégia de crescimento, construída com base no desperdício, que deixa de o ser, está apenas a começar. “O plano para já é criarmos oportunidades de franquia para cerca de mil ‘mamanas’, porque são elas que lidam essencialmente com o público que queremos que consuma o nosso produto.” Por agora, os preços de venda ao público do carvão são acessíveis. E o empresário refere que a ideia é manter os preços actuais, em que as embalagens de 4 quilos custam 50 meticais e as de 60 quilos, para consumo comercial, ficam pelos 500 meticais. “O objectivo é produzir energia limpa, em grande escala, para abastecer 34 | Exame Moçambique

ECOCOMBUSTÃO: Devido ao seu elevado teor de humidade, a casca do coco verde deve ser transformada em briquetes que contêm duas a cinco vezes mais energia que um metro cúbico de resíduos

MAURO VOMBE

Indonésia

MAURO VOMBE

0,260

Procura internacional pelo coco aumentou 500% esta década devido às inúmeras aplicações descobertas o mercado nacional e, ao mesmo tempo, contribuir para a redução do custo de vida nas comunidades, promovendo um produto barato e sustentável.” NEGÓCIO EM COMBUSTÃO

O sonho de Coana passa por, dentro de uma década, conseguir parar por completo a devastação florestal (219 mil hectares por ano, de acordo com o governo) que tem vindo a assolar o interior do país. “A nossa visão passa por eliminar por com-

pleto o abate de árvores para a produção de combustível lenhoso.” Mas de que forma? “Porque queremos crescer e industrializar de forma profissional todo o processo. Posso dizer que tenho o projecto para, em dez anos e com os devidos apoios financeiros, criar três mega-unidades de produção nas províncias da Zambézia, Inhambane e Maputo”, adianta. “Cada uma delas está orçada em 25 milhões de meticais e terá uma capacidade de produzir anualmente um milhão de tone-


ANNA1311/THINKSTOCK

ladas de carvão”, assinala. Para evitar a possível escassez da matéria-prima, até porque a produção de coco tem sido afectada pela doença de amarelecimento letal, um problema relacionado com a praga do escaravelho-preto que deposita ovos nos troncos e que acaba por matar a planta, o que tem diminuído a produtividade, o empresário já traçou um plano. “Dentro do orçamento de ampliação das unidades de produção incluímos uma verba para a plantação de novos coqueiros. Iremos fazer uma replantação e já identificámos uma espécie híbrida na Índia que cresce em pouco tempo e dá 200 a 250 frutas por ano, ao contrário da de Moçambique que só dá 50 a 100 cocos no mesmo período”, explica. “Também em parceria com o governo iremos trabalhar com

MAURO VOMBE

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PARA QUE SERVE O COCO?

as comunidades de modo a desenvolver acções de sensibilização para replantar os coqueiros e não abater as árvores”, complementa. Sebastião Coana é licenciado em Arquitectura e Desenho, com mestrado em Finanças Internacionais. Mas foi no empreendedorismo que decidiu apostar quando regressou a Moçambique. “Com a Eco Carvão decidi encarar a oportunidade de poder criar novas... oportunidades de emprego não só para mim, mas também para as outras pessoas”, refere. Para o início do projecto, o empresário investiu pouco mais de três milhões de meticais. Mas se no início apenas contava com três trabalhadores, hoje tem uma equipa de 14 colaboradores. E o crescimento está aí. No fecho do primeiro ano, a factu-

Por norma, só se utiliza 15% do fruto do coco: a polpa e o sumo. Como a casca leva até dez anos para se decompor, o que antes era visto como desvantagem tornou-se, devido à durabilidade, apetecível para aproveitamento como fonte de matéria-prima para a indústria da reciclagem — estofagem de veículos, colchões, palmilhas, material de jardinagem ou substrato para a agricultura. Depois, sabe-se que, além da utilização alimentar, ou combustível, os derivados de coco, como os óleos, são hoje muito procurados pela indústria da estética.

ração ficou pelos 1,2 milhões de meticais. Contudo, com o crescimento do negócio, chega agora aos 700 mil meticais por mês. Qualquer coisa como 8,4 milhões de meticais por ano. “E a partir de Junho, com a chegada de novas máquinas, o valor irá aumentar”, prevê. Até porque, além do mercado nacional, o jovem empreendedor pretende começar a exportar para alguns mercados da região. E já há quem tenha mostrado interesse no produto. “Temos empresários e investidores da África do Sul, Suazilândia e Botswana com quem estamos a dialogar.” Caso para dizer que a expressão valor acrescentado aqui ganha de facto relevância. E como, afinal, um produto que de outra forma ficaria a apodrecer até serve para aquecer um bom negócio. b março 2017 | 35


MOÇAMBIQUE CONSTRUÇÃO

CARLA BORGES Idade 44 anos Formação Engenheira Civil e mestre em Gestão

INVESTIR EM MOÇAM BIQUE Uma empresa nacional que quer construir pontes com outras geografias sem nunca deixar o país de origem CRISTINA FREIRE

36 | Exame Moçambique

MAURO VOMBE

Função na empresa CEO


D.R.

A

mão-de-obra especializada e o intercâmbio de conhecimentos são ferramentas fundamentais para um país em crescimento, como é o caso de Moçambique. E a internacionalização de empresas moçambicanas é cada vez mais fundamental para fazer crescer esse know-how. No caso da Nadhari Opway, a internacionalização resulta da operação de compra, da construtora portuguesa Opway, e das suas operações, em Portugal, e em Moçambique.E assim, de uma associação de empresas que têm como objectivo a realização de negócios comuns, ganhando mais força em mercados onde, isoladas, teriam menos hipóteses sucesso, nasceu uma operação que tem vindo a crescer em ambos os mercados. E foi desta forma que, em Outubro de 2014 foi constituída a Nadhari Opway, hoje um importante player moçambicano no segmento da construção civil e gestão de obras públicas, em Moçambique, e Portugal. À EXAME, a engenheira civil moçam-

EM CURSO: Shopping de Tete e novo edifício do INSS são obras emblemáticas da Opway

bicana e única mulher à frente de uma grande construtora no mercado nacional, Carla Borges, a CEO da empresa, começa por revelar os primeiros passos daquilo que é hoje a Nadhari Opway. “A parceria com a Nadhari começou há quatro anos, teve como objectivo reforçar a nossa presença em Moçambique, primeiro como OPCA e mais tarde como Opway Engenharia, SA. Mais do que uma empresa portuguesa em Moçambique, pretendia-se uma parceria mais estrutural e estável. Nesse sentido, foi alienada a Opway Engenharia Moçambique, Lda e mais tarde alterada a sua denominação para Nadhari Opway.”Assim, houve uma optimização dos recursos numa única empresa que ficou com mais capacidade de resposta para efectuar projec-

tos nas áreas de construção e engenharia. Ao mesmo tempo, contou com a experiência e conhecimento de uma empresa com 84 anos de matriz portuguesa no mercado moçambicano. “Quando cheguei a empresa não ganhava obras há quase três anos, em três meses ganhámos a primeira. Um centro comercial em Tete para um cliente particular. Foi preciso lutar contra a imagem que a empresa tinha no mercado e ajustar comercialmente a nossa proposta. Hoje, tudo é diferente”, assume. CONSTRUIR PONTES

Moçambique, enquanto país em desenvolvimento, é um mercado apetecível ao nível da construção civil e obras públicas, apesar do abrandamento, em termos

“Internacionalizar é dar um grande salto a vários níveis. Da estrutura aos recursos. Mas queremos fazê-lo” março 2017 | 37


MOÇAMBIQUE CONSTRUÇÃO

NADHARI OPWAY EM NÚMEROS COLABORADORES 120 OBRAS EM 2015 Centro Shopping Tete Infra-Estruturas de Sinalização FRW320 Início do Edifício de Escritórios INSS OBRAS EM 2016: Conclusão Infra-Estruturas de Sinalização FRW320 Edifício de Escritórios INSS Trailing Distribuition Pipework Construção de PH e manutenção de rotina em estradas no município de Inharrime Reabilitação da ponte de Inharrime VOLUME DE NEGÓCIOS 2015 – 500 milhões 2016 – 600 milhões * 2017 – 1 000 milhões * Previsão* (valores em meticais) FONTE: Nadhari Opway.

económicos, que tem vindo a registar-se nos dois últimos anos. Até por isso, e por algum desinvestimento que tem vindo a notar-se no mercado da construção, abriu-se espaço para que uma empresa de matriz 100% moçambicana ganhasse o seu próprio espaço no segmento. “Sim, fizemos a alienação da empresa, porque a empresa é moçambicana e pretendíamos reforçar as ligações ao país”, acrescenta Carla Borges. Entre Portugal e Moçambique a empresa tem, hoje, mais de 200 colaboradores. “Um dos nossos objectivos é o intercâmbio dos nossos profissionais entre Portugal e Moçambique. Acredito que só assim se consegue crescer de ambos os lados. 38 | Exame Moçambique

PONTE DE TETE: Uma das obras do portefólio da construtora moçambicana

E passar a ter acções de formação para os colaboradores moçambicanos em Portugal”, revela. Actualmente a empresa tem sete accionistas, entre os quais Daniel Lucas que explica à EXAME que “a parceria com a Opway foi uma oportunidade de negócios para fazer expandir uma empresa nacional para o exterior. A internacionalização de empresas moçambicanas, apesar de não ser fácil, ajuda a economia de Moçambique e temos de avançar nesse sentido”, assume. De momento a construtora está em fase de finalização de um edifício de escritórios para o INSS — Instituto Nacional de Segurança Social, em Maputo, que estará pronto este ano. “É, porventura, uma das obras mais emblemáticas desta nova fase da empresa”, assume a CEO. “Sendo eu moçambicana, são projectos destes que nos dão força para ultrapassar as adversidades. Uma empresa nacional que, mesmo tendo em conta a situação macroeconómica do país, que nos prejudica as projecções financeiras, essencialmente no que diz respeito às importações de materiais e equipamentos, decidiu avançar, faz-nos acreditar que, após alguns ajustes, a retoma económica será um facto.

Os resultados da empresa são positivos, o que justifica plenamente a opção estratégica tomada.” Desde a sua recente formação, a gestora adianta ter fechado 2015 com um saldo de 500 milhões de meticais, adiantando que as projecções para 2017 são animadoras, prevendo chegar perto dos mil milhões de meticais. Com o mercado interno estabilizado, a internacionalização começa a ganhar forma. “Estamos a partir de Moçambique para desenvolver actividades comerciais nos países vizinhos, numa lógica de internacionalização que nos é vantajosa, porque estamos a falar de uma empresa africana que se quer colocar noutros países de África. Existem enquadramentos legais que permitem isso mas é um salto grande, que nos coloca à prova a vários níveis. Da estrutura aos recursos. Mas é esse o nosso caminho”, assinala. Já para Daniel Lucas, abrem-se novos horizontes. “Tem sido tradição as empresas estrangeiras investirem em Moçambique, mas o país tem jovens empreendedores para ir mais longe. É isso que queremos levar como vantagem para os mercados em desenvolvimento desta região.” b



NEGÓCIOS DESTINOS

O MUNDO A SEUS PÉS ATÉ 2020

40 | Exame Moçambique


Q

De olhos postos em África, o Dubai quer afirmar-se cada vez mais como um player internacional e um destino de excelência. Do turismo aos negócios

A TORRE BURJ KHALIFA: Até ao final da década será inaugurado o maior arranha-céus do mundo, que custará mil milhões de dólares

CHRIS RATCLIFFE/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

PEDRO CATIVELOS E SOFIA FERNANDES

ualquer coisa como 20 milhões de turistas em 2020. Um número de peso. E também uma das metas mais ambiciosas definidas pela estratégia “Dubai’s Tourism Vision for 2020” para um dos sete emirados da região do Golfo que constituem os Emirados Árabes Unidos. Daqui a pouco menos de três anos, precisamente em 2020, o Dubai será o centro das atenções a nível mundial, com a organização da Expo 2020, sob o lema “Conectando Mentes, Criando Futuro”. O momento ficará para a História, já que esta é a primeira vez que o evento terá lugar no Médio Oriente, e as consequências ainda são um pouco imprevísiveis, pelo menos quanto ao alcance. O que se sabe mesmo é que, sendo no Dubai, a coisa vai mesmo ser grandiosa, e o mundo irá prestar atenção, claro. Isso está, aliás, plasmado no documento estratégico, que revela que a exposição universal terá implicações a vários níveis, do desenvolvimento de infra-estruturas à melhoria da oferta de produtos turísticos, passando pelo aumento do volume de investimento em marketing. O objectivo é claro: posicionar o Dubai como a primeira escolha a nível internacional para lazer e viagens de negócios. E o que poderia ser mais adequado do que este grande evento internacional para mostrar ao mundo o dinamismo e inovação da cidade do Dubai? E nada melhor do que um grande arranha-céus para o fazer. Mas grande não chega, e até ao final da década será inaugurado o maior do mundo, com cerca de um quilómetro de altura, que custará mil milhões de dólares e destronará a torre Burj Khalifa (também localizada na cidade), com 828 metros. A grandiosidade das obras e a aposta em arrojados projectos arquitectónicos únicos no mundo faz parte de uma estratégia mais abrangente. E que levou a que, nos últimos anos, o Dubai se tornasse conhecido mundialmente por construir dezenas de edifícios futuristas, que acabaram por se transformar na imagem de marca da cidade. No total, espera-se que o evento tenha um custo estimado entre os sete e os nove mil milhões de dólares, para construir cerca de 45 mil novos quartos março 2017 | 41


NEGÓCIOS DESTINOS

O QUE É QUE O DUBAI TEM? Infra-estruturas de grandeza e qualidade mundial. Aposta na divulgação das potencialidades do país e rentabilização da infra-estrutura construída, apostando em grandes eventos como a Expo 2020.

Diversificou a economia e tem-se afirmado como uma plataforma logística à escala global entre a Europa, Ásia e África, facilitando que as empresas aí se estabeleçam.

RAQUEL MARIA CARBONELL PAGOLA/LIGHTROCKET/GETTY IMAGES

Enquadramento legal propício ao desenvolvimento económico e um contexto fiscal e laboral favorável à captação de capital externo, baseado em zonas francas, onde os estrangeiros podem deter 100% do capital.

EM DIRECÇÃO AO CÉU: Espera-se a construção de 45 mil novos quartos de hotel, expansão do metropolitano e uma verdadeira revolução energética limpa

de hotel, expandir a rede de metro urbano, investir em pontes, túneis e outras infra-estruturas, sem esquecer o local da exposição: 1,1 milhões de metros quadrados, uma enorme cobertura de painéis fotovoltaicos que permitirão gerar 50% da energia utilizada durante o evento, além dos pavilhões para acolher os 150 países participantes. MOÇAMBIQUE QUER “BRILHAR”

O evento é de tal modo importante que o primeiro-ministro moçambicano, Carlos Agostinho do Rosário, já atribuiu a Augusto David, recém-empossado comissário geral para a Expo 2020-Dubai, a missão de “fazer brilhar a imagem do país” naquela que é considerada a maior exposição mundial e onde Moçambique “gos42 | Exame Moçambique

taria de se mostrar como um país activo e em busca de novas oportunidades de investimento. A nossa participação neste tipo de eventos, onde convergem todos os países do mundo, é uma grande oportunidade para atrair investimentos em áreas como a agricultura, recursos naturais e energia, assim como turismo”, disse o primeiro-ministro na cerimónia de nomeação da equipa que irá preparar a presença de Moçambique no Dubai em 2020. Igualmente benéfico para Moçambique será o facto de o Dubai ter escolhido Maputo para acolher apenas a sua terceira representação internacional no continente africano, depois da Etiópia e do Gana, como publicámos na edição de Junho da EXAME. A presença da Câmara de Comércio e Indústria do Dubai na capital

moçambicana foi apresentada no seguimento “da percepção das novas oportunidades de investimento em África, que destacaram Moçambique como um destino de eleição para o desenvolvimento de parcerias com empresas dos Emirados Árabes Unidos”. Na opinião do embaixador dos Emirados Árabes Unidos em Moçambique, Assim Mirza Al Rahmah, “Moçambique é de facto um país de enorme potencial e ao longo dos últimos anos tem-se tornado um parceiro comercial cada vez mais importante. A abertura de uma delegação local da Câmara de Comércio do Dubai já está a contribuir para alavancar oportunidades de comércio e investimento bilateral”, revela à EXAME. Os Emiratos apostaram em Moçambique com um plano simples: preparar o ter-


OS INDICADORES DO SUCESSO DO DUBAI BI socioeconómico

POPULAÇÃO (milhões)

2,7

PIB (mil milhões de dólares)

108

PIB PER CRESCIMENTO CAPITA DO PIB (em milhares (2016) de dólares)

JÚLIO DENGUCHO

2,6% 40

DUBAI MAIS PERTO: Presença de líderes da comunidade empresarial do Dubai em Maputo “mostra confiança no futuro”, diz o ministro Ernesto Max Tonela

reno para que a representação tenha um papel fundamental no apoio à expansão dos negócios do Dubai para Moçambique, bem como na promoção de parcerias locais, tendo Maputo como base de novas pontes de negócio com o Médio Oriente e o Sudeste Asiático através do Dubai, ou toda a região subsariana, através da capital moçambicana. E incluir o aeroporto de Maputo nas rotas internacionais da companhia aérea do Dubai, Fly Emirates, foi outro dos vectores desta lógica

de expansão para o continente africano, sempre analisada de uma perspectiva integrada. Para se ter uma ideia do aumento da proximidade económica, e neste caso o negócio não petrolífero entre o Dubai e Moçambique de 2010 a 2015, este cresceu de 130,2 milhões de dólares para 195,7 milhões de dólares, traduzindo-se num aumento de cerca de 50%. No que diz respeito ao investimento das empresas dos EAU (quase unicamente do Dubai) em Moçambique, em 2015 foi um dos maiores. Cerca

Expansão do Dubai para a região subsariana tem em Moçambique um dos pilares estratégicos

PRINCIPAL FONTE DE RECEITA (Turismo)

20%

de 1476 milhões de dólares, representando 39% do total do investimento directo estrangeiro (IDE), um aumento face aos 30,7% registados em 2014. Além do notório e crescente interesse no continente africano, onde os Emirados Árabes Unidos querem competir com a China enquanto principal investidor externo, o Dubai destaca-se por concentrar sobretudo o comércio e os sectores financeiro e turístico da região, enquanto a vizinha Abu Dhabi, por seu lado, é o centro industrial e dos hidrocarbonetos. Como resultado do esforço de diversificação económica, o sector dos serviços fez do Dubai uma cidade privilegiada para acolher as empresas multinacionais e a principal porta de entrada do comércio do Golfo e do Médio Oriente. Intermarço 2017 | 43


NEGÓCIOS DESTINOS

... E EM ÁFRICA

DUBAI EM MOÇAMBIQUE...

O investimento das empresas dos Emirados Árabes Unidos representou 39% do total do investimento directo estrangeiro. A quase totalidade provém do Dubai

1 476

(Milhões de dólares)

2012

17

12 000

410

2013

MIL MILHÕES DE DÓLARES Valor das trocas comerciais não petrolíferas com África

MILHÕES DE VISITANTES Crescimento de 7,5% ao ano

891

309

29,7

EMPRESAS Número de empresas africanas registadas e a operar no Dubai 2014

2015

net farta e rápida, proximidade de bons portos, aeroportos e estradas são imperativos económicos para cidades que almejam ser globais. E o Dubai tem tudo isso, e em grande! Incluindo o segundo aeroporto mais movimentado do mundo, por onde passaram cerca de 78 milhões de passageiros no ano passado. Soma-se ainda um enquadramento legal propício ao desenvolvimento económico e um contexto fiscal e laboral favorável à captação de capital externo. Por isso, nos últimos anos as zonas francas têm proliferado por todos os EAU, sendo a de Jebel Ali, no Dubai, uma das mais importantes, tanto pela dimensão como pelo número de empresas aí estabelecidas. E que não pára de aumentar, recebendo empresas

78

MILHÕES DE PASSAGEIROS Número de pessoas que passaram pelos aeroportos em 2015. Crescimento de 11% ao ano FONTES: Câmara de Comércio do Dubai em Moçambique, CPI — Centro de Promoção do Investimento.

como a Pfizer, gigante farmacêutica global, a Continental, multinacional do sector dos pneus, ou mesmo a Halliburton, que deixou Houston, no Texas, e se mudou para o Dubai. Ceo incluído. Esta lógica iniciou-se devido à crise dos combustíveis que se viveu na década de 1980, há mais de 30 anos, quando se per-

Aposta em infra-estruturas e benefícios fiscais às empresas acabaram, em duas décadas, com dependência de petróleo 44 | Exame Moçambique

cebeu que a economia estaria demasiado exposta a um só produto. Para fazer face a esta perigosa questão o Dubai apostou na diversificação, baseada na construção de infra-estruturas e numa política de incentivos fiscais, de modo a atrair grandes empresas mundiais para aquele destino. Hoje, poucas décadas depois, é uma plataforma logística à escala global entre a Europa, Ásia e África. E de acordo com a Bloomberg, o crescimento económico vai acelerar para 3,1% este ano, mesmo que os preços do crude se mantenham baixos. Nos seus primórdios, a economia do Dubai dependia quase exclusivamente do petróleo. Actualmente, a sua dependência directa do petróleo é de apenas 4% do seu PIB. Para o sheikh Ahmed bin Saeed Al Maktoum, responsável do Economic Development Committee no Dubai, “há mais de três décadas os nossos líderes privilegiaram a diversificação da economia e colocaram-na no topo da pirâmide de desenvolvimento no Dubai. Visão de crescimento e as estratégias adoptadas desde aí focaram-se na aceleração e sustentabilidade. Isso levou a uma integração mais rápida na economia global, além de um crescimento qualitativo não dependente do petróleo.” Este ano o Dubai iniciou a publicação de previsões económicas duas vezes por ano, incluindo também nesses relatórios oportunidades de negócio em vários sectores. Apenas uma das muitas medidas, com o único objectivo de fazer com que o Dubai nunca abandone o top of mind dos agentes económicos globais. “Com a sua economia adaptável e flexível, e infra-estruturas topo de gama, o Dubai conseguirá um crescimento económico assinalável até 2020”, confirma Alp Eke, economista do National Bank of Abu Dhabi. Em 2017 o crescimento económico no Dubai será sustentado pelo aumento dos investimentos: o emirado prevê gastar este ano 12,8 mil milhões de dólares, valor que representa um aumento de 27% em infra-estruturas, à medida que se aproxima a data da grande inauguração da Expo 2020 na cidade. E, nessa altura, o pequeno emirado será então o centro do mundo. b



NEGÓCIOS EMPREENDEDORISMO TITOS MUNHEQUETE IDADE: 30 NATURALIDADE: Chimoio FORMAÇÃO: Mestrado em Gestão Empresarial INÍCIO DE ACTIVIDADE: 2015 RAMO DE ACTIVIDADE: Comércio on-line NÚMERO DE TRABALHADORES: 10

46 | Exame Moçambique


É IZY IR ÀS COMPRAS

Há três anos Titos Munhequete decidiu investir na venda a retalho on-line. Hoje, com quase três mil clientes, o IzyShop é o maior supermercado virtual do país e já foi premiado internacionalmente VALDO MLHONGO

MAURO VOMBE

A

nível global, em 2016 cerca de 54% dos consumidores compraram pelo menos um produto on-line, um ano em que, pela primeira vez na África do Sul, um dos mais relevantes parceiros económicos de Moçambique, o total das vendas a retalho on-line (67 mil milhões de dólares) atingiu 1% do total das vendas de todo o retalho, cerca de 700 milhões de dólares. Parece pouco mas, na verdade, o valor tem aumentado 20% ao ano desde a viragem do século, pode ler-se no relatório “Retail in South Africa 2016”. A tendência generaliza-se em todo o mundo e acentua-se em vários países africanos. Incluindo Moçambique. E o IzyShop é um dos novos frutos desta tendência que parece imparável. A ideia é simples: uma loja de conveniência virtual que, na verdade, é uma solução para um problema que nos aflige a todos quando nos deparamos com as longas filas existentes nos supermercados de Maputo, sobretudo no final do mês. Titos explica que foi esse, aliás, o principal motivo que o levou a pensar numa alternativa ao retalho convencional. “Sim, foi numa manhã de sábado em que fomos a uma grande superfície comercial para fazermos as compras semanais. Na altura vivíamos a cinco minutos do supermercado, mas nessa manhã demorámos quatro horas entre filas e a escolha dos produtos de que precisávamos”, recorda o funda-

dor da empresa. E foi assim que nasceu o IzyShop, um supermercado on-line de venda de produtos, com sede no bairro de Alto Maé, na cidade de Maputo. No entanto, o arranque da plataforma não foi fácil e várias etapas tiveram de ser ultrapassadas até que estivesse a funcionar devidamente. “O maior trabalho que tivemos foi o do desenvolvimento da plataforma. Foi necessário estruturar o site e todas as suas funcionalidades de raiz. E isso foi um processo moroso, que nos levou cerca de oito meses”, assinala o jovem empreendedor de 30 anos. Mas os desafios não se ficaram por aqui. “Um

de seis mil produtos de diferentes tipos — alimentares, de beleza, saúde, higiene ou bebidas. E a interactividade do sistema permitiu que se apercebesse da necessidade de introduzir frescos e vegetais nas prateleiras virtuais do IzyShop. Ali, o processo da compra é bastante simples. “Após o preenchimento do formulário de perfil, o cliente recebe uma mensagem de confirmação que lhe permite aceder ao site e efectuar as suas compras. Logo a seguir ao processo finalizado, o cliente recebe uma mensagem de confirmação no seu telemóvel”, explica. Em termos da carteira de clientes o

Comércio on-line ganha cada vez mais força no sector do retalho processo operacional célere, de modo a satisfazer os clientes, era e ainda é outro objectivo nosso. Se no início o sistema de entrega levava 48 horas, hoje o tempo de espera ficou mais reduzido e já conseguimos tornar o sistema tão eficiente que se compra hoje e recebe-se hoje mesmo”, diz. E porque o on-line significa tendencialmente imediatismo, “o objectivo é reduzir ainda mais todo o tempo do processo da compra à recepção dos produtos para apenas uma hora”, assume o gestor. No IzyShop são comercializados mais

número aproxima-se já dos três mil, entre singulares e empresas. Mas, até ao momento, 70% desses clientes são estrangeiros. “O nosso objectivo é chegarmos a uma situação em que a proporção seja de 50% para 50%, entre moçambicanos, que não estão tão habituados a este tipo de sistema, e estrangeiros”, refere Titos. No que tange às áreas de actuação, o IzyShop abrange as cidades de Maputo, Matola, Belo Horizonte e Marracuene. Contudo, a ideia é chegar a todo o país. “Para já, a partir de segundo semestre março 2017 | 47


NEGÓCIOS EMPREENDEDORISMO

MAURO VOMBE

MAURO VOMBE

PRÉMIOS: IzyShop venceu o prémio de melhor startup do mundo no final de 2016, na Finlândia

deste ano vamos começar a expandir para pelo menos mais duas cidades do país”, confidencia. INVESTIR NA QUALIDADE

Produtos frescos e com qualidade são factores a ter em conta para o sucesso de quem investe no sector do comércio e Titos tem consciência disso. Por essa razão, ao longo dos últimos três anos foi firmando parcerias com representantes de algumas marcas de referência, habitualmente comercializadas no retalho convencional. “Trabalhamos com fornecedores directos. Por exemplo, para expor os vinhos que temos no site temos representantes de marcas que trabalham directamente connosco. Assim conseguimos ser competitivos ao nível do preço e concorrer efectivamente com as cadeias de grande retalho”, esclarece à EXAME. No entanto, nos produtos frescos e vegetais Munhequete alinhou por outra estratégia. Prefere trabalhar com pequenos agricultores locais. “É uma forma de 48 | Exame Moçambique

Conjugar grandes marcas com pequenos produtores é o objectivo ajudar aqueles que produzem a aumentarem o seu rendimento, fazendo-os entrar neste sector. Isso permite que os nossos clientes consumam produtos saídos directamente da machamba e a preços acessíveis. Incentivamos as economias locais e mostramos também o que há de bom em Moçambique”, explica. O IzyShop conta com uma equipa de distribuidores que diariamente efectuam a entrega dos bens em casa dos clientes. “É uma equipa jovem mas muito comprometida em mostrar que em Moçambique é possível ter moçambicanos a fornecer um serviço de padrão internacional”, diz. Prova disso é que, durante o seu ainda breve percurso empresarial, o IzyShop foi acumulando alguns prémios não só nacionais como também internacionais. Em Abril de 2016 a empresa foi distinguida na categoria “best startup” da TOTAL, na qual conquistou o primeiro lugar num concurso que envolveu mais de 200 empresas nacionais. A empresa ganhou o prémio de melhor

startup do país, num concurso onde participaram 200 empresas a nível nacional. Ainda no final do ano passado voltou a ser distinguida como a melhor startup do mundo numa feira internacional de novos negócios, que ocorreu na Finlândia. “Foi a primeira vez que tivemos uma startup moçambicana a ganhar um prémio internacional fora de África”, diz com orgulho. Para Titos, os prémios são um sinal de reconhecimento do trabalho que a empresa está a fazer, e não só. “Mostra que podemos estar, em Moçambique, a fazer coisas ao nível de qualquer outro país no mundo. Creio que essa é a lição que podemos retirar daqui”, refere. E os planos futuros estão definidos: “Vamos focar-nos em continuar a apoiar os pequenos e médios agricultores de forma sustentável. Fazer com que tragam os produtos para os consumidores. É essa a nossa base. Sentimos que, assim, estaremos a contribuir para o crescimento da economia nacional”, conclui. b



MUNDO PLANO DARIO PIGNATELLI/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

TENDÊNCIAS QUE MARCAM A AGENDA GLOBAL

FÁBRICA DA FORD NO MÉXICO: A boa fase

da indústria automóvel mexicana está ameaçada

ECONOMIA

O MÉXICO NO DIVÃ

N

enhum sector representa tão bem o momento actual do México como o da indústria automóvel. A produção de carros no país aumentou sem parar nos últimos sete anos e atingiu um recorde em 2016. Contudo, os dados escondem uma dependência que se tornou perigosa. Em cada dez carros fabricados, seis são exportados para os Estados Unidos. Com a tomada de posse de Donald Trump, aumenta o receio de que as construtoras sejam punidas com medidas proteccionistas. As amea50 | Exame Moçambique

ças verbais de Trump levaram a Ford a cancelar a instalação de uma fábrica no México, o que desencadeou um boicote à fábrica por parte dos mexicanos. Uma queda nas vendas e nas exportações de carros pode prejudicar a economia. O FMI reduziu a previsão de crescimento do PIB em 2017 de 2,3% para 1,7%, o que é péssimo para o Presidente Enrique Peña Nieto, que tem a pior aprovação de um governante mexicano em 20 anos e enfrenta protestos depois de um aumento de 20% no preço da gasolina.

A indústria automóvel do México bateu o recorde de produção em 2016, mas as promessas de Trump ameaçam refrear o crescimento Produção anual de carros no México (em milhões de unidades)

3,21

3,46

2,88 1,97

2006

2,10

2008

2,26

2010

2012

2014

2016

FONTE: Associação Mexicana da Indústria Automobilística (Amia).


DE PORTAS FECHADAS A situação dos imigrantes europeus é uma das questões mais problemáticas que o Reino Unido terá de enfrentar nas negociações para a saída da União Europeia, cujo início está previsto para Março. Há 8,3 milhões de estrangeiros a viver no país, dos quais 3 milhões nasceram numa das outras 27 nações da União Europeia — a maioria são polacos, irlandeses, alemães, romenos, italianos e franceses. A primeira-ministra britânica, Theresa May, disse em Janeiro que espera alcançar um acordo para que os estrangeiros possam continuar no Reino Unido, mas também afirmou que

pretende dificultar ao máximo a entrada de novos imigrantes da União Europeia — uma reivindicação dos eleitores a favor do Brexit. Os economistas alertam para os impactos negativos de uma medida deste tipo. Um estudo recente do professor Jonathan Portes, da Universidade King’s College de Londres (uma das mais conceituadas do mundo), identificou que a redução no número de imigrantes europeus produziria uma queda de 0,63% a 1,78% do PIB do Reino Unido até 2020. Fechar as portas aos imigrantes pode ser, afinal, um mau negócio para os britânicos.

A queda no número de imigrantes no Reino Unido, provocada pelo Brexit, pode causar uma redução do PIB até 2020 Redução do PIB do Reino Unido provocada pela queda na imigração (em percentagem) Cenário moderado

Cenário extremo

0 -0,6

-0,63%

-1,2 -1,8 2016

- 1,78% 2017

(1)

(1)

2018

(1)

2019

(1)

2020(1)

Estimativa. FONTE: Jonathan Portes e Giuseppe Forte.

THERESA MAY:

Governante defende mais restrições aos imigrantes europeus

REUTERS/FACUNDO ARRIZABALAGA/POOL

REINO UNIDO

março 2017 | 51


GLOBAL ESTADOS UNIDOS

SERÁ QUE VAI MESMO CONSEGUIR? Depois de uma posse marcada pelo discurso inflamado, o Presidente Donald Trump terá de convencer o Congresso a apoiar os seus planos mais polémicos — o que divide os republicanos SÉRGIO TEIXEIRA JR., DE NOVA IORQUE

D

onald Trump recebeu 63 milhões de votos nas urnas mas, para conseguir cumprir várias das suas promessas de campanha, o novo Presidente americano vai precisar de outro tipo de voto: o dos deputados e senadores. Apesar de nominalmente pertencer ao Partido Republicano, que controla o Congresso e o Senado, Trump e os seus colegas de partido têm visões opostas sobre o que deve ser feito em várias áreas. Do corte de impostos à imigração, muitas das propostas que levaram o bilionário nova-iorquino à vitória terão de ser aprovadas pelos congressistas — os mesmos que foram alvo de um discurso virulento natomada de posse. “As vitórias deles não foram as suas vitó52 | Exame Moçambique

rias. Os triunfos deles não foram os seus triunfos. Enquanto eles comemoravam na capital do nosso país, havia muito pouco a comemorar para as famílias em dificuldades em todo o país”, disse Trump sobre os políticos tradicionais. A retórica beligerante contra a ordem estabelecida funcionou na campanha. Se a mesma atitude de confrontação vai dar resultados na governação, ainda é uma incógnita. Um relatório recente do banco Goldman Sachs divulgado a investidores analisou 28 das principais propostas de Trump. Segundo a investigação, 14 dessas propostas, como a construção de um muro na fronteira com o México, precisam de dois terços dos votos no Congresso. Isso significa que o Presidente também terá

de conquistar o apoio do Partido Democrata. Porém, antes de procurar o apoio da oposição Trump precisa da sustentação da sua própria base. O corte de impostos é um dos poucos pontos em que Trump e os seus companheiros de partido concordam. Mas a maneira de o implementar será uma das primeiras provas de que o relacionamento entre o novo Presidente e a sua base de apoio poderá ser tenso. A ideia de Paul Ryan, o líder republicano e presidente da Câmara, é substituir o actual imposto de rendimento pago pelas empresas por uma espécie de imposto de valor agregado, que apenas seria aplicado às vendas realizadas dentro dos Estados Unidos, isentando as exportações. O plano inclui um “ajuste de fronteira”, ou seja,


Trump usou o discurso de posse para atacar os políticos tradicionais mas depende deles para dar sustentação aos seus projectos taxar as importações e conceder crédito aos exportadores. O objectivo é oferecer incentivos às empresas para que produzam e gerem empregos e mantenham os lucros dentro do país, e não em filiais abertas no exterior para explorar vazios legais. A proposta está em consonância com a ideia de Trump de favorecer a criação de empregos na indústria nos Estados

Unidos. No entanto, o Presidente discorda de Ryan. “Sempre que ouço o termo ‘ajuste de fronteira’, não amo [a ideia]”, disse ao The Wall Street Journal. “Normalmente, isso significa um mau negócio.” A proposta de Trump é diferente. Defende um corte simples e directo nas taxas pagas pelas empresas, dos actuais 35% para 15%. Além disso, quer reduzir

para 10% o imposto cobrado às empresas que trouxerem de volta os mais de 2 biliões de dólares de lucros guardados no exterior. A questão é como cobrir o rombo que seria deixado no orçamento com esse plano. Questionado pelos senadores, Steven Mnuchin, nomeado para o Departamento do Tesouro, disse: “Queremos garantir que a reforma fiscal não aumente o défice.” De acordo com a equipa de Trump, o aumento da actividade económica seria mais do que suficiente para compensar as perdas de colecta de impostos. Mas quatro instituições que analisaram os números estimaram o défice entre 2,6 biliões e mais de 10 biliões de dólares. Trump também ameaçou sobretaxar as empresas que transferem a produção março 2017 | 53

ANDREW HARRER/BLOOMBERG / GETTY IMAGES

POSSE DE DONALD TRUMP: O Presidente assumiu o cargo com baixa popularidade


para outros países, apontando especialmente para a indústria automóvel — ideia rechaçada por muitos políticos republicanos. “Não vamos aumentar os impostos de importação”, diz Ryan, presidente da Câmara. A discussão entre os supostos aliados do poder executivo e do legislativo acontece num momento em que o Presidente americano assume o governo com as mais baixas taxas de popularidade em 70 anos. Os eleitores que tinham uma visão favorável de Trump eram 42% logo após a eleição. Um dia antes da posse, a percentagem caiu para 40%, segundo o Instituto Gallup. No entanto, as sondagens também mostravam o claro favoritismo de Hillary Clinton nas eleições presidenciais de Novembro e erraram clamorosamente. Mas não há dúvida de que a tarefa de convencer os deputados e senadores a votarem com um Presidente impopular parece mais complicada. Marco Rubio, senador derrotado nas primárias republicanas do ano passado, endureceu a sua posição no inquérito a Rex Tillerson, ex-presidente da petrolífera ExxonMobil indicado para o Departamento de Estado — mais um sinal de que alguns republicanos continuam a querer manter uma distância segura do novo Presidente. Segundo vários políticos em Washington, Trump teria muitos alvos fáceis, como os projectos de lei de infra-estruturas, mas tem apontado para objectivos complicados.

DAVID MCNEW/GETTY IMAGES)

GLOBAL ESTADOS UNIDOS

HOSPITAL DOS EUA: É preciso apoio democrata para afastar o Obamacare

UM CONGRESSO NO CAMINHO Mesmo controlado pelos republicanos, o Congresso poderá ser um

O FIM DO OBAMACARE

Uma das suas primeiras e principais metas é acabar com o Obamacare, como é conhecido o programa de Barack Obama que alargou a cobertura de saúde a mais de 20 milhões de americanos. Como fazê-lo, entretanto, dependerá de uma delicada dança com o Congresso. Um dos primeiros actos de Trump depois de assumir foi a assinatura de um decreto a enfraquecer certas provisões da legislação de saúde. No entanto, isso não será suficiente para acabar com o Obamacare. Para “repelir e substituir” a lei num só movimento, como prometeu o novo Presidente, é necessário um acordo sobre um novo programa de cobertura de saúde. Muitos republicanos não querem simplesmente acabar 54 | Exame Moçambique

O QUE TRUMP QUER

O QUE PENSA O CONGRESSO

SAÚDE

CORTE DE IMPOSTOS

Trump prometeu acabar com o programa Obamacare e, “essencialmente ao mesmo tempo”, aprovar um substituto para oferecer a cobertura de planos de saúde a milhões de americanos de baixos rendimentos

Trump fala em simplificar e reduzir a estrutura tributária americana. A questão é como tapar o buraco na colecta. O Presidente criticou a solução oferecida pela maioria republicana

Os republicanos querem derrubar o Obamacare, mas o formato da cobertura futura é incerto. Não aceitam a cobertura universal e não está claro se irá ser aprovado um novo plano

Os republicanos defendem o chamado “ajuste fronteiriço”, um sistema complexo que mudaria a maneira como os produtos importados são taxados e ofereceria isenções nas exportações


CHIP SOMODEVILLA/GETTY IMAGES

PAUL RYAN: O líder do Congresso tem propostas contrárias às de Trump

obstáculo para o Presidente Trump GUERRA TARIFÁRIA Trump critica as empresas que levam a produção para países como a China e o México. Uma das ideias é sobretaxar os produtos dessas empresas vendidos nos Estados Unidos Paul Ryan, o líder republicano e presidente da Câmara, afirmou que não vai aumentar as taxas. Ryan defende o corte dos impostos para aumentar a competitividade das empresas e manter os empregos no país

O discurso de posse de Trump foi marcado por protestos populares e desdém institucional. Algumas das ideias delineadas pelo Presidente — como impulsionar a economia com investimentos governamentais e bloquear acordos de livre comércio — são verdadeiras maldições para os republicanos tradicionais. “Alguns de nós vão pressionar para que voltemos às raízes: limites ao governo, liberdade económica, responsabilidade individual e livre comércio”, deixou claro o senador republicano Jeff Flake. Nos primeiros dias, pelo menos, essa pressão não se mostrou forte o suficiente. Uma vez na Casa Branca, Trump retirou os Estados Unidos da Parceria Transpacífico, acordo de comércio entre países das Américas, Oceania e Ásia conhecido pela sigla em inglês TPP. Assim como o candidato Trump, o Presidente recém-empossado continua a desafiar abertamente o credo do seu partido — e não há sinais de que isso vá mudar tão cedo. O incentivo para parte dos republicanos apoiar o Presidente é não desagradar à sua base eleitoral. Por isso, não está descartado um realinhamento populista do partido nos próximos anos. Porém, há quem acredite que a retórica de campanha tem prazo de vali-

Mais do que nunca, o Presidente vai depender do apoio de Mike Pence, o vice-presidente que conhece bem como Washington funciona com o sistema actual sem uma alternativa definida. Para aprovar mudanças profundas na legislação, os republicanos, que contam com maioria de apenas quatro votos no Senado, precisam de apresentar um plano que conte com o apoio de pelo menos oito democratas. As diferenças entre o que querem Trump e os republicanos do Congresso em relação ao Obamacare “não são tão grandes assim”, segundo Grace-Marie Turner, do centro de estudos conservador Galen Institute, especializado em saúde.

dade. Justamente por não ser um político tradicional, Trump vai depender do apoio daqueles que o cercam, como o vice-presidente Mike Pence e Reince Preibus, chefe de gabinete, ambos veteranos de Washington. “Não acho que ele vá mudar o partido no que diz respeito às grandes questões”, disse Scott Walker, governador de Wisconsin, ao jornal The New York Times. A conciliação das promessas eleitorais com a realidade do governo será só mais um dos muitos espectáculos da política americana nos próximos anos. b março 2017 | 55


GLOBAL TENDร NCIAS

NOVO CONSUMO: Helio Mattar, do Instituto Akatu

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SEM MEDO DO NOVO Nunca foi tão importante entender as mudanças no mundo. Para isso, A EXAME realiza uma série de reflexões sobre A Revolução do Novo. Conclusão do primeiro fórum: ter conhecimento continua a ser a melhor forma de encarar o futuro LUCIANO PÁDUA

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e há 20 anos alguém dissesse que o telemóvel teria mais capacidade do que a primeira nave que levou o homem à Lua e que as pessoas olhariam para um ecrã, em média, 150 vezes por dia, dificilmente seria levado a sério. A verdade é que, hoje, os telemóveis tornaram-se omnipresentes no quotidiano e caminham para se tornar uma extensão do corpo humano. Esta é apenas uma das inovações disruptivas dos últimos anos. O mundo transformou-se de uma forma tão acelerada que começou a abalar as certezas cultivadas ao longo do século passado. Foi-se o tempo do emprego estável, da economia próspera e do menosprezo pelo meio ambiente. Fórmulas consagradas para ser bem-sucedido perderam a credibilidade. Entraram em cena preocupações dignas de filmes de ficção científica: os robôs substituirão a força de trabalho humana? A Internet será a ligação de tudo nas nossas vidas? Criaremos relações virtuais e artificiais com os nossos semelhantes? Questões sobre o futuro como estas foram abordadas no fórum A Revolução do Novo — uma iniciativa da EXAME, em parceria com a fabricante de bebidas Coca-Cola —, realizado em São Paulo no dia

17 de Janeiro. O evento, dedicado a uma reflexão sobre as mudanças que estão a afectar as pessoas — indivíduos, cidadãos e consumidores —, inaugurou uma série de três encontros. Ao longo dos próximos meses haverá mais duas reflexões sobre as transformações nas empresas e nos países. O primeiro encontro teve a participação de cerca de 150 convidados, incluindo empresários, presidentes de empresas, personalidades e estudiosos de diversas áreas. Num tempo em que a incerteza é crescente, uma das primeiras constatações é que as mudanças já não acontecem de geração para geração e há pouco tempo para as digerir: as novas tendências, mal surgem tornam-se logo obsoletas. Com as fundações da sociedade a serem questionadas pelo tempo actual, é agora o momento ideal para procurar respostas, mas sobretudo perguntas. Afinal, como é que as pessoas se irão comportar no futuro? O que será moralmente aceitável para os consumidores e empresas? “Nada sabemos sobre o que virá, mas temos condições para questionar as perguntas do presente. As pessoas mais bem preparadas estão em melhor posição para fazerem novas perguntas”, diz o historiador e escritor Leandro Karnal, que proferiu a palestra de abertura do fórum. março 2017 | 57


MARCOS DE QUINTO, DA COCA-COLA: “Para atender melhor os consumidores é preciso prestar mais atenção ao que eles fazem e não ao que dizem”

Além de Karnal, participaram o economista e filósofo Eduardo Giannetti; o director de parcerias para a América Latina do Facebook, Luis Olivalves; o director de marketing global da Coca-Cola, Marcos de Quinto; e o director para o desenvolvimento de negócios da Google, Julio Zaguini. Houve ainda duas entrevistas: uma com o alemão Andreas Pohlmann, especialista em medidas antifraude e ex-chefe de controlo interno da fabricante de equipamentos eléctricos Siemens, e outra com Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, organização civil dedicada ao consumo consciente. No intervalo entre os blocos os convidados discutiram os assuntos abordados, focando a relevância de pensar nas consequências de tantas transformações nas relações sociais, na política e na economia. A revolução mais evidente é a tecnológica. A sua interferência na vida das pessoas 58 | Exame Moçambique

é automática e não é possível resistir a esses avanços. A sociedade, de certa maneira, é refém dessas rupturas. Não foi em vão que esse foi o modelo que impulsionou o desenvolvimento humano e económico nos últimos séculos, desde a imprensa de Johannes Gutenberg, que permitiu a maior circulação de ideais, até à internet das coisas, que promete revolucionar a relação das pessoas com os produtos nos próximos anos. A predominância da tecnologia no quotidiano trouxe novos padrões de comportamento. Na comunicação, novas formas de interacção tendem a ampliar-se. Segundo Luis Olivalves, do Facebook, um terço dos dois mil milhões de mensagens trocadas diariamente na plataforma é composto por imagens que ocuparam o lugar das palavras: são os emojis, símbolos utilizados para expressar sentimentos e acções. Gostando ou não, essa nova forma de linguagem é uma realidade. Em

EXAME DEBATE GRANDES A editora Abril vai promover mais duas

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GLOBAL TENDÊNCIAS


TEMAS DA ACTUALIDADE: conferências ao longo de 2017

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2015, o Dicionário Oxford, o mais prestigiado da língua inglesa, escolheu, ironicamente, “emoji” como a palavra do ano. Enquanto tomam conta das mensagens, os vídeos são a nova fronteira das interacções digitais. “O vídeo é hoje o formato de comunicação preferencial. É imersivo e ajuda a vivenciar uma situação”, diz Olivalves. Nos próximos anos essa experiência irá ganhar ainda mais força por via da realidade aumentada. Se permitiram mais interacção, as redes sociais também vieram exaltar os ânimos de muitos utilizadores. No Facebook, a política e as suas reviravoltas ocuparam a segunda posição entre os assuntos mais debatidos em 2016 — o primeiro foi a surpreendente eleição de Donald Trump. Uma das principais consequências negativas deste novo comportamento digital foi a profusão de notícias caluniosas, que foram apontadas como um dos componentes que ajudaram

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LEANDRO KARNAL: “Como escreveu o filósofo inglês Francis Bacon no século xvii, o conhecimento em si mesmo é poder. Isso nunca mudou na história”

a impulsionar a vitória de Trump. Isso ganha especial importância na medida em que, segundo uma pesquisa do Instituto Reuters, 51% das pessoas no mundo usam as redes sociais para se informarem. No Brasil, a proporção chega a 72%. Novamente, a escolha da palavra do ano do Dicionário Oxford ajuda a entender a importância da questão: em 2016 a seleccionada foi “pós-verdade”. O termo diz respeito a um fenómeno amplamente observável nas redes sociais, no qual as pessoas acreditam em informações só por estarem em linha com as suas crenças pessoais. “As redes sociais aproximam quem é parecido e afastam quem é diferente. A reacção é cada vez mais violenta”, afirma o empresário Romero Rodrigues, fundador do site Buscapé e sócio do fundo de capital de risco americano Redpoint. Num mundo em transformação vertiginosa, é bom saber que alguns valores conmarço 2017 | 59


GLOBAL TENDÊNCIAS

tinuam imutáveis. Entre eles está a ética, tema desenvolvido por Eduardo Giannetti e pelo especialista em liderança corporativa Andreas Pohlmann. Neste aspecto, a evolução tecnológica está a ajudar a tornar o mundo mais transparente. Com a aceleração da troca de informações, empresas e governos estão cada vez mais submetidos ao escrutínio público. Essa vigilância abrangente pressiona mudanças nas condutas no seio das empresas. “A única forma de as empresas serem bem-sucedidas e sustentáveis é conduzir negócios limpos”, diz Pohlmann (pág. 62). A receita parece simples: criar regras claras e adoptar uma política de tolerância zero com desvios. Muitas vezes, porém, como ocorreu no caso da Siemens na Alemanha em 2007, isso só costuma vir após dolorosos escândalos, que corroem a reputação da empresa e geram multas avultadas. Uma diferença importante é que, ao contrário 60 | Exame Moçambique

PAULO SILVA, DA WALMART: “Jovens querem produtos e serviços de empresas que contribuam para um mundo sustentável”

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EDUARDO GIANNETTI: “Nenhuma sociedade adormeceu corrupta e acordou virtuosa”


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PARCERIA: Henrique Braun, presidente da Coca-Cola no Brasil, encerrou o fórum

da lógica das inovações tecnológicas, na qual o indivíduo fica à mercê da mudança, na ética ele é o protagonista. Para qualquer programa de conformidade funcionar, as lideranças corporativas precisam de assumir uma cultura ética e direccionar com firmeza os seus funcionários nesse sentido. “A história da Siemens mostra bem isso. Numa empresa com 169 anos de existência, os desvios ocorreram quando a liderança falhou e foram corrigidos quando a cúpula deu o exemplo e trabalhou fortemente a coerência interna”, diz Paulo Stark, presidente da subsidiária brasileira do grupo alemão. CAMINHO ÁRDUO

O mesmo raciocínio pode ser aplicado a um governo: instituições e cidadãos precisam de contribuir permanentemente para combater a corrupção. Na visão de Giannetti, o caminho para uma sociedade mais

civilizada é árduo. “A acção fiscalizadora do Estado ou de uma empresa isoladamente jamais faria com que as regras fossem acatadas”, afirma. A adesão aos princípios éticos só se dá por uma combinação entre a consciencialização do custo-benefício colectivo do comportamento correcto, a identificação individual com sentimentos morais e a submissão movida pela punição ao desvio. São mudanças que levam tempo. “Não há precedente de sociedade que tenha adormecido corrupta e acordado virtuosa.” No Brasil, o momento adverso actual pode servir para o país se tornar mais maduro institucionalmente e cultivar melhores perspectivas económicas e sociais. “O escândalo de corrupção expôs as mazelas de uma herança ‘patrimonialista’ que perdura há séculos e pressupõe que a sociedade serve o Estado, e não o contrário”, diz Giannetti. “A investigação do escândalo do mensalão e a Opera-

ção Lava-Jato são oportunidades únicas para uma mudança de padrões no país.” Além da corrupção, a revolução ética mudou também o engajamento em diversos temas, desde preservação do meio ambiente até à saúde. “Há uma nova geração de consumidores que têm muita preocupação com a responsabilidade socioambiental”, diz Paulo Silva, director de operações do retalhista Walmart.com. “Os jovens querem produtos e serviços de empresas que tenham um papel na construção de um mundo cada vez mais sustentável.” Além disso, em Dezembro de 2015 quase 200 países assinaram o Acordo de Paris e deixaram uma clara mensagem de que o problema ambiental do planeta é muito mais urgente do que o público imaginava. “O desmoronamento de verdades antigas e a disseminação de informações levaram a uma enorme insegurança dos consumidores em relação às empresas”, afirma Helio março 2017 | 61


GLOBAL TENDÊNCIAS

“NÃO TOLERE OS DESVIOS” PARA ANDREAS POHLMANN, ESPECIALISTA EM MEDIDAS ANTIFRAUDE, AS ORIENTAÇÕES FIRMES DAS LIDERANÇAS SÃO O PASSO MAIS IMPORTANTE NO COMBATE À CORRUPÇÃO

Qual a melhor forma de combater a corrupção nas empresas? Nos meus trabalhos, utilizei uma bússola de integridade para os funcionários. Eles tinham de responder a quatro perguntas, sendo a mais importante: “Estou à vontade para prestar contas do que estou a fazer?” Se não conseguissem responder às perguntas, era melhor esquecer o assunto. Com tantos manuais, os empregados precisavam dessa orientação prática para fazer negócios transparentes. Como restabelecer a reputação de uma empresa? É preciso comunicar ao mundo exterior de que maneira o problema foi resolvido, como foi a experiência da empresa e como esta pode contribuir para a luta contra a corrupção.

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ANDREAS POHLMANN: A ética foi um dos temas em debate Mas como mudar a cultura das pessoas? A parte mais importante é mudar a mentalidade das lideranças da organização para um mantra de que só aceitam negócios limpos. Têm de dizer que não aceitam excepções e que esperam que todos os funcionários sigam essas regras. Os brasileiros, como aliás muitos outros povos, até o moçambicano, dizem sempre que vivem no país mais corrupto do mundo. Concorda? Pensar assim não levará ninguém para a frente. Todos esses países têm problemas, mas precisamos de usar a experiência dos outros para resolver algumas das nossas próprias dificuldades. Há regras comuns que podem ser aplicadas. Uma delas é: não faça concessões. E não tolere os desvios, seja onde for.

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advogado alemão Andreas Pohlmann, de 60 anos, é uma das maiores autoridades mundiais no combate às fraudes em empresas. De 2007 a 2010, chefiou o departamento de controlo interno da multinacional alemã Siemens após a revelação de um esquema global de corrupção que levou a empresa a pagar 1,6 mil milhões de dólares em multas. Actuando como consultor desde 2011, de há dois anos para cá tem a Petrobras entre os seus clientes. Para Pohlmann, a reconstrução da reputação abrange medidas simples de gestão mas exige tolerância zero à corrupção das lideranças.

Mattar, presidente do Instituto Akatu. “Como consequência, os negócios estão a viver uma inesperada era de riscos. Nos países desenvolvidos, mesmo com juros baixos há uma saturação do consumo.” As respostas estão a vir com o uso da tecnologia para criar, por exemplo, a economia partilhada, e com a preferência por produtos e serviços que levem em conta o facto de que os recursos não são inesgotáveis Nas novas relações com os consumidores, um dos aspectos significativos é conhecer melhor as suas escolhas. “Para antecipar a procura, observar o que as pessoas estão a fazer é mais importante do que ouvir o que elas dizem”, afirma Marcos de Quinto, director de marketing da Coca-Cola. Num mundo onde os smartphones e outros aparelhos estão ligados à Internet, é natural que as empresas procurem ampliar os serviços digitais para interagirem com o público. Hoje, 56% das buscas no telemóvel estão relacionadas com o local onde a pessoa se encontra, o que permite novas formas de consumo baseadas em tecnologias de localização e inteligência artificial. “O telemóvel será parte do corpo humano e definirá o novo ciclo de consumo”, afirma Julio Zaguini, director da Google. Com tantas variáveis, desvendar o futuro não é fácil. Mas prepararmo-nos é essencial. Perante as mudanças, uma coisa permanece como sempre: “Segundo o filósofo inglês Francis Bacon, conhecimento é poder. Isso não mudou”, afirma o historiador Karnal. Talvez o domínio do saber não permita adivinhar o amanhã, mas ajuda a formular — e questionar — as melhores perguntas. Em todo o mundo, movimentos nacionalistas prometem recriar a glória de um tempo dourado no qual supostamente tudo era melhor. A armadilha é quase irresistível para quem ficou a perder com a revolução tecnológica e a globalização, como a classe média dos Estados Unidos e a de países europeus, que viram os seus rendimentos estagnarem ou mesmo caírem na última década. Mas a nostalgia do passado não ajuda a resolver os problemas do presente — e, menos ainda, os do futuro. O novo exige que cada um procure uma forma de se reinventar. b



GESTÃO MODERNA IDEIAS PARA GERIR A SUA EMPRESA, NEGÓCIO OU CARREIRA

NEGÓCIOS

EMPREENDEDORISMO JOVEM EM ALTA NO MUNDO

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s jovens brasileiros só ficam atrás dos indianos em relação ao interesse em abrir o próprio negócio. É o que revela um inquérito da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), realizado a 5600 jovens dos 25 aos 35 anos de oito países

durante o ano passado. Entre os principais motivos citados para empreender no Brasil estão a realização de um sonho, o desejo de explorar uma oportunidade comercial e a vontade de não ter chefe. Já quem não quer ter negócios no país cita a instabilidade da economia como

justificação. De um modo geral, a percepção dos valores dos jovens brasileiros donos do próprio negócio pode ter sido influenciada pelos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jacto: 68% dizem sentir incómodo ao lidar com pessoas pouco éticas.

As percepções de jovens de todo o mundo sobre empreender — e a auto-avaliação de quem já tem um negócio próprio Brasil

Resto do mundo

Vontade de empreender nos próximos dois anos

70%

68%

68%

56%

51%

47%

33%

29%

Índia

Brasil

Rússia

China

Inglaterra

Estados Unidos

Espanha

Alemanha

Porque não abre um negócio?

Porque deseja abrir uma empresa? Quer realizar um sonho

Vê uma oportunidade

76% 71%

Não quer ter chefe

66% 56%

Procura estabilidade financeira

64% 64%

O cenário económico é desfavorável

73% 61%

Não quer trabalhar muito

67% 39%

59% 53%

Avaliação dos jovens empreendedores sobre os seus métodos de gestão Tenho boas metas para o meu futuro

Cuido do meio ambiente

70% 53%

Tenho uma boa rede de contactos

65% 45%

Sacrifico a minha vida pessoal

57% 47%

Fico incomodado ao lidar com pessoas pouco éticas

28% 39%

68% 49% FONTE: Firjan.

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GESTÃO GURUS

O TEMPO DA AUTO-AJUDA Uma nova safra de académicos de renomadas universidades ganha popularidade ao aplicar teorias de gestão e conceitos científicos a dilemas existenciais ALINE SCHERER

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a Universidade de Stanford, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos — e por onde passa boa parte dos cérebros de Silicon Valley —, a disciplina electiva mais popular nada tem a ver com tecnologia. Criada em 2010 por uma dupla de professores, os americanos Bill Burnett e Dave Evans, mais de 3 mil pessoas já se formaram no curso Designing Your Life (algo como “Desenhar a sua vida”). O objectivo é tão ambicioso quanto o nome sugere: ensinar técnicas que ajudam a resolver questões existenciais, como definir os próximos passos da vida. Para dar conta da procura crescente, a faculdade acaba de lançar mais uma opção do curso, numa versão compacta com um dia de duração — e um número ilimitado de vagas. O curso deu origem a um livro que se mantém desde o lançamento, em Setembro, como um dos mais vendidos na categoria de negócios nos Estados Unidos. No curso e no livro, a dupla usa como fio condutor o design thinking, processo criado na década de 1960 para guiar projectos de inovação nas empresas. Segundo eles, as mesmas etapas da metodologia podem ser aplicadas a questões pessoais. “Os indivíduos 66 | Exame Moçambique

de todas as idades têm dilemas e apresentamos uma metodologia simples para ajudar a resolvê-los”, diz Evans. Burnett e Evans fazem parte de uma nova geração de gurus de carreira que não apenas têm um discurso de auto-ajuda sedutor mas também constroem teorias fundamentadas numa sólida base académica. É um fenómeno que ganhou força nos últimos anos. “Esse género vem mudando totalmente. Os autores actuais consideram a fusão de variadas disciplinas, como a psicologia e a neurociência, e fazem parte das melhores escolas de negócios do mundo”, diz o britânico Stuart Crainer, cocriador do Thinker50, respeitado ranking dos maiores pensadores de gestão do mundo, publicado desde 2001. Actualmente, a lista é liderada por Michael Porter, especialista em gestão estratégica da Universidade Harvard. Na edição actual, pela primeira vez foi incluída na 50.ª posição uma representante do que pode ser chamado nova auto-ajuda: a psicóloga Amy Cuddy. Na última década desenvolveu pesquisas que mostram como gestos e posturas corporais interferem na auto-estima das pessoas — e, por consequência, podem ter um efeito positivo ou negativo na sua carreira.

A auto-ajuda voltada para a carreira sempre produziu ídolos globais. Um deles é o administrador americano Stephen Covey. O seu maior best-seller, Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes, lançado em 1989, foi traduzido para 40 idiomas. Conhecido por popularizar neologismos como “win win” e “proactividade”, o livro vendeu 25 milhões de cópias. Um dos precursores do género é Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, publicado em 1936 por Dale Carnegie. O bilionário Warren Buffett conta na sua biografia que foi muito influenciado pelas 30 regras de Carnegie e chegou a participar num dos seus cursos sobre como falar em público. Uma das suas dicas: “Pro-


JUSTIN LEWIS/GETTY

QUERER É PODER: A simplicidade das ideias parece ganhar agora outra importância para os gestores

Apesar da base científica, o discurso desta nova safra de autores é recheado de ideias simples — e até de exercícios de fácil aplicação cure honestamente ver as coisas do ponto de vista da outra pessoa.” Mesmo depois da morte dos dois autores, as suas ideias continuam a ser seguidas por executivos e empresários. A empresa de formação fundada por Covey divulga ter atendido 75% das 500 maiores empresas do mundo em

mais de 50 países. A consultora que tem o nome de Dale Carnegie possui sucursais em 84 países. Apesar do apelo atemporal desse tipo de discurso, o momento actual parece ser especialmente propício para a expansão da procura. As pessoas dedicam cada vez mais horas a empre-

gos de que gostam pouco. É o que mostra uma pesquisa recente do Instituto Gallup. Um questionário respondido por 224 975 trabalhadores em 142 países revelou que apenas 13% dos adultos dizem gostar do que fazem no seu emprego. Perante opções de carreira cada vez mais diversas, a escolha também pode ser difícil. Segundo a estatística apontada por Burnett e Evans, a dupla de professores de Stanford, 80% das pessoas não sabem qual é a sua paixão ou têm mais de uma paixão na vida e não sabem qual delas escolher para seguir como profissão. As teorias de Covey e Carnegie vinham da observação episódica de pessoas bem-sucedidas. No caso dos gurus março 2017 | 67


GESTÃO GURUS AUTO-AJUDA COM LUSTRO ACADÉMICO Os novos gurus de carreira fazem parte das melhores universidades BILL BURNETT E DAVE EVANS Professores na faculdade de Design da Universidade Stanford OBRAS: Em Setembro de 2016 lançaram o livro Designing Your Life (“Desenhar a sua vida”, ainda sem versão para português), que desde então é um dos mais vendidos nos Estados Unidos na categoria de negócios. A obra é uma síntese do curso com o mesmo nome que os professores leccionam desde 2010 — um dos mais populares da Universidade Stanford. IDEIAS: A vida pessoal e profissional pode ser planeada e decidida por meio do processo design thinking, baseado em análise e protótipos — e praticando exercícios inspirados na psicologia positiva.

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académicos, as teses têm endosso científico. A mistura caiu no gosto do público. Desde Maio de 2016, o primeiro livro da psicóloga Angela Lee Duckworth, Garra, tem ocupado um lugar entre os mais vendidos da literatura de negócios do jornal The New York Times. Investigadora da Universidade da Pensilvânia, Angela analisou grupos de crianças e adultos durante quase uma década e concluiu que a principal característica comum às pessoas bem-sucedidas nas mais diversas actividades é a garra — mistura de paixão com determinação. “O esforço é mais importante do que o talento”, diz. Em Abril de 2013, Angela chamou a atenção ao apresentar os resultados dos seus estudos sobre a psicologia do sucesso numa apresentação do TED Talks, famoso ciclo de palestras que disseminam ideias inovadoras em vídeos na Internet. Naquela ocasião, a psicóloga ainda não havia descoberto como a garra podia ser estimulada. Cinco meses depois do evento, Angela ganhou uma bolsa de estudos da Fundação MacArthur, conhecida no meio académico como “auxílio ao génio”, para se dedicar inteiramente à sua pesquisa. As descobertas deram origem ao livro que se tornou best-seller. “Pessoas com garra cultivam algo que atrai a sua atenção de início, mas que também as motivam a familiarizar-se e informar-se melhor sobre o mesmo assunto dia após dia, ano após ano. Garra é uma decisão”, diz. EXERCÍCIOS

Apesar da base científica, o discurso destes autores é recheado de ideias simples — e até de exercícios de fácil aplicação. É o caso da tese da psicóloga americana Amy Cuddy. Investigadora de Harvard, Amy protagoniza o segundo vídeo mais visto na história de 26 anos do evento de palestras TED, com quase 40 milhões de visualizações. Há cinco anos, contou que descobriu que ficar durante dois minutos numa posição a que chama “pose de super-herói” — mãos na cintura, peito inchado e cabeça erguida — um pouco antes de situações enervantes afecta positivamente a parte do cérebro relacionada com a auto-estima. Depois da palestra, Amy recebeu centenas de e-mails com depoimentos de pessoas que testaram 68 | Exame Moçambique

Todas estas novas ciências, agora juntas, levam-nos a conceitos simples e humanos. Como se sente, pensa e comporta, e como isso pode melhorar a técnica e comprovavam a sua eficácia. A psicóloga une os relatos a uma série de pesquisas de neurocientistas no livro Presença, publicado em 2015. “O modo como conduz o seu corpo — expressões faciais, posturas, respiração — afecta a forma como pensa, sente e se comporta”, afirma. Outro curso na mesma linha, The Science of Hap-

piness (“A ciência da felicidade”), ganhou popularidade ao tornar-se o quinto mais assistido entre as centenas de cursos oferecidos pela EdX, plataforma on-line gratuita criada nas instituições de ensino Massachusetts Institute of Technology (MIT) e Harvard. Nas aulas, o psicólogo Dacher Keltner e a neurocientista Emiliana Simon-


do mundo e usam a psicologia e a neurociência para aconselhar sobre felicidade na vida e no trabalho ANGELA DUCKWORTH

AMY CUDDY Psicóloga social e investigadora da escola de negócios da Universidade Harvard

Neurocientista e investigadora da faculdade de Psicologia da Universidade da Pensilvânia OBRAS: Angela ganhou em 2013 a bolsa de estudos da Fundação MacArthur, conhecida como “auxílio ao génio”, para se dedicar à sua pesquisa sobre a psicologia do sucesso. Os resultados foram publicados no livro Garra, um dos mais vendidos de 2016 nos Estados Unidos na categoria de negócios.

OBRAS: É dela a segunda palestra mais popular da história do TED Talks, evento global para disseminação de ideias — gravada em 2012. Em 2015 publicou o livro Presença.

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IDEIAS: Para atingir o sucesso, mais importante do que talento é ter garra — uma mistura de paixão e determinação. A estratégia de 10 mil horas ou dez anos de treinos para se destacar numa actividade só funciona se houver real interesse na prática.

IDEIAS: Assim como a linguagem corporal influencia o que as pessoas inferem a respeito de alguém, a postura afecta o julgamento sobre si mesmo e ajuda a moldar comportamentos.

DACHER KELTNER e EMILIANA SIMON-THOMAS Professores de psicologia e neurocientista na Universidade da Califórnia, em Berkeley

-Thomas analisam padrões de comportamento das pessoas felizes. Muitas têm um sentido de gratidão, fortes ligações sociais e gostam tanto do que fazem que nem sentem o tempo passar. Parte deste conhecimento está a ser incorporado pelas empresas. Desde 2008, a Google mantém o Instituto Search Inside Yourself para ensinar aquilo a que se chama mindfulness, técnica de respiração e concentração como a meditação. O termo inglês é traduzido como “atenção plena” e foi criado na década de 1970 pelo médico Jon Kabat-Zinn, fundador da Clínica de Redução do Stress e do Centro de Atenção Plena em Medicina do MIT, com a intenção de despir a meditação oriental de conota-

IDEIAS: Estudos em psicologia, neurociência e biologia comprovam que praticar empatia, meditação e gratidão, assim como ter fortes ligações sociais e contribuir para algo que beneficie mais do que a si mesmo, ajudam a gerar bem-estar e felicidade.

ções religiosas e preconceitos. Na última década, o tema começou a ganhar adeptos nas empresas. Inicialmente, o público-alvo da Google era composto apenas pelos próprios funcionários. Hoje é um próspero negócio de consultoria, com clientes como a empresa de tecnologia SAP, a Ford e a empresa de cartões de crédito American Express. Uma pesquisa conduzida pelo fundo de investimento Fidelity e pelo National Business Group on Health, grupo sem fins lucrativos dedicado a estudar a saúde nas empresas, descobriu que 22% das maiores empresas americanas têm programas de formação em atenção plena e outros 21% pretendem instituí-los ao longo de 2017. Pesquisas científicas recentes,

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OBRAS: A dupla lecciona o curso The Science of Happiness (“A ciência da felicidade”), o quinto mais popular da plataforma on-line e gratuita de ensino EdX. Keltner é autor dos best-sellers Born to Be Good (“Nascer para ser bom”, de 2009) e The Compassionate Instinct (“O instinto compassivo”, de 2010), ambos sem versão para português.

como uma conduzida pela Universidade Harvard, afirmam que o cérebro começa a mudar ao praticar meditação. Nos participantes que meditavam uma média de 27 minutos diários durante pelo menos oito semanas descobriu-se que houve um crescimento da densidade do hipocampo, área do cérebro relacionada com a memória e a fomação. Ao mesmo tempo, ocorreu uma redução da densidade da amígdala cerebral, região associada ao comportamento agressivo, ansiedade e stress. No Brasil, a fabricante de bens de consumo 3M é uma das pioneiras na adopção de práticas até recentemente não convencionais nas empresas. Desde que o engenheiro mexicano Jorge Lopez assumiu março 2017 | 69


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“NÃO BUSQUE UMA PAIXÃO”

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MINDFULNESS: Desde 2014 foram introduzidos cursos na empresa

o comando da subsidiária brasileira em 2014, foram introduzidos cursos de mindfulness na empresa. Dos 1400 funcionários do administrativo, 800 participaram nas formações e palestras que acontecem mensalmente. Lopez planeia expandir o programa para a área de produção. “Senti uma mudança no meu próprio comportamento e no meu corpo”, diz Lopez. “Fiquei mais calmo, e as dores de cabeça e nas costas, que antes eram quase diárias, tornaram-se bem menos frequentes.” O mesmo tipo de exercício, desde obser-

gosta muito. O psicólogo húngaro-americano Mihaly Csikszentmihalyi descreveu o fenómeno no livro Flow, de 1990, escrito após 20 anos de pesquisas. Para a dupla, fazer uma lista das actividades que causam essa sensação pode ajudar no planeamento de um futuro profissional feliz. Eles incentivam as pessoas a projectarem três planos de vida radicalmente diferentes para os cincos anos seguintes. E, antes de escolher um deles, fazer o que a metodologia design thinking prevê para os produtos — a prototipagem. A ideia é experimentar

Grandes empresas como a Google têm vindo a incorporar o sentido de mindfulness na sua estrutura de gestão de recursos humanos var a respiração e as reacções do corpo aos pensamentos para treinar a atenção plena nos mais diversos momentos do dia, é sugerido pelos professores Evans e Burnett em Designing Your Life. Segundo eles, a prática ajuda a identificar um estado mental conhecido como “fluxo” — em inglês flow —, comum quando se faz algo de que se 70 | Exame Moçambique

uma nova carreira ao conversar com pessoas que seguiram aquele caminho ou acompanhá-las num dia de trabalho. Segundo os autores, há duas teses de doutoramento que comprovam a eficácia da metodologia. Como se vê, para toda esta legião de novos gurus dos recursos humanos, uma dose de ciência nunca é demais. b

PARA DAVE EVANS, DE STANFORD, A ESCOLHA DE UMA PROFISSÃO PODE SER MENOS IMPULSIVA E MAIS PLANEADA COM A AJUDA DE UMA FERRAMENTA DE GESTÃO

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á sete anos, o designer Bill Burnett e o engenheiro Dave Evans criaram o que se tornou a disciplina electiva mais popular da Universidade Stanford, em Silicon Valley. Todos os anos mais de 500 alunos são atraídos pela dupla. Em 2017, o curso de dez semanas ganha uma versão compacta de apenas um dia, com número ilimitado de vagas, e deve despertar o interesse de ainda mais estudantes. A promessa: resolver questões filosóficas, como construir um plano de vida, com a metodologia de gestão design thinking, geralmente usada para criar ou melhorar produtos. O curso Designing Your Life (“Desenhar a sua vida”) deu origem ao livro homónimo, lançado em Setembro nos Estados Unidos, ainda sem versão para português. Desde então, a obra está entre as mais vendidas na categoria de negócios da lista do The New York Times. Uma das suas recomendações polémicas: não busque uma paixão. A escolha pode ser menos impulsiva e ligada à emoção ao usar critérios objectivos para considerar outros aspectos importantes. Do seu escritório em Palo Alto, na Califórnia, Evans falou à EXAME.


DAVE EVANS: Pesquisas e teses para confirmar a eficácia da metodologia

D.R.

suas habilidades e actividades estão muito próximas de um equilíbrio — a pessoa não se sente sob pressão, como no caso de um desafio maior do que pode ou quer executar, nem entediada por um desafio demasiado fácil. Nesse estado, a pessoa nem dá pelo tempo passar. É em actividades que provocam essa sensação que pode estar a melhor escolha profissional.

“Segundo pesquisas, cerca de 80% das pessoas não sabem qual é a sua paixão — ou têm mais de uma e não sabem qual delas escolher” A que atribui o sucesso do curso e do livro? Todas as pessoas têm as mesmas questões existenciais há centenas de anos. Nós aparecemos com algumas ferramentas para lhes responder, simples e aplicáveis por qualquer um. O design thinking pode ajudar a resolver questões da vida, como planear uma carreira ou construir um plano de estudos. E a metodologia funciona. Como descobriu que a metodologia se aplica também a questões pessoais? Testámos dúzias de exercícios na prática. Hoje duas teses de doutoramento atestam que o curso não é um placebo.

No seu livro defende que a paixão não deve guiar as escolhas profissionais. É o contrário do que se diz em geral no aconselhamento de carreira. Porquê? Segundo pesquisas, cerca de 80% das pessoas não sabem qual é a sua paixão — ou têm mais de uma e não sabem qual delas escolher. A paixão está ligada à emoção. Propomos que as pessoas prestem atenção a outras coisas, como actividades que as levam a experimentar o estado de fluxo. Esse estado foi descoberto por Mihaly Csikszentmihalyi, um dos precursores da psicologia positiva, ciência que estuda as pessoas saudáveis — e não as patologias, como a psicologia tradicional. Entrar nesse estado significa que as

Já aplicou a metodologia na sua vida pessoal? Sim, sempre. Comecei a usá-la quando, alguns anos depois de formado em engenharia, procurava um emprego em engenharia biomédica porque queria criar ferramentas cirúrgicas e próteses. Então, recebi um telefonema da Apple. Havia prometido a mim mesmo que nunca trabalharia numa empresa de computadores. Achava uma chatice. Mas lembrei-me de pensar como um designer, mesmo não sendo um. E o primeiro passo é manter a mente aberta. Ou seja, antes de resolver o problema, é preciso estudá-lo. Então aceitei conversar sobre a proposta. E 14 entrevistas depois estava na equipa que criou o Macintosh, um dos primeiros modelos de computador pessoal. Tinha outra vida em mente e, naquele momento, redesenhei os meus planos. Quantas vezes é necessário testar caminhos até encontrar a resposta? A vida é uma evolução, e não há um tempo médio ou ideal para encontrar um caminho e ter as respostas. Tenho 63 anos e estou na minha quinta carreira. Ninguém tem tudo decidido até ao dia em que se reforma ou mesmo até ao dia da sua morte.

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GESTÃO POSITIVA EFICIÊNCIA

GESTÃO A TEMPO INTEIRO

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m 2014, todas as fábricas de elevadores da ThyssenKrupp no mundo receberam da sede alemã a meta de adoptarem um novo padrão produtivo com base no método de melhoria contínua. Para iniciar o trabalho local, as várias subsidiárias montaram um projecto-piloto no Departamento de Manufatura Eléctrica, responsável pela programação dos elevadores e também uma das áreas mais avançadas na incorporação de alguns conceitos de produção. Pegámos no caso de sucesso da fábrica com mais de 50 anos de existência em Guaíba, no Rio Grande do Sul, no Brasil, onde muita coisa mudou. Na altura, uma consultora externa foi contratada para ajudar a identificar os principais problemas e começar a envolver as pessoas no processo. Desde então, a formação básica dada a 338 funcionários ligados à linha de produção somou mais de duas mil horas. Agora os ciclos de produção e entrega são planeados diariamente e não apenas uma vez por semana. Antes, apenas 8% das peças ficavam um único dia em stock até partirem para o local de montagem na obra. A maior parte permanecia em stock durante sete dias. Hoje, 83% deixam a linha de produção e chegam à obra em 24 horas. “Pensar na produção diariamente acelera o aumento de produtividade”, diz Marcelo Nery, presidente de manufactura da ThyssenKrupp no Brasil. Em Fevereiro de 2016 a fábrica foi premiada pelo maior aumento dos indicadores de qualidade entre os 38 países onde a empresa actua. Veja o passo a passo realizado pela empresa de elevadores no Brasil. 72 | Exame Moçambique

DESAFIO Aumentar a produtividade da fábrica QUEM FAZ A fabricante de elevadores ThyssenKrupp

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CADA DIA MELHOR

A reunião semanal, com duração de hora e meia, deu lugar a um encontro diário de apenas 20 minutos. Em pé, todos debatem como resolver os problemas ocorridos no dia anterior. Assim, as soluções não demoram.

2

OLHAR DE PERTO

O principal executivo da fábrica passa 50% do tempo na produção. Aí recebe sugestões dos funcionários, como a de tornar as caixas de transporte dos produtos mais resistentes para evitar avarias frequentes.


Todos os funcionários da produção receberam um cartão para paralisar a linha de produção ao detectarem um problema. A intenção é evitar acidentes e contratempos que possam causar longas paragens.

4

PAUSA RESPONSÁVEL

Uma área criada para que os funcionários possam fazer pausas para tomar um café ou falar ao telemóvel. Com isso, diminuíram as falhas porque alguém atende o telemóvel enquanto trabalha.

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FISCAIS DE MELHORIAS

Em Março de 2015 foi criado um departamento com sete funcionários que se destacaram na primeira fase do projecto. Hoje dedicam-se integralmente a essa consultora interna para garantir a melhoria contínua.

FÁBRICA DE ELEVADORES DA THYSSENKRUPP:

Metas diárias aumentaram a produtividade

RESULTADOS Desde 2014 as entregas de peças para as obras no dia seguinte à última etapa de produção subiram de 8% para 83% do total produzido. Na área de manufactura eléctrica, a primeira a incorporar os conceitos, a produtividade aumentou 35% e os stocks diminuíram 31% nesse período.

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KRISZTIAN BOCSI/BLOOMBERG VIA GETTY IMAGES

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AUTONOMIA PARA TODOS


NOVOSÂNGULOS POR PEDRO CATIVELOS

MAU TEMPO NO CANAL

O Dineo trouxe água a mais onde esta não era precisa, e a seca mostra que há água a menos mais a sul. Descobrimos, assim, como o tempo e o tempo nem sempre se encontram

D

izem-nos as notícias que o litoral sul de Moçambique foi varrido, em Fevereiro, pela passagem do Dineo, que sacudiu violentamente a província de Inhambane. Por ali ficou e dissipou-se. Mas o que não se esfumou foram os estragos causados pela passagem do ciclone pela bonita e calma província. Sete mortes, 50 feridos e cerca de 130 mil pessoas afectadas. E uma longa lista de infra-estruturas destruídas, numa das zonas mais turísticas do país. Cerca de 106 edifícios públicos, 70 unidades hospitalares, 998 salas de aula, três torres de comunicação e 48 postos de transporte de energia eléctrica, e o levantamento sobre o número de afectados ainda pode aumentar. Neste caso falamos de infra-estruturas do Estado, estando ainda por contabilizar os danos privados a casas, lodges e pequenos negócios que existem naquela região, muito em função do turismo que para ali se dirige nesta época do ano. Para o primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, que esteve em Inhambane a acompanhar as equipas de emergência para que tudo volte a ser como era, será preciso que “chovam” pouco mais de 900 milhões de meticais. O tempo cronológico e o tempo meteorológico nem sempre andam encontrados, e até acontece perderem-se do tempo um do outro. Mais a sul, Maputo, temiam-se os potenciais estragos que a passagem do ciclone pudesse trazer. O que acabou por não acontecer pois os danos, humanos e materiais, poderiam multiplicar-se de forma trágica. E assim o tempo esteve do nosso lado. Mas o mês foi de seca. Os últimos dois anos têm sido, de resto. Primeiro de boas notícias, depois de combustíveis de que falamos no nosso tema de capa. Essencialmente da mais elementar, a de água, que já vem de trás. Todas preocupantes e, mais ainda, quando o abastecimento de água está a ser racionado, desde meados de Janeiro, em Maputo, Matola e Boane. Porquê? Porque diminuiu drasticamente o caudal do rio Umbeluzi, o único que abastece com água as cidades de Maputo e Matola e a vila muncipal de Boane.

O fornecimento do precioso líquido tem vindo a ser feito de forma alternada para os 70 bairros destas três regiões. Por isso, o administrador da empresa Águas da Região de Maputo (AdeM), Gildo Timóteo, calendarizou o fornecimento de água. “Todos os consumidores terão água dia sim, dia não”, disse em entrevista à agência DW África. “Não sabemos o que vai acontecer porque é possível que não chova mesmo até ao final de Março, e tudo indica que não vamos ter chuva suficiente para repor os níveis da barragem”, explicou também. De então para cá, o nível das águas subiu cerca de 40%, sendo que a bacia regista uma margem de 8 milhões de metros cúbicos, quantidade suficiente para dois meses pois, mensalmente, gastam-se cerca 4 milhões metros cúbicos, tendo em conta o actual regime de restrições. Mas ainda não é suficiente. É neste sentido que o governo tem anunciado investimentos na área. No imediato, de pouco mais de 2,8 mil de meticais para financiar a abertura e operacionalização de mais de 70 furos de água nas cidades de Maputo e Matola e nas vilas de Boane e Marracuene. O valor inclui a construção de cerca de 70 quilómetros de condutas para minimizar a escassez de água que afecta a região. Mas, a longo prazo, serão necessários 4 mil milhões de dólares para resolver, de vez, este grande problema. É esta a factura apresentada pelo ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, Carlos Bonete, e o preço que custará ao país garantir o abastecimento de água e saneamento, a nível nacional, para cerca de 30 milhões habitantes, que o país terá em 2029. E porque as estimativas do governo apontam para que hoje apenas cerca de 13 milhões de pessoas (metade da população) tenham acesso a serviços de abastecimento de água seguros. Se o combustível alimenta a economia, a água alimenta a vida. Algo acontece sempre que o que damos como certo nos falta ao compromisso. E aí o nosso tempo parece prolongar-se até ao infinito, ao mesmo tempo que se torna tão curto e relativo. b

Economia, combustíveis, sociedade e água. Há tempo para tudo. Há?

74 | Exame Moçambique



MARKETING SUSTENTABILIDADE

LUCROS E BOAS CAUSAS A razão por que cada vez mais empresas — como a fabricante de bebidas Ambev — apostam no marketing de causas, que agrega marcas a questões sensíveis aos consumidores ANA LUIZA HERZOG

D

urante quase duas décadas, a Ambev, maior fabricante de bebidas do Brasil, tornou-se referência em alguns aspectos de gestão. É reconhecida, por exemplo, como grande formadora de executivos: mais de 90% dos vice-presidentes, directores e gerentes cresceram dentro da empresa. Também se consolidou como uma referência a fazer com que os funcionários persigam obsessivamente metas de vendas e de corte de custos. Na era da sustentabilidade, porém, tema cada vez mais responsável por somar valor às marcas, a fabricante de bebidas nunca conseguiu brilhar. Isto porque, durante muito tempo, a Ambev fez o que actualmente é considerado básico: cuidar da ecoeficiência das suas fábricas. De 2002 a 2015, o índice de consumo de água na produção 76 | Exame Moçambique

baixou 41% e a empresa alcançou a marca de 3,17 litros de água por litro de bebida engarrafada — o melhor índice entre as cervejeiras no mundo. No entanto, para se tornar líder em sustentabilidade não basta ter uma produção ecoeficiente. “Espera-se que as empresas surpreendam os consumidores e se mostrem dispostas a beneficiar a sociedade e o planeta, e não apenas o próprio negócio”, afirma Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, ONG que promove o consumo sustentável e um dos precursores do movimento de responsabilidade corporativa no Brasil. Os executivos da Ambev preparam-se agora para dar mais um passo com o lançamento de uma marca de água mineral no início de Março. Até Dezembro, segundo os planos da empresa, a marca Ama — prefixo de várias palavras relacionadas com a chuva

na língua indígena tupi — estará disponível em todo o país. Num primeiro momento, a produção será terceirizada. À primeira vista, o movimento chama a atenção por uma razão puramente comercial. Trata-se de um mercado que, ao contrário do que aconteceu com rivais como a Coca-Cola, esteve durante muito tempo fora dos planos da Ambev. A empresa já teve, no início da década de 2000, uma marca própria de água mineral, a Fratelli Vita, herança da antiga Brahma que foi descontinuada. Hoje, detém apenas a distribuição das marcas São Lourenço e Pureza Vital, da Nestlé, em bares e restaurantes de quatro estados do país. Mesmo com a crise, este mercado foi o que mais cresceu em 2016 entre todas as categorias de bebidas não alcoólicas — cerca de 5%, segundo a consultora Euromonitor. O de cerveja registou


PAULO FRIDMAN/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

PRODUÇÃO DA ÁGUA AMA, DA AMBEV, EM SÃO PAULO: Até ao final de 2017 o produto deve ser vendido em todo o Brasil

Com a entrada no mercado de água, a Ambev quer tornar mais visível a sua estratégia de sustentabilidade uma queda de 2% de Janeiro a Novembro. O cenário desfavorável afectou os resultados da empresa, cujo lucro líquido diminuiu 6,7% nos primeiros nove meses de 2016. Segundo os executivos da Ambev, porém, a intenção não é apenas entrar num mercado promissor. Os lucros obtidos com a venda do produto destinam-se a promover o acesso a água potável às populações que sofrem com a falta deste recurso. “Não vamos resolver o problema, mas podemos ajudar”, afirma Bernardo Paiva, presidente da Ambev.

O novo produto marca uma viragem na estratégia de sustentabilidade da Ambev para fora dos muros das suas fábricas. Em 2010, a empresa assumiu como bandeira o tema que teria mais afinidade com o seu negócio: a água, principal matéria-prima dos seus produtos. Desde aí, em parceria com as ONG ambientalistas WWF e TNC, tem vindo a actuar na protecção e na recuperação de rios e nascentes do Brasil. A questão é que os resultados das acções implementadas, como as reflorestações levadas a cabo, por exemplo, só serão visí-

veis no longo prazo. Desde o final de 2015, os executivos da Ambev têm vindo a estudar formas de tornar a política de água da empresa perceptível aos olhos dos consumidores de um modo imediato. E após uma sondagem com especialistas, chegaram a uma questão urgente: a seca no Nordeste. Estima-se que 35 milhões de brasileiros ainda não têm acesso a água potável, e é nessa região que habita a maior parte deles. Esta questão agravou-se desde 2011 por causa da seca, considerada a mais severa desde o início do século passado. “Se podemos actuar para entregar resultados imediatos para uma questão tão séria, porque não o fazer?”, afirma Renato Biava, director de sustentabilidade da Ambev. O próximo passo foi procurar quem orientasse a decisão do que fazer na prática. A Ambev escolheu a Avina, uma respeitada fundação familiarizada com a região e o tema. Através desta entidade entrou em contacto com o Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar), ONG que estrutura a operação e a manutenção de sistemas de abastecimento de água e esgoto no interior nordestino. Com o apoio do Sisar, a Ambev deu início a um projecto-piloto: o financiamento da perfuração de poços e a instalação de painéis solares em três pequenas comunidades rurais cearenses. Na de Sítio Volta, a cerca de 180 quilómetros de Fortaleza, um rio intermitente que fornecia água de maneira precária às 219 famílias do local secou no final de 2015. Com isso, a rede de distribuição e a estação de tratamento de água que estão a ser construídas pelo governo estadual, e deverão ficar prontas em Abril, ficariam sem utilidade. O poço dará à população de Sítio Volta a perspectiva concreta de deixar de sofrer com a seca. As placas solares fornecerão a energia limpa necessária para que essa infra-estrutura — de bombagem, filtragem e distribuição — funcione com um custo reduzido. O investimento até agora ainda é tímido — somou cerca de cem mil dólares — mas, março 2017 | 77


MARKETING SUSTENTABILIDADE

PAULO FRIDMAN/CORBIS/GETTY IMAGES

MAIS O DO QUE LUCRO: Estação de tratamento de água será paga pela Ambev

No geral, há muita desconfiança em relação às boas acções das empreas. Por isso, a transparência é essencial dependendo do resultado da marca Ama, o projecto deverá ganhar escala. Os executivos da empresa não revelam quando é que os lucros deverão começar a aparecer e qual o seu montante. Mas projectam para a Ama uma rentabilidade de 25%. Baseiam a perspectiva optimista em dados concretos. Entre as bebidas, a água mineral só perde em rentabilidade para os energéticos. “A apresentação da Ama será o clímax da nossa convenção neste ano”, diz Paiva. “A marca vai entrar na meta dos vendedores como qualquer outro produto.” Refere-se ao evento anual da Ambev, que aconteceu em meados de Janeiro, com 3500 executivos da empresa. MARKETING DE CAUSA

Isto não significa que a Ambev está a inventar a roda. Com a marca Ama, a empresa seguirá o caminho trilhado por outras 78 | Exame Moçambique

empresas de bens de consumo. Trata-se do chamado marketing de causas — quando uma empresa associa a sua marca a uma bandeira ligada ao negócio e com potencial para sensibilizar os consumidores. Dados da consultora americana IEG mostram que em 2016 as empresas instaladas nos Estados Unidos investiram 2 mil milhões de dólares em campanhas relacionadas com causas — 3,3% mais do que em 2015. E o dobro do registado há uma década. A fabricante brasileira de cosméticos Natura foi uma das pioneiras ao lançar, em 1995, a linha de produtos Crer para Ver. Todo o lucro é direccionado para o Instituto Natura com o objectivo de melhorar a educação no país. Em 2015 somou quase 8 milhões de dólares. A concorrente Avon fez algo semelhante com a defesa dos direitos da mulher. Pelo menos um cosmético

em todos os catálogos tem uma percentagem da venda que reverte para a causa. A receita foi de 4,5 milhões de dólares em 2015. A marca de sandálias Havaianas, da Alpargatas, controlada pelo grupo J&F, também desenvolveu algo na mesma linha. Desde 2004 lança colecções de sandálias em parceria com a Ipê, ONG brasileira que atua em prol da conservação da biodiversidade brasileira. A empresa doa 7% da receita líquida do produto à entidade. Do início da parceria até 2015, foram 13 milhões de pares vendidos e 2,3 milhões de dólares entregues à Ipê. No caso da Ambev, um site criado para a água mineral Ama deverá divulgar pormenores das acções de acesso à água potável. Também vai divulgar os custos discriminados do produto e revelar, em tempo quase real, por meio de um “lucrómetro”, os valores gerados para filantropia. Os números serão validados pela auditora KPMG. Todo o esforço de transparência é visto como crucial para a iniciativa ganhar legitimidade. No geral, há muita desconfiança em relação às boas intenções das empresas. Pesquisas do Instituto Akatu revelam que apenas 8% dos brasileiros acreditam incondicionalmente nas acções de responsabilidade socioambiental — e quase metade simplesmente não acredita. Outra fatia, de 28%, até lhes atribui algum crédito, mas isso depende muito da empresa em questão. A Ambev não é exactamente uma empresa tida como “boazinha”. Pelo contrário. Tem fama de ser truculenta nas relações com os fornecedores e concorrentes. Conclusão: será um desafio e tanto. Mas se esta etapa for superada, os especialistas e executivos são unânimes em afirmar que a Ama terá potencial para incomodar as empresas que hoje disputam o mercado de água mineral no país e gerar dinheiro para benfeitorias no Nordeste. “Queremos que este negócio seja grande. E, mais do que isso, que seja um projecto de referência no Brasil e no mundo”, diz Bernardo Paiva. A meta está lançada. E desta vez, se for batida, o ganho não será apenas dos accionistas da Ambev — mas de alguns dos cidadãos mais pobres de todo o país. b



BAZARKETING THIAGO FONSECA

Sócio e Director de Criação da Agência GOLO PCA Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda

O CIENTISTA DA PUBLICIDADE A publicidade, afinal, é uma arte ou uma ciência? Sempre quis falar sobre isto porque é o meu trabalho. O meu dia-a-dia. Na verdade, a pergunta não é se a publicidade é arte ou ciência. A verdadeira pergunta é se é mais ciência ou mais arte. Se for uma ciência, logo é racional e fácil de explicar. Mas se for uma forma de arte que tem a ver mais com o emocional, então como explicar isso? Qual a fórmula do amor? Da paixão? Da emoção? Por mais que muitos queiram que a publicidade seja uma ciência, porque isso tornaria a vida de todos muito mais simplificada, a verdade é que não é. Nunca foi. É, sim, uma forma de arte muito subtil que está sempre em transformação e a reinventar-se. Que não se pode apoiar em fórmulas por essa mesma razão. Porque o que foi eficaz num dia, não o será no outro. Porque perdeu todo o impacto da originalidade. A publicidade desafia fórmulas. Vive da inovação. E torna-se cinzenta quando é mais do mesmo. Mas se virmos bem, a publicidade tem sido tratada pela maioria das pessoas como uma ciência. E, por isso, os blocos de publicidade tornam-se aborrecidos. Repetitivos. Precisamente porque é tratada como uma ciência. Aceito então que se diga que a maior parte da publicidade que se faz e vejo hoje é uma ciência que usa uma espécie da teoria da relatividade. Algo cujos resultados se tornam muito relativos. Já estive em apresentações a clientes anunciantes onde a sua maior preocupação não é ver a ideia. Aquilo que faz toda a dife80 | Exame Moçambique

rença. Mas fazer uma check-list para confirmar se a cor do seu produto está garantida, se os modelos correspondem ao target, se estão incluídos no filme momentos de consumo, etc. E isso torna a publicidade um tédio. Muitas vezes apresentam-se ideias novas aos anunciantes. Fora do comum. Mas o comum é dizerem: — Eu nunca vi isso. Vamos fazer como a campanha tal da marca x ou y. Porque funcionou. Mas é uma repetição. Peca por falta da originalidade

Porque os produtos podem ser muito parecidos. Praticamente iguais. O que os diferencia é a marca. Por isso, após a lógica estar resolvida o que faz diferença é a arte da magia. Aquilo que é intangível, inexplicável, que gera a compra impulsiva de certa coisa e não de outra. É o gut instinct. Aquele instinto naquele instante. No marketing é preciso usar a cabeça, sim. Mas, mais que usar, ousar. Tenha paciência. A publicidade não é apenas uma

A cabeça mente. Não se engane e pense que o consumidor reage apenas à lógica que pode mudar tudo a favor da marca. E perde, por consequência, a retenção. A publicidade é a arte da persuasão. E quando é algo novo é precisamente o que é preciso para ficar na mente. É preciso sair dos lugares-comuns. Na publicidade, conforto não é sinónimo de lugar. Porque não se pode ser e fazer sempre o mesmo. Marcas fortes constroem-se com consistência. Não com insistência. As pessoas não compram produtos ou serviços. Compram estórias, relações e magia. Acha que magia é uma ciência? É algo que fica na mente. Mas tenha cuidado porque a palavra mente, que significa “cabeça”, também significa enganar. A cabeça mente. Não se engane e pense que o consumidor reage apenas à lógica. As compras baseiam-se em razões para acreditar. Mas assentes em ligações emocionais ainda maiores.

ciência. Claro que, como sempre, isto é, e sempre será, um debate. Se fosse uma ciência porque é que a publicidade recorre tanto à arte. Para conseguir encantar e persuadir? Porque é que as agências são constituídas pelos mais diversos tipos de profissionais? Como art directors, redactores, realizadores, músicos, designers e muito mais. Porque é que então os anunciantes recorrem cada vez mais a celebridades, a artistas, para conseguirem ser seguidos nas redes. Porque não se trata de lógica. Por melhor que seja o seu produto, este pode ser igualado. E nesse momento só algo especial o distinguirá: uma emoção. É preciso um tacto especial no contacto. Sempre que a sua marca fala com o consumidor. Apesar da evolução que vivemos no momento, sobretudo no digital, a ideia


estará sempre no centro da equação. Ideias são resultado de inspiração, não de uma equação. Nesta era temos acesso a pesquisas, conseguimos saber os perfis dos consumidores melhor que nunca. Mas, de repente, chega algo fresco e realmente criativo que surpreende e nos mostra o que realmente vende. A definição simplificada de ciência é: “Tudo o que fazemos para descobrir o mundo onde vivemos. As ciências baseiam-se em observações e experiências que produzem teorias, leis, fórmulas científicas baseadas nas pesquisas do que já aconteceu.” Mas na publicidade não é possível prever o impacto de uma grande ideia. Algo que abane mesmo o mercado. Já a definição de arte é: “Um conjunto diverso de actividades humanas que podem ser visuais, auditivas, sensoriais ou outras que expressam a imaginação do autor com

a intenção de serem apreciadas pela sua beleza e poder emocional.” Costumo reflectir sobre porque é que a Coca-Cola, com a mesma fórmula de sempre usando apenas o emocional, continua a liderar? Ou porque é que os consumidores fazem filas intermináveis à frente das lojas da Apple sempre que sai um novo iPhone? Pergunte-se a si mesmo. Isso é racional ou emocional? É, de facto, a combinação das razões lógicas para comprar que levam a esse fenómeno? A resposta a esta questão é senso comum: o coração já sabe o que quer muito antes de a mente conseguir entender. É difícil tentar explicar o emocional usando o racional. E este é o ponto. De todos os seres vivos que habitam o planeta, o ser humano é o ser mais racional. Apesar de ser ao mesmo tempo ainda mais emocional. Mas atenção, a publicidade não é apenas arte. Pelo menos não como

a maioria conhece a arte. O que defendo é que é uma forma muito especial de arte. É a arte da persuasão. Não espere que um artista plástico ou um poeta resolvam o seu marketing ou a sua próxima campanha. Os publicitários são treinados para desenvolverem a sua criatividade ao serviço da eficácia. Houve artistas que desenvolveram skills na publicidade assim como publicitários que se tornaram artistas na sua forma mais pura. Fernando Pessoa, conhecido como um dos maiores poetas do século xx, disse: “Agir é não pensar”; “Sentir é compreender. Pensar é errar.” Poucos sabem que esse poeta trabalhou vários anos como publicitário numa Agência. A publicidade pode ser uma ciência. Mas a boa publicidade é uma forma de arte. Há um ditado popular sábio que explica tudo isto: o coração tem razões que a própria razão desconhece. b março 2017 | 81


DINHEIRO VIVO CONSELHOS E DICAS QUE INTERESSAM À SUA CARTEIRA

MOBILE GANHA FORÇA:

D.R.

Banca móvel cresce em todo o mundo

BANCA

CUSTO MENOR AJUDA BANCOS VIRTUAIS

E

m tempos de recessão económica, os bancos que cobram taxas menores estão a ganhar a atenção dos clientes. Uma pesquisa feita anualmente pela consultora CVA Solutions com 5545 clientes de bancos mostra que as instituições que só operam por Internet e dispositivos móveis No ranking de custos, os bancos virtuais lideram as avaliações dos clientes (melhor pontuação em custos) 1º

Neon

Original

Intermedium

Sofisa

Caixa

passaram a liderar as avaliações positivas de custo e benefício pela primeira vez em oito anos. “A tendência é que os bancos virtuais ganhem ainda mais espaço, já que o cliente quer distância da agência bancária e taxas cada vez menores”, diz Sandro Cimatti, sócio-director da CVA.

O que influencia os clientes hoje é a relação com o gerente e a qualidade do atendimento remoto (principal atributo, % de inquiridos) Relação com o gerente da conta-corrente Site do banco na Internet Atendimento telefónico

O que os clientes esperam dos seus bancos é reduzir ainda mais a dependência de agências (% de inquiridos) Não precisar de ir à agência

34% 17% 15%

52%

Esclarecer dúvidas pelo WhatsApp Ter um gerenciador de gastos no telemóvel

39% 37%

FONTE: CVA Solutions.

82 | Exame Moçambique



FINANÇAS ENTREVISTA

SEM ESPAÇO PARA REGALIAS Para Margrethe Vestager, líder do órgão de livre concorrência da União Europeia que investigou a Apple, as empresas são cada vez mais pressionadas a pagar impostos de forma justa CARLO CAUTI, DE BRUXELAS

A

política dinamarquesa Margrethe Vestager, de 48 anos, tem um dos papéis mais importantes na União Europeia. Como presidente da Comissão para a Concorrência, trabalha para garantir a competição comercial justa nos 28 países do bloco europeu. No ano passado, Vestager obrigou a Irlanda a cobrar à Apple 13 mil milhões de euros em impostos, acusando a fabricante do iPhone de beneficiar de um acordo fiscal ilegal entre 2003 e 2014. Foi uma decisão sem precedentes e é a maior compensação desse tipo já imposta na Europa (a Apple e a Irlanda recorreram entretanto da decisão na Justiça). Numa outra decisão, Vestager mul84 | Exame Moçambique

tou as fabricantes de camiões MAN, Volvo/ Renault, Iveco, Daimler e DAF em 2,9 mil milhões de euros por formação de cartel. As empresas de Internet também são investigadas por práticas ilegais. A Google é acusada de usar o monopólio nas buscas para favorecer outros serviços, e a rede social Facebook de apresentar informações falsas sobre a compra da aplicação WhatsApp em 2014. Por causa das medidas duras, a dinamarquesa ganhou o apelido de “pesadelo das multinacionais”, mas as punições têm recebido apoio. “Acredito que as pessoas tenham pouca paciência com quem não paga os impostos e desrespeita as regras”, disse Vestager em entrevista à EXAME. Para ela, a crescente transparência das

contas públicas e privadas, além da pressão da opinião pública, vai impedir que as empresas utilizem brechas fiscais ou recebam benefícios fora do comum de agora em diante — uma mudança com impacto em todo o mundo. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista. Há décadas que as empresas usam brechas e acordos fiscais em países europeus, como é o caso da Apple na Irlanda. Porque é que agora esses casos estão a ser investigados?

Não é mistério que as práticas tributárias desleais são usadas há décadas, mas sempre houve muito segredo sobre os pormenores dos acordos e números envolvidos. A diferença é que, nos últimos anos, o


VICTOR J. BLUE/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

Margrethe Vestager: Em 2016, a dinamarquesa impôs penas milionárias às empresas

“Só foi possível abrir a investigação da Apple graças a uma audiência no Senado americano. O mundo está a ficar mais transparente” mundo ficou mais transparente e foi possível fazer investigações que antes não avançavam. Por exemplo, só foi possível abrir o caso da Apple por causa de uma revelação feita numa audiência no Senado dos Estados Unidos em 2013. Antes disso, ninguém sabia da existência de um acordo da empresa com a Irlanda. Graças a episódios assim, podemos fazer um trabalho melhor. Mas, claro, isso impõe novas responsabi-

lidades às empresas sobre como se comportarem num mundo mais transparente. Isso vale igualmente para um sector tão dinâmico como o da tecnologia, alvo de investigações?

Sim, vale especialmente no caso da indústria de tecnologia. O rápido crescimento das empresas nessa área leva a uma concentração de mercado muito alta, amea-

çando a livre concorrência. A competição incentiva a inovação em qualquer indústria. O monopólio só vai limitá-la ou retardá-la. No sector da tecnologia não é diferente. O paradoxo é que algumas dessas empresas prestam um serviço sem igual. Mas parte das práticas que as empresas adoptam não é aceitável. E é isso que têm de mudar. O presidente da Apple, Tim Cook, afirmou que a punição da empresa era política. Como responde a essa acusação?

De forma simples: existem tratados que nos obrigam a dar um tratamento sem discriminação de nacionalidade. Todas têm o mesmo tratamento. É uma questão de comportamento de cada empresa. março 2017 | 85


FINANÇAS ENTREVISTA NA MIRA DA COMISSÁRIA A Apple, a Google e fabricantes de camiões estão entre as empresas investigadas pelo órgão liderado por Margrethe Vestager por causa de práticas competitivas ilegais APPLE A empresa é acusada de beneficiar de um acordo fiscal com a Irlanda incompatível com as regras da União Europeia. A Apple pode ser obrigada a pagar 13 mil milhões de euros de indemnização. Em Dezembro, a empresa recorreu da decisão. O caso está na Justiça

FABRICANTES DE CAMIÕES Em 2016, o órgão europeu aplicou uma multa de 2,9 mil milhões de euros às fabricantes de camiões MAN, Volvo/Renault, Daimler, Iveco e DAF. Foram acusadas de formação de cartel e fixação de preços nos últimos 14 anos

GOOGLE A Comissão Europeia investiga se a Google tem usado seu domínio do mercado de buscas on-line para favorecer o serviço de comparação de preços em lojas on-line, o Google Shopping, e também a rede de publicidade AdSense FONTE: Comissão Europeia.

Quando percebemos que ele é desleal, é aí que actuamos. Se queremos ter um mercado único comum na Europa, sem barreiras ao comércio, não podemos permitir que algumas empresas possam competir usando o dinheiro dos contribuintes, enquanto outras não têm o benefício. Até agora a Comissão puniu apenas as empresas e não os países envolvidos. Porquê?

Porque, mais do que aplicar uma multa ou recuperar o dinheiro, o foco é eliminar as práticas de concessão de benefícios ilegais. Por isso não punimos os países, mas obrigamos os governos a recuperar o dinheiro. Países como a Irlanda e a Holanda atraem multinacionais com impostos generosos. Essa prática também deve ser combatida?

Na União Europeia, cada país pode definir de forma autónoma quais são os impostos para as empresas. Então é possível ter uma concorrência tributária transparente. O que não permitimos são vantagens pela porta dos fundos e isenções fiscais para uma ou outra empresa. Chegou a altura de ter uma política tributária única na União Europeia?

Não acho que isso seja possível. Mas acredito que a União Europeia possa aprovei86 | Exame Moçambique

tar outras vantagens, em vez de oferecer impostos baixos para atrair as empresas. Para as empresas, faz muita diferença se os impostos são de 12%, 18%, 20% ou 22%, dependendo do país em causa. Mas, no mundo moderno, precisam cada vez mais de funcionários qualificados, de acesso a mercados, de boas infra-estruturas e também de governos eficientes, que não sejam corruptos. É necessário analisar todos esses aspectos, e não apenas o lado tributário. Ainda assim, o que pode ser feito para reduzir a guerra fiscal entre os países da União Europeia?

Uma forma de garantir uma competição justa é exigir que as empresas divulguem relatórios sobre a sua actividade em cada país da União Europeia, como número de funcionários, facturação e impostos pagos em cada um deles, por exemplo. É uma medida que temos defendido na Comissão. Qual é o objectivo dessa medida?

É aumentar a transparência. Evitaria operações tributárias ilegais, como abrir um escritório sem qualquer funcionário num país para aproveitar as vantagens fiscais. A transparência é a melhor forma de prevenir essas práticas ilegais, que são cada vez mais impopulares. As pessoas esperam

que as empresas façam negócios honestamente no seu país, e também que paguem impostos da forma correcta. O excesso de regras da União Europeia é uma das críticas dos partidos eurocépticos que têm ganho seguidores. Teme que o seu trabalho aumente as críticas?

Não. Acredito que uma Comissão activa possa ajudar a União Europeia como um todo e ainda fortalecê-la. Depois da crise da dívida europeia em 2009, os benefícios sociais que muitos europeus consideravam garantidos evaporaram-se. As reformas ficaram menores, o desemprego aumentou, os funcionários públicos tiveram cortes no salário e os impostos ficaram mais pesados para todos. As medidas de austeridade ajudaram a organizar as contas públicas, mas foram demasiado pesadas para a população. Por isso, as pessoas hoje demonstram pouca paciência com quem não paga impostos e desrespeita as regras. Espero que os cidadãos percebam que estamos a tentar evitar justamente isso. Uma competição desleal prejudica não apenas a economia mas também a forma como as pessoas percebem a sociedade em que vivem. Se sente que está a ser enganado quando vai às compras ou faz negócios, isso afecta de facto a sua percepção de que a sociedade é justa. b



LIDERANÇA MITCHELL PRATHER

Director-geral da Djembe Communications

COMO LIDERAR NAS RP EM ÁFRICA ESTE ANO? Olhando para 2017 e além, as perspectivas para África são positivas. De acordo com um relatório do Banco Mundial de 2016, “o crescimento económico mostra sinais de resiliência”

P

ara continuar a progredir com os objectivos de desenvolvimento e alcançar uma transformação estrutural, África deve capitalizar as significativas oportunidades de crescimento. Os investidores perspicazes e as empresas que já estão bem estabelecidas na região devem fazer somente isso — capitalizar. Aceitamos que África necessita de empresas da indústria de relações públicas (RP) que invistam na região, pois os seus serviços desempenharão um papel fundamental na promoção da diversificação económica, crescimento económico e criação de emprego. As nações da região da África Austral avançam com reformas e iniciativas que apoiam o argumento a favor do investimento e da expansão dos negócios. Estas reformas incluem regulamentos antibranqueamento de capitais, regimes fiscais simplificados e investimento directo em empresas em fase de arranque e em inovadoras. Os países que têm necessidades de desenvolvimento priorizam projectos de infra-estrutura, que correspondem a indústrias de rápido crescimento. Nós, que estamos no sector da comunicação, temos um papel relevante a desempenhar no apoio a estas prioridades. Forte procura para a gestão de reputação

A gestão de reputação será uma das áreas mais procuradas logo a seguir aos serviços — devido ao facto de, em África, os investidores tenderem a ser mais cautelosos porque procuram assegurar que questões como a corrupção, instabilidade política e mercados de capitais frágeis sejam bem abordadas. Conhecimento do mercado local — sem recurso a afiliações

Dominar os mercados locais é, sem dúvida, o bem mais importante e valioso para uma empresa de comunicação africana. Na África Subsariana, isto é deveras essencial por se tratar de uma

região com grande diversidade étnico-cultural, com centenas de idiomas e culturas diferentes. Adicionalmente, reforçar com a importância do conhecimento local, desenvolvido por nacionais que dominam a língua materna e instintivamente sabem como navegar nas suas próprias culturas. Os governos e a maioria das instituições irão certamente dar mais valor a equipas de indivíduos que sejam locais e que tenham recebido formação de especialistas internacionais. E, por isso, a formação irá também ser objecto das empresas de comunicação pan-regionais em 2017. Campanhas sociais e digitais mais inovadoras

Temos acompanhado grandes sucessos no uso dos media sociais e digitais em todo o continente. Muitos países têm um nível elevado de penetração da Internet, especialmente através dos telemóveis. Além de que tal uso é feito, maioritariamente, por uma população mais jovem que não tem medo das novas tecnologias. Estudos, relatórios e pesquisas podem atingir milhões através do uso de plataformas como o Twitter, Instagram e outros — razão pela qual as campanhas de comunicação em 2017 tendem a responder a uma maior procura por entendimento dos media sociais por parte dos clientes. Maior foco na responsabilidade social

Finalmente, a responsabilidade social ganhou força de um modo significativo ao longo do ano passado. Os governos estão extremamente interessados em lidar proactivamente com questões sociais — como o acesso a serviços básicos ou a criação de emprego. As empresas estrangeiras também sabem que precisam de deixar um legado duradouro. Por isso, aqui podemos ver uma grande oportunidade para vender plataformas de responsabilidade social relevantes para os clientes, bem como para as sociedades. b

As empresas estrangeiras sabem que é decisivo deixar um legado duradouro às sociedades onde estão inseridas 88 | Exame Moçambique



TECNOLOGIA VOZ

O SEU MORDOMO DIGITAL Conversar com as máquinas já não é uma coisa dos filmes de Hollywood. Hoje, todas as grandes empresas de tecnologia estão a levar a inteligência artificial para dentro das nossas casas

SÉRGIO TEIXEIRA JR., DE NOVA IORQUE

B

om dia. São 7 horas e a temperatura em Maputo é de 32 graus e céu pouco nublado.” É com um anúncio semelhante a este, da hora e da previsão do tempo, que a jornalista Christine Everhart acorda depois de passar a noite na mansão de Tony Stark. A voz pertence a Jarvis, o computador falante de Stark, mais conhecido como Homem de Ferro. A cena faz parte do primeiro filme da série, lançado em 2008, mas já não é mera ficção científica, muito pelo contrário. Assistentes inteligentes que falam, entendem a voz humana e respon90 | Exame Moçambique

dem são uma função básica em smartphones há alguns anos. Mais recentemente, esses assistentes inteligentes começaram a chegar às casas com novas habilidades, como abrir e fechar a porta da garagem. Esta forma de interacção com os computadores é a nova fronteira da computação pessoal e, se depender da Google, Facebook, Amazon, Apple e Microsoft, não irá tardar muito até que estejamos a ter longas conversas com as máquinas. A Apple foi a primeira empresa a popularizar os assistentes inteligentes com a Siri nos iPhones. Quando foi lançada em 2011, a Siri era mais uma promessa do que uma realidade. Com uma tecnolo-

gia rudimentar, muitas vezes não entendia as perguntas — todas em inglês — e executava apenas as tarefas mais simples, como abrir uma aplicação ou ler os compromissos da agenda. Mesmo com as limitações, uma secretária digital particular, dentro de um aparelho que nos acompanha quase 24 horas por dia, era, evidentemente, uma ideia poderosa. Várias versões depois, hoje a Siri entende dezenas de idiomas e executa muito mais comandos de voz. A Apple foi a pioneira, mas quem está agora na dianteira é a Amazon. Em Novembro de 2014 a empresa colocou à venda nos Estados Unidos o Echo. O aparelho é um


D.R.

DA FICÇÃO PARA A REALIDADE: Tecnologia saiu dos ecrãs de cinema para as nossas vidas

O Echo, da Amazon, foi o precursor de uma ideia revolucionária: controlar os computadores usando apenas a voz, sem a interacção com um ecrã cilindro preto equipado com amplificador de som e um microfone multidireccional. Na época, ninguém sabia muito bem para que servia. Era possível escolher músicas e encomendar produtos da Amazon usando a voz, e não muito mais do que isso. Mas o sistema do Echo, bap-

tizado Alexa em homenagem à Biblioteca de Alexandria, foi ficando mais e mais esperto. Com o boca a boca pela Internet — a campanha de marketing só veio um ano depois —, o Echo tornou-se um hit. A Amazon não divulga os dados das vendas, mas as estimativas são de 3 milhões

de unidades vendidas em 2016 e a previsão é que cheguem a 10 milhões este ano. O Echo, com seu sistema Alexa, introduziu uma ideia nova e potencialmente revolucionária: controlar computadores sem a necessidade de interagir com um ecrã digital. Quem pede recomendações de um restaurante japonês próximo de casa ouve uma lista de sugestões. Além disso, a Amazon tomou três decisões cruciais. Primeiro, criou o Echo como uma central de automação doméstica, para acender e apagar as luzes, por exemplo. A segunda inovação foi transformar o sistema do Echo numa plataforma. Os smartphones têm aplicações; o Echo tem skills (“habilidades”). Criadores de software independentes já criaram mais de 3 mil skills que vão do jogo trivial a aplicações mais úteis, como informar os horários dos transportes, chamar um Uber ou pedir uma pizza. A terceira novidade é que outras fabricantes terão a capacidade de incluir o Alexa nos seus produtos — desde frigoríficos a candeeiros. Outro exemplo são os carros da Ford. Em Janeiro, a empresa norte-americana revelou que vai incluir o sistema nos seus veículos. Os motoristas poderão accionar a música com um comando de voz ou até trancar o carro a distância. O sucesso surpreendente da Amazon levou a Google a lançar nos Estados Unidos, em Novembro, um concorrente, o Google Home, aparelho com a aparência de uma pequena caixa de som. “Há décadas que a indústria da tecnologia tenta simplificar a interface com o utilizador, e não há nada mais simples do que a conversação”, diz Gummi Hafsteinsson, director de produtos da Google Home. A Google partiu relativamente atrasada, embora a sua massiva base de dados e especialização em buscas representem vantagens importantes nessa corrida. Mas há mais pessoas importantes na disputa. Especula-se que a Apple também esteja a desenvolver um aparelho para ficar dentro de casa que utiliza a Siri. A Google e a Apple dominam as maiores plataformas digitais do mundo — iOS e Android — e não podem correr o risco de perder espaço neste novo segmento. Nesta disputa, o Facebook, a maior rede social do planeta, corre isolado. março 2017 | 91


LOJA DA SEPHORA EM NOVA IORQUE: As clientes experimentam vários tons de batom de forma virtual

DÜNZL/ULLSTEIN BILD/GETTY IMAGES

TECNOLOGIA VOZ

“Até 2026, todas as aplicações vão incorporar algum tipo de inteligência artificial”, afirma David Cearley, vice-presidente da consultora Gartner A empresa também investe em interacção, mas os esforços têm sido baseados em texto. “Notamos uma tendência global: as pessoas descarregam cada vez menos aplicações no smartphone”, diz David Marcus, responsável pela área de mensagens do Facebook. Marcus acredita que cada vez mais as interacções acontecerão por intermédio de assistentes inteligentes, seja por voz, seja por escrito. A empresa lançou no ano passado, nos Estados Unidos, um assistente chamado M, com base na sua aplicação de mensagens instantâneas, o Messenger. Por enquanto, o M está disponível apenas para um pequeno grupo de utilizadores responsáveis por testes, mas a tecnologia já começa a aparecer no Messenger. Desde Abril, a Facebook permite que as empresas criem bots (uma contracção de robots, ou “robôs”) 92 | Exame Moçambique

para automatizar as interacções com os seus clientes — inclusive no Brasil. Nos Estados Unidos, a rede de lojas de cosméticos Sephora permite que as utilizadoras tirem uma foto do rosto, enviem pelo chat e recebam a imagem de volta com um batom aplicado, por exemplo. O bot também permite agendar horários de tratamentos de estética, por exemplo. ALÔ? ALÔ? ALÔ?

Há quem acredite que as buscas que fazemos no Google serão, num futuro próximo, conversas com assistentes inteligentes. Mas a verdade é que a tecnologia ainda tem muito para avançar. Em primeiro lugar, os assistentes estão disponíveis em poucas línguas (a excepção é a Siri). Mas o maior obstáculo são mesmo as conversas. O sistema Alexa, do Echo, o Google

Assistant, do recém-lançado Google Home e dos novos telemóveis da Google, a Siri, do iPhone, iPad e Mac, e a Cortana, do Windows da Microsoft, ainda não entendem 100% do que dizemos. A aplicação Hound, da empresa americana SoundHound, compreende formulações mais complexas — mas, como não é o sistema original de um smartphone, o seu alcance é limitado. A empresa licencia a tecnologia para sistemas automotivos e certos produtos da Samsung. “A nossa missão é ‘houndificar tudo’ ”, diz Katie McMahon, vice-presidente da Sound-Hound. “Imagine que vai poder perguntar a previsão do tempo à máquina de café enquanto prepara um expresso duplo.” Já é evidente que a questão já não é se falaremos ou não com os electrodomésticos mas, na verdade, o quanto estes poderão ajudar-nos. Considere o processo actual para reservar um quarto de hotel no computador. Provavelmente tudo começa com uma busca na Internet. Depois é preciso colocar as datas nos sites de comparação de preços. Feita a escolha, é hora de inserir os dados do cartão de crédito e receber a confirmação da compra por e-mail. Imagine se, em vez de todos esses passos, bastasse dizer a uma máquina: “Quais são os hotéis disponíveis em Maputo para o próximo fim-de-semana com preços até 5000 meticais?” Respondidas mais uma ou duas perguntas, a reserva estaria marcada. A tecnologia ainda não chegou lá, mas esse dia já não está muito distante, pelo menos de acordo com a expectativa das empresas. “A ideia é criar uma conversa com o utilizador com o objectivo de facilitar a execução de tarefas”, diz Hafsteinsson, da Google. A inteligência dos assistentes digitais depende de computadores poderosíssimos e bases de dados enormes. Todos vivem na cloud e estão em constante actualização. “Até 2026, todas as aplicações vão incorporar algum tipo de inteligência artificial”, afirma David Cearley, vice-presidente da consultora Gartner. Quanto mais o tempo passa, mais as máquinas aprendem sobre os nossos hábitos e preferências. E um mordomo digital tão bom quanto o do Homem de Ferro pode não estar assim tão longe. b


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LIVRO ESFORÇO

ONDE NASCE O SUCESSO? Carol Dweck, pioneira no estudo sobre o desenvolvimento pessoal e a personalidade, defende em livro a importância de valorizar o esforço. Leia uma sinopse de Mindset 94 | Exame Moçambique


D.R.

CENA DO FILME MILLION DOLLAR BABY: Assim como na ficção, é possível cultivar as habilidades com perseverança

A

inda era eu uma jovem pesquisadora em início de carreira, aconteceu algo que mudou a minha vida. Era obcecada pela ideia de compreender como as pessoas lidam com fracassos, e resolvi estudar o tema observando como os estudantes enfrentavam problemas difíceis. Assim, levei várias crianças, uma de cada vez, a uma sala na escola delas, onde as deixei ficar à vontade com uma série de quebra-cabeças para resolver. Os primeiros eram bastante fáceis, mas os seguintes iam ficando mais difíceis. Enquanto as crianças

resmungavam, suavam e se esforçavam, eu observava as estratégias que utilizavam e investigava o que pensavam e sentiam. Esperava encontrar diferenças no modo como elas enfrentavam as dificuldades, mas percebi uma coisa que jamais tinha imaginado. Diante dos quebra-cabeças mais difíceis, um menino de 10 anos puxou a cadeira para mais perto, esfregou as mãos e exclamou: ‘Adoro um desafio!’ Outro, ao lutar com os quebra-cabeças, ergueu os olhos com uma expressão satisfeita e disse, com ar de autoridade: ‘Sabe, já esperava aprender alguma coisa com isto!’ ‘O que há de errado com eles?’, pensei. Sempre havia achado que uma pessoa ou sabia lidar com o fracasso, ou não sabia. Nunca imaginara que alguém pudesse gostar de errar e falhar. Essas crianças seriam excepcionais ou teriam encontrado alguma coisa nova? Todos temos um exemplo a seguir, alguém que nos indicou o caminho num momento crítico da vida. Aquelas crianças tornaram-se os meus modelos de comportamento. Evidentemente elas sabiam algo que eu desconhecia, e eu estava decidida a descobrir o que era — a entender o tipo

tos e evitar os fracassos (a qualquer custo) continuaria a ser inteligente. Os esforços, os erros e a perseverança não faziam parte desse panorama. No entanto, quais são as consequências de imaginar que a inteligência ou a personalidade são características que podemos desenvolver, em vez de ser algo fixo, um traço profundamente arraigado? As minhas pesquisas ao longo de 20 anos demonstraram que a opinião que adopta a respeito de si mesmo afecta profundamente a maneira pela qual leva sua vida. Ela pode decidir se se tornará a pessoa que deseja ser e se realizará o que é importante para si. Como acontece isso? Como pode uma simples crença ter o poder de transformar uma vida? Acreditar que as suas qualidades são imutáveis — o que eu chamo um mindset fixo — cria a necessidade constante de provar a si mesmo o seu valor. Se tem uma quantidade determinada de inteligência, uma personalidade e um carácter moral específicos, nesse caso terá de provar a si mesmo que essas doses são positivas. Não lhe agradaria parecer ou sentir-se deficiente quanto a características pessoais tão fundamentais.

“A opinião que adopta sobre si mesmo afecta a maneira pela qual leva a sua vida e pode decidir se se tornará a pessoa que deseja ser” de mentalidade (ou o mindset) capaz de transformar o fracasso num dom. O que sabiam as crianças? Elas sabiam que as qualidades humanas e as habilidades intelectuais podem ser cultivadas pelo esforço. E era isso que estavam a fazer — tornando-se mais inteligentes. Não apenas o fracasso não as desestimulava, como nem sequer imaginavam que estivessem a fracassar. Achavam que estavam a aprender. Eu, por outro lado, achava que as qualidades humanas eram esculpidas em pedra. Ou era inteligente ou não era, e o fracasso significava que não era. Simples assim. A pessoa que conseguisse planear os êxi-

Alguns de nós aprendemos a adoptar o mindset fixo desde a infância. Ainda criança, preocupava-me em ser inteligente, mas o verdadeiro mindset ficou marcado em mim por causa da senhora Wilson, a minha professora do sexto ano. Ela achava que os resultados do teste de QI revelavam exactamente quem eram os alunos. As nossas carteiras eram arrumadas por ordem de QI, e só os estudantes com um QI mais elevado eram incumbidos de carregar a bandeira, cuidar dos apagadores ou levar um bilhete ao director. Além da ansiedade que a divisão provocava, criava também um mindset fixo no qual cada criança março 2017 | 95


da turma tinha um objectivo primordial: parecer inteligente, não tonta. Quem poderia esforçar-se para aprender, ou achar isso divertido, quando nos sentíamos ameaçados sempre que a professora nos dava uma prova ou nos fazia uma pergunta na aula? Já vi inúmeras pessoas que têm o único objectivo de provar a si mesmas — na sala de aula, na vida profissional e nos relacionamentos. Cada situação exige uma confirmação da inteligência, da personalidade ou do carácter delas. Cada situação é uma avaliação: terei sucesso ou fracassarei? Farei papel de tolo ou mostrar-me-ei inteligente? Serei aceite ou rejeitado? Vou sentir-me vencedor ou derrotado? No entanto, existem outras maneiras de pensar. Há outro mindset no qual as características humanas não são simplesmente como cartas de um baralho que se recebe e com as quais tem de conviver — tentando convencer a si mesmo e aos demais que tem um royal flush nas mãos, quando no íntimo teme ter somente um par de 10. Nesse outro mindset, as cartas recebidas são apenas o ponto de partida do desenvolvimento. Esse mindset de crescimento baseia-se na crença de que é capaz de cultivar as suas qualidades primordiais por meio do esforço. Embora as pessoas possam diferir umas das outras de muitas maneiras — em talentos, aptidões iniciais, interesses ou temperamento —, cada um de nós é capaz de se modificar e se desenvolver por meio do esforço e da experiência. Será que as pessoas dotadas desse mindset acreditam que qualquer um pode tornar-se qualquer coisa? Que qualquer pessoa com a motivação ou com a instrução adequada pode transformar-se num Einstein ou num Beethoven? Não, mas elas acreditam que o verdadeiro potencial de uma pessoa é desconhecido (e impossível de ser conhecido); que não se pode prever o que alguém é capaz de realizar com anos de paixão, esforço e treino. Para as pessoas que adoptam um mindset de crescimento, a crença de que é possível desenvolver as qualidades desejadas cria uma paixão pelo aprendiz. Porquê perder tempo a provar a si mesmo as suas qualidades se pode aperfeiçoar-se? Porquê 96 | Exame Moçambique

CANDIDATOS EM PROVA DA FUVEST: Os estudantes que não se assustam perante os desafios são os que se saem melhor na escola

“As características humanas não são simplesmente como cartas de um baralho que recebe e com as quais tem de conviver” ocultar as deficiências, em vez de vencê-las? Porquê procurar amigos ou parceiros que nada mais farão do que sustentar a sua auto-estima, em vez de outros que o estimularão efectivamente a crescer? E porquê buscar o que já é sabido e provado, em vez de experiências que o farão desenvolver-se? A paixão pela busca do desenvolvimento e por prosseguir nesse caminho, mesmo (e especialmente) quando as coisas não vão bem, é o marco distintivo do mindset de crescimento. É o que permite às pessoas prosperar nos momentos mais desafiadores da vida. ESTABILIDADE OU DESAFIO?

É evidente que as pessoas de mindset de crescimento prosperam ao ir além dos limites. E como evoluem as pessoas de mindset fixo? Progridem quando as coisas estão seguramente ao alcance delas. As pessoas perdem o interesse se as coisas forem muito

desafiadoras — por não se sentirem inteligentes nem talentosas. Observei isto acontecer ao acompanhar alunos do curso básico de Medicina durante o primeiro semestre de química. É um curso bastante exigente. A nota média em cada prova é 5, para estudantes que raramente tiravam menos do que 9. A maior parte começou com grande interesse pela química. Mas, ao longo do semestre, algo aconteceu. Os alunos de mindset fixo permaneceram interessados somente enquanto se davam bem. O interesse e o prazer dos que acharam o curso difícil reduziram muito. Não eram capazes de satisfazer-se com um curso que não servia de confirmação para a inteligência deles. Por falar em desejar ser considerado perfeito, não se surpreenderá ao saber que isso é muitas vezes chamado ‘a doença do CEO’. O executivo Lee Iacocca foi um caso desses. Depois do sucesso inicial como

STEPHANE DE SAKUTIN/AFP/GETTY IMAGES)

LIVRO ESFORÇO


D.R.

CAROL DWECK: Para a investigadora, é importante ter uma mentalidade voltada para o aperfeiçoamento

Mindset — A Nova Psicologia do Sucesso

É POSSÍVEL MUDAR?

Autora Carol Dweck Editora Objetiva Páginas 312

Uma parcela significativa do que acredita ser a sua personalidade é, na verdade, gerada pelo mindset. E muito do que impede a realização do seu potencial é também produto dele administrador da Chrysler nos anos 80, Iacocca continuou a produzir os mesmos modelos de carros, com modificações superficiais. Infelizmente, eram modelos que já ninguém queria. Enquanto isso, as concorrentes japonesas repensavam qual deveria ser a aparência dos automóveis e como deveriam funcionar. O resultado disso foi que os carros japoneses rapidamente conquistaram o mercado norte-americano.

tégias de curto prazo que aumentem o valor das acções e façam com que pareçam heróis. Ou podem procurar um aperfeiçoamento de longo prazo, correndo o risco de serem desaprovados por Wall Street ao lançar as bases para um crescimento saudável num tempo mais longo. O executivo Albert Dunlap, que confessava ter um mindset fixo, foi levado à fabricante de electrodomésticos Sunbeam para a reorganizar. Preferiu a estratégia de curto prazo: aparecer como um herói para a bolsa de valores. As acções valorizaram-se, mas a empresa pereceu. Já Lou Gerstner, que afirmava ter um mindset de crescimento, foi chamado para reformular a IBM nos anos 90. Ao dedicar-se à imensa tarefa de mudar a cultura e as políticas da multinacional de tecnologia, os preços das acções estagnaram e Wall Street torceu o nariz. Ele foi considerado um fracasso. Poucos anos depois, no entanto, a IBM voltou à liderança do seu segmento.

Os presidentes de empresas vêem-se constantemente perante uma escolha. Deveriam enfrentar as suas deficiências ou criar um mundo em que não tenham nenhuma? Iacocca escolheu a segunda opção. Cercou-se de adoradores, exilou os críticos e perdeu o contacto com o rumo da indústria automobilística. Tornou-se uma pessoa que já não aprendia. Existe ainda outro dilema enfrentado pelos executivos. Eles podem preferir estra-

Quando adoptamos um mindset, ingressamos num de dois mundos. No primeiro — o das características fixas —, o sucesso consiste em provar que é inteligente ou talentoso. Afirmar-se. No outro mundo — o das qualidades mutáveis —, ter sucesso é abrir-se para aprender algo novo. Desenvolver-se. No primeiro mundo, o fracasso é encontrar uma adversidade. Tirar uma nota baixa. Perder um torneio. Ser despedido do trabalho. Ser rejeitado. Isso quer dizer que não é inteligente nem talentoso. No segundo mundo, o fracasso significa não crescer. Não atingir as coisas a que você dá valor. O que quer dizer que você não está a realizar o seu potencial. No mundo do mindset fixo, o esforço é algo reprovável. E o fracasso indica que não é inteligente nem talentoso. Se fosse, não precisaria de fazer qualquer esforço. No mundo do mindset de crescimento, o esforço é o que o torna inteligente ou talentoso. Existe escolha. Os mindsets não são mais do que crenças. São crenças poderosas, mas apenas algo que está na sua mente, e todos podemos mudar a nossa mente. Pense onde gostaria de ir e qual o mindset pode levá-lo até lá.” b março 2017 | 97


EXAMEFINAL SOFIA WINGREN

presidente da escola de negócios Hyper Island, da Suécia

“NÃO TRATE AS NOVAS IDEIAS COMO UM VÍRUS”

F

undada em 1996, a escola de negócios sueca Hyper Island tornou-se uma referência para os profissionais que querem entender as transformações provocadas pela tecnologia. Assim como a Singularity University — sua concorrente nos Estados Unidos —, a Hyper Island atrai alguns dos melhores profissionais das áreas de marketing e tecnologia. À frente da escola está a executiva sueca Sofia Wingren, que assumiu o cargo em Setembro. Para ela, a economia mundial está prestes a sofrer grandes mudanças provocadas pela tecnologia e é urgente que as empresas desenvolvam uma cultura de criatividade. Que tipos de qualificação profissional serão mais valorizados pelas empresas nos próximos anos?

Há duas coisas que vão tornar-se ainda mais importantes num futuro próximo. A primeira é a habilidade empreendedora das pessoas. É ser capaz de identificar o que está a acontecer no mundo e ver onde está a procura. Conseguir perceber as tendências e chegar antes aos consumidores. A segunda é a criatividade. Ainda deve levar um longo tempo para que as máquinas atinjam a mesma capacidade criativa dos seres humanos. Quais são os sectores que devem gerar mais empregos no futuro?

Em primeiro lugar está o do conhecimento — empresas de educação, agências de publicidade e consultoras, por exemplo. Mas, para ser sincera, acho que só vimos ainda a ponta do icebergue das mudanças que estão por vir. Existem muitas tecnologias interessantes a surgir no horizonte, como a realidade virtual e a inteligência artificial. E vão ter um impacto forte no mercado de trabalho, bem mais amplo do que imaginamos. 98 | Exame Moçambique

D.R.

Para a presidente da escola de negócios Hyper Island, da Suécia, apenas as empresas criativas irão sobreviver à revolução das novas tecnologias De que modo países como Moçambique devem preparar-se para o impacto destas tecnologias?

Nenhum país pode dar-se ao luxo de esperar passivamente até que estas mudanças ocorram. Ou acabaremos por viver em países que serão museus a céu aberto de como as coisas costumavam ser feitas. Mas como evitamos que isso aconteça?

O papel das empresas é crucial. É importante garantir que as novas ideias não sejam tratadas como um vírus a ser eliminado do ambiente corporativo. O maior risco é que as grandes organizações adoptem uma postura perigosamente confiante. Como reverter essa mentalidade?

A primeira coisa a fazer é desenvolver uma cultura interna que permita o surgimento de ideias criativas. Talvez oito em cada dez ideias acabem por não dar em nada. Mas duas serão boas. Se nunca dissermos sim às mudanças, elas nunca irão acontecer. Que conselho daria a um executivo disposto a adoptar essa estratégia?

É importante reconhecer que não sabemos tudo, mas temos de ter a confiança de que vamos encontrar as respostas. Esse não é o tipo de coisa que é mais fácil de dizer do que de colocar em prática?

Fazemos exactamente isso com os nossos alunos. Sabemos que não temos as soluções para os problemas, mas agimos como facilitadores. Incentivamos para que eles encontrem as respostas. Na maioria das vezes, as respostas estão dentro das próprias organizações onde trabalham. b




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