Plano de Bairro da Vila Cauhy (Plano de Trabalho Diplô 01)

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PARTICIPAR

É MAIS


PARTICIPAR

É MAIS

Participar é mais foi o título do meu ensaio teórico defendido em dezembro de 2014 sob orientação de Liza Andrade. Depois disso, virou uma ideia que eu defendo: por cidades projetadas, planejadas e gerenciadas de forma mais democrática!


VVVVVpedro

PARTICIPAR

É MAIS


Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Disciplina: Ensaio Teórico Data: 1º semestre de 2015 Autor: Pedro Ernesto Chaves Barbosa Professora orientadora: Liza Maria Souza de Andrade Ilustrações do autor xx páginas


SUMÁRIO RESUMO 01 QUESTÕES PARA SE PENSAR 02 regularização fundiária 04 arquitetos e urbanistas 08 sustentabilidade e sobrevivência 12 sobre a vila 13 veredas 17 conflitos e limitações 18 porque vila cauhy 20 objetivos 21

PARTICIPAR É MAIS 24 heteronomia 26 autonomia 28 participação 29 estratégias 36 metodologia 41

APROXIMAÇÃO E INTEGRAÇÃO 44 como tudo começou 46 as primeiras visitas 47 o que você veio fazer aqui? 48 questionário 49 chá das cinco 52

PRIMEIRAS IMPRESSÕES 56 quem são os moradores 58 lugares da vila 59 janelas do passado 60 dinâmicas de crescimento 64 sítio físico 66

BIBLIOGRAFIA 80


RESUMO Cada território, seja no campo, nas matas ou nas cidades, guarda em si diversas histórias, complexas relações sociais e culturais, riquezas ambientais únicas. Trabalhar nesses espaços implica em uma ação coletiva e transdisciplinar. Deveria ser assim, mas olhando os lugares onde as populações habitam, é fácil perceber que a riqueza e complexidade dos lugares está constantemente sendo posta em xeque pelo modo que se vive. As disputas de interesses que ocorrem nos territórios são constantes e bastante acirradas. No Brasil isso ocorre principalmente pelas profundas desigualdades sociais econômicas e simbólicas. A começar pela forma que se olha o território, sempre se escolhe uma forma interpretar, um prisma diferente, que poucas vezes se relaciona com os diferentes. Essa, por exemplo é a forma como atua repartição dos saberes acadêmicos que cada vez mais especializados em caixinhas, se isolam numa maior caixa que se chama universidade que permanece como uma bolha isolada da sociedade. Surgem assim, as categorias dos leigos e dos técnicos.

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Para modificar a cidade, como foi dito anteriormente, não bastam apenas conhecimentos especializados estanques, mas sim uma ação coletiva mediada por um olhar mais sistêmico. Somente os urbanistas não são capazes de melhorar a vida no espaço urbano. Eles devem estar acompanhados de engenheiros, sociólogos, biólogos, etc. e principalmente junto das populações que terão seus ambientes modificados pela técnica. Cumprir esse plano de boas ideias não é uma tarefa fácil. Tento em vista que a formação em urbanismo tende a um planejamento e desenho urbano estanques e carregados de corporativismo, propor ainda na academia um outro modelo de prática profissional – mais justa e atenta as demandas da sociedade – torna-se um verdadeiro desafio. A regularização fundiária, nas cidades brasileiras, é uma das demandas que modifica a paisagem das cidades. Analisar a forma como historicamente esse tema é

abordado, é confirmar tudo o que foi dito anteriormente e com um agravante: nos casos onde o capital financeiro imobiliário atua fortemente, habitar de maneira irregular é antes de tudo caso de polícia. Este trabalho final de graduação ainda em desenvolvimento, busca trabalhar de outra forma. Ao invés de um objeto de estudo distante, será trabalhado como pano de fundo o caso da Vila Cauhy, assentamento “irregular” localizado em Brasília que enfrenta o desafio da regularização com fortes impedimentos ambientais. A atuação no bairro busca desenvolver um plano de bairro participativo, aberto a toda a comunidade, prestando assessoria técnica em arquitetura e urbanismo. Diante das condicionantes ambientais, que são as que mais atrasam o processo, é inevitável não se falar em remoções mesmo sabendo de seu impacto principalmente em comunidades de baixa renda. Com o processo de regularização em andamento, está se propondo uma assessoria técnica à comunidade materializada em um plano de bairro que possibilite: i) o planejamento de remoções e reassentamentos; ii) desenvolvimento de projetos habitacionais atendendo os afetados pelas remoções; iii) a implantação de melhorias (saneamento ecológico, equipamentos públicos e qualificação dos espaços públicos). Compõe também como parte deste trabalho a elaboração de uma “Caixa de Ferramentas” de operacionalização de “padrões espaciais” e técnicas de saneamento ecológico, tendo como objetivo sistematizar um repertório de ocupação do espaço urbano promovendo a regeneração urbana e ambiental do assentamento.



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Aqui são levantadas algumas questões que esse trabalho terá que lidar. A problematização dessas questões é fundamental para unir teoria e prática. Em outras palavras, o entendimento do que está em jogo, permite a identificação de objetivos mais palpáveis e de ações mais contextualizadas. No caso da Vila Cauhy, uma ocupação irregular em uma área valorizada, com bastante áreas de preservação permanente e, portanto, grande fragilidade ambiental, faz-se necessário em primeiro lugar discutir sobre a regularização fundiária e suas especificidades nesses contextos. Para a vila, a regularização fundiária é o mecanismo formal que permite em primeira instância que a população tenha acesso a terra urbanizada além da garantia da posse efetiva das suas casas. A demora na conquista dessas melhorias decorre de vários fatores, mas dentre eles destaca-se o conflito entre legislações ambiental e de uso e ocupação que regem os licenciamentos ambientais e urbanísticos necessários a fixação dos moradores. Logo após será discutida a gentrificação, um risco proeminente principalmente pela implantação de infraestruturas que tendem a aumentar o valor imobiliário da região. Enquanto simulação de uma atuação profissional real, é necessário que se faça uma crítica à atuação hegemônica de arquitetos e urbanistas que dificilmente trabalham com demanda populares, tem poucas noções de sustentabilidade e se afastam de metodologias participativas.

Devido à fragilidade ambiental do assentamento faz necessário também problematizar o tipo de ocupação que as cidades consolidaram. Nesse sentido, entender o cerrado, bioma em que o Distrito Federal está inserido, é um primeiro passo para propor alternativas. Por fim, ainda nesta seção, é feita uma apresentação do objeto de trabalho principalmente pelo viés da regularização fundiária evidenciando os conflitos entre legislações, além da sistematização dos objetivos que se pretende alcançar neste projeto.


REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Um rápido passeio por qualquer cidade brasileira é capaz de mostrar o quanto as mesmas são marcadas pelos usos informais. A informalidade marca a paisagem urbana seja pela presença de camelôs, puxadinhos em áreas públicas ou assentamentos inteiramente autoconstruídos como as favelas, vilas e aglomerados. Esse fenômeno tem “causas variadas, envolvendo uma gama de fatores socioeconômicos, espaciais e institucionais, como planejamento excludente, ineficiência burocrática e o próprio sistema jurídico” (FERNANDES, 2011). Em geral nos países da América Latina, em especial no Brasil, onde a tradição patrimonialista é forte, as populações que vivem nessa situação estão sempre vulneráveis a violações aos direitos humanos, em especial à moradia adequada. Está introjetado no legislativo e no judiciário do país a missão principal de proteger a titularidade da terra aos que “legitimamente” a conquistaram ou, em outras palavras, para apenas aqueles que as adquiriram através da compra ou herança. Além dos aspectos jurídicos, a informalidade também é marcada principalmente para os mais pobres, pela dignidade humana ferida por ter que ocupar áreas de risco e/ou preservação ambiental tendo que conviver com esgoto e lixo a céu aberto, pela sujeição ao clientelismo político, pelo não acesso a serviços públicos básicos e pelo estigma de invasor, ou criminoso. Viver na cidade, sobretudo para estas populações, é um desafio em que o que está em jogo é a própria sobrevivência. Por essa razão, políticas públicas de regularização fundiária são nesse sentido fundamentais para a melhoria da qualidade de vida dos mais excluídos. Apesar do forte apelo relativo a posse da terra, a regularização vai além da simples conferência de títulos de cartório, ela é um processo amplo, que no Brasil, oferece aos assentamentos irregulares plano urbanístico com a implantação de infraestruturas de saneamento ambiental como abastecimento de água, esgotamento, coleta de lixo, pavimentação e drenagem. Além disso, essas ações devem estar articuladas para garantir a chegada equipamentos públicos básicos como creches, escolas, postos de saúde e posto policial e para que os desalojados por estarem

em área de risco e/ou preservação ambiental sejam realocados em outras partes da comunidade ou inclusos em outros programas habitacionais do governo. Tudo isto deve estar fortemente apoiado na participação popular e em estudos socioeconômicos e ambientais. A regularização fundiária plena além dos complicadores acima descritos, é uma questão multidisciplinar, exige a presença de vários saberes para que se consiga abarcar o amplo espectro de problemas sociais, econômicos, ambientais e jurídicos envolvidos. Mais do que a simples presença de vários tipos de técnicos, é fundamental uma abordagem holística que interprete os problemas e potencialidades de forma interligada, ou em outras palavras transdisciplinar. Dessa forma, aumentam as possibilidades de que ao final do processo as comunidades em situação irregular possam se integrar ao restante da cidade reduzindo a pobreza e os estigmas. É importante destacar que, economicamente, regularizar é uma opção mais cara que a remoção, porém mais viável que a construção de novos conjuntos habitacionais, uma vez que são poucos os lotes bem localizados disponíveis para esse fim (FERNANDES, 2011). Fora isso, remover uma população implica em destruir laços comunitários e afetivos construídos durante anos e fundamentais para a superação das adversidades da pobreza. Nos últimos anos, com a aprovação do Estatuto da Cidade e a criação do Ministério das Cidades, essas ações conseguiram ganhar um pouco mais de velocidade através da regulamentação de instrumentos como o usucapião urbano, concessão de direito real de uso e as zonas especial de interesse social (ZEIS). Apesar disso, os avanços ainda andam a passos lentos principalmente pela manutenção da visão patrimonialista e conservadora, em especial nos gestores públicos, pela permanência da concentração de investimentos em áreas nobres das cidades. Em resumo, pode se dizer que regularizar não é uma tarefa fácil. A complexidade dos temas exige que haja uma intermediação entre conflitos sociais e ambientais. Esse é um dos principais desafios neste trabalho.

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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA LEI

Além de entender a importância de garantir o direito à moradia das populações em ocupações irregulares, é preciso entender quais as exigências e procedimentos existentes nas legislações para poder viabilizar a regularização fundiária plena e sustentável. A possibilidade da regularização fundiária em oposição a política de remoções surge na Constituição de 1988 com os artigos 182 e 183 que tratam pela primeira vez de uma política pública ampla para as cidades.

Estes artigos foram regulamentados em 2001 pela lei 10.257, o Estatuto da Cidade, que contou com intensa participação dos movimentos populares de reforma urbana. É a partir deste momento em que ficam melhor definidos os conceitos de “função social da propriedade” e “função social da cidade” e que surgem os instrumentos urbanísticos tais como as zonas especiais de interesse social (ZEIS), usucapião especial urbano e a concessão de direito real de urso para fins de moradia (CUEM) que viabilizam a regularização fundiária (CARRILLO, 2013).

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A partir desse momento é que em 2003 surge o Ministério das Cidades que passa a auxiliar – através de normativas, cursos e cartilhas – os municípios e estados na aplicação do Estatuto da Cidade. Também nos anos seguintes começam a surgir legislações mais específicas quanto a regularização fundiária tal como a lei 11.977 de 2009 – programa Minha Casa Minha Vida – que estabelece etapas e o conteúdo de projetos de regularização fundiária. CARRILLO (2013) aponta como inovações dessa última legislação i) redefinição do termo “regularização fundiária

de interesse social”; ii) diferenciação entre regularização de interesse social e a regularização de interesse específico; iii) atribuição expressa de competência aos municípios; iv) obrigatoriedade da elaboração de projeto de regularização fundiária; v) estabelecimento de regras para a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente (APPs); vi) aceitação de realizar obras de infraestrutura antes que a situação dominial esteja resolvida; e vii) criação dos instrumentos de demarcação urbanística e legitimação da posse. A forma como as ocupações irregulares foram acontecendo no Brasil traz uma diversidade de tipos de situações e, por isso, como foi dito anteriormente, a regularização fundiária não consiste apenas na entrega dos títulos de posse. A irregularidade dominial – relativa a posse – é apenas um dos tipos, o não atendimento a legislação urbanística e ambiental além da ocupação de áreas de risco constitui outro campo de atuação que precisa ser corrigido atendendo às especificidades locais. É diante disso que para a lei 11.977/2009, a regularização fundiária “Consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (BRASIL, 2009, art. 46)

Essa mesma lei define que a regularização fundiária plena e sustentável deve atender às seguintes medidas:

objetivos por dimensão da regularização

URBANÍSTICA

AMBIENTAL

JURÍDICA

SOCIAL

provisão e adequação da infraestrutura básica do assentamento incluindo remoções e reassentamentos quando necessário

adequação ambiental do assentamento e sustentabilidade da intervenção

regularização da base fundiária, outorga e registro de títulos de posse/propriedade no serviço e no registro de imóveis

participação social e empoderamento da população beneficiária

adaptação da “figura de lista de informações com os objetivos das dimensões” presente em CARRILLO, 2013 p. 60

averbação do auto de demarcação

elaborar o projeto de regularização

aprovar o projeto

submetar o parcelamento a registro

conceder título de legitimação de posse figura retirada de CARRILLO, 2013 p. 46

Por se tratar de um trabalho final de graduação com o recorte da arquitetura e urbanismo, haverá maior dedicação às medidas ambientais e urbanísticas, por isso, é fundamental também entender quais informações

dentro da legislação são capazes de nortear esse recorte dentro do projeto de regularização fundiária. Ao lado, é um gráfico que simplifica as etapas processo que aqui se discute.


A LEI E O PROJETO DE REGULARIZAÇÃO

Como foi evidenciado na sessão anterior, uma das peças da regularização fundiária é a elaboração de um projeto urbanístico que dote a área de infraestrutura básica e preveja remoções e realocações quando necessário. A aprovação do mesmo passa por alguns licenciamentos que buscam garantir que a nova situação está de acordo com as leis ambientais e urbanísticas e que a população não continue em situações de risco.

O segundo passo apontado por CARRILLO (2013) é a aplicação do instrumento da demarcação urbanística que possibilita o reconhecimento mais exato da problemática fundiária do assentamento. Os procedimentos exigidos em lei exigem o levantamento do sítio físico determinando os moradores, o tempo da ocupação e a natureza das posses de forma a possibilitar de início a caracterização e a localização de alguns tipos de irregularidade.

Cada área que necessita ser regularizada tem suas especificidades, por isso é importante realizar levantamentos e diagnósticos para saber quais restrições são aplicáveis em cada situação. Esses procedimentos são fundamentais para evitar atrasos na titulação das propriedades, desperdício com custos adicionais no processo global e frustração para os moradores dos assentamentos.

Caso se identifique a presença de áreas de preservação ambiental são exigidos também uma série de levantamentos que buscam levantar restrições à ocupação do solo, por isso é importante dispor destas informações antes da realização do planejamento urbanístico da regularização. Estas áreas possuem regulamentações específicas que devem ser respeitadas pois em primeiro lugar influenciam no licenciamento e em segundo lugar, mas não menos importante, dizem respeito a qualidade de vida que pode ser alcançada. O detalhamento das leis que regem o projeto de regularização da Vila Cauhy será realizado mais à frente.

É importante destacar que muitas situações de irregularidade não são possíveis de serem adequadas as legislações, e para que a regularização não seja excessivamente cara e impactante na vida dos beneficiários é preciso flexibilizar exigências. CARRILLO (2013) ao estudar essas situações aponta como primeiro passo a demarcação da área como ZEIS, um instrumento do Estatuto da Cidade que permite zonear partes da cidade onde haverá uma flexibilização dos parâmetros urbanísticos para que seja possível a permanência das famílias sem danos excessivos em áreas de preservação ambiental ou que não submetam as pessoas à riscos.

licenciamento urbanístico licenciamento ambiental estudo técnico

para APPs ocupadas até 31/12/2007 e inseridas em área urbana consolidada

verificar

caso abranger área de unidade de conservação de uso sustentável

Além das questões jurídicas de uma regularização fundiária urbana, alguns outros questionamentos devem ser levantados quanto à forma como essas políticas públicas são desenvolvidas. Como foi dito anteriormente, a simples conferência às famílias de um título de posse não só é suficiente. Implantar melhorias de forma genérica pode trazer sérios riscos a permanência dessas pessoas. O maior deles é a gentrificação, ou seja, a expulsão dos mais vulneráveis pelo encarecimento do custo de vida.

aprovação pelo município aprovação pelo município, DF ou estado anuência do órgão gestor da unidade figura retirada de CARRILLO, 2013 p. 28

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GENTRIFICAÇÃO Como é de amplo conhecimento, terras regularizadas, dotadas de boa infraestrutura e bem localizadas não são regra nas cidades brasileiras, principalmente em razão do processo intensivo de crescimento que muitas passaram nos últimos 50 anos. Nessas circunstâncias, em contraponto à irregularidade, as terras de alto valor imobiliário são aquelas em que as pessoas têm a garantia da posse e as infraestruturas e serviços básicos implantados.

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De posse do entendimento de que faz parte da regularização imobiliária a implantação de infraestrutura e serviços básicos, pode-se dizer que esta ação é geradora de valorização imobiliária que em certa medida pode fragilizar a segurança conferida pela entrega dos títulos de posse, principalmente para os indivíduos mais vulneráveis dentro do que é conhecido como pobreza. Além disso, esse processo traz para os beneficiários uma série de novas despesas como impostos e taxas que ampliam ainda mais o custo de vida. Diante disso, a depender da forma como se regulariza um assentamento, pode se estar submetendo a população a diferentes graus de gentrificação. A rigor, gentrificação envolve:

Determinados processos de transformación urbana por los que zonas estratégicas de una ciudad aumentan artificialmente su valor, provocando el desplazamiento de la población economicamente vulnerable. Left hand Rotation, 2012

Os casos mais visibilizados e mais fáceis de entender a gentrificação são aqueles que dizem respeito a áreas centrais consideradas degradadas e que são alvo de investimentos do poder público e/ou da iniciativa privada com o objetivo de reverter esse quadro e disponibiliza-las ao mercado imobiliário, reinserindo os mesmos em uma nova dinâmica de acumulação de capitais (SANTOS, 2008 apud MOURAD e FIGUEIREDO, 2012). Em áreas periféricas a dinâmica ocorre de maneira diferenciada, pois estes locais sempre foram excluídos da dinâmica capitalista. Estes acabam constituindo um mundo informal negligenciado pelo Estado que se desenvolve sob outras regras diferente dos espaços formais.

Nos casos em que o poder público rompe com a negligência para com os assentamentos informais, o desenrolar das ações gera conflitos principalmente por não haver compreensão do habitus¹ pré-existente. Nesse sentido, o Rio de Janeiro é exemplo emblemático ao promover um acentuado número de remoções justificadas pela implantação de infraestruturas de transporte e esportivas. Além do uso da violência na retirada das famílias, são comuns os relatos de indenizações abaixo do valor real e reassentamentos em periferias por vezes 70km distantes do lugar original (AZEVEDO, FAULHABER, 2015). É também no Rio onde se pode observar exemplos ainda mais ameaçadores de valorização imobiliária de assentamentos informais e expulsão sutil dos seus moradores. Nos últimos anos a glamourização² do modo de viver nas favelas da Zona Sul carioca vem atraindo yuppies³ que paulatinamente vão substituindo a população mais vulnerável desses locais. O projeto de cidade excludente, embora afete as favelas de maneira mais brutal, tem ampliado o espectro de vulnerabilidade e sucetibilidade ao deslocamento também para famílias de outros territórios e níveis de renda devido à explosão dos preços imobiliários. “Gentrificar” ou ser “gentrificado” não é uma escolha como nos tentam colocar. Faz parte de uma política. AZEVEDO, FAULHABER, 2015 p. 19

Certamente o que ocorre nas favelas da zona sul carioca guarda uma certa distância do que ocorre em outras periferias. Apesar disso, o risco da gentrificação permanece exige da questão projetual uma flexibilidade para que as famílias possam desenvolver e/ou estratégias de sobrevivência. Além disso, é necessário um sólido e contínuo trabalho de assistência social e fortalecimento dos laços comunitários de forma a tornarem-se táticas de resiliência a grandes transformações geradas por adversidades econômicas. A existência de uma identidade forte com o assentamento e de laços de comunidade sólidos ajuda na sobrevivência. São as redes que se formam que fazem uns ajudarem os outros e superar dificuldades, evitando que assim os moradores tenham que por exemplo vender suas casas para conseguir dinheiro.

¹ habitus é um categoria definida por Borudieu como “o processo de socialização incorporado pelo indivíduo na forma de sua linguagem, seus hábitos cotididanos e modos de agir, seu estilo de vida e seu gosto.” (KAPP et al., 2009) ² http://www.cartacapital.com.br/sociedade/gentrificacao-chega-ao-vidigal-e-pressiona-precos-dos-imoveis-8227.html ³”El yuppie, el hipster, el flaneur, el bobo o bourgeois bohemian, el gentrificador, el explorador urbano que modifica el entorno con su presencia, que persigue una autenticidad que desaparece bajo sus pies…Distintos modelos guiados por un mismo patrón de consumo, aquel que en las últimas décadas empuja a esta nueva clase creativa a volver al centro abandonado de las ciudades.” (Left hand Rotation, 2012)


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ARQUITETOS E URBANISTAS O discurso recorrente das entidades profissionais de que arquitetos e urbanistas são elementos fundamentais para o “conserto do mundo” esconde alguns pontos que merecem ser melhor debatidos. Para que estes profissionais contribuam para a redução das desigualdades sociais e construção de assentamentos humanos ecologicamente integrados à natureza, devem ser operadas mudanças substanciais na atuação dos mesmos.


ARTIGOS DE LUXO

Ainda que as lutas pela reforma urbana, direito à cidade e moradia tivessem arquitetos, urbanistas e engenheiros como principais parceiros dos movimentos sociais, o enfrentamento de demandas populares – como a regularização fundiária e a produção de habitações de interesse social – ainda sofre com a pouca presença destes profissionais. Um dos resultados mais expressivos essa situação é a predominância da autoconstrução nas favelas, vilas e aglomerados tanto nas moradias como nos espaços públicos. Inicialmente é preciso entender que uma das principais razões para a existência da autoconstrução e dos assentamentos informais é a profunda e estrutural desigualdade sócio espacial vivida no Brasil que se manifesta de diversas formas.

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Em primeiro lugar, para uma parte da população, a falta de recursos financeiros não permite a aquisição de terras urbanizadas e habitações dentro dos tramites legais. Historicamente, com o rápido crescimento que as cidades brasileiras passaram no último século, nem o Estado nem a iniciativa privada conseguiram responder a demanda por moradia das classes mais pobres. Essa situação persistiu mesmo com experiências de grande produção habitacional como a dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), do Banco Nacional de Habitação (BNH) e persiste nos dias atuais mesmo com a existência do “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV). Para essas pessoas excluídas as opções que existem são ocupar áreas ociosas, de risco ou preservação ambiental ou se submeter a situações degradantes como altos aluguéis e cortiços. Dentro destas situações, para além da existência/ inexistência e da eficiência/ineficiência das políticas públicas de habitação e urbanização, é possível perceber que tanto a prática quanto a formação de arquitetos, urbanistas e engenheiros ainda se encontram bastante ligadas às classes dominantes. Isso se manifesta tanto na inacessibilidade financeira de boa parte da população em contratar os serviços disponibilizados por esses profissionais, mas também na falta de habilidade dos mesmos em lidar com as demandas populares. Quando se fala que a maior parte desses profissionais não sabem lidar com as demandas populares, quer-se dizer que os mesmos não foram treinados para projetar e construir tendo atenção as condições das classes menos favorecidas. Dessa forma, não basta apenas que haja ampliação do acesso a assessoria técnica profissional, é preciso que arquitetos, urbanistas e engenheiros desenvolvam mudanças na forma de trabalhar. No caso específico dos arquitetos e urbanistas, se outrora nos tempos áureos do modernismo havia poucos profissionais, hoje, a mera formação de grandes contingentes não parece reverter esse quadro. Por mais que hoje existam pelo menos 10 vezes mais arquitetos que na metade do século passado, estes logo nos

primeiros anos do curso aprendem a operar uma prática convencional que, sobretudo é mistificada por conceitos pouco entendíveis para a maior parte da população e que servem para a geração de capital simbólico, ou em outras palavras status (KAPP et al., 2009). Em outras palavras, cursos de arquitetura treinam para que se resolvam “formas” e isso em primeira instância quer dizer compor edificações como elementos de distinção das pessoas dentro das classes dominantes. Para as classes menos favorecidas, essa situação pode ser resumida na frase “Arquiteto sempre tem conceito e esse é o problema” (KAPP et al., 2009), que apesar de parecer exagerada, foi emitida por um dos entrevistados em uma pesquisa do laboratório Morar de Outras Maneiras (MOM/UFMG) sobre projetos de arquitetura e moradias autoproduzidas. Isso mostra que a prática projetual desses profissionais não responde a demanda que boa parte da população tem de construir ou reformar. Dessa forma, se não há como contar com os mesmos, não é de se surpreender que mesmo em situações em que hajam recursos prevaleça a autoconstrução. É importante ressaltar que apesar da possibilidade de que a autoprodução de moradias gere produtos de baixa qualidade, a solução desse problema passa longe do detalhamento exaustivo principalmente em locais de baixo desenvolvimento tecnológico da construção civil. Para aqueles que dependem dos laços de vizinhança e amizade e não de empreiteiras para levantar construções, o desenho técnico torna-se em muitos casos ferramenta desnecessária, uma vez que nestas situações não há a necessidade de dominar a mão de obra. O projeto altamente detalhado, com todas as suas especialidades e redução de possibilidades de modificações além de pouco adaptado às demandas populares, serve mais a manutenção de uma hierarquização das relações de produção capitalistas do que a um aumento da produtividade (GORZ, 2001 apud. Kapp et al., 2009). Diante do que foi exposto, a exigência de responsabilidade técnica exclusiva de arquitetos e engenheiros – que vem sob o discurso da garantia da qualidade das edificações – não tem servido de fato como forma de melhoria das construções. O que se observa é que se afunilam as oportunidades a apenas a contratação de profissionais liberais, ignorando-se os processos já consolidados como a autoconstrução. Reverter esse quadro exige que, antes de tudo, a projetação e a construção sejam processos menos herméticos, permitindo alterações quando necessárias, respeito aos operários de obra e prevalecimento de um sentimento de equipe, sem melhores e piores, rompendo assim as rígidas hierarquias de trabalho. Fora isso, o arquiteto deve ampliar o leque de opções de formas de intervir e abandonar a ideia de que o projeto sempre será a única forma capaz de resolver problemas.


Como foi dito anteriormente, conceito e projeto tem sido ferramentas que mistificam decisões, tendem a ignorar condicionantes ambientais, sociais e econômicas e contribuem para uma injusta divisão do trabalho que separa usuários de projetistas e estes de pedreiros e mestres de obra. Neste tópico acrescentar-se-á outra questão: a falta de preocupação de arquitetos e urbanistas com a participação das pessoas nos processos de tomada de decisão, em especial naquelas que dizem respeito às demandas populares. Mais uma vez é preciso destacar que, no Brasil, a formação de arquitetos e urbanistas desde a criação em 1816 da Academia Imperial de Belas Artes foi direcionada a atender as classes dominantes, a gerar objetos com alto valor financeiro e simbólico agregados (KAPP et al., 2009). Quando estes se “voltaram” as demandas de habitação popular e urbanização de áreas irregulares, o fizeram por meio do habitus das elites que era o que estavam acostumados. Predominaram soluções genéricas e de rápida execução, que pouco estiveram atentas às dinâmicas de sobrevivência das classes menos favorecidas. Essa falta de leitura das demandas populares tem ganhado maior destaque nas últimas décadas em que a vontade de disponibilizar novas áreas ao capital imobiliário tem passado por cima do direito à moradia e à cidade. Nesse cenário, o que vem de cima para baixo, nem sempre mostra as intenções que estão por trás dos planos. As reurbanizações de vilas e favelas e as “revitalizações” de áreas consolidadas podem ser conduzidas com o objetivo de gentrificar partes da cidade, ou seja, remodelar a cidade com as demandas das classes mais favorecidas, visando a valorização imobiliária (valor de troca), expulsando os moradores mais pobres e sem reduzir as desigualdades sociais. Em contraposição, para não ser arrastado pelo processo excludente e heterônomo de construção das cidades é importante ocupar, resistir e participar. É sob essa motivação que ganha força a demanda por fóruns mais democráticos nas cidades tanto por parte dos Movimentos Populares de Reforma Urbana como por alguns arquitetos e urbanistas. Pelo menos desde o seminário Quitandinha em 1963 já se encontram relatos que cobram “a consciência popular do problema

PELA PARTICIPAÇÃO

habitacional e a participação do povo em programas de desenvolvimento de comunidades” (BONDUKI e KOURY, 2007). Essa demanda significa que outra prática profissional deve ser estabelecida no desenho, planejamento e gestão urbanos através da participação popular. A resistência das classes mais conservadoras é um dos principais motivos para a não consolidação de espaços democráticos de deliberação sobre as cidades, porém é importante destacar que outros fatores contribuem para a manutenção desse quadro. De início, boa parte dos arquitetos e urbanistas reclamam para si o direito de serem os legítimos reguladores da construção dos espaços públicos e encaram o resto das pessoas como intelectualmente despreparadas. Nas faculdades valoriza-se uma prática de produção de produtos em que “arquitetura seria (...) seus edifícios desocupados” (HILL apud. BALTAZAR e KAPP, 2006), com a resolução de problemas de forma artística ou puramente técnica. Paralelo a isso, o tema participação poucas vezes é amplamente debatido e raramente entra na grade dos cursos, afinal conduzir processos participativos nunca coube no tempo regulamentar de um semestre ou um ano de curso. Nessa conjuntura o próprio profissional formase conservador e controlador ao entender como ameaça a sua “liberdade projetual” abrir o processo de projetação para os outros. Como não há formação para que arquitetos e urbanistas sejam capazes de conduzir processos participativos, materializar a demanda dos movimentos populares por direito à cidade torna-se uma função árdua. Esse desconhecimento faz muitos profissionais reduzirem as técnicas de participação a apenas questionários e entrevistas, que são formas bem limitadas de capturar as demandas e converter em padrões que norteiem os projetos. É essa a combinação de fatores que deve ser revertida. A participação deve ser encarada como meio de conferir as populações autonomia na construção do espaço urbano, além de dar possibilidades de engajamento e empoderamento na política urbana fugindo do clientelismo. Tudo isso deve acontecer em parceria com técnicos e o poder público de forma que sejam tomadas decisões coerentes, transparentes e sobretudo coletivas.

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SUSTENTABILIDADE NA ESSÊNCIA Por muito tempo havia nas civilizações uma espécie de obediência aos padrões da natureza. A existência de pequenas populações permitia que o homem se integrasse com mínimos impactos. Esse quadro muda a partir da Revolução Industrial, momento em que a população começa a crescer exponencialmente, desconectar-se completamente do contato com padrões naturais, consumir grande quantidade de recursos e voltar-se exclusivamente para o individualismo e o antropocentrismo.

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Esse modo de vida começa a ser questionado com mais força a partir do final do século XX, em especial a partir de conferências como a Eco-92 que denunciaram as péssimas projeções de futuro caso não fossem feitas mudanças estruturais na forma de habitar no planeta. Preservar a natureza paulatinamente tem mudado de significado deixando de ser apenas uma questão de salvar espécies em extinção para ser uma questão de sobrevivência. Para sair de um período antropocêntrico, reprogramar hábitos e, de fato, integrar-se a natureza, muitos estudiosos têm apontado o redesenho de assentamentos como uma das partes mais importantes desse processo de transição que todos precisam passar. Não são mais tão raras as reportagens que chamam a atenção para novos modelos de vida que reduzam o consumo e tirem partido do reuso e da reciclagem de materiais descartados. Nesse sentido o potencial de visão sistêmica e transdisciplinar que certos campos de conhecimento possuem é fundamental. Dentre estes se destaca a arquitetura e o urbanismo por serem capazes de prover às populações ferramentas para ampliar o impacto das mudanças de hábitos que tanto se precisa. Ao passo que essas demandas ambientais crescem, no Brasil, arquitetos e urbanistas ainda permanecem distantes dessas preocupações. Isolados no uso de conceitos mirabolantes e descontextualizados, projetam tendo como principal norte a composição harmônica de volumes, planos e ritmos, deixando para segundo plano condicionantes ambientais e sociais, e comprovando mais uma vez que “arquiteto sempre tem conceito e esse é o problema” (KAPP et al.,2009). Além de reflexo da sociedade que se vive hoje, a falta de consideração pelas questões ambientais, mais uma vez encontra-se amparada pela formação que arquitetos e urbanistas têm. Como foi explicitado no tópico anterior, o foco tem sido em treinar profissionais para geração de lucros simbólicos nas camadas mais favorecidas da sociedade. Mesmo que alguns superem essa condição,

uma visão sistêmica e transdisciplinar dos problemas exige também que as agendas sociais e ambientais se integrem (ANDRADE, 2014). O que se observa é que ou os profissionais se dedicam ao provimento imediato da sobrevivência através das demandas sociais sem a garantia da sustentabilidade ambiental, ou estes se focam no ambientalismo que condena a todos e ignora as desigualdades sociais. Em muitos casos, por exemplo, essa dissociação de temas acaba gerando remoções forçadas de comunidades inteiras para periferia distantes, ocupando novos conjuntos habitacionais estéreis em que toda uma nova infraestrutura deve ser criada para suprir as necessidades dos novos moradores. Tendo em vista a crise ambiental que vivenciamos nos dias de hoje em que boa parte das metrópoles brasileira vive sob a ameaça da falta d’água, pensar em assentamentos rurais e urbanos mais adaptados aos ecossistemas locais é fundamental. Com relação aos mais pobres, a integração entre a agenda marrom e a verde é ainda mais urgente, pois, segundo a ONU, estes serão os mais afetados com as mudanças climáticas (ANDRADE, 2014). A sustentabilidade e as tecnologias verdes devem estar em diálogo com as demandas populares e não se tornar um luxo ou um fator de especulação imobiliária. Andrade (2005) desenvolveu estudos no Brasil sobre a visão sistêmica ou ecossistêmica para aplicação de princípios de sustentabilidade ambiental, que possam ser adotados no planejamento e desenho das cidades brasileiras. Tais princípios são: (1) proteção ecológica (biodiversidade); (2) adensamento urbano; (3) revitalização urbana; (4) implantação de centros de bairro; (5) desenvolvimento da economia local; (6) implementação de transporte sustentável; (7) habitações economicamente viáveis; (8) comunidades com sentido de vizinhança; (9) tratamento de esgoto alternativo e drenagem natural; (10) gestão integrada da água; (11) energias alternativas; e (12) políticas baseadas nos 3Rs (reduzir, reusar e reciclar). O método consiste em traduzir os princípios em estratégias e técnicas para o processo de desenho, objetivando proporcionar assentamentos humanos economicamente viáveis, em equilíbrio com a natureza, e lugares agradáveis para se viver. Por fim, o conceito deve ser uma ferramenta melhor estruturada e menos mistificada, nunca deve ser usado como principal forma de amarrar ideias de um projeto permitindo que princípios de sustentabilidade ecológica e socioeconômica sejam sacrificados.


SUSTENTABILIDADE E SOBREVIVÊNCIA Como foi abordado anteriormente, estamos cada vez mais nos aproximando de uma crise ambiental que certamente trará mais ônus às comunidades carentes. Num contexto de mudanças climáticas e ampliação da ocorrência de desastres naturais, a sintonia entre as pautas ambiental e social está antes de tudo ligada à sobrevivência imediata das pessoas.

enfrentar uma situação semelhante à de São Paulo por volta de 2040². Nesse último caso, fala-se em falta de água no Cerrado, o que requer atenção redobrada pois é neste bioma onde estão as principais nascentes dos principais rios das principais bacias hidrográficas brasileiras, a Amazônica, do Tocantins, Paraná, São Francisco e Parnaíba.

Neste ano de 2015, a crise ambiental roubou a cena dos noticiários pela falta de água no Estado de São Paulo, em especial a região metropolitana da capital. As chuvas que vieram abaixo da média desde 2014, não estão sendo capazes de abastecer os principais reservatórios de água potável. A situação que já não era tão boa chegou a níveis críticos e começou a ser dor de cabeça inclusive para a classe média paulistana.

Nesse sentido, preservar o cerrado – conhecido por muitos como a caixa d’água do Brasil – significa preservar as águas que abastecem todas as regiões do país. Apesar dessa importância, a política econômica adotada pelo governo brasileiro a partir da segunda metade do século XX de transformar esse bioma em principal fronteira agrícola do país trouxe não colabora com essa constatação. Segundo alguns especialistas, o grau de devastação atual é tão grande que já se pode considerá-lo em vias de extinção³.

Se por um lado há quem coloque a culpa no período atípico de estiagem prolongada, por outro há quem diga que foi falta de planejamento do governo Estadual. No entanto, uma abordagem mais preocupada com a questão ambiental sempre ressaltará que o modelo de crescimento urbano de São Paulo sempre deu as costas para a preservação das águas. O “progresso” que a cidade atingiu custou a canalização de mais de 300 cursos d’agua¹, a poluição do Tietê e do Pinheiros e Tamanduateí, além da impermeabilização de vasta quantidade de solos. A mesma cidade que falta água nas torneiras é a mesma que nos dias de chuva para com inundações. Apesar de parecer uma pauta recente, há muito tempo algumas capitais brasileiras convivem com a escassez de água. Segundo alguns estudos, Brasília pode

Diante de um cenário tão grave, fica o convite para que próximos trabalhos repensem a lógica de ocupação no Cerrado. Ainda que este trabalho não lide com o agronegócio que é principal vilão do desequilíbrio hídrico que se passa no Brasil, sendo um setor responsável por 70% do consumo de água, aqui será questionado e repensado o modelo de ocupação das cidades desse bioma, pois estas também respondem por boa parte das alterações e manutenções dos ciclos hidrológicos. São estas que além de ocupar nascentes e gerar desmatamento, acabam por assorear ainda mais rios e pressionar o ecossistema por maiores áreas de cultivo. Urge, portanto, buscar novas formas de habitar que não sejam extremamente predatórias.

¹ http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/os-300-cursos-de-rios-escondidos-em-sao-paulo ²http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2015/02/22/interna_cidadesdf,472178/serie-de-reportagem-do-correio-mostra-crise-no-abastecimento-de-agua-do-df.shtml ³ http://www.jornalopcao.com.br/entrevistas/o-cerrado-esta-extinto-e-isso-leva-ao-fim-dos-rios-e-dos-reservatorios-de-agua-16970/

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SOBRE A VILA

A ocupação da Vila Cauhy começa no início da construção da cidade, parte em uma área de chácaras e outra parte no antigo lote destinado ao Clube de Regatas do Guará para a construção do seu respectivo estádio. De lá para cá a ocupação cresceu, principalmente nos últimos 20 anos, ampliando a precariedade do assentamento, e com a conivência do poder público que sempre se mostrou ausente.

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Dentro de Brasília, a vila encontra-se em posição privilegiada próxima ao Núcleo Bandeirante, Aeroporto e o SMAS, principais pólos geradores de emprego e facilmente acessível, principalmente com a implantação do Expresso DF que possibilita a chegada dos moradores ao Plano Piloto em no máximo 20 minutos. Tanta facilidade já foi alvo de especuladores da construção civil que já investiram pesado na remoção das famílias. Em 1995, o lote do clube estava na mira dos empresários da construção civil Paulo Octávio, Luís Estevão que exigiam a remoção dos moradores e Sérgio Naya que não exigia tal condição e acabou conseguindo adquirir a área. Contam alguns moradores que o “novo dono” das terras iniciou o cercamento sem a reintegração de posse do terreno e que foram os próprios moradores que, de noite, derrubaram a cerca. Nota-se por esses relatos que se hoje ainda há a permanência dos moradores da Vila Cauhy, isso é resultado principalmente de uma luta árdua e coletiva que envolve a prefeitura comunitária e mais recentemente a recém-refundada Associação de Moradores, além de alguns projetos de ação social como a Obra de Maria. A partir de 2007, no então governo de José Roberto Arruda (na época do DEM), iniciaram-se os procedimentos para a regularização da vila. Em 2009, fez-se uma licitação para terceirização da elaboração de um estudo de impacto de vizinhança (RIVI) e um plano de regularização fundiária com alternativas aprovadas em reunião pela comunidade. Com as alternâncias de

mandato, o processo acabou parando, e em 2011 uma vistoria da SEDHAB¹ (Secretaria de Regularização Fundiária, Desenvolvimento Urbano e Habitação) acabou encontrando inconsistências no RIVI contratado. Em 201x uma nova empresa foi contratada para os mesmos serviços, porém em decorrência de problemas administrativos, o mesmo não foi concluído. Essa grande confusão entorno da regularização fundiária tem colocado a Vila Cauhy como refém do clientelismo e da politicagem. Sempre na época das eleições, os moradores falam que vários candidatos vão até eles prometer a entrega dos títulos de posse sem remoções. O desconhecimento dos estudos produzidos e a grande quantidade de promessas acaba fazendo circular uma série de informações falsas e desencontradas que ora geram expectativas, ora descontentamento. Diante desse quadro, fica difícil para os moradores saber quando estes finalmente poderão resolver problemas graves como o esgoto que corre a céu aberto, as ruas sem calçamento que nas épocas de chuva viram um grande lamaçal, além é claro da falta de equipamentos públicos como creche e posto de saúde. Além das questões políticas, um dos principais entraves para a regularização fundiária da Vila Cauhy é a questão ambiental. Os estudos já desenvolvidos apontam que a área tem grande quantidade de áreas de preservação ambiental, o que exige soluções não convencionais de uso e ocupação do solo de forma a evitar a degradação do lugar. A análise dos estudos pedológicos, geológicos e hidrológicos mostra que a região anteriormente consistia numa vereda, o que explica a grande presença de águas. Essa grande riqueza que será discutida nas próximas páginas é, no hall de todas as restrições a essa regularização fundiária, a mais forte. Propor reassentamentos e infraestruturas de forma sustentável depende da integração destas com o ecossistema do local.

¹ A cada troca de gestão, a secretaria responsável pelo desenvolvimento urbano e habitação troca de nome, havendo as vezes algumas mudanças na sua área de atuação. As siglas que já deram nome a esse órgão e podem ser encontradas em vários documentos técnicos de regularização fundiária da Vila Cauhy são: 2003-2006 SEDUH (Desenvolvimento Urbano e Habitação); 2007-2010 SEDUMA (Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente) 2011-2014 SEDHAB (Regularização Fundiária, Desenvolvimento Urbano e Habitação); e 2015

SEGETH (Gestão do Território e Habitação).


DF

Em destaque, o Distrito Federal e as áreas onde há presença do bioma Cerrado

núcleo bandeirante

candangolândia

park way

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RA VIII núcleo bandeirante,

EPIA

candangolândia e park way

Contextualização dentro do Distrito Federal, da Região Administrativa VIII do Núcleo Bandeirante

E VIC

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EPN

núcleo bandeirante

FU N

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O

HO

vila divinéia

RIA C

placa da mercedes

vila metropolitana

vila cauhy


15 poligonal do lote do Clube de Regatas do Guarรก

Ortofotocarta de 2014 da Vila Cauhy e seu entorno. A vila estรก destacada em verde e dentro estรก demarcada a poligonal do lote do Clube de Regatas do Guarรก.


LINHA DO TEMPO DA VILA CAUHY E DA REGULARIZAÇÃO fundação de brasília 1960 fixação do núcleo bandeirante 1961 novacap doa terreno do clube de regatas do guará seminário quitandinha 1963 ditadura civil militar 1964

1971 1ª ação de reintegração de posse

aprovação da lei de parcelamento do solo 1979

16 nova constituição 1988

1995 venda ilegal do terreno a Sérgio Naya

aprovação do Estatuto da Cidade 2001 criação do Ministério das Cidades 2003

PAC 01 2007 GDF decide investir em melhorias na vila 2008 pedido de licenciamento ambiental da vila MCMV 01 / PDOT / ARIS Vila Cauhy 2009 projeto de regularização da topocart PAC 02 2010 MCMV 02 2011 vistoria da SEDHAB do projeto da topocart 1. Cidade Livre (fonte: Arquivo Público); 2. Rua da Cidade Livre, atual Núcleo Bandeirante (fonte: http://brasiliapoetica.com.br/); 3. Protesto Diretas Já! (fonte: http://i.huffpost. com/); 4. Ilustração de Leonardo Branco da Vila Cauhy (o original é colorido); 5. Conjunto habitacional (fonte: http://www.jornalatribuna.com.br/); 6. Fotografia de Marcel Gautherot da contrução do edifício sede do Congresso Nacional (fonte: IMS); 7. Detalhe da p.17 da revista Arquitetura (n. 15, setembro, 1963) onde foi publicado o documento final do seminário quitandinha (fonte: http://www.vitruvius.com.br/); 8. Reportagem do jornal X sobre a compra do lote do Clube de Regatas do Guará por Sérgio Naya (fonte:); 9. Reunião de apresentação do trabalho da Topocart (fonte: RIVI Topocart); 10. Mutirão habitacional em São Paulo/SP (fonte: http://cidadeaberta.org.br/)

2015 participar é mais!


VEREDAS

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Veredas são um dos tipos de formação savânica presentes no Cerrado e constituem boa parte da área ocupada da vila, principalmente nas áreas próximas às margens do Riacho Fundo. São importantes pela por serem nascedouros dos principais mananciais da região, refúgios fauno florísticos e locais que desempenham fundamental “papel sócio-econômico e estético paisagístico” (MENDES, 2012). A presença dos buritis, palmeira simbolicamente importante para a população do centro-oeste que só surge em área de altíssima umidade e solo encharcado é a característica mais visível para que se identifique esse subsistema do Cerrado. É nas veredas em que se observa uma grande quantidade de nascentes que tornam esse ambiente fundamental para dar vida aos principais cursos d’água que abastecem as regiões norte, nordeste centro oeste e sudeste. Além disso os solos hidromórficos típicos desse ecossistema são importantes para o controle hídrico ao longo do ano saturando e armazenando água nas épocas de chuva e liberando esse volume na época seca quando o lençol freático baixa de volume. As importantes funções dos solos hidromórficos vem acompanhadas de uma série de restrições para o uso e ocupação principalmente pelo alto potencial de erosão, contaminação, pouca resistência a pressão e baixíssima capacidade de absorção de água. Segundo Boaventura (1978, apud. MENDES, 2012): “Genericamente as veredas se configuram como vales rasos, com vertentes côncavas suaves cobertas por solos arenosos e fundo planos preenchidos por solos argilosos,

frequentemente turfosos, com elevada concentração de restos vegetais em decomposição. Em toda a extensão das veredas o lençol freático aflora ou está muito próximo da superfície. As veredas são, portanto, áreas de exudação do lençol freático e, por isto mesmo, em todas as suas variações tipológicas, são nascentes muito suscetíveis de se degradarem rapidamente sob intervenção humana predatória” Como se percebe, as veredas são ambientes extremamente frágeis e não podem ser tratadas com o mesmo tipo de uso e ocupação que comumente se faz em outros solos, por isso, o código florestal define que em toda a parte onde o solo for permanentemente encharcado e mais uma faixa de 50 metros de distância dessa zona devem ser consideradas Áreas de Preservação Permanente (APPs) que implicam na não supressão da vegetação nativa. Além das APPs de vereda, o código florestal configura ainda outros tipos que devem ser protegidos. Destes, 3 estão presentes na vila: em volta das nascentes em uma área dentro do raio de 50 metros, nos 30 primeiros metros a partir das margens do Riacho Fundo e nas áreas com inclinação superior a 10%*. Além das APPs, a vila está na área de influência (10 quilômetros de distância dos limites) de outras duas áreas de preservação ambiental (APA), a do Gama/Cabeça de Veado e a do Planalto Central e da ARIE Santuário do Riacho Fundo. Isso indica que as diretrizes urbanísticas para a área devem atender aos respectivos planos de manejo de cada uma das unidades de conservação.

*Existem poucas APPs de declividade e estas encontram-se concentradas dentro da APP de margem, de córrego, portanto estas não influenciam substancialmente na ocupação da vila.


Partindo da Lei Federal 11.977/2009 atualizada pela Lei 12.424/2011 que dedica o capítulo III à regularização fundiária de assentamentos urbanos, obtém-se que “regularização de interesse social” é destinada para assentamentos irregulares ocupados predominantemente por população de baixa renda¹ nos casos: i) de imóveis situados em ZEIS; e ii) em área que esteja ocupada de forma mansa e pacífica, há, pelo menos 5 anos (Art 47, ítem VII). Por sua vez, na Lei Complementar 803/2009, atualizada pela lei 854/2012 que implementa o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), em consonância com a legislação federal, traz, na seção IV, as estratégias de regularização fundiária. Nestas, a Vila Cauhy está inserida na Zona Urbana de Expansão e Qualificação (ZUEQ) 11, e caracterizada como Área de Regularização de Interesse Social (ARIS S5) fora de setor habitacional.

tamanho dos lotes residenciais mínimo

máximo

60 m²

600 m²

coeficiente de aproveitamento básico R (<150m²) R (<150m²) 1

1

C

Inst

Ind

M

1

1

1

2

coeficiente de aproveitamento máximo C

M

R

2

2

2

Legenda: R – Residencial; C – Comercial; Inst – Institucional; M – Mista; Ind – Industrial; OBSERVAÇÕES: 01 – Lotes destinados à produção agrícola poderão ter área superior a 2.500m², com coeficiente de aproveitamento básico de 0,3. 02 – Poderão ser regularizados os lotes residenciais unifamiliares ocupados até a data de publicação desta Lei que possuam área inferior à estabelecida para o lote mínimo, desde que não seja inferior a 60m² e com testada mínima de 5m.

CONFLITOS E LIMITAÇÕES

Com relação as APPs, é preciso citar que a priori, estas são definidas pela lei 12.651/2012, o Novo Código Florestal, como áreas onde fica vetada a supressão da vegetação nativa e obrigada a reposição da mesma quando degradada. As áreas de preservação presentes na vila são: i) a faixa marginal em largura mínima de 30 metros para os cursos d’água de menos de 10 metros (Art. 4º, I, a); ii) as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio de 50 metros (Art. 4º, IV); iii) as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declividade (Art. 4º, V); e iv) em veredas, a faixa marginal em projeção horizontal, com largura mínima de 50 metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado (Art. 4º, XI). Apesar dessas restrições, essa mesma lei, em diálogo coma lei 11.977/2009, abre o precedente para que possa haver a supressão de vegetação em APPs em algumas situações específicas, entre as quais está a regularização fundiária de assentamentos ocupados por população de baixa renda em áreas urbana consolidadas (Art. 3º, IX, d). Essa oportunidade que a lei possibilita vem acompanhada de outras exigências tais como: i) válido apenas para ocupações anteriores a 31/12/2007 (Art. 54, § 1º) ii) realização de estudo técnico que comprove que as intervenções implicaram em melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior (Art. 54, § 1º). Segundo o § 2º do mesmo artigo, o estudo técnico referido acima deve conter no mínimo: i) caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada; ii) especificação dos sistemas de saneamento básico; iii) proposição de intervenção de controle de riscos geotécnicos e de inundações; iv) recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização; v) comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos e a proteção das unidades

¹Adotou-se como definição de população de baixa renda aquela presente no Art. 04, ítem II do Decreto nº 6135/2007 que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal: a) aquela com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo; ou b) a que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos;

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de conservação, quando for o caso; vi) comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e vii) garantir o acesso público aos corpos d’água, quando for o caso. Para maior entendimento de como deve se processar a regularização fundiária em APPs, é preciso recorrer as resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), em especial a nº 369/2006 exclusivamente dedicada ao tema. Esta, em seu artigo 2º, apenas autoriza a supressão de vegetação nos seguintes casos: i) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; ii) as obras essenciais de infra-estrutura destinada aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia; iii) a implantação de área verde pública em área urbana; iv) pesquisa arqueológica; v) obras públicas para implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados; e vi) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados para projetos privados e aquicultura, obedecidos os critérios e requisitos previstos nos §§ 1º e 2º do art. 11, da resolução 369/2006. Diante disso, fica claro que nas áreas de APP de vereda e nascente não é admitida ocupação de interesse social, fator que complica bastante a situação dos moradores da Vila Cauhy. Por fim, deve se observar a lei 6.766/1979, que trata sobre os parcelamentos de solo, veda essa prática: i) em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; ii) em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados; iii) em terrenos com declividade

igual ou superior a 30%, salvo se atendidas as exigências específicas das autoridades competentes; iv) em terrenos onde as condições geológicas não aconselham edificação; v) áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção. BEZERRA, CHAER e CARRILHO (2015) apontam que estas restrições podem ser melhor identificadas na carta geotécnica de aptidão a urbanização exigida pela lei 12.608/2012 que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNDEC). A compilação das restrições e potencialidades expressas nas leis federais e distritais mostra que o desafio de regularização da Vila Cauhy é bastante complexo. A dimensão do conflito entre áreas de preservação ambiental, ocupação consolidada e áreas de risco tornarse-á mais visível no capítulo 4 “Primeiras Impressões” no qual são apresentados mapas elaborados com base nos estudos técnicos desenvolvidos para a área. Diante desta complexidade, é preciso destacar o quanto as decisões tomadas pelo planejamento urbano do Distrito Federal encontram-se desconectadas de diagnósticos mais aprofundados sobre o sítio físico da cidade, em especial no que diz respeito a questão ambiental. Essas contradições ficam mais explicitadas quando se trabalha com casos como a regularização fundiária da Vila Cauhy em que no PDOT se gera a expectativa de um processo simples sem grandes impedimentos, mas que a verdade tem altíssimas restrições que fazem questionar o porquê de haver um lançamento preliminar de parâmetros urbanísticos para a ARIS sem estudos que justifiquem tal ato.


PORQUE VILA CAUHY

A ideia de um trabalho final de conclusão de graduação sempre veio com a conotação de síntese. Este seria o momento em que seria dada a última oportunidade para trabalhar os interesses desenvolvidos durante o curso, preencher lacunas de conhecimento, sintetizar aquilo que foi aprendido durante 6 anos e meio e, por fim, preparar-se para o mercado de trabalho. Em razão desses pontos e levando em consideração as predileções de estudo, fez-se a opção pelo urbanismo com viés participativo, pois esta é eticamente a via que permite transparência nas intervenções urbanas, respeito aos direitos humanos e empoderamento das populações.

Para pôr em prática esse plano, foi necessário definir o que seria estudado em cada disciplina do final do curso. Primeiramente, ficou combinado que o Ensaio Teórico seria dedicado ao entendimento do que significa essa tal participação e quais os métodos que fazem ela se efetivar garantindo autonomia e empoderamento das populações. Essa seria uma preparação para que só assim na “diplô” pudesse ser desenvolvido um trabalho de caráter prático. Desenvolvido o estudo teórico e iniciada a parte prática, era preciso escolher o lugar onde seria posta a mão na massa. A primeira tomada de decisão nessa procura era que o lugar onde se iria aplicar o processo participativo fosse fora do Plano Piloto. Aqui buscou-se reafirmar que é preciso praticar uma inflexão na lógica excludente centro-periferia pois a área tombada da cidade certamente recebe muito mais olhares atentos que as periferias. Encontrar a Vila Cauhy não foi uma tarefa fácil. No Distrito Federal, as áreas urbanas são predominantemente marcadas por um planejamento altamente estriado,

impositivo e impessoal que dificultam o envolvimento comunitário. Nesse contexto torna-se bastante difícil identificar assentamentos informais de pequeno porte que permitem uma atuação de baixo para cima sem as dificuldades impostas pelo modernismo e que ainda ressoam no urbanismo/planejamento urbano contemporâneos. Para dificultar ainda mais, esses locais, como diria Milton Santos, de fato estão opacos e pouco se pode saber sobre eles. Uma vez encontrado o foco de atuação, o processo de aproximação e entendimento da Vila Cauhy, pouco a pouco, foi mostrando que não bastava lutar contra as remoções, era preciso entender as problemáticas ambientais, empoderar-se das limitações de atuação naquele lugar e inserir-se no contexto da vila para começar a compreender o valor das demandas levantadas pela comunidade. Não poderia ser um melhor tema para encerrar um curso: um lugar que possibilita discutir as questões sociais e ambientais de forma integrada e ainda por cima refletir sobre a atuação profissional. A complexidade da integração da agenda marrom com a agenda verde na vila vem através da forte demanda pela regularização fundiária e direito à moradia digna em uma área de preservação ambiental com grandes restrições a ocupação urbana. Com esse ponto definido, o projeto também vem como forma de aproximar a universidade da realidade fora dos seus muros, construindo conhecimento coletivamente e criando novas formas de interlocução entre uma comunidade e o Governo do Distrito Federal na busca de melhorias urbanas, entre elas a implantação de um saneamento ecológico capaz de diminuir os impactos de ocupações urbanas em áreas ambientalmente frágeis.

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OBJETIVOS PRODUTOS DO TFG 01. PLANO DE BAIRRO

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Este trabalho busca elaborar um plano de bairro simplificado que auxilie a Vila Cauhy a conquistar melhorias e possibilitar avanços na regularização fundiária. Serão desenvolvidos diagnóstico e propostas de forma participativa buscando ampliar o entendimento dos moradores sobre as questões sociais e ambientais envolvidas no assentamento. O conteúdo desenvolvido no processo terá como base os atuais programas governamentais de moradia e urbanização a nível federal e distrital, bem como tentará estabelecer parcerias com órgãos e autarquias públicas responsáveis por serviços de urbanização, saneamento ecológico e habitação.

02. CAIXA DE FERRAMENTAS Além de um planejamento que permita aos moradores um processo de regularização fundiária menos doloroso e impactante, será elaborado um pequeno guia com algumas alternativas tecnológicas possíveis de serem implantadas na vila pelos próprios moradores. Constaram padrões de habitação uso e ocupação além de métodos construtivos contextualizados às condições físicas da Vila Cauhy.

03. RELATO DO PROCESSO Por fim, como forma de subsidiar novas formas de trabalhar com urbanismo e arquitetura será desenvolvido uma publicação relatando como se desenvolveu o processo participativo. Além disso, constará nesse produto uma compilações das informações técnicas sobre o lugar que subsidiaram a tomada de decisões.

ENTENDER O CONTEXTO Esse ponto é fundamental pois em várias visitas feitas ao assentamento e em conversa com moradores, prevalece o desconhecimento das limitações ambientais do sítio. Os moradores lutam pelo menor número de remoções e, na luta pela fixação, por não conhecerem tecnicamente sobre o local onde moram, acabam tornando-se reféns do clientelismo político. É importante ressaltar que o auxílio ao entendimento do contexto em que os moradores estão não deve ignorar e nem pressupor que os mesmos são vazios de entendimentos sobre a vila, logo, durante o processo deve ser estabelecido diálogo franco e horizontal, diminuindo assimetrias de poder/opressão ou perspectivas de atuação assistencialista. Na prática, essa será a ação que possibilitará o início da construção de uma autonomia coletiva na comunidade. Para tanto, serão feitas oficinas para apresentar os dados coletados nos relatórios técnicos, as legislações que incidem no local e os projetos já desenvolvidos em momentos anteriores. Tudo isso será enriquecido com diagnósticos coletivos com base na vivência dos moradores buscando ressaltar a importância da sustentabilidade ambiental e social.


CONTEÚDO DO PLANO DE BAIRRO*

22 PLANO DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO

PROJETOS HABITACIONAIS

Diante das restrições à ocupação urbana no lugar, a elaboração conjunta de propostas de uso e ocupação do solo buscará estudar quais as possíveis remoções e como as pessoas afetadas serão realocadas dentro da vila ou em suas proximidades imediatas. Esse trabalho deverá ser articulado em etapas conciliando as possibilidades de transferência de local das famílias com a ocupação dos espaços liberados visando a preservação ambiental, evitando novas irregularidades. Esses procedimentos buscam permitir que os moradores afetados tenham qualidade de vida e possam se programem para essas transformações de alto impacto.

No caso de haverem realocações, é preciso desenvolver tipos de unidades habitacionais que se adequem ao contexto da vila, absorvam a quantidade de pessoas impactadas pelas remoções e possam ser executadas pelas atuais fontes de recurso para a produção habitacional de interesse social.

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE

DELIMITAÇÃO DO TFG

Diante da complexidade da elaboração do Plano de Bairro que deve envolver uma equipe maior, dentro do âmbito do TFG, a proposta é desenvolver o Plano de Bairro pelo menos até as partes “Entender o Contexto” e “Plano de Uso e Ocupação do Solo”. Diante do compromisso de continuidade do trabalho, o conteúdo restante será desenvolvido após o fim da graduação. Para que não haja prejuízo diante das burocracias acadêmicas pela não entrega de um produto completo, a proposta é que as partes que dizem respeito ao saneamento ecológico e aos espaços públicos esteja delimitada pelo menos na “Caixa de Feramentas” com as possibilidades para a Vila Cauhy.


23 PROPOSTAS DE SANEAMENTO ECOLÓGICO

INTERVENÇÕES NO ESPAÇO PÚBLICO

Tendo em vista as grandes limitações ambientais da Vila Cauhy, apenas um plano de uso e ocupação do solo não basta. É preciso qualificar o espaço urbano com infraestruturas básicas tais como pavimentação, drenagem, coleta de lixo e esgotamento sanitário. Com a desocupação viabilizada, essas são as melhorias mínimas que possibilitam a permanência das pessoas com qualidade de vida, saúde e convivência com a fragilidade ambiental da área sem pôr em risco a integridade do ecossistema.

Em diálogo com as transformações definidas nos planos de uso e ocupação e na implantação do saneamento ecológico, é necessário intervir nos espaços públicos garantindo que a Vila Cauhy se torne um lugar agradável para viver. Aqui será desenvolvida a forma como as ruas, praças e parques contemplaram as expectativas e necessidades dos moradores.



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Antes de propor estratégias de desenvolvimento urbano que incluam a participação popular como um dos seus pilares fundamentais, é importante discutir conceitualmente os significados das palavras autonomia, heteronomia e liberdade e a relação que estes conceitos estabelecem entre si quando os mesmo estão orientados a qualificar decisões da maneira mais democrática possível. Com essa reflexão em mente, é fundamental avaliar os limites e potencialidades dos processos participativos através das críticas mais comuns: a incapacidade intelectual das pessoas de fazer boas decisões, a lentidão, o localismo e a natural aversão política das pessoas. Saindo um pouco do debate conceitual, é preciso entender como efetivar a participação que gere autonomia. Para isso, os métodos e técnicas de participação comunitária devem compor o repertório de profissionais do desenho, planejamento e gestão urbanos. Mais do que isso, a forma como estes são conduzidos produz impactos significativos na democratização ou não do direito à cidade. Ao final desta seção, com base nas discussões feitas, será apresentada uma síntese da metodologia participativa a ser desenvolvida na Vila Cauhy com a previsão de algumas atividades. A ideia principal é passar para os moradores as restrições de ocupação da área, captar através de diagnósticos coletivos as experiências dos mesmos em relação a fragilidade ambiental e só a partir daí, estabelecer propostas para o plano de bairro dentro dos 5 objetivos específicos.


HETERONOMIA Fica configurada uma situação clara de heteronomia quando as ações/decisões são impostas de cima para baixo, situações em que se perde a capacidade de decidir sobre si próprio, passando-se a ser governado por outros com fortes assimetrias de poder. Nessa ótica, as populações são encaradas de certa forma como incapazes que necessitam ser resguardados de seus ímpetos, desejos e ações para que não caiam no erro. Nos territórios urbanos e rurais contemporâneos, os cidadãos estão sob tutela de políticos profissionais, técnicos e grandes empresários. Subjaz, portanto, a essas práticas o paternalismo e sobretudo a negação da liberdade. Pelo uso da força ou da autoridade, grupos são posicionados hierarquicamente na sociedade abaixo de outros. Isso não só implica na qualificação entre piores e melhores, mas também em definir quem manda em quem, quais são os que precisam, como foi dito anteriormente, serem governados por sua incapacidade e quais tem condições de governar. A motivação para o paternalismo pode ser sincera ou hipócrita. No primeiro caso, imagina--se que alguma liberdade possa se seguir ao período da tutela. No segundo, predomina o raciocínio de que, antes de ser libertado de amarras religiosas, políticas ou econômicas diretas, “o povo” deve incorporar o padrão heterônomo de ação, para que depois não faça mais do que reproduzir a heteronomia, perpetuando sua própria subserviência e os privilégios alheios. KAPP, 2011

Muito comum no discurso dos políticos, técnicos e “almas de bom coração” está o assistencialismo e vontade de fazer o bem. Safatle alerta para o vazio conceitual

que a palavra “mal” guarda. Sendo prioritariamente um conceito teológico, e não filosófico, sua definição vaga e imprecisa acaba prejudicando “a compreensão das dinâmicas psicológicas em operação na construção da vontade e da ação” (SAFATLE, 2013 p. 51). Uma vez que “a ação é atividade política por excelência” (ARENT, 2010 p.11), se pode ampliar análise dos problemas do maniqueísmo para a esfera política uma vez que aqui se adota uma visão ampliada deste conceito e não uma restrição apenas à representantes eleitos. Diante disso, se pode reescrever a citação acima em outras palavras: o posicionamento das pessoas entre o “time do bem” e os opositores ao mal, tem servido mais para confundir e ocultar as diferentes visões de mundo, interesses políticos e econômicos. A noção de dever ao longo da modernidade também pode ajudar a explicar como opera o pensamento daqueles que se julgam capazes de governar grupos salvando-os do mal que poderia representar a sua própria liberdade. Esse conceito está fortemente vinculado as formas de definição do que vem a ser “boas regras de conduta que fazem das pessoas bons cidadãos”. Para Kant, existiriam 3 procedimentos formais para que ações fossem moralmente aceitas. Elas deveriam ser i) universalizáveis sem contradições; ii) não condicionadas por desejos e impulsos; e iii) categóricas não admitindo outra forma de execução. Aplicar a risca esse método, ou seja, ser formalista, implica em sérios problemas como I) a generalização que se associa a desconsideração de contextos, situações excepcionais; II) a clivagem da natureza humana, ou em outras palavras, a valorização da razão neutra em detrimento dos desejos e impulsos;

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e III) a restrição de formas de atuar, mesmo que estas sejam capazes de atingir os mesmos fins. Estes estão diretamente relacionados aos 3 procedimentos descritos acima, respectivamente. De posse dessas informações, o assistencialismo presente em “fazer o bem” - universal, incondicional e categórico - se confunde com o conceito Weberiano de “ética da convicção”, ou seja, a “ética que confunde minha convicção inabalável de fazer o bem, minha ‘bela alma’ com a realização efetiva do bem” (SAFATLE, 2013 p. 65). Esse posicionamento pode ser ainda melhor exemplificado com a atuação missionária dos arquitetos nas favelas onde a inabalável vontade de fazer caridade traz a heteronomia pela imposição às classes menos favorecidas de um habitus da classe média/alta, um aculturamento que nega certas formas de construir cidade. Assim como o missionário prega sua cultura religiosa em lugares onde não é praticada, o arquiteto assume a tarefa de transferir a cultura ou o conhecimento do seu campo para um público que nunca teve acesso a ele, e tampouco dependeu dele para produzir seu espaço. (...) Subjaz à sua atuação o habitus arquitetônico que menospreza questões sociais e econômicas levando à certeza de que as desigualdades sociais serão reduzidas pelo aculturamento e pelo esforço dos pobres, como se numa sociedade capitalista houvesse possibilidades iguais para todos e como se a cultura dominante fosse o padrão universal almejado e não um instrumento de distinção de classe.

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KAPP et al (2012)

Essa crítica também é válida para as universidades, local onde se dá a formação dos quadros técnicos. Nestas, a prática extensionista pode estar associada a valores como transmissão, entrega, doação, messianismo, mecanicismo, invasão cultural e manipulação. As comunidades atendidas são alvos da redentora forma de levar conhecimento aqueles que não o possuem e, portanto, salvar os mesmos das trevas que habitam. Parece-nos, entretanto, que a ação extensionista envolve, qualquer que seja o setor em que se realize, a necessidade que sentem aqueles que a fazem de ir até a “outra parte do mundo”, considerada inferior, para à sua maneira, “normalizá-la”. Para fazê-la mais ou menos semelhante a seu mundo. FREIRE, 2011 p. 20

Quando a técnica é elevada ás últimas instâncias como visão única capaz de resolver os problemas, observa-se que o saber popular e as culturas tradicionais são vistas com ceticismo, não havendo espaço para o debate. Antes da regulamentação dos procedimentos de regularização fundiária e urbanização de favelas, o modus operandi mais comum nesses casos, em especial durante a ditadura militar pelo BNH, era a remoção das ocupações informais e sua posterior realocação em grandes conjuntos habitacionais. Adotando a tábula rasa a tábula rasa e soluções padronizadas, se consegue resolver alguns problemas urgentes, mas se perde/fragiliza certas características boas que auxiliam as pessoas a conviver com as adversidades da pobreza tais como a diversidade de organizações familiares, relações de comunidade e as manifestações culturais.

Seja em Paris ou em Brasília, seja no século XIX ou no XXI, a pressa em atender a demanda habitacional mediante a produção de habitação popular com padrões genéricos e localização periférica, mostra que há uma sobrevalorização da posse e do abrigo físico e ao mesmo tempo se esquece das outras questões que envolvem o habitar, o conviver na cidade com outros. Kapp et al (2012) aprofunda essa crítica e mostra que a produção em larga escala facilita a construção para as empreiteiras, mas gera problemas sociais graves e entre eles destaca-se a resignação. “Ao fim de um processo desse tipo, os moradores não ampliam sua capacidade crítica e autonomia de ação. A inocuidade da participação os desmobiliza e acaba tornando-os indiferentes ao espaço que ocupam”. Entende-se claramente que após a aquisição da casa própria, outros problemas graves relativos à mobilidade urbana, preservação ambiental, bem-estar social, etc. acabam sendo relativizados. É importante destacar que a relativização de outras questões que vão além da aquisição da casa própria não é apenas uma simples alienação. Num quadro em que a demanda habitacional é grande e envolve questões de sobrevivência, ter a garantia da posse da moradia é o primeiro passo para que se possa dormir com maior tranquilidade sem que a todo momento se esteja em alerta para possíveis remoções. A cobrança para que os movimentos populares de moradia e reforma urbana sejam mais enérgicos nesses pontos é ignorar a condição social e econômica em que as classes menos favorecidas estão inseridas. Para não cair em questões teóricas insolúveis, cabe em primeiro lugar, questionar porque a cidade formal é construída com abundância de planos e recursos em contraposição a cidade informal que é autoconstruída e sempre enfrenta contingencia de recursos. No primeiro caso, as grandes intervenções são excludentes para as populações mais carentes mostrando que as ideias estão fora do lugar. Elas constantemente buscam esterilizar o espaço público através de ideais que não dialogam com as práticas consolidadas. Do outro, entende-se que há um grande espectro da cidade que recebe mínimas atenções dos olhares das administrações públicas, estes, são os lugares fora das ideias. Podemos dizer que se trata de ideias fora do lugar porque, pretensamente, a ordem se refere a todos os indivíduos, de acordo com os princípios do modernismo e da racionalidade burguesa. Mas também podemos dizer que as ideias estão no lugar por isso mesmo: porque elas se aplicam a uma parcela da sociedade reafirmando e reproduzindo desigualdades e privilégios. Para a cidade ilegal não há planos nem ordem. Aliás ela não é conhecida em suas dimensões e características. Trata-se de um lugar fora das ideias. MARICATO, 2011 p.122

Por fim, criticar as relações de poder centralizadas e rigidamente hierarquizadas é também criticar a heteronomia. No contexto das cidades brasileiras marcadas por uma profunda desigualdade social esse tema assume ainda mais relevância por se tratar de um dos principais obstáculos para que possa haver participação e, portanto, efetivação do direito à cidade.


Ao contrário de ser dominado por alguém, há a possibilidade de, em vez de reproduzir a opressão, praticar a autonomia sendo livre para agir dando regras a si próprio com responsabilidade e conhecimento de causa. Agindo assim, começa a não fazer mais sentido usar apenas a força ou o poder para manter a ordem pelo receio de se atingir a barbárie. Retomando o conceito de dever explicitado anteriormente, quando Kant coloca que a incondicionalidade é fundamental para a definição da moralidade, ele critica a ação mediada exclusivamente por impulsos e desejos. Ainda que esse argumento seja passível de crítica por ser uma valorização excessiva da racionalidade e baseada na neutralidade, reside aqui a possibilidade de diferenciar o conceito de liberdade positiva pautado no autogoverno de si e seu contraponto, a liberdade negativa que se relaciona com a falta de limites. Esta última é, em muitas situações, usada como forma de reclamar pelo direito de fazer tudo o que se passa pela mente – inclusive os desejos – mesmo que para isso seja preciso passar por cima dos de outras pessoas. Isso nada tem a ver com a primeira liberdade que possibilita agir dando a si regras próprias a partir da consideração dos outros e do mundo comum que envolve a todos, ou seja, o exercício da alteridade. Ao desconstruir o conceito moderno de dever, o entendimento de autonomia passa de agir de forma diferente, subjugando afetos e respeitando a lei e a moralidade para que se atinja a liberdade para (...) a capacidade de desejar o que se quer, ou seja, de exprimir na ação reflexiva de dois momentos: a enunciação consciente da vontade (o que leva em conta as exigências morais ligadas à realização de formas intersubjetivas de vida conscientemente assumidas e partilhadas) e o impulso do desejo. SAFATLE, 2013 p. 87 e 88

Em outras palavras, ao se falar na enunciação consciente da vontade, a autonomia passa a admitir a construção coletiva de expectativas, desejos e deveres sempre atualizados levando em consideração o contexto,

AUTONOMIA

as especificidades e principalmente, aquilo que Paulo Freire ressalta através do potencial da assunção, dos indivíduos conseguirem se auto afirmar e mostrar quem são. “A pluralidade é a condição humana da ação” (ARENT, 2010 p.9) e por sua vez, reiterando o que foi dito acima, “a ação é atividade política por excelência” (op. cit., p.11). A participação das pessoas é o caminho para a afirmação da diversidade sendo prática fundamental já que se fala em democracia e política. Extrapolando do plano individual, a autonomia aplicada à um grupo de pessoas abre a possibilidade de um autogoverno através da democracia direta sem a presença de intermediários como acontece na democracia representativa. O conceito de Direito à Cidade desenvolvido por Lefebvre (1991) se aproxima bastante da defesa das autonomias coletivas ao propor uma cidade em que seus moradores a constroem e participam ativamente debatendo de maneira saudável considerando respeitosamente as diferenças políticas, de gênero, raça, etc. Sobretudo nesses casos as instituições de tutela não fazem sentido, pois o governo é viabilizado por todos. É daí que mais uma vez urge a proposta da participação nos projetos, na gestão e no planejamento urbanos. Através da desmistificação da técnica, mas sem negá-la, procurase democratizar as decisões pela participação direta e voluntária dos cidadãos. A perspectiva autonomista defendida SOUZA (2010) e baseada nas ideias do filósofo Cornelius Castoriadis colocam ainda como componentes dois conceitos, o de justiça social e aumento da qualidade de vida como fundamentais para que haja autonomia. Situadas em planos diferentes e atuando de forma separada e ao mesmo tempo dependente. Ao primeiro se atribui a oportunidade de haver participação na política e respeito às “diferenças positivas” sem haver generalizações. Ao segundo a crescente satisfação das necessidades básicas, materiais e imateriais de modo que a falta delas não constitua impedimento para o agir autônomo.

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PARTICIPAÇÃO 29 A participação, que aqui se discute como forma de que as populações atinjam a autonomia, tornouse exigência para a elaboração e implementação das políticas urbanas com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001. Essa lei trouxe como instrumentos para uma maior democratização i) órgãos de colegiado de política urbana; ii) realização de debates; iii)audiências e consultas públicas; iv) Conferências sobre assuntos de interesse urbano; e v) a iniciativa popular de projetos de lei, planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (SANTOS, 2011). Ainda que essa fosse a primeira vez em que a participação se institucionalizava enquanto obrigação na política urbana, essas práticas já eram aplicadas mesmo antes da aprovação do Estatuto. Orçamentos participativos, mutirões autogeridos, as zonas especiais de habitação de interesse social (ZEIS), planos diretores participativos, entre outros já haviam sido experienciados por parte dos brasileiros em algumas cidades, mas foi a partir de 2001, e mais intensamente com a campanha pela elaboração dos planos diretores participativos (2004) que esses instrumentos foram amplamente aplicados e difundidos. Essas experiências emblemáticas momentos antes da regulamentação dos capítulos sobre política urbana da constituição de 1988 foram apoiadas não só nos movimentos sociais urbanos que compuseram a FNRU, mas também por uma série de especialistas que apontavam antes do fim do regime militar que a participação democrática era fundamental para a

qualificação de projetos, planos e da gestão urbanos. A falência do planejamento centralizado e tecnocrático dos anos 60 e 70 também mostrava o quanto era fundamental a politização dos cidadãos para que houvesse uma elaboração e implementação de planos diretores mais justos. Devido a ser um fato bastante recente e também a proporção de Planos Diretores elaborados após 2004, ainda não há como precisar a qualidade da participação popular na elaboração dos mesmos. Quantitativamente sabe-se que essas experiências adquiriram caráter diverso em várias cidades, mas há que se concordar que “os instrumentos contidos no Estatuto, não são suficientes, por si sós, para tentar fazer falar” (BRASIL, 2004 p. 45) as populações que pouco ou quase nunca foram ouvidas ou levadas em consideração, tendo em vista ainda a recente saída do país de um regime ditatorial extremamente coercitivo, impositivo e antidemocrático. A forma como ocorre a participação depende e muito tanto das metodologias de trabalho aplicadas como também da forma como são conduzidas. A análise do grau de abertura das instituições para com a participação popular é fundamental para que se possa definir o planejamento e a gestão urbanos enquanto participação legítima, pseudoparticipação e não participação. Nesse sentido, ARNSTEIN (1969) contribuiu em seus estudos para o entendimento de como classificar da qualidade dos processos participativos, através da “clássica ‘escalada da participação’” (SOUZA, 2010 p. 202). SOUZA (2010) atualiza essa pirâmide e traz como categorias:


COERÇÃO

MANIPULAÇÃO

NÃO PARTICIPAÇÃO

COOPTAÇÃO

INFORMAÇÃO

CONSULTA

PSEUDO PARTICIPAÇÃO

PARCERIA

DELEGAÇÃO DE PODER

AUTOGESTÃO

PARTICIPAÇÃO Escalada da participação adaptada de SOUZA (2010 p. 202). Neste gráfico posicionou-se a cooptação por se entender que, mesmo que haja informação, nesses casos não há espaço para emitir posicionamentos, apenas reprodução do que é aceito pelas instâncias de poder.

i) Coerção – clara imposição de decisões sem haver mínimo espaço nem para a democracia representativa. Na falta de meios, as pessoas são obrigadas sem opções e mediante uso da força a aceitar seu ”inexorável” destino. ii) Manipulação – as pessoas são induzidas a aceitar decisões heterônomas mediante forte marketing e publicidade que vela as nuances dos conflitos. Aqui pode se estabelecer uma conexão com a captura dos desejos e expectativas pelo capital imperial descrito anteriormente. O forjamento de consensos do que seria qualidade de vida como a ideologia da casa própria, do poder de compra como autonomia e da limpeza social são exemplos de como a propaganda pode legitimar a paixão por ídolos e ações extremamente problemáticas. iii) Informação – essa é uma das condições para haver participação legítima, mas só o fato de que haja disponibilização das informações publicamente apenas garante que as pessoas saibam o que acontece, não que elas podem interferir e dizer que há pontos a serem revistos e retrabalhados. Nem a simples fiscalização é possível nesses casos, pois se não há meios de ação, descobrir algo “errado” torna-se mera constatação. iv) Consulta – é a aplicação de fóruns consultivos que também não garante a existência de democracia direta. O uso de plebiscitos, votações sem haver um debate claro do que está sendo proposto pode levar ao acirramento de disputas e não necessariamente a escolhas mais conscientes. Apesar disso, dependendo da forma

com este instrumento é utilizado, pode ser fundamental para o balizamento na tomada de decisões. Destaca-se como exemplo, a implantação de conselhos de política urbana consultivos pós Estatuto da Cidade, nos quais, na maior parte das vezes, o debate promovido não precisa ser levado em consideração, ou seja, configura-se em uma psudoparticipação. v) Cooptação – esse é um dos perigos da má implementação de canais de participação. Pode ocorrer de várias formas, mas na maior parte das vezes envolve a captura da influência de líderes para que assim coletividades sejam conquistadas. De forma mais clara, a cooptação envolve a possibilidade de que a entrada de movimentos sociais nas mesas de negociação governamentais seja condicionada ao alinhamento ideológico dos mesmos. vi) Parceria – constituição de arena de debate razoável entre poder público e sociedade civil, havendo cooperação entre ambos na elaboração de uma política pública. vii) Delegação de poder – o Estado abdica do seu papel central em favor da sociedade civil. Permanecem as instituições da democracia representativa, mas já há maiores qualidades de uma democracia direta. viii) Autogestão – envolve a eliminação das estruturas heterônomas da sociedade. Nesses casos, o Estado não mais convida a população a participar, ela própria é que conduz os processos de forma autogerida e autônoma.

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Outra forma de categorizar os níveis de participação foi elaborada pelo Relatório DED/NAU (2013), um documento português que faz uma compilação de técnicas e metodologias de participação. Os níveis são bastante similares à escala de Souza (2010), porém sem pôr na balança atuações problemáticas tais como coerção, manipulação ou cooptação.

INFORMAÇÃO PÚBLICA

PARCERIA

CONSULTA PÚBLICA

AUTO AJUDA

Níveis de participação do Relatório DED/NAU (2013): i) informação pública (Information); ii) consulta pública (Consultation); iii) parceria (Partnership); e iv) autoajuda (Self Help)

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Cabe destacar a divergência entre os dois autores sobre a relevância do Estado no entendimento da efetividade e da autonomia dos grupos. Enquanto Souza (2010) destaca que o mais elevado grau de participação está quando as instituições de governo são convidadas a processos controlados pela população, o relatório DED/NAU (2013) aponta essa independência como uma fragilidade no nível da autoajuda principalmente quando é considerado o levantamento de recursos para a realização das intervenções. Mesmo com as divergências, essas categorizações permitem o entendimento do que não é participação e das possibilidades que os processos participativos podem abrir para nossa sociedade marcada pelo paternalismo e a heteronomia. Como foi dito, a mera instituição de canais não é suficiente, por isso vale a pena questionar o próprio significado da palavra participação tão citada nesse trabalho. Talvez a escolha do termo seja infeliz, porque participação, independentemente do adjetivo que a qualifique (plena, verdadeira, genuína, etc.), sempre sugere uma outra instância, não composta pelos próprios “participantes”, que determina e coordena o processo. Isso vale mais ainda para a sua especificação como participação popular, pois se há o popular, deve haver o não popular. (...) Ampliar e concretizar o direito a cidade para além das legislações exige criar possibilidades, não apenas de maior participação popular, mas de autonomia socioespacial, isto é, possibilidades para que diferentes coletividades adquiram o direito e a capacidade de definir a produção do espaço (...) KAPP, 2012 p. 468

A princípio essa argumentação pode por terra tudo o que foi dito anteriormente em favor da participação, mas devemos nos lembrar que a nossa sociedade, que espera de seus representantes – encarados como heróis salvadores – a resolução dos problemas, muitas vezes com a eficiência e a rapidez de um passe de mágica, ainda não está acostumada ou não entende o significado da

autonomia. Exemplo disso é a celeuma de argumentações contra o decreto 8284 que é frequentemente apontado com os jargões elitistas de “bolivariano”, “comunista” e “porta para a implementação de uma ditadura”. Para que a sociedade brasileira possa atingir o mais auto grau de autonomia é necessário galgar passos até atingir a situação ideal de autogestão socioespacial que aqui é apontada. A abertura de canais de democracia direta, dependendo da forma como são conduzidos, podem servir como espaços político-pedagógicos do potencial que as coletividades têm de romper com a crise urbana tão evidente. O documentário Capacetes Coloridos (Paula Constante, 2007) corrobora também para essa argumentação fazendo um paralelo entre a heteronomia presente nas relações de trabalho do canteiro de obras das edificações do campus da USP Leste e a autonomia estimulada na construção do conjunto habitacional Paulo Freire projetado de maneira participativa pelo coletivo USINA e construído no formato do mutirão autogerido. O mais interessante é observar que segundo uma das beneficiadas, “Aí, você entra e vê que não é só isso. Você encontra um monte de pessoas que têm um monte de outros problemas e aí você fala ‘poxa, se a gente conseguiu se organizar pra ter uma moradia, a gente também pode se organizar pra ter escola, pra ter transporte, pra ter um monte de outras coisas.’ Eu acho que na verdade essa é a outra... é o emprego, é a educação, é tudo. Você sabe que você agora é forte. Porque você conseguiu o que era pior. Porque é terrível você pagar aluguel, morar numa área de risco. Isso é triste. E a política... eu acho que tudo envolve a política. Na verdade, antes, eu achava que esse lado tava meio adormecido...” Capacetes Coloridos, Paula Constante, 2007

A participação, fundamento da democracia direta permite que, com o tempo e o amadurecimento político da população, problemas da democracia direta tenham seus efeitos minorados e sua ocorrência com menor frequência. Entre estes problemas, destacam-se a manutenção do status quo, o abafamento da alteridade, a suposição de neutralidade do Estado e falta de transparência que hoje levam a crise grave da representatividade, corrupção, favorecimento de grupos políticos específicos e criação do mito da aversão política. A participação enquanto alternativa a representatividade apresenta alguns conflitos com o sistema capitalista atual. Nos próximos subitens alguns dos principais argumentos contra a participação serão debatidos, entre eles: i) o risco de decisões mal qualificadas pela suposta incapacidade técnica das pessoas; ii) a baixa eficiência e demora ocasionada pelo excesso de debate; iii) o perigo do localismo e da descontextualização; e iv) a suposta e “natural” aversão política das pessoas. Por fim, serão discutidas o potencial que as metodologias podem ter para a constituição de uma autonomia mais concreta.


MISTIFICAÇÃO DOS SABERES

Um dos argumentos favoritos por quem advoga contra a participação é a incapacidade das pessoas em tomar decisões coletivas, ora porque são pouco instruídas para isso, ora porque estariam inclinadas a agir por impulsos ou desejos individuais.

produção do espeço urbano está diretamente relacionada às práticas culturalmente estabelecidas, e uma boa forma de perceber essas informações “invisíveis” é fazendo as comunidades participarem ativamente de diagnósticos, debates e oficinas.

De fato, não há como negar que no Brasil, quando se trata das questões urbanas, as pessoas são profundas desconhecedoras da situação em que as cidades se encontram, mas não há como sustentar que esse é um quadro permanente e impossível de ser alterado. Isso pressupõe a ineficiência generalizada dos processos pedagógicos e afirma que existiriam eleitos com uma maior capacidade de escolha em meio a uma massa de incapazes.

Outro ponto que merece ser destacado é hierarquização entre saberes socialmente construídos pelo acúmulo de experiências – normalmente depreciados – e aqueles que são legitimados por instancias formais como universidades. O posicionamento de um como superior ao outro diminui as possibilidades de aprendizagem e compartilhamento de conhecimentos. Paulo Freire elabora crítica consistente ao desrespeito aos diferentes saberes nas salas de aula. Quando se encara a cidade e os espaços de participação como um amplo espaço de aprendizado, o debate respeitoso e a consideração aos diferentes posicionamentos independente da forma como são construídos é fundamental.

Frequentemente o dom da sabedoria é conferido a cientistas e técnicos que por serem detentores dos saberes formais e “neutros” seriam supostamente mais capacitados para não caírem no erro. Não se trata de desqualifica-los, principalmente tendo em vista os anos de estudo investidos, mas sim de considerar que enquanto humanos, a possibilidade de decisões erradas permanece, mesmo que minorada pelos anos de experiência. Na democracia representativa, os políticos são frequentemente apontados como legítimos pelo crivo que passam para que sejam considerados eleitos. Mais uma vez recai a imprevisibilidade dos efeitos da ação. Hannah Arendt em “A Condição Humana” aponta que, a ação que está diretamente relacionada a política, contém dois problemas: a imprevisibilidade das suas consequências e a irreversibilidade do que foi feito. Ao passo que se recoloca cientistas, técnicos, formadores de opinião, intelectuais e políticos de volta ao plano dos humanos mortais – e não dos heróis e deuses – relembrase que esses atores passam a sofrer dos mesmos problemas da ação, frequentemente associados ao “erro”. A qualificação das coisas enquanto erradas antes de tudo pressupõe escolhas de padrões ditos normais, baseados em ideologias políticas e, portanto, podem ter interpretação diferentes quando submetidas a avaliações que adotam pontos de vista diferentes. Para que não se caia no relativismo, advoga-se pela possibilidade ou o direito de errar enquanto condição para o estabelecimento de um processo educativo e não de adestramento. Isso implica em entender a complexidade das consequências das ações e assim poder repensar o que há de ser feito no futuro. A possibilidade do erro que aqui se fala não está ligada a questões extremamente técnicas que são debatidas nos cursos superiores, mas de decisões que impactam a vida das pessoas e que poderiam ser melhor dialogadas. No caso da arquitetura e do urbanismo, a

Os pesquisadores e técnicos conhecedores de instrumentos e técnicas de planejamento e gestão não podem, consoante o enfoque autonomista, reivindicar qualquer privilégio quanto ao poder de estabelecer as prioridades e definir metas e os objetivos das intervenções. Não podem reivindicar sentir e pensar em nome da população, presumindo a racionalidade e a universalidade de suas próprias inclinações, de seus próprios gostos e de suas próprias necessidades. SOUZA, 2010 p. 179

Também é fundamental lembrar que, anteriormente nesse estudo, já foi desmistificada também a influência de paixões e desejos individuais. A forma com que se legitimam elites intelectuais sob o argumento da neutralidade serve para o encobrimento das intenções políticas de todos os grupos como se houvessem consensos mais racionais que interesses individuais. Todos esses encontram-se no patamar das fantasias e o entendimento das complexidades é que pode levar a autonomia sem legitimar laços comunitaristas que escondem violências sociais e autoridades não legítimas (SAFATLE, 2013). Por fim reforçando o caráter pedagógico que processos participativos possuem, principalmente no entendimento dos conflitos urbanos, quanto mais estes ocorrerem, maiores as possibilidades de amadurecimento político de uma sociedade e menores os erros tão frequentes nas democracias representativas. Não há como atingir a liberdade – positiva – enquanto não houverem possibilidades das pessoas de conhecerem o que de fato é liberdade. As primeiras tentativas serão, decerto, grosseiras tendo comumente por consequência um estado mais incômodo e perigoso do que quando se estava sob ordens – mas também sob os cuidados – de um outro. Nunca, porém, se amadurece para a razão a não ser por tentativas próprias, que exigem que se esteja livre para fazê-las KANT apud KAPP, 2011

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LENTIDÃO

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Uma das marcas dos avanços tecnológicos pode se materializar na valorização do tempo e da velocidade. Valorizam-se aqueles que chegam primeiro, os que conseguem resolver problemas, construir obras, apontar soluções no menor tempo possível. Não há tempo a perder, afinal ele custa dinheiro. A técnica e a ciência nutrem cada vez mais esse modelo de vida e isso tudo tem marcado a experiência nas cidades de maneira brutal. Ao passo que isso acontece, nas cidades a lentidão coexiste com a rapidez. Segundo Milton Santos, as cidades possuem espaços iluminados e opacos. Para descrever os primeiros basta pensar na cidade formal, urbanizada, saneada, tecnológica, de negócios, rápida e eficiente. Para a opacidade associam-se os excluídos, as favelas, a urbanização periférica, aqueles que sem acesso à tecnologia sobrevivem à ditadura da pressa. Com ressalvas, Deleuze e Guatari trazem essa mesma analogia distinguindo o liso do estriado. Nesse contexto, a participação não se adequa aos preceitos capitalistas de produtividade, eficiência e rapidez. Esse choque se dá porque, enquanto atividade política de debate sobre a cidade, participar exige tempo, exige homens lentos atentos às especificidades e às incertezas. O mundo das cidades competitivas pressupõe gestões desburocratizadas, eficientes, prontas para tomadas de decisões imediatas sob pena que se perca dinheiro e investimentos. Essa velocidade exacerbada, própria a uma minoria, não tem nem busca sentido. Serve à competitividade desabrida, coisa que ninguém sabe para o que realmente serve, de um ponto de vista moral ou social. Fruto das necessidades empresariais de apenas um punhado de firmas, tal velocidade põe-se a serviço da política de tais empresas. E estas arrastam a política dos Estados e das instituições supranacionais. E aí se situa a matriz de um grande equívoco. Porque vista historicamente, a técnica não é o absoluto. SANTOS, 2001

Considerando que a maior parte das pessoas não acompanha esse ritmo imposto, o direito a cidade não se materializa. A construção coletiva da cidade cede espaço para grupos específicos e reforça o individualismo, a meritocracia e a competitividade. Diante disso, a democracia e o espaço público se esvaziam, o imediatismo tem nos tornado plateia de um espetáculo, sobretudo visual, instantâneo e alienante. Mesmo com o preceito da eficiência, cabe a cada cidadão perguntar: as cidades vão bem? Ao criticar a pressa imposta pelos avanços tecnológicos e aumento dos lucros, Santos (2001) traz um importante paradigma que pode ser libertador desse modo de vida. O homem lento para resistir em espaços opacos e sobreviver em espaços luminosos desenvolve a arte de fazer e subverter a ordem. É nessa metáfora que se encaixam a ilegalidade socialmente necessária, a informalidade e a luta contra o controle (BERENSTEIN, 2012). Apesar de muito amarrado ao ímpeto pela sobrevivência, há um potencial político e autônomo muito mais próximo do que Lefebvre definia como o direito à cidade. Lentidão não está apenas associada à pobreza, nem seu elogio como faz Santos (2001) constitui um elogio a essa condição. O importante é que a redução do ritmo proporciona, também, que se perceba mais. As práticas da deriva e da errância possibilitam a apreensão e a reflexão mais vagarosa, menos generalizante e mais atenta. Portanto a lentidão da participação não pode ser usada como um argumento negativo. Ela permite que as pessoas percebam, reflitam e construam a cidade de maneira mais qualificada entendendo a complexidade que envolve a vida nas cidades. Só assim se consegue administrar tempos rápidos e lentos sem impor soluções políticas que passem obrigatoriamente pela “economia e suas conhecidas paixões inferiores” (SANTOS, 2001).


No geral, o grande crescimento das cidades traz ouras questões quanto ao processo de metropolização atingida por alguns núcleos urbanos. A grande escala que envolve milhões de pessoas complica os impactos que intervenções podem ter no cotidiano das pessoas. Estruturas metropolitanas, sobretudo aquelas que se referem à circulação e a produção, pela sua escala, tendem a ignorar contextos locais. A dimensão que o fenômeno urbano tem tomado é apontada como um empecilho para que sejam viabilizados processos participativos em larga escala. O que se observa é que a maior parte das experiências de participação foram desenvolvidas e são mais eficientes na escala local, no espaço cotidiano, envolvendo pequenas comunidades, e sobre estas situações, há vasta bibliografia. O espaço cotidiano seria assim, a menor escala de um exercício concreto do direito a cidade entendido como direito coletivo de transforma-la. A autonomia na sua produção implica que grupos locais e microlocais determinem seus processos e desenvolvam-nos ao longo do tempo. Essa possibilidade está focada em relações de vizinhança, na negociação e ação numa coletividade territorial, na capacidade de solucionar diretamente e sem complexos mecanismos burocráticos os fatores de desconforto de ambiente privados, coletivos ou públicos, nas oportunidades de transformar rotinas ou levar a cabo empreendimentos criativos, na perspectiva de definir serviços ou equipamentos disponíveis. KAPP, 2012 p. 46

Um dos riscos de processos participativos mal conduzidos ocorre quando as decisões caem no paroquialismo ou localismo, ignorando o contexto na qual as comunidades se inserem. O modelo de urbanização praticado no Brasil tem valorizado o isolamento de grupos sociais em condomínios fechados de classe média alta e guetos de excluídos. Mais do que nunca, é fundamental combater as desigualdades sócio espaciais.

LOCALISMO

Apesar de haver esse risco, não há como estabelecer uma relação de causa e efeito invariável de que o envolvimento de comunidades menores tenderá ao paroquialismo quando se trata de processos participativos maiores, como a escala metropolitana. Os processos de tomada de consciência e debate devem introduzir reflexões sobre os impactos de grandes intervenções e devem sobretudo considerar que esses impactos devem ser trabalhados para que se atinja melhores resultados. Nesse aspecto, o bordão “pensar local agir global” passa a fazer todo o sentido quando se pensa na integração entre escalas. Quanto a grande escala, e isso carece de maiores estudos, a elaboração do Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo em 2014 mostra que é possível combinar a gestão e o planejamento de um município inserido na escala metropolitana com a participação de seus cidadãos. Destaca-se aqui que para que tal fato ocorresse foi necessário que a população fosse mobilizada e acompanhasse todas as etapas do processo até o PDE chegar a Câmara Municipal, local onde os conflito e interesses tornaram-se mais evidentes. As massas que muitas vezes são acusadas de alienação e inércia também podem mostrar que o direito a cidade é viável na grande escala. Iniciativas como o “Ocupe Estelita” (Recife/PE) ou a “Ocupação” e o “Cidade Eletronika” (Belo Horizonte/MG) reforçam a biopotência que a grande concentração de pessoas tem em reverter à captura da subjetividade pelo capital imperial. O ato de ocupar o espaço público de maneira efêmera, dependendo da forma como é conduzida, é um ato político que leva as pessoas a desconstruírem visões de mundo e práticas repetitivas e consolidadas. Reconstruir sobre novas bases o imaginário coletivo do que pode ser o espaço urbano também é reconstruir as bases do direito a cidade e de uma vida autônoma.

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AVERSÃO À POLÍTICA

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Outro mito frequente diz respeito ao pretenso caráter apolítico das pessoas na contemporaneidade. Muito incentivado principalmente pela mídia, o afastamento das pessoas do espaço público e do debate colabora, junto com a falta de transparência, para que haja mais corrupção, desperdício e erros decorrentes da incompetência, fora a manutenção do status quo das classes poderosas, comentado anteriormente. Diz-se que as pessoas têm a necessidade de se liberar da ocupação dos assuntos da coletividade, mas isso entra em contradição quando se avalia a crescente exigência de fóruns democráticos principalmente depois das Jornadas de Junho de 2013. Ainda que os protestos que ocorreram em 2013 sejam bastante heterogêneos e tenham incorporados em vários momentos pautas conservadoras, eles desencadearam uma série de greves e reinvindicações que de fato buscam incluir mais pessoas nas arenas de decisão. Isso mostra que o repentino engajamento ocorrido naquele ano tem contribuído para atrair mais pessoas para política e para os movimentos sociais. Considerando que a ação é por excelência a manifestação da política, cabe questionar o que na vida cotidiana não é envolvido por ela. Se há realmente a necessidade de se libertar de engajamentos e viver uma pacata vida alienada, o convívio mais banal com os outros e a expressão da mais simples opinião mostram que isso é impossível. Outro ponto que merece destaque é a influência que ainda o país sofre dos anos de ditadura em que as pessoas eram deliberadamente punidas por expressar opiniões contrárias as defendidas pelo regime de exceção. Ainda pairam no ar resquícios desse momento em que calar-se era garantir a própria sobrevivência. Diante desse quadro,

como romper com esse passado ainda tão vivo? Logo após a ditadura, os movimentos sociais urbanos ganharam destaque e aliados entorno da FNRU, emplacaram os capítulos da política urbana que exigem a participação popular. Hoje com a perda da capacidade reivindicatória dos mesmos com a ascensão do governo do Partido dos Trabalhadores, as táticas de engajamento das pessoas precisam ser revistas. Muitos movimentos sociais como o Passe Livre (MPL) e o dos Trabalhadores sem Teto (MTST) tem apontado novos rumos para a luta pelo direito à cidade. A experimentação nesse sentido tem trazido táticas válidas para que haja renovação. O uso da estética e de alguns princípios do marketing tem atraído muitas pessoas pra lutas em Belo Horizonte (RENA, BERQUÓ e CHAGAS, 2013). Ações como o “Fora Lacerda”, o “Tarifa Zero”, a “Ocupação”, a “Praia da Estação” e as frases da campanha de interesse público do grupo “Pise a Grama” mostram que Mais uma vez o ambiente estético biopotente gerado nitidamente se utiliza de campanhas publicitárias instituídas pelo capital como captura do desejo. Assim, num movimento multitudinário, colaborativo e em rede, estratégias de comunicação altamente estéticas se difundem pela cidade, redes sociais, audiências públicas e festas culturais. op. cit., 2013

Dessa forma, para que se busque um maior envolvimento das pessoas em processos e fóruns de decisão, em primeiro lugar, estes devem estar abertos para que haja de fato participação, fora isso, deve se pensar em como atrair cada vez mais pessoas para que ocorram maiores contribuições. Pensando estrategicamente e agindo taticamente há de se construir uma sociedade mais ativa e autônoma.


Tomada a consciência de que é fundamental ampliar a democracia através de processos participativos, é necessário discutir como ela se viabiliza de fato quando os fóruns de participação são abertos. Como foi observado anteriormente com a experiência da produção dos planos diretores participativos em 2004, os instrumentos direcionados à democratização da política urbana do Estatuto da Cidade não são garantia de que de fato isso vai ocorrer. Estes ainda são bastante burocráticos e técnicos, não envolvem outras etapas como a conscientização e o engajamento das pessoas. O guia de elaboração dos PDPs traz um detalhamento maior de recomendações para a condução desses processos, no entanto ainda carece de maiores estratégias e táticas.

ESTRATÉGIAS

Em atenção ao caso brasileiro, ao trabalhar com a produção dos espaços urbanos se deve ter atenção às fortes desigualdades sócio espaciais e como estas se manifestam no território. Na cidade que as ideias não tocam, a participação tem, além do viés pedagógico de inserir essas populações na política, a possibilidade fazer com que elas sejam sujeitos ativos e críticos da urbanização das. Quando as ideias estão fora do lugar, a participação pode ser encarada como forma de qualificar a resistência e a defesa por direitos humanos como à moradia e ao acesso aos benefícios de morar na cidade.

Para ficar em um dos exemplos de como os instrumentos podem ser banalizados, destacam-se as audiências públicas que em muitos planos diretores tornaram-se obrigatórias em intervenções de grande impacto e relevância. A forma como esses espaços têm sido conduzidos mostra que processos participativos demandam preparação dos gestores, capacitação dos participantes, estratégias de trabalho em grupo e não simplesmente a abertura de um microfone para a fala de todos.

Também é importante salientar que no contexto brasileiro onde predominam forças conservadoras, paternalistas, machistas, homofóbicas e racistas, as técnicas de participação comunitária tem o papel do engajamento e inclusão de grupos específicos tais como crianças, idosos, negros, mulheres, homossexuais, transexuais e portadores de necessidades especiais. Estes merecem atenção, pois sobretudo eles são ainda mais excluídos por suas condições. Além da pobreza que aparta as pessoas da política e da participação as chamadas “minorias” – que quando se avalia em quantidade não tem nada de minorias – sofrem ainda mais preconceito na colocação de seus pontos de vista.

A visão de que estes momentos constituem processos pedagógicos é fundamental quando se alega que a nossa sociedade precisa aprender a viver no espaço urbano. Isso não quer dizer que a população é inteiramente leiga nesses assuntos e necessite de profissionais técnicos para salvala de sua falta de conhecimento. Quer dizer apenas que precisamos trabalhar de forma coletiva, e não individual, para a superação da crise urbana.

Baseando-se no relatório DED/NAU (2013) que faz um acurado levantamento de métodos e técnicas de participação comunitária, observa-se que esses processos não podem se pautar apenas em práticas específicas como audiências públicas e oficinas. O texto enumera várias possibilidades para que haja um crescente envolvimento e engajamento das populações “na tomada de decisões que afetam o seu desenvolvimento futuro”.

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Com base nesses princípios, é necessário organizar uma metodologia que possa fazer a comunidade participar, dar sua opinião, se politizar, engajar e empoderar diante da sua própria realidade. Quando trata de métodos de participação comunitária, o relatório DED/NAU (2013) aponta para estratégias nas quais “um plano é definido antecipadamente e que estabelece uma sequência de operações a executar para atingir um determinado resultado”. A seguir é apresentada uma síntese da avaliação dos 13 métodos de participação que constam no relatório português. Em cada quadro consta uma rápida descrição, o nivel de envolvimento da comunidade (informação pública, consulta pública, parceria e auto ajuda) e a forma que o mesmo é aplicado (cima-para-baixo ou baixo-para cima). Para mais informações sobre cada um dos processos, recomenda-se recorrer ao documento na íntegra.

Iconografia iconoclassistas

planejamento estratégico Adequado para o desenvolvimento de estratégias e planos de ação para a resolução de problemas de grande escala. Aplicação de cima-para-baixo.

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REPERTÓRIO DE METODOLOGIAS

Envolvimento da comunidade limitado a consulta pública.

nível de envolvimento

grau de abertura

complexidade técnica

duração

visão

processo charrette

Os cidadãos de uma comunidade, organizados de forma não hierárquica, procuram em conjunto estabelecer uma perspetiva para o futuro dessa comunidade. Aplicação de cima-para-baixo ou baixo-para-cima. Envolvimento da comunidade variável de consulta pública à parceria.

Reunião direta dos decisores chave com a comunidade com vista a debater um plano que descreva de forma detalhada e viável as ações a desenvolver e que reúna um consenso. Aplicação de cima-para-baixo ou baixo-para-cima. Envolvimento da comunidade variável de consulta pública à parceria.

nível de envolvimento

grau de abertura

nível de envolvimento

complexidade técnica

duração

grau de abertura

complexidade técnica

duração


planejamento comunitário Promoção do empoderamento (empowerment) das comunidades no desenho, na implementação e na gestão do seu meio ambiente. Aplicação de cima-para-baixo. Envolvimento da comunidade elevado chegando à parceria.

pesquisa-ação É um método participativo que evoluiu da abordagem tradicional de investigação e tem dois objetivos: dar resposta a questões concretas das pessoas nas suas comunidades e ampliar o conhecimento científico. Aplicação de cima-para-baixo ou baixo-para-cima. Envolvimento da comunidade é a parceria. nível de envolvimento

nível de envolvimento

grau de abertura

complexidade técnica

grau de abertura

duração

duração

jogo participativo Promove o teste de cenários e representações da realidade de um modo informal e por interação entre os membros da comunidade. Concepção afastada da dicotomia vencer-perder. Geralmente aplicado de cima-para-baixo. Envolvimento da comunidade variável de consulta pública à parceria. nível de envolvimento

grau de abertura

complexidade técnica

sessão de oficina/trabalho Processo de aprendizagem de forma empírica é mais eficaz, devendo partir de uma experiência pessoal de resolução de um problema concreto que requeira reflexão, desenvolvimento e teste de novos conhecimentos . Aplicação de cima-para-baixo. Envolvimento da comunidade variável de consulta pública à parceria. nível de envolvimento

complexidade técnica

grau de abertura

complexidade técnica

duração

duração

preferência visual

juri de cidadãos

Categorização visual e na avaliação a partir dessa categorização permitindo uma consulta fácil e eficaz a um elevado número de pessoas. Aplicação de cima-para-baixo. Envolvimento da comunidade é de consulta pública.

É escolhido um painel de jurados, composto por 12 a 24 cidadãos, ao qual é colocado um tema a tratar. Após uma série de reuniões apoiadas por especialistas o painel, de forma emocrática, elabora um relatório ou apresenta uma conclusão. Aplicação de cima-para-baixo. Envolvimento da comunidade é de consulta pública.

nível de envolvimento

grau de abertura

nível de envolvimento

complexidade técnica

duração

grau de abertura

complexidade técnica

duração

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painel de peritos Seleção de um grupo de técnicos especialistas que estão direta ou indiretamente ligados ao tema que se pretende analisar. Aplicação de cima-para-baixo. Envolvimento da comunidade é de consulta pública

células de planejamento Deve ser usado quando é necessário resolver um problema urgente num curto período de tempo e existem várias hipóteses em aberto, cada uma com os seus benefícios e riscos. Aplicação de cima-para-baixo. Envolvimento da comunidade é consulta pública.

nível de envolvimento

grau de abertura

nível de envolvimento

complexidade técnica

duração

tertúlia

Aplicação de cima-para-baixo. Envolvimento da comunidade é de consulta pública. nível de envolvimento

grau de abertura

complexidade técnica

duração

avaliação de pós-ocupação Análise, descrição, interpretação e explicação do desempenho de um objeto previamente delimitado. Aplicação de cima-para-baixo. Envolvimento da comunidade é de consulta pública mas pode chegar a parceria. nível de envolvimento

grau de abertura

complexidade técnica

duração

complexidade técnica

duração

Promove a comunicação em ambiente informal, permitindo um diálogo colaborativo com grupos de elevado número de participantes. Os participantes tomam parte em pequenas mesas de discussão, apoiadas por facilitadores, e depois transitam entre mesas de modo a ampliar o alcance do debate.

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grau de abertura

Por se tratar de um documento estrangeiro e fazer uma compilação de métodos e técnicas participativos, nem sempre a aplicação de uma metodologia fica restrita ao que neste relatório foi definido. No caso do Plano de Bairro que busca ser desenvolvido neste trabalho, acredita-se que diante da realidade da comunidade e das limitações de um trabalho final de graduação, seja mais interessante desenvolver um processo misto entre o “planejamento comunitário de ações” e “sessões de trabalho”. Também é importante destacar que boa parte das metodologias descritas podem ser adaptadas para o nível de técnica de participação que será melhor explanada a seguir. Destas, para a elaboração do Plano de Bairro da Vila Cauhy serão utilizados o “jogo participativo”, “processo charrete”, “avaliação de preferência visual” e “tertúlia”. Quanto às técnicas, acredita-se que seu estudo seja mais efetivo quando se busca estabelecer uma relação entre a condução de processos participativos e ao fato de estes serem realmente instrumentos onde democratização das decisões é posta em prática de forma mais detalhada. Estas constituem “um conjunto de meios postos em ação com vista à obtenção de um fim predeterminado segundo uma lógica produtiva” constituindo “parte integrante de um ou mais métodos” (DED/NAU, 2013). Na página a seguir são apresentados os seis conjuntos de técnicas e a listagem das possibilidades de atividades que podem compor uma metodologia. Ao todo são elencadas em todos os seis grupos 57 técnicas, o que mostra que ainda há um vasto campo a se explorar na forma como conduzir a participação em direção à autonomia. Quando aplicadas ao contexto brasileiro e observadas as especificidades locais e os temas debatidos a diversidade de opções aumenta consideravelmente gerando outras tantas técnicas. Com isso, mais uma vez se reforça que a participação vai além de questionários ou audiências públicas.


tomada de consciência Tecnicas onde há um viés pedagógico de mostrar a comunidade o contexto em que se inserem. Exposição; Notícias nos meios de comunicação social;

REPERTÓRIO DE TÉCNICAS

Passeio guiado Semana de atividades Atribuição de prêmios

abertas

Festival de projeto Jogo de projeto Diagramas

Atividades que buscam a integração e interação do grupo, fortalecendo o mesmo.

Montagem de fotos Loja local

Reunião com a comunidade

Concurso de ideias

Programas de televisão participativos

Mapeamento

Recolhimento de opiniões

Unidade Móvel

Centro de arquitetura

Maquete Suplemento de jornal Casa aberta Planejamento na prática Priorização/Hierarquização Avaliação de risco

Centro comunitário de projeto Fórum de planejamento comunitário Equipe de apoio ao projeto Fundo de desenvolvimento Fundo de viabilidade Equipe de técnicos voluntários

Painéis de rua

Atelier de desenho urbano

Exposição de mesa

Grupo de utilizadores

Análise de sucesso Levantamento de recursos

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Método de LENS

exploração de ideias indiretas Técnicas onde a interação com a comunidade é na maior parte das vezes com individualizada e não há confronto entre opiniões.

Busca de desenvolvimento de um pensamento coletivo através do levantamento de várias ideias presentes no imaginário coletivo de uma comunidade Galeria Cartão de impressões

Questionário;

Técnica de grupo nominal

Entrevista.

Escrita repartida Processo Ringii Delphi Rastilho de ideias

interação de grupo Atividades que buscam a integração e interação do grupo, fortalecendo o mesmo. Grupo Focal Projeto participativo Perfil da comunidade Programa de projeto local Gabinete de projeto local

Formato de painel

base tecnológica Uso de recursos tecnológicos como a internet, redes sociais e o mapeamento virtual como forma de ampliar a participação.

Fim de semana de planejamento

Mapa eletrônico

Sessão de planejamento de processo

Exposição interativa

Sessão de revisão

Caixa de partilha de vídeo

Simulação


METODOLOGIA

Este trabalho tem por objetivo a elaboração de uma Plano de Bairro para a Vila Cauhy e na compilação de um repertório de padrões de usos e ocupação do solo, habitação, espaços públicos e técnicas de saneamento ecológico condizentes com a realidade da vila que se denomina “Caixa de Ferramentas”. Até que se chegue a estes produtos, este trabalho também é dividido em etapas: i) aproximação e integração; ii) primeiras impressões; iii) diagnóstico coletivo; iv) gerar respostas; e v) plano de ação. É importante ressaltar

que diante das incertezas com relação a regularização fundiária, a metodologia de trabalho aqui apresentada não é representada pela linearidade do projeto convencional. Aqui é buscada uma visão sistêmica e flexível em que cada etapa contribui com subsídios para outras e nesse intenso ir e vir é que são construídos os produtos do TFG. A seguir é apresentado um gráfico com essas etapas e a forma como se relacionam entre si. Cada linha do gráfico ao lado recebe um número e a explicação da relação é descrita a seguir:

PROCEDIMENTOS DO PENSAMENTO SISTÊMICO DE PROJETO O início de um processo participativo se dá com aproximação e integração com a comunidade. É nesse momento em que se inicia o

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entendimento da problemática do lugar segundo a ótica dos moradores. Paralelo a isso é preciso realizar levantamentos de documentos e informações existentes nos órgãos oficiais para saber em que estágio estão as ações governamentais para atender os anseios da população.

01 O ato de aproximar-se da comunidade através de conversas e questionários dá os primeiros indícios do que os moradores estão lutando. Essas são as primeiras pistas para que se inicie uma pesquisa por documentos oficiais pois aos poucos são citados órgãos envolvidos, ações já realizadas ou prometidas além de problemas frequentes como falta de infraestrutura e equipamentos públicos. É com base nessas primeiras informações levantadas que se inicia a busca de referências, que no caso da Vila Cauhy são tanto de processos participativos como de urbanização sustentável.

11 evidencia a relação mutua que existe entre o diagnóstico técnico e a percepção do invisível. Ambos compõem a etapa das primeiras impressões. Aqui se finaliza uma primeira etapa de entendimento do assentamento que gera os objetivos principais do trabalho comunitário a ser desenvolvido. Paralelo a isso ocorrem oficinas que passem as informações produzidas em linguagem dinâmica e de fácil compreensão objetivando o início do empoderamento da comunidade através do seu autoconhecimento.

13 e 16 essas informações são aos poucos refinadas por atividades de diagnóstico coletivo que ampliam as potencialidades de empoderamento e podem trazer mais informações que não constam nos documentos técnicos e nem são perceptíveis para quem é externo ao local.

02 mostra que a aproximação com os moradores traz informações

12 com a reunião das referências levantadas de processo participativo e urbanização sustentável é que aos poucos vai surgindo o primeiro produto deste TFG: a caixa de ferramentas.

03 de maneira semelhante ocorre a busca por referências de urbanização sustentável, porém com subsídio mais intenso dos documentos técnicos levantados, pois estes mostram com maior precisão as limitações e potencialidades do sítio físico.

15 e 18 com a reunião das informações levantadas coletivamente e das referências de urbanização sustentável é que são reunidos subsídios suficientes para a comunidade gerar de respostas próprias para seus próprios problemas. Especialmente em 15 se observa a primeira importância da caixa de ferramentas: sistematizar padrões de uso e ocupação do solo, intervenções nos espaços públicos, tipos de habitação e técnicas de saneamento básico que podem ser escolhidos pela comunidade para resolver os problemas e aproveitar potenciais apontados nos diagnósticos.

sobre que tipo de atividade eles se interessam, quais os horários mais convenientes, que temáticas devem ser abordadas. É com base nisso que se buscam experiências de processo participativo que se adequem a esse contexto.

04 a busca de cada referência influencia a descoberta de outras e é nesse momento que a busca se torna mais refinada e contextualizada. 05 Com o mergulho na comunidade e o aumento do número de visitas a comunidade, a conversa com as pessoas ajuda a perceber o invisível. São informações sobre a história daquela ocupação, líderes

afetivos e comunitários, conflitos de interesse, brigas, parcerias e potenciais parceiros.

10 pelo lado técnico, os documentos levantados em órgãos devem ser sistematizados em um diagnóstico técnico que contará com novos levantamentos de forma a proporcionar melhor entendimento do local. 06, 07, 08 e 09 aquilo que se percebe através das conversas e

no diagnóstico influencia diretamente na seleção de referências que vão inspirar o projeto.

14 as referências de processo participativo são utilizadas para propor a metodologia de condução das atividades. 19 A geração de um documento inerte com respostas é insuficiente para comunidades que muitas vezes lutam a décadas por melhorias. É por isso que por fim deve ser desenvolvido um plano de ação especificando o ordenamento das urgências. 17 a definição do plano de ação também se pauta no repertório de técnicas de execução de tarefas da caixa de ferramentas. 20 com o passar do tempo surgem novos documentos oficiais e novas decisões governamentais que alterarão a forma de concretização dos objetivos estabelecidos anteriormente.


PENSAMENTO SISTÊMICO DE PROJETO 01

APROXIMAÇÃO E INTEGRAÇÃO

LEVANTAMENTOS documentos informações

02 REFERÊNCIAS DE PROCESSO PARTICIPATIVO

05

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03 REFERÊNCIAS DE URBANIZAÇÃO SUSTENTÁVEL

04

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PERCEBER O INVISÍVEL

08

10

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DIAGNÓSTICO TÉCNICO

11 12

CAIXA DE FERRAMENTAS

17

13 15 DIAGNÓSTICO COLETIVO

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GERAR RESPOSTAS

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PLANO DE AÇÃO

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Visitas e registros fotográficos

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DEZEMBRO

DEZEMBRO

01 02 03 04 05 06

M

S

01 02 03 04 05 06

2014 M

D

D

S

T

Q

Q

S

S

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

Oficinas e reuniões 13/06 Chá das cinco 27/06 Oficina sobre direito á cidade 11/07 Oficina sobre meio ambiente 08/08 Apresentação dos projetos já desenvolvidos para a vila 22/08 Mapeamento colaborativo 05/09 á especificar 19/09 á especificar 03/10 á especificar 17/10 á especificar 31/10 á especificar 14/11 á especificar 28/11 á especificar



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O desenvolvimento de projetos participativos na área da arquitetura e urbanismo possui uma lógica diferenciada da prática convencional desse campo profissional. Nesse sentido algumas questões devem ser observadas para que sejam evitados certos constrangimentos e situações desconfortáveis. Este tópico busca contar a experiência de aproximação com a comunidade e ressaltar a importância dos momentos iniciais de um projeto participativo. Uma boa e sincera aproximação e integração com a comunidade ajuda a garantir credibilidade e confiança nas pessoas. É nesse momento em que informações chave são repassadas pelos moradores através de conversas informais.


COMO TUDO COMEÇOU Na procura por um lugar por trabalhar durante o trabalho final de graduação, decidiu-se por fazer uma busca por assentamentos informais primeiramente no Distrito Federal. De início só vinham nomes de locais de grande porte como o Sol Nascente e o Pôr do Sol na Ceilândia, ou o Mestre D’armas em Planaltina que seriam inviáveis de serem trabalhados em uma matéria de graduação por um único estudante que ainda está aprendendo a lidar com urbanismo e processos participativos. Foi nesse vagar pela capital através de imagens de satélite que se lembrou que, em uma disciplina do curso voltada para infraestrutura urbana, trabalhou-se com a Vila Metropolitana, um acampamento pioneiro tal qual a Vila Planalto, porém não tão famoso, que fica do lado do Núcleo Bandeirante enclausurado entre a linha férrea, o Riacho Fundo e o Park Way. Nessa época sempre chamou atenção um conjunto de casas que pelo satélite estavam bastante aglomeradas lembrando favelas das grandes cidades tais como Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou São Paulo, porém com um padrão de malha urbano inusitado até para as favelas de Brasília. Uma rápida pesquisa na internet revelou o nome do lugar, a Vila Cauhy, e junto com isso o site da prefeitura comunitária. Essa descoberta reforçou bastante o desejo de desenvolver um trabalho participativo pois havia se descoberto uma comunidade já organizada, um fator que ajuda e muito nos momentos iniciais do processo.

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Primeira visita à Vila Cauhy (13/12/2015). Rua que leva a Obra de Maria cheia de lama e erosão, foto tirada em dia anterior a uma chuva forte

O primeiro contato foi buscado na rede social “facebook” onde se fez uma pesquisa por grupos de moradores da vila. Foram encontrados dois grupos (“Vila Cauhy – a casa é nossa! ” e “Comunidade da Vila Cauhy. Essa é sua voz! ”) e neles procurou-se por alguma pessoa com quem fosse possível iniciar uma conversa sobre o processo participativo. Vendo cada uma das pessoas, optou-se por iniciar o contato por uma estudante da UnB de Ciência Política, a Juliana Soares. Iniciar o contato com a Juliana foi bastante importante pois ela é bastante engajada na Vila Cauhy e pôde conduzir eu, Liza (orientadora) e Caio (um amigo que tem me ajudado muito no TFG) na primeira visita que fizemos em 13/12/2014, um sábado onde conhecemos a Nete, primeiro contato da prefeitura comunitária, e os primeiros lugares da vila: o Campo de Futebol do Adelino, a Praça da Vitória e a rua que vai para a Obra de Maria.

Primeira visita à Vila Cauhy (13/12/2015). Da esquerda para direita: Caio, eu e Liza


AS PRIMEIRAS VISITAS

Era época de chuva em Brasília e visitar a vila nesse momento foi importante para ter noção dos problemas que os moradores da vila enfrentam. As ruas são bastante precárias e não possuíam calçamento e sistema de drenagem. Também chamava atenção que nas ruas minava água limpa que se misturava ao esgoto que corria a céu aberto, indício que junto dos relatos da Nete sobre a regularização fundiária da vila, fez com que se procurasse imediatamente pelos estudos de impacto ambiental da vila realizados pela empresa Topocart.

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A segunda visita ocorreu no dia 24/02/2015 quando junto com a Juliana conheci a outra metade da vila, a Rua Maradona. Ainda na época de chuvas, também nessa rua se percebeu que havia muita água escorrendo misturada com esgoto mostrando que saneamento básico era um problema grave da vila. Nessa época já se havia tido o contato com o RIVI elaborado pela Topocart e se sabia que aquela era uma área de veredas com características brejosas e muitas nascentes, o que justifica a água limpa corrente em alguns pontos. A terceira visita se deu no dia 14/03/2015, em que junto com Caio e Juliana, fizemos mais um passeio pela vila. Foi nessa ocasião em que conheci o José Roberto, esposo da prefeita da vila, e fui apresentado à Rita, o primeiro contato com a associação de moradores e que pode me passar outros vários contatos de pessoas engajadas da vila. Nas duas ocasiões foi de extrema importância apresentar o projeto de forma mais objetiva e com clareza de alguns pontos que mereciam ser discutidos. Isso fez ganhar confiança entre essas pessoas que foram peças chave para que se pudesse conhecer mais pessoas na vila. Foi nessa visita em que a Rita disse que no dia 18/04/2015 haveria a apresentação do projeto “Vila Campeã” que ela estava desenvolvendo enquanto integrante da associação de moradores para oferecer aulas de Jiu Jitsu como forma de entreter as crianças da vila que sofrem com poucas opções de lazer. Foi durante esse dia em que se deu início a aplicação de um questionário simples para conhecer os moradores da vila e apresentar o TFG.

Água limpa misturada à esgoto correndo á céu aberto na Rua Maradona , uma das principais da Vila Cauhy. Logo após alguma chuvas, a rua fica cheia de possas de água e a água das canaletas transborda criando dificuldades para quem transita a pé pelo lugar.

Lançamento do projeto “Vila Campeã” com membros da associação de moradores (AMOVIC), professores de Jiu Jitsu, funcionários da Administração do Núcleo Bandeirante e políticos.


O QUE VOCÊ VEIO FAZER AQUI?

Com a proximidade da banca intermediária, uma das avaliações do TFG, decidiu-se por fazer sozinho uma visita no dia 23/04/2015, uma quinta, para tirar algumas fotos e ilustrar melhor o plano de trabalho.

da chuva e do frio onde se possa guardar bens de valor afetivo e econômico conquistados a duras penas. Quando surge uma ameaça ao pouco que se tem, não há como não esperar uma reação defensiva.

Foi nessa caminhada em que andando com a câmera muitas pessoas me perguntaram se eu era servidor do governo. Uma dessa pessoas foi uma senhora bastante simpática chamada Geralda que quando contei sobre o meu TFG se mostrou bastante empolgada. Ela estava acompanhada de uma amiga e estavam voltando para casa na rua Maradona e foi lá em que fui interrogado de forma mais incisiva porque eu estava tirando fotos da vila.

Foi pensando nesses casos em que dentro da metodologia participativa desenvolvida nesse trabalho criou-se um momento prévio de aproximação e integração com a comunidade para só depois de ganhar alguma confiança se fizesse atividades relacionadas a questões urbanísticas da vila.

Essa situação já era esperada mais dia ou menos dia, afinal eu era o estranho que ali tirava fotos. Esse comportamento gera apreensão nos moradores de um assentamento não regularizado onde as famílias temem por ações de reintegração de posse e remoção violenta. Existem muitos casos em que funcionários de prefeituras chegam subitamente em favelas fotografando e marcando casas que serão removidas. Quando se busca aproximação e integração com uma comunidade, uma das intenções é começar a entender o contexto em que as pessoas vivem. Existem muitas sutilezas que pessoas de classe média não percebem o quanto são relevantes quando se vive em uma favela. Uma desses detalhes, que normalmente se ignora, mas que é muito relevante e gera grande constrangimento, é a falta de endereçamento para as casas que faz a população não receber cartas e ter que dar outros endereços para indicar onde moram. Fora isso, viver a todo o momento com a preocupação de que mais dia ou menos dia pode se perder o teto é desumano. O que está em jogo nesse caso é, em primeira instância, poder garantir, após um dia exaustivo, um lugar seguro poder descansar, protegido do sol, da chuva,

Rua Maradona (23/04/2015) onde é possível perceber os moradores estranhando o fato de haver alguém desconhecido tirando fotos.

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QUESTIONÁRIO

Uma das ações para poder apresentar de maneira mais informal o que se pretendia fazer na Vila Cauhy e ao mesmo tempo ir conhecendo os moradores foi a aplicação de um questionário simples com poucas perguntas, mas que pudesse estimular as pessoas a falarem um pouco das vivências e impressões que elas tinham sobre o lugar.

Inicialmente eram feitas perguntas que pudessem identificar o morador tais como nome, idade, sexo, se trabalha ou não e para aqueles que trabalhavam se a função era exercida na vila ou não. Logo após vinham duas perguntas sobre coisas boas e ruins da vila que puderam dar as primeiras pistas do entendimento dos moradores sobre o cotidiano sobre a vila. Nesses pontos as respostas foram mais variadas e era visível que, dependendo do lugar onde se aplicava o questionário, havia uma recorrência de resultados Em seguida haviam questionamentos com temáticas mais direcionadas a assuntos técnicos. Perguntava-se se os moradores já tinham ouvido falar da regularização fundiária e o que eles sabiam sobre esse processo e se os mesmos sabiam da existência de nascentes.

O questionário foi aplicado à 95 pessoas sempre aos sábados nos dias 18/04/2015, 16/05/2015, 23/05/2015 e 06/06/2015. A seguir são apresentados os materiais utilizados na atividade, os parceiros que ajudaram a conseguir esse número de entrevistados e os resultados obtidos com as respectivas ressalvas quanto a forma como as perguntas foram aplicadas.

Folder distribuído logo após a realização do questionário explicando sobre a importância da participação dos moradores em projetos

APLICADORES

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Por fim, perguntou-se aos moradores se eles estariam dispostos a participar de grupos de trabalho que debatessem e tirassem propostas para melhorias na vila. A aplicação era finalizada com uma rápida explicação do que seria trabalhado no TFG seguido da entrega de um folder explicando o que era um processo participativo.

Voluntários que aplicaram o questionário. Da esquerda para a direita: Antônio Mascarenhas (UFMT), Caio Fiuza (UnB), Estela Hirakuri (UnB) e Pedro Ernesto (UnB). Todos estudantes de arquitetura e urbanismo.

Folha com perguntas do questionário aplicado


lugar de origem

nas ruas da vila existem muitas crianças, mas no questionário nenhuma foi entrevistada

idade PA03%

MA07% CE04% PB02% PI15%

TO01%

BA19% DF24% GO06% MG15% SP01% RJ02%

0% 0 à 10 anos 0% 01 à 100 anos 71 à 80 anos 2% 1% 81 à 90 anos 61 à 70 anos 5% 16% 11 à 20 anos

51 à 60 anos 14%

11% 21 à 30 anos

41 à 50 anos 27%

24% 31 à 40 anos

PORTUGAL01% como não haviam opções de aposentado e estudante, parte desses grupos esta dentro dos desempregados

gênero

trabalho

pessoas que se declararam aposentadas mesmo não havendo a opção no questionário

6% aposentado

desempregado 30%

55% geralmente quando havia mais de uma pessoa na casa só era feita o questionário uma vez porque havia a tendência dar respostas juntos

50

45%

mas quando havia marido e esposa juntos, a mulher na maioria das vezes deixava o homem responder

64% trabalha

*o núcleo bandeirante foi espontaneamente citado como local de trabalho de boa parte dos entrevistados

23% trabalha na vila não trabalha na vila* 77%

tempo na vila

se separou o grupo das pessoas que moram a menos de 5 anos pois estas ainda não se encaixam no tempo mínimo do usucapião especial urbano

inicialmente essa pergunta não existia no questionário, mas foi incluída porque muitos espontaneamente falavam sobre isso como não era uma pergunta prevista, não se sabe o tempo de vila de 43% dos entrevistados

13%

0 a 5 anos

7%

5 a 10 anos

21%

11 a 20 anos

11%

21 a 30 anos

1%

31 a 40 anos

4%

41 a 50 anos


pontos positivos da vila mais citados

tranquilidade e calma 35 citações é perto de tudo 28 citações da vizinhança 17 citações bom pra morar 12 citações gosto de tudo 11 citações gosto de nada 7 citações

parece cidade de interior

outros

a praça 2 citações a igreja 2 citações o clima 1 citação não pago aluguel 1 citação os esportes 1 citação o verde 1 citação as conquistas 1 citação é seguro 1 citação do comércio 1 citação

pontos negativos da vila sobre às ruas

51

sobre segurança

falta de calçamento/asfalto 16 citações da lama 12 citações da poeira 9 citações falta ônibus/parada 3 citações ruas estreitas 2 citações ponte perigosa 2 citações acesso ruim 1 citação as drogas 15 citações aqui é inseguro 10 citações presença de bandidos 4 citações

outros

não tem nada 1 citação as casas não tem endereço 1 citação

sobre política

brigas entre representantes 3 citações desatenção dos políticos 2 citações

sobre saneamento ecológico

falta de sistema de esgoto 22 citações falta de infraestrutura 16 citações não tem saneamento 10 citações lixo pelas ruas 9 citações falta água 2 citações falta energia 1 citação

sobre regularização

não é regularizada 10 citações aqui é bagunçado 7 citações falta comércio 2 citações falta urbanização 1 citação

sobre equipamentos públicos

saúde 4 citações iluminação pública 4 citações arborização 2 citações educação 1 citação lazer 1 citação diversão 1 citação

regularização, meio ambiente e participação sobre conhecimento do processo de regularização

87% sim

interesse em conhecer mais

90% sim

conhecimento sobre a existência de nascentes na vila

83% sim

conhecimento sobre a existência de nascentes na vila interesse de participar do processo participativo

não 13%

75% sim

não 25%

não 17%

não 10%


CHÁ DAS CINCO Ainda no âmbito da aproximação e integração com a comunidade, desenvolveu-se o “chá das cinco”, uma outra atividade mais aberta e lúdica e que pudesse apresentar o TFG com seus objetivos e possibilidades para a regularização fundiária da Vila Cauhy. A inspiração veio do Café Comunitário da Escola Bernardo Monteiro desenvolvido pelo grupo Micrópolis no âmbito do projeto Calafate.

A apresentação realizada aos moradores possuía linguagem simples e com a menor quantidade de jargões técnicos. De início era explicado como funciona uma regularização fundiária e o que ela contempla de implantação de infraestruturas, após foi exposta uma linha do tempo do processo que a vila passa no momento e por fim apresentados objetivos, etapas e próximas etapas da elaboração do plano de bairro da Vila Cauhy.

A organização desse evento começou no dia 23/05/2015 em reunião da Associação de Moradores da Vila Cauhy, momento no qual fui apresentado pela primeira vez ao grupo. Nessa ocasião foi feita uma apresentação aos membros da entidade com primeiras explicações sobre os desafios enfrentados no projeto de regularização fundiária da vila. Após isso, foi proposto que se fizesse um café comunitário – carinhosamente apelidado de chá das cinco – na Praça da Vitória com uma pequena apresentação de slides com o conteúdo simplificado do que fora discutido nesse dia para todos os moradores.

No dia contou-se com a ajuda de alguns voluntários. O evento começou as 18h, um horário estratégico pois a maior parte dos moradores já havia retornado do trabalho. Tudo começou com a apresentação, depois houve a exibição de dois vídeos do Plano de Bairro de Saramandaia (Lugar Comum/FAUFBA), a escolha de representantes de cada rua para participar das próximas etapas, uma sessão com perguntas sobre a regularização e o projeto e por fim o chá.

Rapidamente nessa mesma reunião foram deliberados o dia do “Chá das Cinco” (13/06/2015) e as tarefas para os membros da associação para viabilizar a infraestrutura. As comidas foram conseguidas com doações dos comerciantes do Núcleo Bandeirante, as cadeiras emprestadas com uma empresa de festas existente na vila (Lona Branca), equipamentos de som e projeção meus e divulgação realizada por cartazes e contratação de um carro de som que circulou nos finais de semana e no dia do evento.

Reunião da associação de moradores no dia 23/05/2015 Foto de Jesus Luz (assessora de comunicação AMOVIC)

52


53

Cartaz de divulgação do Chá das Cinco Abaixo, voluntários que ajdaram na realização da atividade. Da esquerda para a direita, André Broseguini (estudante de Linguas Estrangeiras Aplicadas/UnB), Brenda Marcella (ex estudante de Arquitetura e Urbanismo/IFF), Fernanda Amorim (estudante de Arquitetura e Urbanismo/UnB), Juliana Soares (moradora da vila e estudante de Ciência Política/UnB) e Thiago Gibson (estudante de Engenharia Elétrica/UnB)


Fotos do evento. Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Foto 01 Coreto da Praça da Vitória antes (foto do autor); Foto 02 Coreto com as cadeiras (foto de Brenda e Thiago); Foto 03 Coreto ambientado (foto de Brenda e Thiago); Foto 04 Mesa de comidas (foto de Brenda e Thiago); Foto 05 Início do evento com fala de Walter (presidente da AMOVIC) (foto de Brenda e Thiago); Foto 06 Público assistindo às falas do evento (foto de Brenda e Thiago); Foto 07 Um outro evento sobre saúde que também é ralizado na vila aproveitou o momento para distribuir panfletos (foto de Fernanda).


Fotos do evento. Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Foto 01 Público durante a apresentação (foto de Brenda e Thiago); Foto 02 Presença de alguns blogueiros locais (foto de Brenda e Thiago); Foto 03 Momento da apresentação sobre regularização (foto de Brenda e Thiago); Foto 04 Mesa de comidas (foto de Brenda e Thiago); Foto 05 Momento do lanche (foto de Brenda e Thiago); Foto 06 Conversa com os moradores durante o lanche sobre a apresentação (foto de Brenda e Thiago); Foto 07 Repercussão do evento na mídia (fonte: captura de tela de http://blogdoprofessorchico. com.br/site/2015/06/14/moradores-da-vila-cauhy-se-mobilizam-contra-o-abandono-e-pelaregularizacao/).



N E T T A S B U S iagnóstico

E D A D I IL técnico

s flito con

soc ial

mocional e e l ra u t l cu

d

econômica

CIAIS

ios itár un om

al t n ie b am

SO isível inv afetos

O diagnóstico técnico aqui apresentado teve como referência o trabalho do grupo de pesquisadores da FAU/

parcerias

As “primeiras impressões” são aqui divididas em i) diagnóstico técnico que abordará as sustentabilidades ambiental, social, econômica, social e cultural; e ii) percepção do invisível composta de observações relativas à conflitos políticos internos, parcerias, laços comunitários, relações afetivas e a história local. Através dessa síntese, as questões discutidas anteriormente passam a tomar forma e evidenciar os conflitos sociais, ambientais e políticos existentes na Vila Cauhy.

laç o s c

No tópico “Questões para se pensar” e “Participar é mais! ” foram discutidos alguns pontos relativos ao entendimento preliminar de alguns aspectos fundamentais como legislação, consciência ambiental, sustentabilidade, projeto participativo, conflitos urbanos e regularização fundiária. Na sessão “Aproximação e integração” iniciaram-se os relatos do início do processo participativo, os primeiros contatos com os moradores da vila e a apresentação das intenções do TFG. Agora será feita uma caracterização mais aprofundada da vila com base nas visitas de campo e nos relatórios de impacto de vizinhança desenvolvidos para os projetos de regularização fundiária para a vila.

ELAÇÕE

57

S R b e e c r o per

MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO

UnB, no âmbito da Chamada Pública MCTI/CNPq/ MCIDADES N° 11/2012 teve como objetivo elaborar uma metodologia de monitoramento e avaliação da qualidade de projetos arquitetônicos e urbanísticos e qualidade construtiva dos empreendimentos produzidos por meio do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV. Como este referencial metodológico é direcionado a empreendimentos habitacionais de grande escala, pensados pela maneira tradicional de projeto e executados na maioria das vezes de maneira heterônoma, foi adicionada uma segunda parte relativa às características de consolidação de um assentamento urbano com mais de 40 anos de ocupação. Essa complementação toma como base os trabalhos desenvolvidos no Calafate que buscam sintetizar em gráficos as relações sociais existentes. Este tópico é um pontapé inicial para o entendimento mais aprofundado da Vila Cauhy e consequentemente a concretização de proposições do plano de bairro. Essa síntese também tem como objetivo tornar as informações técnicas mais entendíveis aos não especialistas, em especial aos moradores da vila, de forma que as mesmas sejam utilizadas como referenciais para a elaboração de propostas comunitárias.


QUEM SÃO OS MORADORES EPIA

SEGUNDO AS ESTATÍSTICAS

E VIC

Seria uma ilusão caracterizar de forma homogênea a vila. Para citar um dos exemplos, durante o tempo em que ela se consolidou, podemos encontrar entre uma maioria de pessoas de baixa renda outras de maior renda. Dentro deste grupo, muitos acabaram melhorando as condições de suas casas e não mais vivem em barracos.

N

TE

Aqui são apresentados alguns dados colhidos em órgãos oficiais (IBGE e CODEPLAN) que caracterizam de forma preliminar os moradores da vila. É importante destacar que, conforme foi observado nos questionários, ainda hoje chegam muitas pessoas na vila, logo esses dados não refletem exatamente a situação atual da vila.

B

EPN

D FU N

RIA C

vila metropolitana

pirâmide etária + 100

núcleo bandeirante, vila divinéia, placa da mercedes, vila metropolitana e vila cauhy população 23.714 habitantes renda média per capta R$ 1.499,73

65-69

04,75%

05,23%

39,42 hab/ha densidade

75-79 70-74

incluindo áreas rurais que ocupam o tripo do núcleo urbanizado principal

60-64 55-59

14,25% 16,86%

20 domicílios desocupados

85-89 80-84

25,89%

50-54

33,02%

45-49 40-44 35-39

coeficinete de gini 0,463 analfabetismo 1,40% postos de emprego 10.700* tabalhadores 10.540* trabalha e mora no núcleo bandeirante 3.460 (32,8%)* trabalha no plano piloto 5.070*

30-34 25-29 20-24 15-19 10-14 05-09 00-04

*PDAD 2011/CODEPLAN

(CENSO 2010)

1.640 habitantes população 438 domicílios ocupados

90-94 (PDAD 2013/CODEPLAN)

VILA CAUHY 458 domicílios

95-100

00 à 01 SM 01 à 02 SM 02 à 05 SM 05 à 10 SM 10 à 20 SM > 20 SM

vila cauhy

HO

vila divinéia

NÚCLEO BANDEIRANTE

58

núcleo bandeirante

O

placa da mercedes

PIR ES

homens

mulheres


LUGARES DA VILA O S D TE A N N ICI EIRA F E O AND D R B TO LEO E S ร C N

n do ara am ru

obra de maria

rua

dos

nob

res

EPIA

a

rua d

o pro

gress o

ia

ar

em

ad br

ao

ad

ru praรงa da vitรณria

campo do adelino

EXPR ESSO DF SU

lona branca

prefeitura comunitรกria

L

CAIC 100

00

50

100


JANELAS DO PASSADO

Através das ortofotocartas disponíveis no site da SEGETH e das imagens do Google Earth apresenta-se aqui um histórico da acupação da Vila Cauhy.

1965

1965

2014

60

1978

1978

2014

1978

01

1980

02

1980

2014 01 Rua da Obra de Maria 02 Campo do Adelino


1986

1986

2014 Surge a estrada que liga a EPIA ao Núcleo Bandeirante onde hoje está a Praça da Vitória

61 1991

1991

2014

1978 02 01

1997

1997

2014 Primeira ortofotocarta com boa qualidade para observar detalhes da vila. Em 1997 observa-se a existência de um sistema viário semelhante ao atual e de uma ocupação inicial nas margens da EPIA (01) e do Riacho Fundo (02)


2002

62

2005

2008


2011

63

ANÁLISE

Em conversas e consultas as documentações oficiais surgiram relatos de que a ocupação na Vila Cauhy havia começado a 40 anos atrás, durante a década de 70. Ainda que esteja disponível uma ortofotocarta de 1978, a qualidade dessa imagem não permite localizar as primeiras casas.

1978

A qualidade das ortofotocartas permanece como impedimento a uma remontagem do crescimento da vila até 1991, mas através destas é possível perceber alguns elementos urbanos importantes tais como a estrada que liga a EPIA ao Núcleo Bandeirante, a rua que leva a Obra de Maria, o espaço da Praça da Vitória e o Campo do Adelino. É durante a década de 1990 em que se observa um crescimento mais intenso, em especial entre 1997 e 2002. A Vila Cauhy cresce em perímetro até 2008 quando se inicia um processo de adensamento que culmina na situação atual em que ainda surgem ruas e barracos.

2015 DIRETRIZ

sustentabilidade social e cultural

A semelhança do que foi feito no Plano de Bairro de Saramandaia em que foi proposta uma oficina para recuperar a memória do bairro, seria interessante desenvolver uma atividade semelhante de preferência com o registro em vídeo de entrevistas com moradores antigos. Diante do fato de muitos moradores comentarem sobre o esquecimento da vila pelo poder público, o desenvolvimento desse registro da memória dos moradores ajuda a reforçar a identidade do local e principalmente torna a vila mais visibilizada.


DINÂMICAS DE CRESCIMENTO Durante a aplicação dos questionários, por vezes alguns moradores começavam a contar histórias da vila e muitas delas diziam respeito às pessoas que chegaram primeiro, como foram construindo e como foram aparecendo mais pessoas. Aqui são apresentadas as dinâmicas mais recorrentes que aconteceram e ainda acontecem na Vila Cauhy.

CASO 02 chácaras

CASO 01 lotes vazios

Na existência de espaços vazios entre as edificações e que não possuem um dono, as pessoas ocupam e constroem novas casas

São comuns os casos de chacareiros que alugam parte de suas terras para as pessoas contruirem casas

64

Nesses casos, quando o chacareiro quer terminar o contrato de aluguel, as famílias entram na justiça pela permanência e acabam conquistando o direito de permanecer sem pagar aluguel.

CASO 03 subdivisão de lotes

Esse é um dos casos mais comuns em que as famílias por diversas motivações acabam fracionando os lotes ou alugando casas nos fundos. Isso acontece muitas vezes para abrigar familiares.

Ao final, os lotes acabm abrigando uma grande quantidade de famílias. Foi possível perceber isso durante a aplicação dos questionários em que várias sequencias de casas tinham pessoas do mesmo sobrenome ou origem. Também é comum alugar cômodos das casas.


COLINA DO LOBO

Antes de ser a Vila Cauhy, a região era conhecida pelo menos até o início dos anos 2000 com esse nome.

CASO 03 subdivisão

Nesse parte a vila o mais comum são casas com várias famílias numa mesma casa

CASO 02 chácaras

CASO 02 chácaras

aqui os cacareiros ainda subdividem lotes cobrando aluguel

Em 2015 surgiram novos barracos nesta área.

CASO 02 chácaras Essa chácara foi subdividida e os moradores conseguiram na justiça a permanêcia sem pagar aluguel. Hoje as novas casas são de familiares do dono da chácara.

65

BARRACÃO Contam os moradores que nessa

pequena praça existia um barracão onde moravam várias famílias aglomeradas. O barracão foi desfeito e as famílias foram para outras partes da vila.

CASO 01 lotes vazios

Aqui havia um vazio entre a prefeitura e uma casa vizinha. Esse vazio foi ocupado por uma família,

CASO 03 subdivisão

Em uma das entrevistas, um dos moradores relatou que estes lotes pertenciam aos pais dele e quando eles descobriram que não poderiam ser contemplados com a regularização da vila, resolveram fracionar a terra e dar aos funcionários mais dedicados. Aqui existem muitas casas com várias famílias.

DIRETRIZ

sustentabilidade social e cultural Seguindo a mesma linha do que foi exposto no tópico “janelas do passado”, se reforça a importância de uma oficina de memórias que resgate e divulgue a história da Vila Cauhy.

REMOÇÃO quem é Jorge Cauhy?

Essas família moravam muito próximas da margem do Riacho Fundo e durante uma enchente de grandes proporções a Defesa Civil decidiu removê-los da área de risco. A primeira proposta era mudar as pessoas para um conjunto haitacional distante. Contam os moradores que o deputado distrital Jorge Cauhy interferiu nesse procedimento e “ordenou” que os atingidos fossem realocados na área próxima ao Campo do Adelino que ainda encontrava-se desocupada. desde então o deputado 100 100 pasou a ser aclamado na vila que acabou recebendo o00 nome dele. 50


BA CIA

DO

PA R

SÍTIO FÍSICO

HIDROGRAFIA

AN

A primeira caracterização a ser feita diz respeito á localização da Vila Cauhy no contexto hidrogeográfico do Distrito Federal. Ela fica na bacia do paranoá, na subbacia do Riacho Fundo próximo a foz do Córrego do Guará. Antes de detalhar as problemáticas ambientais na vila, é preciso ressaltar que condições semelhantes são encontradas a montante da bacia, o que gera impactos para todos os ocupantes da área.

vila cauhy

BACIA DO

A identificação dos usos neste trecho da sub-bacia do Riacho fundo, a montante da vila, foram observados através de imagens de satélite sendo que podem ocorrer algumas distorções

RIACHO FU

vila cauhy

NDO (trecho) ndo

o fu

h riac

66

urbanização intensa urbanização rarefeita cerrado pouco atropizado áreas rurais cursos d’água


SÍTIO FÍSICO

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

PARQUE NACIONAL

APA PARANOÁ

APA PLANALTO CENTRAL

10km

APA PARANOÁ ARIE JK ARIE RIACHO FUNDO

APA PLANALTO CENTRAL

APA GAMA CABEÇA DE VEADO ARIE GRANJA DO IPÊ


SÍTIO FÍSICO

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

70

APP NASCENTE 50m do olho d’água

APP MARGEM DE CÓRREGO 30m da margem do manancial

APP VEREDA

área de solo encharcado mais 50m de distância

100

00

50

100


SÍTIO FÍSICO GEOMORFOLOGIA

No geral, as áreas da vila apresentam pouca declividade que reflete em uma boa estabilidade do solo se observadas as recomendações quanto à geotecnia e drenagem. Este mapa mostra apenas a divisão entre dois tipos de planície de vale de rio, a saber uma que acompanha o curso d’água e outra que bordeja a primeira e faz a transição com as áreas de chapadas.

Área de dissecação intermediária Planícies aluviais e alveolares

100

00

50

100

GEOMORFOLOGIA Planícies aluviais alveolares

Área de dissecação dissecaçã intermediária


1010 m

1015 m

SÍTIO FÍSICO 1020 m

RELEVO

102

5m

1030 m

m 35 10

N

100

00

50

100

15

10

m

0 02

25

m

10

1

m

1030 m

35

10

m

40

10

100

00

50

100

m


SÍTIO FÍSICO SOLOS

Este mapa é uma adaptação simplificada do elaborado pela topocart e traz como variáveis de risco de erosão as características de cada ponto tais como geoclasses, solo, uso do solo e declividade. Quanto maior a declividade, a área de solo exposto ou construído, maior o risco de erosão. É importante destacar que quanto á qualidade dos solos, os gleissolos são os que oferecem maiores restrições á ocupação pois possuem grande quantidade de matéria orgânica e são encharcados permanentemente ou periodicamente.

71

Cambissolo Gleissolo Hidrossolo flúvico

100

00

50

100

Essas restrições à ocupação de cada uma das áreas da vila será detalahada mais a frente principalmente com o cruzamento de outras informações tais como declividade, uso e ocupação do solo e classe geomorfológica.


A maior parte do solo da vila é constituído de turfas e solos moles. Estes são compostos em sua maioria por matéria orgânica, apresentam lençol freático alto, reduzido potencial de drenagem e pouca resistência à construções e implantação de infraestruturas subterrâneas e à pavimentação.

100

Turfa, solo mole

00

50

100

SÍTIO FÍSICO

TURFAS E SOLOS MOLES

72


SÍTIO FÍSICO

INFILTRAÇÃO DE ÁGUA

No geral, os cambissolos e sobretudo os gleissolose turfas apresentam as piores condições de absorção de água no contexto da vila pelo alto grau de matéria orgânica e argilas. Na área onde ocorrem neossolos há maior potencial de absorção uma vez que este possuem maior quantidade de areia em sua composição.

73

Muito baixa Baixa Média Alta

100

00

50

100

É importante destacar que a capacidade da região de absorver água da chuva está diretamente relacionada em maior medida a presença de vegetação natural, em menor medida a presença de áreas gramadas e inversamente proporcional a presença de solo descoberto e impermeabilização


SÍTIO FÍSICO O risco de erosão é característica comum dos solos do Distrito Federal e está relacionado com a capacidade do solo de drenar a água da chuva evitando que a mesma seja transportada superficialmente carregando material orgânico e mineral ou gerando algum tipo de falta de estabilidade. Outras características que também influenciam neste risco são a geoclasse local, o tipo de solo, uso e ocupaçãodo solo e a declividade. Quanto maior a declividade, a área de solo exposto ou construído, maior o risco de erosão.

Baixo

Médio

RISCO DE EROSÃO

Devido a fregilidade, os gleissolos e hidrossolos já são enquadrados automaticamente como áreas onde o risco é maior naturalmente. Nesses casos, a problemática é ampliada facilmente com pouca antropização. Nas áreas de cambissolo, a combinação de solo exposto ou construído com declividade grande gera um maior risco de erosão. Nos cambissolos basta haver ou maior declividade ou solo exposto/cosntruído para o risco ser grande.

Alto

74

Declividade e aterro

O setor de oficinas do Núcleo Bandeirante apresenta configuração parecida á da Vila Cauhy porém foi executado de forma planejada mediante um aterro. Hoje, contam os moradores existem muitos problemas relacionados a estabilidade do solo e das edificações.

Declividade

Ocasionada pelo desnível entre a EPIA e o restante da vila provavelmente gerada por ações de terraplanagem na época da contrução da estrada

Declividade 100

00

50

100

Nessa região acontecia extração mineral e por isso houve rebaixamento do nível do solo. Contam os moradores que a exploração parou quando se percebu que se estava muito próximo do nível do lençol freático. A parte que aqui apresenta maior risco de erosão corresponde aos limites do campo de futebol, um dos limites da extração. Aqui pode ser observado um forte declive.


SÍTIO FÍSICO

RISCO DE CONTAMINAÇÃO

Um dos riscos da urbanização em gleissolos é o aumento considerável do risco de contaminação. No mapa abaixo observa-se que o maior impacto se dá nas áreas edificadas e em pouco menor grau nas areas com solo exposto.

75

Muito baixa Baixa Média Alta

100

00

50

100

O ideal seria que a vegetação nativa pudesse ser preservada para poder filtrar as águas das chuvas que escoam pelo solo. De toda forma, gramas e vegetações rasteiras já são suficientes para minimizar o risco de contaminação.


SÍTIO FÍSICO

EFEITOS DA URBANIZAÇÃO

Divinéia

2014 2002

Vila Metropolitana

76 Curva do Riacho Fundo em 2002 e em 2014 na altura da Vila Metropolitana e Divinéia à 900m de distância da Vila Cauhy, porém em contexto ambiental bastante semelhante. Neste caso, as duas vilas já foram regularizadas e urbanizadas no tradicional modelo do Distrito Federal que tende a desconsiderar condicionantes do sítio físico. É importante reiterar que o impacto que se observa na foto acima não é apenas de responsabilidade desses assentamentos, mas sim de um conjunto de ações que vem ocupando de maneira questionável a sub-bacia do Riacho Fundo.

900

ros

met

Foz do no Lago paranoá. Em destque apresenta-se a área de espelho d’água em 13/08/2002 (verde escuro), período de estiagem, e em 12/02/2015 (verde claro), período de chuvas.É possível observar que durante esse período houve um aterramento de 900m do lago devido ao assoreamento ocasionado pela ocupação desordenada no território do Distrito Federal


77

Rua Maradona. Ao fundo é possível perceber a altura desproporcional que as edificações do setor de oficinas do Núcleo Bandeirante atinge em razão do aterro realizado na época de sua construção. Hoje essa área apresenta relatos de problemas na estabilidade dos solos e consequentemente das construções.


Na época de chuvas, o Riacho Fundo tem seu nível de água aumentado consideravelmente gerando risco inclusive de inundação

Rua que leva a Obra de Maria. Devido as condições do sítio físico, o solo sofre facilmente processos erosivos. Segundo os moradores, em 2014 foi feita uma obra de pavimentação com material similar ao asfalto. Sem considerar as características do lugar a pavimentação durou pouco tempo sendo completamente destruída pela pouca estabilidade do solo.

Região das margens do Riacho Fundo na altura da ponte próxima à Obra de Maria sem mata ciliar . Ao fundo o setor de oficinas do Núcleo Bandeirante.

Trecho de casas entre a Praça da Vitória e o Campo do Adelino evidenciando o desnível artificial gerado pela extração mineral no local.

78


101

0m

1015 m

SÍTIO FÍSICO 1020 m

INSOLAÇÃO E VENTILAÇÃO 102

5m

1030 m

m 35 10 15

10

m

0 02

VENTOS ÚMIDOS

25

m

10

1

m

VENTOS PREDOMINANTES 1030 m

35

10

m

N

VENTOS SECOS E FRIOS

40

10 100 100

00 00

50 50

m

100 100


80

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Elogio

aos

errantes.

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