Clássicos - Dicas de Leitura

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Marcel Devides

Dicas de leitura: Clássicos 1ª Edição

Bariri – SP Marcel Fernandez Davides 2019




Prefácio Como toda lista em que são selecionados as melhores músicas, os melhores filmes ou os melhores livros, sempre haverá polêmicas, afinal, jamais atenderão às preferências da totalidade das pessoas. Vamos aos exemplos que, aqui, posso esmiuçar sobre “Dicas de leitura: clássicos”. Certamente, as resenhas incluídas neste volume citam as obras ou os autores de muitas de minhas preferências literárias. Por que tive o cuidado de definir desse modo, “muitas de minhas preferências literárias” e não, apenas, “minhas preferências literárias” ou as “resenhas dos meus livros favoritos”? Explico e exemplifico. “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, é uma de minhas obras favoritas. Então, por que não foi incluída aqui? Li “Dom Quixote” aos 18 anos e me diverti à beça; lembro-me como se fosse hoje quando, sobre a mesa, colocava, de um lado, o livro e, de outro, o dicionário para desfrutar ainda mais a obra. Assim, ao longo dos 15 dias de leitura, durante minhas férias de faculdade, tive uma de minhas primeiras grandes experiências literárias. Porém, agora respondo a pergunta. Não incluí a obra “Dom Quixote” simplesmente porque não a resenhei. Aliás, adquiri a mania de fazer as resenhas dos livros sem a menor pretensão para, em primeiro lugar, através dos apontamentos, pequenas anotações e resumos, pudesse compreender ainda mais as obras que lia (e leio), especialmente, quando se tratam das obras clássicas da literatura. Em segundo lugar, iniciei-me nesse “ofício” por volta de uma década atrás, antes escolhendo títulos com o tema de motivação e negócios a fim de que fossem publicadas em uma coluna de um jornal local, espaço outrora destinado a


um empresário e ex-colunista que tecia suas publicações abordando semelhantes assuntos. Após mais de 60 resenhas sobre o tema, as quais possibilitaram a publicação do volume anterior “Dicas de livro: motivacionais”, onde selecionei as 50 melhores, conforme meus critérios, todas publicadas no jornal mensal “Bariri Notícias” ao longo de 8 anos, resolvi, por fim, dedicar-me à publicação de resenhas das grandes obras da literatura mundial, modificando totalmente, portanto, a abordagem dos temas da coluna. No entanto, somente quatro “resenhas clássicas” foram publicadas no jornal antes de sair de circulação. Por força de destino, um outro jornal, o semanário Noticiantes, de distribuição regional, iniciou suas atividades na cidade e logo tornei-me colunista mensal com o espaço “Dicas de leitura”, mote, evidentemente, para a publicação deste singelo “ensaio”, cujas resenhas foram confeccionadas nos últimos dois anos. Por essa razão, “Dom Quixote” não foi “resenhado” porque, para realizar as resenhas, necessitaria ler o livro novamente e, quem sabe, uma nova versão. Ou seja, dedico-me à realização de uma resenha imediatamente depois da leitura de um livro, fator que, em minha ótica, proporciona a possibilidade de reproduzir mais francamente a emoção vivenciada durante a leitura. A única exceção a essa regra, seguida durante a elaboração da seleção, refere-se à “Vozes de Tchernóbil”, talvez, pelo genêro literário empregado pela escritora Svetlana Aleksiévich, originária da Ucrânia, em que, virtuosamente, utiliza de sua experiência jornalística com a finalidade de compilar o livro após inúmeras entrevistas com as pessoas retratadas e, em acréscimo, abordar um assunto de domínio público em que a história da tragédia de vazamento de radiação nuclear de um reator da usina de Tchernóbil está e permanecerá na memória de milhões de pessoas por muito tempo. Creio que, por esses motivos, o


hiato que se estendeu entre a leitura do livro e a confecção da resenha dessa obra não distanciou, entretanto, a intenção ou o objetivo que almejei de seu resultado final. Poderia citar, ainda, outra obra, “Cem anos de solidão”, do renomado Gabriel García Márquez, que se constitui em outro título do “rol” de meus favoritos, também não incluído aqui nesta edição por motivos semelhantes. Entretanto, “O enterro do diabo”, a primeira obra do autor colombiano, foi resenhada e, merecidamente, a fim de que sua grandeza e representatividade literárias fossem (re)lembradas neste volume. Da mesma forma, “O carrilhão”, de Charles Dickens, foi abordado e, claro, não se trata de sua obra mais considerável, porém, o suficiente para demonstrar a sua habilidade literária presente em tantas de seus romances. Por outro lado, “Os miseráveis” que considero meu livro favorito, é, coincidentemente, uma obra-prima da literatura mundial. Sou um apaixonado, também, por John Steinbeck, mencionado aqui com o título “As vinhas da ira”. Assim, se eu elaborasse uma lista de meus 50 melhores livros, certamente, três ou quatro títulos seriam de Dostoiévski, meu autor preferido. Todavia, procurei citar apenas uma obra de cada autor. “Os demônios”, do escritor russo, talvez não seja sua principal obra, conforme aludem os críticos literários em que “Crime e castigo” possa “estampar” a preferência entre tantas obras-primas elaboradas por Dostoiévski. Eu escolheria, ainda, “Humilhados e ofendidos” e, curiosamente, cheguei a resenhar o livro “O sonho de príncipe”, talvez sua obra mais curta, bem humorada e distinta de todos as demais que, evidentemente, pelo motivo já citado, a de incluir uma única resenha de cada autor, esta, não incluída aqui, pode ser encontrada apenas em meu blog “dicasdelivrosite.wordpress”. Procurei, além disso, selecionar obras dos autores de


diferentes países, de cinco continentes, embora haja uma preponderância pelos títulos de língua inglesa em um total de 15 das 50 obras resenhadas, pura e simplesmente por uma coincidência e, de certa forma, porque, realmente há grandes escritores americanos ou ingleses na história da literatura mundial. Dessa maneira, justifico a escolha pela resenha “Ficções”, do argentino Jorge Luis Borges, com o intuito, porquanto, de diversificar as nacionalidades, além de citar um dos autores sul-americanos mais aclamados na história da literatura mundial e, por ser um apaixonado, também, pela sua história e pela sua criatividade, originalidade e fantástica literatura ou literatura fantástica, como quiserem denominar. Borges, entretanto, para mim, veja, ratifico e que não seja mal interpretado, apenas quero dizer que, diante de minhas preferências literárias e isso é bem pessoal, não se constitui, portanto, para mim, em um de meus autores prediletos, pois, creio que Borges tem um público próprio e devoto, porém, diante de sua representatividade e influência exercida no mundo literário não poderia deixar de homenageá-lo com a resenha de “Ficções” e, também, por considerar que, dentre todas as resenhas confeccionadas, talvez seja uma das melhores. Nessa mesma linha de raciocínio, posso estar caindo em contradição, contudo, por exemplo, ao confessar que li vários livros de Kafka, como “Muralha da China” e “O processo” e, ao desfrutar as obras citadas e, apesar da representatividade do autor, nascido na República Tcheca, que obteve um alcance em todas as esferas literárias mundiais, não incluí aqui “Metamorfose”, sua obra-prima. Justificativa: Kafka, para mim, (novamente é de bom alvitre salientar que este singelo autor de “Dicas de livros: clássicos” não é um crítico literário e sim, única e exclusivamente um amante da boa literatura), é responsável por uma literatura também única no mundo e exige bastante


dedicação por parte do leitor para o entendimento de suas complexas obras, se é que o objetivo de suas obras tenham por intenção somente isso, isto é, estritamente entendê-las talvez não corresponda à totalidade da experiência literária de seus escritos. Por isso, se explico-me bem ou, talvez, não tão bem assim, por me achar muito aquém ou por quaisquer outras dificuldades, julguei ser tarefa extremamente árdua elaborar uma resenha sobre uma obra de Franz Kafka. Talvez consiga um dia, mas, evidentemente, aqui ainda não foi incluída. Outro título abordado, “Infância”, de Maksim Górki, certamente gerará controvérsias com relação à escolha. Todavia, evidentemente, não se pode subestimar a representatividade do autor russo para a literatura embora, obviamente, não suplante a importância de tantos outros escritores do país. Mas, para mim, constitui-se em uma obra que marcou-me profundamente diante da expressividade do autor, demonstrando como poucos, os grandes traços de caráter do povo russo. Em contrapartida, alguns títulos foram abordados porque, realmente, senti-me na obrigação de resenhá-los tamanha a importância das obras como muitas das citadas aqui e que me surpreenderam. Quero, ainda, evidenciar mais uma característica primordial. Procurei selecionar obras de diferentes épocas. “A divina comédia” foi escrita no século XIV e “O Senhor das moscas”, em 1989. “Harry Potter”, de J. K. Rowling, também recebeu uma resenha por consagrar-se em “fenômeno” ao atingir o grande público dos mais variados países e, por isso, pelo menos aqui, foi considerado como “clássico”. Outro ponto importante: há uma predominância pelo gênero romance com exceção à “Contos”, de Voltaire, Contos de Belkin, de Pushkin, “O enfermeiro”, de Machado de Assis, além de incluir outros gêneros como os en-


saios e contos incluídos no volume “Ficções”, o romance jornalístico de “Vozes de Tchernóbil” e uma adaptação de teatro, a famosa peça “Ricardo III”, de Shakespeare. De qualquer maneira, voltando à discussão inicial, a de se incluir um título ou outro, isso sempre se constituirá em uma experiência saudável e enriquecedora. Por isso, espero contribuir sobremaneira com essa discussão. Dessa forma, diante de toda essa introdução e, para que não me alongue demais, acima de tudo, desejo que este “pequeno livro de bolso” incentive o leitor ao interesse pelas obras descritas, além de tantas outras obras dos autores mencionados como, por exemplo, o “Nome da rosa”, de Humberto Eco, sua mais conhecida e fascinante obra que, todavia, deu lugar, neste volume, para a resenha de “O cemitério de Praga”, também digna de brilhantismo do escritor italiano. Enfim, com toda a certeza, posso salientar que todas as obras mencionadas aqui tocaram-me de maneiras diferentes. Não há um título sequer de que não estimo ou tenha dedicado pouco apreço, com algumas das resenhas já publicadas no Jornal Noticiantes, na coluna mensal “Dicas de leitura”.Eis, então, os livros que indico com muito prazer, muitos deles os maiores clássicos da literatura mundial salientando sempre a importância de sua leitura que, conforme diz Ítalo Calvino, em seu livro “Por que ler os clássicos?”: “- Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Grande abraço a todos, Marcel Devides.




A cartuxa de Parma

(Stendhal)

Escrito em 53 dias e, assim como em “O vermelho e o negro”, o livro mais conhecido do autor, tem como protagonista uma espécie de “anti-herói”. Fabrice, filho dos marqueses Del Dongo, é muito devotado por sua tia, a duquesa Piatranera, que assume papel importantíssimo ao longo da vida de seu sobrinho. Aos dezessete anos, o ingênuo Fabrice deseja, de forma quixotesca, deixar o luxo do Castelo de Griante, na Itália, para combater em favor de Napoleão Bonaparte. Assim, sem saber ao menos pegar em um fuzil, seus infortúnios se iniciam após o roubo de seu cavalo, sua prisão por adotar um passaporte falso, entre outras intempéries, até a derrota das tropas francesas em Waterloo, que o obrigou a regressar para Griante, agora perseguido como traidor da Pátria. Eis, agora, uma sucessiva sequência de conchavos, jogo de intrigas e interesses, ciúmes, casamentos forjados, em que muitos não se despem da vaidade e do poder da renda, tendo como uma das principais estrategistas, ao lado de seu amante conde Mosca, a duquesa Piatranera, sempre com o objetivo de libertar Fabrice de suas confusões como a de sua prisão em Parma, na temida Torre Farnese, após um assassinato em legítima defesa do enamorado de sua amante chamada Marietta. Diante dos déspotas, como indulto, por intermédio do conde Mosca, Fabrice iria para o seminário com a promessa de se tornar arcebispo ulteriormente. Fabrice, porém, procura seguir seus mais apaixonados desejos em 14


busca de um romance com Clélia, filha do general Conti e de confiança da corte que intervém em favor da prisão do “anti-herói”. Em resumo, uma história de romance, mas, acima de tudo, de intrigas políticas que afetam as pessoas como ilustrado em uma das frases dessa brilhante obra: “a política, numa obra literária, é um tiro de pistola no meio de um concerto, algo grosseiro, mas ao qual não é possível recusar sua atenção”.

STENDHAL. A Cartuxa de Parma. Editora Companhia das Letras, São Paulo – SP, Copyright 2012 (1853).

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A Dama das Camélias (Alexandre Dumas Filho) Herdeiro bastardo do consagrado escritor Alexandre Dumas, autor de obras-primas como “Os três mosqueteiros” e “O conde de Monte Cristo”, Alexandre Dumas Filho, merece destaque como um dos maiores artistas do século XIX diante da dimensão que “A dama das camélias” ganhou na França e em toda a Europa ao ser retratada, como pouquíssimas obras da história, pela pintura, música, teatro e cinema repercutindo até os dias de hoje. Trata-se da história de amor entre o jovem aristocrata Armand Duval e uma belíssima cortesã de Paris, Marguerite Gautier, romance considerado improvável perante o preconceito social da época e a intolerância da família, em especial do pai, monsieur Duval, que não aceita o relacionamento. A narrativa é iniciada depois do leilão dos bens de Marguerite após morrer ainda muito jovem de tuberculose. Armand se atrasa e chega à Paris após o término do leilão e, por isso, busca contato com o narrador ao descobrir que um livro fora arrematado por ele. Arrebatado emocionalmente pelas lembranças do envolvimento com a dama das camélias, assim conhecida por fazer com que o jardineiro do cemitério levasse constantemente camélias para o túmulo de sua ex-amada, o passional Armand se põe a relatar os detalhes de sua paixão que tivera com uma das mulheres mais cortejadas da sociedade que, por sua vez, levava uma vida 16


perdulária, imbuída por jóias e carruagens, sendo muito bem paga por duques, barões e condes. Após encontros nos teatros, Prudence, uma das confidentes de Marguerite, o apresenta à cobiçada Marguerite que, em um determinado momento, vendo-se enferma e acreditando no amor inconteste de Armand por ela, dispõe-se a deixar todas as suas posses e viver exclusivamente com seu amado. Porém, talvez, obviamente, a história tem um final trágico cuja protagonista se vê sozinha, apenas sob os préstimos da governanta Nanine. Em seus últimos dias, a amiga Julie Duprat se encarrega de escrever as linhas finais que seriam remetidas à Armand já que Marguerite não dispunha nem de forças para pegar na pena. Notadamente autobiográfico, esse romance vale muito a pena ser lido cujo autor, hoje, está sepultado no cemitério de Montmartre, a pouca distância do túmulo da cortesã Marie Duplessis, por quem se apaixonou e foi inspirado. DUMAS FILHO, Alexandre. A Dama Das Camélias. Editora Nova Cultural Ltda., São Paulo – SP, Copyright 2003 (1848).

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A divina comédia

(Dante Alighieri)

Escrito entre 1307 e 1321, entre o fim da Idade Medieval que se daria no próximo século e o início do Renascimento Cultural, o poeta nascido em Florença, em um momento de prosperidade e efervescência política da região, descreve de forma esplendorosa, nessa alegoria, entremeada por seres mitológicos, astros e figuras características da obra, sua viagem pelo Inferno, o Purgatório e o Céu, acompanhado, até determinado momento, de seu guia e mestre, o poeta Virgílio, assumindo depois a companhia de sua amada Beatriz. Durante sua visita depara-se com as almas, descritas como sombras, em cada um dos compartimentos e seus testemunhos e confissões perante dúvidas e indagações de Dante. O livro é constituído por 100 cânticos, divididos em 34 para o Inferno e 33 para o Purgatório e o Céu cada um. No Inferno, Dante revê seus desafetos políticos, onde se encontram as 6 primeiras turbas e, em cada um desses círculos, os lamentosos acometidos pelo paganismo, luxúria (onde Francesca lamenta que não há tormento mais dorido que relembrar os tempos felizes na desgraça), gula, avareza, ira e heresia, em uma atmosfera de lodo, vales, abismos, tempestades, frio, vendavais e torres. Abaixo, a cidade demoníaca de 3 fossos, oferece passagem aos 3 próximos círculos, o 7º com 3 recintos, o 8º com mais 10 valas, ou covas de Malebolge, onde se encontram, por exemplo, os simoníacos enterrados de cabeça para baixo na 3ª vala, os farsantes que tem a cabeça voltada para trás na 4ª vala, os corruptos mergulhados em betume fervente na 5ª vala e os hipócritas curvados pelo peso do fardo de chumbo sobre as costas na 6ª vala. No 9º círculo, nas profundezas do re18


cinto, Dante e seu guia deparam-se com Lúcifer, um gigante de 3 cabeças. Ao subirem um pouco, estão diante do Antepurgatório que, por um vale florido, atravessa-se um terraço que se abre ao Purgatório, onde se acham as almas em recuperação. A descrição do Céu é mais digna de fluidez poética, segundo minha opinião, onde cada um dos 9 compartimentos é descrito pelo nome de um planeta, estrela ou Lua na medida em que vão escalando rumo ao Supremo Divino, cada vez mais luminoso, sob cânticos, provido de citações de personagens bíblicas e com Beatriz cada vez mais formosa e apreciada platonicamente por Dante, de quem o autor recebe explicações a exemplo da referida no 1º círculo do Céu, chamado Lua, em que diz ser Deus representado com pés e mãos porque, ao ser humano, é mais fácil aceitar os sentidos antes de fazê-lo pelo espírito. Dante, enfim, conclui sua viagem mediante uma magnífica oração. Após mais de 20 anos de meu primeiro contato, reli essa primorosa e atemporal obra a fim de escrever essa resenha e penso que seja interessante para o leitor que deseja ler “A divina comédia” pela primeira vez, buscar uma edição atualizada, preferencialmente ilustrada, com fotos e notas explicativas e disposta em cânticos, mais fiel, porquanto, ou mais próxima da maneira com que foi escrita. Há uma ótima edição de 1984, disponível em dois volumes da Editora Itatiaia Ltda, Belo Horizonte – MG, um pouco diferente da edição abordada aqui, da “Coleção obras primas”, com o texto todo em prosa, tornando a obra mais enxuta, capaz de agradar a outro tipo de leitores. ALIGHIERE, Dante. A Divina Comédia. Editora Nova Cultural Ltda, São Paulo – SP, 2002, Copyright (1321). 19


A hora da estrela

(Clarice Lispector)

Nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira, a autora judia, uma das mais importantes da história da literatura de nosso país tem, talvez, entre seus ensaios, contos, crônicas, romances e infantis, em “Ahora da estrela”, sua obra mais marcante e, embora curta, o que a caracteriza como um “romance-relato”, já que o narrador Rodrigo S. M., pseudônimo da escritora nesse caso, preocupa-se em revelar, sob suas constantes interferências durante a história, chegando a interrompê-la por “achar-se cansado de literatura”, o paradeiro de Macabéa. Trata-se de uma pobre nordestina (na verdade, paupérrima em todos os sentidos), de 19 anos, que, após a morte de sua tia, destina-se ao Rio de Janeiro como datilógrafa e conhece o “metalúrgico” Olímpico de Jesus com quem passa a namorar e insiste em “jogá-la mais ainda para baixo”. Macabéa, de vida extremamente difícil, desprezada pelos outros e “conformada” em seu próprio desprezo, já que sua “imagem pouco se reflete no espelho baço”, ou seja, como se sua existência não “assumisse consciência” e detalhes quaisquer, mantém contanto, em seu isolamento, com um rádio-relógio, um “eco do mundo” em que se sente atraída pelos anúncios, a hora certa e, ainda, cultura, cujo significado desconhece. Macabéa, passa a viver com as “quatro Marias” e é traída por Olímpico com sua “amiga” Glória, apesar da “aceitação” do fato, tendendo a “prosseguir” por “um lugar” na vida que parece não “dar-lhe passagem” ou como se ela fosse uma “constante dor de dente” para a existência, apesar de seus “desejos engaiolados” e 20


sua atração pelo cinema, mais precisamente pela “diva” Greta Garbo, identificando-se outrora, também, com o título de um livro de seu chefe chamado “Humilhados e ofendidos”, do autor russo Dostoiévski. Eis que, humilhada por Glória, ao confessar seu “amor” por Olímpico, a “amiga” impele-a, talvez por remorso, a procurar por madame Carlota, uma cartomante que “jamais mente” e pode “mudar a vida das pessoas” pela “revelação das cartas”. Logo depois do encontro com Carlota, Macabéa sente-se “outra” graças aos “bons presságios” encontrados durante a “leitura das cartas”. O que acontece em seguida, entretanto, talvez, “desconcerte” o leitor e de forma profunda, intensidade característica da obra de Clarice que, através da linguagem, interfere na emoção e, mais especificamente, nesse caso, diante do desamparo de Macabéa, traz à tona, a “Macabéa” de cada um ou a “grandeza de cada um” mediante o “instante da vida”, “instante, átimo de tempo em que o pneu do carro correndo em alta velocidade toca no chão e depois não toca mais e depois toca de novo. Etc etc etc”. O livro “virou” filme em 1985, com direção de Suzana Amaral e um elenco de peso, muito premiado e elogiado pela crítica. Render-se-á, o assíduo leitor, aos encantos mais profundos de Clarice Lispector, que perante os arquivos de uma de suas entrevistas à TV, aos quais tive acesso mais recentemente, em meio às pitadas de seu cigarro, parece-me enigmática, extremamente inteligente, expressando-se incontestavelmente muito melhor por meio de suas obras de arte. LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela, Editora Rocco, Rio de Janeiro – RJ, 1998 Copyryght, 1977. 21


A lista de Shindler

(Thomas Keneally)

Eis aqui um dos mais belos relatos de que se tem notícia a respeito de um homem que se dedicou profundamente ao ser humano. Consagrado ainda mais no mundo após a adaptação para o cinema com a assinatura do premiado diretor Steven Spielberg, revela a história verídica de um magnata, proprietário de uma fábrica de esmaltados na Cracóvia, Polônia, associado ao partido nacional-socialista, que utilizou toda sua capacidade de persuasão, influência, estratagemas e subornos no salvamento de 1200 judeus incluídos em uma lista, dos campos de extermínio, transferindo-os de Plaszóvia, uma das unidades de trabalho em poder dos nazistas, com prisioneiros advindos do gueto judaico, à sua empresa sob o pretexto de colaboração para a guerra na produção de armamentos e, mais tarde, com destino a Brinnlitz, na Tchecoslováquia, outro sub-campo que manteria supostamente a mesma contribuição, fornecendo aos “funcionários listrados” comida, insuficiente porém, mas com muito mais calorias que as de Auschwitz-Birkenau, graças ao auxílio de Emilie, esposa de Oskar, sem que, contudo, uma única pessoa fosse espancada ou executada, ao contrário do destino que tiveram milhões de judeus e outros prisioneiros não judeus como todos já sabem, cujos alguns episódios tristes e estarrecedores são descritos no desenrolar dos capítulos. O que, talvez, poucos saibam, é que o autor australiano, vencedor do Booker Prize em 1982, um dos mais renomados prêmios da literatura mundial, no ano seguinte ao da publica22


ção, baseou-se na entrevista de 50 sobreviventes salvos por Shindler, de sete países, Austrália, Israel, Alemanha Ocidental, Áustria, Estados Unidos, Argentina e, também, o Brasil, para a construção do romance. Outra curiosidade refere-se ao título original do livro, “A arca de Shindler”, que até onde sei, indisponível em português, mas encontrado em espanhol. A arca faz menção a um dos acontecimentos ocorridos na sinagoga Stara Bozníca, a mais antiga da Europa, onde oficiais da SS (“Shutzstaffel”, algo como “Tropa de Proteção”), tiraram de uma arca a Torá e, depois de unirem o grupo de judeus ortodoxos ao dos judeus “agnósticos” (em condições normais isso não seria possível) e depositarem o pergaminho ao chão, obrigaram os prisioneiros, perfilados, um a um, a cuspirem no livro sagrado sob ameaça de fuzilamento caso desobedecessem. Após o fim da guerra, Oskar Shindler foi reconhecido pela organização internacional judaica mediante seus nobres préstimos à humanidade, além de receber o Prêmio “Justo entre as nações”, apesar de sofrer em períodos subsequentes com a falta de provisões, duas falências sucessivas, a primeira delas de uma fazenda na Argentina, onde viveu por 10 anos, retornando à Alemanha posteriormente até ser acometido por um colapso no coração em 9 de outubro de 1974. Sua memória permanece viva no Yad Vashem, principal Museu do Holocausto de Israel e, ainda, em alguns lugares da bela cidade de Cracóvia, incluindo a “Fábrica da Emália” ou a “Fábrica de Shindler”, hoje um museu, da Rua Lipowa, Zablocie, onde tive o privilégio e a emoção de visitar com meu irmão durante um dos invernos na Europa. Conforme inscrição de um anel de ouro cunhado por um ou23


rives, ex-prisioneiro de Brinnlitz, em agradecimento pelo que Oskar foi capaz de fazer, proferida pelo judeu-polônes Itzhak Stern, um dos ex-companheiros de Herr Direktor, “Aquele que salva a vida de um homem salva a vida do mundo inteiro.” Uma história profundamente emocionante. KENEALLY, Thomas. A Lista de Shindler, Best Bolso, Grupo Editorial Record, 9ª Impressão, Rio de Janeiro – RJ, 2016, Copyright 1981.

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Almas mortas

(Nikolai Gógol)

Nascido na região da Poltova, Ucrânia, mas, fixando-se em Petersburgo, Nikolai Gógol é considerado mais um dos influentes autores da literatura russa. Assim como, por exemplo, Dostoiéviski, cuja obra “Os demônios” ressalta o receio diante da “europeização” da Rússia ou Tolstói, em “Guerra e paz”, onde demonstra a resistência russa contra os franceses, Gógol também expressa suas críticas sociais mais sutis e com doses de ironia muitas vezes, ilustradas por algumas das personagens da alta sociedade russa que, eventualmente aparecem no romance, ao pronunciarem de maneira incorreta o idioma francês. O título pode causar estranheza, porém, diante da história habilmente construída, o leitor é conduzido pelas interferências repentinas do autor em meio ao romance, onde se conhece o protagonista Tchítchicov, recém-chegado à cidade NN que, em pouco tempo, reúne-se com autoridades importantes do local. Logo depois, demonstra suas intenções ao negociar sucessivamente com o proprietário de terras Manílov, o pândego Nosdriov, a hospedeira Koróbotchka e mais dois fazendeiros, Sobakêvitch e Pliúchikin, a compra de “almas mortas” como se estivessem vivas enquanto a nova lista de recenseamento não estivesse pronta e, assim, receber os impostos do Conselho de Tutela. Essa é a premissa: comprar almas mortas a um preço baixo e hipotecá-las como vivas com grande lucro. Para que os contratos fossem registrados, Tchítchicov pagava propinas aos presidentes e 25


funcionários dos cartórios. Depois, ao comparecer a um baile, Tchítchicov é “galanteado” pelas senhoras, porém, ao deslumbrar-se com a loirinha, filha do governador, coincidentemente, são despertadas as desconfianças quanto ao seu paradeiro e crescem os boatos por toda a cidade alegando que ele planejava sequestrá-la. Após manter-se alheio aos boatos, por não sair de casa pelos próximos três dias em razão de uma gripe, não foi recebido pelo governador e outros conhecidos. Avisado por Nosdriov sobre o que diziam a respeito de sua pessoa, Tchítchicov deixa a cidade. A segunda parte do romance inicia os relatos de um outro proprietário de terras chamado Tentiêtnikov. Ao encontrá-lo, Tchítchicov reaparece na história e, só nesse momento, é revelada a vida pregressa do herói, como é tratado pelo autor – na verdade, um grande impostor como o leitor poderá perceber. Tratava-se de um ex-funcionário público que servira na Alfândega. Logo, trava conhecimento com Platonóv com quem chega à Constantin, um investidor bem sucedido e vê a oportunidade de tornar-se, conforme seu sonho, um “pomiêchtchiki”, isto é, um grande proprietário de terras, ao negociar com o preguiçoso Khlobúiev, dono de uma propriedade abandonada onde até seus bocejos contagiavam o local (“... até os telhados abriam-se em bocejos”). O “herói” se vê em maus lençóis na medida em que as denúncias são levadas ao conhecimento do príncipe e deverá utilizar-se de seus meios “escusos” a fim de deixar a prisão. Cabe registrar que “Almas mortas” tiveram seus escritos queimados pelo autor um pouco antes de sua morte tornando a obra inacabada assim como sofre 26


algumas interrupções pela perda de páginas ou trechos dos manuscritos e, mesmo assim, vale a pena compreender esse retrato e crítica dos costumes da sociedade russa da primeira metade do século XIX em que os servos da época eram chamados de almas pelos donos das terras, além das ironias com relação à burocracia e à corrupção do sistema público. GÓGOL, Nikolai. Almas Mortas, Editora Nova Cultural Ltda, São Paulo – SP, Copyright 2002 (1842).

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As cidades e as serras (Eça de Queirós) Publicado em 1901, obra póstuma de um dos maiores ficcionistas da literatura portuguesa, o narrados conta a história de Jacinto, conhecido como “príncipe da Grã-Ventura”, que venera a civilização, “- o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado” e, dessa forma, impregna-se da intelectualidade e do “domínio da substância” na posse de seus mais de 30 mil livros e dezenas de utensílios como telégrafo, telefone, telescópio, “conferençofone”, “teatrofone”, entre outros, assumindo a conduta descrita pela sua fórmula “suma ciência X suma potência = suma felicidade”. José Fernandes, após sete anos junto às serras de Guiães, retorna à casa de seu amigo localizado nos Campos Elíseos, 202, Paris, e passa a testemunhar as aventuras do príncipe que, apesar de todas as riquezas e regalias, sente-se, enfadado com os subsequentes problemas da civilização (“- que maçada...”, dizia frequentemente”), a exemplo do alagamento do palácio após as chuvas, queda de energia elétrica durante os preparativos do jantar a fim de receber os convidados da elite social, além da falta do peixe para servirem como um dos pratos principais em que, comicamente, Madame de Oriol, uma das visitantes, coloca-se à disposição para pescá-lo. Eis, então, que o desabamento do vale da Carriça, arrastando uma igrejinha rústica do século XVI, onde jaziam os avós de Jacinto, alterou o seu destino. Jacinto resolve mudar-se para Tormes e 28


reconstruir a igrejinha com o objetivo de acompanhar a trasladação dos corpos de seus antepassados. Durante a viagem, novos imprevistos acontecem, suas malas são extraviadas e, à sua chegada, identifica que a igreja não foi reformada apesar de todos os materiais comprados e enviados ao local para este fim, além de se ver obrigado a utilizar poucas escovas de cabelo e não mais dezenas e deixar de tomar água carbonatada ou fosfatada como era seu costume. Assim, aos poucos afeiçou-se às serras, deparando-se, porém, com suas misérias e, por isso, interveio em benefício dos “serranos” construindo novas moradias, disponibilizando médicos e dinheiro para quem necessitasse. Tempos depois, Jacinto se casa com Joaninha, prima de José Fernandes, tem dois filhos e, definitivamente, mantém-se nas serras enquanto, seu amigo Zé, em visita à Paris, não encontrou diferenças entre a atual e a cidade de outrora. Leitura prazerosa e divertida de uma das obras mais pedidas dos principais vestibulares há alguns anos. QUEIRÓS, Eça de. As Cidades e as Serras, Editora Nova Cultura, São Paulo – SP, Copyright 2002 (1901).

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As vinhas da ira (John Steinbeck) Embora “relativamente” menos prestigiado que seus contemporâneos Hemingway, Fitzgerald e Faulkner, o autor californiano, único de quem se tem notícia - além de Bob Dylan mais recentemente - a ganhar o Prêmio Pulitzer e o Nobel de Literatura, retrata, em “As vinhas da ira”, de 1939 - antes, portanto, de atingir, em minha opinião, seu auge literário em 1961 com a publicação de “O inverno de nossa desesperança” - a saga da família Joad em plena era de recessão econômica da década de 1930 dos Estados Unidos, abordando o tema da “Marcha para o Oeste”, tão recorrente na literatura e no cinema americanos ao cunhar, sob a escrita simples e repetições de ideias, características em suas obras, algo reverenciado até hoje por muitos estadunidenses. As primeiras cenas revelam a saída de Tom Joad da cadeia, em liberdade condicional e, após pegar uma carona e encontrar o ex-pregador Casy, ambos chegam à antiga casa dos Joad deparando-se com uma triste realidade: a propriedade dera lugar à plantação de algodão e os arrendatários das terras estavam sendo expulsos pelos proprietários diante das péssimas safras e da substituição da mão-de-obra pelas máquinas. Sem quaisquer perspectivas de futuro, os Joad, 30


motivados pelos impressos encontrados nas ruas com a promessa de trabalho no Oeste, juntaram o pouco que tinham e rumaram em um calhambeque com 12 tripulantes, o Avô doente, Avó, Pai, Mãe, os filhos Al, Tom, Rosa de Sharon grávida e seu marido Connie, Noah, as crianças Ruthie e Winfield, além de tio John e Casy, frente aos 3 mil quilômetros com destino à Califórnia. Sem casa e dinheiro, em um veículo que não lhes garantia ínfima segurança, enfrentam, desse modo, os mais diversos percalços, perante a impressionante narrativa de Steinbeck em que é possível ao leitor, imiscuir-se de uma realidade árida, opressora, poeirenta, suja, com calor escaldante, em que os Joad e milhares de outras famílias são obrigadas a permanecerem acampadas em tendas improvisadas. Ao atravessarem o Rio Colorado, os Joad passam pelo deserto e avistam uma “miragem” ou o “oásis de suas ilusões” - os campos frondosos abarrotados de árvores frutíferas -, inferindo-lhes a esperança pelo trabalho e sustento da família ao se sujeitarem a, desafortunadamente, empregos por míseros cents, insuficientes para a comida e sobrevivência mediante os lucros exuberantes dos proprietários. Em muitos instantes, expressa-se, frente a um trágico cenário, a força do ser humano em que “cada uma das almas revela apenas um pedacinho delas... ninguém preenche sua alma sozinho... em condições desesperado31


ras, as fronteiras dos sítios ao dia e das casas à noite, estabelecem-se em novas fronteiras de suas almas graças à solidariedade e à organização...”; então, “se alguém está em dificuldades, deve procurar a sua própria gente...”, diante da “miséria que provoca todos os males”. Cabe testemunhar o final impressionante capaz de deixar o leitor com uma “dor aguda no estômago” e, como muitos brasileiros como eu, patriotas e, por sermos patriotas, em muitos aspectos, diante da atual realidade de nosso país, temos muito com que nos orgulhar com os americanos e muito por odiar o Brasil. Enfim, uma obra clássica de muitas gerações, sucesso, também, nas telas de Hollywood, estrelado por Henry Fonda e dirigido por John Ford, em 1940, vencedora de dois Oscars, considerado o 7º filme mais inspirador da história do cinema.

STEINBECK, John. As Vinhas da Ira, 4ª Edição, Editora Record, Copyright 1967 (1939).

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Caniços ao vento (Grazia Deledda) Vencedora do Prêmio Nobel de 1926, a incansável romancista, originária da Sardenha, presenteia o leitor, conforme sua escrita rústica, popular e desprovida de rebuscamento que lhe são características, a exemplo de Hemingway e Steinbeck, com uma história influenciada pelas suas raízes, ambientada na região bucólica, chamada Galte, próxima de Nuoro – local de nascimento da autora -, cujo protagonista, Efix Maronzu, servo e de percepção nobre, destina-se a cuidar do sítio e de suas patroas, as irmãs Pintor, dona Rute, a mais velha e serena, dona Ester, mais madura, dona Noemi, a caçula, além de Lia, a terceira das quatro filhas, que fugiu da aldeia e, depois, já viúva, faleceu deixando seu herdeiro Jacinto, fruto de seu casamento com um negociante de gado. Um telegrama, no entanto, remetido à Efix, interrompe a tranquilidade das irmãs perante o anúncio de que Jacinto, em breve, viajaria até a aldeia. Diante da indisposição das tias em receber o sobrinho, Efix, então, prontificou-se. Após semanas a fio, Jacinto chegou causando alvoroço e despertando a curiosidade da comunidade de Galte, em especial, de sua enamorada Grixenda. Porém, à medida que Jacinto se relaciona com a comunidade local, envolve-se em jogos incentivado pelo rico Milese, põe-se a beber e, ainda, falsifica a empresa de dona Ester, em negócios com a usurária Kallina, oferecendo o sítio como garantia. Para a decepção 33


das tias e depois de repreendida por Noemi, o sobrinho expressa suas amarguras a Efix e, este, exige-lhe, logo depois, que procure por emprego em Nuoro a fim de saldar sua dívida. O visitante deixa a aldeia contrariado e Grixenda adoece sentindo sua ausência enquanto entram em cena a velha supersticiosa Pottói, que aconselha seus amigos após suas visões com a falecida dona Maria Cristina, mãe das Pintor e, Dom Predu que confessa seu interesse em comprar o sítio e seu amor por Noemi. Efix, contudo, em sua função de paladino, após testemunhar dona Noemi recusar o pedido de casamento de Dom Predu, deixa o sítio e, em penitência, como dizia, passa a viver como um mendigo. Em seu regresso, entretanto, a beleza do lugar tende a mudar diante dos novos augúrios em que Efix Maronzu reconhece, nesse momento, em comovente relato, à beira de seus delírios de febre, a sua missão terrena e, que seu destino, assim como o de todos os homens, é expresso como caniços ao vento, “... somos caniços e o destino é o vento”; somos, enfim, levados por nossa sina, como demonstrou graciosamente Grazia. DELEDDA, Grazi. Caniços ao Vento, Editora Delta, Rio de Janeiro – RJ, Copyright 1974 (1913).

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Como era verde meu vale (Richard Llewellyn) Publicado em 1939, o autor nascido no País de Gales, iniciou a escrita da obra quando ainda servia o exército britânico na Índia; em quatro meses, vendeu mais de 50 mil exemplares e, sob a direção de Jonh Ford, lançado em 1941, o filme ganhou o maior prêmio da Academia de Hollywood. A história é contata por Huw Morgan, o filho mais novo de Gwilyn e Beth Morgan, moradores de uma calma aldeia até a instalação de uma mina de carvão na região. A partir daí, os sindicalizados procuram estremecer os brios dos proprietários das minas em que Davy, um dos irmãos de Huw, assume a liderança opondo-se ao pai que, recentemente, ocupa o cargo de superintendente de uma das minas. Uma série de eventos se sucedem, então, como o casamento de Owen e Marged, os emocionantes encontros no alto de uma montanha entre Huw e Ceiwen, pertencente a uma aldeia rival, um roubo de perus de propriedade do sr. Morgan protagonizado pelo diácono Evans, a envolvente apresentação de coral de Ivor, mais um dos filhos, diante da rainha, motivo de orgulho para toda a aldeia, o importante papel do sr. Gruffydd como líder e conselheiro religioso, a frustração da irmãAngahad após a transferência de seu marido Iestyn para a África do Sul devido ao trabalho, a afeição de Browen por Huw, nada comparado, na minha opinião, às estripulias pelas quais o irmão mais novo se envolve como as brigas na escola que, após treinado por Dai e Cyfarta, chega a ser expulso e perdoado em seguida pelo diretor sr. Motshill, mas que, 35


recai em nova falta ao lutar contra o professor Jonas, contrariando os desejos de seu pai de torná-lo um médico ou advogado. Expulso da escola, portanto, Huw inicia, também, seu trabalho nas minas acompanhado por Ivor. Dessa forma, os ânimos se arrefecem entre trabalhadores e mineiros, as greves e lutas políticas crescem e os filhos de sr. Morgan, consequentemente, vão tomando seus próprios rumos, na medida em que Huw expressa sua visão dos acontecimentos como “quando a rotina é interrompida até que uma coisinha acontece e tentamos simular que estamos em sonhos”, ou “a dor não tem significado quando se está com saúde, passam as coisas a ter importância quando a dor nos maltrata”, chegando às páginas finais e mais emocionantes em que o autor evidencia todo o saudosismo ao mostrar no mapa onde cada um dos irmãos passou a viver, demonstrando, nesse momento, todo o seu apreço pela mãe ao dizer “a senhora é como a mãe de uma estrela... irradia luz até essas lonjuras, através de continentes e oceanos”, até que o evento mais inesperado ocorre mantendo o sentimento do leitor da “saudade dos bons tempos”... LLEWELLY, Richard. Como Era Verde o Meu Vale, Círculo do Livro, São Paulo – SP, Copyright 1967 (1939).

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Contos

(Voltaire)

Nascido em 1694, François Marie Arouet, cujo nome Voltaire foi adotado pelo próprio autor durante sua primeira prisão na Bastilha, onde eram levados os desafetos do monarca, recebeu herança para investir em literatura. Conhecido por sua “língua ferina”, foi perseguido, deportado, lutou por justiça, testemunhou o advento do Iluminismo durante seu exílio e conviveu com nobres e filósofos de estirpe como Diderot e Leibniz. Os 11 contos reunidos nessa edição, demonstram toda a preciosidade de sua obra ilustrada pelos ensinamentos adquiridos ao longo de sua estada terrena. Voltaire inaugurou uma modalidade literária chamada “contos filosóficos” e, nessa brilhante seleção, entre as histórias, há muitos elementos em comum: a presença de um conselheiro, a busca pelo amor, a frase “tudo está o melhor possível”, discussões filosóficas como a distinção entre bem e mal ou a origem do homem, corrupção, religião, destino, humor, exagero e ficção que, porém, retrata o mundo real a exemplo do primeiro conto “Zadig”. Zadig, de boa reputação, torna-se ministro e serve ao rei Moabdar; a rainha Astartéia, deleitada com a sabedoria de Zadig, esmera-se em elogios ao fiel “criado”, o suficiente, após despertarem as desconfianças do rei, para que este se arremessasse em ciúmes e perseguisse o seu servo e a rainha. Entre guerras e reviravoltas, são proferidos, em meio à história, os ensinamentos de Zoroastro como “o amor próprio é um balão inflado de vento, de onde saem tempestades quando recebe uma alfinetada”. Não menos interessante é o segundo conto “O mundo como está na visão de Babuc”, em que o protagonista, após missão do anjo Ituriel, 37


deveria decidir se Persépolis seria destruída após suas entrevistas junto aos habitantes da região; à medida que vai encontrando motivos para destruir a cidade diante das injustiças praticadas e, respectivamente, encontrar boas razões que o fazem inclinar-se pela preservação do local, apaixona-se, enfim, por Teone e sua conclusão tende a ser tomada. O conto “Cândido ou o otimismo”, revela o amor de Cândido, sobrinho do barão, por Cunegundes, que, depois de descobertos aos beijos, é expulso do castelo e tomam, assim, destinos diferentes; Cândido percorre, então, o mundo em busca de sua enamorada acompanhado das lições de seu preceptor sr. Pangloss, entre desventuras e máximas, por exemplo, de um velho, após este ser indagado sobre o nome da vítima estrangulada em Constantinopla: “presumo que, em geral, aqueles que se metem em negócios públicos acabam miseravelmente”. Por fim, destaco o conto “O ingênuo”, um estrangeiro hurão que aporta em terras desconhecidas por ele e discorda em viver conforme doutrina local expressando seu amor sem fim por St. Ives, sendo submetido, simultaneamente, a maus bocados. Enfim, trata-se aqui de um diamante a ser lapidado pelo leitor a cada página, em que Voltaire, cultuado por seu povo, após incomodar demais, (mesmo depois de morto ao negarem uma sepultura cristã por se recusar ao catolicismo durante seu adoecimento e tendo, por isso, seu corpo levado como se estivesse vivo para ser enterrado em Salier, apenas 12 anos depois trasladado a Paris acompanhado de 700 mil pessoas), tornou-se um símbolo de justiça e da literatura deixando um alerta: “cuide de seu jardim”. VOLTAIRE, Contos, Editora Nova Cultural Ltda, São Paulo – SP, 2002. 38


Contos de Belkin (Aleksander Serguéievitch Pushkin) Nascido em 1799, o poeta, contista, novelista e dramaturgo, certamente inspirado por William Shakeaspere, Aleksander Pushkin, considerado o fundador da literatura russa moderna, exerceu influência sobre outros romancistas do país como Gogol, Dostoiévski e Tolstói, graças ao lirismo e a simplicidade de sua prosa, introduzindo a linguagem um pouco mais coloquial em suas peças de teatro, além de exprimir com muita sensibilidade a essência da personalidade de seu povo. Em “Contos de Belkin”, publicado em 1831, Pushkin apresenta ao público, inicialmente, em sua nota de editor, o escritor Ivan Petróvitch Belkin, ou seja, para que o leitor aqui compreenda, os contos escritos pelo falecido Belkin, na verdade, são de autoria de Pushkin, um artifício da técnica de sua escrita, presumo, praticada de forma bem humorada, humor que, aliás, é característico em suas obras. Bom, nesse livro tratam-se de 5 grandes contos, cada um com suas qualidades peculiares e envolventes. O primeiro deles, sob o título “O tiro”, revela o embate entre o protagonista Sílvio que, outrora tivera um entrevero durante um jogo com um oficial e, anos depois, o revê com a chance de vingar-se em duelo, mas, inesperadamente, após esquivar-se de disparo proveniente da pistola de seu oponente, deixa-o entregue à consciência do próprio adversário ao invés de revidar. “A nevasca”, revela a bela Maria Gavrílova, filha do hospitaleiro Gavrila Gavrílovitch, em que a jovem é vítima de um curioso engano no dia 39


de seu casamento. “O agente funerário” conta a história de Adrian Prókhorovitch, que é ridicularizado pelos seus conhecidos em razão da profissão que exerce e deseja, por isso, convidar para as refeições apenas os defuntos enterrados por ele, maneira encontrada para que não fosse mais incomodado, sendo, entretanto, surpreendido ao final do conto. Em “O chefe de posta”, o auto revela a história que envolveu sua bela e solícita filha Dúnia, ao ser levada por um hussardo que fingira estar doente durante a estada em casa do chefe de posta, cujo consentimento em deixar o “galante intruso” levar em seu coche a amada Dúnia com a finalidade de, como todos supunham, deixá-la na igreja para a missa, não lhe seria jamais digna de perdão; logo, resolveu obter notícias de seu misterioso “desaparecimento” encontrando-se, entretanto, em uma situação que culminou em sua decepção. E, no último conto, em “A sinhazinha camponesa”, talvez o mais divertido, é retratada a história de um proprietário de terras, Ivan Petróvitch Beréstov, que não vivia em bons termos com Grigóri Ivánovitch Múromski, vítima do desdém do fazendeiro. Contudo, o galanteador Aleksei, filho de Beréstov, recém-chegado à aldeia, desperta a curiosidade de Lisa, filha do rival Grigóri. Imbuída por um plano mantido em segredo com a criada Nástia, esta incumbiu-se de ir a uma festa na aldeia de Beréstov e obter informações sobre o pretendente da “sinhazinha”; graças às boas impressões, aos poucos Lisa e Aleksei encontram-se às escondidas em um bosque, porém, diante da rivalidade envolvendo as duas famílias, Lisa o via assumindo a identidade falsa de Aku40


lina. Tudo, enfim, pode mudar quando os dois oponentes, inesperadamente se deparam diante da queda de um deles do cavalo e socorrido, porquanto, pelo outro, o suficiente para tornarem-se amigos e esquecerem as antigos embates. Dessa forma, Grigóri convida Beréstov para um jantar em sua casa e em presença de Lisa. Surpreendida, Lisa apresenta-se disfarçada a fim de não ser reconhecida por Aleksei, também presente à refeição e, à medida que Grigóri e Beréstov vão ganhando afinidade, pretendem colocar em prática o plano de casamento entre Lisa e Aleksei. Basta ao leitor conferir o desfecho a fim de que desvende o paradeiro do jovem casal. PUSHKIN, Aleksander Serguéievitch. Contos de Belkin, Editora Nova Alexandria Ltda, Copyright 2003 (1831).

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Dois pontos e uma reta (Seicho Matsumoto) Eis aqui uma de minhas grandes descobertas literárias. O escritor japonês, após publicação da novela policial em folhetins ao longo de 1957, sendo adaptada para o cinema um ano depois e para a televisão em 2007, intriga o leitor do início ao fim diante de uma trama digna de Agatha Christie. Dois corpos são encontrados à beira-mar da Baía de Hakata, na ilha ocidental de Kyushu. Identificadas as vítimas Sayama, um assessor da direção de um ministério ligado a um inquérito de corrupção e, a companheira Otoki, uma garçonete, os médicos-legistas confirmaram a morte de ambos por envenenamento com cianeto de potássio. Momentos antes do episódio, o empresário Yassuda, frequentador assíduo do restaurante onde Otoki trabalhava, teria convidado suas amigas, Tomiko e Yaeko, também companheiras de trabalho de Otoki, que durante esse período encontrava-se ausente, para jantarem juntos. Yaeko e Tomiko, durante o jantar, sentiam-se perturbadas com as repetitivas consultas ao relógio efetuadas por Yassuda exprimindo o desejo de não perder a hora. Logo depois, o empresário pediu gentilmente às moças que o acompanhassem até a estação de trem e, lá, surpreendentemente, interpeladas por Yassuda, avistaram Otoki no interior de um dos vagões conversando animadamente com um homem que parecia ser Sayama. As investigações mais incipientes ficaram a cargo de Jutaro Torigai que procura afastar a hipótese de um duplo suicídio passional perante as primeiras pistas encontradas, como a nota do restaurante do 42


trem tirado do bolso da vítima apontando a mensagem “1 passageiro”, indício, portanto, de que Otoki não teria dividido o mesmo vagão com Sayama. Além disso, descobriu, também que, Sayama aguardara por 5 dias no Hotel Tambaya sem sair uma única vez, só deixando a hospedagem após receber a ligação telefônica de uma mulher. Assim, o caso foi levado às instâncias superiores, onde o astuto Mihara assume a cumplicidade da investigação com Torigai, cuja reciprocidade, como “dois pontos e uma reta”, acabam por facilitar suas conclusões com o objetivo de desvendarem o mistério. O mais impressionante de tudo isso é, mediante a precisão japonesa da chegada e saída dos trens das estações, de acordo com os itinerários muito bem definidos e os horários exatos, muitos “quebrados”, como 17:57h ou 18:01h, os investigadores conseguem descobrir que, da plataforma número 13 da estação envolvida no caso, por apenas 4 minutos, ao longo de todo o dia, podia-se avistar o aparelho estacionado na plataforma de número 15, fato de extrema relevância para a conclusão do veredicto que, aliás, em uma grande “sacada” do autor, leva o leitor de uma pista à outra assim como de uma estação à outra, em um verdadeiro turismo pela região do país. Dessa maneira, o leitor, facilmente, envolve-se com a investigação e participa das angústias e frustações diante das provas insuficientes, transmitindo a sensação, muitas vezes, de que não desvendará o mistério. Outra característica muito interessante da novela é poder acompanhar, frequentemente, a reconstituição dos fatos possibilitada pela conversa entre os dois principais protagonistas permitindo que o leitor não perca o raciocínio, podendo 43


sentir-es enfastiado diante das inúmeras informações. Por isso, aconselho reservar um “caderninho de notas” para os apontamentos e convidar o leitor a decifrar essa trama muito bem arquitetada e, se possível, ler a obra ao lado do mapa do metrô da época que corresponde, surpreendentemente, à forma real das linhas, horários e itinerários descritos no livro. Belíssima obra do gênero policial, sucesso da literatura do Japão, cujas traduções das obras para o nosso idioma são relativamente difíceis de serem encontradas apesar de serem consideradas muito ricas, tendo já um representante do Prêmio Nobel de Literatura, outorgado ao escritor Yasunari Kawabata, em 1968. MATSUMOTO, Seicho. Dois pontos e uma reta, Editora Clube do Livro, São Paulo - SP, 1970 (1957).

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Doutor Fausto

(Thomas Mann)

Vencedor do Prêmio Nobel de 1929, após a publicação de “Os Buddenbrooks” e “Montanha Mágica”, posteriormente exilado nos Estados Unidos por sua contundência contra o nazismo, Mann retoma o tema faustiano. A história é contada pelo “humanista” Serenus Zeitblom, amigo de infância de seu biografado, o compositor Adrian Leverkühn que, após o período de estudos escolares em Kaisersaschern, passa a viver com seu tio, Nikolaus Leverkühn e depois chega à Universidade de Teologia, em Halle, interrompida logo depois, a fim de se dedicar exclusivamente à música, imbuída pelos ensinamentos do conferencista Kretzchmar. Em uma de suas andanças, agora pela cidade de Leipizig, Adrian tem seus primeiros contatos com Esmeralda, influência amiúde de suas composições diante da escolha dos tons que remetem à moça, pelo menos em duas canções como “Ó cara moça, como és maldosa” e “Lamentação do Doutor Fausto”, sua desesperada e derradeira obra. Eis que, durante sua estada em Palestrina, Itália, em uma missiva dirigida à Serenus, Adrian relata que, mediante a aparição e discurso totalmente sedutor proferido por “Mefistófoles”, um pacto fora proposto: entregaria sua alma ao diabo por 24 anos em troca da mais sublime e arrebatadora “verve musical” ao privar-se, também, do amor. Assim, a ampulheta inicia a contagem e Adrian, constantemente acometido por dores de cabeça e não curado de uma doença venérea, dedica-se à solidão 45


e ao protagonismo de misteriosos e trágicos acontecimentos, simultaneamente à elaboração de uma obra influenciada pela negação do humanismo. Entrementes, Serenus, compara a vida de Adrian e a dedicação inconteste à sua obra ao momento político de sua pátria alemã, que procura “sair do casulo” e almeja à “europeização”, além de emitir prognósticos desfavoráveis para a cultura e política da Alemanha à época, cujo narrador, transfere seus sentimentos ao leitor na medida em que a pena “treme” em sua mão perante os “bombardeios”. Há, ainda, muitos detalhes nessa obra que possibilitam reflexões sobre teologia, filosofia, religião, cultura, com referências - como Nietzsche - frequentemente encontradas pelos leitores mais assíduos, corroboradas pelo rebuscamento da escrita de um dos maiores autores de um dos maiores romances de nossa história que não pode faltar no repertório dos mais apaixonados pela literatura. MANN, Thomas. Doutor Fausto, Editora Companhia das Letras, São Paulo, Copyright 2015 (1947).

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Doutor Jivago

(Boris Pasternak)

Obra-prima da literatura mundial, publicado inicialmente fora da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), em 1957, pelo italiano Giangiacomo Feltrinelli, concedendo o Prêmio Nobel de Literatura ao autor no ano seguinte, impedido, porém, de receber a honraria pelo regime soviético vigente. Boris Leonidovich Pasternak morreu em 1960 e, tampouco, viu seu livro ser levado para os cinemas em 1965 e, após a queda do regime soviético no fim dos 1980 a publicação chegar à Rússia, tornar-se uma referência literária até os dias de hoje no país e no mundo. A partir do título, “Jivago”, de “jizn” que significa vida, ou “jivoi”, vivo, ou seja, anseio ou vibração pela vida, o leitor depara-se com uma história das mais emocionantes e simbólicas já conhecidas, ocorrida durante os anos de revolução e pós-revolução soviéticos. Às primeiras cenas, o protagonista Iúri Andreevitch, em funeral de sua mãe Maria Nikolaievna, é levado depois pelo tio para Dublianka e, de lá, vai para Petersburgo formando-se em medicina. Simultaneamente, a bela Larissa Fiodorovna, recém-chegada a Moscou, filha de Amália Karlovna, uma dona de uma fábrica de costura, é frequentemente cortejada por um senhor “rebuscado” de nome Victor Ippolitovitch Komarovski. Desejando sua independência e com o fim de desvencilhar-se de Komarovski, “Lara” resolve iniciar seu ofício como tutora na casa dos Koligriov, mas, sentindo-se incomodada com a convivência e, mesmo sem 47


muitos recursos financeiros, desesperada, procura “Patúlia”, seu pretendente de outrora e se casam. Um incidente ocorrido na noite de Natal na casa dos Sventitski, em que Lara, imbuída pelo ódio, tenta atirar em Komarovski, chama à atenção de todos os convidados, entre eles, Iúri Jivago. Rapidamente, Lara e Pavel deixam a região e passam a viver em Iuriatin com a filha Katenka enquanto Iúri casa-se com Antonina Alexsandrovna. Os rumos tendem a mudar quando Pavel é obrigado a servir o exército e, sem notícias de seu paradeiro, Lara forma-se enfermeira e vai em busca de Patúlia em pleno “front” de guerra. Curiosamente, Iúri, também convocado pelo exército, encontra-se com Lara em um hospital improvisado e, aqui, o narrador destaca que “... certos caminhos do destino permanecem ocultos, outros deveriam aguardar uma outra ocasião para se revelarem”. Em um outro momento, Lara ouve a “falação” de Iúri praticamente declarando-se a ela e “queima uma roupa enquanto a passava”. Entretanto, em meio às atrocidades da guerra, fuzilamento, escambo, fome generalizada, levantes, emboscadas e separação das famílias, ao longo de toda a história, aliás, suas vidas se desencontram; Lara, sem esperanças de encontrar seu marido vivo, volta para Moscou e, Iúri, parte em “trem secreto” em busca de Tônia e sua filha “Sachenka” após dois anos da guerra e, posteriormente, sob as pressões do regime e a incipiente falta de provisões, são impulsionados pelo irmão de Jivago, Evgraf, a destinaram-se para Iuriatin em longa viagem de trem. Iúri, enfim, passa por “péssimos bocados”, é preso pelos bolcheviques e chega a viver na miséria, sempre 48


em busca, porém, de sua “libertação espiritual” e um reencontro com Lara. Enquanto os anos de penúria e guerra se sucedem, Iúri, muitas vezes, como nos romances de Dostoiévski, exprime seus pensamentos ou divagações sobre a realidade em que o povo russo enfrentava, mediante o discurso “anti-populista” do czar, por exemplo, ao revelar que “... líderes medíocres, que não tem nada a dizer à vida e ao mundo..., interessadas em que tudo seja mesquinho, para que o tempo todo a preocupação fosse algum povo, de preferência pequeno, que esse povo sofresse, para que fosse possível julgar, disfarçar e ganhar em cima da piedade”; sobre a revolução socialista que se alinhavava, “... viveremos uma “hibernação” e, ao acordarmos, esqueceremos nosso passado e não vamos tentar explicar o impossível”; ou, ainda, com relação às correntes intelectuais políticas como se fossem “ciência”, “... não conheço uma corrente mais distante dos fatos do que o marxismo...”. Em 1921, com a NEP (Nova Política Econômica) da Rússia, o poeta e doutor Jivago retorna a Moscou “esquecida” e habitada por ratazanas”. Às páginas finais, tudo para marcar o leitor, assim como o anseio por um derradeiro encontro entre Iúri e Lara simbolizando, talvez, o desejo de reencontro dos moscovitas com sua liberdade própria. PASTERNAK, Boris. Doutor Jivago, 6ª Edição, Edições Best Bolso, Selo da Editora Best Seller Editora Ltda, 2014, Copyright 1957 de Giangiacomo Feltrinelli Editore Milano. 49


Ficções

(Jorge Luis Borges)

Considerado um adepto da chamada literatura fantástica, o poeta, ensaísta e contista Jorge Luis Borges continua exercendo influência sobre muitos escritores, inclusive no Brasil, em que o romance “O Evangelho segundo Hitler”, de autoria de Marcos Peres, ganhador do Prêmio SESC de Literatura, edição 2012/2013, foi concebido graças à paixão do autor pela literatura de Borges, influenciado por um conto do escritor argentino chamado “O outro”. Borges, todavia, não utiliza o romance em sua literatura; faz a opção, porquanto, pelo conto, a narrativa breve, em que colhe o essencial e o categórico, enfatizando a crítica aguçada, sob imaginação exclusiva e ironia sutil. Nada se compara à literatura de Jorge Luis Borges assim como o volume “Ficções”, compreendido por uma seleção de 17 contos, cada um merecedor de um destaque distinto, dividido em duas partes, a primeira, “O jardim de caminhos que se bifurcam” e, a segunda chamada “Artifícios”. No primeiro conto “Tlön, Uqbar, Orbius Tertius”, o leitor se depara com o idealizado mundo de Tlön, constituído por idioma, doutrina, cultura e geometria próprios, mencionando-se que “espelhos e homens são abomináveis porque multiplicam os homens”. As histórias “labirínticas” de Borges são ilustradas pelo segundo conto “A aproximação de Almotásin”, em que um estudante se envolve em um levante, mata um homem e foge; durante a fuga, encontra um homem estranho e que segue uma profissão mais estranha ainda e, 50


assim, o foragido perde-se na Índia em busca de uma divindade. O terceiro conto, “Pierre Menard, autor de Quixote”, é, para mim, mais uma das boas “sacadas” de Borges, em que se atribui a Pierre Menard a autoria de Quixote, destacando: “... a verdade, cuja mãe é a história, êmula do tempo, depósito das ações, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do futuro” e, depois, “a glória é uma incompreensão e talvez pior”, seguido por um arremate: “todo homem deve ser capaz de todas as ideias e acredito que no futuro o será”. O quinto conto é também especial; “A loteria em Babilônia” possibilita uma reflexão sobre os acasos diante das loterias de responsabilidade de uma Companhia local: “não seriam os eventos mundanos meros acasos?” Ao final, conclui-se que Babilônia é como um “fino jogo de acasos”. “A biblioteca de Babel” encerra a primeira parte, comparando-se o universo ou a vida como uma viagem pelas escadas, estantes e hexágonos de uma biblioteca. Na segunda parte, há alguns mistérios propostos no início de alguns contos sendo elucidados ao final e, mediante inúmeras citações de diversos autores e filósofos conhecidos mundialmente ao longo dessa obra, mais uma demonstração, aliás, da erudição de Borges, posso salientar o conto “O fim”, marcado por um acerto de contas entre dois homens, um forasteiro e, outro, um vendedor que sofre de uma paralisia, proporcionando uma reflexão do homem para com o próprio homem diante da expressão “à força de apiedar-se das desventuras dos heróis dos romances, terminamos apiedando-nos excessivamente das próprias desventuras”, enfatizada no último conto “O Sul”, 51


em que a personagem procura libertar-se de seu “sanatório existencial”. Vale conferir essa obra do escritor, educado para as letras, premiado, referência e acometido, aos 68 anos, por uma cegueira, sepultado em Genebra, em 1986 e, que, certamente, permanecerá em minhas lembranças literárias e, sob maior amplitude, ainda, por já ter tido a oportunidade de estar à frente da singela casa, hoje desabitada, onde o escritor viveu e cresceu, na cidade de Buenos Aires. BORGES, Jorge Luis. Ficções, Editora Globo, 5ª Edição, São Paulo – SP, 1944 (Copyright 1969).

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Grande Sertão: Veredas (João Guimarães Rosa) Considerada uma das obra mais importantes em língua portuguesa, a antítese presente no título “Grande Sertão: Veredas” se explica de maneira primorosa, original e antológica graças ao escritor brasileiro, um dos maiores de todos os tempos, ao juntar elementos característicos de sua narrativa como a linguagem totalmente nova, o uso frequente de diferentes palavras com semelhantes fonemas, neologismo e, ainda, ao contar uma história em único capítulo em que o ex-jagunço Riobaldo, agora velho fazendeiro, evidencia suas confissões, lembranças, aventuras e desventuras na “lama” do agreste, além de suas experiências em motins entre jagunços imbuídos de ciúme e vingança. Riobaldo Tatarana, como é também conhecido, envolve-se com o bando de Zé Bebelo, a quem ministrou aulas do idioma, mas deserta-se depois, tendo o apoio de Joca Ramiro, que captura o tão famigerado líder oponente; derrotado, Zé Bebelo vai a julgamento e é libertado desde que deixe a região, contrariando Hermógenes e Ricardão que esperavam uma sentença de execução. Com a morte ulterior de Joca Ramiro, a centelha de vingança é reacendida e, assim, uma nova guerra é declarada contra os “judas” Hermógenes e Ricardão. À medida que eventos se sucedem, o leitor é levado pelo fluxo de consciência do narrador, ademais entretido por sua devoção a Diadorim, seu confidente (ou até mais do que isso), por sua paixão quixotesca por Otacília, a quem conheceu na Fazenda de Santa Catarina, pelo velho dilema faustiano em que se vê em dúvidas constantes entre a venda de sua alma e a existência do “Cujo”, tudo 53


permeado por filosofias e pensamentos enriquecedores em que “viver é muito perigoso... Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar”, ou “a vida é embrejada. A gente vive (...), é mesmo para se desiludir e desmisturar. A servegonhice reina, tão leve e leve pertencidamente, que por primeiro não se crê no sincero sem maldade”, ou “a vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio de fel do desespero”, ou ainda, “a primeira coisa, que um para ser alto nesta vida tem de aprender, é topar firme as invejas dos outros restantes...”. Em certo momento, Riobaldo, após clamar pelo “demonião”, apodera-se da chefia com maquiavelismo, denominando-se agora Urutú-Branco, procura levar a cabo sua vingança até as últimas consequências, defrontando-se, também, com a “maleita” e a falta de mantimentos. Outros pormenores não menos indispensáveis para o desfrute da obra, mas impossíveis de serem citados aqui pela falta de espaço, certamente, propiciarão muitas emoções ao leitor que é remetido à atmosfera do sertão, o sertão do coração brasileiro ou do sertão que está em cada brasileiro, propiciado pelo dostoiévskiano poeta do agreste que traz à tona a sina do fausto do sertão, no afã, sem vã filosofia, a alma disseca e seca, enfim, a emoção de ser humano. Ai, que saudadim Diadorim como já dizia a seu compadre Quelemém, essa história riqueza muita tem. Leitura prazerosa, aliás, uma experiência espiritual. ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas, 19ª Edição, 10ª Impressão, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro – RJ, 2006 (1956). 54


Guerra e paz

(Liev Tolstói)

Escrito entre 1863 e 1869, Liev Nikoláievitch Tolstói, aborda as invasões napoleônicas da Rússia que se estendem da Batalha de Austerlitz, em 1805, onde os franceses derrotam os austro-russos, à Campanha de 1812, que culminou na ocupação de Moscou e posterior retirada do exército francês, na medida em que são retratadas as histórias principais das famílias Drubetskói, Rostóv, Bolkónski, Bezúkhov, entre outras, pertencentes à aristocracia russa. Desde as primeiras páginas, em que Anna Pavlóvna, dama de confiança da imperatriz, exerce seu papel de anfitriã em uma festa recebendo os convidados da elite russa, é recorrente a utilização do idioma francês entre os diálogos das personagens, característica que demonstra a iminente influência do ocidente sobre a Rússia, destacado a belíssima Hélène, que se casa com Pierre, filho ilegítimo do conde Bezúkhov, de quem acaba de herdar fortuna, além das paixões entre os primos Nikolai e Sônia e a preocupação em se obter dinheiro com o fim da compra de uniforme para Bóris servir no exército. Entram em cena diversas outras personagens a exemplo de Andrei que deixa sua esposa grávida com o objetivo de, também, servir no exército e, após ferido, retorna à casa, torna-se viúvo, volta para a frente de batalha com a promessa de casar-se com Natacha Rostova, enquanto Mária cuida da sobrinha Liza, filha de Andrei. Sucedem-se, durante os dois primeiros tomos, em meio às intrigas entre os protagonistas, as descrições da campanha de Austerlitz, assim como o orgulho pelo 55


soberano, e as manobras em seus pormenores executadas pelos regimentos, dignos dos mais detalhados relatórios de quem até parece ter testemunhando as cenas retratadas. Bóris Drubetskói, por exemplo, sente-se na obrigação de interceder junto ao soberano em favor de Deníssov, o qual teria roubado provisões da infantaria, enquanto Rostóv é arrebatado pelos horrores da guerra, ante sua visita ao hospital dos feridos refletindo após seus testemunho: “- Somos soldados e mais nada, se nos castigam é porque somos culpados, agora, se convém ao soberano um acordo de paz, aí sim isso é necessário enquanto não podemos julgar nem discutir, nossa tarefa é apenas cumprir o nosso dever, combater e não pensar”. Quem rouba a cena, no entanto, é Pierre, considerado uma das principais personagens da literatura mundial que, constantemente, procura evoluir como ser humano, entra para a maçonaria, torna-se filantropo, liberta os escravos de sua propriedade, participa de algumas batalhas expressando, curiosamente, um sorriso, ilustrando o “prazer” de passar por uma experiência como essa, na medida em que ouve o barulho das bombas, vê o movimento dos canhões e a fumaça deixada pelos artilheiros. Ao deixar a guerra, depois de traído por Hélène, sua vida toma novos rumos e, assim como Pierre, muitos dos protagonistas procuram conviver com a “guerra e a paz” travadas consigo próprias e tudo se elucida ao fim do segundo epílogo demonstrando que cada capítulo, cada frase e cada palavra da obra assumem sua devida importância depois da descrição, no segundo tomo, da Campanha de Borodinó, a evacuação de Moscou e a emboscada preparada contra os franceses durante o retorno das 56


tropas de Napoleão para o Ocidente, apesar das ordens do comandante-geral Kutúzov para não efetuarem os ataques já que a falta de provisões, o frio e os ferimentos por si só, já seriam suficientes para levá-los à derrota. Assim, “Guerra e paz” propõe várias reflexões, entre elas, sobre o que move um povo. As massas se movem conforme seus líderes apregoam? quais sãos suas motivações? qual o seu poder? ou cada um luta somente para manter a sua posição? e qual o papel dos grandes comandantes da história? O próprio autor conclui que se admitirmos que a vida é governada pela razão, a possibilidade de vida é aniquilada. Ao leitor, vale à pena refletir sobre a “guerra e a paz” das próprias “relações mundanas” e, assim, buscar suas conclusões após essa sensacional experiência literária. TOLSTÓI, Liev. Guerra e Paz, Companhia das Letras, 2017, São Paulo – SP.

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Harry Potter e a Pedra Filosofal (J.K Rowling) Como não se render à magia de Harry Potter, o bruxo mais conhecido dos últimos tempos? De autoria da famosa escritora inglesa, J.K. Rowling, com mais de 400 milhões de livros vendidos em todo o mundo, cujos lançamentos proporcionaram acirradas disputas pelos exemplares, além de virarem filmes, “Harry Potter e a Pedra Filosofal” é o primeiro livro da sério “Harry Potter”, em que é narrada a história do surgimento de Harry, ao ser criado pelos tios Válter e Petúnia, após a morte dos pais, também bruxos, chegando a conviver, então, com o primo “birrento” Duda. Frequentemente “preterido” pela família e diante dos castigos constantemente pagos preso dentro de um armário, a vida de Harry, com uma cicatriz de um raio na testa, obrigado a usar as roupas largas de Duda e de óculos remendados com fita, tende a mudar ao receber sucessivas cartas, antes “desviadas” pelo tio Válter, até que a última, entregue pelo gigante Hagrid, junto a um casebre após a família manter-se abrigada durante uma tempestade, convoca-o para frequentar a Escola dos Bruxos. Assim, seguem-se os eventos ocorridos durante todo o primeiro ano letivo do “famoso” Harry, na maioria das vezes acompanhado de seus confidentes Rony e Hermione desde os preparativos, como a arrumação das bagagem e a aquisição do material escolar no Beco Diagonal, imbuído pela ansiedade ao embarcar na plataforma 9,5 da estação King’s Cross até a escola de Hogwarts. Logo, todos os alunos são apresentados com as boas-vindas a cargo da Profª Minerva como parte da cerimônia de recepção, 58


além da apresentação dos demais membros do corpo docente e a seleção das casas onde morariam cuja escolha fora realizada por uma espécie de “chapéu mágico”. Durante a aula de voo de vassoura, um pequeno incidente, influenciado pela exasperação provocada por Draco, um de seus desafetos, Harry foi convocado para ser apanhador no quadribol, esporte mais popular de Hogwarts. Dessa maneira, entre o aparecimento de fantasmas a exemplo do tal “Pirraça”, passagens que se abrem após tocarem a “Mulher gorda” do quadro, varinhas mágicas, “corujas-correio”, poções, capa da invisibilidade, luta contra os temidos trasgos, o espelho de Osejed o qual permitia refletir os principais desejos da pessoa à frente, um mistério, porém, começa a rondar Harry e seus amigos ao descobrirem que algo secreto estava guardado em um alçapão protegido por um cachorro gigante de três rostos, chamado Fofo e, se caísse em mãos erradas, poderia comprometer a segurança de todos, além de estar associado às más intenções do temido “Você-Sabe-Quem” ou Voldemort, um bruxo mal, responsável pela morte de Tiago e Lílian, pais de Harry. Dessa forma, Harry, Rony e Hermione, cada um com suas características próprias, juntam-se a fim de desvendar o mistério, auxiliados por um dos mentores conhecido como Alvo Dumbledore, após revelarem as mais variadas estripulias como despachar um dragão para Carlinhos, primo de Rony, criador de dragões na Romênia, sem que soubessem do descumprimento dessa e de tantas outras pequenas regras sendo, por isso, perseguidos sucessivamente, por Snape, Quirrel ou Madame Nor-r-ra em meio, ainda, às provas das regulares disciplinas da escola. Depois do sucesso da série, parece óbvio dizer que, logo nas primei59


ras páginas, há elementos comprobatórios de que a autora já presumia o “arrebatamento” pela “magia” de Harry, só não sei se com tamanha magnitude, uma das curiosidades, aliás, que me levou a procurar descobrir qual o “feitiço” utilizado pela autora e, conforme a própria Rowling pronunciou em discurso emblemático para os formandos da Harvard, “não precisamos de poderes mágicos, os poderes estão dentro de cada um de nós...” Vale muito conferir. Espere, vi um gato listrado... opa... desapareceu... desculpe, leitor ou leitora... acho que já estou “enfeitiçado” rs... ROWLING, Joanne Katleen. Harry Potter e a Pedra Filosofal, Editora Rocco Ltda, Rio de Janeiro – RJ, 2000 (1997).

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Infância

(Maksin Górki)

Aleksiei Maksímovitch Piechkóv, sob o pseudônimo Maksin Górki, de significado equivalente à Máximo, o Amargo, é considerado um dos maiores expoentes da literatura de transição russa a qual, praticamente, coincide com um período extremamente delicado para a União Soviética em que o autor lutou, inclusive, em favor dos operários massacrados pelos cossacos em evento conhecido por “Domingo sangrento”, em 1905, foi preso algumas vezes, assumiu-se bolchevista e, depois, voltou-se contra o próprio bolchevismo, defendeu os ideais marxistas, procurou combater o fascismo e clamou pela não adesão de seu país à guerra. Apesar da obra não mencionar exatamente isso, é importante salientar o contexto histórico em que “Infância” foi escrito (anos 1913 e 1914), constituindo-se no primeiro livro da trilogia autobiográfica, sucedido por “Ganhando meu pão” (1916) e “Minhas universidades” (1923), por justamente expressar, através da primorosa narrativa, de forma cortante, fria e aguda, o caráter do povo russo em uma época de repressão cujas experiências pessoais do autor, muito bem extraídas da realidade, são especialmente reveladas conforme a perspectiva do protagonista, o garoto Aleksiei que, após a morte do pai, transfere-se, junto com sua mãe, para Níjni, passando a morar com o severo avô, a avó, por quem mais afeiçoa-se, além de seus tios Mikhail e Iákov, e seus primos. O pequeno, então, testemunha as mais fervorosas brigas e discussões entre os familiares, iniciando-se 61


pela disputa dos dotes deixados à mãe em herança, tomados pelo avô por ela ter se casado sem sua autorização; Aleksiei foi, também, frequentemente, vítima das vergastadas de seu avô graças às suas travessuras. As decepções e amarguras do neto, contudo, seguiram-se, consecutivamente, com a morte de “ciganinho”, um menino encontrado abandonado, com quem tinha amizade, vitimado após uma brincadeira de extremo mal gosto empreendida por alguns de seus companheiros, além da morte de tia Natália ao dar à luz e a saída da mãe da casa por não suportar os humores de avô. Os desgostos da família aumentaram quando um incêndio acometeu a tinturaria mantida pelos tios, além da expulsão de Mishka após desentendimento com o avô e a destruição da casa recentemente adquirida, minguando as rendas da família. Aleksiei refugiava-se, durante os “conflitos”, em uma espécie de estufa, onde dormia e, aliás, ao adormecer, ouvia as histórias contadas pela avó. Um outro episódio arrefeceu novamente os ânimos de Aleksiei quando o avô expulsou o inquilino “Coisa boa” da casa, um solitário serralheiro com quem o menino conversava, porém, mal visto pela família. Em um determinado momento, avô se propõe a alfabetizar o neto, a mãe volta à casa com um novo marido e, posteriormente, o garoto entra para a escola e mantém um círculo de amigos de diferentes origens. As emoções mais singelas e interessantes da obra, em minha visão, são ilustradas por alguns pensamentos que demonstram a alma russa: “eu vejo minha infância como uma colmeia, aonde várias pessoas simples, insignificantes, vinham como abelhas, trazer o mel de seu conhecimento e das reflexões sobre a vida, enrique62


cendo (...) meu espírito (...). Muitas vezes, acontecia de esse mel ser sujo e amargo, mas todo conhecimento era, mesmo assim, um mel”, ou: “os russos, em razão da indigência (...), em geral adoram distrair-se com a própria desgraça, brincam com ela como crianças e raramente se envergonham de ser infelizes”. Confira. GÓRKI, Maksin. Infância, Editora Cosacnaify, 2ª Edição, São Paulo – SP, 2007 (1913-1914).

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Moby Dick

(Herman Melville)

Publicado em 1851 pelo estadunidense Herman Melville cuja obra-prima só ficou conhecida após quase 70 anos de sua publicação. O narrador Ismael relata as aventuras a bordo do navio baleeiro “Pequod”, ao partir de Nantucket em busca do espermacete, valioso óleo obtido junto às baleias caçadas (“o óleo de cacholote é utilizado nas coroações para ungir os reis”); os principais tripulantes são os imediatos e seus respectivos arpoadores, entre estes, Quiqueg, com quem Ismael assume sincera amizade, além do emblemático capitão Acab, que possui uma perna de marfim após sofrer um ataque do temível Cachalote Branco, o Moby Dick, e espera, por isso, imbuído em sua monomania, empreender viagem a fim de vingar-se (“um abutre pasta em seu coração para sempre, sendo o abutre a própria criatura por ele criada”). Enquanto viajam, Ismael narra os pormenores do funcionamento no navio baleeiro, exalta sua profissão, com inúmeras citações, inclusive, da Bíblia (ao remeter-se a Jonas que foi “engolido” por uma baleia), além de longas descrições da anatomia dos cacholotes e as diferenças entre estes e as baleias da Groelândia (a verdadeira baleia branca, a qual, na época, como se acreditava, a maior baleia já vista), na medida em que, inúmeros episódios ocorrem como o encontro, em cruzeiro, com vários navios baleeiros, a aparição de uma lula-gigante, a captura de uma baleia pelo imediato Stubb, o quase afogamento do arpoador Tashtego no espermacete de uma baleia içada, o encontro com tubarões e uma 64


“manada” de baleias, o embate frente às tempestades. Cada uma das personagens principais demonstram características importantes à história, a exemplo de Fedallah, uma espécie de místico com certa ascendência sobre Acab (ou nem tanto como se pode confirmar posteriormente) e, Starbuck, o 1º imediato, que procura em vão persuadir o capitão pelo desvio da rota em vista dos perigos perante uma iminente luta entre o navio “Pequod” e seus tripulantes e o terrível Moby Dick, evidenciando, com esse episódio, as terríveis consequências provocadas pelo desejo irredutível da vingança. Certamente, uma grande viagem para o leitor ao longo das profundezas dos mares de nossas almas e nossas vidas (“... calmas atravessadas por tempestades..., não há nesta vida uma caminhada firme, isenta de retrocessos...; ...tendo feito o caminho, recomeçamos o circuito: e somos crianças, meninos e homens e, “Ses”, eternamente...”). MELVILLE, Herman. Moby Dick, Editora Nova Cultural Ltda, São Paulo – SP, Copyright 2002 (1851).

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Moll Flanders

(Daniel Defoe)

Eis aqui mais uma história que beira ao inacreditável contada pela própria Moll Flanders, alcunha que recebeu ulteriormente durante sua convivência com gatunos. Até esse momento, porém, foi inicialmente, abandonada aos 6 meses de idade, sendo cuidada por uma parenta e, aos 3, foi recolhida à paróquia de Colchester. Aos 10, conheceu a mulher do prefeito que a tratava como “dama da sociedade”; nesse ínterim, Moll se recusava a trabalhar como criada e, assim, ajuizou-se que trabalharia apenas quando crescesse. Aos 14, sua protetora morreu e, dessa maneira, recebeu uma educação satisfatória dos 17 aos 18 anos assim como suas duas irmãs. Havia também dois irmãos na casa; o mais velho a galanteava frequentemente e, diante disso, entregou-se à sua vaidade recebendo dinheiro dele em troca de seu amor que deveria ser mantido em segredo. O irmão mais novo, porém, declarou-se a Srta. Betty, como era conhecida então, e não escondeu seus desejos por ela. A fim de que não fossem descobertos em seu romance o irmão mais velho a persuadiu a se casar com o irmão mais novo, já que se Betty deixasse a casa, estaria em miséria e totalmente desamparada por não ter parentes e amigos próximos. Permaneceu casada, enfim, por cinco anos e tivera dois filhos até que seu marido faleceu. Os filhos passaram a viver com os sogros e Srta. Betty em casa de um comerciante. Em sequência, uma sucessão de casamentos, inclusive um ilegítimo em que se casa, sem que os dois soubessem após muito tempo vivendo afastados, com seu próprio irmão, mudando novamente os rumos de sua vida e casando-se 66


outras vezes graças aos seus dotes com o cavalheiro de Bath, o homem da Lancashire e um banqueiro, entre outros de que não me recordo, com o objetivo principal de fugir da miséria como tudo leva a crer, entretanto, com relação a isso, caberão julgamentos mais precisos ao leitor. Após um dos casamentos mal sucedidos, encontra-se na miséria, e, em face das circunstâncias, põe-se a roubar e se aprimorar na arte tendo como confidente uma senhoria, talvez, a única amiga fiel em toda a sua trajetória, prosseguindo em uma vida perdulária. Uma das curiosidades, em minha opinião, é que, Moll, não mantém sequer a curiosidade pelo paradeiro de seus filhos dos casamentos precedentes. Finalmente, é detida e condenada, mas a confissão de seus pecados a um padre mudam, consideravelmente, seu destino, capaz de demovê-la da sentença de enforcamento, além do reencontro na prisão com um de seus ex-maridos. As últimas páginas trazem muita reflexão ao leitor que, na medida em que Moll Flanders faz um exame de consciência de todo o seu passado, entre os 18 e 60 anos de idade, imbuída de permissividade, libertinagem e total falta de escrúpulos, é possível, no entanto, imbuir-se de piedade e compaixão pela protagonista diante de seu arrependimento. Vale a pena acompanhar essa obra-prima publicada em 1722, conforme relato de uma mulher, mas escrita por um dos maiores autores da literatura clássica, a exemplo de Robinson Crusoé, talvez seu romance mais conhecido. DEFOE, Daniel. Moll Flanders, Editora Nova Cultural, São Paulo – SP, Copyright 2003. 67


O carrilhão

(Charles Dickens)

Conhecido como o maior escritor da Inglaterra e um dos mais aclamados do mundo graças aos clássicos Oliver Twist e David Copperfield, Charles Dickens, em 1844, publicou “O Carrilhão”, fruto de uma das obras que compõe os “Christmas Books”, uma coleção de histórias que abordam o tema do Natal. Aqui, o ancião Trotty Veck vive próximo à torre de uma igreja mantendo sua sina de proteger sua filha Meg. Ambos se entrelaçam a outras personagens como Ricardo, que mantém apreço por Meg e, um moribundo chamado Will Fern, supostamente perseguido pela polícia, por ordem do senador, diante de faltas cometidas no passado que, juntamente com sua filha Lilian, em um determinado momento, são recebidos por Trotty em seu singelo abrigo servindo aos hóspedes chá e presunto, cujo anfitrião, acompanhado de Meg, tem prazer em observá-los degustando os alimentos com tanta avidez. Durante a passagem de ano, Joseph Bawley e sua esposa, oferecem, como tradicionalmente fazem, uma festa em sua mansão, recebendo pessoas das mais variadas estirpes, desde o senador e seu secretário até o próprio Trotty e sua filha, quando, inesperadamente, Will Fern aparece e profere um discurso que surpreende a todos. Após repentinas separações entre as personagens e desentendimentos entre Ricardo e Meg, esta abrigada agora, junto com sua filha Margaret, pelo Sr. Tugby e Sra. Tugby, antes conhecida como Sra. Chickenstalker, o protagonista Trotty, apesar, de suas andanças, é retratado como um mensageiro 68


da esperança que, ao badalar de cada sino, sente ecoar as palavras que lhe são dirigidas e, em algumas situações, até dialoga com as aparições como se fosse uma conversa com sua consciência, participando da reconciliação envolvendo aqueles que lhe são mais próximos em uma festa digna de ano novo, com danças e casamento marcado entre Ricardo e Meg, graças aos conselhos principais provenientes dos sinos que suplicavam: “Aprenda-o da criatura que lhe é mais cara ao seu coração”. Uma história terna e que ecoa também contra as injustiças sociais... ao badalar dos sinos... DICKENS, Charles. O Carrilhão, Edições Paulinas, São Paulo – SP, Copyright 1961 (1844).

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O caso dos dez negrinhos (Agatha Christie) Estamos diante de mais uma das obras-primas de Agatha Christie, uma das autoras mais lidas em todo o mundo, mestre dos romances policiais que, mais uma vez, envolve o leitor em uma trama de enigma e suspense, ingredientes marcantes e característicos de suas histórias. Dez pessoas com traços de personalidade bem diferentes e com uma vida social e econômica relativamente confortável são convidadas para passar alguns dias na “Ilha do Negro”, uma ilha deserta recentemente adquirida por um misterioso milionário chamado Sr. Owen, como descrito nos jornais. Os hóspedes chegam à ilha, distante algumas milhas da costa, com a ajuda de Narracot, o condutor da lancha. Ao desembarcarem, todos mantêm a expectativa pela recepção do anfitrião Owen, porém, nesse momento, ele não se encontra na mansão onde todos se hospedam e, posteriormente, ninguém receberia notícias sobre seu paradeiro e, além disso, consoante Narracot, a comunicação entre os hóspedes e a costa poderia ser interrompida por até semanas como, de fato, ocorria em uma época sem internet. E, para amplificar a atmosfera de mistério, todos os dez convidados já enfrentaram situações em suas vidas pessoais em que estiveram envolvidos com a morte de alguém, mas que não foram condenados. Logo, sucessivas mortes começam a acontecer entre eles após todos ouvirem a gravação de um áudio que, praticamente denuncia aquilo que está “preso” na consciência dos recém-chegados que os prendem à culpa dos erros cometidos no pas70


sado, fazendo com que a breve convivência entre eles seja entremeada pelo medo do outro já que, nas buscas efetuadas pela ilha não encontraram nenhum habitante que não seja um dos “dez negrinhos”, representados pelas figurinhas originadas de uma canção inglesa que diz como cada um deve morrer. Assim, o assassino só pode ser um deles. O leitor conseguirá decifrar o enigma? Confesso que jamais poderia imaginar um desfecho tão surpreendente sendo, realmente, quase impossível, não se sentir intrigado ou, no mínimo, não se envolver emocionalmente com essa história incrível. CHRISTIE, Agatha. O Caso Dos Dez Negrinhos. Editora Globo, São Paulo – SP, Copyright 1940 (1939).

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O cemitério de Praga

(Humberto Eco)

O autor proporciona algo original que, porém, exige muita atenção para a leitura. Trata-se de uma mistura de ficção com fatos reais expressos pelo protagonista Simone Simonini, em que anos depois, como se estivesse despertado de um estado de hipnose submetido por Freud, faz uma reconstituição de tudo o que presenciou e participou em meados do século 19 em um diário. Assim, a história é contada aos pedaços e participam jesuítas, maçons, judeus, católicos, entre tantos outros, em que Simonini, atuando como uma espécie de espião, assassino, estrategista e falsário durante todo o romance, testemunha as batalhas lideradas por Giuseppe Garibaldi para a unificação da Itália e, após seu exílio na França, acompanha a batalha Franco-prussiana e a origem da Comuna de Paris, além dos “Protocolos dos sábios de Sião” que foram utilizados por Hitler a fim de ratificar o antissemitismo que resultaria no Holocausto. Entre Karl Marx, Napoleão Bonaparte, Papa Pio IX etc, desenvolve-se uma rede de intrigas e falsificações como o caso Dreyfus e são detalhados alguns rituais que satisfazem a curiosidade do leitor até culminar, ao final, na reconstituição da trama (ou não), dos fatos e segredos, todos contidos no “cemitério de Praga” de Simonini. Bom para o leitor voraz, que necessitará estudar alguns fatos e personagens a fim de permanecer situado durante a leitura, surpreendente, enfim, como se 72


espera de Humberto Eco, publicado exatamente 30 anos depois de seu mais emblemático romance “O nome da rosa”, que o consagrou como um dos maiores escritores da literatura contemporânea, conhecido também, por atuar como professor na Universidade de Bolonha, considerada a mais antiga da Europa. ECO, Humberto. O Cemitério de Praga, Editora Record, Rio de Janeiro, 2010.

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O Conde de Monte Cristo (Alexandre Dumas) Se ao prezado leitor fosse concedido o direito de escolher apenas uma única das maiores obras-primas da literatura mundial para sua leitura, “O Conde de Monte Cristo”, certamente, deveria figurar entre uma das opções. Escrito em folhetim entre 1844 e 1846, Alexandre Dumas é reverenciado como autor até hoje diante do poder que essa história é capaz de propagar pelo mundo ao tomarmos conhecimento da saga do jovem marinheiro Edmond Dantès, vítima de um “conluio” envolvendo seus conhecidos sob a liderança de Fernand, um catalão, contrariado depois que Mercedes se declara à Edmond, o invejoso Caderousse, alfaiate e vizinho dos Dantès, e Danglars, um contador. Ao ingenuamente revelar que estava em poder de uma carta remetida da ilha de Elba para o destinatário a quem lhe era desconhecido, missiva maliciosamente extraviada pelos seus “amigos” até ser entregue ao comitê de Paris, Edmond foi acusado injustamente de contribuir com uma “conspiração bonapartista” e, dessa maneira, é detido por um comissário de polícia durante seu banquete de núpcias e encaminhado ao procurador do rei, o orgulhoso e impiedoso Villefort. Para a surpresa de Villefort, monarquista, ao descobrir que a carta fora endereçada ao seu pai Noirtier, bonapartista, fato que procura esconder de toda a sociedade com o receio da desonra, queimou os papéis e manteve Dantès preso e, inesperadamente, foi transferido para o Castelo de If, uma 74


prisão em alto mar. Sob mal comportamento, Edmond foi imediatamente levado ao calabouço sem que tivesse a chance de ser submetido a julgamento ou praticasse o seu direito de defesa. Durante os 14 anos de detenção, manteve o diálogo com um único presidiário, o abade Faria, chamado de louco pelos guardas por, inúmeras vezes, tentar suborná-los em troca de liberdade já que alegava dispor de fortuna incontável. A relação entre os dois propiciou a aprendizagem de Dantès de todo tipo de ciências e linguagem ensinados diariamente pelo abade. Ao escapar da cadeia de maneira inusitada, Edmond Dantès conquista a fortuna do abade e procura identificar o paradeiro das pessoas que mais amava, a exemplo de seu pai e de Morrel, dono do barco Faraó, em que Dantès fora tripulante e ex-empregado, cuja confiança e fidelidade permitiram, mesmo sem sucesso, a sua intercessão pela liberdade de Edmond logo que foi detido, além de seus algozes com o objetivo de ardente vingança. A partir daí, o leitor é levado pelas mais diversas aventuras através da escrita envolvente de Dumas, desprovida de quaisquer rebuscamentos, imbuídas pela confirmação das faculdades e capacidades da alma humana, presentes em cada uma das personagens diante das situações mais inesperadas que vivenciam, fator determinante para a admiração e apreciação da obra. Portanto, com o objetivo de não revelar mais detalhes a fim de manter a surpresa do leitor, relacionei, aqui, algumas frases importantes encontradas no livro como uma forma de convite à leitura: “Nunca estamos quites com quem nos faz um favor, pois quando já 75


não devemos mais dinheiro devemos gratidão”; “Chi ha campagno, ha padrone (Quem tem sócio tem patrão)”; “Nossos piores inimigos são os que estão perto de nós e tem algo a dividir conosco...”; “A profissão alimenta o profissional”; “A felicidade nos cega até mais do que o orgulho”; “ A ausência separa tanto quanto a morte”; “Às vezes, a alegria causa efeitos estranhos, machuca tanto quanto a dor”; “Vocês que detêm o poder, só contam com os meios criados pelo dinheiro, nós, que o esperamos, contamos com os meios criados pela dedicação”; “Na política não há homens, mas ideias; não há sentimentos, mas interesses; não se mata um homem: suprime-se um obstáculo”; Se quer descobrir o culpado de algum crime, pergunte primeiro a quem o crime cometido pode ser útil”; “Por melhor que sejamos, deixamos de procurar as pessoas que nos entristecem”; “Para todos os males, há dois remédios: o tempo e o silêncio”; “Em matéria de especulação, o homem põe e o dinheiro dispõe”; “Mas quem tem vontade de lutar não perde um tempo tão precioso: devolve imediatamente à sorte o golpe que dela recebeu”; “As ideias não morrem às vezes, elas cochilam, mas despertam mais fortes do que antes de adormecer”; “Os amigos de hoje tornam-se os inimigos de amanhã”; “Os corações inflamados pelos obstáculos esfriam na segurança”; “Os homens autenticamente generosos estão sempre prontos à compaixão quando a desgraça de seu inimigo ultrapassa os limites do ódio”. Divirta-se. Dumas, Alexandre. O Conde de Monte Cristo, Editora Martin Claret Ltda, Copyright 2017 (1846). 76


O coruja

(Aluísio Azevedo)

Publicado em 1890 pelo brilhante autor maranhense, presta-se nessa obra a destacar a vida do casmurro, taciturno e antipático André, órfão aos 4 anos, que sob a tutela do padre Estevão, cuja atitude trouxe boa reputação perante os paroquianos apesar de mal suportar a ausência de espírito de seu pupilo, vê-se em alívio, quando o “coruja”, como era conhecido, afeiçoou-se ao rico, arrogante e desensofrido Teobaldo, filho do Barão de Palmar, após ser defendido por André de uma briga, sendo levado à fazenda do Barão durante as férias e, posteriormente, morarem juntos. Coruja, porquanto, dedica-se com todo o devotamento a tudo que se refere ao seu amigo, faz suas lições, aconselha-o e doa suas economias com tal esmero que se abdica até de um casamento com Inesinha, filha da rabugenta D. Margarida. Teobaldo, entretanto, encontra-se em apuros ao receber carta de seu pai, alertando-o para que se entregasse à frugalidade, mas contrariando o conselho de Sr. Emílio, passa por necessidades enquanto coruja se mantém organizado, dedicado e desejoso de montar a própria escola. Assim, Teobaldo, desejado pelas mulheres, desprezível, porém e, em oposição, André, bom demais, capaz de oferecer refúgio a um fugitivo da cadeia, entre outras atitudes só tomadas pelo “monstro da bondade”, assumem o protagonismo da história até que o primo de Branca, chamado Aguiar, confessa seu amor pela prima a Teobaldo que, no entanto, casa-se este com Branca, arremetendo-se aquele, então, em ódio e vingança a fim de enaltecer as intrigas para demolir seu amigo. Teo77


baldo, entretanto, convida André para morar junto com os dois recém-casados e, mesmo contrariado, aceitou prosseguindo, contudo, em sua postura dessociável e aos andrajos fazendo as pessoas suporem que era Teobaldo e não o contrário, quem garantia os meios de subsistência a André. O filho do Barão continua volúvel e pândego, perdendo suas economias, à medida que crescem suas ambições nos negócios e, principalmente, na área política ao entrar, ocasionalmente, para o partido conservador e assumir o cargo de ministro, inflando sua vaidade. Já André, a fim de salvar seu amigo de suas más resoluções, entrega tudo o que tem ao seu “príncipe”, caindo, enfim, em dívidas ao deixar de quitar um empréstimo do banco para a compra de uma escola, considerada até então uma das mais conceituadas do Rio de Janeiro. As intrigas se arrefecem com os contos de traição e a obra tem seu clímax ao fim quando ambos, André e Teobaldo, entregam-se à crise de suas consciências, o primeiro por se sentir traído pela sua infinita bondade e, o segundo ao se achar vítima das adulações e da insinceridade das pessoas envolvidas em sua vida política após desprezar, anteriormente, várias mulheres que o amaram como a cortesã Leonília e Ernestina, em um livro que, no conjunto da obra, é suficiente para arrebatar o leitor ao ver um retrato da sociedade brasileira do fim do século XIX que, surpreendentemente, não é muito diferente da de hoje. AVEZEDO, Aluísio. O Coruja, Global Editora, São Paulo – SP, Copyright 2008 (1890). 78


O Cristo recrucificado (Nikos Kazantzakis) Nikos Kazantzákis, o escritor grego mais traduzido do século XX, recebeu o Prêmio Internacional da Paz em 1956 e teve algumas obras adaptadas para o cinema como “A última tentação de Cristo”, dirigido por Martin Scorsese. Em “O Cristo recrucificado”, sua mensagem forte certamente tocará o leitor. Ambientada na aldeia de Lycovrissi, após a “assembleia dos notáveis”, dirigida pelo padre Grigoris, a cada sete anos conforme a tradição, foram designados quem representaria as principais personagens da “Paixão de Cristo” para o ano seguinte, sob a condição de manterem boa conduta. Assim, escolheram Constantis, dono do café, para representar o apóstolo Tiago, Yannakos, acostumado a roubar no peso de suas mercadorias e amigo inseparável de seu burro, no papel do apóstolo Pedro, Michelis, noivo de Mariori, viveria o apóstolo João, a sensual viúva Katerina, assumiria-se Madalena, o impostor Panayotis admitiu o papel de Judas, mesmo contrariado e depois de convencido pelos demais, e Cristo seria representado pelo tranquilo pastor Manólios, noivo de Lênio. De repente, uma procissão de refugiados esfomeados, liderados por padre Photis, entoando cânticos, busca auxílio junto aos lycovrissiotas depois de terem sua aldeia queimada pelos turcos, mas ninguém deixa suas futilidades para auxiliá-los. Quando uma das refugiadas, chamada Despínio, cai morta de fome, imediatamente é anunciada da maneira mais cínica a causa de seu declínio pelo padre Grigoris: “– É o cólera!”, afastando instantanea79


mente os forasteiros rumo ao monte Sarakina, sob gritos de pavor dos habitantes locais. Porém, compadecidos, Michelis e Manólios, entregam cestos de provisões aos peregrinos depois de os roubarem do velho Patriarchéas e, além disso, o sovina Ladas procura convencer Yannakos a persuadir os novos habitantes a fim de entregarem suas jóias em troca de trigo, aveia, azeite e vinho. Yannakos, entretanto, também se sensibiliza com as necessidades dos refugiados e passa a ajudá-los descumprindo seu acordo de negócios com Ladas. Padre Photis, então, decide estabelecer os limites da mais nova aldeia recentemente fundada enquanto Manólios deixa sua noiva e passa a enfrentar uma deformidade que atinge seu rosto repentinamente refugiando-se, por conseguinte, também, no monte Sarakina em busca de purificação. A morte, contudo, de Youssouf, companheiro do agá, faz com que este tome a drástica atitude de prender “os notáveis” e Panayotis a fim de serem enforcados e, depois, enforcar um a um todos os aldeões até que o assassino de Youssouf fosse descoberto. Manólios, todavia, entrega-se assumindo toda a culpa para salvar a aldeia logo depois de ter o seu rosto restabelecido. Logo, antes de ser enforcado, Marta, a criada do agá, entrega a este uma trouxa de vestes com sangue de Hussein e, assim, o verdadeiro assassino é desmascarado salvando Manólios e os outros encarcerados. O velho Patriarchéas morre e Michelis, seu filho, doa todas as suas propriedades aos pobres de Sarakina para a incredulidade de padre Grigoris e Panayotis, o suficiente para alegarem uma conspiração dos sarakiniotas contra os habitantes de Lycovrissi. Dessa maneira, o enredo ganha corpo, o suspense au80


menta e a compreensão entre os “estrangeiros” e os aldeões torna-se cada vez mais difícil, ao passo em que o leitor se sentirá curioso para desvendar o final da trama e concluir se tudo foi, realmente, em vão... O autor faz, enfim, com essa obra, sob linguagem simples, humor sutil e agudo, perante uma história contagiante, um grande retrato da hipocrisia. KAZANTZAKIS, Nikos. O Cristo Recrucificado. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro – RJ, Copyright 1971 (1948).

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O enfermeiro

(Machado de Assis)

Considerado um dos maiores escritores do Brasil, qualquer um de seus principais contos ou romances poderia ser comentado aqui. Essa edição do Clube do Livro reuniu 11 dos principais contos do autor, em que se destacam “Conto de escola” e “A carteira perdida”, recheados de humor. Em “O enfermeiro”, publicado no livro “Várias histórias”, de 1896, durante a Guerra de Canudos e após 26 anos da Guerra do Paraguai, é possível identificar a genialidade do autor, ao bordar expressões a exemplo de “olhos de ressaca” já bem conhecidas pelo leitor no romance “Dom Casmurro”, entre outras provas de criatividade características e demonstradas em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, escrita por um defunto. No conto principal, em sua primeira página, há um alerta do próprio protagonista: “não maltrate muito a arruda se lhe não cheira a rosas”. Assim, o enfermeiro da corte recebe uma proposta para prestar seus cuidados a um velho rico do interior. O velho acumula várias doenças e rabugices, é tão insuportável que jamais alguém ficou à sua disposição por mais de um mês. Procópio, como chamado o servidor, era tratado às bengaladas e, apesar de tudo, permaneceu na casa por três meses, o suficiente para o velho Felisberto se afeiçoar a ele. Decidido a abandonar seus serviços foi convencido pelo vigário, entretanto, a prosseguir por mais um mês. À última semana de completar o período combinado, o doente arremessou artigos de porcelana sobre a cabeça de Procópio que, por pouco, não o atingiu fisicamente, mas 82


acendeu o estopim para uma luta entre ambos que resultou em consequências dramáticas à consciência do enfermeiro não por muito tempo, porém, após o conhecimento do testamento deixado pelo velho coronel Felisberto. Assim, Procópio, despe-se do pesado fardo de sua consciência, sugerindo, ao final de seu relato, que à sua morte, escrevessem em seu túmulo de mármore, um epitáfio emendado da Bíblia que bastará, para deleite do leitor, reconhecer e compreender, perante o contexto histórico de conflitos da época, as atitudes da sociedade talvez não muito diferentes da atualidade, magistralmente revelado por Joaquim Maria Machado de Assis, um aficionado, inclusive, em comum a outros escritores famosos como Dickens, Balzac, Kipling, Orwell, Dostoiévski, entre tantos outros, pelo jogo de xadrez, sendo considerado o primeiro jogador brasileiro a propor um problema de xadrez em 1877. ASSIS, Machado. Editora Clube do Livro Ltda, São Paulo – SP, 1968.

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O enterro do diabo (Gabriel García Marquez) “La Hojarasca”, de Gabriel García Márquez, publicado em 1955, que significa “folharada” ou “revoada”, traduzido para o Brasil, nessa edição, como “O enterro do diabo”, ocorre também em Macondo, a famosa cidade de “Cem anos de solidão”, sua obra mais conhecida. Em “O enterro do diabo” se narra a história do sepultamento de um doutor suicida sob o olhar de três personagens diferentes, do coronel Aureliano Buendía, sua filha Isabel e o neto. O paradeiro do casmurro médico é desconhecido até se alojar à casa do coronel por quase 10 anos, em que os habitantes se negam a sepultá-lo porque ele se recusou a atender os feridos de guerra que se prostravam em sua porta, cuja desagradável tarefa coube ao coronel, temendo a reação de todos (“- De uma coisa, pelo menos, estou seguro: de que em muitas casas se queimará arroz e se derramará leite”). Antes do enterro do doutor e, por isso, obviamente, o mote da história, o leitor pode testemunhar, diante da descrição de cada um dos três narradores, os fatos pregressos ao sepultamento como o surgimento da companhia bananeira, capaz de alterar os rumos de Macondo, além de tomar conhecimento da história de outras personagens a exemplo de Martín, que foi casado com Isabel e depois a abandonou, dando um golpe em seu sogro, o pároco, conhecido como “Cachorro”, com seus sermões baseados nos almanaques de Bristol, que visitou o doutor momentos antes de sua morte e, a criada Meme, que destinou seus dedicados préstimos ao doutor por longos anos, chegando a dormirem juntos, recebendo em troca, porém, toda a indiferença, sendo obrigada, 84


porquanto, a deixar a casa, cujo desaparecimento levantou a suspeita da população de que ela havia sido assassinada pelo seu ex-companheiro, fato posteriormente não comprovado. Como não poderia deixar de ser, uma novela que já evidenciava o estilo de Gabo, o famoso autor colombiano, ganhador do Prêmio Nobel de 1982, com grandes doses de ironia e crítica social, permeando sua escrita com repetições da ideias, alternando-se os narradores e, abordando, mais uma vez, o tema da solidão e da morte. Além disso, em minha modesta visão, há nessa obra, apesar de se tratar do romance de estreia do autor, muito a ser extraído pelo leitor, como a necessidade de mudanças, diante das expressões como “ferrugem das dobradiças” ou, mediante a descrição do quarto em que vivia o solitário e esquisito médico, sob poeira e tão cerrado que não permitia a entrada de luz e, ademais, em consideração à ausência de reação do doutor em muitas situações, como uma um delas, ao ser indagado pelo coronel se ele acreditava em Deus obtendo a seguinte resposta: “- É a primeira vez que alguém me faz essa pergunta”. MÁRQUEZ, Gabriel García. O Enterro do Diabo. Editora Sabiá Limitada, Rio de Janeiro – RJ, 1955.

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O falecido Mattia Pascal (Luigi Pirandello) Embora, ironicamente, após sua primeira peça de teatro ser recusada por editores, cogitando sua desistência do gênero, o autor, nascido em Agrigento, Sicília, tornou-se ulteriormente conhecido como um dos maiores dramaturgos da Itália e do mundo com apresentações, inclusive, no Brasil em 1927, representando o espetáculo “Henrique IV”. A brilhante atuação no teatro conferiu à Pirandello o Prêmio Nobel da Literatura em 1934. Entre suas peças, romances, contos e poesias, sem dúvida alguma, merece destaque a prosa de Mattia Pascal, um rico proprietário de terras que, ao ver-se totalmente sem rendas por ter confiado a administração de suas posses ao larápio Batta Malagna, conhecido como “toupeira” - “aquele que efetua escavações abaixo de seus próprios pés” – e, depois de atuar como “pombo-correio” na tentativa de incentivar Romilda, filha da megera Marianna Dondi (a viúva Pescatore), a casar-se com seu tímido amigo Pomino, desviando-a das projeções matrimoniais do famigerado tio Malagna, acaba Romilda, entretanto, apaixonando-se por Mattia, sob reprovação de sua mãe, porém, obrigada a render-se às suas intenções de afastá-lo de sua filha perante o “embaraço” amoroso de Oliva com Malagna. Após um cômico episódio envolvendo a irreverente tia Scolástica, sob o objetivo de “resgatar” a mãe de Mattia da casa de Pescatore e, além disso, não suportando mais o mal humor de sua esposa e da sogra, sem contar na falta de dotes, Mattia Pascal resolve desa86


parecer por 12 dias com as 500 liras doadas por seu irmão Roberto fazendo, curiosamente, fortuna nos jogos. Durante seu regresso, em trem, fora surpreendido com a notícia, veiculada no jornal “Il Foglietto”, a respeito da descoberta de um cadáver em estado de putrefação no moinho da Stìa, cujo morto fora reconhecido por Mattia Pascal, o honesto empregado da Biblioteca de Santa Maria Liberal. Mattia, surpreendentemente, toma a resolução de evitar o retorno à sua casa, em Miragno e, procura, enfim, desfrutar da liberdade após “morrer” assumindo, agora, a identidade de Adriano Meis. Assim, elabora um novo paradeiro para a sua origem, fingindo ser órfão aos 3 anos de idade e nascido em um navio durante viagem para a Argentina. Depois de perambular por diversos lugares, passou a sentir o peso da solidão e experimenta as mais variadas sensações como a de não viver o “seu próprio eu”, fixando-se, enfim, na residência de Anselmo Paleari, cuja filha Adriana, recentemente viúva, esquiva-se das pretensões de seu cunhado Papiano, convivendo, também, com a reclusa srta. Caporale, uma professora de piano. Entre os acontecimentos mais cômicos e trágicos, Adriana apaixona-se por Adriano Meis, mas, este, após ter parte de seu dinheiro roubado por um dos habitantes da casa, provavelmente Papiano e seu irmão epilético Scipione, encontra-se em confusão, ao evitar avisar a polícia a fim de não revelar sua verdadeira identidade. Assim, Meis, retira-se, misteriosamente, do local e, à beira da Ponte Margheritta, deixa sua bengala, o chapéu e um bilhete com o seu nome “postiço”, induzindo todos a pensarem que havia cometido um suicídio, 87


decretando sua “segunda morte”, nesse caso, a de Adriano Meis, reassumindo-se, porquanto, Mattia Pascal. As mais garantidas surpresas são reservadas quando Mattia chega à Miragno após dois anos e meio desaparecido em que o leitor se depara, ao longo da história, com as mais esmeradas reflexões do protagonista graças à fluidez poética da narrativa entremeada pelo cômico e, ao mesmo tempo, o trágico “caos terreno”, tão característico nas obras do autor. PIRANDELLO, Luigi. O Falecido Mattia Pascal, Editora Nova Cultural Ltda, São Paulo – SP, Copyright 2002 (1904).

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O grande Gatsby

(F. Scott Fitzgerald)

Publicado em 1925, o autor introduz o misterioso Gatsby ao leitor. Trata-se de um homem que vive em West Egg, Nova Iorque, e recebe muitas pessoas para festas em sua mansão, mas poucos sabem de seu verdadeiro paradeiro, apenas que estivera servindo no Exército e passara alguns meses em Oxford. Assim, Nick Carraway, o narrador da história, em contato com seu vizinho, procura compreender as relações que envolvem Gatsby, em que somente Daisy, casada com Tom, por motivo de um romance que tivera há 5 anos com o protagonista, pelo que se supõe, conhece sua origem, com quem se encontra agora escondida de seu marido que, por sua vez, também se envolve em um romance extraconjugal com a sra. Wilson. Não faltam mistérios, todavia, mediante a aparição de outras personagens não menos suspeitas como a figura de sr. Wolfsheim que mantém negócios com Gatsby, além de um senhor, que é encontrado por Nick e sua enamorada Jordan, na biblioteca da mansão durante uma das festas, até que um acidente automobilístico ocorre e logo depois um assassinato, fatos que mudam totalmente os rumos de todas as personagens da história a qual, na verdade, traduz o envolvimento dessas mesmas personagens em futilidades perante a necessidade de projeção social e a expectativa de futuro logo depois da Primeira Gran89


de Guerra, cujo momento histórico pelo qual passava a sociedade americana em plena “Era do Jazz” e às vésperas do “crash” das bolsas de 1929, é retratado de forma brilhante por Fitzgerald e, por isso, “O grande Gatsby” é considerado um dos romances mais importantes do século XX. FITZGERALD, Francis Scotte Key. O Grande Gatsby. Abril Cultural, São Paulo – SP, Copyright 1980 (1925).

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O lobo da estepe

(Hermann Hesse)

Eis aqui mais uma de minhas grandes referências da literatura. Entre tantas obras do escritor alemão como “Sidarta”, “Demian” e “O jogo de avelórios”, certamente, “O lobo da estepe” é a mais marcante. Não é um livro comum sob muitos aspectos. É importante, em primeiro lugar, levar em consideração o contexto histórico. O romance foi publicado em 1927, período em que a Alemanha se ressentia de um catastrófico resultado na Primeira Grande Guerra e o mundo já temia a Segunda Grande Guerra. O protagonista dessa história, contudo, Harry Haller (com as iniciais de seu nome iguais a do autor e é bom que tal fato seja enfatizado), descreve-se como antimilitarista e contra o chauvinismo (no livro, pelo menos nessa edição, a expressão “jingoísmo” é utilizada) vigente nesse período. Haller deixa seus manuscritos no apartamento em que alugara, cujo proprietário, com toda a curiosidade a respeito de um homem calmo, introspectivo, intelectual, solitário e taciturno, testemunha suas anotações. Assim, descobre que seu inquilino se descreve como alguém que não aprecia a burguesia, porém, não a rejeita e, entre outros detalhes, o mais impressionante: que nos próximos 3 anos, ao completar 50 anos, o “lobo da estepe”, um homem depressivo e que, frequentemente, luta contra a dicotomia de seu próprio ser, dividido entre seu lado “humano” e seu lado “lobo”, cometeria suicídio sob o uso de sua navalha. Eis, então, que, em uma de suas andanças, durante à noite, Haller se depara com um letreiro: “Teatro mágico, entrada só para raros” e, nesse momento, a história a qual, 91


antes parecia não se desenrolar, assume um rumo totalmente inesperado. Harry Haller chega a conhecer uma jovem chamada Hermínia que, salvo engano, parece-me uma espécie de “alter-ego” de Haller e, nesse ínterim, travam diálogos muito interessantes em que ela não dispensa, inclusive, diversas críticas à personalidade de Harry.Através de Hermínia, o “lobo da estepe” passa a conhecer Maria com quem também tem um relacionamento amoroso e Pablo, um saxofonista, cuja interação entre essas personagens principais são apaixonantes em meio aos acontecimentos e às discussões inerentes à filosofia, religião, cultura e música com referências ao escritor Goethe e ao músico Mozart. De acordo com minhas pesquisas, embora alguns leitores tenham considerado o romance “depressivo”, levei a história com muito bom humor, apesar de uma das trágicas cenas do final. Outro detalhe: o livro não é dividido em capítulos, há apenas uma primeira parte mais curta sobre as anotações de Harry e uma segunda em que o leitor se depara com o “Tratado do lobo da estepe”. Porquanto, posso dizer o seguinte: leia com atenção e delicie-se com algo totalmente original que consagrou Herman Hesse com o Prêmio Nobel de Literatura em 1946. HESSE, Hermann. O Lobo da Estepe. Editora Record, Rio de Janeiro – RJ, Copyright 1955 (1927).

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O melhor tempo é o presente (Nadime Gordimer) Nascida em Springs, África do Sul, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 1991, a brilhante escritora Nadime Gordimer promove uma bela reflexão sobre o período pós-apartheid, regime de segregação racial que vigorou no país por décadas. O livro conta a história de um casal, ela Rebecca Jabulile, negra, advogada, filha de um presbítero da igreja metodista e, ele, Steven Reed, branco, professor universitário, filho de mãe judia e pai cristão, que se conheceram durante a Luta contra o apartheid. Logo nas primeiras cenas, Steve relata a Jabu seu desejo de mudar-se com toda a família de Glengrove Place para o subúrbio. Da hesitação, Jabulile passa ao consentimento e, dessa maneira, em Gereformeerde Kerk, local, agora, ocupado por uma comunidade predominantemente gay, cujos habitantes dividem uma piscina comunitária em suas horas de lazer, os chamados “golfinhos” e, assim, estabelecem-se em companhia da “criada” negra Wethu, que dorme em uma espécie de ex-galinheiro transformado em quarto, seus vizinhos Peter, ex-companheiro de Luta, sua esposa Blessing, os amigos Jake e Isa, entre muitos outros a exemplo de Marc, assumidamente gay que, mais tarde, casa-se com uma mulher. Jabu, graças a sua dedicação, cresce na carreira após trabalhar instruindo as pessoas que seriam interrogadas no Centro de Justiça; Steve, imbuído por sua determinação, utiliza sua experiência como facilitador na mobilização de pessoas durante a época da UMKHONTO, espécie de facção em favor da liberdade, a fim de incentivar seus alunos, por meio de seminários e outros recursos de ensino participativo, à vida profissional. Na medida em que se desenrola a narrativa, graças à 93


desenvoltura de escrita da autora, em que a fala das personagens, muitas vezes, aparece primeiro e, apenas, depois é possível identificar o protagonista, há discussões interessantes sobre os mais diversos assuntos como, por exemplo, quando decidem sobre a escolha da filha mais velha, Sindswa, pelo colégio particularAristóteles que, em princípio, para Jabu, soa como um “privilégio” perante tantos negros desfavorecidos no país, mas, ao mesmo tempo, ela mesma admite que, depois que seu pai, chamado Baba, chefe dos presbíteros a quem devotamente se dirige sempre diante de decisões difíceis, deixou-a emigrar para estudar advocacia na Suazilândia, não deixa de ser uma ótima oportunidade, também, para oferecer condições mais favoráveis de crescimento aos filhos em um ambiente de “superação” do apartheid. Simultaneamente, o filho caçula Gary Elias, opta por um colégio “só para meninos” já que seu melhor amigo, Njabulo, filho de Peter e Blessing, também estuda lá. Apesar disso, os indicadores sociais não são favoráveis, há 9 milhões de analfabetos, 13 milhões de desempregados, aumento assustador dos casos de aids e de estupro, greves frequentes, o investimento na educação dos brancos ainda é bem maior em comparação com o dos negros. Para piorar o cenário, alguns episódios desagradáveis de discriminação racial, durante um “evento de iniciação” dos novos alunos na universidade onde Steve leciona, o atentado violento contra Jake que quase o matou, além da imigração cada vez maior cujas pessoas passam a ocupar as praças e ruas com seus barracos em condições miseráveis, em que a amizade entre as diferentes etnias dá lugar à xenofobia, e os subsequentes arquivamentos dos processos judiciais do presidenciável Msholozi Zuma, com acusações de suborno, corrupção e estupro, levam Steve a propor à família a emigração com destino à Austrália. E aqui, mais uma vez, 94


a possibilidade de refletir: “vale a pena deixar tudo para trás depois de lutarmos tanto?” Um livro precioso e envolvente, narrado pela famosa escritora com muita sutileza e imparcialidade, ou seja, sem exprimir qualquer juízo de valor mesmo diante de traição de Steve, preocupa-se, contudo, pelo menos na maioria das vezes, em relatar os fatos e propor as reflexões. Realmente, uma bela fotografia de um país com características muito semelhantes ao Brasil e, ao mesmo tempo, um relato de esperança onde a Luta, talvez, continue, pois o “presente é uma consequência do passado” (página 489) e “agora é tudo que veio depois” (página 19). GORDIMER, Nadime. O Melhor Tempo é o Presente, Companhia das Letras, São Paulo – SP, 2012.

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O morro dos ventos uivantes (Emily Brönte) Publicado em 1847, um ano antes de sua morte, Emily Jane Brönte, retrata a sorumbática história dos habitantes da mansão conhecida como Morro dos Ventos Uivantes, localizada nos arredores de Gimmerton, distante poucas milhas de Thrushcross Grange, sob a perspectiva do novo inquilino sr. Lockwood, após ouvir o relato da criada Helena Dean. À chegada do inquilino ao Morro, nada amistosa por sinal, ao se safar de um ataque de cães, Lockwood, depara-se com o caráter enigmático, soturno e repugnante do proprietário Heathcliff, acompanhado dos outros habitantes da casa, o irascível Hareton Ernshaw, Catarina Heathcliff, nora do proprietário, além dos criados, o velho José e Zilá. A fim de apaziguar sua estranheza, Lockwood, agora, de volta a Thrushcross Grange, seu novo lar, depois de deixar o Morro ao findar da nevasca, ouve a narração de Nelly Dean. 23 anos atrás, o órfão Heathcliff, fora trazido para o Morro graças ao antigo proprietário Hindley Earnshaw, casado com Francisca, pais de Hareton e Catarina.Apesar de sofrer recriminações por parte dos vizinhos pelo motivo de ser adotivo, Heathcliff se afeiçoa à Catarina e vice-versa. Certo dia, em passeio por Trushcross Grange, após um acidente, Catarina é deixada sob os cuidados da família Linton, enquanto Heathcliff é expulso do local regressando, desse modo, ao Morro. Assim, Edgar Linton apaixona-se por Catarina des96


pertando o ciúmes de Heathcliff que resolve, depois, desaparecer. Catarina, então, passa a viver na propriedade dos Linton, deixando seu irmão Hareton sob os préstimos temporários de um pastor. Nelly passou, outrossim, a trabalhar como nova criada do casal. Três anos se passam e Heathcliff retorna. Isabel Linton, irmã de Edgar, apaixona-se pelo novo Heathcliff, imbuído, agora, por uma postura aparentemente mais disciplinar, despertando, por sua vez, o ciúmes da insofismável Catarina. As intrigas se iniciam entre as personagens carregadas de tensão psicológica em que a trama se desenrola perante o objetivo de cada uma delas: Heathcliff procura castigar sua esposa Isabel e ambiciona tomar a propriedade enquanto Catarina, sob os auspícios de sua articulada personalidade, defronta-se com o esposo subalterno, Edgar Linton, que procura não contrariá-la em suas exigências a fim de evitar que ela adoeça. Mais tarde, Isabel foge do “monstro” Heathcliff e, antes de sua morte, entrega seu filho Linton aos cuidados de Edgar que, logo, é forçado a levá-lo, por intermédio de Nelly, a morar com Heathcliff. Em outro episódio, Catarina é surpreendida em seu quarto em companhia de Heathcliff por Edgar e, já moribunda, desmaia e, à meia-noite, dá à luz sua filha de mesmo nome da mãe, a frágil Cathy. Sua mãe, morre logo depois. Hindley, por sua vez, entrega-se ao vício da bebida e aos jogos, fazendo empréstimos de Heathcliff em troca da hipoteca da propriedade como garantia tirando a herança de Heraton assim que seu pai morre. Os planos diabólicos de Heathcliff 97


se amplificam ao desejar que Linton se case com sua prima Cathy por uma questão envolvendo o testamento. Assim, em meio à intrigas maquiavélicas, apesar de bem sucedido em suas intenções, Heathcliff, é atormentado pelo “fantasma” de Catarina. Uma história envolvente que é marco da literatura mundial ao revelar, inclusive, algumas características da solitária autora retratada na figura de Catarina. BRÖNTE, Emily. O Morro dos Ventos Uivantes, Editora Nova Cultural Ltda, São Paulo – SP, Copyright 2002, (1847).

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O senhor das moscas

(William Golding)

Vencedor do Prêmio Nobel de 1983, Golding oferece uma boa reflexão sobre a condição humana com essa obra, cuja história se passa em uma ilha deserta onde crianças são confinadas após um acidente e procuram sobreviver entre o desejo do regresso às suas casas e a adaptação às novas intempéries. O grupo inicia pela eleição do líder, chamado Ralph, que intenciona organizar os sobreviventes perante determinadas funções como a construção de cabanas e a manutenção de uma fogueira acesa no alto de uma colina para que pudessem enviar sinais além mar aos navios. Entretanto, Jack, de temperamento mais exaltado, dirige-se, inconteste, para a caça de porcos, alimento de que todos necessitavam naquele momento. Porém, os primeiros desentendimentos acontecem após Jack, contrariando as decisões de Ralph, deixar a fogueira apagar enquanto um navio circundava a ilha, mergulhando as esperanças das crianças pelo resgaste água abaixo. A liderança de Ralph é, então, colocada em xeque, não menos graças ao auxílio do inteligente companheiro conhecido como Porquinho, que, em muitas situações de dúvida, intervém em nome de seu líder. Jack, contudo, interpõe-se, junto aos seus signatários, formando uma tribo em que se pintam e efetuam rituais opondo-se, porquanto, ao grupo de Ralph, formado, agora, apenas pelo líder, Porquinho e os irmãos gêmeos Sam e Eric. Simultaneamente, todos são obrigados a se refugiarem diante do temor pelo aparecimento de um bicho, com o horror testemunhado pelo garoto Simon e, que, mais tarde, vem a sofrer sórdidas consequências. Certa noite, o abrigo de Ralph é surpreendido por 99


um ataque em que Porquinho é ferido e tem a única lente que resta de seus óculos roubada. Em pouco tempo, o pequeno grupo se encaminha na direção da tribo a fim de reivindicar a devolução do objeto que pertencia à Porquinho, mas não são bem recebidos e passam, logo, a lutarem pela própria sobrevivência perante a desistência de alguns e fuga de outros. O leitor, certamente, terá a curiosidade de seguir até o fim da história que transita entre o terror, drama, ficção e alegoria, suficientes para levá-lo a refletir sobre a capacidade do ser humano em realizar suas ações e tomar atitudes quando é dominado por seus instintos mais biliares. Cabe ao leitor, também, a descoberta de quem pertence a alcunha de “o senhor das moscas”. GOLDING, William. O Senhor das Moscas. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro – RJ, 1954.

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O sol é para todos

(Harper Lee)

Vencedora do prêmio Pulitzer e sucesso de crítica, Harper Lee presenteia o leitor com uma história singela, sensível e emocionante. Tudo se passa em Maycomb, Alabama, durante o auge da segregação racial que assolou os Estados Unidos, em que um advogado branco, chamado Atticus, correto, pai exemplar, apreciado pelos filhos Jem, pragmático e que aspira a uma vaga no time de futebol da escola e, a sensível, dinâmica e inteligente Scout, por quem sua tia Alexandra deseja demonstrar alguns requisitos de etiqueta necessários para transformá-la em uma dama, é nomeado para defender Tom Robinson, um rapaz negro, acusado de estupro em que a vítima fora Mayella Ewell, filha de Bob Ewell, conhecido na cidade pela sua péssima reputação. Todos os acontecimentos são narrados pela perspectiva da brilhante Scout, de apenas 9 anos, mas com uma peculiar agudeza de raciocínio, ao lado do irmão Jem, de 13 anos, seu escudeiro. Assim, os dois irmãos, algumas vezes, aliados à Dill, de Meridian, amigo de Jem e pretendente de Scout, durante suas travessuras, passam pela propriedade do misterioso Boo Radley, a quem raramente o viam na rua, mantendo, portanto, um temor perante um “desconhecido”. Assim, a história se desenrola à medida que o julgamento de Tom e sua repercussão ocorrem, em que Atticus, atua de forma magistral perante o juiz Taylor e todo o júri, com o objetivo de inocentar seu cliente, além das consequências de tudo isso, acompanhado pelo testemunho de Scout, imbuído por verdadeiras lições de respeito pelo ser humano que, ao longo do livro, intrigam e geram reflexões como, por exemplo, seu questionamento diante de um 101


posicionamento incoerente de sua professora ao fazer uma alusão à Hitler como péssimo exemplo e, simultaneamente, tecer comentários pejorativos a respeito dos negros. Então... eis que, então, o final... ah, que belo final... entre tantas aventuras, episódios tristes, educativos e descontraídos, um final surpreendente e tocante. LEE, Harper. O Sol é Para Todos. Círculo de Livro S.A, São Paulo – SP, 1964.

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O velho e o mar (Ernest Hemingway) É incontestável a importância de Hemingway para a literatura em especial por “O velho e o mar” que lhe rendeu o Prêmio Pulitzer e foi decisivo para a conquista do Prêmio Nobel. A história é contada de forma simples e com muita maestria em que o protagonista Santiago, um velho pescador, após 84 dias sem pescar um único peixe, dirige-se sozinho ao mar com seu humilde barco para mais uma de suas tentativas, depois de se separar de Manolín, um jovem rapaz, parceiro e escudeiro de Santiago. Durante essa “viagem”, o velho consegue pescar o maior peixe de sua vida, um grande espadarte, pesca precedida por muita luta e sacrifício. Assim, o bom e velho pescador se vê envolvido em novos infortúnios como a visita de tubarões atraídos pela presa capturada por Santiago, a necessidade da pesca de outros peixes menores como fonte de alimento para sua sobrevivência e combustível para que seu intento fosse bem sucedido, entre outras passagens descritas de maneira fascinante e com riqueza de detalhes ao relatar, por exemplo, sobre a simplicidade de seu equipamento que, aliás, remete ao leitor lições fascinantes como “lutar com o que tem já que não possui algo mais preciso”, entre outras cenas marcantes destacadas pelo fluxo de pensamento do velho pescador denotando seu sentimento de solidão em pleno mar, a sua persistência, a luta pela redenção, sua estratégia, sua meta, suas fraquezas, o respeito pela pre103


sa ao se desculpar diante do peixe por se tornar, nesse momento, sua presa, tudo vivido por um homem que, acima de tudo, sente-se integrado ao seu papel de pescador e desempenha sua função com sabedoria. Simplesmente, uma verdadeira metáfora que leva o leitor a refletir e buscar algo que faça sentido à sua vida o tornado mais íntegro e integrado ao seu papel como ser humano. Uma obra de apenas quase 120 páginas, que pode ser lida de forma rápida, no melhor estilo de Ernest Hemingway, um dos maiores escritores de nossa história. HEMINGWAY, Ernest. O Velho e o Mar. Editora Círculo do Livro, São Paulo – SP, Copyright 1980 (1952).

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Olhai os lírios do campo Erico Verissimo Publicado em 1938, no período pós-revolução 1930, compreendido entre as duas Grandes Guerras em meio à perseguição aos judeus, esse romance é marco da literatura e da popularidade de Erico Verissimo, cujo argumento principal permanece atualíssimo até hoje. Dividido em duas partes, sob enredo muito bem construído, além de alguns diálogos envolventes, Eugênio, inicialmente, atende uma chamada cujo recado ao telefone dizia que Olívia, em seus últimos momentos no leito de hospital, como tudo presumia, desejava vê-lo. Ao longo do caminho até o hospital, Eugênio recorda momentos de sua vida. Filho de Ângelo, um alfaiate e sua mãe d. Alzira, o protagonista passa por uma infância pobre, sofre “bullying” na escola, chega a entrar para o internato, tem vergonha de encontrar ocasionalmente seu pai na rua, e sente-se constrangido com o “arruaceiro” do seu irmão chamado Ernesto que mais tarde desaparece. Florismal, um amigo de seu pai, em virtude de seu conhecimento sobre assuntos diversos, ganha a admiração de Eugênio e, assim, imbuído por um frequente complexo de inferioridade, forma-se médico. Durante a formatura, logo depois que recebeu o diploma, Eugênio, em companhia da única mulher da turma, Olívia, juntos tecem comentários sobre o significado da vida e seus futuros, cujo diálogo é lembrado, constantemente, com saudosismo por Eugênio. Sob a perspectiva de Eugênio, o leitor passa a conhecer 105


a perspicaz, inteligente, sagaz, sincera e contundente Olívia que conhece profundamente seu companheiro, diante de suas observações certeiras a respeito dos “pontos de vista” e atitudes de Eugênio, característica que, talvez explique, também, o sucesso do livro, diante da identificação muito frequente por parte, principalmente, de muitas leitoras com a personagem Olívia. Dr. Eugênio, entretanto, ao atender uma criada doente, conhece uma ricaça e os rumos de sua vida tomam outros ares. Ele se casa com Eunice, sente-se obrigado a assumir seus afazeres no escritório da indústria de seu sogro, seu Cintra, assume novas relações, por exemplo, com Filipe Lobo, um ambicioso engenheiro que procura empreender todas as suas forças na construção do maior edifício da América Latina, o Megatério, com quem é casado Isabel, futura amante de Eugênio, “abrindo mão” de certa forma, até da devida atenção que deveria ser dispendida à sua filha Dora. A jovem Dora, aliás, mantém relações com um pobre judeu, chamado Simão, cujo relacionamento é reprovado pelo pai Filipe Lobo. Enquanto isso, Olívia, vai para Nova Itália e escreve, frequentemente, cartas à Eugênio, mas não as envia. Ao chegar ao hospital, Eugênio, percebe que teria sido tarde demais. Olívia deixa suas cartas dirigidas à Eugênio e, para a surpresa de todos, Anamaria, a filha de Olívia com Eugênio que mantinha-se sob a tutela de d. Frida e a família Falk. Essas cartas são reveladoras e Olívia expõe, sem delongas, tudo o que pensa sobre o incrédulo Eugênio, de forma muito terna, inclusive com algumas passagens do Sermão da Montanha, em cenas 106


muito marcantes. A segunda parte se inicia e o protagonista, em determinado momento, sentindo-se infeliz, põe em prática seu plano de separação de Eunice e procura “recuperar o tempo perdido”, tentando viver como viveria Olívia, sempre lembrada por ele, sendo vítima agora de suas angústias e sentimentos o pessimista e bem-humorado dr. Seixas, seu amigo confidente, protagonizando belas conversas durante suas andanças na medida em que Eugênio, ao longo de suas consultas e testemunho das mais variadas situações na medicina, vai amadurecendo como pessoa. Apesar, talvez, como podem julgar alguns ou muitos leitores, das doses a mais de nostalgia, entre outros pormenores, para mim, trata-se de um dos grandes livros de minha vida e que, se pudesse, escolheria para tê-lo escrito, especialmente, as falas de Olívia em que exalta: “... não fomos consultados para vir para este mundo e não seremos consultados quando tivermos de partir. Isto dá bem a medida da nossa importância material terrena, mas deve ser um elemento de consolo e não de desespero”, ou “só a vida ensina a viver... É preciso a gente ver primeiro tudo o que a vida tem de mau e de sórdido para depois descobrir o que ela tem de belo e de bom, de profundamente bom”. Verissimo, Erico. Olhai os Lírios do Campo, Companhia das Letras, São Paulo-SP, Copyright 2001 (1938).

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Os anos

(Virginia Woolf)

De autoria de uma das escritoras mais influentes da literatura como assumidamente relata, por exemplo, o autor colombiano Gabriel García Márquez, “Os anos”, publicado em 1937, figurou na lista dos mais vendidos na Inglaterra e fez ainda mais sucesso nos Estados Unidos. No Brasil, a primeira tradução, de Raul de Sá Barbosa, chegou ao público apenas em 1982 e, talvez, seja, uma das obras que mais deu trabalho à romancista conforme afirmou em seus diários. Trata-se de um “romance-ensaio” que se passa em Londres, cujos capítulos são divididos em anos, a partir de 1880 até os “dias de hoje” correspondentes ao ano de 1930, em que as principais personagens constituem a família Pargiter, formada pelo Coronel Abel Pargiter e sua esposa já doente, e os filhos Eleanor, a mais velha e pacificadora, Milly, que se sente, muitas vezes, “passada para trás”, Delia, determinada e mais controladora de seus “nervos”, Martin, cujo pai exigia que fizesse as lições, o solícito Morris, Rose, a mais nova e sonhadora, além de Edward que estuda em Oxford; Crosby, a criada, também mantém uma relação de proximidade com a família ao trabalhar em Abercorn Terrace, propriedade dos Pargiter, até sua aposentadoria como averiguado depois. A cada ano, é descrito, de forma bem lírica, o tempo, se chove, neva ou faz sol, no início de cada um dos capítulos, além do relato dos encontros e desencontros entre as personagens que aparecem, reaparecem e, outras ainda, desaparecem, revelando 108


apenas algumas passagens em cada um dos anos, em determinadas situações até casuais que resultam em jantares, entretendo-os em suas conversas desprovidas de quaisquer formalidades ao desfilarem pelos mais variados assuntos sem grande profundidade quando, anos depois, reencontram-se em uma festa na casa de Delia, alguns casados, outros velhos, os filhos e sobrinhos mediante sonhos com o futuro, outros solteiros ou formados lembrando o passado. O mais interessante, entretanto, refere-se à característica da escrita “musical” da autora que, possibilita a “profusão de sensações” na medida em que vai descrevendo o ambiente ou pequenos acontecimentos que acabam por ratificar ou reforçar o que as personagens estão sentindo naquele momento (“- Deram-me por morto, relata Martin... o fiacre estaca”); a escritora, assim, faz brotar, aos poucos, o sentimento em seus leitores, característica ilustrada na cena do passamento do cachorro de estimação, por exemplo: “Mas por fim o animal recusou a abrir a boca, seu corpo foi ficando cada vez mais rijo; e uma mosca andou pelo focinho sem que o cão o torcesse. Isso se passou de madrugada com um alvoroço de pardais nas árvores do jardim”, entre outras cenas, ao “refugiarem-se” em um dos aposentos da casa ao som dos bombardeios de guerra. Além disso, entre outras indagações exprimidas sobre o passado, “Na Grécia a gente estava sempre a contar dois mil anos para trás. Aqui cairá sempre no século XVIII, pensou Eleanor”, ou sobre o futuro, “Você acha que um dia a gente vai poder ver os outros do lado de lá do telefone?”, a obra é marcada pelo fluxo de consciência dos protagonistas, recurso 109


constantemente utilizado e marca registrada da autora. Ao final, durante o reencontro na casa de Delia, diante de uma atmosfera “onírica” em que os Pargiter, perfilados em frente da moldura da janela “posam para um retrato”, a autora demonstra toda a sua sutileza e a sensibilidade mediante a escrita “contemplativa” e, muitas vezes, “hipnotizante”. Apesar de tudo, não é um livro “fácil” e exige muita dedicação do leitor diante das idas e vindas das personagens, interrupções constantes dos diálogos em meio ao fluxo de consciência dos protagonistas, entre outros aspectos. Aconselho ao leitor, que nunca leu nada da escritora britânica, que manteve durante sua vida, uma certa “ojeriza” às convenções, foi acusada de ser antissemita e vítima de frequentes crises de depressão, a escolha de outros de seus livros antes da leitura de “Os anos” ou essa obra poderá ficar “pesada” em seu braços ou deixar “as vistas embaçadas” assim como ocorre com o passar dos anos “em nossas vidas”. WOOLF, Virginia. Os anos. Editora Novo Século, Osasco - SP, Copyright 2011 (1937).

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Os demônios

(Fiódor M. Dostoiévski)

Nessa obra prima, escrita em 1872, o autor insere os “demônios” em categorias, a dos conspiradores, radicais e omissos, ambientada em uma cidade chamada Skovoréchniki, nos arredores de São Petersburgo e Moscou, perante sua preocupação com o seu país, em pleno regime tzarista e sob o barril de pólvora da década de 1860, com um desenvolvimento intelectual, social e científico muito aquém de outros países da Europa, objetivando, à época, enfim, alertar as pessoas, já que a obra fora publicada antes em capítulos no jornal “O Mensageiro Russo” e, em especial, o grão-duque, em carta dirigida à SuaAlteza, conforme reproduzida na edição aqui tratada, sobre os perigos iminentes mediante o surgimento de terroristas e niilistas na Rússia. Os conspiradores, liderados por Piótr Stepanóvich, influenciados pelo estrangeiro, integrantes de uma espécie de sociedade secreta, o “clube dos nossos”, são responsáveis pela difusão de alguns manifestos que podem abalar os desígnios da governadora Iúlia Mikháilovna, valendo-se aquele de sua proximidade com Nikolái Vsevolódovitch, também conhecido Stavróguin, filho da “matriarca” Várvara Petróvna. Assim, uma sucessão de trágicos eventos passam a ocorrer, a exemplo da sabotagem da “quadrilha literária” organizada pela governadora, além de incêndios criminosos e assassinatos.Ahistória impressiona pela dramaticidade, como é clínico em toda a obra do autor, porém, inadvertidamente, Dostoiévski destila seu realismo crítico e ácido mediante os discursos de um dos protagonistas com o punho cerrado em riste, gesto repetido ou, no mínimo, semelhante a muitos déspotas ou radicais que surgiram no século seguinte, quiçá nesse século, além de apelar a 111


algumas frases proferidas em meio às discussões das personagens, consideradas atuais até hoje, senão a seguir, sobre o fanatismo religioso, após Stavróguin confessar o estupro da filha de sua senhoria ao bispo Tíckhon: “- ... o ateísmo completo é mais respeitável que a indiferença dos mundanos”, ou ainda, sobre a suposta crise de consciência em que o mesmo Stavróguin, vendo-se totalmente “enfeitiçado” pelas ideias conspiratórias, julga-se miserável ao lembrar consigo um provérbio judeu: “ninguém sente o próprio mau cheiro”, inserido, aliás, em um trecho do livro que passou por modificações por motivo de censura e, por fim, somente para resumir outra passagem, uma das mais aterrorizadoras, em minha opinião, correspondente às intenções dos radicais após vários crimes atrozes cometidos: “a fim de abalar o governo nas suas bases e apressar sua decomposição e de inocular nos espíritos a desordem, teríamos apoderado dessa sociedade caótica, doente, abandonada, cínica e cética, brandindo o estandarte da revolta, apoiando-nos das “redes”, promovendo a propaganda, estudando os pontos fracos do adversário e os meios práticos de o combater”. DOSTOIÉVSKI, Fiódor Mikháilovitch. Os Demônios. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro – RJ, 1962 Copyright (1872).

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Os meninos

(Juan José Plans)

Conhecido por seus trabalhos como jornalista, profissional do rádio e escritor, o espanhol Juan José Plans publicou em 1976 a novela, no gênero terror, chamada “El juego de los niños”, traduzida para o português como “Os meninos”. Autor de quase 40 livros, a obra foi adaptada para o cinema logo que o escritor deixou a novela nas mãos do diretor Narciso Ibáñez Serrador, também espanhol, nascido no Uruguai. O contexto central tem seu cenário em uma ilha deserta, a Ilha de Th’a, em que um casal, Malco, escritor de livros infantis que outrora já visitara a ilha e, sua esposa Nona, grávida de 7 meses, deixam seus filhos David e Ester a fim de passarem lá alguns dias de férias. Paralelamente, um médico ganhador do Prêmio Nobel, vive sozinho e, para expressar suas ideias, conta com a ajuda dos policiais ao atenderem seus repetidos clamores face às ameaças, na maioria das vezes, inexistentes; as teorias do doutor, exprimidas nesses momentos, mantém uma relação indireta com o tema principal da história, aliás, o livro inicia com uma entrevista do vencedor do prêmio concedida a uma jornalista. Ao chegarem à ilha, Malco percebe algo estranho, como a ausência das inúmeras gaivotas presentes na última visita. Depois de deixarem a lancha, algo suspeito começa a ocorrer, não identificam os habitantes, nem no bar ou no armazém, tampouco na estalagem. Além disso, um pó amarelo dissipa-se pelo chão como se fosse um pólen, talvez, a causa da mudança da cor da 113


ilha, da antes avermelhada para um tom mais alaranjado, quiçá das demais mudanças ocorridas na região as quais desvendará o leitor posteriormente. O primeiro habitante que encontram é uma criança que, ao ser abordada, não lhes devolve quaisquer atitudes de receptividade sob uma expressão totalmente sombria. Logo, o casal sente-se totalmente surpreendido quando testemunham pela janela uma outra criança agredindo violentamente um ancião até a sua morte com um bastão. A escrita simples e concisa progride sucessivamente do suspense ao terror, na medida em que alguns corpos são encontrados sob manchas de sangue. Malco, contudo, procura esconder seu terrível testemunho de sua mulher para não impressioná-la. Na recepção da, agora, inóspita estalagem, o escritor encontra os passaportes de alguns turistas e descobre em que quarto haviam se instalado. Ao buscar os aposentos mencionados, abriu a porta de um dos quartos e deparou-se com um casal morto com marcas em seus corpos causadas por instrumentos de corte. Inadvertidamente, no quarto ao lado, onde teria se alojado a filha desse casal, os aposentos estavam vazios. Outros elementos aumentam o drama a exemplo das várias chamadas ao telefone que, ao serem atendidas, transmitem uma voz assustadora e impossível de ser reconhecida. Atemorizados, Malco e Nona veem-se cercados pelas aterrorizadoras crianças que intencionam apenas jogar, um jogo, porém, não muito delicado. Assim, o casal busca fugir e encontra uma área ainda não recoberta pelo pó amarelo cuja proprietária, esposa de um pescador, diz desconhecer qualquer evento suspeito ou estranho que tenha ocorrido 114


na ilha recentemente. Caberá ao leitor saber se serão bem sucedidos ou não na fuga após uma das cenas mais chocantes, em minha opinião, quando Nona sente “algo em suas entranhas”. A atmosfera, enfim, fez-me lembrar de “O Senhor das Moscas”, do aclamado autor William Golding; nada, porém, semelhante aos suspenses mais psicológicos do brilhante Stephen King, ilustrados por “Jogo perigoso” e tantos outros, mas “Os meninos” transmitem um enredo e uma interpretação que podem ser consideradas interessantes para os leitores que gostam do gênero e que tenham “estômago forte”. PLANS, Juan José. Os Meninos, Editora Artenova S.A., Rio de Janeiro – RJ, 1976.

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Os meninos da Rua Paulo (Ferenc Molnár) Publicado em 1907, é considerado o livro húngaro mais conhecido no mundo, justamente por contar uma história que poderia ser retratada em qualquer lugar, capaz de comover adultos e jovens, sob uma linguagem simples, introduzido no Brasil graças à tradução de Paulo Rónai e, mais especificamente na edição aqui mencionada, com revisão da tradução realizada por Aurélio Buarque de Hollanda. Os meninos da Rua Paulo são conhecidos pela “Sociedade do Betume” - betume, uma espécie de massa de vidraceiro -, liderada pelo presidente João Boka perante regras muito bem organizadas, com destaque para os integrantes Csónakos, que gostava de assobiar e “aumentar” suas histórias, Geréb, cujos erros cometidos contra o grupo são redimidos posteriormente, Csele, o grã-fino, Weiss e Kolnay, que mediante decisão da assembleia, assumem a presidência por alguns instantes e o lourinho Nemecsek - lê-se “Nêmetchek” -, garoto sensível, considerado o herói da epopéia, definido, na maior parte do tempo, como “soldado raso”. A função principal da equipe, regida por uma disposição de grupo e liderança exemplares (que me remetem, aliás, aos “Karas”, de “A droga da obediência”, escrito por Pedro Bandeira, com o fim de desvendar crimes, objetivo, portanto, um pouco distinto dos meninos da Rua Paulo, mas, certamente, uma das boas lembranças literárias da juventude e adolescência), sem, contudo, demonstrar, por outro lado, que não são infalíveis frente aos sucessivos aconte116


cimentos, como o próprio Boka reflete em determinado momento “... os outros são totalmente diversos de nós, e que devemos aprendê-los, cada vez, ao preço de uma decepção”, é defender o “grund”, uma espécie de terreno adotado pela sociedade contra os “camisas-vermelhas”, grupo “inimigo”, do Jardim Botânico, dirigido pelo temido Chico Áts e os irmãos Pásztor, que intencionam a reinvindicação do “grund” para jogar “péla”, cuja inimizade tivera precedente junto ao “einstand”, uma espécie de “apreensão de guerra”, em que os “Pásztor” praticaram-no apreendendo as bolas de gude de alguns dos meninos da Rua Paulo enquanto estes jogavam próximos ao parque do museu. Algumas reviravoltas ocorrem entre os integrantes e as peripécias do grupo repercutem até na escola, quando o professor Rátz, estranhando o comportamento “disperso” de seus alunos, principalmente, daqueles que pertenciam ao “grund”, resolve dissolver a sociedade confiscando o betume, o carimbo e a bandeira. Apesar disso, a tensão se mantém conforme os “embaixadores vermelhos” declaram “guerra” ao “grund” e, dessa maneira, Boka e os seus preparam a estratégia para a defesa do território. Muita emoção pode esperar o leitor diante de, primeiro, quem se sagrará vencedor no conflito; segundo, mediante uma pequena sociedade com boas regras as quais refletem valores muito positivos e promovem a oportunidade de reparação dos erros, a figura de Nemecsek é fundamental, em especial, ao final triste da história, ao se sacrificar pelos outros, sendo possível acompanhar o crescimento do caráter dessa grande personagem, adquirindo maturidade ao passar do 117


receio à coragem, na medida em que é promovido dentro da hierarquia do “betume” de soldado raso à capitão. Enfim, diante do autor que, confessa ter sido um dos integrantes dos “meninos da Rua Paulo”, proporcionando veracidade ao relato, capaz de comover o leitor, inspirando, inclusive, a composição “Andrea Doria”, da banda Legião Urbana, evidencia, certamente, o nacionalismo húngaro e o amor à pátria, surpreendentemente em um período pré-guerras mundiais, além de deixar expresso o pensamento refletido por Boka “do que é, afinal, a vida, da qual todos somos os soldados e os servidores, ora tristes, ora alegres”. MOLNÁR, Ferenc. Os meninos da Rua Paulo, Edições de Ouro, Rio de Janeiro – RJ, 1960 (1907).

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Os miseráveis

(Victor Hugo)

Lançado em 1862 em vários países, inclusive no Brasil, a maior obra-prima da literatura mundial vem arrebatando leitores até hoje. Em uma das cenas iniciais, Jean Valjean, um dos protagonistas da história, condenado às galés por roubar um pedaço de pão para seus sobrinhos, encontra-se com o Bispo de Digne, que o recebe em sua casa para lhe dar de comer. Curiosamente, Valjean deixa a casa do bispo furtando algumas das pratarias. Momentos depois, uma profunda mudança se apodera de sua alma, diante dos próximos acontecimentos e personagens que aparecem na história ao assumir, ulteriormente, a criação de Cosette, filha bastarda de Fantine, que foi obrigada a se sacrificar para enviar dinheiro aos estalajadeiros Thernardiér para criá-la. Jean Valjean assume, depois, a identidade de “pai Madeleine”, por ser extremamente afável com as pessoas, tornando-se dono de uma fábrica e prefeito. Entram em cena, o rigoroso inspetor de polícia, chamado Javert, que constantemente persegue Valjean ao longo da história sendo surpreendido nos momentos finais, Marius, criado pelo avô, forma-se advogado e é expulso de casa por expressar aspirações políticas bem diferentes de seu tutor e passa, por isso, por maus bocados, entre outros, com não menos importância como o menino Gavroche. Assim, as personagens seguem seus rumos distintos e depois, coincidentemente, encontram-se e tudo passa a fazer sentido para o leitor em que o romance é entremeado pelos aconteci119


mentos históricos como a descrição da Revolução Francesa e a Batalha de Waterloo, por exemplo, com tanta riqueza de detalhes que é possível se convencer de que realmente ocorreu como revelado na obra, além das digressões do autor que praticamente interrompe a história para conversar com o leitor. À medida que os fatos vão acontecendo, como a fuga de uma personagem carregada por outra ao longo dos esgotos de Paris, o autor, discorre antes, em pormenores e sem enfado, sobre como realmente funcionava e de que forma era distribuído o sistema de esgoto da cidade, entre outras cenas extremamente marcantes como a entrada de Jean Valjean em um convento a fim de se refugiar e proteger Cosette, e, evidentemente, após, humor, drama e romance, as cenas finais, de redenção, reconciliação e muita emoção que permanecem na memória de leitor após viver essa grande experiência literária e, acima de tudo, uma grande obra de educação: “enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como esse não serão inúteis”. HUGO, Vitor. Os Miseráveis. Editora Martin Claret, São Paulo – SP, Copyright 2007 (1862).

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Ricardo III (William Shakespeare) Nascido em 1564, em Strattford-Upon-Avon, Shakespeare é considerado o maior dramaturgo de todos os tempos com quase 40 peças escritas e, sem dúvida alguma, o mais encenado em todo o mundo. A obra escolhida aqui é Ricardo III, criada por volta de 1592 e o contexto histórico abordado se remete à Guerra das Rosas (1450-1485), envolvendo duas famílias, Lancaster, representando a rosa vermelha e, York representando a rosa branca, pela disputa do trono da Inglaterra. A peça se passa mais especificamente nos dois últimos anos da guerra, logo que o rei Henrique VI é assassinado na Torre de Londres, por Ricardo, o duque de Gloster, tornando-se, assim, o Rei Ricardo III. Ricardo, nascido com graves deformidades físicas, já demonstra suas pérfidas intenções nas primeiras falas. Logo após, na cena 2 do Ato I, durante o féretro de Eduardo, também assassinado, o diálogo entre o criminoso Ricardo e a viúva Ana é extremamente forte, em que esta é inacreditavelmente “galanteada” pelo causador da morte do ex-marido. Outras intrigas, ainda, foram dissipadas por Ricardo ao gerar ódio em Clarence, seu irmão, contra o rei, provocando sua prisão e, mais tarde, por ordem do próprio Ricardo, também ser executado. Ricardo, apesar de tudo, demonstra redimir-se de seus “supostos erros” de que lhe “difamam” em resposta às acusações da Rainha Margareth, também de “língua ferina”, sob frequentes justificativas com frases de efei121


to - “tantos vagabundos se transformam em nobres que muitos nobres se transformam em vagabundos”. Prossegue, porém, com o auxílio de seu “séquito” formado pela liderança de Buckingham e, depois, sob a influência de um acordo em dinheiro, Ricardo julga-se traído em determinado momento e ordena a prisão de seu ex-escudeiro sem que Buckingham recebesse a recompensa prometida. Buckingham, ainda antes, tivera tempo, em presença de Catesby e do prefeito, após espalharem boatos de que Eduardo era filho ilegítimo da rainha, fato que lhe tiraria o direito de tornar-se rei, incentivar Ricardo para que recebesse a coroa. Nesse momento, Ricardo, hesita maliciosamente, procurando demonstrar humildade. Logo, conselhos são forçosamente formados com a finalidade de deliberarem em favor da coroação de Ricardo ao mesmo tempo em que opositores são tacitamente executados, enquanto uma conspiração liderada por Richmond e apoiada por todas as pessoas consideradas vítimas das tirânicas vilanias de Ricardo, inclusive, agora, por Buckingham. Em mais uma de suas ardilosas e inescrupulosas investidas para obter a coroa, o protagonista, ainda, promete à Rainha Elizabeth “sua mão” em casamento com a filha da própria rainha, caminho mais curto para alcançar seus objetivos. Nas cenas finais, durante a montagem das tendas para a batalha entre os signatários de Ricardo contra os partidários de Richmond, ambos são visitados por “fantasmas” culminando na tragédia, característica da dramaticidade do autor refletido em muitas de suas obras tornando célebre uma das frases do protagonista em que 122


diz “- meu reino por um cavalo!”, ao preocupar-se com os pormenores irrelevantes diante da frente de batalha. Ao leitor, mediante a tensão dramática da peça, especialmente, quando muitas das personagens são “cobradas” pela própria consciência, além da expressão do “espetáculo da tragédia”, pode impressionar-se e refletir sobre muitos dos acontecimentos políticos e geopolíticos contemporâneos ainda que essa obra grandiosa tenha sido escrita quatro séculos atrás, cuja edição aqui retratada, foi muito bem adaptada por Luiz Antonio Aguiar, com ilustrações de William Côgo. SHAKESPEARE, William. Ricardo III, Adaptação de Luiz Antonio Aguiar, Ilustrações de William Côgo, 2ª Edição, DIFEL – Selo Editorial da Editora Bertrand Brasil Ltda, 2010, Copyright das adaptações de Luiz Antonio Aguiar, 2008.

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Paga de soldado

(William Faulkner)

Primeiro romance do autor e, talvez, o menos conhecido, de 1926 e, hoje, encontrado nas livrarias sob o título “Recompensa de soldado”, Faulkner já demonstra o estilo que o consagrou ao Prêmio Nobel de 1949 entregue, entretanto, em 1950, antes de, curiosamente, Ernest Hemingway, cuja influência é evidente em suas obras. As primeiras cenas, marcantes, aliás, ocorrem, predominantemente, no interior de um trem, durante a 1ª Grande Guerra, em que o combatente, Donald Mahon, mantém-se frequentemente embriagado. Em regresso à sua cidade, sua noiva Cecily se decepciona ao encontrá-lo com uma cicatriz na face e, além disso, com perda da memória e, mais tarde, sem a visão; assim, ela se entrega a outras paixões e demonstra um caráter enigmático e leviano. Embora, vários médicos tenham confirmado os prognósticos sombrios em relação à saúde de Donald, perante o assentimento dos companheiros, Mrs. Powers e Gilligan, que lhes oferecem seus préstimos, o pai acredita que a única maneira de restabelecimento da saúde de seu filho seria por meio das visitas da prometida mesmo que, depois, não fossem se casar. No desenrolar da história, o autor evidencia o sentimento de muitas mulheres que perderam seus entes queridos em combate, faz abordagens sobre a questão racial e a devoção religiosa, propõe reflexões sobre a “era do jazz” como se fosse uma alternativa à superação dos traumas cuja citação “tudo 124


parece virar jazz”, entre outras metáforas interessantes como a da flor magnólia “que embora belíssima deve-se ter o cuidado redobrado para não sufocá-la” entremeados pelos belos diálogos das personagens que, sem exceção, emitem significados importantes como o apaixonado George, o taciturno Jones, o indiferente reitor e outros, tendo como figura central, contudo, Mahon, que parece ilustrar a aspiração a um ideal de “sobriedade”, assim como os Estados Unidos do pós-guerra; o retorno à sua casa, da forma como é contado no livro, é abrupta e o autor denomina as personagens, nesse momento, com outros nomes ilustrando um período de descontinuidade da história e da vida de todas as pessoas que sofreram intervenções por motivo da guerra. O fim culmina em tragédia e crítica social. As personagens seriam prisioneiras ou protagonistas de seus destinos? E quais seriam os planos para seus futuros? Cabe ao leitor refletir. FAULKNER, William. Paga de Soldado, Editora Delta, Rio de Janeiro, Copyright 1966 (1926).

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Tom Sawyer

(Mark Twain)

Publicado em 1876, por Samuel Langhorne Clemens, sob o pseudônimo Mark Twain, originado em função da expressão “mark two!”, ou seja, “marca: duas”, dita sonoramente pelos marinheiros para indicar a profundidade de duas braças, que permitia navegar com segurança no Rio Mississipi, cujas margens Sam passou sua infância e serviram de influência para suas histórias como, em “Tom Sawyer”, em que se passa em uma aldeia de São Petersburgo, próximo ao monte Cardiff, região ribeirinha. Tom, criado por sua tia Polly, ao contrário do sossegado e seu meio-irmão Sid, está apto a deixá-la de cabelo em pé, ao brincar de desaparecer até ser repentinamente encontrado por ela, e envolve-se, ainda, em outras inúmeras estripulias. Uma delas, como a participação em um concurso para ganhar uma Bíblia ao adquirir cartões que denotam conhecimento bíblico por meio do suborno de seus colegas e, ao ser indagado pelo juiz do certame a respeito do nome dos dois primeiros discípulos de Jesus, já que tinha angariado o maior número de cartões entre os alunos, envergonhou a todos com sua engraçada resposta, inclusive sua irmã Mary que tanto se dedicou a ensiná-lo as passagens do Sermão da Montanha; outra, ao fazer um cachorro se coçar sem parar sob o ataque de um escaravelho provocado pelo menino em pleno altar da igreja, desviando totalmente a atenção das pessoas do sermão do padre. Tom, também, é capaz de se autocondenar confessando ao professor que rasgou uma página do livro de 126


ciências apenas para proteger Becky, por quem demonstra afeto e, assim, receber o castigo em lugar dela, a verdadeira culpada. Suas aventuras de tornam mais sérias ao se unir a Huckberry Finn, seu amigo e, juntos, testemunharem um assassinato cometido por Injun Joe, em companhia de Muff Potter, à noite, em um cemitério, durante a tentativa de efetuarem escavações à procura de um tesouro; ambos, ainda, unem-se a outros amigos a fim de se passarem por piratas e são tidos como desaparecidos já que a canoa e os remos dos “navegadores” foi encontrada às margens do rio sem quaisquer indícios ou sinal dos meninos; ao regressar escondido à aldeia, Tom é testemunha de seu próprio funeral. Mais tarde, depois do reaparecimento dos “piratas”, Tom e Huck se envolvem em eventos distintos em que, respectivamente, Tom se perde com Becky em uma gruta e Huck salva uma viúva de um possível assassinato, culminado em um desfecho em que ambos são revelados como heróis, porém, cada uma com uma visão diferente da situação. Ao leitor, cabe apreciar essa grande história que lhe remeterá, certamente, à própria infância, escrita pelo grande e quiçá predestinado Mark Twain, que, por uma das grandes coincidências da vida, nasceu no dia da aparição do cometa Halley em 1835 e morreu no dia de seu aparecimento seguinte em 1910. TWAIN, Mark. Tom Sawyer. Editora Nova Cultural Ltda., São Paulo – SP, Copyright 2002 (1876).

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Um pedaço de terra

(Zaharia Stanco)

Romancista, poeta e jornalista, nascido em 1902 numa aldeia da região de Bucareste, Romênia, Zaharia Stanco tem suas obras traduzidas para mais de 40 idiomas. Em 1970, quatro anos antes de sua morte, esse volume foi publicado e a edição aqui abordada é constituída pela reunião de 5 contos, tendo os três primeiros uma relação entre eles, “Um pedaço de terra”, “Flores da terra”, e “A estrela do senhor”. Stanco, exprime com muita simplicidade o “mundo camponês” e o “sentimento romeno”, motivando, eventualmente, reflexões metafísicas como os mistérios da vida e da morte e, predominantemente, o amor às suas “raízes”, mote, aliás, da primeira e principal parte do livro que mais se assemelha a um relato, narrado pelo garoto Darie, cuja família de origem humilde e numerosa, situada na aldeia de Omida, no vale de Camatzui, é obrigada a conviver com poucos recursos e sofrimento e, apesar disso, entre os mais arrefecidos debates envolvendo os membros, juntam-se às refeições, não tão frequentes, como a da “mamaliga”, uma espécie de polenta. Eis que, a filha adotiva Constandina, após apanhar do marido Diga, deixa a aldeia de Saiele, sob fortes chuvas, para reclamar, insistentemente, seu pedaço de terra junto à família prometendo não voltar até que sua exigência seja cumprida mediante reconhecimento em cartório. A mãe Maria, diante das indolências da filha, dá-lhe uma surra em presença de Tia Utzuper e é expulsa da casa, mas Constandina recusa-se a deixar a aldeia. 128


Em meio a isso, outros eventos ocorrem como a morte do jovem Gingis, após beber demais em companhia de Ion, um dos irmãos da Darie, cujos pais, Pascutzu e Papelca, desacorçoados e em lágrimas, sentem-se indignos por enterrarem um filho embaixo de fortes chuvas quando o caixão flutuava sobre a lama. Sucessivas vezes, Constandina, reaparece implorando pelo que lhe julga devido, sendo hostilizada em outras oportunidades por Evangelina, outra das irmãs e sob as alegações de culpa por parte de Maria dirigidas ao marido Tudor, por ter adotado Constandina, o pai, então, ordena que a levem de volta a Saiele, após ser novamente expulsa a pontapés e socos pelos irmãos. Tudor, contudo, inconforma-se ao descobrir que Avendrea, sob a suposta cumplicidade de Ion, roubou os cavalos de um vizinho para serem atrelados junto à carruagem que transportou Constandina para fora da aldeia. Inacreditavelmente, Constandina, depois de um tempo, regressa após novamente apanhar do marido, agora sem os dentes e sob frequente sangramento de suas gengivas e, mesmo assim, assumindo sua fidelidade ao “bom Diga”, em mais uma de suas tentativas para adquirir aquilo que julga seu. Em meio à penúria, a família que não tem terras nem para si mesma, acaba cedendo. Constandina fornece o dinheiro do tabelião depois de certificar-se de que Tudor não dispunha do suficiente para tal. Sacramentado o negócio, Constandina deixa Omida expressando sua ingratidão da maneira mais terrível possível. Diante disso, tia Utzuper, imbuída pelas suas lembranças da guerra e Ditza, de lábio leporino, ameaçam-na, mas são impedidas por Maria. No dia seguinte, 129


procuram consolar-se. Assim, as dívidas arrefecem-se, Tia Utzuper deixa a aldeia após receber a visita de seu amado Laurent Piele e, Darie conclui seu relato expressando esperança. Em “Flores da terra” e “A estrela do senhor”, o autor mostra Darie em momentos diferentes de sua vida; num primeiro instante, apresenta ao leitor um protagonista mais maduro, que passa a viver na cidade, mas, mantém as lembranças de sua origem e, num segundo período, já um pouco mais velho, testemunha as crianças, entre elas, algumas herdeiras de uma de suas irmãs, brincando como ele mesmo fazia antigamente. Os dois últimos contos e mais curtos, cujos títulos “Lissandra”, sobre um julgamento por traição da protagonista em uma aldeia de “ciganos” e, “A morte de Zara”, mantém a característica do autor ao abordar assuntos como o significado da felicidade, a vida e a morte, também interessantes, inclusive o poema sobre a felicidade nas páginas finais. STANCO, Zaharia. Um pedaço de terra, Editora Clube do Livro Ltda, São Paulo – SP, 1970.

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Vozes de Tchernóbil (Svetlana Aleksiévich) Nascida na Ucrânia e de cidadania bielo-russa, a vencedora do Prêmio Nobel de 2015, sensibilizou leitores do mundo todo com a publicação de “Vozes de Tchernóbil, a história oral do desastre nuclear”, fruto da compilação de entrevistas e relatos emocionados das vítimas ou familiares da vítimas, além de tantos outros envolvidos como os liquidadores, soldados e bombeiros no maior desastre nuclear da história mundial ocorrido em abril de 1986, no assentamento de Prípiat, hoje, uma “cidade-fantasma”, construída para abrigar a usina de Tchernóbil, Ucrânia, em que um vazamento de radiação de um reator nuclear, equivalente a 10 vezes mais que o dispendido pela bomba de Hiroshima, provocou uma tragédia que permanece na memória de muitas pessoas e na alma de um povo assolado pelo desastre. Muito já foi escrito e falado sobre o assunto, mas, diante do estilo literário da jornalista, professora e escritora, essa obra possibilita ao leitor algo totalmente novo e comovente, ao retratar algumas histórias envolvendo a tragédia sob a perspectiva dos habitantes da região, durante a ocasião, como a reação frente à omissão por parte das autoridades em revelar o ocorrido, já que até um casamento foi celebrado no dia vazamento de radiação, onde a população foi alertada apenas três dias depois que a Suécia descobriu níveis de radiação ambiente que só poderia advir de um acidente nuclear; o tratamento de heróis outorgado pelas autoridades aos corajosos homens que trabalharam para apaziguar o vazamento junto ao reator, cujas frustradas famílias demonstram seus desconsolos após serem homenageadas com títulos de honra simultaneamente à 131


morte de seus provedores e pais de família; a construção do sarcófago recobrindo o reator; a escolha dos alimentos que condiziam com os níveis de radiação aceitáveis para o consumo; o sacrifícios de animais; a evacuação; o sentimento de desmoronamento da confiança dos soviéticos junto ao regime e a desconfiança perante os cientistas, além das graves consequências como filhos nascidos sem dedos, mães grávidas com seus ventres baixos, entre outras diversas histórias que, acima de tudo, a escritora dá voz aos testemunhos: “(...) o inimigo não é a guerra, é um inimigo invisível...”. Lutavam, outrossim, contra um átomo, uma guerra nova, uma guerra contra algo invisível. Nesse ínterim e, apesar de tudo, vale à pena conferir os depoimentos que revelam, também, sentimentos inatos ao ser humano ilustrados, por exemplo, pela esposa de um dos bombeiros que foram chamados para conter as chamas logo após a explosão do reator: “Não sei do que falar… Da morte ou do amor? Ou é a mesma coisa? Do quê? Estávamos casados havia pouco tempo. (…) Eu dizia a ele “eu te amo”. Mas ainda não sabia o quanto o amava.” Todos os bombeiros que trabalharam nessa noite morreram poucos dias após o acontecido. Enfim, para todos os estudantes, professores, crianças e adultos que se interessam pela história de Tchernóbil e pela capacidade mental e sentimental do ser humano, recomendo a leitura desse livro dividido em três partes principais, a primeira, o coro dos soldados, a segunda, o coro do povo e, a terceira, o coro das crianças. ALEKSIÉVICH, Svetlana. Vozes de Tchernóbil, A História Oral do Desastre Nuclear, Companhia das Letras, São Paulo-SP, 2013. 132


80 graus, latitude norte

(Júlio Verne)

Júlio Verne é considerado um dos precursores do gênero da ficção científica na literatura, depois de escrever uma centena de livros, cuja obra resultou em algumas profecias, como a criação do submarino e a chegada do homem à Lua, citadas, mais ou menos, 100 anos antes de, realmente, acontecerem. Em especial, “80 graus, latitude norte”, livro pouco comentado do autor que, inclusive, não obtive registros precisos sobre a data de sua publicação, o escritor francês, nascido em Nantes, em 1828, contemporâneo de Victor Hugo, mantém o fascínio de suas histórias ao relatar a saga de uma tripulação rumo ao Pólo Ártico, chefiada pelo capitão Craventy e o tenente Hobsen. Durante a expedição, constroem um forte, chamado Forte Esperança, defrontam-se com os bravios animais da região e passam a viver como os esquimós. Inúmeros acontecimentos, contudo, colocam os novos habitantes em mau agouro, ilustrados pelo naufrágio de uma embarcação durante o choque com um iceberg, levando um marinheiro à morte, tendo um casal, entretanto, sido resgatado pelos habitantes locais, episódio que seria “eternizado” após o naufrágio do Titanic, em 1912, 7 anos após a morte do escritor. Posteriormente, mais dois episódios ratificaram a iminência do perigo maior: um deles, após o capitão Craventy embarcar junto, a alguns dos tripulantes, a uma determinada direção sem conseguirem regressar; o outro aconte133


cimento diz respeito à frustação do astrônomo Tomás Black ao se deparar com um eclipse parcial do Sol que, de acordo com seus cálculos pregressos, de onde se localizavam, o eclipse deveria ser total. Estava consumado: o forte havia derivado, ou seja, o Forte Esperança teria se desprendido da costa e alterado, portanto, a latitude e a longitude. Assim, o forte tornou-se uma ilhota errante que, aos poucos, foi se descongelando. Cabe ao leitor, agora, descobrir como a tripulação reagiu ao breve descongelamento da temporária residência. Além da história construída com incalculável imaginação, é fascinante tomar conhecimento, durante a leitura, das teorias muito bem construídas por Júlio Verne como, por exemplo, a menção interessante sobre o fato do astrônomo Tomás Black tomar parte da tripulação após o seu descongelamento, denotando-se em mais uma das previsões certeiras do autor quanto à criogenia. 80 graus, latitude norte, refere-se a uma região em que o Sol se encontra fora do seu centro de radiação, isto é, o céu dessas regiões é puro e frio de inverno, iluminado, às vezes, pelo real esplendor da aurora boreal, produzido por encantos da natureza que poucos são capazes de sonhar. VERNE, Júlio. 80 Graus, Latitude Norte, Clube do Livro, São Paulo – SP, Copyright 1974.

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Sobre o autor: Dr. Marcel Fernandez Davides, natural de Jaú – SP, nascido em 27/02/1978, formou-se pela Faculdade de Odontologia de Lins-SP (FOL/UNIMEP) em agosto de 2001. Especializou-se em implantodontia em 2010, mas atua na área desde 2005. Trabalha em consultório próprio desde novembro de 2001 em Bariri-SP. Aperfeiçoou-se em marketing e administração para consultórios odontológicos, endodontia, odontologia estética, prótese sobre implantes, implantodontia, estética e harmonização facial. Participou de vários estágios, campanhas, trabalhos de extensão (Parque Indígena do Xingu) e congressos internacionais. Foi aprovado em 6 concursos, dos quais 5 públicos (quatro municipais, obtendo o 1º lugar em um deles e um estadual) e 1 processo seletivo estadual obtendo, também, o 1º lugar em todas as etapas). Sócio fundador e 1º Presidente do Rotary Club de Bariri – 16 de Junho e Ex-Governador Assistente do Grupo I do Distrito 4480 do Rotary International. Foi colunista da Revista Mulher (“Dia a dia da Implantodontia”), do “Jornal Bariri Notícias” com a sessão “Dicas de Livro” e, atualmente, do “Jornal Noticiantes” com a sessão “Dicas de Leitura”. Publicou “Abra a boca e mostre os dentes” em 2016, voltado para o empreendedorismo, “Dicas de livro: motivacionais” em 2018, reunindo 50 resenhas voltadas para o ramo de motivação e negócios, todas publicadas no “Jornal Bariri Notícias”, entre 2011 e 2018 e, agora, em 2019, a nova publicação “Dicas de Leitura: clássicos”.





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