EM CENA: a textualização de um coletivo gay em revistas de homoerotismo light

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FISOLOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Pedro Sampaio César de Souza

EM CENA: a textualização de um coletivo gay em revistas de homoerotismo light

Graduando em Publicidade e Propaganda

Monografia

apresentada

à

Banca

Examinadora da Universidade Federal de Minas Gerais, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda sob a orientação do Prof. Doutor Carlos Magno Camargos Mendonça.

BELO HORIZONTE 2009


Banca examinadora

Orientador: Dr. Carlos Magno Camargos Mendonça Universidade Federal de Minas Gerias Dr. Bruno Souza Leal Universidade Federal de Minas Gerias Silvana Mascagna Jornal O Tempo Adriana Machado Tom Comunicação

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Agradecimentos

Ao Carlos, por ser minha referência profissional e lanterna neste vale nebuloso; À minha família, por tolerar e compreender as minhas escolhas; Ao André Fisher e Augusto Soares, por terem me presenteado com as revistas Junior e DOM – De Outro Modo; Ao Bruno, Peps, Weslley, Bonésio e Henrique, meus maiores arguidores; À Guazina, amigo distante e companhia das minhas tardes; Ao Celso e a Cléo, por fazerem o meu dia começar bem; À Carla e ao Sérgio, pela compreensão; Ao Renato e a Lu, por me obrigarem a dormir nos almoços; Aos queridos participantes dos focos e entrevistas em profundidade, muito obrigado; Ao John Pemberton, inventor da Coca-Cola, esteja onde estiver, minha companheira eterna de madrugas em claro.

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Sumário Resumo

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Introdução

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1. Por opção

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1.1 Para começar, algumas notas sobre sexualidade

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1.2 Questão de prática

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1.3 Além dos sufixos

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2 . Terra Brasilis

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2.1 A defesa por uma sociedade “sadia”

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2.2 A socialização entre os corpos homoeróticos

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2.3 Reminiscências de uma cena artística

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2.4 O movimento invade as ruas. E a AIDS, os corpos.

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3 . Débito, bee!

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3.1 3.1 “As gueis” nas bancas

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4 . Coletivo homossexual textualizado

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4.1 Homoerotismo light em algumas propostas

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4.2 Revista Junior

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4.3 Revista DOM – De Outro Modo

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Considerações finais

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Referências bibliográficas

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Anexos

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1 Roteiro para entrevista em profundidade com André Fisher, editor da revista Junior

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2 Roteiro para entrevista em profundidade com Augusto Soares, editor da revista DOM – De

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Outro Modo 3 Roteiro para pesquisa com leitores das revistas Junior e DOM – De Outro Modo

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4 Roteiro para pesquisa com não-leitores das revistas Junior e DOM – De Outro Modo

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5 Formulário para mapeamento das publicações Junior e DOM – De Outro Modo em bancas

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de revistas 6 Análise das capas – Revista Junior

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7 Análise das capas – Revista DOM – De Outro Modo

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Resumo

As representações dos grupos homossexuais têm ganhado contornos distintos. Em tempo algum, a visibilidade foi tão grande: seja para criar discursos favoráveis ou contrários. Nesse sentido, o discurso sobre o coletivo adquiriu direções bastante específicas. Em um panorama diverso, é possível identificar coletivos distintos de homossexuais com um estilo de vida em comum. Pode-se, ainda, perceber narrativas similares desses grupos a partir de gostos, de marcas, de lugares, de modos de ver e vivenciar a sociedade. Nesse caldeirão de diversidades, a cena narrada ganha materialidade mediante diversas formas midiáticas, sendo uma delas as chamadas publicações de homoerotismo light, tais como Junior e DOM – De Outro Modo. Com base nas definições de Michel Foucault e Pierre Bourdieu, pretende-se observar a maneira com que a experiência de um coletivo gay é textualizada em cada uma das publicações a partir de determinados elementos simbólicos, e de como os leitores avaliam essa representação. Palavras-chave: homossexualidade, homoerotismo light, estilo de vida, revista.

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Você vive da forma que você quer viver, você tem a profissão que você tem, você fala da forma que você fala, você come da forma que você quer comer, você veste as roupas que quer vestir, você olha as imagens que quer ver... VOCÊ ESTÁ VIVENDO COMO VOCÊ PODE. VOCÊ É O QUE VOCÊ É. (WENDERS, Win. 1989)

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Introdução

A publicidade pode ser observada como personagem do cotidiano, reflete a maneira com que os padrões estabelecidos na sociedade são instaurados e também é responsável por criar desejos nos consumidores – pessoas com diferentes anseios, em estágios de vida distintos, com hábitos e gostos particulares, estratificadas em segmentos, grupos e coletivos com base em variáveis demográficas, psicológicas, sociais e até mesmo culturais. Segundo Luiz Carlos Iasbeck (2002), “a publicidade (...) é entendida como (...) uma das formas de comunicação que mais fortemente contribuem para a formação da imagem de uma empresa ou de uma marca na mente do seu público”. Para que haja correspondência e identificação entre marca e consumidor, utiliza elementos que vão funcionar como elo na construção desta cadeia de sentidos: imagens, ícones, representações, elementos que compõem e sustentam o discurso. Mediante o discurso, a publicidade cria códigos próprios e diferenciados como forma de aproximação com o público que se deseja atingir.

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Tornero (1982) define o discurso como “modalidade privilegiada e específica de aplicação de linguagens diferentes (...) ligado a enunciados concretos e processos identificáveis na produção cultural e social”. Na opinião de Lotman (1977), um discurso só se torna visível pelo conjunto de textos que sustenta. O reconhecimento do discurso por meio dos seus textos se dá pelo somatório de leituras que possibilitam. O texto é, em última análise, tudo aquilo que pode ser lido: um cenário, a composição do vestuário, os modos de reagir de uma pessoa ou de um grupo, uma obra de arte, um texto verbal escrito (IASBECK, 2002: 22). Pode-se afirmar que os discursos refletem as escolhas, as produções de sentido que se estabelecem com tudo o que se reitera e se reelabora, a cada manifestação discursiva e influências externas que são recebidas. Para Orlandi ( 1990:18), (...) o discurso é o “lugar de significação, de confronto de sentidos, de estabelecimento de identidades, de argumentação etc.” (MARQUES, J. MOTTER, M. 2003: 425).

A construção de sentido do discurso é produzida na intertextualidade, na percepção do contexto pelo receptor e no estabelecimento de uma identificação na memória e nos conhecimentos prévios como complementação às linguagens verbais e não-verbais apresentadas, ou seja, ao texto verbo-visual. Este pode ser entendido como “somatório de textos e imagens capaz de articular significações vindas de lugares e situações distintas, de interrelacionar textualidades que estão para além da palavra, de promover afetos, bem como estimular experiências estéticas” (MENDONÇA, C. 2008). O discurso funciona como peça fundamental no quebra-cabeça que compõe e vai dar personalidade às marcas, compreendidas como “entidades vivas” (Cooper, 1979), com a sua própria “personalidade” (Abra,s, 1981, in Habby, 1999, Aeker, 1997b) e com as quais se podem estabelecer “relacionamentos” (Blackston, 1992, 1993; 1995; Fournier; 1998). Durante muitos anos, as marcas foram definidas como estratégia de diferenciação da concorrência. Essa perspectiva defendia que elas “valeriam essencialmente pelos nomes, termos, símbolos ou designs que acompanhavam os produtos e que ajudavam ao reconhecimento e conscientização do consumidor”. (RUÃO, T. 2001, p. 8). Nos anos 80, outra corrente procurou defini-la com base em um processo mais amplo.

A imagem de marca corresponde a todo o processo de interação entre a marca e seus públicos, do que resulta uma dada percepção, na base de qual estará a maior ou menor predisposição para atribuir à marca um valor elevado no mercado. Logo, analisar a imagem de uma marca é estudar a relação empresa-públicos, cuja gestão eficiente parece trazer inúmeras vantagens pela capitalização no valor da marca. E, nesse sentido, o conceito de imagem parece ser simultaneamente um produto (efeito final) e um processo (ao longo do tempo). (RUÃO, T. 2001: 22)

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A partir das reflexões de Michel Foucault e Pierre Bourdieu, busca-se examinar a maneira com que a experiência de um coletivo gay é textualizada nas revistas Junior e DOM – De Outro Modo. Acredita-se que as publicações criam um estilo de vida gay identificado por alguns grupos dentro do coletivo homossexual e vivenciado, em parte, por alguns deles – a partir das formas com que esses receptores se aproximam do discurso presente nos veículos. Discurso que envolve as marcas que consomem, os lugares a que frequentam, as gírias com que se comunicam, etc., criando identificações entre eles e os configurando como coletivo no cenário social. O primeiro passo para compreensão do objeto permeia um breve comentário histórico da noção de sexualidade, práticas homoafetivas e homossexualidade. Em seguida, parte-se para investigar a história da homossexualidade no Brasil, o desenvolvimento de mercados segmentados para esses consumidores e a evolução das publicações direcionadas para os gays. Os veículos Junior e DOM – De Outro Modo são interpretados a partir das editorias, do público a que se deseja atingir, do perfil dos anunciantes, padrão gráfico, entre outros elementos que determinam a linguagem pela qual os meios pretendem atingir os leitores. Uma vez traçada essa interpretação, realizam-se entrevistas com leitores nas cidades de Belo Horizonte e São Paulo. A construção de um paralelo se dá à medida que se avalia que as representações expostas nas revistas encontram-se, prioritariamente, nessas praças, fato reforçado pelo tipo de anunciantes e eventos publicados, uma vez que a maioria acontece ou estão localizados nesse eixo geográfico.

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Esta monografia será desenvolvida paralelamente à pesquisa “Figurações da cena e do corpo homossexual nas páginas das revistas Junior e DOM”, proposta pelo professor Dr. Carlos Magno Camargos Mendonça para ser desenvolvida entre os anos de 2008 e 2009.

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CAPÍTULO 1 . Por opção

São Paulo. Um bistrô. Dois engravatados. A postura, a forma com que se apresentam e gesticulam os denunciam como empresários. As alianças em suas mãos carregam a simbologia do matrimônio, sugerem que sejam chefes de família. Até então, uma cena comum, plausível de ser observada em qualquer esquina paulista. Porém, o tampo da mesa parecia uma divisória. Os troncos rígidos e austeros demonstram a seriedade ímpar de uma reunião de negócios. As pernas se tocavam apontando para a existência de um afeto entre eles. Dois homens, contidos e, ao mesmo tempo, entregues. Em pleno século XXI, a representação do corpo homossexual se reinventa. Porém, nem sempre foi assim. As figurações do corpo homoerótico oscilaram entre os preconceitos e os adjetivos que o apresentaram como desviante. Em uma sociedade marcada pela dominação da cultura heterossexual, qualquer comportamento destoante ganhou a classificação de “modo a ser evitado”. Como estratégia de dominação, várias instituições criaram discursos na tentativa de unificar as interpretações e coagir o exercício das relações homoafetivas.

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A partir do século XVIII, as sociedades vivenciavam mudanças estruturais e os jogos de poder ganhavam novas feições. Surgiam as “sociedades disciplinares” percebendo ser mais eficaz vigiar do que punir. A vigilância foi dimensionada na vida cotidiana e em aspectos até então não contemplados. Fazia-se necessária a adoção de uma nova postura. Nessa perspectiva, Foucault aponta um novo papel das instituições que deixam de aplicar o castigo e passam a investir em produções discursivas. Sob essa argumentação, o sexo e suas variáveis se tornaram objetos de análise, passaram a ser enquadrados na perspectiva da vigilância. Vigilância no sentido de coerção, reprimindo todas as formas de prazer que impedissem a reprodução e procriação dos indivíduos. A perseguição contra os homossexuais ganhou força por meio das instituições religiosas. Desde os processos civilizatórios europeus estimulados pelo catolicismo aos ideais da Reforma Protestante, o exercício das práticas homoeróticas ganhou ares de repúdio e consolidou-se na clandestinidade. O corpo homossexual apresentava-se como materialização pecaminosa, ligado a forças obscuras, ameaça para os costumes e valores morais. Anos depois, os discursos médico e jurídico reforçaram a construção do corpo homossexual dentro da perspectiva desviante. A homossexualidade foi transformada em patologia. Critérios que envolviam desde a anatomia ao comportamento psicológico serviram às novas indagações médicas. As práticas homoafetivas deveriam ser vigiadas e coagidas por instituições ligadas aos discursos médico e legal.

1.1 Para começar, algumas notas sobre sexualidade Os ideais cientificistas, ancorados nas premissas da comunidade médica e da racionalidade iluminista, trouxeram uma nova concepção para a as práticas sexuais. O significado foi ampliado, uma vez que a diferenciação entre homens e mulheres não seria concebida apenas pelas características fisiológicas. Tratados como termos de oposição, distinguiam-se também a partir de aspectos como corpo, alma e moral. Ainda que o Estado Liberal tenha tentado oferecer condições legais semelhantes para homens e mulheres, a mulher permaneceria sendo vista pela ótica da fragilidade familiar e da vida privada. Já o homem seria mantido nas esferas pública e política. À medida que o indivíduo passou a ser pensado nas suas características físicas e psicológicas, estabeleceram-se as bases para a criação dos gêneros masculino e feminino. Diferentemente do século XVI, no qual sexo designava os órgãos reprodutores, a compreensão da sexualidade ampliou o envolvimento das práticas sexuais e forneceu instrumentos para analisar as relações entre sexo e poder.

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(...) a sexualidade é uma figura histórica muito real, e foi ela que suscitou, como elemento especulativo necessário ao seu funcionamento, a noção do sexo. Não acreditar que se dizendo sim ao sexo se está dizendo não ao poder; ao contrário, se está seguindo a linha do dispositivo geral da sexualidade. Se, por uma inversão tática dos diversos mecanismos da sexualidade, quisermos opor os corpos, os prazeres, os saberes, em sua multiplicidade e sua possibilidade de resistência às captações do poder, será com relação à instância do sexo que deveremos nos liberar. Contra o dispositivo da sexualidade, o ponto de apoio do contra-ataque não deve ser o sexo-desejo, mas os corpos e os prazeres. (FOUCAULT, 1977).

Para Foucault, a divisão, até então marcada por dicotomias como homem e mulher, masculino e feminino, tornou-se mais ampla. Surgiam novos critérios de classificação dos indivíduos que compunham o regime da sociedade disciplinar: heterossexuais e homossexuais. Nesse paradigma, os indivíduos se articulam a partir de sujeitos sexuais. Interligados pelo desejo, a utilização dos prazeres foi responsável por criar um sistema próprio de regras e coerções estratificadas em quatro eixos: relações com o corpo; relações com a esposa; relações com rapazes; relações com a verdade. Segundo o filósofo, a sabedoria só é observada no último nível, na ligação entre o desejo e a verdade. O sujeito precisa descobrir no desejo a verdade sobre si mesmo, pois só ele é capaz de remeter a atenção a si próprio, fazendo com que encontre sua identidade e gere poder. Sendo assim, a sexualidade é apontada enquanto experiência histórica singular que inclui a preocupação moral, o cuidado ético e a ligação das técnicas de si às práticas em relação a si. O desejo desponta não só como fator condicionante das relações entre os sujeitos, como também na construção da simbologia em torno da sexualidade. Naquele contexto, a homossexualidade foi pensada como uma apropriação da sexualidade feminina pelo homem, sujeito do sexo masculino (COSTA, 1995ª: 129). A sociedade enxergava e equiparava o homossexual às mulheres histéricas, classificando-os como ameaças à família e à raça humana.

1.2 Questão de prática(s) Na Grécia Antiga, a sujeição do homem ao domínio de Eros, deus do prazer, abria possibilidades aos homens de optarem por práticas sexuais com ambos os sexos. Sob algumas regulações, as práticas homoafetivas eram permitidas pela lei e opinião. A regulação da conduta estava na própria relação, oscilando entre o que se tomava como honroso e vergonhoso. Dentre essas práticas, a passividade era malvista no adulto, que já possuía formação moral e sexual.

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Ao longo da vida e à medida que ganhasse maturidade, o macho grego seria sucessivamente amado por homens mais velhos e rapazes, apaixonando-se também por mulheres. Baseados na filosofia do corpo, os gregos distinguiam claramente “afeminação” do que chamamos de “homossexualidade”. Corpos masculinos “frágeis” (em grego, malakoi) agiam como mulheres e “desejavam intensamente ser submetidos por outros homens a um papel ‘feminino’ (isto é, receptivo), na relação sexual”. Eles pertenciam às zonas de calor intermediário, entre muito masculinos e muito femininas. (SENNETT, 1994: 46 - 47).

De acordo com Foucault, as práticas homoeróticas na Grécia Antiga tinham um papel pedagógico, uma vez que significavam a catequese do aprendiz pelo mestre. Na estrutura social grega, as práticas homoafetivas estavam ligadas a corte, reflexão moral e ascetismo filosófico. Como num jogo de imagem e representação, o uso dos corpos refletia a própria estrutura social: aos homens livres eram permitidas como forma de prazer práticas sexuais entre iguais. Tratado como inferiores, tais práticas não eram permitidas para a mulher e o escravo. A relação erótica uniria dois jovens, um deles pouco mais velho que o outro, ou um rapaz a um adulto, que tivessem se conhecido nos torneios e jogos. Era o macho mais velho – erastes – que conquistava o mais novo – eromenos. Em geral, a diferença de idade entre eles evidenciava-se por características sexuais secundárias particulares, como pelos do corpo e da face, embora fosse indispensável que o mais moço tivesse pelo menos uma altura adulta para ser cortejado. Na casa dos 60 anos, embora mais idoso, Sócrates ainda mantinha jovens amantes, em relações ainda mais peculiares, pelo fato de ter sido conquistado por rapazes solteiros ou recém-casados. O erastes tinha uma postura de deferência diante do eromenos, cumulando-o de presentes e acariciando-o. A essa altura do relacionamento, o código sexual proibia qualquer penetração – falação ou cúpula anal – , sendo admissíveis, apenas, massagens mútuas do pênis com as coxas. Tal fricção elevava a temperatura dos corpos dos amantes e, mais do que a ejaculação, justifica a experiência sexual de ambos os machos. (SENNETT, 1994: 47).

1.3 Além dos sufixos No período medieval, apesar de poucos registros, as instituições religiosas excluíram o exercício homoerótico dos padrões de normalidade. Tais práticas eram denominadas “pederastia”, crime contra a fé, ligado às forças demoníacas que viriam para desestruturar e promover a desordem social. A sociedade se separava em “normais” e “anormais”, “pecadores” e “não pecadores”, “criminosos” e “não criminosos”. Para a Igreja, os “sodomitas”, designação dada àqueles que se relacionavam sexualmente com pessoas do mesmo sexo e animais, eram vistos como pecadores mudos, hipnotizados por um vício abominável. No século XVIII, ainda na condição de pecado contra a ordem, o Estado e a natureza, a homossexualidade se personificaria mediante a designação de “pederastia” ou “infâmia”.

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Em seu recente livro sobre as uniões entre homossexuais na Europa pré-moderna, J. Boswell advertenos quão ilógica e cruel tem sido a nossa cultura, notadamente após o século XIV, ao eleger a homossexualidade como o maior e mais horroroso de todos os tabus sexuais. O "pecado nefando", isto é, aquele cujo nome não pode ser mencionado – e muito menos praticado! – foi considerado pela moral judaico-cristã como mais grave do que os mais hediondos crimes antissociais, como o matricídio, a violência sexual contra crianças, o canibalismo, o genocídio e até dissídio. (MOTT, Luiz. Etno-história da homossexualidade na América Latina. Colômbia, 1994).

No século XIX, a Medicina e as ciências cunharam o termo “homossexual”. Criado em 1869 pelo médico húngaro Karoly Maria Benkert, foi utilizado para representar os indivíduos de comportamento reprovável. Na condição de desviante, o sujeito homoerótico deixa a condição de pecador para ser classificado como doente. A temática homossexual incorpora-se ao discurso médico no sentido de descobrirem a sua origem e provável cura. Em 1957, G. A. Silver dizia que a “homossexualidade devia ser um desafio e não um tabu para a ciência”. A partir da década de 1990, a origem do “amor que não ousa dizer o nome” passou a ser pesquisada pela genética. Acreditava-se na existência de uma versão diferenciada do cromossomo X masculino, que possuiria uma região especial responsável pela tendência homossexual. O discurso médico, sob uma aura de neutralidade científica, produz crescentemente verdades sobre o sexo, mas que estava ligado a uma moral da assepsia e da conexão entre o "patológico" e o "pecaminoso". A medicina do sexo se associa fortemente à biologia (evolucionista) da reprodução. Essa associação do discurso sobre o sexo com o discurso científico deu a ele maior legitimidade. (MONTEIRO, 1997).

Parte do entendimento atual sobre as práticas sexuais foi construída pela ciência. Instituição legitimadora da produção discursiva, também estabeleceu o preconceito. A invenção da palavra “homossexual” apareceu como produto da ideologia Iluminista no século XIX. A conceitualização corresponderia à criação de uma essência materializando a simbologia da doença psíquica e o mal social associados ao corpo homoerótico. No século XX, paralelamente ao crescimento dos grupos de defesa dos direitos homossexuais, vieram as modificações nas práticas discursivas. No final dos anos de 1970, a Associação Americana de Psiquiatria retirou do Manual de Diagnóstico de Doenças (DSM-III) a caracterização do homossexualismo. O termo foi abandonado e substituído por homossexualidade. O sufixo “ismo” caracterizava uma doença, ao passo que homossexualidade estabeleceria um comportamento. Para o psicanalista Jurandir Freire Costa, as categorizações que criam identidades como homossexual e heterossexual não são universais, mas localizadas em um determinado momento histórico e cultural. (...) Utilizar tais categorizações identitárias é assumir toda a carga negativa com que a ciência e cultura vieram sobrecarregando-as, afirma Jurandir Freire. Para rechaçá-las, ele propõe substituir o termo homossexualismo por homoerotismo, que não está carregado de significado pejorativo. (...) Ao contrário de homossexualismo, exclusivamente voltado para a prática sexual, sua abrangência pode abrir uma gama bem mais ampla de comportamentos e tendências. (TREVISAN, 2007: 36 – 37).

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Cada tempo tem a sua maneira de nomear, interpretar e identificar o mundo. Sendo assim, para Trevisan, qualquer descrição que venha a explicar a atração sexual entre pessoas do mesmo sexo continuará carregada de elementos pejorativos enquanto a sociedade mantiver a tendência de estigmatizar esse comportamento. O homossexual do século XIX tornou-se uma personagem: um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia misteriosa. Nada daquilo que ele é, no fim das contas, escapa à sua sexualidade. (...) Agora, o homossexual é uma espécie. (FOUCAULT, [1976] 1999: 43 – 44).

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CAPÍTULO 2 . Terra Brasilis

Se o pecado realmente existe e se ele já fez de algum lugar a sua aldeia, ela ficava ali no Vale do Rio Jordão, exatamente na divisa de onde hoje estão Israel e Jordânia. Era um conjunto de cinco cidades: Admá, Zebolim, Bela e, principalmente, pela extensão, demografia e comportamento, Sodoma e Gomorra. Essas duas últimas centralizavam a região que, por, supostamente, tanto despertarem a ira divina pela sexualização despudorada, desapareceram incendiadas pelo fogo que vinha do chão e por uma chuva de enxofre. (PUGA, Fernando. Sodoma e Gomorra – Uma misteriosa história de perversão sexual e castigo na antiguidade. Extraído do portal “Bolsa de Mulher”. Acesso em 12/11/2008). As águas são muitas e infindas. E em tal maneira é grandiosa que querendo aproveitá-la tudo nela dará. (...) E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro. (...) A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. (CAMINHA, Pero Vaz. A Carta. 1500).

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A visão se assemelhava ao paraíso. Seus habitantes, a “animais de rosto humano” ou aos ideais renascentistas do “bom selvagem”. Na chegada à Terra de Santa Cruz, os colonizadores perceberam a sexualidade daqueles povos como própria ao pecado nefando de Sodoma e Gomorra. Segundo Luiz Mott, a construção da sexualidade brasileira está suportada em três matrizes: “o modelo sexual hegemônico dos donos do poder (representado pela moral judaico-cristã fortemente marcada pela sexofobia) e os modelos periféricos indígena e africano (dominados por multifacetada pluralidade cultural e grande permissividade relacional)” (MOTT, 1994). Estabelecer matrizes de classificação pressupõe o envolvimento de critérios e da subjetividade dos que as estabelecem. À medida que as práticas sexuais e princípios culturais daqueles que habitavam o “Novo Mundo” não equivaliam à moral judaico-cristã européia, os nativos foram tomados como maus exemplos, referências daquilo que a cultura colonizadora avaliava como proibido e pecaminoso. Por causa desse pansexualismo ao mesmo tempo libidinoso e cândido, o historiador Abelardo Romero, não sem indignação, apelidou os silvícolas do Brasil de “devassos no paraíso”. A verdade é que, entre os indígenas, os códigos sexuais nada tinham em comum com o puritanismo ocidental daquela época; por exemplo, davam pouca importância à virgindade e até condenavam o celibato. (...) Mas entre os costumes devassos dos habitantes deste paraíso tropical, nada chocava mais os cristãos da época do que a prática do “pecado nefando”, “sodomia” ou “sujidade” – nomes então dados à relação homossexual que, segundo o pesquisador Abelardo Romero, “grassava havia séculos, entre os brasis, como uma doença contagiosa”. (TREVISAN, 2007: 64 – 65)

Ao se observarem classificações e comportamentos típicos à época, percebem-se transposições possíveis ao tempo presente. Xingamentos como tivira, comum entre os nativos, significava “viado” em tupi-guarani. Entre os índios guaicurus, observa-se uma referência aos transexuais a partir dos homens que se vestiam e se entregavam às ocupações femininas. Havia também as tríbades, mulheres indígenas que realizavam papéis masculinos. O contexto devasso narrado no descobrimento serviu para criar um sentimento de culpa. Culpa para os nativos, apontados como hereges, e para os europeus, surpresos e ao mesmo tempo entregues à curiosidade presente no cotidiano daquela sociedade edênica. Posteriormente, por ordens de Dom João III, a nova colônia passou a ser habitada por aqueles que constituíssem ameaças para o regime eclesiástico e inquisitorial: “assassinos, ladrões, judeus foragidos e a gente considerada devassa e desviante, por cometer libertinagem, sodomia, bestialidade (ato sexual com animais), proxenitismo e “molície” – termo que se referia tanto aos “tocamentos” lascivos quanto à polução fora do “vaso natural” feminino, utilizando ou não as mãos” (TREVISAN, 2007: 111 – 112).

Na Bahia do

século XVI, os crimes por sodomia apareciam em segundo lugar entre os mais praticados, só sendo

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suplantados por delitos de blasfêmia. A sodomia também se fazia presente desde o clero às classes menos prestigiadas da ordem social. A disseminação da prática homossexual no Brasil constitui objeto de discordância para alguns autores. Para Gilberto Freyre, ela teria se popularizado pelos próprios colonizadores, “que encontraram na moral sexual dos índios e nas condições desenfreadas da colonização um território fértil para sua expansão” (TREVISAN, 2007: 113). Outros acreditam ter se difundido dentro dos colégios jesuítas brasileiros e/ ou nas relações escravocratas entre os negros e seus senhores. Por essas e outras, observa-se que o “pecado nefando” não pode ser visto sob uma ótica concentrada, restrito a determinados grupos que habitaram o Brasil Colônia. Desde a colônia, os dominantes criaram medidas de controle e punição para o desejo desviante. As restrições da Igreja e o poder da lei foram importantes ferramentas de coerção na ocasião do descobrimento. Do período colonial ao Brasil Republicano, mediante medidas advindas da Inquisição, dos códigos penais, portarias policiais e da censura estatal, foram categorizadas não só as práticas entre indivíduos do mesmo sexo, como também estipulados procedimentos para coagi-las perante o regime social.

2.1 A defesa por uma sociedade “sadia” Nos anos do Império, os jogos de poder assumiram novas feições, paralelamente às mudanças na configuração social. Em conjunto com a Igreja, o pensamento científico assumiu o papel de legitimador do discurso. Mais tarde, o regime republicano instaurou, dentro de uma lógica positivista, a tarefa de redirecionar a sociedade brasileira, combatendo a ideia de desordem. Nesse novo contexto, o controle e a interpelação dos corpos era tarefa, não mais da Religião, mas da Medicina, nova aliada do poder estatal. Na tentativa de se estabelecer um controle sobre o corpo, a mente e a sexualidade, criaram-se mecanismos e dispositivos para definição de um homem novo, modelo ideal que deveria funcionar como referência no âmbito social. Representado pela ideia do trabalho e o autocontrole do ethos burguês, o homem novo deveria seguir a projeção estabelecida dentro dos moldes de controle social.

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Subordinado ao Estado interventor, os indivíduos, bem como suas famílias, viram-se invadidos e controlados pela administração em prol de um bem maior, quer seja a raça ou a Nação. A família vai perdendo outras funções, além da econômica, e riscos que estavam sob sua responsabilidade, como a educação dos filhos ou o amparo à velhice. Os membros da família passam a ser socializados cada vez mais por instâncias externas. É prioridade do Estado e dos aparelhos ideológicos reencaixar (interpelar) os membros da família, dar-lhes um sentido e um papel preciso referente à vida no corpo social, no Estado e na Nação. O homem desejado é o homem “pai” e trabalhador, a mulher “mãe” e trabalhadora. No polo oposto, estavam o homem alcoólico, vagabundo, imoral, e a mulher prostituta, como paradigmas do “outro” a ser estigmatizado. (FIGARI, 2007: 265).

Comportamentos que ameaçassem a ordem familiar e conjugal seriam estigmatizados como patologia ou crime, passíveis de punição por agentes da ordem jurídica e policial. Com auxílio da Medicina, o Estado objetivou a criação de uma sociedade “sadia”, equilibrada, em condições favoráveis ao desenvolvimento e à procriação. Dessa forma, as práticas sexuais entre indivíduos do mesmo sexo, assim como o adultério, a prostituição e a libertinagem, foram agrupadas em uma classificação criminal. Naquele caldeirão de intervenções, a homossexualidade foi interpretada como fator de desequilíbrio moral e mental. Apontada como prática advinda dos desregrados, serviu de objeto dos estudos médicos. À época, os trabalhos médicos produzidos no Brasil que tratam das questões relativas às práticas homoafetivas podem ser agrupados em dois momentos. O primeiro deles, entre 1869 e 1910, “definia como sodomitas tanto os homens penetradores do intercurso anal como os receptores” (FIGARI, 2007: 245). No entanto, o comportamento afeminado, apontado como alteração psíquica, se restringia aos indivíduos que demonstravam preferência por papéis sexuais passivos. Entre aqueles anos, iniciava-se a transição que viria instaurar a “patologização” do comportamento homoerótico, retirando-o do campo criminal. Tomada a partir da enfermidade, para as práticas homoeróticas dever-se-ia pensar tratamentos como internações e hipnose para correção do “distúrbio”. No segundo momento dos estudos médicos, vistas pela ótica do perverso e apontadas enquanto “peste social”, as práticas homoafetivas foram tomadas como doença por setores preocupados com a defesa da “sociedade sadia”: os higienistas e profissionais ligados à Psiquiatria. Ainda nesse segundo momento, a compreensão de questões relacionadas ao homoerotismo, tais como os fatores que justificassem a sua origem, foi dividida em duas tendências: causas estruturais e orgânicas. A primeira acreditava que a homossexualidade constituísse uma inversão adquirida em função do culto à beleza masculina nos gregos, a falta de mulheres, a necessidade por se encontrar em um meio “unissexual” e o medo do contágio venéreo sifilítico, comum entre as mulheres da época. Para as

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correntes que a abordaram, o desvio congênito, as variáveis ligadas a enganos orgânicos e funcionais, as perturbações nas glândulas de secreção interna, a atrofia dos órgãos genitais, a efeminação do homem, a raridade de pelos, as manifestações psíquicas e as marcas corporais foram utilizadas para justificar a ocorrência das práticas homoeróticas. A partir de então, uma série de tratamentos foram pensados para curar a homossexualidade. Estes, por sua vez, abrangiam o emprego de “extratos opoterápicos”, intervenções cirúrgicas, internação em clínicas psiquiátricas e, quando necessário, em manicômios judiciais. O caso de Febrônio Índio do Brasil (...) pode dar uma ideia evolutiva da manipulação da homossexualidade jurídico-psiquiátrica. (...) Febrônio (...) foi condenado como “louco moral”. (...) Assim, eis Febrônio retirado das mãos da Justiça e atirado às garras da psiquiatria, para receber o tal tratamento “mais justo e mais científico”. (...) E aí continuou, até sua morte em 1984, tendo vivido recluso por 57 anos. (TREVISAN, 2007: 196 – 200).

Em uma trajetória que perpassa o Brasil Colônia, o Imperial, chegando à República, pode-se dizer que a homossexualidade brasileira foi pensada em cima do trinômio pecado-crime-patologia. A apropriação da homossexualidade pelo discurso médico-legal culminou no surgimento de teorias e estudos evolucionistas. E como parte do processo metodológico de diagnóstico e identificação para qualquer enfermidade, definiram-se sintomas e características capazes de explicar as manifestações da homossexualidade nos indivíduos. A partir de critérios que abrangiam aspectos taxonômicos, o corpo homossexual foi pensado na conceituação de “corpo invertido” – inversão esta que pode ser interpretada como degenerações dos órgãos e até mesmo alterações no sistema psíquico. Elevada à condição de perversão sexual, a homoafetividade se viu equiparada a comportamentos e variáveis que definem os distúrbios, como fobias, obsessões, histeria e epilepsia. A sodomia não chegou a ser incorporada aos códigos de Direito Penal do Estado Brasileiro. Suas interpretações sempre se mantiveram no terreno das subjetividades, na forma como o discurso era apropriado pelas instituições responsáveis por coagir as práticas homoeróticas. Com o intuito de se criar uma sociedade “sadia”, a estrutura social submetia-se cada vez mais a um Estado interventor. A intervenção, por sua vez, rompia com os limites dos espaços público e privado, em uma tentativa de se garantir a ordem. “Não interessa ao Estado burguês autoconsciências tão livres como cidadãos dóceis e, sobretudo, autorregulados” (FIGARI, 2007: 357). Os indivíduos viam

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seus desejos e vontades coagidos. A esfera particular perdia forças ante a legitimidade imposta pelas instituições que ditavam os parâmetros de normalidade. Sob o regime da vigilância e cercada por dispositivos de controle, a homossexualidade se desenvolveu em guetos. Conscientes ou inconscientes, admitidas ou não, com ou sem angústia, as práticas e relações homoeróticas existiam como podiam. Implantavam-se para isso estratégias que, de algum modo, burlavam ou permitiam “camuflar”, sob formas de relações aceitas, tipos de comportamento, práticas e afetos proibidos. Não eram propriamente comportamentos “duplos”, mas sim, verdadeiras reconfigurações relacionais (de maneira similar aos espaços) que sustentavam as formas de viver o homoerotismo em condições de interpelação absoluta. (FIGARI, 2007: 308 – 309).

Dentro desse paradigma clandestino, os indivíduos se viam pressionados a assumir uma postura machista como estratégia de autocontrole e afirmação da masculinidade perante a ordem social. Inseridos em um contexto no qual o preconceito se legitimava pela própria máquina estatal, os homossexuais forçaram a criação de estratégias para burlar o machismo e a homofobia. Entre as classes proletárias, por exemplo, as relações de “compadrio” mascaravam as amizades mais íntimas entre homens aparentemente “heterossexuais”. “As classes mais altas também implementavam diversas estratégias para guardar a ‘aparência’ social do papel masculino, muitas vezes convivendo com um amante ou amor secreto homoerótico”. (FIGARI, 2007: 308). Os padrões heteronormativos dominantes definiram, inclusive, a postura dos próprios homossexuais. Idealizava-se a figura do macho ativo, enquanto o passivo era submetido a uma posição de inferioridade ou “débil”, muitas vezes caracterizada por traços de efeminação. O “serhomossexual” deveria seguir os padrões da heterossexualidade, passando quase que despercebido entre os integrantes da sociedade civil. Uma vez notável, o homossexual era estigmatizado dentro dos parâmetros de visão estabelecidos pelo Estado. A construção do homoerotismo brasileiro dentro dos guetos forçou a criação de uma comunicabilidade clandestina como estratégia de identificação. Gestuais e aparências de distinção, seja pela roupa, olhar ou formas de aproximação, permitiam o reconhecimento entre os corpos homoeróticos. A experiência homossexual se daria a ver nesses espaços paralelos de socialização. Nesse paradigma, as manifestações homoafetivas não constituíam um delito em si, mas regulavam-se no campo das contravenções. Os anos que iniciaram a República determinaram o surgimento de um indivíduo “desencaixado”, temeroso em mudar e expor não só sua vida, como também sua consciência. Em um embate onde reconhecimento e interpelação conflitavam entre si, as trajetórias homoeróticas se constituíram em guetos, em que só era possível o sexo ocasional e fortuito. O medo e a determinação de padrões legítimos de uma heterossexualidade dominante instauraram a

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repressão. Incapazes de controlar o desejo, espaços de vivência se constituíram enquanto fuga. Ainda coagidas e temerosas, as práticas homossexuais começavam a deixar a sombra, ganhando, cada vez mais, a luz do dia.

2.2 A socialização entre os corpos homoeróticos Em função da vigilância policial e da censura instaurada pelo regime militar, a clandestinidade continuou caracterizando as práticas homossexuais. No entanto, e ainda que estereotipada, a exposição midiática da “bicha eletrônica” (TREVISAN, 2007: 305) estimulou o desenvolvimento de consciências homoafetivas, embora se limitassem ao âmbito domiciliar. Os indivíduos se viam cada vez mais submetidos à tentativa de equilíbrio entre a conciliação dos desejos e a sua efetivação em seus cotidianos. Para algumas interpretações, entretanto, a aparição da bicha estereotipada não foi tão ruim, pois teria permitido uma familiaridade maior com a realidade que só estava confinada ao âmbito do pecado, da doença ou da degeneração. (...) Abre-se um leque de interpretações possíveis para a “essencialização” de personalidades homoeróticas em um campo de redefinição cíclica dos próprios aparelhos de poder. (FIGARI, 2007: 398 – 399).

Prova disso foi um dos palcos de encenação do homoerotismo brasileiro: a cidade do Rio de Janeiro. A construção histórica de espaços e redes de socialização entre os homossexuais “cariocas” do século XIX envolve momentos distintos, cujos reflexos podem ser percebidos nos dias de hoje. A tomada e convivência homossexual perante a sociedade civil foi paulatina, em uma tentativa de se expandir a experiência não só em uma dimensão pública, mas entre os próprios membros do grupo. A princípio, subordinada à vistoria e à coerção policial, as práticas ganharam as ruas, criando guetos homossexuais dentro da cena urbana. Na linguagem chula e do senso comum, esses locais de “pegação” dimensionam a cena e a caracterizam conforme as condições sócio-históricas do momento em que foi encenada. “A ‘privacidade’ tampouco funcionava plenamente como resguardo. Por isso, a homossexualidade se caracterizava por continuar sendo, como sempre fora, um comportamento ‘clandestino’ ” (FIGARI: 2007, 377). No entanto, as reminiscências da cena homossexual carioca no século XIX apontam, majoritariamente, e carregam as cicatrizes de uma marginalidade, daquilo que é visto como proibido e sujo. Cena que se faz pejorativa em função daqueles elementos (pessoas e lugares) que a compõem. De uma época em que a prática homossexual estava associada também à boemia, enquanto pensões, bordéis, bares e cabarés misturavam indivíduos de todas as classes e orientações.

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(...) os homossexuais se apossaram de determinados espaços urbanos no centro da cidade, muitas vezes ocupados por prostitutas e boêmios, utilizando-os de forma criativa para encontrar parceiros sexuais e socializar com os amigos. (...) Outros espaços de socialização incluíam os mictórios das praças e parques da cidade, bancos de jardim nestes mesmos locais e os cinemas de bairros. (...) Podiam igualmente recorrer a pensões ou hotéis baratos da redondeza. (NUNAN, 2003: 39).

Em um segundo momento, a socialização homoafetiva se reforça na esfera do privado, dentro de pequenos grupos que partilhavam entre si uma união quase familiar. As reuniões das turmas não só eram tais quais uma família, como faziam parte do próprio “viver” e “ser gay’. Posteriormente, os encontros também aconteciam nos clubes, shows e concursos de Miss Brasil. As festas, de caráter familiar, traduziram a tentativa de compartilhar a experiência homossexual com os demais membros da sociedade civil.

2.3 Reminiscências de uma cena artística Muito do preconceito que se construiu em relação aos homossexuais advém da própria condição em que a cena se passava. No início da República, estigmatizados como “marginais”, se viram equiparados a outros agrupamentos vítimas da reprovação social. Somam-se ainda, outros momentos históricos que contribuíram para essa banalização. O teatro, por exemplo. É preciso admitir que a proibição de mulheres nos palcos brasileiros, em um período que se estendeu da Colônia ao Império, não se deve apenas à proibição de Dona Maria I. A questão, de natureza cultural, primava por mantê-las longe da promiscuidade presente por trás das cortinas. No momento da colonização, o teatro era educativo e voltado para a catequese. Desempenhado por mulatos, a participação de brancos europeus era quase ínfima. Com o passar dos anos, os espetáculos buscavam ser um resgate da finesse dos palcos europeus, embora esse resgate se fizesse presente apenas no âmbito do desejo. Os teatros do Brasil antigo caracterizavam-se como ambientes masculinos de tamanha má fama que os espetáculos chegaram a ser proibidos para estrangeiros, como ocorreu no final do século XVIII, no Rio de Janeiro. (...) Nesse clima tão voltado para a lascívia, pode-se imaginar como a ausência de mulheres no palco criava circunstâncias inesperadas e estranhas, num país distante de tudo, onde as leis só eram levadas a sério quando conviessem. (...) Consagrada no ambiente teatral, a prática profissional do travestismo ocorria num contexto social nada inocente de disseminação da pederastia, que, com certeza, lhe adicionava conotações não exclusivamente profissionais. (TREVISAN, 2007: 236).

O teatro não só funcionou como solo fértil para o surgimento do travestismo. Nele, as práticas e preconceito contra os homossexuais também ganharam vazão, à medida que se configuravam

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ambientes preponderantemente masculinos em que também se disseminou a prática dos garotos de programa. Os textos teatrais traziam experiências homossexuais diversas. No Brasil dos anos de 1930, para Trevisan, os versos de Oswald de Andrade carregavam os ideais fascistas. Defendendo instituições como a família e a religião, instauraram uma homofobia radical. Homossexuais assumidos, “efiminados” e até mesmo “adamados” eram personas non gratas nos palcos integralistas e comunistas. Palco de uma cena reforçada por personagens dúbios e paranóicos de Nelson Rodrigues, em 1940. Oscilando entre ‘o tarado e o grande moralista’, (...) definia-se a si próprio como um revolucionário. (...) Em sua obra, é raro encontrar um personagem ‘normal’ e ‘honesto’. (...) No teatro machão de Nelson Rodrigues, parece-me que a homossexualidade enquanto vivência desviante funciona como açoite que fustiga a sociedade podre, irrecuperável. (TREVISAN, 2007: 279 – 281).

Não é a toa que, em um primeiro momento, o campo das artes parece ter se apropriado das práticas homossexuais por trocadilhos, ora irônicos ou aterrorizados. Na literatura, Gregório de Matos utilizava expressões como “merda dos fidalgos” e “vaca sempiterna” para designar o homoerotismo. Em contrapartida, as entrelinhas dos poemas de Álvares de Azevedo e Mário de Andrade demonstram um envolvimento pessoal com o tema, marcado pela fobia e repressão do “amor maldito”. A literatura brasileira esteve para as práticas homoeróticas como uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que foi responsável pela condenação, também foi utilizada enquanto instrumento de mudança. O grande mito da literatura brasileira relacionada com o homoerotismo fica por conta do romance BomCrioulo, de Adolfo Caminha, publicado em 1895, no qual apareceu, pela primeira vez na literatura brasileira, um protagonista negro e homossexual. De fato, a partir de 1870, nossos escritores se incorporaram à luta pela “renovação das estruturas sociais e pelo reforço da identidade nacional”. (TREVISAN, 2007: 253).

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Outros escritores e obras também apresentaram traços homoeróticos. Aluísio de Azevedo (O cortiço), João do Rio, Gasparino Damata e Valdo Motta são alguns dos exemplos responsáveis por imprimir e traduzir, em maior ou menor evidência, suas percepções e vivências sobre o mundo homossexual. A literatura naturalista da virada do século pôs em evidência um suposto realismo das condições de existência dos homens e mulheres de finais do século. Heróis e heroínas são agora os seres “desgraçados” da sociedade: prostitutas, mendigos, presidiários e a população de cortiços. Por um lado, (...) tenta-se mostrar que é a própria sociedade e suas condições injustas que forjam tais monstros, tornando-os assim profundamente humanos. Por outro, existe uma finalidade eminentemente “moralista”, esses pobres seres ou se redimem, ou têm um fim trágico como turbulenta também fora sua própria vida. É nesse contexto que aparecem vários personagens de comportamento homoerótico na literatura brasileira. (FIGARI, 2007: 281 – 282).

Em vários momentos, a produção artística brasileira colocou em xeque a visão de “sodomia”, de prática enquanto doença, e começou a encarar a homoafetividade enquanto circunstância, escolha e fator natural. O duplo sentido dava lugar à objetividade. O medo se alternava em coragem.

O Brasil se “desbundava” em um movimento deflagrado pela música popular e pelo teatro. Nomes como os cantores Caetano Veloso e Ney Matogrosso, o grupo teatral Dzi Croquetes ganhavam o gosto popular, rompendo os padrões entre os gêneros masculino e feminino. A peça Greta Garbo escancarava no palco a intimidade de homossexuais masculinos. A partir da década de 1970, o amor homossexual começou a furar a barreira da censura ditatorial e dos seus mais reacionários, para chegar até as capas de revistas de circulação nacional – caso da IstoÉ, que dois anos antes da Time apresentou em sua capa duas mãos masculinas ternamente enlaçadas, ilustrando matéria sobre o tema. Os anúncios comerciais também não ficaram para trás. Dentro desse clima propício, o teatro começou a sofrer uma verdadeira reviravolta. (...) o “homossexual” dos palcos já não era mais aquele ser distante e mitologado (de Nelson Rodrigues) nem o pária desgraçado (de Plínio Marcos). Agora, sua vida escancarava diante das plateias, familiarizando-as com uma multiplicidade de personagens homossexuais que tinham em comum justamente um esforço de normalidade, por mais chocantes e exóticos que pudessem ser. (TREVISAN, 2007: 294:295).

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Para o cinema e a televisão, a construção parece ter sido diferente. A partir dos anos de 1980, vários roteiros deram vida a personagens homossexuais. Sejam em filmes, novelas e seriados, todos aparentavam se agrupar por um traço em comum: o do humor. Rebaixados a piadas e visões nem sempre condizentes à realidade, a “bicha eletrônica” – para seguir o termo de Trevisan – se limitava a trejeitos “efeminados”, sujeita a críticas e marginalizada por um tratamento de inferioridade. Com o mero propósito de “fazer rir”, a diversidade entre os homossexuais masculinos se limitou a um determinado comportamento. Vivia-se em uma sociedade conservadora, despreparada para encarar o tema de outra forma. E, não só marcada pelo conservadorismo, o que “vendia” e gerava audiência era a “bichinha” que fazia rir.

2.4 O movimento invade as ruas. E a AIDS, os corpos. A força-tarefa de incorporar a homossexualidade em uma perspectiva positiva, dentro de padrões de normalidade no cotidiano da sociedade brasileira, ainda é recente. Tão recente quanto o se assumir. Em parte pelo fato de viver na periferia do Ocidente, em parte devido à população reduzida local que consome cultura, o Brasil parece ter muita dificuldade para digerir temas do seu tempo, preferindo modernizar-se apenas quando se encontra diante dos fatos consumados. (...) No Brasil, a modernidade reduz-se facilmente à última moda (...) a onda do liberacionismo homossexual conheceu um processo semelhante. Se chegou ao Brasil com pelo menos uma década de atraso e tem se imposto – até certo ponto – pelo consumo, isso se deve em grande parte ao conservadorismo, insensibilidade e comodismo da elite cultural, que consome as modas para continuar vampirescamente reciclando-se no trono do saber, construído com esqueletos de tudo quanto são novas ideias abortadas. (...) A luta pelos direitos homossexuais tem sido vista, no fundo, como mais uma passageira “moda de verão”, quer dizer, um modismo descartável, um artigo de luxo. (TREVISAN, 2007: 335 – 336).

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A eclosão do Movimento de Liberação Homossexual no Brasil apresentou-se tardia e imatura. Tal atraso não só ocorreu pela ausência de uma iniciativa unificada, como também pelas circunstâncias políticas que o país vinha enfrentando. Mas talvez, a ausência de um sentimento e de uma identificação com o “ser homossexual” tenha sido um dos maiores impedimentos para o desenvolvimento de uma militância. Segundo Trevisan (2007: 337), nenhuma proposta ganhou força ou se tornou válida em um ambiente onde “70% do grupo admitia francamente se achar anormal por causa da homossexualidade”. Antes mesmo de incorporar a causa e a luta pelos direitos relativos ao grupo, fazia-se necessária a disseminação do sentimento de pertencimento àquele coletivo, de identificação e orgulho. Um orgulho por ser homossexual, de ver-se normal perante aquela circunstância. A primeira tentativa ativista foi materializada nas páginas de um jornal. Em abril de 1978, surgiu O Lampião, projeto que defendia e discutia temas tratados como “secundários”, ligados às minorias, tais como sexualidade, discriminação racial, artes, ecologia e machismo. Com distribuição mensal e alcance nacional, utilizava termos e linguagem típicos do gueto homossexual. Encabeçado por Agnaldo Silva e João Silvério Trevisan, o jornal circulou até junho de 1981 misturando militância, denúncia e variedades da cena homossexual para dar voz a um movimento que começava a se organizar, mesmo sob torturas, prisões e desaparecimentos. A ideia de criar O Lampião procurou atender a uma demanda de homossexuais que buscavam mais que membros e músculos expostos em revistas eróticas, “disfarçadas em publicações de fisiculturismo que circulavam até então. O objetivo era provocar a discussão e conferir visibilidade a esta população na sociedade” (JUNIOR, 2008: 40). São Paulo abrigou as primeiras reuniões com o intuito de unificar e fortalecer um grupo marcado pela pluralidade e diversidade de propostas. Nascia o Somos: Grupo de Afirmação Homossexual e, paralelamente, outros grupos ativistas se fortaleceram em outras cidades, que incluíam, além do Rio de Janeiro e São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Brasília e Recife (TERTO, 1996). Os homossexuais ganhavam voz e despontavam como movimento no quadro da vida brasileira. A proposta se unificava: pensava-se que a revolução deveria começar dentro de casa, trabalhando os grandes tabus e preconceitos instaurados pelas instituições numa tentativa de se controlar a prática homoafetiva.

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Da militância homossexual sobraram ativistas perplexos, dentro de grupos pouco representativos, esvaziados e sem condições de reflexão ou, menos ainda, de mobilização – com algumas exceções, por sua regularidade e contundência, como foi o caso do Grupo Gay da Bahia (GGB), fundado em 1980 e talvez o primeiro grupo de direitos homossexuais a ser registrado como sociedade civil, ainda em 1983. (TREVISAN, 2007: 365).

Muito do ativismo e das reivindicações de liberação homossexual no Brasil foi dissolvido e se perdeu entre os partidos e causas políticas. Pulverizado entre vários segmentos, viu-se desmobilizado e pouco representativo. Diante desse quadro, pode-se dizer que a mudança foi forçada e se deu a partir da AIDS, em 1983, havendo a necessidade de mobilização em regime emergencial. No carnaval de 1984, desembarcou no Rio de Janeiro um vôo charter fretado pela agência americana Slander´s Gay, com 370 turistas. (...) Casualmente ou não, um dos bailes gays mais luxuosos do Rio de Janeiro ostentava, em inglês, seu nome que, naquele contexto, poderia soar arrepiante: The Gay After. (...) Tratava-se do primeiro carnaval brasileiro após a chegada oficial da AIDS no país. (...) A então quase desconhecida e letal AIDS, que vinha atingindo sobretudo homossexuais do sexo masculino, nos Estados Unidos e Europa. A partir daí, essa doença, considerada predominantemente americana e rica, invade com sensacionalismo os meios de comunicação e o quotidiano dos homossexuais brasileiros. Os jornais especulam sobre o “câncer gay”, ou simplesmente “peste gay”, já que a doença vem atacando sobretudo homossexuais, no mundo todo. (TREVISAN: 2007, 430).

A chegada da AIDS no Brasil pode ser tratada enquanto marco histórico. Divisa de um antes e depois. Responsável por dizimar dezenas de indivíduos, das mais variadas orientações sexuais, também foi responsável por trazer à tona a causa homossexual. Ao mesmo tempo em que travou um preconceito e superexposição do grupo, forçou instituições que até então o ignoravam a incorporá-lo não só no discurso, como também nos planos de ação. O Governo, por exemplo. Não bastava apenas considerar os homoafetivos enquanto grupo existente, fazendo-se necessária a criação de políticas, campanhas e programas de saúde direcionadas para minimizar os danos provocados e prevenir eventuais contaminações até então. Pela primeira vez, viu-se a necessidade de segmentação do discurso, de abordagem e reconhecimento. O grupo, até então visto por uma perspectiva unificada e homogênea, mostrou suas várias feições dentro de um espectro que envolvia “homens que fazem sexo com outros homens” (HSH)1, não se declarando homossexuais até mesmo os travestis. A luta contra a AIDS e a luta pelo direito à livre expressão social da homossexualidade se unificaram. Graças à AIDS, nunca se falou tão abertamente da homossexualidade, o que trouxe efeitos positivos para a luta dos direitos homossexuais e sua necessária visibilidade social. No entanto, o movimento homossexual correu o risco e em muitos casos resultou demasiadamente atrelado à luta contra AIDS, restringindo sua ótica e seu espaço. (TREVISAN, 2000: 370).

1

Conceito estabelecido pela Coordenação de Sangue e Derivados do Ministério da Saúde em 1993.

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Tal como uma bomba-relógio, a AIDS parece ter eclodido um verdadeiro boom gay. “A AIDS nada criou. Ela está exacerbando elementos que as convenções sociomorais não deixavam aflorar à luz do dia. In peste veritas: na peste, o momento da verdade” (TREVISAN, 2007: 436). A sociedade se enfrentava ante a expansão da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. E não só a essa frente, mostrava-se ainda contaminada pela doença do preconceito. A “peste gay” colocou em xeque e escancarou para a sociedade a dimensão de um grupo que sempre se manteve recluso. O Brasil se via obrigado a sair do armário. Preconceitos e estereótipos confrontavam-se com a militância. Mais que carregar o vírus, o sujeito contaminado recebeu uma marca simbólica que o colocou ante o paradoxo de vítima e culpado. De fato, graças à AIDS, qualquer cidadão(ã) de todas as idades, nos locais mais distantes e independentemente de sua orientação sexual, pôde se informar, de maneira inédita, pelo constante impacto, o que é ser homossexual, como se pratica a homossexualidade e, mais ainda, onde os homossexuais se encontram. (TREVISAN, 2007: 463).

A homossexualidade nunca se mostrou tão acessível. Abria-se para experimentação e esclarecimentos. E como doença, a AIDS se configurava em uma perspectiva metafórica: ao mesmo tempo em que puniu, dizimando e vestindo uma carapuça do preconceito nos homossexuais (apontados enquanto grupo de risco), os tirou das “trevas”, transformando-os em “algozes da humanidade” (NUNAN, 2003: 56). O preconceito germinava sobre si mesmo a semente para sua cura. Ao mesmo tempo em que ganhava páginas e notícias em função da epidemia, colocava-se em questão a homossexualidade. Suscitava-se um debate, uma aproximação e até mesmo uma identificação entre as partes. A mobilização não veio apenas no sentido de combater e conscientizar a respeito do problema. Mobilizava-se por um prol em comum, ligados por interesses, sentimentos e visões semelhantes. Surgia o sentimento de orgulho. É preciso não ser homossexual, mas sim, buscar encarniçadamente ser gay. Interrogar-se sobre nossa relação com a homossexualidade é antes de tudo desejar um mundo onde essas relações sejam possíveis, mais do que simplesmente ter o desejo de uma relação sexual com alguém do mesmo sexo. (FOUCAULT, 1982: 24).

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CAPÍTULO 3 . Débito, bee!

Maria vendia chocolates nos bares de Belo Horizonte, até que se deparou com um estabelecimento em que pessoas do mesmo sexo trocavam carinhos. A denominação gay friendly2 pode não estar na cabeça da comerciante, mas com certeza ela soube captar a mensagem. As barras de chocolate deram lugar a formatos de genitais masculinos e femininos. Maria não podia deixar passar aquela oportunidade de conquistá-los. E assim o fez. Tais como Maria, várias empresas vêm ampliando seus stakeholders ou até mesmo se reposicionando com o intuito de atender o público homossexual. Excluído durante anos, o grupo se redimensionou em uma perspectiva do consumo. Na era do capital e da busca ostensiva pelo lucro, os homossexuais constituíram uma verdadeira oportunidade para os mercados. Definir os homossexuais como público tem se mostrado uma tarefa extremamente árdua. No Brasil, até então, não existem pesquisas relevantes sobre o comportamento e o perfil do consumidor homoerótico. As poucas realizadas se baseiam em subgrupos específicos do mercado homossexual, sobretudo em um público de alto grau de escolaridade, renda elevada e usuários de Internet (ALSOP & FONTANA, 2000).

2

Referência a lugares, políticas, pessoas e instituições que desenvolvem atividades envolvendo membros da comunidade

LGBT.

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A partir de 2007, o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu uma pergunta sobre orientação sexual em suas pesquisas. Essa foi a primeira vez que a entidade adicionou o item “companheiro do mesmo sexo” no questionário de um censo brasileiro. As demais pesquisas, não desenvolvidas por órgãos “oficiais”, foram realizadas em ambientes e situações diferentes como sites voltados para o público homossexual, manifestações populares (paradas LGBT realizadas em todo o País), dentre outras. Em geral, essas pesquisas3 revelam o consumidor homossexual geralmente com renda acima da média, relativamente bem-educados, com maiores proporções de renda disponível e maiores probabilidades de serem urbanos. Geralmente salienta-se que viajam bastante, desejam produtos ou serviços de qualidade duradoura, se interessam por áreas e expressões artísticas. Além de terem mais conhecimento das questões sociopolíticas do que seus correspondentes heterossexuais, gastam consideráveis proporções de dinheiro com vestuário. A demografia da homossexualidade brasileira não pode ser interpretada de forma literal. Nesse sentido, o público homossexual não pode ser aglomerado em sua totalidade dentro de uma única classe de avaliação simplesmente por serem homossexuais. Seria o mesmo que aglomerar todos os heterossexuais em um único grupo, o que não se faz, justo por se entender que existem inúmeras diferenças entre esses indivíduos. O desejo sexual homoerótico não os torna iguais, pois entre eles também há especificidades como no público heterossexual, bem como escolaridade, renda, classe social, raça, credo, faixa salarial, nacionalidade, regionalismos, etc. Os homossexuais também devem ser representados por variáveis psicográficas. Ligados ao conceito de grupo social, enfatiza-se a ideia da heterogeneidade inerente a cada um deles. Com base nas definições de Bourdieu, em cada grupo social (espaço), o indivíduo se ligará por uma semelhança ou traço em comum, mas, de forma geral, cada indivíduo pertencente a um determinado grupo é único, necessitando dessa individualidade. A unicidade dos indivíduos determina o estilo de vida de cada um, isto é, a forma pela qual uma pessoa ou um grupo vivenciam o mundo e, em consequência, se comportam e fazem escolhas. O que define os elementos que compõem o conjunto simbólico a que se chama de estilo de vida é, basicamente, sua distância (dos elementos) em relação às necessidades básicas desses indivíduos.

3

Dados referentes aos estudos realizados pela Universidade Paulista, Instituto Brasileiro de Opinião Pública e pelo site

MixBrasil (2008).

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"Necessidades básicas" são aquelas que determinam, minimamente, a sobrevivência dos homens: comida, abrigo, etc. No entanto, se comer é uma necessidade, o modo como se come, a escolha que se faz entre os diferentes tipos de comida ou, ainda, o uso de talheres e a opção que se faz entre diferentes tipos e materiais destes são indicadores de valores que constituem estratégias de distinção no meio social. Portanto, o uso de talheres de plástico, prata, ouro, madeira, inoxidáveis, etc. pode revelar anseios, práticas, adesão a valores e estratégias de distinção numa dada sociedade. Do mesmo modo, se é preciso tomar banho, a escolha entre o sabonete das estrelas de cinema ou o "Abre-Caminhos do Amor" é significativa. Nesse sentido, os elementos que preenchem os critérios de livre escolha, como os estéticos, artísticos, religiosos e outros, passam a ser significativos para a definição do estilo de vida de um dado grupo. (AMARAL, 1992: 35).

Nessa perspectiva, o público homossexual passa a ser observado pela multiplicidade de coletivos, representados pelos conjuntos de preferências diferenciadoras que se expressam na lógica de cada um dos microespaços simbólicos: vestimentas, linguagem, postura, consumos, entre outros critérios condicionadores do estilo de vida. Os recursos gerados pelo consumo de bens e serviços por esse público ganhou cor. Nos anos 90, o pink money4 chegou ao Brasil. O surgimento de um mercado especializado e direcionado para o público homossexual foi tardio, se comparado a países como Estados Unidos. Nos Estados Unidos, um levantamento feito pela consultoria Witeck-Combs Communications e pela empresa de pesquisa de mercado Packaged Facts estima que o poder aquisitivo de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais do país chegue neste ano à casa dos US$ 712 bilhões. E mais: como a tendência tem sido de crescimento contínuo, a projeção é de que esta cifra ultrapasse US$ 835 bilhões em 2011. No Brasil, não há estimativas tão precisas. Mas trabalha-se com a hipótese de que os homossexuais correspondam a 10% da população economicamente ativa e, por baixo, movimentem algo em torno de US$ 111 bilhões. (REVISTA DOM. 8ª edição. São Paulo, 2008: 36 – 37).

Diversos fatores históricos e políticos, conforme retratados no capítulo anterior, justificam o recente amadurecimento do pink money no Brasil. Paralelamente às discussões sobre questões relacionadas a esse público – como uniões estáveis entre parceiros do mesmo sexo e combate à homofobia –, uma parcela do mercado se atinou para atender às necessidades dos homossexuais. Era necessária uma avaliação por parte das empresas, para se adequar às demandas do público. Em uma sociedade marcada pelo conservadorismo, na qual os homossexuais são excluídos e apontados como “maléficos”, a associação entre o grupo e a empresa oscila entre o medo de perderem os consumidores heterossexuais e a aposta nos novos clientes. A partir dos anos de 1990, diversas empresas passaram a anunciar para o público homossexual. Eclodia-se um boom gay acompanhado pelo surgimento de produtos e serviços específicos para esse grupo: bares, saunas, agências de viagem, hotéis, spas, academias de ginástica, curso pré-vestibular, estação de rádio, lojas, festivais de cinema, locadoras de vídeo, agência de

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Expressão utilizada para designar o dinheiro proveniente da comunidade homossexual.

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casamento, feiras de moda alternativa, organização de festas rave e sites na Internet (MARTINS, 2001; PONCE DE LEON, 2001). Multiplicidade esta que se faz expressiva em números. De 1998 a 2003, o Brasil contava com mais de 200 empresas especializadas no consumidor homossexual e responsáveis por um faturamento de R$ 150 milhões ao ano (NUNAN, 2003). Segundo Trevisan, a década de 1990 assistiu a uma definitiva inserção dos homossexuais no mercado. “A efervescência mercadológica produziu, no Brasil, um novo empresariado homossexual com perfil mais definido e profissionalizado que, de um modo ou de outro, acabou aproximando as lutas pelos direitos civis dos seus consumidores.” (TREVISAN, 2004: 367). Depois de reunir 2 mil pessoas em 1997 e 7 mil em 1998, em junho de 1999 a 3ª Parada do orgulho LGBT fez desfilar pelas avenidas de São Paulo entre 20 mil e 30 mil pessoas – um fenômeno inédito no País, acostumado a ter os corpos homossexuais no anonimato. De acordo com a Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, em 2008, a manifestação reuniu 3,4 milhões de pessoas, dos quais 327 mil eram turistas. Esses visitantes foram responsáveis por gastar de R$ 180 milhões a R$ 200 milhões no comércio local, fora despesas com transporte e hospedagem (SPTURIS, 2008). Graças a tais números, a Parada é considerada atualmente o maior evento de São Paulo em arrecadação com turismo, perdendo apenas para a Fórmula 1, e é também o vice-campeão em número de visitantes, atrás somente da Virada Cultural. Números à parte, várias empresas têm observado o consumidor homossexual a partir de uma série de possibilidades a serem exploradas. Tais como interesses e necessidades dos clientes, critérios de segmentação foram ampliados ao se considerar a orientação sexual. Criado em 1998, o Bureau de Negócios GLS presta consultoria para empresas interessadas em adotar procedimentos de conduta e respeito à diversidade. Parceiros do Bureau nos projetos de adequação e qualificação de atendimento ao cliente homossexual, o Banco Real criou uma linha de financiamento para casais do mesmo sexo. Seguindo uma tendência que vem se espelhando pelo mundo corporativo, o Banco Real e companhias como as multinacionais IBM e o Grupo Accor e as brasileiras Embraer, Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal também adotaram práticas para combater a discriminação mediante concessão de benefícios para seus funcionários (MEIO & MENSAGEM, 2008: 47). A seguradora American Life resolveu apostar no pink money, ao lançar o primeiro seguro de vida para casais homossexuais. Outra empresa que segue a linha gay friendly e possui canal direto com esse consumidor é a construtora Tecnisa. Desde 2004, a companhia não só anuncia seus produtos em sites de conteúdo homossexual, como também vem desenvolvendo projetos específicos para esses clientes – que representam 12% das vendas.

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Segundo o diretor de marketing da empresa, Romeo Bussarello, o público gay demonstra bom gosto, disposição e poder aquisitivo para investir em detalhes que fazem a diferença. "Eles chegam a investir em torno de 20% do valor do apartamento nos materiais de acabamento e sempre escolhem plantas arrojadas", diz. As modificações nas plantas são inúmeras e vão desde a adoção da cozinha americana à abertura do segundo dormitório, incluindo a remodelação do banheiro da suíte, que passa a ganhar banheiras. (http://www.tecnisa.com.br/institucional-imprensa-noticiaconstrutora+paulistana+investe+no+publico+gls.html, acesso em 14 de maio de 2009)

Estimulado pelos roteiros de cruzeiros marítimos, uma das áreas da economia pioneiras nesse movimento de atrair e dar atendimento diferenciado aos homossexuais é o turismo. De acordo com a ABRATGLS (Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes), hoje são mais de 100 agências de viagens, operadores, hotéis e locadoras de automóveis interessados em atender ao segmento. Entre as empresas gay friendly, a TAM Viagens vem oferecendo e anunciando pacotes de serviços e treinamento especializado aos colaboradores a fim de prepará-los para atender esse consumidor. Para algumas empresas, assumir uma postura gay friendly está relacionada ao desenvolvimento de produtos/serviços específicos para esse público. Outras consideraram os homossexuais como stakeholders à medida que expandiram o discurso se mostrando favoráveis à causa. Por meio da publicidade, tornam sua comunicação mais abrangente e estabelecem um canal direto com este consumidor final: o corpo homoerótico. Green (1999) observa que já em 1962 a cervejaria Antarctica patrocinava oficialmente bailes gays como O Baile dos Enxutos. Trevisan (2000) acrescenta que em meados da década de 70 foram lançados dois anúncios com temática homossexual (um de perfume e outro de uma marca de creme de leite), ambos com surpreendente aumento de vendas. (NUNAM, 2003: 189- 190).

Apesar do crescimento de peças publicitárias direcionadas ao público homossexual, observase que, na maioria dos casos, a tarefa de anunciar é realizada sutilmente. Por receio de que a

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associação entre o anunciante e os homossexuais seja interpretada de forma negativa pelos demais clientes, a estratégia não visa especificamente àqueles que demonstrem preferência sexual pelo mesmo sexo. A construção do apelo imagético e visual é sutil, mantendo uma sensibilidade para não ofender o público heterossexual. Em 1994, o jornal Folha de São Paulo seguiu esse posicionamento e criou a peça “Namorados” como parte da campanha “O mundo está mudando. É melhor você começar a ler Folha”. No comercial, o filho apresenta seu namorado aos pais.

Um anúncio com temática similar, veiculado em 1996, é o “Pai & Filho”, das camisinhas Jontex. Nessa peça, pai e filho se encontram em um quarto de sauna, um ícone da cultura homoerótica, conversando sobre sexo seguro. Em seguida, o pai questiona quando poderá conhecer o genro. Sexo seguro também é tema do anúncio “Namorado”, veiculado pelo Ministério da Saúde em 2002, no qual a família de um jovem homossexual o apoia quando este rejeita um namorado que não quer usar preservativo. Desde então e ainda funcionando como reforço educativo para prevenção da AIDS, outras peças destinadas para esse público foram criadas. Em 2008, fazendo referência ao filme Beleza Americana, foram criados materiais trazendo a imagem de um rapaz nu deitado sobre um monte de camisinhas com algumas cobrindo seu corpo e os dizeres "Faça o que quiser, mas faça com camisinha". Na ocasião das Paradas de Orgulho LGBT, a Rádio Sul América 92.1 FM criou peças para divulgar o serviço de

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informações de trânsito com referências da fala e estilo de alguns integrantes da comunidade homossexual. Em um dos anúncios, a utilização da palavra “lou-cu-ra”, separada em sílabas, remete a forma pausada e afetada que é pertinente a alguns indivíduos homoeróticos (GUAZINA, 2008: 22).

A pomada antibiótica Nebacetin, produto fabricado pelo laboratório farmacêutico Nycomed Pharma, veiculou um comercial que enfoca a nova configuração das famílias. Com slogan “As famílias mudam; o jeito de cuidar, não”, apresenta dois homens indicados com o termo “pai”. De mãos dadas, um deles carrega o filho.

3.1 “As gueis” nas bancas O desenvolvimento de uma imprensa homossexual no Brasil é anterior ao surgimento de um mercado especializado para esse público. Ao longo da história, as produções editoriais destinadas a esse consumidor oscilaram entre o erótico e o comportamental, mesclando, em alguns casos, características de um e outro. Ainda que o mercado editorial brasileiro se resuma a poucos títulos, a presença do corpo homossexual em publicações nacionais é bem antiga. Na condição de produções discursivas, foram responsáveis por representar os anseios e desejos desses sujeitos à época em que foram publicadas, materializando padrões e comportamentos do grupo. A primeira revista responsável por abordar matérias sobre os homossexuais no início do século XIX data de 1911. Intitulada O Malho, publicou a foto de um homem vestido de mulher na matéria “Ele

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ou ela?”, expressando as ansiedades sobre a ambiguidade de gênero. Paralelamente, o Brasil observava o surgimento e fortalecimento do dandismo, movimento de reação à estética e moral burguesa. Membros da aristocracia, os dandys apareceram em cena desde meados do século XIX. Sem preocupações com o trabalho, eram verdadeiros flâneurs da cidade. Assumiam modas extravagantes, muitas vezes efeminadas, como forma de rebeldia à uniformização massificante do capitalismo industrial. (FIGARI, 2008: 291-292).

Vivia-se uma época em que a figura do dandy era associada à homossexualidade e O Malho era, justamente, voltado para esse público. Em 1914, a revista Rio Nu, especializada em erotismo heterossexual, publicou, pela primeira vez no País, um conto pornográfico homoerótico, “O menino do Gouveia”. Em quinze páginas, a matéria também trouxe a ilustração de dois homens fazendo sexo. Até os anos de 1950, em função da inexistência de materiais homoeróticos, consumiam-se revistas de fisiculturismo, tais como Força e Saúde e Músculo, para ter contato com fotografias de homens mostrando seus corpos seminus. Em 1963, surgiu o jornal O Snob. Resultado de reuniões e espaços de socialização dos grupos de homossexuais, a publicação redigida pelo pernambucano Agildo Guimarães continha fofocas, entrevistas, notícias e concursos de contos. Um jornal caseiro, feito pelos amigos e para os amigos, a princípio, que foi logo sendo trocado com outras turmas de homossexuais. Distribuído informalmente e quase sempre de forma gratuita, trabalhou no intuito de divulgar os ideais do recente movimento homossexual brasileiro e acabou rendendo 99 edições regulares. O Snob também recebia colaborações de amigos e grupos de outros estados. Por tratar de temas relacionados aos homossexuais daquela época e ser redigido por esse grupo, os leitores viam seus gostos, hábitos, particularidades como gírias, personalidades e espaços de socialização materializados nas páginas da publicação. Em 1969, deixou de ser impresso sob pressão do regime militar, inspirando o surgimento de mais de 30 publicações similares por todo o País: O Estábulo e Os Felinos, de Niterói; Subúrbio à Noite (cujo símbolo era uma locomotiva); Fatos e Fofocas, um primeiro jornal artesanal produzido em Salvador, na Bahia, por Di Paula; e Le Femme, de Anuar Fará, que já era de caráter impresso. Na mesma época, é lançada na Bahia a Gay Society e, no Rio de Janeiro, a O Centro, precursoras de revistas de notícias para os homossexuais. No entanto, a difusão de publicações voltadas para esse público só aconteceu nos anos de 1970. Naquele contexto, alguns jornais tradicionais publicavam “colunas” dirigidas ao homossexual, tais como a Gay Power, no jornal Já, e a “Coluna do Meio”, no Última Hora.

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Em 1976, com a liberação do clima político, antigos colaboradores de O Snob fundam Gente Gay, a “primeira de uma nova onda de publicações que marcam o início de um movimento politizado de gays e lésbicas no País” (Green, 1999: 314). Inicialmente informal, o sucesso da publicação fez com que os editores investissem em uma circulação nacional que significou o fim do informativo. O mesmo destino teve outros materiais similares: Entender, Gay Society e Mundo Gay. O surgimento do jornal Lampião da Esquina, em 1978, fundou a imprensa homossexual no Brasil e começou a construir a afirmação do grupo utilizando um discurso próprio, grafando a palavra gay de modo abrasileirado (guei) e mostrando, a partir do humor, temas relacionados à época. Onze homens maduros, alguns muito conhecidos e respeitados intelectualmente, metiam-se num projeto em que os temas tratados eram aqueles considerados “secundários” – tais como sexualidade, discriminação racial, artes, ecologia, machismo – e a linguagem empregada era comumente a mesma linguagem desmunhecada e desabusada do gueto homossexual. Além de publicar roteiros de locais de pegação guei nas principais cidades do País, nele começaram a ser empregadas palavras proibidas ao vocabulário bem-pensante (como viado e bicha), de modo que seu discurso gozava de uma saudável independência e de uma difícil equidistância – inclusive frente aos diversos grupos de esquerda institucionalizada. Tratava-se de um jornal que desobedecia em várias direções. (TREVISAN, 2007: 339).

Com título aludindo à figura do cangaço (além de sugerir a vida homossexual de rua), o jornal buscou uma proximidade com o leitor, para que ele reconhecesse o Lampião como uma instituição confiável, legítima e digna de credibilidade. Três anos após sua primeira edição, o Lampião acabou em decorrência de disputas políticas entre os seus editores, responsáveis por descaracterizar o jornal, provocando quedas nas vendas. Sem conseguir anunciantes e sofrendo efeito da desaceleração econômica, foi extinto em julho de 1981 (HIGGS, 1999). Depois do fim de Lampião, a iniciativa de criar um novo veículo de comunicação impresso sem apelo erótico ressurgiu apenas na década de 1990, com a revista Sui Generis. Criada pelo jornalista Nelson Feitosa, em 1994, a revista buscou, desde o início, fugir da pornografia, marca registrada de qualquer publicação homossexual de grande porte até então, para investir numa fórmula com ênfase em temas de cultura, comportamento e moda. Na Sui Generis, um dos fatores mais importantes no seu perfil editorial é a sua perspectiva do que significa ser gay, a sua postura com relação ao preconceito, à necessidade de “assumir-se gay”, ou de “sair do armário”, assim como em relação à dinâmica do desejo homoerótico. A revista é muito mais militante no tocante à autoestima (...), assumindo uma postura bem próxima aos movimentos gays norteamericanos de busca de uma identidade unívoca e coesa. (MONTEIRO: 2000, 2 – 3).

Direcionada aos homossexuais de maior poder aquisitivo, a revista começou com 34 páginas e tiragem de 1.500 exemplares. Dez meses após seu lançamento, alcançou uma tiragem de 30.000 mil exemplares, o mesmo que a revista Vogue naquele ano (SOARES, 2000).

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Em suas 55 edições, manteve um mix de moda, cultura, artes, política, serviços e tudo o que tivesse ligação com o público GLS no Brasil e no mundo. O mercado foi obrigado a reconhecer o poder de consumo desse grupo, mas em abril de 2000 a revista sucumbiu às novas exigências desse mercado, que apostou em nus e conteúdo mais sexualizado. (REVISTA JUNIOR, 2009: 43). A revista era a única opção real e, até então bem-sucedida, de anunciantes de peso veicularem campanhas sem o preconceito ou repúdio a fotos eróticas ou vulgares de homens nus. (SOARES, 2004: 94)

Entre os títulos publicados em 2000 estão as revistas Dignidade e Somos. Em 2002, foi lançada a revista Question. Voltada para moda e política, não se direcionava exclusivamente para o público homossexual. Alguns meses depois, surgia a Uber – “uma revista de comportamento GLS”, adotando uma linha editorial que mistura comportamento, moda e nu masculino. Com relação às publicações com fotos de nus masculinos, podem-se citar, primeiramente, as revistas Spartacus e Alone, surgidas entre as décadas de 1960 e 1970. Em abril de 1997, chegava às bancas de todo o País a Bananaloca, revista paulista que, depois de algumas edições, foi transformada na G Magazine. Dirigida aos homossexuais masculinos, tornou-se conhecida do grande público ao convidar personalidades famosas para posarem nuas. Além das fotos de nudez frontal, a publicação também trazia informações sobre lazer, cultura, conteúdos noticiosos e colunistas.

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Com seus nus radicalmente sexuais, a G Magazine abriu portas nunca sonhadas pelos militantes da visibilidade homossexual: mediante tiragens médias de 90.000 exemplares, que chegaram a atingir o pico de 150.000, o país inteiro podia conferir seus ídolos em poses explícitas ao gosto de outros homens, numa revista assumidamente guei. (TREVISAN, 2007: 375).

Em 1997, a mesma editora da Sui Generis lançou a revista Homens. Tratava-se de um produto que abordava o nu de outra maneira, em que a maior parte do conteúdo é composta por ensaios fotográficos de nu masculino. Além de fotos, também trazia contos e quadrinhos eróticos em cada número. Algumas entrevistas, matérias investigativas e classificados eróticos completavam a fórmula editorial. Entre as demais publicações de conteúdo sexual, citam-se: Gold, Porn, Sex Symbol, Sodoma (a primeira revista nacional a mostrar sexo explícito entre homens) e Top Secret (fotonovela homossexual da editora Fractal, a mesma da G Magazine), entre outras (NUNAM, 2003: 185). A partir do final de 2007, o mercado editorial brasileiro observou a retomada das chamadas publicações homoeróticas light: Junior, Dom – De Outro Modo e Aimé. Diferentes da linha de G Magazine¸ as revistas se propuseram a ilustrar o corpo homossexual sem abordá-lo sob uma perspectiva pornográfica, seguindo uma proposta editorial semelhante à Sui Generis. Lançada em setembro de 2007, a publicação Junior se apresentou “assumida, sem ser militante, sensual sem ser erótica, cheia de homens lindos, com informação para fazer pensar e entreter”. Em dezembro de 2007, mês em que a segunda edição da Junior chegava às bancas, lançava-se a DOM – De Outro Modo. Classificado como projeto voltado ao público masculino homossexual, a revista, que buscou inspirações em uma extinta publicação do gênero – a brasileira Sui Generis –, se diz “heterofriendly”, pois “festeja e agrega a diversidade independente de orientação sexual. (...) Sua fórmula editorial mescla comportamento, moda, cultura, beleza, bem-estar, gastronomia, viagem e tecnologia”. Seguindo o mesmo gênero, a revista Aimé surgiu em abril de 2008 com periodicidade mensal. Editada pela Lopsos e com tiragem de 30.000 exemplares, além dos temas relacionados à moda, comportamento e viagens, também aborda questões relativas à “saúde preventiva e psicológica”, nas palavras da editora Ana Maria Sodré.

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Foi-se o tempo em que era preciso comprar revista de fisiculturismo para ter contato com algum material homoerótico. Hoje, as bancas de jornal não têm mais pudores para abrigar seus poucos títulos voltados para o público gay. O mercado editorial direcionado para o homossexual masculino se reinventa. O corpo homoerótico passa a ser abordado a partir de elementos que preenchem os critérios de livre escolha, como os estéticos, artísticos, religiosos e outros – variáveis responsáveis para definição do estilo de vida de um dado grupo. Títulos eminentemente eróticos, de natureza até mesmo pornográfica, passam a dividir prateleira com publicações comportamentais. Produzidas e direcionadas para um determinado grupo de leitores, alimentam-se editorialmente de variáveis que aproximem as preferências do corpo homoerótico e gerem uma identificação com os conteúdos publicados. Em 1999, o instituto L2 Pesquisas e Comunicação realizou um estudo com o intuito de traçar o perfil do público homossexual masculino paulistano, a fim de verificar o envolvimento e relacionamento destes com a mídia, inclusive com veículos voltados para esse segmento. Ao interpretar e definir o perfil do consumidor homoerótico, é preciso considerar as especificidades do meio no qual as informações estão sendo coletadas. A partir daquele recorte, os resultados apresentarão particularidades referentes àquele grupo, e não a “generalidade” que possui preferência sexual por parceiros do mesmo sexo. De acordo com os resultados apresentados, o público homossexual é voltado ao lazer e informação. São jovens, possuem entre 18 e 29 anos e pertencem, majoritariamente, às classes A (51%) e B (36%), segundo o critério Brasil. Observou-se uma predileção por meios interativos, como a Internet, e oportunidades de contato pessoal, bem como festas, vernissage, museu, cinema, teatro, etc. O hábito de leitura é recorrente entre os pesquisados: 56% costumam adquirir livros, tendo comprado, em média, nove livros

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nos últimos 12 meses; e também costumam ler jornais e revistas. Gostam de frequentar livrarias da “moda” que ofereçam, principalmente, livros de arte. Na ocasião, a revista foi citada como veículo que consegue maior intimidade com o público, apesar de haver timidez em comprar esse tipo de publicação nas bancas. A G Magazine foi eleita como a revista que melhor expressa o mundo homossexual, uma vez que oferece informação (materiais) e lazer (fotos de homens nus). Com uma média de dois leitores por edição, as revistas compradas pelos homossexuais são compartilhadas com amigos. Apesar de a revista G Magazine alcançar uma penetração – de compra – apenas na metade do segmento estudado, os compradores da revista são fiéis: 38% compram a revista mensalmente. 77% dos compradores da G Magazine compram a revista pelo menos uma vez em cada três meses, independentemente de a revista apresentar fotos de algum homem famoso. (MARIANO, 1999: 28).

Em relação aos hábitos de lazer, é fundamental para os homossexuais estarem sempre informados sobre tendências e vanguardas no mundo cultural e da moda. Além de programarem constantes viagens de lazer, têm alta frequência em espaços de artes, como cinemas, teatros e museus. A preocupação com a estética é forte no segmento. Corpo com músculos definidos é o que todos procuram. Logo, musculação tende a ser o esporte mais praticado entre os homossexuais entrevistados. A qualificação desses consumidores também pode ser observada no que diz respeito ao consumo de produções midiáticas. O jornal Folha de São Paulo é o mais lido. Quanto às revistas, as que têm maior penetração junto ao público são: Veja (84%), Caras (31%) e IstoÉ (29%). Gostam de visitar “amigos virtuais” em salas de bate-papo do portal UOL e responder aos anúncios, com a intenção de fazer novos amigos e contatos. Navegar na Internet para esses corpos é, além de fonte de informação, meio para relacionamento pessoal. As marcas mais presentes no cotidiano dos homossexuais pertencem ao setor de cosméticos e vestuário, confirmando a preocupação desse público com a estética. Entre as mais consumidas, destaque para Natura (15%), Ellus (12%), M. Officer (12%) e Boticário (12%). Na opinião dos entrevistados, não basta apenas anunciar em revistas especializadas, se fazendo necessário o estabelecimento de um relacionamento entre as empresas e o consumidor homoerótico.

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CAPÍTULO 4 . Coletivo homossexual textualizado

As representações dos grupos homossexuais têm ganhado contornos distintos. Em tempo algum, a visibilidade foi tão grande, seja de modo favorável ou contrário. O discurso sobre o coletivo adquire direções bastante específicas. De acordo com Villaamil (2004), a expansão das cidades, a transformação na vida urbana, os fluxos migratórios, o turismo e o estabelecimento de mercados emergentes favoreceram a consolidação de uma cultura e estilo de vida homoerótico. Em um panorama diverso, é possível identificar coletivos distintos de homossexuais com um estilo de vida comum. Pode-se, ainda, perceber narrativas similares desses grupos a partir de gostos, de marcas, de lugares, de modos de ver e de vivenciar a sociedade. Atentos à dinâmica, os mercados passam a investir na ampliação de espaços homossexuais, seja nas relações de trabalho, no âmbito familiar, nos lugares de entretenimento e nos media (MENDONÇA, 2007: 127). Os homossexuais criam veículos de comunicação que tratam de seu modo de vida, com o intuito de formar opinião e divulgar informações de interesse do público. O surgimento de Junior e DOM – De Outro Modo nos revela, em certa medida, como esse coletivo se apresenta hoje. Os elementos que compõem o texto verbo-visual, tal como a proposta

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editorial dos veículos, o público que se deseja atingir, o perfil dos anunciantes, o padrão gráfico, os temas, abordagens das reportagens, entre outros, determinam a linguagem pela qual os meios pretendem atingir os leitores. Assim, O texto verbo-visual das revistas analisadas é um produto da crença em um estilo de vida homossexual, cultuado por um certo coletivo, conjugado a uma perspectiva do consumo que pretende estabelecer quais são os parâmetros para se pertencer àquele estilo de vida. (MENDONÇA, 2007: 144).

É preciso identificar o segmento ao qual esses materiais se destinam para estabelecer vínculos de proximidade. Ao organizarem alguns dos muitos discursos da vida homossexual, geram uma identificação com a experiência dos leitores, isto é, o modo como vivenciam, suportam a vida, se conhecem, se organizam e produzem cultura. Os anunciantes também constituem uma variável na definição da proposta e dos leitores. No entanto, elementos como a linha editorial, a qualidade gráfica, o tratamento das reportagens, o grupo de colaboradores e articulistas presente no corpo editorial, entre outros, são responsáveis por determinar o perfil de quem anuncia (MENDONÇA, 2007: 143).

4.1 Homoerotismo light em algumas propostas O surgimento da primeira publicação de homoerotismo light aconteceu na década de 60, nos Estados Unidos, com o lançamento da The Advocate. No entanto, a expansão, ainda que concentrada na América do Norte e Europa, aconteceu nos anos 90. Lançava-se OUT (EUA), Genre (EUA), DNA (Austrália), Têtu (França), Gus (Bélgica) e Attitude (Inglaterra).

No Brasil, não foi diferente. Em 1978, o jornal Lampião de Esquina, com a proposta de combate aos ideais reacionários, circulou até 1981. A lacuna deixada só veio a ser preenchida na

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década de 90, com a publicação Sui Generis. A revista, desde início, buscou fugir da pornografia, marca registrada de qualquer publicação segmentada para esse público até então, buscando investir numa fórmula mais próxima à dos títulos semelhantes do exterior, classificados como homoerotismo light. O ressurgimento de publicações brasileiras semelhantes à categoria ocorreu no final de 2007, a partir dos títulos Junior e DOM – De Outro Modo.

4.2 Revista Junior Com tiragem de 30 mil exemplares, periodicidade trimestral e distribuição nacional, Junior chegou às bancas em outubro de 2007. Impressa pela Editora Sapucaia, foi comercializada por R$ 12,00 e marcou, segundo várias notas publicadas na ocasião, o “fim da hegemonia em um segmento dominado pela G Magazine”. Hoje, com tiragem de 22 mil exemplares, é distribuída bimestralmente pela Editora Mix Brasil para 150 cidades brasileiras e Portugal. Editada pelo jornalista André Fisher, diretor-executivo do grupo Mix Brasil5, a revista apresentou-se “assumida sem ser militante, sensual sem ser erótica, cheia de homens lindos, com informação para fazer pensar e entreter” (FISHER, 2007). Inspirada nas estrangeiras OUT e Têtu, a proposta de Junior, de acordo com o portal Vox Editora, é “anunciar novos padrões de comportamento e levar informações de moda, cultura e entretenimento para os gays”.

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Mix Brasil é a maior organização GLS da América Latina. Responsável por portais de conteúdo homossexual com cerca

mais de 900 mil visitantes mensais, o site XXY, além de uma rádio web e outros oito sites dentro desse segmento. Também organiza o Festival Mix Brasil de Cinema e Diversidade Homossexual. Em 2008, a 16ª edição do evento, que começa em São Paulo e segue em turnê para outras cidades brasileiras, reuniu cerca de 25 mil pessoas nas sessões de cinema, teatro, shows, música, oficina de roteiro e debates.

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Uma revista gay, não erótica. A princípio, Junior surgiu com a mesma fórmula da Têtu, um mix de moda, comportamento e tendências. Acho inclusive que a Têtu tem conservado muito bem a sua fórmula editorial desde o surgimento. Hoje, eu já acredito que a Junior tem mais a cara da Crep, também francesa. Diferente da Têtu, ela não explora nu, é mais conceitual, tem matérias mais interessantes. Em relação às outras, julgo a The Advocate uma revista política e a Out não tem a cara da Junior (FISHER, André).

Para divulgar a nova publicação, além de publicidade no portal Mix Brasil, foram enviadas cartas aos jornaleiros explicando a proposta e a categoria em que o material se encaixava. Esse público exerce um importante papel na cadeia de vendas, já que é responsável por informar ao leitor sobre o produto e esclarecer eventuais dúvidas sobre a revista. Com o intuito de avaliar a percepção desses comerciantes em relação à revista Junior, foram realizadas pesquisas em algumas bancas de Belo Horizonte. A seleção das bancas visitadas teve como princípio a renda média da população residente nas unidades de planejamento da capital mineira. Direcionadas para um público de maior poder aquisitivo, foram visitadas bancas de revistas das unidades Savassi e Prudente de Morais (referente ao bairro de Lourdes). Essas áreas correspondem à maior concentração de renda média, segundo informações do IBGE. Também foram visitadas as bancas da unidade Barro Preto/Francisco Sales/Centro, com o intuito de observar a distribuição desses materiais nessa área de renda mediana, complementando o diagnóstico. A definição do número de bancas visitadas aconteceu a partir do mailing da Telelistas.net. De acordo com os totais de cada região, seriam contempladas 30% das unidades. A pesquisa com os jornaleiros aconteceu em dois momentos: próximo à ocasião do lançamento da publicação, em dezembro de 2007; e em maio de 2009, visitando os mesmos estabelecimentos da primeira ocasião. Procurou-se observar a disposição da revista Junior nos espaços da banca e eventuais mudanças na compreensão da proposta editorial do veículo pelos jornaleiros no período analisado. Em um primeiro momento, foram visitadas 37 bancas. A revista Junior foi encontrada em 59,5% dos estabelecimentos. Desses, a publicação foi exposta, majoritariamente, nas sessões de moda feminina e pornografia gay. Quando questionados sobre a proposta do material, os jornaleiros a apresentaram como uma “revista de moda” ou “de homem pelado”. A incompreensão da proposta pode ser observada à medida que os materiais se encontravam lacrados em plásticos, impossibilitando o comerciante de ver o conteúdo. Esses materiais também não utilizavam expressões em suas capas, justificando para os comerciantes que se tratavam de veículos de conteúdo homossexual. Em algumas bancas, as revistas foram expostas junto de publicações de musculação. Por estamparem homens sem camisa, de torso definido em suas capas, os jornaleiros acreditaram que a

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proposta de Junior se assemelhava às revistas Super Treino, Magazine Factor, Muscle in forme, Fitness e O2, voltadas para fisiculturistas. Em maio de 2009, foram visitadas 31 bancas. Alguns estabelecimentos visitados na primeira ocasião haviam encerrado as atividades ou sido transferidos de local. Foi observada uma redução no número de bancas em que a revista Junior foi encontrada, numa proporção de 41,9%. Em relação à disposição, verificou-se uma mudança. A maioria dos jornaleiros compreendeu que a publicação é direcionada aos homossexuais, embora poucos saibam que Junior não expõe pornografia. Nesse momento, as revistas foram divulgadas em sessões de revistas masculinas ou em uma sessão própria, ao lado de outros títulos de homoerotismo light – DOM e Aimé.

Revista JUNIOR - Bancas Categoria

dez/07

mai/09

23

10

5

30

23

20

18

25

9

5

23

10

Moda feminina G loss, Make, Criativa, Corpo a corpo, Manequim, Marie Clair e, O use +!, Figurino, Boa F orma, W oman´s Health, Vogue, Noivas, TPM

Comportamento e moda masculina T rip, TO P, Men´s Health, Vizoo, UM, Vogue Homem

Pornográfia gay G Magazine

Homoerótico light DO M, Aimé

Musculação Super Treino, Defesa pessoal, Magazine Factor, Muscle in forme, O2, Fitness

Distribuição aleatória

* Dados em porcentagem (%).

O lançamento da revista Junior veio preencher uma lacuna no mercado brasileiro direcionado para publicações de comportamento homossexual. À medida que esse segmento havia deixado de ser atendido desde o fim da revista Sui Generis, a principal reação da crítica foi estabelecer comparativos. Em função da proposta editorial voltada para os homossexuais masculinos, sem apelo pornográfico e com informações de moda, cultura e entretenimento, foi comparada às revistas masculinas Trip, Men´s Health e VIP.

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Se a G Magazine pode ser comparada à Playboy para o público GLS, Junior deverá funcionar como uma Trip dentro do segmento. (http://voxeditora.typead.com/vox/2007/08/olga-krell-edit.html, acesso em 18 de dezembro de 2007). Por muito tempo li a VIP e, de uns tempos pra cá, passei a ler a Men´s Health. Sempre achei que muita coisa do que é falado nessas duas revistas interessa mais ao público G que ao HT, mas os ensaios sensuais femininos estão presentes para descaracterizar essa ideia e não perder as vendas heterossexuais. Enfim, sempre achei que deveria haver uma proposta de mídia mais direta ao público G e com ensaios fotográficos apenas sensuais e essa parece ser a proposta da Junior (http://ualmenidades.blogspot.com/2007/09/Junior.html, acesso em 17 de novembro de 2007).

A redação da Junior é, de certa forma, bastante homogênea. O trabalho realizado pelos repórteres tomava o sentido de “feito de gays para gays”. A revista assume certo tipo de “militância de mercado”, trabalhando positivamente a autoestima do leitor e se preocupando, ao mesmo tempo, em lhe vender a revista, além de uma gama de produtos associados ao estilo de vida de um determinado coletivo homossexual. Na construção das matérias, Junior utiliza diversas gírias e expressões comuns aos homossexuais. Tomando-se como exemplo a primeira edição, logo na capa identifica-se o termo “carão”. Segundo o compilado de expressões utilizadas pela comunidade LGBT, Aurélia – O dicionário da língua afiada, o termo é empregado para definir “pose, esnobação, presunção”. Esse e outros termos estão presentes na publicação com o intuito de aproximar a linguagem do veículo à do leitor.

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As cores, iluminação e tratamento das fotografias, ilustrações e disposição da informação nas páginas conferem à publicação ares fashionistas. A opção por fontes sem serifa e cores quentes garante a jovialidade do material. Ao folheá-lo, o leitor se depara com mudanças bruscas de cores e imagens, reforçando o espectro do arco-íris, símbolo do movimento LGBT. Segundo André Fisher, o leitor da revista Junior é, majoritariamente, o internauta do Mix Brasil. Na pesquisa anual de 2008, o perfil desse usuário era formado por homossexuais masculinos (96,79%), entre 18 e 30 anos (58,24%), residentes em São Paulo (36,52%). Em geral, moram com a família (48,94%), possuem curso superior (56,64%) e acessam o portal diariamente (34,07%). Com renda mensal entre R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00 (42,27%), consomem cultura com frequência, possuem cartão de crédito e costumam sair para clubes/boates pelo menos uma vez por semana (25,10%). Se eu tivesse que definir, estratificar quem seria o meu leitor, eu diria que é um gay jovem. Acontece que no mundo gay, esses conceitos são muito vagos. A jovialidade para o gay é elástica. O cara tem 50 anos e tem uma ligação muito forte com o jovem. Ele se veste como tal, frequenta os mesmos lugares, fala as mesmas gírias. Isso é completamente diferente do mundo hétero. O preço da revista já segmenta. Acredito que agente comunique pra um público mais seleto, sim. Não tem como falar pra todos, não são todos que vão pagar 12 reais na revista. Eu falo para aquele público que tem prazer de pagar 35 reais só pra entrar numa The Week6. Que tem prazer de comprar uma roupa cara, que se liga na moda, em tendências. (FISHER, André).

Em relação às características de linguagem, padrões gráficos e perfil dos leitores, outros críticos equipararam Junior à Capricho e à Revista MTV. Em grupos de discussão sobre o novo título, há uma comparação interessante: a Junior seria uma Capricho gay, em referência à famosa revista de meninas. Ou seja, o seu foco é o novo homem, os garotos que cresceram em um ambiente social mais tolerante com a busca pela igualdade de direitos, com a diversidade sexual. Para atender a essa demanda de mercado, perde espaço a abordagem tradicional dos temas preferidos da militância (como a agenda política e legislativa e denúncias de homofobia). (...) No universo da garotada desencanada, em geral da classe média urbana, "gay" e "lésbica" são apenas rótulos, que aprisionam a sexualidade e, claro, criam problemas na família, na escola e na rua. O que eles querem saber é o que comprar, o que vestir, qual o som do momento, qual a última dos seus ídolos. (http://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/destaquesgls/ult10009u331784.shtml, acesso em 18 de dezembro de 2007). A melhor comparação que vem à minha cabeça é com a Revista da MTV (...), que seguia a mesma linha: textos leves e de leitura rápida, para não entediar os consumidores adolescentes. (http://introspecthive.blogspot.com/2007/12/Junior-uma-revista-da-mtv-com-sotaque.html, acesso em 18 de dezembro de 2007).

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De acordo com o Guia GLS – São Paulo (PubliFolha), a boate paulista frequentada, majoritariamente, por homossexuais

do sexo masculino com renda igual ou acima de classe média-alta. Atualmente, possui filiais no Rio de Janeiro e Florianópolis. Os preços da entrada vão de R$ 50,00 a R$ 60,00.

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Ao se observar o conteúdo editorial, pode-se classificá-lo em categorias segundo a abordagem da matéria: artes, moda, comportamento, lugares, saúde, tecnologia, beleza e carreira. Estas, por sinal, podem ser agrupadas em três sessões: o que consomem (referente à moda, artes, lugares, saúde, tecnologia e beleza), como se comportam (em menção às matérias de comportamento) e ícones (a partir das matérias que abordam a carreira de ícones da cultura homossexual). Tomando como objeto de análise as oito primeiras edições da revista Junior, veiculadas entre outubro de 2007 e dezembro de 2008, observou-se que, na ocasião do lançamento, as matérias se destinavam, majoritariamente, as temáticas de moda e carreira de personagens ligados ao mundo homoerótico. A partir da segunda edição, notas relacionadas ao campo das artes ganharam as páginas da publicação, passando a dividir as mesmas proporções de espaço dos temas ligados à moda, comportamento e carreira. No entanto, a partir da sexta edição, notou-se uma maior veiculação de reportagens sobre lugares e espaços frequentados/destinados ao público homossexual, paralelamente à diminuição de matérias sobre personalidades da homocultura.

Revista JUNIOR - Editorias Conteúdo Artes Moda Comportamento Lugares Tecnologia Carreira Saúde Beleza

#1 7 31 19 3 2 31 0 7

#2 20 25 19 4 3 24 2 4

#3 22 39 23 2 0 12 0 2

#4 13 41 20 9 0 14 0 4

#5 16 33 20 3 0 20 3 4

#6 20 28 17 9 2 16 0 4

#7 18 32 12 6 4 18 2 8

#8 36 21 10 20 3 6 0 4

* Dados em porcentagem (%).

Revista JUNIOR - Editorias Macrocategoria O que consomem? Como se comportam? Ícones

#1 50 17 33

#2 60 17 23

#3 65 24 11

#4 66 18 16

#5 60 22 17

#6 63 17 20

#7 70 12 18

#8 85 10 5

* Dados em porcentagem (%).

Em geral, o conteúdo veiculado pode ser agrupado em uma categoria referente ao que os homossexuais consomem, seja em moda, artes ou lugares. No tocante aos editoriais de moda, por exemplo, percebe-se a predominância de marcas destinadas ao público com maior poder aquisitivo, tais como: Dior, Armani, Diesel, Calvin Klein, VR, Osklen e Alexandre Herchcovitch.

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Em relação às artes, a maioria das sugestões culturais se limita à Praça de São Paulo. O mesmo acontece com as opções de lugares de entretenimento ou comerciais. Normalmente sediados na capital paulista, constituem espaços localizados em bairros nobres da capital e frequentados por clientes de maior renda, como a sauna 269, a clínica de estética Maison Depil e o restaurante L’Open. Essas editorias também costumam apresentar roteiros turísticos para viagens internacionais, hábito comum entre aqueles de elevado poder aquisitivo, como Hong Kong, Barcelona, Ibiza, Sitges, Saint-Germain, Cape Town, Berlim e Amsterdã. Em relação às capas, observou-se a preferência por planos que valorizem o dorso do modelo, normalmente apresentado de maneira desnuda. Nas oito primeiras edições, sete utilizam o posicionamento fotográfico em plano americano. Destas, cinco trazem modelos exibindo seus peitorais nus. Em geral, esses modelos pertencem à categoria new faces, utilizada para fazer menção às novas caras da moda. Desconhecidos pelo grande público, seguem o padrão de beleza grega, citado no primeiro capítulo. De etnia caucasiana, possuem estatura acima de 1,80 metro, tórax definido e corpos esculpidos pela musculação. A pós-modernidade possui uma aura feminina, afirmou Michel Maffesoli. Na vida urbana, os homens de classe média e alta passaram a valorizar os chamados “comportamentos sensíveis”. Homens mais delicados e dedicados às suas relações afetivas, bem como preocupados com os cuidados estéticos de seus corpos. Começava-se a operar uma mudança radical nos corpos masculinos. (...) O corpo deveria ter o aspecto de bem cuidado, porém, sem perder a imagem de virilidade e segurança típicas do ideário sobre o papel do homem. O redesenho do corpo do homem, transformado no musculoso sensível, passou a ocupar tanto as páginas de revistas direcionadas prioritariamente para gays quanto às direcionadas aos heterossexuais masculinos (MENDONÇA, 2007: 139 – 140).

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Ela é uma revista basicamente de homem bonito. Nas 116 páginas, 82 têm homem e homem bonito sempre. (http://portalimprensa.uol.com.br/revista/edicao_mes.asp?idMateriaRevista=71, declaração do editor André Fisher. Acesso em 17 de dezembro de 2007).

A associação do homossexual masculino ao homem que se cuida se faz presente, tanto na proposta editorial, quanto no reforço imagético utilizado ao longo da publicação. A revista constrói a imagem de um gay que investe no cuidado do seu corpo sem se preocupar com o gasto, se importando com as roupas que vai vestir, a maneira como vai adquirir o bem-estar físico e cuidados com a estética corporal. Apesar de trazer informações sobre saúde e beleza, a publicação concentra esforços em editoriais de moda. Nesse caso, a roupa funciona como segunda pele e é a partir dela que o homossexual irá se posicionar, demonstrando seu poder de posse/consumo perante a sociedade. Desde meados da década de 90, o mercado de produtos masculinos, especialmente o de cosméticos, experimentou um crescimento considerável. Em 1994, o jornalista britânico Mark Simpson criou o termo metrossexual, em referência aos homens urbanos heterossexuais que se dedicavam à sua beleza e aos cuidados do corpo. Esse tipo de homem é caracterizado por investir consideravelmente em compras e centros de estéticas, por usar produtos cosméticos para pele e cabelo, fazer as unhas e frequentar lugares sofisticados. Segundo Mendonça (2007: 140 – 141), em meados dos anos de 1970, os gays que começaram a consumir produtos cosméticos destinados para mulheres impulsionaram o desenvolvimento desse tipo de produtos para os homens. Tais como os metrossexuais, passaram a buscar nas revistas masculinas informações sobre como se cuidar, o que vestir, tendências de cortes de cabelo e valorização do estilo pessoal. Impulsionadas pela vaidade do corpo homossexual, empresas de roupa, acessórios, produtos de beleza e técnicas de embelezamento vêm encontrando nas publicações de homoerotismo light um terreno fértil para divulgação e fidelização de clientes.

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No caso da revista Junior, as oito primeiras edições tiveram uma média de 132 páginas, das quais 12% eram anunciadas.

Revista JUNIOR Edição

Total de páginas

Páginas anunciadas

%

1

116

17

15

2

132

16

12

3

132

15

11

4

132

13

10

5

132

16

12

6

132

13

10

7

134

17

13

8

132

15

11

Em relação à categoria dos anunciantes, destaque, majoritariamente, para empresas de moda masculina, seguidas por espaços gay friendly e organizações do setor de turismo. Quem anuncia na Junior são basicamente empresas ligadas à moda. Ainda há muita dificuldade. As empresas têm preconceito de aparecer numa revista gay. Não sabem o que tal veiculação vai trazer para a sua imagem (FISHER, André).

Revista JUNIOR - Categoria de anunciantes Variável Arquitetura e Design Carros Acessórios Roupas Cosméticos e estética Medicamentos Turismo Espaços Comunicação Bebidas Telefonia Seguros

#1 8 0 8 33 8 8 17 8 8 0 0 0

#2 7 0 0 64 7 0 0 14 7 0 0 0

#3 8 0 8 62 8 0 0 8 8 0 0 0

#4 10 0 10 40 10 0 0 10 20 0 0 0

#5 7 0 7 43 14 0 0 14 7 0 0 7

#6 0 0 9 27 9 9 27 0 9 9 0 0

#7 0 0 0 40 7 13 13 20 7 0 0 0

#8 5 0 0 32 5 5 11 32 11 0 0 0

* Dados em porcentagem (%).

Base, empresa gaúcha do segmento de vestuário masculino, foi o principal anunciante das oito edições. Segundo informações do site, “nosso público é jovem e superantenado, sua classe social é A/B e sua intelectualidade tem sede por conteúdo”. A clínica de depilação e estética Maison Depil

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divide com a Base a mesma quantidade de páginas anunciadas. Com filiais localizadas nos bairros Jardins7 e Higienópolis8, tem como target os homens. Calvin Klein Jeans, também voltada para um público de maior poder aquisitivo, e a livraria FNAC correspondem aos segundos maiores anunciantes. No caso da livraria, o anúncio veiculado destinou-se, exclusivamente, ao público homossexual. A peça utiliza algumas cores e faixas remetendo à bandeira do movimento GLBT junto à definição de diversidade. Já os anúncios da Base, Calvin Klein Jeans e Maison Depil tiveram o mesmo layout dos veiculados em publicações voltadas para o público masculino, como as revistas VIP e Homem Vogue. Segundo informações do IVC – Instituto Verificador de Circulação –, no período de outubro a novembro de 2008 circularam 6.549 exemplares da revista Junior, das quais 159 eram de assinantes. Destas, 69,37% se concentram nos estados da região Sudeste. São Paulo representa o mercado com maior índice de vendagem avulsa e assinaturas, totalizando 44,62% dos materiais em circulação. Rio de Janeiro (16,22%) e Minas Gerais (7,53%) seguem com os maiores percentuais. A partir desses índices, observou-se que a publicação ainda possui baixa penetração nas outras regiões. Apenas 2,67% dos exemplares são comercializados nos estados do Norte e 6,55% no Centro-Oeste. Com base nessas informações de circulação – do perfil dos anunciantes, das gírias utilizadas e das sugestões culturais –, pode-se considerar que a revista Junior se destina a homossexuais do Sudeste, mais precisamente, de São Paulo. Com estilo de vida urbano, ele não só conhece, como utiliza várias gírias comuns ao coletivo homossexual no seu cotidiano, consome as marcas apresentadas e frequenta os lugares divulgados. A cena gay é muito diferente em cada cidade. E você pode observar isso pela vendagem das revistas. Existe uma série de fatores que condicionam isso. As gírias, por exemplo, as marcas preferenciais, são mais típicas do Sudeste. Não adianta um gay do Norte querer comprar Sean John, Foch, porque essas marcas não estão presentes lá. Então ele adapta, ou se tiver dinheiro, viaja e compra. Eu vendo 40 revistas em Palmas e 20 em Porto Velho. Só por aí você observa a segmentação. E não a idealização do estilo. Ela fala pra gays de maior poder aquisitivo (FISHER, André).

7 Jardim

Paulista é um distrito localizado na região oeste da cidade de São Paulo. Algumas ruas, como a Oscar Freire, são

famosas pelo comércio de alto luxo e de grifes internacionais. No Jardim Paulistano ainda existe o Shopping Iguatemi, o mais caro de todos os pontos comerciais do Brasil (http://www.guiadojardins.com.br/historia.asp, acesso em 11 de junho de 2009). 8

Higienópolis é um bairro central da cidade de São Paulo. Apresenta atualmente um perfil residencial, caracterizado por

uma população de rendas média-alta e alta, sendo também conhecido pela presença de relevantes instituições culturais.

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4.3 Revista DOM – De Outro Modo Lançada pela Editora Peixes em novembro de 2007, a revista DOM – De Outro Modo surgiu com uma proposta similar à Junior. Com tiragem inicial de 50 mil exemplares, 20 mil acima da concorrente, foi idealizada por Jorge Tarquini e Augusto Lins Soares. Distribuída bimestralmente, a publicação foi comercializada por R$ 10,00. Hoje, com periodicidade mensal e impressa pela Editora Lopso – mesma da G Magazine –, mantém a distribuição nacional de 30 mil exemplares vendidos por R$ 12,00. Para Tarquini, diretor de redação nas primeiras edições, “mais do que uma ‘revista gay’, a DOM que foi apresentada quer ser igualmente plural. Sua essência é inclusiva, não exclusiva. Pretende-se que todos os gays e lésbicas em todas as suas variantes, simpatizantes e simplesmente humanos (...), sintam-se à vontade por aqui, enxergando nessas páginas um universo não de estranhamento, mas de encantamento, não de apartes, mas de encontros”. Augusto Soares, atual diretor de redação e criação, complementa o primeiro editorial dizendo que “mesmo voltada ao público masculino homossexual, este projeto é ‘heterofriendly’, pois festeja e agrega a diversidade, independente da orientação sexual”. Inspirada na extinta Sui Generis, é apresentada como uma revista de “atitude, estilo e prazer”. Com assuntos de comportamento, moda, beleza e artes, tem como target gays acima de 25 anos, pertencente às classes AB. Essa seleção também pode ser observada na escolha do nome “DOM”, referência ao título de nobreza e sinônimo de talento. Classifico a DOM como uma revista masculina voltada para o público gay. Como é uma revista masculina, tem que abordar o físico, o visual. Foco no masculino por ser uma revista gay, foco no corpo, na beleza masculina. Vestida ou não. Tento atingir um público (...) não necessariamente os mais maduros. Quando eu falo de maturidade, falo em termos de estilo de vida. A DOM é uma revista adulta, madura. Isso você pode ver no conteúdo editorial. Ela tem maturidade. É adulta, mas não é para o homem mais velho. Ela pega uma faixa dos 20 pra cima. Entre os gays, a diferença de idades é menos acentuada. Os comportamentos são bem próximos. Essa maturidade pode ser interpretada por um gay que prefere gastar seu dinheiro com viagens, produtos de beleza, que tem um bom gosto. Ele gosta e consome artes. Tem um apuro cultural maior (SOARES, Augusto).

A ideia de segmentar atende não só os leitores homossexuais que consomem cultura contemporânea e sofisticação, como os demais interessados nessa proposta, independentemente da condição sexual.

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A aposta de segmentação por renda funciona como estratégia para diferenciar-se da concorrente Junior. Além de matérias sobre moda e comportamento, DOM prioriza reportagens de gastronomia e decoração, associadas às crônicas de escritores convidados. Na ocasião do lançamento, as diferenças entre as publicações foram acentuadas nas opiniões de leitores e críticos. À medida que DOM era apresentada ao grande público, vários comparativos em relação à já lançada Junior foram estabelecidos.

Como o próprio nome indica, a revista Junior tem um perfil mais jovem. É uma revista mais assumida que aborda temas do universo gay explicitamente, sendo mais contestadora que a DOM, que por sua vez prefere considerar esse discurso como algo secundário. Com uma linguagem claramente mais comercial, a revista da Peixes traz várias matérias de consumo de luxo. É mais chique! (http://blogdoJunior.wordpress.com/2007/12/08/Junior-vs-dom-qual-delas-voce-vai-ler, acesso em 17 de dezembro de 2007).

Para outros críticos, não é possível observar diferenças entre o leitor de Junior e DOM. Este é o “consumidor nato, refém da moda e do design, um turista de roteiros sofisticados, um cosmopolita pós-gay, pós-militância, sem muitas (ou nenhuma) preocupações políticas tradicionais”. No entanto, os editores da Junior e DOM acreditam que as revistas atendem a propostas diferentes e se complementam gerando uma concorrência positiva. A cada lançamento, garantem maior visibilidade aos homossexuais. Em relação à segmentação homoerotismo light, já tenho algumas considerações. Agrupar Junior, DOM e Aimé nessa segmentação é um pouco complicado. Acho que cada uma delas conserva características muito próprias (FISHER, André). Cada uma delas tem uma personalidade, um modo de ser. (...) DOM (...) é menos focada naquilo que estigmatiza o universo gay, que é nu. A gente tem esse tipo de abordagem, não nego, mas não é o carro-chefe. O nosso carro-chefe é explorar a beleza masculina de forma natural. A Junior e a Aimé têm essa pegada pelo visual, pelo corpo mais exposto e erotizado.

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A Junior é feita por um determinado grupo (Mix Brasil) que tem uma linguagem-padrão em todos os seus veículos. Se você pegar a primeira edição, vai ver que ela é o portal Mix Brasil impresso. Eu diria que eles têm uma linguagem mais alternativa, tanto visual, como textualmente. No entanto, acho que esta é apenas uma das formas de representar os gays. Se fizesse uma analogia, diria que a Junior se encaixa em uma perspectiva mais queer – dentro desse conceito em inglês. Acho que ela constitui uma publicação mais estereotipada dentro do universo gay. Trabalha com clichês. Com os mitos e segmentações do universo. Não sei dizer se isso é mais jovem ou não. Só não acho válido pra mim. Acho que um universo tão estigmatizado não deveria ser representado por estereótipos. Enfim, é uma escolha deles (SOARES, Augusto).

Com o intuito de apresentar o conteúdo editorial e diferenciar-se da concorrência, DOM realizou dois encontros com jornaleiros das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. A proposta do evento foi esclarecer eventuais dúvidas dos profissionais, tendo em vista o lançamento de Junior também do gênero homoerotismo light, na ocasião. Passados os eventos, o trabalho de informar sobre a publicação ficou a cargo das distribuidoras. No momento em que foram visitadas bancas de Belo Horizonte para observar a disposição e compreensão da proposta de Junior pelos jornaleiros, cumpriu-se o mesmo exercício para a DOM. Em dezembro de 2007, DOM foi encontrada em 46% dos estabelecimentos visitados e foi exposta, em maior proporção que a Junior, junto aos títulos femininos, principalmente aqueles ligados à moda. Segundo os vendedores, a publicação se tratava de uma “revista de moda”, não havendo uma distinção de sexo entre os leitores preferenciais. Essa associação pode ser constatada, uma vez que a capa da publicação destacava as palavras fashion e chic, comuns ao universo da moda. Outros jornaleiros compreenderam que a revista é voltada para o público homossexual, mas não souberam diferenciá-la de Junior e G Maganize. Ao contrário de Junior, DOM não vinha lacrada em sacos plásticos, permitindo o manuseio e leitura. Além disso, trazia dizeres como “romance gay em HQ” e “donde los gays son bienvenidos” nas chamadas de capa, reforçando o conceito de que aquele produto era direcionado para os homossexuais. Por se tratar de “produtos novos”, esses comerciantes criaram, involuntariamente, uma nova categoria, pois não conheciam ao certo as propostas editoriais de cada uma. Sendo assim, 28% das bancas pesquisadas na ocasião do lançamento dispuseram Junior e DOM, lado a lado.

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Na segunda visita, em maio de 2009, encontrou-se a publicação em 35,5% das bancas. DOM continuou sendo apontada como uma publicação voltada para os homossexuais masculinos, embora os jornalistas não soubessem definir os temas contemplados na revista. Encontrada, majoritariamente, ao lado de Junior, em algumas bancas, DOM foi exposta ao lado de revistas masculinas voltadas, na maioria dos casos, para os heterossexuais. Por utilizar famosos em suas capas e não explorarem dorsos nus, a publicação foi equiparada

às

revistas

masculinas

de

comportamento, moda e saúde Homem Vogue e Men´s Health.

Revista DOM - Bancas Categoria

dez/07

mai/09

47

6

0

29

6

12

24

35

Super Treino, Defesa pessoal, Magazine Factor, Musc le in forme, O2, Fitness

12

0

Distribuição aleatória

12

18

Moda feminina G loss, Make, Cr iativa, Corpo a corpo, Manequim, Marie Clair e, O use +!, Figurino, Boa F orma, Woman´s Health, Vogue, Noivas, TPM

Comportamento e moda masculina T rip, TO P, Men´ s Health, Vizoo, UM, Vogue Homem

Pornográfia gay G Magazine

Homoerótico light DO M, Aimé

Musculação

* Dados em porcentagem (%).

Em relação à linguagem, os textos de DOM se assemelham aos de outras revistas voltadas para o público masculino. A neutralidade do discurso vem ao encontro da proposta da publicação, citada anteriormente, em ser uma revista “universal”, passível de leitura, compreensão e entretenimento para todos que se interessarem pelos temas contemplados, independentemente da sexualidade do leitor. Ao utilizar vários títulos e termos em inglês, reforça essa universalidade e contempla a proposta de elegância, voltada para homossexuais de maior poder aquisitivo que têm acesso e compreendem o idioma apresentado.

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Dentro dos padrões de formalidade, não utiliza gírias e expressões comuns à comunidade homossexual. A proximidade com o leitor é construída a partir das temáticas abordadas, e não por termos cotidianos a ele. Comparado a Junior, o discurso de DOM é classificado como “menos contestatório” e “mais comercial”. Estamos menos preocupados com a militância, realmente. E se para os críticos isso significa ter uma linguagem menos comercial, que assim seja. Acho que a DOM tem uma linguagem mais acessível, mais neutra. Ela não assume discursos de militância e ativismo como a Junior. Esta, por exemplo, é mais ativista pela própria natureza dos seus fundadores, do André Fisher. Ela também tem uma linguagem mais de gueto (SOARES, Augusto).

O projeto gráfico da revista DOM também reforça a neutralidade da publicação. A opção por cores opacas, normalmente em tons de cinza, garante a identidade ao longo da publicação. Diferente de Junior, que passou por mudanças de identidade visual, DOM mantém a mesma programação desde o lançamento. O tratamento das imagens segue a mesma proposta, a partir uma fotografia em tons mais frios e austeros. Outra característica da proposta de editoração é a separação gráfica entre texto e fotografia. Não se observou sobreposição entre eles, exceto nos editoriais de moda. A DOM tem um foco mais apurado e cuidadoso ao tratamento visual. E por visual você pode entender o visual mesmo, o projeto gráfico, como também a qualidade editorial. É uma sinergia entre acabamento editorial, imagem e texto. Por eu ter essa formação, esse papel de diretor de redação e arte, eu acabo levando e traduzindo isso na revista. A sofisticação está expressa nesse sentido. Tem que oferecer um produto de qualidade, bem formulado. O nosso foco são as classe A e B, mas isso não exclui as outras. (...) Isso não significa que tem que fazer uma coisa mais pobre, menos sofisticada. Uma coisa não exclui a outra (SOARES, Augusto).

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Ao se observarem os dez primeiros exemplares da publicação, comercializados entre novembro de 2007 e dezembro de 2008, percebe-se que o conteúdo editorial pode ser classificado a partir das mesmas variáveis estabelecidas para Junior: artes, moda, comportamento, lugares, tecnologia, carreira, beleza e saúde. DOM também apresenta matérias relacionadas a atualidades, animais, horóscopo, culinária e testes. Todas elas podem ser reagrupadas em macrocategorias referentes ao que consomem, como se comportam e ícones da cultura homossexual, tal como estabelecido para Junior.

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Revista DOM - Editorias Conteúdo

#1

#2

#3

#4

#5

#6

#7

#8

#9

# 10

Artes Moda Comportamento Lugares

5 21 14 17

6 26 26 16

11 24 13 17

16 19 15 19

13 19 22 12

13 23 13 12

10 26 17 16

12 14 18 19

13 20 16 17

21 15 18 12

Tecnologia Carreira Atualidades Animais Saúde

4 16 5 1 3

2 1 3 0 8

2 14 4 1 5

2 11 4 0 5

1 11 4 0 4

0 11 4 0 11

2 8 4 0 5

4 15 2 0 6

0 11 5 0 10

3 21 4 0 0

Beleza Horóscopo Culinária Teste

4 2 4 3

7 2 4 0

5 2 2 0

5 2 2 0

9 2 2 0

4 2 4 2

4 2 4 2

4 2 2 2

4 2 2 0

3 3 0 0

* Dados em porcentagem (%).

Revista DOM - Editorias Macrocategoria

#1

#2

#3

#4

#5

#6

#7

#8

#9

# 10

O que consomem? Como se comportam? Ícones

69 15 16

73 26 1

72 15 13

73 16 11

65 23 11

74 14 12

75 17 8

66 19 15

71 17 12

64 13 23

* Dados em porcentagem (%).

Entre as edições analisadas, os editoriais de moda correspondem ao principal conteúdo da publicação. Dicas de lugares, decoração, roteiros de viagem, e sugestão de espaços (gay friendly ou não) também são bastante explorados. Junto aos editoriais de moda, essas matérias ligadas ao consumo contemplam a maior parte do conteúdo. Ao contrário de Junior, DOM não costuma

apresentar

preferência

por

determinadas marcas na composição dos editoriais de moda. Normalmente, os ensaios alternam e utilizam produtos consumidos por leitores de maior poder aquisitivo, o que pode ser comprovado a partir das referências de preço ao lado das peças que compõem o visual dos modelos.

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Sobre o conteúdo referente aos lugares, DOM explora roteiros turísticos, sugestões de decoração e espaços a serem visitados. Além de viagens internacionais (Buenos Aires, Chicago, Montreal, Tóquio, Paris, Londres e Miami, exemplos de opções sugeridas), ao contrário de Junior, DOM apresenta em cada edição um guia turístico de cidades brasileiras. Intitulada “24h”, traz informações sobre pontos turísticos, opções de restaurantes e espaços destinados ao público homossexual. Entre as cidades apresentadas, apresentam-se Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo, Curitiba, Brasília e Manaus, em uma tentativa de expandir fronteiras e fugir da concentração convencional da região Sudeste. No entanto, as opções apresentadas normalmente correspondem a lugares frequentados pelas classes AB, público preferencial da revista. Os conteúdos referentes a decoração, artes, gastronomia e tecnologia também podem ser enquadrados no segmento de luxo. Os programas culturais, tais como as dicas de tecnologia, cosméticos e receitas, despendem uma maior quantia de dinheiro, tornando mais comuns ao cotidiano de pessoas com maior poder aquisitivo. A universalidade da proposta editorial pode ser observada nessas sessões, já que a maioria das opções apresentadas não se destina exclusivamente aos homossexuais. Tanto pela linguagem utilizada, quanto pelo mix de produtos/serviços, esse conteúdo se aproxima ao veiculado em revistas de comportamento masculino voltadas, normalmente, para os heterossexuais na mesma faixa de renda. Ao contrário da Junior, as capas da revista DOM se diferenciam pela utilização de personalidades conhecidas do grande público. Das oito capas analisadas, três veicularam imagens de atores, destaques de novelas do horário nobre. Na ocasião, Rodrigo Hilbert atuava em Duas Caras,

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enquanto Cauã Reymond e Malvino Salvador estavam no ar em A Favorita. Quando não utilizou globais, DOM apresentou editoriais com modelos brasileiros, reconhecidos por participarem de campanhas internacionais. A opção por personalidades reconhecidas objetiva criar uma identificação da publicação entre os homossexuais, utilizando sex simbols do imaginário do grupo, e heterossexuais, reforçando a universalidade da publicação.

Seguindo os padrões de beleza grega, apenas três das capas observadas exploraram dorsos nus. Em geral, as fotografias que não priorizam o plano americano, alternam-se em planos fechados no rosto do modelo ou contemplando todo o corpo. A proposta imagética das capas de DOM é assemelhar-se aos editoriais de moda, de forma sutil e menos erótica. Apesar de não utilizar gírias comuns a determinados coletivos homossexuais, DOM destacou em suas capas palavras do universo LGBT. Sete das capas trouxeram o termo gay, além de outros como barebacking9, homoerótica, transgênero e homofobia. A proposta é reforçar, a partir dessas expressões, que a publicação é direcionada ao público homossexual.

9 Ato de realizar sexo anal sem a utilização de preservativos.

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Em relação à publicidade, as dez primeiras edições apresentaram uma média de 17% das páginas de cada revista destinadas à veiculação de anúncios.

Revista DOM Edição

Total de páginas

Páginas anunciadas

%

1

132

29

22

2

116

19

16

3

108

15

14

4

108

17

16

5

108

18

17

6

108

19

18

7

108

21

19

8

108

18

17

9

108

19

18

10

84

9

11

Entre os setores que mais anunciaram, destaque para empresas de moda masculina, arquitetura e decoração, turismo e veículos de comunicação (revistas, rádios e portais). No caso do segmento de turismo e comunicação, as peças/serviços divulgados se destinam exclusivamente aos gays. Os demais correspondem às mesmas campanhas veiculadas em revistas direcionadas, para os consumidores heterossexuais. Além de se enquadrarem no perfil do leitor “com estilo de vida maduro e maior poder aquisitivo”, observou-se que o perfil dos anunciantes da revista DOM segue as tendências apontadas no relatório Gay Press Report 2004. Realizado pela empresa Rivendell Media e pela agência Prime Access, o relatório concluiu que o mercado publicitário segmentado para os consumidores homossexuais focou esforços primeiramente em serviços: advogados e contabilistas representaram 14,9% do total de anúncios; bares, clubes e restaurantes figuraram com 14%; serviços telefônicos com um índice de 9,7%; imobiliário com 9,2%; saúde e bem-estar com 8,1%; serviços profissionais com 7,1%; arte e entretenimento com 6,9%, viagens com 6,9%, dentre outros com valores menores (MENDONÇA, 2007: 142). No Brasil, acredito que as marcas ainda têm certo receio para anunciar. O receio está por não conhecer este produto, o seu leitor. Em comunicação tudo é muito preciso. Você quer saber quem esta lendo, o que este leitor consome. Não existem ainda pesquisas sobre o nosso leitor. Não só sobre ele, como para o gay em geral. É um mercado muito novo, precisa de maturação. Igual foi com a G, houve uma demora para começar a anunciar. Hoje, que as pessoas conhecem a proposta, sabem o que a revista é e já tem pesquisas sobre o seu leitor, a coisa fica mais fácil. O segmento de revistas de comportamento voltadas para gays precisa amadurecer. E isso só vem com o tempo (SOARES, Augusto).

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Revista DOM - Categoria de anunciantes Variável Arquitetura e Design Carros Acessórios Roupas Cosméticos e estética Medicamentos Turismo Espaços Comunicação Bebidas Telefonia Seguros

#1 23 5 0 18 5 5 14 5 9 14 5 0

#2 27 0 7 20 7 13 7 0 7 13 0 0

#3 25 8 0 17 0 8 8 0 17 17 0 0

#4 14 0 0 36 0 0 21 7 7 7 7 0

#5 7 0 7 33 0 0 20 7 20 7 0 0

#6 0 6 13 38 0 0 13 19 13 0 0 0

#7 11 0 0 20 0 7 7 0 40 0 0 0

#8 25 0 13 19 13 6 0 6 6 13 0 0

#9 25 0 13 19 13 6 0 6 6 13 0 0

# 10 13 0 0 25 25 13 13 0 13 0 0 0

* Dados em porcentagem (%).

Diesel, empresa de moda masculina consumida por um público de maior poder aquisitivo, foi o principal anunciante no total de edições analisadas. Em segundo lugar, destaque para a Revista Piauí, publicação direcionada para leitores com maior grau de instrução e poder aquisitivo, que aborda seções ligadas a música, artes, política, arquitetura e urbanismo. Com exceção das empresas de arquitetura e decoração, os demais anunciantes da revista DOM não limitam suas atividades à Praça de São Paulo. Todavia, de acordo com informações do IVC – Instituto Verificador de Circulação –, em dezembro de 2008, 74,64% dos 4.571 exemplares circulantes da publicação concentraram na região Sudeste. Destes, 48,33% foram comercializados em São Paulo; 20,96% no estado do Rio de Janeiro; 4,31% em Minas Gerais; e 1,04% no Espírito Santo. Apesar de não concentrar esforços limitados ao cotidiano de São Paulo, seja a partir das marcas divulgadas nos editoriais de moda, da propaganda, dos lugares sugeridos, por exemplo, o consumo da revista ainda se restringe à capital paulista. Mesmo contemplando realidades brasileiras, a penetração da revista nas demais regiões do País, de acordo com o IVC, ainda é considerada baixa: 1,18% dos exemplares vendidos foram provenientes do Norte; 9,06% do Nordeste; 6,26% do CentroOeste; e 8,86% do Sul. Inevitavelmente, a maioria das contas anunciantes e leitores é das capitais. É uma revista urbana, metropolitana. E as metrópoles estão cada vez mais parecidas (SOARES, Augusto).

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Considerações finais

As revistas Junior e DOM – De Outro Modo constituem produções discursivas de um determinado coletivo homossexual. Ao se concluir a fase de observação das revistas, evidenciou-se a necessidade de averiguar o reflexo do discurso dos veículos sobre os leitores. Nessa medida, foram realizados seis grupos focais com leitores e não-leitores residentes em Belo Horizonte, segmentados por critérios de idade e renda familiar. A inclusão de não-leitores objetivou complementar as percepções, observando o comportamento de quem não está submetido à influência das publicações. Os grupos foram estruturados em tríades, procedimento metodológico em que três entrevistados discorrem sobre os temas propostos permitindo sua análise mais aprofundada. Constituíram-se os grupos da seguinte forma: dois com leitores da Junior, dois da DOM e dois com não-leitores.

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A seleção dos participantes de cada tríade foi realizada pelos critérios de idade e renda. Cada grupo foi composto por participantes de mesmo poder aquisitivo: classe AB+, com renda familiar acima de R$ 4.591,00 e B-C, cujos rendimentos variam entre R$ 1.065,00 e R$ 4.591,00, segundo critérios da Fundação Getúlio Vargas. Cada um dos três participantes do grupo deveria pertencer às faixas etárias 18 a 25 anos, 26 a 35, 36 anos ou mais, não podendo haver dois entrevistados de uma mesma faixa etária. Também foram realizadas entrevistas em profundidade com leitores e não-leitores moradores da praça de São Paulo. Nesse caso, a renda familiar foi utilizada para segmentação deles, seguindo o mesmo critério de formação das tríades. Destaca-se a importância dos entrevistados residentes em São Paulo, uma vez que boa parte dos leitores das publicações pertence ao estado paulista. Além disso, vários dos anunciantes, sugestões culturais, espaços comerciais e entretenimento estão sediados em São Paulo, reforçando a ideia de que as publicações textualizam, majoritariamente, o estilo de vida que se faz mais presente entre os coletivos gays paulistas. A maioria dos entrevistados teve a primeira experiência homossexual ainda na adolescência, a partir de encontros agendados pela Internet. O mundo virtual aparece para esses sujeitos como porta de entrada para a investigação sobre a cultura homossexual e “encorajador” para tomada de iniciativa em relação à homoafetividade. No entanto, para outros, funciona como estratégia de refúgio, espaço onde mantém a vida homossexual, já que não possuem coragem ou vontade de frequentarem determinados espaços. Entre os pesquisados, o comportamento de assumir-se perante a família, os amigos e a sociedade é, na maioria dos casos, avaliado como “natural”. Ser homossexual significa respeitar os demais e exigir respeito para consigo mesmo. No entanto, o “sair do armário”10 ainda se limita entre os de maior poder aquisitivo. Nesse caso, a renda aparece como um escudo protetor, uma estratégia de defesa que minimiza a inferioridade e o preconceito enfrentado pelos homossexuais. A sensação relatada pelos entrevistados das classes B-C em relação ao assumir-se remete ao estereótipo da “bichinha eletrônica” de Trevisan, personagem marginal, sem credibilidade, vista como pessoa para fazer rir. Em termos práticos, a militância não está presente no cotidiano e posicionamento dos entrevistados. As paradas de orgulho LGBT são interpretadas como grandes festas, seja pela “pegação por baixo do bandeirão” ou pelo calendário de eventos comerciais organizados pelas casas noturnas. De acordo com a observação de um pesquisado, a festa fragiliza a imagem do gay.

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Expressão utilizada pela comunidade LGBT em referência ao ato de assumir a homossexualidade.

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Eu vejo ainda muita promiscuidade. Acho que é infiel também. Acho promíscuo, acho que as pessoas são promíscuas, provocam demais, querem fazer barulho demais. Isso só acaba queimando quem faz parte do movimento, quem trabalha com ele (leitor da revista Dom, entre 25 e 35 anos, membro das classes B-C).

O círculo de amizade dos pesquisados é formado, majoritariamente, por homossexuais. Outro ponto em comum são as formas de entretenimento buscadas por eles. Em geral, os entrevistados possuem uma vida social movimentada, gostam de bares, boates e reuniões em casas de amigos. Esses espaços não precisam ser necessariamente gay friendly, embora demonstrem preferência por lugares onde possam “flertar”, socializar com outros homossexuais e serem quem são sem a condenação dos demais. Prefiro pelo menos um lugar onde eu possa me sentir à vontade. Tem alguns lugares que você não tem abertura pra fazer as brincadeiras que você faz normalmente, aí as pessoas ficam comentando e olhando. Não posso ficar falando do que eu falo normalmente com meus amigos. Falando e gesticulando, com todo aquele jeito que eu sei que eu tenho. (não-leitor, entre 18 e 25 anos, membro das classes B-C).

Em relação à maneira como se entretêm, o gay mais velho se comporta de maneira parecida ao do mais novo, reforçando a premissa de que a jovialidade entre os homossexuais é regularmente buscada. Foram comprovados comportamentos distintos entre os leitores da Junior e DOM. Enquanto os primeiros demonstram uma maior preferência por espaços onde possam ser notados por outros homossexuais, os leitores da DOM se apresentam mais tímidos. Menos presentes na cena homossexual das cidades onde residem, esses grupos preferem espaços friendly, onde possam se relacionar com discrição, não se sentindo à vontade quando estão à mercê da “promiscuidade dos gays” – como afirmou um dos entrevistados. Esses comportamentos podem ser refletidos nas propostas editoriais das publicações. Junior descreve a cena do meio homossexual de modo mais evidente, seja pelas gírias e sugestão de lugares, por exemplo. Por outro lado, DOM possui características de uma publicação mais tímida, mais universal, a partir de uma postura neutra. Produtos da cena homoerótica, as gírias são utilizadas pela revista Junior visando à aproximação com o linguajar dos leitores, independentemente de idade ou renda. Observa-se uma maior identificação dos jargões entre os leitores da revista Junior e alguns dos não-leitores. Para avaliar até que ponto as gírias se fazem notáveis entre os pesquisados, foi solicitado que eles dissessem palavras que utilizam para se referir a homossexual, homem, mulher, ato de fazer sexo oral e drogas. Novamente, percebe-se que o vocabulário dos leitores da Junior e alguns não-leitores são carregados de expressões típicas da comunidade LGBT, encontradas no compilado Aurélia – O

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dicionário da língua afiada, citado anteriormente. Esses mesmos termos (pronomes no feminino, “bee” para se referir aos homossexuais e “bofe” em menção aos homens, por exemplo) podem ser encontrados ao longo da publicação Junior, reforçando as semelhanças entre a linguagem da publicação e dos leitores. Quanto ao consumo cultural, evidencia-se que, em média, 19% do conteúdo da revista Junior aborda matérias relacionadas às artes. No caso da DOM, esse índice é de 12,25%. Ao contrário do que sugerem as propostas editoriais das revistas, os entrevistados não apresentaram uma vida culturalmente ativa. Normalmente, esse tipo de programa se limita a idas ao cinema, não havendo maior interesse por outro tipo de evento cultural. Entre os mais velhos, com maior poder aquisitivo, o consumo de cultura se faz mais presente, embora seja avaliado como deficitário em função da falta de opções. Belo Horizonte é meio precário. Poucas coisas rolam aqui. Coisas rolando têm. São meio a torto e a direito, mas nem sempre é bom (leitor da revista Junior, acima de 35 anos, membro das classes AB+). Também não tenho uma vida cultural muito movimentada, mas eu acho que isso não é uma coisa pelo fato de eu ser gay não, é porque brasileiro não tem muito o hábito de ir a museus, ao teatro... E eu acho que, se for comparar a média de brasileiros, eu tenho um hábito cultural maior. Eu gosto de teatro, só não vou porque aqui em BH não tem boas peças (não-leitor, acima de 35 anos, membro das classes AB+).

Sobre satisfação com o corpo, a maioria dos entrevistados revelou estar insatisfeita. Para eles, o modelo de corpo ideal é o corpo definido, estampado pelos modelos nas capas das revistas. A realização de exercícios físicos – prática comum entre os de maior poder aquisitivo – é avaliada como tentativa de alcançar os padrões do corpo grego. Os pesquisados, independentemente da renda, não consideram a realização de exercícios como forma para garantir qualidade de vida e bem-estar físico. Ir à academia, no caso do público das classes AB+, consiste em verdadeiro encontro social, uma oportunidade de socializar com outros gays e expor o corpo. Independentemente de idade ou renda, os entrevistados demonstraram um comportamento exibicionista, em que o importante é que sejam notados. Nesse contexto, a roupa funciona como segunda pele, variável de afirmação do “lugar no mundo” e uma tentativa de representação da condição social desejada por aquele que a veste. O que mais me influencia a comprar uma roupa? Ah, com certeza a repercussão que ela dará no ambiente em que eu irei usar (leitor da revista Junior, entre 18 e 25 anos, membro das classes AB+). Eu gosto muito do estilo, da ousadia. A roupa me compra. Eu entro numa loja e algo pula na minha frente. Eu gosto do moderno, do clássico, mas que tenha algo diferente, que chame a atenção. Uso o diferente. Gosto de ser notado (leitor DOM, entre 25 e 35 anos, membro das classes B-C).

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Em relação ao fator decisivo na compra da roupa, os entrevistados de maior poder aquisitivo demonstram maior preocupação com a marca. No caso das classes BC, preço é a principal variável de escolha. Percebe-se, entre os mais velhos, um maior critério na decisão de compra. De acordo com esse grupo, existe uma preferência por gastar com viagens, restaurantes e outros programas, deixando de considerar a roupa como principal investimento. Entre os mais novos e membros das classes mais baixas, o vestuário tem um papel decisivo na construção da personalidade, configurando-se como um bem essencial. Nesse sentido, representa o básico, a forma como o pesquisado vai se apresentar e construir a sua imagem, seja de “riquinho”, “fashionista”, “poderoso”, entre outras. A definição do visual oscila, de acordo com o perfil de quem o compõe, entre o que eu sou ou desejo ser, independentemente da condição atual do pesquisado. Entre os leitores, os editoriais de moda exercem um papel fundamental na composição do visual. As revistas, independentemente da condição econômica ou idade do leitor, são percebidas como verdadeiras instituições da moda, ditam os padrões a ser seguidos e referências de status quo. Os que possuem condições financeiras para adquirir os produtos expostos nessas seções, os consomem. Os demais optam por similares com preços acessíveis a eles, conhecidos como “marcas B”. Calvin Klein, Diesel, Ellus, Colcci, Armani, Dolce & Gabbana e Alexandre Herchcovitch foram citadas pelos entrevistados como as marcas preferidas pelos homossexuais. Essa percepção foi mais evidente entre os leitores, demonstrando uma influência das publicações em sua opinião, já que essas empresas de moda masculina normalmente correspondem aos principais anunciantes em propagandas e editoriais de moda. Entre os não-leitores, quando citadas essas marcas, evidencia-se que a cena gay funciona como referência na construção da percepção. Para os leitores mais jovens, as marcas gays têm status de uma joia. Aliada a elementos da cena homossexual, a revista estabelece padrões no imaginário do leitor, reforçando o estereótipo de que é preciso ter aquela vestimenta para “ser alguém”. Ter é mais que fundamental. Não ter é avaliado como punição. Aussiebum dá status, chama muito a atenção, aonde quer que eu vá (leitor Junior, entre 18 e 25 anos, membro das classes AB+). Eu divido em mil vezes, mas eu compro. Minha mãe não entende, eu falo que preciso. Quando eu vou ao shopping e compro uma Kevin (sic) Clein, me sinto importante. Fico passeando com a sacola. É meio besta isso. Me sinto bem (Leitor DOM, entre 25 e 35 anos, membro das classes B-C).

Em um exercício de recall, procura-se avaliar quais marcas de determinados segmentos estão mais presentes no imaginário dos pesquisados. A proposta desta atividade foi observar o nível de

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influência das revistas como formadoras de opinião. Quando questionados sobre cueca, independentemente de idade ou renda, a principal citação foi Calvin Klein. Presente na maioria dos editoriais, esse produto funciona como marco representativo de “quem eu sou” na cena gay. A opção por calças mais baixas, valorizando o abdômen e a cueca, vem ao encontro do status que o produto agrega ao usuário. Entre alguns coletivos homossexuais, a posse de cuecas Calvin Klein funciona como variável de segregação, afirmação de nobreza. Quem não possui condições financeiras para consumi-la, adquirem e estampam marcas similares, como Hering e TNG. Já para os que possuem ainda maior poder aquisitivo, as cuecas Calvin Klein são rebaixadas a um segundo plano, sendo substituídas por Armani, Dolce & Gabbana e outras marcas internacionais. No caso das marcas de moda masculina, as mais citadas foram as que normalmente são percebidas como preferidas dos gays. Sendo assim, a revista fica responsável por textualizar aquilo que pode ser tomado como padrão, ideal, mas não é, necessariamente, a principal referência em formar opinião no segmento em questão. Prova disso são as citações referentes a bebida, companhia de viagens, clínica de estética e preservativo. As empresas mencionadas, majoritariamente, não correspondem aos anunciantes da publicação, demonstrando que os leitores não costumam formar opinião em determinados segmentos a partir dos produtos anunciados. Quando questionados se consomem produtos/serviços divulgados pelas publicações, apenas os leitores de São Paulo, principal praça de distribuição das revistas, se manifestaram positivamente. Esse consumo pode ser observado a partir da identificação, uma vez que os anunciantes, principalmente no caso da Junior, podem ser encontrados no dia a dia dos leitores paulistas. Os grupos da Junior compreendem a proposta da publicação e conseguem avaliar os diferenciais ante a concorrência. No entanto, acreditam que a revista explora um estereótipo de “gay fino, rico e bacana”, o que é avaliado positivamente pelos entrevistados de menor poder aquisitivo. Para os de maior renda, a textualização desse estilo de vida é interessante, embora a segmentação seja prejudicial por excluir outros leitores. A Junior quer mostrar o gay pra sociedade não apenas como ser sexual, mas como alguém que pensa e consome (leitor Junior, entre 18 e 25 anos, membro das classes AB+). É uma revista com uma qualidade muito bacana. Ela apresenta várias matérias que você se identifica, dicas e coisas de que os gays gostam. Como saúde, beleza, moda, roupas de grife (leitor Junior, acima de 35 anos, membro das classes AB+). Revista voltada para o público gay, sofisticada, de caráter comercial, sem grandes matérias que apresentam opiniões. Superficialista, mas que acerta em cheio seu público-alvo (leitor Junior, entre 25 e 35 anos, membro das classes B-C).

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Os grupos da revista Junior acreditam que o leitor da publicação é o homossexual entre 18 e 25 anos, consumista e com grande apego à imagem. Eles se identificam com o perfil apresentado, havendo uma distinção apenas no que diz respeito à renda. Aqueles de classes mais baixas admitem não ter condições de consumir os produtos veiculados, mas os têm como meta, objetivo de consumo. Dessa forma, a revista textualiza a realidade de um coletivo concernente às classes AB+ e projeta, para os demais, um ideal, um modelo a ser atingido. No caso dos leitores da revista DOM, a publicação se resume em “sutileza”, seja pela fórmula editorial, pelo padrão gráfico, e por não mostrar homens nus, ao contrário da maioria dos materiais direcionados para o público homossexual. Ao contrário dos entrevistados da Junior, a revista não é avaliada pelo conteúdo, mas pelas sugestões de consumo. Em nenhum momento da discussão, os entrevistados posicionaram a publicação considerando faixa de renda. Quando questionados sobre a percepção dos leitores preferenciais da DOM, definiram e se identificaram sob o perfil baseado em formação acadêmica, consumo cultural e estilo de vida. São pessoas muito engajadas ou que esperam algo mais substancial e profundo deste tipo de revista (leitor DOM, entre 25 e 35 anos, membro das classes AB+). Inteligentes, antenados. São pessoas que gostam de cinemas, bares, programas culturais em geral, têm uma formação acadêmica elevada (leitor DOM, entre 18 e 25 anos, membro das classes BC). Acho que tem um público mais novo e outro mais velho, oscila entre 20 e 30. São mais aventureiros, gostam de viajar, conhecer novas pessoas e lugares (leitor DOM, acima de 35 anos, membro das classes B-C).

Constata-se que alguns dos leitores da Junior também consomem DOM, e vice-versa. Com blog e sites direcionados para os homossexuais, buscam informações referentes à homocultura, dicas de moda, dúvidas em relação ao comportamento de uma forma direcionada, íntima. Para os nãoleitores, essas publicações são avaliadas como interessantes, embora eles não demonstrem interesse em consumi-las, já que esse tipo de conteúdo é adquirido a partir de outras publicações voltadas normalmente para o público homossexual ou mediante portais de conteúdo homoerótico. As revistas Junior e DOM são responsáveis por tangibilizar gostos, moda, gírias e outros modos vivenciados por determinados coletivos de homossexuais. Na condição de produções discursivas, atuam como um recorte da cena cotidiana de determinados grupos. No caso dos leitores, observam-se dois grupos distintos: os que pertencem ao mundo retratado pela publicação e aqueles que desejam o conteúdo textualizado. Ao mesmo tempo em que funcionam como divisórias responsáveis por separar a prática do ideal, as publicações aproximam seus leitores pelo desejo.

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IASBECK, Luiz C. A. Publicidade e identidade: produção e recepção na comunicação publicitária – uma questão de identidade. IN: CONTRERA, Malena Segura; HATTORI, Osvaldo Takaoki. Publicidade e Cia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. LIB, Fred; VIP,Ângelo. AURELIA - A Dicionária da Língua Afiada. São Paulo: Edidora do Bispo, 2006. MARIANO, Fábio, LIMA, Eliane. O consumidor saindo do armário. Destaque Especial. 2º Prêmio de Mídia Estadão. 1999. MARQUES, Jane A., MOTTER, Maria L. A criação da identidade da marca como resultado da identificação dos sujeitos. IN: MARQUES, Jane A. (2003). As 1001 faces do Garoto Bom Bril: um estudo da produção/recepção do discurso publicitário veiculado na mídia impressa. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação). São Paulo: ECA-USP. MENDONÇA, Carlos. E o Verbo se fez homem. As iconofagias midiáticas e as estratégias de docilização da sociedade de controle. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo MONTEIRO, Marko. O homoerotismo nas revistas Sui Generis e Homens. Trabalho apresentado no evento Literatura e Homoerotismo: II Encontro de Pesquisadores Universitários. Uma agenda para estudos gays e lésbicos no Brasil. Universidade Fluminense, Instituto de Letras, 24 – 26 de Maio de 2000. MOTT, Luiz. A sexualidade no Brasil colônia. IN: Diário Oficial Leitura. São Paulo, nº141, fevereiro 1994: 6 – 8. NETO, Celso F. Publicidade e consumo: o cliente sempre tem razão? IN: CONTRERA, Malena Segura; HATTORI, Osvaldo Takaoki. Publicidade e Cia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. NUNAN, Adriana. Homossexualidade: do preconceito aos padrões de consumo. Rio de Janeiro: Editora Caravansarai, 2003. RUÃO, Tereza. As marcas e o valor da imagem. A dimensão simbólica das actividades econômicas. Universidade do Minho, 2003.

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Anexos 1 Roteiro para entrevista em profundidade com André Fisher, editor da revista Junior

REVISTA JUNIOR

Você já desempenha um trabalho ligado à imprensa gay no Mix Brasil e no XXY. Qual o seu principal objetivo com a criação da Junior?

Quais as suas referências no momento da criação?

Como você classifica a proposta de Junior? Qual o gênero da publicação?

A princípio, qual tipo de leitor gostaria de atingir?

Você saberia me dizer se conseguiram atingir esse leitor?

E em relação aos anunciantes? Existem restrições ou preferências? Quem são os anunciantes preferenciais para a revista?

Qual a tiragem do material? Ela é distribuída nacionalmente?

Houve algum trabalho ou treinamento com os jornaleiros? Algo que explicasse a proposta do material?

MERCADO GAY

Como você observa o crescimento do mercado gay nos últimos anos?

Em quais setores ele tem mais desenvolvido?

Como classifica o surgimento de outras revistas voltadas para o público gay?

Você observa uma diferenciação entre elas? Ou acredita que seguem a mesma proposta? Quais públicos cada uma quer atingir? Como classifica a linha editorial de cada uma delas?

A PESQUISA

A textualização de um estilo de vida de determinado coletivo gay nas paginas das publicações. Se você pudesse definir o estilo de vida do leitor, como definiria? (Citar marcas que consome, lugares que freqüenta, gírias que fala).

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Às vezes, eu tenho a impressão que a revista fala para o gay do Sudeste. Você acha que ela comunica com o Brasil todo?

Perfil dos anunciantes é prioritariamente voltado para marcas de luxo. Os editoriais de moda e dicas de lugares seguem o mesmo padrão. Eu poderia dizer que a revista quer atingir o público gay de maior poder aquisitivo? Ou quer servir como referência “de bom gosto” para aqueles que não têm condição de consumirem aquelas marcas, numa relação de espelhamento, projeção?

Quando eu comecei a fazer a pesquisa, eu tive a impressão que DOM falava mais para um gay mais velho, com uma certa estabilidade de vida, que se preocupa mais com a casa, por exemplo. Junior já segue uma linha mais jovial. Não que seja uma “Capricho gay” como foi apontada no lançamento. Mas pelos termos, pelo visual. Até que ponto você concorda com isso?

A revista tem mudado um pouco seus padrões editoriais. Ela tem deixado de ser menos visual e tem entrado com mais matérias, dicas culturais. Quais os motivos da mudança?

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2 Roteiro para entrevista em profundidade com Augusto Soares, editor da revista DOM – De Outro Modo REVISTA DOM

Hoje, você assume os cargos de diretor de arte e redação na revista DOM. Antes deste projeto, que tipo de trabalho voltado para o público GLS você chegou a realizar?

A DOM surgiu um mês depois do lançamento da revista Junior. Qual o seu principal objetivo com a criação da revista?

Quais as suas referências no momento da criação? Em algumas entrevistas, você citou as revistas que serviram como fonte de inspiração – Prêf, OUT, The Advocate e Zero.

Nas suas primeiras entrevistas você apresentou a DOM enquanto projeto “hetero-friendly”, dentro de uma perspectiva de “não ser excludente, nem exclusiva”. Como você classifica a proposta da DOM? Qual o gênero da publicação?

De acordo com Cidinha Cabral da Editora Peixes, houveram pesquisas para definir o perfil da revista e os leitores que ela gostaria de atingir. Quem seriam esses leitores e como isso se processou?

A DOM segue uma tendência mundial que acompanha o crescimento e a segmentação dos produtos e serviços voltados para o público GLS. Dentro dessa perspectiva, vocês abandonam aquela idéia de que todo gay é igual e começam a segmentá-lo por variáveis econômicas e de comportamento. DOM surge enquanto projeto destinado para um gay “maduro” economicamente e de acordo com definições da sua equipe comercial este leitor seria “acima de 25, pertencente às classes AB”. Vocês conseguiram atingir esse leitor?

Você declarou para Gazeta Mercantil, em 23/11/2007, que os gays constituem uma verdadeira aposta no mercado mundial. Neste sentido, DOM vem para preencher a lacuna editorial com materiais sobre comportamento, estilo e cultura contemporânea. No entanto, a fórmula aposta na sofisticação (reforçada pelo próprio nome da revista). Como você avalia isso? É uma estratégia de diferenciação?

Com essa proposta, você diz que não quer atingir só os gays, mas quem gosta deste tipo de assunto. Assim você foge da premissa de segmentação por opção sexual e segmenta pela economia. Revistas como a “A” não atendem a essa demanda?

E em relação aos anunciantes? Existem restrições ou preferências? Quem são os anunciantes preferenciais para a revista?

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DOM começou com uma tiragem de 50.000 exemplares. Qual a tiragem do material hoje? Ela é distribuída nacionalmente?

Você citou em algumas entrevistas haver tido uma orientação para o trabalho do jornaleiro. Como esse trabalho aconteceu? Funcionou?

MERCADO GAY

Como você observa o crescimento do mercado gay nos últimos anos?

Em quais setores ele tem mais desenvolvido?

Como classifica o surgimento de outras revistas voltadas para o público gay?

Você observa uma diferenciação entre elas? Ou acredita que seguem a mesma proposta? Quais públicos cada uma quer atingir? Como classifica a linha editorial de cada uma delas?

A PESQUISA

A textualização de um estilo de vida de determinado coletivo gay nas páginas das publicações. Se você pudesse definir o estilo de vida do leitor, como definiria? (Citar marcas que consomem, lugares que freqüenta, gírias que fala).

Às vezes, eu tenho a impressão que a revista fala para o gay do Sudeste. Você acha que ela comunica com o Brasil todo?

Quando eu comecei a fazer a pesquisa, eu tive a impressão que DOM falava mais para um gay mais velho, com uma certa estabilidade de vida, que se preocupa mais com a casa e viagens, por exemplo. Até que ponto você concorda com isso?

Comparada à concorrente Junior, a proposta de DOM pode ser apresentada enquanto menos contestatória, como um discurso mais reprimido. Alguns críticos apontam para uma linguagem mais comercial, enquanto Junior é mais ativista. Qual sua opinião sobre?

O leitor de DOM se preocupa menos com questões políticas?

Vocês brincaram na ocasião do lançamento com a expressão “sair do armário”. Você acredita que o leitor de DOM ainda é um leitor enrustido, menos presente na cena e espaços de socialização gay?

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3 Roteiro para pesquisa com leitores das revistas Junior e DOM – De Outro Modo Boa tarde/ noite! Gostaria que vocês se apresentassem para que possamos começar o grupo. Durante a pesquisa, sintam-se a vontade para interromper e expor suas opiniões. Esta reunião será gravada, porém, peço que se manifestem um por vez. Todo conteúdo gerado é de natureza confidencial, de maneira que a identidade dos pesquisados não será revelada.

EU HOMOSSEXUAL

Quando você teve sua primeira experiência homossexual?

Como homossexual, qual sua postura frente à sociedade? À família? E amigos?

Como você observa o movimento homossexual hoje?

Até que ponto você se envolve com ele?

EU SOCIALIZO

Atualmente seu círculo de amizades é formado mais por homossexuais ou heterossexuais?

Que tipo de programa você costuma fazer quando quer se entreter?

E programas culturais? De que maneira eles estão presentes, ou não, no seu dia-a-dia?

Onde você normalmente encontra com os amigos?

Você costuma se referir aos seus amigos de que forma? Utiliza alguma gíria ou nome específico?

Gostaria que me dissesse à palavra que costumam utilizar para se referir a:

o

Homossexual

o

Mulher

o

Homem

o

Ato de fazer sexo oral

o

Drogas

Me descreva o seu grupo de amigos. Em quais pontos vocês se parecem? E onde se diferenciam?

EU CONSUMIDOR

Você está satisfeito com o seu corpo? o

Para os que responderem SIM: você tem feito alguma atividade para mantê-lo assim?

o

Para os que responderem NÃO: onde você deseja chegar para estar satisfeito com o seu corpo? Tem feito alguma atividade para alcançar esta satisfação?

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Exceto gosto pessoal, qual fator mais te influencia quando você vai comprar uma roupa?

Quais outras referências você utiliza?

Um editorial de moda, por exemplo, pesa na sua decisão?

Quais são as suas marcas de vestuário de preferência? Quais fatores as tornaram “preferidas”?

Você consome produtos destas marcas com que freqüência?

Os seus amigos também?

Você acredita que os demais homossexuais também as consomem? E quais outras marcas você apontaria como “preferidas” deste público? Por quê?

Agora, eu vou citar algumas categorias de produtos e serviços. Gostaria que vocês me falem qual marca vem a cabeça de vocês para cada um deles: o Cueca: o Moda masculina: o Companhia de viagem: o Preservativo: o Bebida: o Clínica de estética:

Entre as marcas citadas anteriormente, você consome produtos/ serviços de alguma dela? o

Para as CONSUMIDAS: o que levou você a consumir? Este consumo acontece com que freqüência?

o

Para as NÃO CONSUMIDAS: por quê? Quais marcas você consome? Justifique.

EU LEITOR

Quais veículos de conteúdo homossexual você costuma ler/ acessar?

O que você procura em cada um deles?

Suponha que eu não conheça a revista ___________ (lida pelo grupo). Me apresente a proposta da revista.

O que mais te chama atenção na revista? E o que você menos gosta?

Você consome algum dos produtos/ serviços divulgados na publicação? Por quê?

Você se identifica com as matérias e o conteúdo divulgado na publicação?

Você se identifica com os corpos apresentados na publicação? Como?

Existe uma expectativa de desejo em relação a esses corpos? Por quê?

Na sua opinião, quem é o leitor da revista __________? O que ele gosta de fazer? Qual o seu estilo de vida?

Você se encaixa neste perfil?

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4 Roteiro para pesquisa com não-leitores das revistas Junior e DOM – De Outro Modo Boa tarde/ noite! Gostaria que vocês se apresentassem para que possamos começar o grupo. Durante a pesquisa, sintam-se a vontade para interromper e expor suas opiniões. Esta reunião será gravada, porém, peço que se manifestem um por vez. Todo conteúdo gerado é de natureza confidencial, de maneira que a identidade dos pesquisados não será revelada.

EU HOMOSSEXUAL

Quando você teve sua primeira experiência homossexual?

Como homossexual, qual sua postura frente à sociedade? À família? E amigos?

Como você observa o movimento homossexual hoje?

Até que ponto você se envolve com ele?

EU SOCIALIZO

Atualmente seu círculo de amizades é formado mais por homossexuais ou heterossexuais?

Que tipo de programa você costuma fazer quando quer se entreter?

E programas culturais? De que maneira eles estão presentes, ou não, no seu dia-a-dia?

Onde você normalmente encontra com os amigos?

Você costuma se referir aos seus amigos de que forma? Utiliza alguma gíria ou nome específico?

Gostaria que me dissesse à palavra que costumam utilizar para se referir a:

o

Homossexual

o

Homem

o

Mulher

o

Ato de fazer sexo oral

o

Drogas

Me descreva o seu grupo de amigos. Em quais pontos vocês se parecem? E onde se diferenciam?

EU CONSUMIDOR

Você está satisfeito com o seu corpo? o

Para os que responderem SIM: você tem feito alguma atividade para mantê-lo assim?

o

Para os que responderem NÃO: onde você deseja chegar para estar satisfeito com o seu corpo? Tem feito alguma atividade para alcançar esta satisfação?

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Exceto gosto pessoal, qual fator mais te influencia quando você vai comprar uma roupa?

Quais outras referências você utiliza?

Um editorial de moda, por exemplo, pesa na sua decisão?

Quais são as suas marcas de vestuário de preferência? Quais fatores as tornaram “preferidas”?

Você consome produtos destas marcas com que freqüência?

Os seus amigos também?

Você acredita que os demais homossexuais também as consomem? E quais outras marcas você apontaria como “preferidas” deste público? Por quê?

Agora, eu vou citar algumas categorias de produtos e serviços. Gostaria que vocês me falem qual marca vem a cabeça de vocês para cada um deles: o Cueca: o Moda masculina: o Companhia de viagem: o Preservativo: o Bebida: o Clínica de estética:

Entre as marcas citadas anteriormente, você consome produtos/ serviços de alguma dela? o

Para as CONSUMIDAS: o que levou você a consumir? Este consumo acontece com que freqüência?

o

Para as NÃO CONSUMIDAS: por quê? Quais marcas você consome? Justifique.

EU NÃO-LEITOR

Quais veículos de conteúdo homossexual você costuma ler/ acessar?

O que você procura em cada um deles?

Você conhece as revistas Junior e Dom? o

Se SIM: você saberia me descrever a proposta de cada uma delas?

Na sua opinião, quem é o leitor da revista de cada uma delas? O que ele gosta de fazer? Qual o seu estilo de vida?

Você se encaixa neste perfil?

Você se identifica com os corpos apresentados na publicação? Como?

Existe uma expectativa de desejo em relação a esses corpos? Por quê?

Porque você não consome este tipo de publicação?

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5 Formulário para mapeamento das publicações Junior e DOM – De Outro Modo em bancas de revistas Praça: eixo Centro-Sul (Belo Horizonte) Bairros: Centro, Lourdes, Funcionários.

Banca: ____ Endereço: ________________________________________________________ Revista Junior Porque a revista estava localizada nesta sessão? __________________________________________ A revista fala sobre: __________________________________________________________________ Revista DOM Porque a revista estava localizada nesta sessão? __________________________________________ A revista fala sobre: __________________________________________________________________

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6 Análise das capas – Revista Junior

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7 Análise das capas – Revista DOM – De Outro Modo

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