Principe Mecanico primeiro capitulo

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Para Elka

Khalepa ta kala

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“Quero que saibas que tu foste o último sonho da minha alma... Desde que te conheci, tenho sido atormentado por um remorso que pensei que nunca me censuraria novamente e ouvi sussurros de velhas vozes impelindo-me para cima, as quais achei que estivessem silenciadas para sempre. Tive ideias imaturas de me empenhar novamente, começar de novo, me livrar da preguiça e da sensualidade, e lutar a luta abandonada. Um sonho, tudo um sonho, que vai dar em nada...” — Charles Dickens, “Um conto de duas cidades”

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Prólogo

O Morto Exilado O nevoeiro estava espesso, abafando som e visibilidade. Onde a névoa se abria, Will Herondale podia ver a rua elevando-se adiante, escorregadia, molhada e negra de chuva, e podia ouvir as vozes dos mortos. Nem todos os Caçadores de Sombras conseguiam ouvir fantasmas, a não ser que estes optassem por ser ouvidos, mas Will era um dos que conseguiam. Ao se aproximar do velho cemitério, as vozes se elevaram em um coro irregular — uivos de dor e súplica, gritos e rosnados. Não era uma necrópole serena, mas Will sabia disso; não era sua primeira visita ao cemitério Cross Bones perto da London Bridge. Ele fez o melhor que pôde para bloquear os ruídos, arqueando os ombros para que o colarinho cobrisse as orelhas, a cabeça abaixada, uma bruma fina de chuva umedecendo os cabelos pretos. Descendo o quarteirão, a entrada do cemitério ficava na metade do caminho: um par de portões de ferro forjado em um muro alto de pedra, ainda que qualquer passante mundano nada observasse além de uma área coberta por vegetação, parte do terreno de um empreiteiro anônimo. As-

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Cassandra Clare

sim que Will se aproximou dos portões, mais uma coisa que nenhum mundano teria visto se materializou da névoa: uma grande aldrava de bronze em forma de mão, os dedos ossudos e esqueléticos. Com uma careta Will esticou uma das próprias mãos enluvadas e levantou a aldrava, deixando-a cair uma, duas, três vezes, o tinido oco ressoando pela noite. Além dos portões a névoa se elevava do chão como vapor, obscurecendo o brilho do osso contra o solo acidentado. Lentamente a bruma começou a fundir-se, adquirindo um estranho brilho azul. Will colocou as mãos nas barras do portão; o frio do metal infiltrando-se pelas luvas, penetrando os ossos, e ele estremeceu. Era um frio mais intenso do que o normal. Quando fantasmas se levantam, extraem energia dos arredores, privando o ar de calor. Os pelos na nuca de Will se arrepiaram quando a bruma azul assumiu lentamente a forma de uma senhora de vestido esfarrapado e avental branco, com a cabeça abaixada. — Olá, Mol — disse Will. — Você está particularmente bonita esta noite, se me permite dizer. A fantasma levantou a cabeça. A velha Molly era um espírito forte, um dos mais fortes que Will já encontrara. Mesmo com a luz do luar se espalhando por uma brecha entre as nuvens, ela mal parecia transparente. Seu corpo era sólido, o cabelo retorcido em um penteado grisalho amarelado sobre um dos ombros, as mãos ásperas e vermelhas apoiadas nos quadris. Apenas os olhos eram ocos, chamas azuis idênticas ardendo nas profundezas. — William ‘erondale — disse ela. — De volta tão cedo? Ela foi em direção ao portão com aquele movimento deslizante peculiar dos fantasmas. Seus pés descalços estavam imundos, apesar de nunca tocarem o chão. Will se recostou no portão. — Sabe que senti falta do seu belo rosto. Ela sorriu, com os olhos tremeluzindo, e ele teve um vislumbre do crânio sob a pele semitransparente. Acima deles, as nuvens tinham se fechado novamente, bloqueando a lua. Como um tolo, Will ficou imaginando o que a velha Molly teria feito para ser enterrada ali, longe do solo consagrado. A maioria das vozes em pranto dos mortos pertencia a prostitutas, suicidas e natimortos — os mortos exilados que não se podia enterrar nos cemitérios das igrejas. Se bem que Molly dera um jeito de fazer com que a situação acabasse sendo bem lucrativa, então, talvez não se importasse.

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Molly gargalhou. — Então, o que deseja, jovem Caçador de Sombras? Veneno de Malphas? Tenho a garra de um demônio Morax, muito bem polida, o veneno na ponta está completamente invisível... — Não — disse Will. — Não é disso que preciso. Preciso de pó de demônio Foraii, bem moído. Molly virou a cabeça para o lado e cuspiu uma gavinha de fogo azul. — Por que um belo rapaz como você quer uma coisa dessas? Will apenas suspirou internamente; os protestos de Molly faziam parte do processo de barganha. Magnus já tinha mandado Will à velha Molly diversas vezes, uma delas para buscar fétidas velas negras, que grudaram em sua pele como alcatrão, outra para buscar ossos de uma criança que não tivesse nascido, e outra para um saco de olhos de fadas, que pingaram sangue em sua camisa. Pó de demônio Foraii parecia agradável quando comparado ao resto. — Pensa que sou tola, não pensa? — prosseguiu Molly. — Isto é uma armadilha, não é? Vocês, Nephilim, me pegam vendendo esse tipo de mercadoria, e é o fim da velha Mol. — Você já está morta. — Will fez o possível para não soar irritadiço. — Não sei o que pensa que a Clave poderia fazer com você depois disso. — Bah — os olhos ocos de Molly flamejaram. — As prisões dos Irmãos do Silêncio, sob a terra, podem prender tanto vivos quanto mortos; sabe disso, Caçador de Sombras. Will levantou as mãos. — Nada de truques, velhinha. Certamente deve ter ouvido boatos correndo pelo Submundo. A Clave tem outras questões em mente além de localizar fantasmas que traficam pós demoníacos e sangue de fada. — Ele inclinou-se para a frente. — Pago um bom preço. — Retirou uma bolsa de cambraia do bolso e balançou-a no ar. Ela tilintou como o som de moedas chacoalhando. — Todas se encaixam em sua descrição, Mol. Uma expressão desejosa se formou na face morta de Molly, que materializou-se o suficiente para pegar a bolsa. Enfiou uma das mãos no saquinho e retirou um punhado de anéis — anéis de casamento feitos de ouro, todos unidos pelo nó dos namorados. A velha Mol, como muitos fantasmas, vivia à procura daquele talismã, aquele pedaço perdido de seu passado que finalmente lhe permitiria morrer, a âncora que a mantinha

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presa a este mundo. No caso dela, era a aliança de casamento. Acreditava-se, Magnus contara a Will, que a aliança já estivesse perdida há muito tempo, enterrada sob o leito de sedimentos do Tâmisa, mas enquanto isso, ela aceitaria qualquer bolsa de anéis encontrados por aí, na esperança de que um deles fosse o seu. Ela guardou os anéis de volta no saquinho, que desapareceu em algum lugar de sua figura morta-viva, e em troca entregou a Will um sachê de pó. Ele o colocou sorrateiramente dentro do bolso do casaco no instante em que a mulher fantasma começou a tremular e desbotar. — Espere aí, Mol. Não foi só para isso que vim esta noite. O espírito tremulou enquanto a cobiça, a impaciência e o esforço de se manter visível lutavam entre si. Finalmente, grunhiu. — Muito bem. O que mais você quer? Will hesitou. Não era algo solicitado por Magnus, mas uma coisa que ele mesmo queria saber. — Poções do amor... A velha Mol soltou uma gargalhada aguda. — Poções do amor? Para Will ’erondale? Não sou de recusar pagamento, mas nenhum homem com sua aparência precisa de poções do amor, isto é fato. — Não — disse Will, com uma pontinha de desespero na voz. — Na verdade estava procurando o oposto, alguma coisa que pudesse por um fim no amor sentido por alguém. — Uma poção do ódio? — Mol ainda parecia um tanto distraída. — Procuro algo mais na linha da indiferença? Tolerância? Ela emitiu um riso de deboche, absurdamente humano para um fantasma. — Detesto informá-lo, Nephilim, mas se quer que uma menina o odeie, há maneiras simples de fazer com que isso aconteça. Não precisa da minha ajuda com a coitadinha. E com isso Molly desapareceu, girando para dentro da bruma entre as covas. Will, olhando para onde ela estava, suspirou. — Não é para ela — sussurrou, apesar de não haver ninguém para escutá-lo —, é para mim... — E apoiou a cabeça no frio portão de ferro.

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