Capa
Por: Pedro Wolff | Fotos: Fábio Pinheiro e Victor Hugo Bonfim
Um mundo virtual que
quer um
mundo ideal
Internet é a nova arma para fomentar movimentos sociais da atualidade
E
m 2012 comemoramos 16 anos de internet no Brasil. Apesar da pouca idade, as mudanças sociais provocadas por este meio já mudaram para sempre a história da humanidade. O maior exemplo foi a Primavera Árabe, como ficou conhecida a onda de protesto no mundo árabe nos anos de 2010 e 2011. A utilização das redes sociais pode ser considerada como o catalisador da onda de protestos que culminou com a derrubada de regimes ditatoriais. Sem o uso do twitter e do facebook, talvez a mudança geopolítica não tivesse acontecidona mesma velocidade da mobilização popular. No Brasil, as redes sociais foram muito importantes para a aprovação da Lei Ficha Limpa. Brasília viu 40 mil pessoas
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marchando contra a corrupção, e tudo começou com um evento no facebook. Sociólogos, historiadores, empresários e políticos não só estudam esse novo comportamento, como utilizam esses tipos de ferramentas. A sociedade civil faz uso desta plataforma para fiscalizar e pressionar a classe política e é capaz de “mover montanhas”. Especialistas ouvidos pela Revista Plano Brasília foram unânimes em afirmar que para surtir efeito, uma mobilização tem que sair do virtual. A outra certeza é a de que a internet é apenas uma ferramenta, e que é preciso um ideal ou indignação comum para se conseguir “mover montanhas”. Nessa reportagem serão apresentados diferentes pontos de vista da sociedade civil sobre formas de atuação na internet. A mídia tradicional, como explica a teoria da comunicação, trabalha de forma unidirecional, figurando o
emissor e o receptor. As novas mídias são multidirecionais. Por exemplo: uma pessoa posta uma mensagem e várias outras compartilham. Essa ideia gera discussões, provocações, e pode até se transformar em outra coisa. Com um pequeno empurrãozinho pode gerar uma repercussão gigantesca. Foi mais ou menos como aconteceu com a Marcha Contra a Corrupção, ocorrida no dia 7 de setembro de 2011. Pouca gente sabe que as organizadoras do protesto, as irmãs Daniella e Lucianna Kalil, quase desistiram da marcha e consideram o fator sorte para o sucesso da empreitada. Tudo começou com um simples evento no facebook, criado com poucos cliques de um mouse. “Achávamos que não ia dar certo porque na página do evento houve muita baixaria entre pessoas de diferentes orientações políticas”, diz Daniella Kalil.
A corretora de imóveis lembra que chegou a cogitar a retiradada própria página do ar. Porém, na época, ocorreu a absolvição da deputada federal Jaqueline Roriz e isso gerou uma forte indignação popular. “A coisa tomou proporções imensas, com uma média de cinco mil confirmações de presença por dia. Ao término havia 35 mil e outros 120 mil no talvez”. Daniella passou a receber convites lançados de forma independente pelos internautas. Foram tantos que, segundo ela, o próprio Facebook bloqueou cerca de 300 mil convites. Por fim, um grupo de advogados cedeu caminhões de som e o sucesso foi tamanho que ainda em 2011 houve uma segunda edição. Daniella adianta que para a próxima pretende trazer delegações de outros estados de ônibus.A repercussão também modificou sua vida virtual: até o fechamento desta edição Daniella tinha 4.700 amigos no Facebook. Brasília testemunhou no final do ano outro protesto organizado pelas redes sociais. O #OcupeBrasília, financiado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), inspirou-se no movimento Ocupe Wall Street. Deslocaram-se para Brasília 220 estudantes de 22 estados e acamparam na Esplanada dos Ministérios, com objetivo de solicitar 10% do PIB e 50% do faturamento do Pré-Sal para a educação. Entre atividades culturais, futebol e muito protetor solar, apresença da internet foi constante, tanto por conexão 3G ou celular. “Passamos o tempo todo postando fotos e mostrando nosso trabalho. Sem a internet, acho que seria impossível disseminar nossas idéias tão rápido”, comentou
Alexandre Silva, 25 anos, coordenador do movimento. A repercussão, comenta Alexandre Silva, fez com que o assunto #OcupeBrasília figurasse como um dos assuntos mais comentados mundialmente no Twitter. Mesmo dentro da UNE, Alexandre diz que 90% da comunicação é online, apesar de produzir informativos e jornais.
Adote um Distrital A Marcha da Corrupção e o #OcupeBrasília foram manifestações políticas organizadas na internet. Mas o meio virtual também promove outras formas de mobilização política. O “Adote um Distrital”, por exemplo, fiscaliza a vida dos 24 parlamentares da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Leonardo Oliveira, 28 anos, é um dos coordenadores do projeto. Ele diz que o movimento foi inspirado no Adote um Vereador, de São Paulo. E a onda continua, pois Curitiba ganhou a sua versão. A metodologia de atuação do grupo é tentar simplificar ao máximo para o cidadão comum tudo que acontece na CLDF. “O portal da câmara produz milhares de informações, mas como facilitar o entendimento do que é tratado ali para a população?”, questiona. Para trazer a vida política da cidade para os eleitores, o grupo faz um apanhado de tudo que é produzido ou observado e dispõe em uma planilha Excel. O Adote um Distrital traduz para os leigos as 801 Leis Orçamentárias Anuais (LOA). “Tivemos sucesso em mapear todas as obras de
responsabilidade do governo local no mapa do Google”. E se você quiser adotar um deputado, basta se cadastrar na página do grupo que receberá todas as informações do distrital de sua escolha. E mesmo diante de ideologias políticas diferentes entre os coordenadores, Leonardo diz que o grupo fiscaliza de forma igual os 24 deputados da Casa. Todo esse trabalho é difundido nas redes sociais. Para Leonardo Oliveira, elas aproximam os grupos que se identificam para depois ir a campo. Ele cita como era a militância na época do seu pai. “Há 20 anos, quando as pessoas iam às ruas não sabiam exatamente porque estavam lá. Hoje elas lêem antes de sair de casa e sabem exatamente porque estão protestando”. Ele prossegue o raciocínio comentando que antigamente o povo não só era reprimido, como também não era ouvido. “Hoje você não está mais limitado ao seu grupo de amigos e familiares”. Leonardo passa dez horas do seu dia na internet. Em um ano de trabalho à frente do Adote um Distrital, ele diz que as pessoas estão mais interessadas na política. “Porque antes a população via a CLDF apenas como um reduto de canalhas”. Hoje, cada um pode receber todas as informações a respeito de um político.
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Ficha Limpa O diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) Osíris Barbosa, 45 anos, diz que a militância na internet foi fundamental para o sucesso da aprovação do Ficha Limpa. “Em duas semanas foram registradas dois milhões de assinaturas eletrônicas”, dispara. Hoje o MCCE luta por uma reforma no sistema eleitoral. Eles militam para que as assinaturas colhidas na internet tenham relevância na pauta do Congresso, por ocasião da criação de leis de iniciativa popular. Ele esclarece que para um cidadão sugerir esse tipo de lei, basta apresentar o documento de identidade e não mais o título de eleitor. Entrando na discussão proposta pela revista, Osíris Barbosa considera que a mídia tradicional ainda tem mais credibilidade frente às novas mídias. “Porém, a internet tem a vantagem de uma pessoa receber a informação vinda de uma pessoa amiga, e isso traz uma credibilidade”. Sem contar que o seu poder de mobilização é imensurável. Por serem de natureza semelhante, tanto o Adote um Distrital, quanto o MCCE sonham com a extinção da corrupção que assola o país de norte a sul.
Gestor de Redes Sociais
Alexandre Silva diz que sem a internet o #OcupeBrasilia não teria o mesmo impacto.
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Atualmente existem pessoas que se dedicam, profissionalmente, à criação de sites de relacionamentos. Aurélio Araújo trabalha como consultor de gestão e redes sociais. Ele comenta como uma mobilização na internet deve ocorrer. “Reunir pessoas é o primeiro passo. Mas uma passeata não é o suficiente. É preciso mobilizar as pessoas para buscar soluções, senão qual o será seu retorno prático?” questiona o gestor em redes sociais. Ele cita como exemplo de mobilização mal sucedida o Movimento Fora Sarney que não conseguiu ganhar as ruas e elogia a Marcha da Corrupção. Ressalta, porém, que é necessário que se apresente uma solução. “O exemplo bem sucedido que temos hoje, no Brasil, é o da Ficha Limpa”. Aurélio Araújo vai além na discussão e comenta que a internet tem tido poder
muito maior que a televisão. Ele citou um caso onde as redes sociais influenciaram a própria TV durante a transmissão dos jogos Pan-americanos. O público considerou que a Rede Globo não noticiou devidamente os jogos por conta dos direitos exclusivos da TV Record. Houve uma mobilização no Facebook que obrigou a Rede Globo a inserir flashes dos jogos durante seu principal jornal. “Hoje a própria TV busca ser mais interativa, e os televisores estão navegando na internet”, complementa. Isso influencia, mesmo que timidamente, o meio político e industrial. Aurélio diz ter conhecimento de apenas um deputado que mantém um profissional responsável por redes sociais, e um assessor de comunicação que trata das demais tarefas ligadas à comunicação. “O que os políticos e as empresas não sabem é que eles são falados nas redes sociais. Falta um profissional para traçar estratégias de comunicação”. E essa comunicação chega até a classe D, assegura o gestor de mídias sociais. “Todas as comunidades possuem Lan Houses e estas lojas que servem de ponto de encontro para os jovens. E mesmo para essa classe já temos estratégias de mercado elaboradas”. Agora, caso um político esteja interessado em contratar os serviços de comunicação interativa, Aurélio comenta que na internet o público é mais sensível. “Se eles percebem algo de negativo ou que não esteja claro começam a repercutir negativamente”. O consultor acrescenta que as redes sociais servem como termômetro para os políticos perceberem como o eleitorado o enxerga e para amplificar as ações. Devem, também, ter a consciência que as pessoas estão lá a procura de diversão. Outra postura a ser observada é a continuidade da interação no mundo real, comparecendo aos eventos e cumprimentando o povo. Saindo do mundo político e entrando no empresarial, Aurélio considera que a cidade de São Paulo está mais atenta as redes sociais. E mesmo São Paulo precisa avançar nesse mercado.
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Os Estados Unidos é um referencial. Lá ocorrem constantemente seminários onlines, existem departamentos de universidades e grupos profissionais lidando com esta plataforma de comunicação. Em relação a Brasília, Aurélio diz que apesar de existirem muitas pessoas interessadas no assunto, o tema ainda é abordado de maneira difusa.“Não há algo sistematizado para estender as redes sociais”, diz Aurélio. A rotina de um profissional dessa área é monitorar e estudar tudo que é dito nas mídias sociais para traçar suas estratégias. “Quanto mais você compartilha e divide, acaba aprendendo com os outros.” E hoje, apesar de ser um nicho altamente tecnológico, o serviço ainda é feito manualmente, pois existem inúmeros softwares para fazer triagem de palavras, mas o computador não entende ironias, metáforas ou cinismos. “Portanto, o recurso humano é fundamental”. O consultor e professor de marketing e internet do Uniceub, Evaldo Bazeggio, têm opiniões semelhantes às de Aurélio. Ele diz que no meio político o modelo utilizado nas redes sociais ainda se limita a observação. “Na minha visão ainda não perceberam seu potencial e importância”. Ele fala que um gestor de mídias sociais não é mais opção para o meio político, é obrigação. A única exceção a esta regra, diz o professor, é o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que já era adepto das redes sociais e hoje possui uma equipe de comunicação interativa. Evaldo diz que para um político de mais de 40 anos precisa primeiro desmistificar a internet, ou seja, perder o medo. Depois, é perceber o que as pessoas estão falando deles, o chamado monitoramento e traçar uma estratégia de conversação. Ele dá como exemplo dessa falta de interatividade com o eleitor é quando você envia um e-mail para um parlamentar. “Ele dificilmente irá lhe responder”. Porém, diz Bazeggio, as chances de se obter uma resposta por meio das mídias sociais são maiores. “Porque lá ele é obrigado a lhe responder”. Outro ponto que a classe política tem que levar em consideração, é que
Contra o cassino global Mentor do movimento Occupy Wall Street
Por Djenane Arraes O movimento Occupy Wall Street nasceu para ser repercutido no Twitter. Depois de uma sessão de brainstorm, o documentarista Kalle Lasn e demais integrantes da Adbuster Media Foundation, sediada no Canadá, criaram um cartaz com uma bailarina em cima de búfalos com a frase “What is our demand?”. Em português: “Qual é a nossa demanda?”. Na parte inferior do cartaz trazia a hashtag #occupywallstreet, a data 17 de setembro, e a convocação: “traga a barraca”. O cartaz foi impresso e colocado em praças de grande circulação em Nova York. Na data sugerida, ainda sob os eventos que lembravam os dez anos dos atos terroristas de 11 de setembro, surpreendentemente as pessoas atenderam ao chamado. A princípio foram às ruas os desempregados e aqueles que sofriam duramente a recessão provocada pela crise econômica enfrentada pelos Estados Unidos. Occupy Wall Street cresceu e se espalhou incensado pela má reação dos policiais, pela ampla repercussão na internet e pela cobertura jornalística. De repente, o mundo pôde assistir passeatas frequentes que envolviam desde a atriz Anne Hathaway (que tem fortuna estimada em U$ 58 milhões), até estudantes pobres. Os cartazes que carregavam tinham os mais variados dizeres. “Limitação dos direitos políticos das corporações.” “Fim imediato das guerras.” “Aumento dos impostos aos milionários.” “Quadros negros, balas não”. Ou seja, cada um levou a própria demanda. No entanto, o estoniano Kalle Lasn não estava lá. Não acampou com os manifestantes. Isso não o impediu de ter o rosto
veiculado nas mídias como um quase-líder. Ele, um homem de 69 anos que viveu até os sete anos num campo de refugiados na Alemanha, se define como anarquista que deseja a queda do atual modelo capitalista vigente: algo que chama de cassino global. Este é, para ele, um mal que precisa ser derrubado por todos, independentemente da orientação política e ideológica.
Você diz que o Occupy Wall Street é um movimento novo porque é realizado por uma geração que nasceu com a internet. E o que mais? O Occupy foi abraçado por milhares de jovens ao redor do mundo que perceberam que o futuro não faz sentido dentro deste buraco de crises ecológicas, políticas e econômicas. Daí a razão de elas terem se levantado e saído às ruas. O sentimento de um futuro negro é o que tem movido as pessoas. Claro que, diferente das gerações anteriores, esta cresceu na cultura da internet e sabe como usar redes sociais para organizar movimentos. Isso pode ser em forma de protestos tradicionais ou talvez em flashmobs. Eles possuem este poder incrível que a internet proporciona. É por isso que o Occupy Wall Street transformou-se num movimento mundial.
Qual a vantagem que existe num movimento sem líderes que possam responder por ele e sem uma orientação ideológica pré-estabelecida? Claro que não existiram inicialmente solicitações claras nas ruas e tampouco se discutiram mudanças no programa político e social. Mas o fato de simplesmente
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existir começou a provocar discussões mais profundas nos Estados Unidos e depois no mundo. Aí sim proporcionou a formulação de um debate concreto sobre demandas claras para mudanças na política social. Realmente acredito que isso sim pode ser o pontapé para futuras mudanças dentro do sistema de capital. Talvez possamos mostrar para as pessoas que por trás da economia existe um cassino global. Wall Street é como uma gigante Las Vegas onde se fazem as mais diferentes apostas, cujo único objetivo é produzir dinheiro, sem a preocupação de estabelecer uma economia real que possa impactar positivamente na vida das pessoas.
O senhor é contra o sistema capitalista praticado no mundo de hoje. Mas existe um sistema ideal? O senhor teria um nome para um sistema mais justo que caberia no mundo de amanhã?
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Eu não sei o que esse novo sistema será. Está aí a beleza desta história:
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mudanças puderam ser efetivadas por meio de um movimento espontâneo. É mais ou menos como um jazz em que não sabemos qual será a próxima nota. Não sou capaz de dizer o que vai acontecer, mas posso especular situações para o próximo ano [2012] na economia global devido, principalmente, à crise europeia. Talvez possamos saber mais notícias sobre o Brasil, que é um dos países mais bem-sucedidos da atualidade, ao passo que Estados Unidos, Europa e Japão vão decair um pouco mais. Isso é mais combustível para os jovens continuarem a sair às ruas e lutar por uma economia mundial diferente.
Em Brasília e no Brasil existe o movimento que também nasceu na internet chamado “Marcha Contra a Corrupção”, motivado por escândalos no governo. O senhor acredita O organizador do movimento, Kalle Lasn
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a juventude não assiste mais televisão como os mais velhos e que o foco dos novos eleitores são as redes sociais. “Há muito a se aprender sobre o tema e não podemos afirmar que exista um especialista sobre o assunto, porque todo dia está mudando”. Evaldo diz que no meio acadêmico, as pesquisas sobre mídias sociais estão mais avançadas em estratégias de marketing para o empresariado. Porém, para discussões de cidadania incluem política, ainda patinam.
Mobilização no Mundo Outra forma de mobilização política é por meio das petições online. O www. peticoesonline.com é uma organização mundial que trata do assunto. Segundo seu co-fundador Nik Dicampli, eles notaram que a maior demanda oriunda da América do Sul é sobre Direitos Humanos. Nik Dicampli diz que o Internet Petition Network trabalha em duas diferentes categorias de causas: petições locais e internacionais. “Pensamos que os problemas locais são tão importantes, quanto os de alcance internacional”. Nossa meta, diz ele, é dar maior voz às pessoas que normalmente não tem outra forma de expressar seus problemas e encontrar outras pessoas que compartilhem da mesma ideia. Para ele é uma forma de conectá-las para lutarem juntas. “Em nossa rede internacional nós encontramos petições de liberdade, direitos humanos e dos animais e ambientais, tanto no âmbito internacional, quanto no local”. Ele comenta sobre o crescimento do site. O petições online começou na Itália quando o país queria retomar o programa de energia nuclear e hoje já se encontra em 32 nações. “Damos um megafone aos problemas das pessoas”, resume. Na Europa e em outros países, por exemplo, a luta é por preservação das águas públicas. Também lutamos pelo direito das mulheres. Na Rússia,o site luta para garantir a democracia onde existiram muitos problemas, após as eleições.
O profissional de imprensa
Victor Hugo Bonfim
Sérgio Ludtke é editor da revista Época Online e deu sua versão para IPad. Ele diz que as redes sociais proporcionam uma agilidade impressionante na troca e multiplicação das informações. “Isso acontece porque as redes ou mídias sociais na internet proporcionam a cada cidadão seu próprio canal e ele repercute imediatamente” e considera que a abrangência disso vai depender da reputação dos indivíduos envolvidos e da capacidade de multiplicação que suas redes tiverem. Sérgio prossegue afirmando crer que a tecnologia vai ser cada vez mais usada para comunicação e para registrar e compartilhar informações. “Hoje você encontra com mais facilidade um sujeito com um celular que pode captar imagens do que alguém com uma caneta na mão. Essa tecnologia faz parte do vestuário das pessoas”. Há algumas causas que podem se tornar unicamente virtuais, “mas é difícil para elas criar fatos. Pessoas reunidas no mundo real geram a repercussão no mundo virtual”. Ele lembra que no Brasil, movimentos como o das Diretas ou dos
caras-pintadas conseguiram mobilizar muita gente antes das redes sociais. E considera que o sucesso depende muito do ambiente que está criado e das redes que os líderes do processo conseguem usar. “As redes sociais conseguem um impacto imediato e ampliam as ideias defendidas por esses movimentos. Além disso, todo sujeito envolvido nesse processo é também uma testemunha, um repórter que registra o movimento. Essa multiplicação de registros capta o que antes era impossível captar e ajuda a alimentar o movimento”. Questionado sobre a força de cada meio de comunicação, ele diz que tudo depende do público que se quer atingir. “No Brasil, a televisão é muito mais abrangente e tem mais força quando se pretende fazer algo que chegue a todos os lugares e pessoas. As redes sociais digitais dependem do acesso à internet via computador ou telefones celulares”. É um número menor, mas já significativo. A diferença, que poderá ser definidora da resposta, é a propriedade do canal. Na internet qualquer cidadão tem seu próprio canal e ele pode ser multiplicado muito rápido.
Gestor em mídias sociais, Aurélio Araújo, afirma que para uma mobilização virtual surtir efeito ela precisa chegar ao mundo real
que a corrupção é a maior ameaça à democracia? As mídias americanas gostam de escrever sobre corrupção na África e nos países emergentes. Falam sobre extorsões praticadas por policiais. Mas isso se vê todos os dias em todos os países. Acredito que esse tipo de corrupção não é o mal maior. O problema está no alto escalão. Posso dizer que o lugar mais corrupto do mundo é Washington DC. É onde estão as casas dos ladrões e dos lobistas que atuam nas grandes corporações e em Wall Street. Para você ser eleito para o Congresso, por exemplo, vai ter que depender do dinheiro dessas corporações. O processo político americano é corrupto e fica difícil estabelecer a democracia neste meio. E não são apenas as pessoas do Occupy Wall Street que denunciam isso. Muita gente do Tea Party concorda que os Estados Unidos não são mais o topo da democracia, mas sim um estado corporativo. Chamam isso de “corpocracy”.
O senhor acredita que o Occupy Wall Street é um indicador para uma revolução global? Acho que isso depende muito da forma em que essa crise econômica atinge cada um. No momento, pesa mais na Grécia, na Itália e na Espanha. Talvez outros países estejam enfrentando dificuldades semelhantes. Mas a situação não está ruim o suficiente para provocar algum tipo de revolução. Se a economia global entrar em colapso, se o índice Dow Jones tiver uma espantosa baixa a ponto de lembrar o cenário de 1929, aí sim penso que o movimento Occupy Wall Street possa crescer para um movimento de revolução global.
O jornal de divulgação do movimento, fazendo sátira ao famoso Wall Street Journal PLANO BRASÍLIA
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Cidadania
Por: Janaína Camelo | Fotos: Fábio Pinheiro e Divulgação
Obrigado Tia
Angelina
Tia e crianças, em aprendizado mútuo.
Centro de assistência social criado por moradores do Varjão faz história atendendo crianças carentes
C
om a mesma qualidade de vida que tem uma cidade quase que esquecida, apesar dos seus mais de 50 anos, o Varjão se orgulha. Se orgulha de um dos maiores frutos conquistados por moradores com ideais de uma comunidade melhor. Se orgulha do Centro Social Comunitário Tia Angelina, construído na quadra 4 da cidade, desde 1990. Ele leva o mesmo nome de sua fundadora, a Nair Queiroz faz questão de tocar o projeto dona Angelina Pereira de Matos, fundado pela mãe. antiga moradora do Varjão e que desde sempre lutou pelas boas condições Tudo é financiado por meio de doções, de vida de seus vizinhos. Ela morreu em exceto a educação infantil, que é custeada 2006, mas seu maior triunfo continua pela Secretaria de Educação, graças a um rendendo histórias. convênio firmado com o GDF. O Centro Social Comunitário Tia No Varjão, quem não está no Centro Angelina é creche, escola infantil e espaço Comunitário Tia Angelina já esteve um para atividades extracurriculares. Atende dia. Muitos moradores da cidade, hoje desde bebês de 1 ano até adolescentes de adultos, passaram pelas mãos de Angeli14 anos. Todos são crianças carentes. Para na quando pequenos. Em 1984, Angelina aqueles que não vão bem na escola de foi escolhida para inaugurar a primeira origem e já não freqüentam mais a edu- creche do Varjão, criada em parceria com cação infantil, recebem no centro aulas de a UnB. Ela foi notada pelas suas posições reforço, em horário contrário ao da escola. a favor da comunidade e falava da falta
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Uma parede pintada pelas crianças.
de uma creche como um dos principais problemas da cidade. Foi aí que as primeiras crianças receberam os cuidados de Tia Angelina, como a moradora passou a ser chamada. No entanto, a criação do famoso centro social não começou ali. Depois de anos a frente da primeira creche do Varjão, Tia Angelina deixou o trabalho. Dizia que a política comunitária utilizada na criação da creche teria se transformado em uma política partidária e passou a cuidar das crianças em sua própria casa, na época
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Equipe de professores que faz o centro social funcionar.
de 1999 e os sete filhos de Tia Angelina passaram a tomar conta da creche. “Começamos a mostrar nosso trabalho”, diz Nair. Mas nem tudo foi fácil. Na época, um galpão no terreno que guardava materiais de construção pegou fogo num incêndio que teria sido criminoso. Depois de pedir ajuda em jornais e televisão, os filhos de tia Angelina receberam as primeiras grandes doações. “Há males que vem pro bem. A embaixada do “É um prazer fazer a diferença na vida dessas Japão viu as reportagens e crianças”, diz a pedagoga Hérica Araújo. pediu um projeto da creche um barraco de dois cômodos. “Passamos que queríamos”, lembra Nair. Hoje o Centro Social Comunitário a conviver com essas crianças. Nós chegávamos em casa, tinha criança dormindo na Tia Angelina conta com três grandes minha cama, comendo nossa comida”, re- blocos com várias salas de aula, galpões, corda aos risos a pedagoga Nair Queiroz, auditórios e até oficinas de artesanato. Tudo a base de doações. Neste mês de uma dos sete filhos de Tia Angelina. Nair é hoje presidente do Centro dezembro, a instituição ganhou mais Comunitário Tia Angelina. Ela conta que um presente. Um auditório doado pela com o tempo, para atender a demanda embaixada do Canadá. de tantas crianças, o lote com um barraco passou a ter dois barracos, depois três... Artesanato gera renda Além das doações, existem outras fonAté chegar a ser construído um grande telhado e uma sustentação de base. O ano é tes de renda que garantem a sobrevivência
do Centro Comunitário Tia Angelina: as oficinas de artesanato e o bazar. Lá, as mulheres que freqüentam o Centro, aprendem a fazer caixinhas de presente, sabonetes e até cestas de chocolate. As aulas são gratuitas e representam uma boa oportunidade de gerar uma renda extra para quem quer aprender. Hoje, 30 mulheres frequentam as oficinas. “Muitas são ex-presidiárias e não conseguem voltar ao mercado de trabalho”, aponta Nair. Parte dos produtos artesanais é vendida junto com roupas e acessórios doados no bazar beneficente, e gera uma boa renda a cada mês. Mas o centro não quer parar por aí. E o sonho é grande. A intenção é montar uma loja para vender as mercadorias produzidas nas oficinas.
Experiência marcante Cinquenta e uma pessoas fazem o Centro Social Tia Angelina funcionar. A equipe conta com professores, funcionários da administração, diretores, coordenador pedagógico, vigias e pessoal de serviços gerais. E a experiência de conviver ali é marcante. A professora Hérica Araújo sabe bem o que é isso. Nos 25 anos trabalhando como pedagoga, nunca antes havia se relacionado com crianças tão carentes de afeto. “Aqui chegam meninos e meninas muito arredios, que não sabem o que é um beijo, um abraço”, lamenta a professora. Segundo ela, as atitudes são um reflexo da realidade que vivem. “Mas a gente ensina e insiste no amor com elas, que acabam aprendendo. É um prazer fazer a diferença na vida delas”. Serviço Centro Social Comunitário Tia Angelina (61) 3468.2838 PLANO BRASÍLIA
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