Cultura
Mecânica e Delícias do Sexo. Além disso, organizou muitas festas de rock (jovem guarda) e atuou como apresentador e jurado em programas de televisão e de rádio. Nesse ramo agilizou o primeiro contrato de gravação para Roberto Carlos e produziu os dois primeiros discos de Elis Regina.
O Bom Canalha
Na condição de jurado de desfile de escolas de samba, criou o bordão “Dez! Nota dez!”, que virou título de sua biografia. Sua abrangência se revelou até como um fenômeno na política, pois em 1982 foi o vereador com mais votado à época no Rio de Janeiro.
Pedro Wolff Fotos: Divulgação e Arquivo Pessoal
Carlos Imperial foi responsável por lançar muita, mas muita gente boa no mercado. Talentoso em diversas frentes, sem ele a cultura pop brasileira teria outra cara hoje. Talvez por seus métodos questionáveis, foi apagado da memória coletiva brasileira
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inte e dois anos após sua morte, será lançado o documentário “Eu sou Carlos Imperial”. Essa produção junto com uma biografia escrita são pouco frente à importância desse “maldito” do showbizz brasileiro. Ativo desde os anos 1950, o personagem controverso foi produtor e vilão de pornochanchadas, investiu e projetou o rock nacional e deu uma força para o movimento disco no Brasil. Como se não bastasse, foi apresentador e jurado em programas de televisão e rádio e mexeu com teatro, além de ter sido político e influente jornalista. Também foi compositor de alguns sucessos musicais. E cuidou dos primeiros passos de grandes dinossauros da música: Roberto Carlos e Erarmos Carlos, Elis Regina, Tim Maia, Wilson Simonal, Eduardo Araújo e segue lista. Na mesma proporção destes feitos, o polivalente artista costumava comprar brigas com inimigos. Mulherengo, gostava de confrontar e carregava o bordão “só a vaia consagra artista”. Jogava muita mentira na imprensa. Fizeram parte de sua maquinação: inventar que trocou porrada com Erarmos Carlos pela autoria de “Pode vir quente que estou fervendo”; após compor “A Praça”, sucesso na voz de Ronnie Von, pagou uma pessoa para processá-lo alegando ser o verdadeiro autor; assumiu a autoria da música de domínio público “Meu limão, meu limoeiro”. Acrescentase a suas falácias dizer que seu filme “Mulheres” foi baseado em um suposto conto escrito pelo cineasta italiano
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Pasolini. “A questão é que ele gostava de ser dar mal, porque achava que a repercussão negativa o ajudava. Provocava a plateia para ser vaiado e ficava feliz quando fazia barulho e ouvia reclamações”, opina o codiretor de sua cinebiografia, Ricardo Calil. Com os fins justificados ou não, os meios utilizados pelo ícone multitalentoso podiam oscilar em uma escala de valores como “lançar” um cover de Asa Branca feito pelos Beatles, quando na realidade era uma gravação de Renato e seus Blues Caps. A consequência foi uma guinada na carreira do Rei do Baião com vários convites para shows em um momento em que sua carreira andava meio caída. Noutra ponta mais extrema, jogou um boato pesado na imprensa de que o então galã da Tv Globo Mário Gomes fora internado em um hospital com uma cenoura no ânus. Essa calúnia marcou a carreira do ator. Em entrevista concedida em 2012 a um portal da internet, Mário Gomes resume essa atitude como “uma tentativa de assassinato que não deu certo”. Coincidência ou não, o exator não retornou nenhum dos pedidos para gravar um depoimento no documentário do “seu algoz público”. Dado os extremos de seus artifícios, o segundo diretor do documentário, Renato Terra, considera que esses dois lados do Imperial se fundiam e eram igualmente intensos, sem espaços para maniqueísmos de mal ou bem.
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As lebres do Imperial
“Dou o exemplo do Eduardo Araújo, que perdoou Imperial alegando que ele tinha um coração enorme quando descobriu que ele havia registrado sozinho a autoria do hit O Bom”. Terra diz que ele tinha um lado paizão de acolher uma turma, mas tinha o lado cafajeste, mulherengo e mentiroso. Conta que quase todos os entrevistados são muito gratos pela generosidade, pelo talento e pela forma como Imperial conduziu as respectivas carreiras deles e que o produtor criava uma rotina muito intensa para lapidar essa pessoa até o estrelato. Com muita rédea curta, Imperial escolhia desde roupas e repertório a horários de almoçar ou de ir se bronzear na praia, ou de mandar o aspirante ao estrelato colocar um lápis na boca para melhorar a dicção. “Sempre nessas coisas pensando nos mínimos detalhes, ele gostava de revelar as pessoas e controlar suas carreiras até onde conseguia. Depois as pessoas enchiam o saco e seguiam o seu rumo”, completa.
Os feitos do homem Oriundo de família abastada de banqueiros de Cachoeira de Itapemirim (ES) e sem curso superior, Carlos Imperial viveu com muita qualidade de vida no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. O documentarista Ricardo Calil conta que ele começou como vilão e produtor de pornochanchadas, com destaque para A Viúva Virgem, Banana
Com dois filhos e um casamento na vida, outra imagem negativa cultivada pelo ícone é a da cafajestagem, sempre rodeado por mais jovens as quais ele chamava de Lebres do Imperial. Ele, por sua vez, queria “abater essas lebres”. “Colhemos o depoimento de sua ex-namorada e musa do filme O sexo maníaco, Sandra Escobar, que disse ter tido um relacionamento muito intenso por parte de ciúmes dela. E que ele achava que ela tinha que aceitar o seu jeito. Foi um namoro marcado por muitas bofetadas. Amavam e brigavam loucamente”, relata Renato Terra. O documentário teve como base o livro “Dez! Nota dez”, de Denilson Monteiro, que ajudou na produção. A intenção dos produtores é lançar o filme no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, no qual está inscrito e aguarda aprovação. Com um orçamento de R$ 500 mil, o filme contém muitas imagens de arquivo casadas com várias entrevistas colhidas em 15 dias intensos de gravação. “Nossa ideia era fazer um vídeo com essa brincadeira dele de um jogo de verdades e mentiras. Mas, no fim, a personalidade intensa dele tomou uma proporção maior na produção”, adianta. Questionado se o showbizz brasileiro iria suportar um personagem como esse hoje em dia, Renato Terra diz que muitos sentem falta de uma pessoa como ele para garimpar espaços na mídia. “Sempre no limite, ele esculhambava os bons costumes e tenho certeza que ele iria questionar certas hipocrisias de hoje em dia das pessoas medirem as palavras com
medo de perder contatos, amizades e patrocínios”, comenta.
Quem conviveu com o fera “Personalidade folclórica que fazia aquele gênero cafajeste e provocava com aquele cabelo enorme, aspecto meio sujo e calçado de havaianas. Ele era gente do bem e trabalhava pra caralho”, define Flávio Cavalcanti Júnior, hoje com 63 anos. Pelo nome já dá para saber a hereditariedade desse publicitário e executivo de televisão. Ele conta que, no início dos anos 1970, Imperial participou como jurado no programa de seu pai. “Na época ele havia produzido a peça Um Edifício Chamado 200, que ficou dois anos em cartaz. A história gira em torno de um edifício de quarto e sala muito apertado, habitado por elementos diversos como advogados, prostitutas, dentistas e ladrões”. Fora isso, conta Flávio Cavalcanti, Imperial era produtor de dezenas de pornochanchadas e arrisca dizer que seja “talvez o produtor mais importante dessa fase do cinema”. Ele conta que, várias vezes sem sucesso, Imperial tentou arrebanhá-lo para a produção desses filmes por acreditar que ele poderia atrair recursos pelo fato de ele ser filho do sucesso dos domingos. Flávio Cavalcanti conta que, beirando os 20 anos, junto com sua irmã e cunhado, viajou com o irreverentecriativo-inconveniente personagem para os Estados Unidos para ver a corrida que culminou no primeiro título de Emerson Fittipaldi na Fórmula 1. “Em um jantar, ele veio me abordar para trabalhar nas pornochanchadas e descobriu que em uma semana iria para fora, foi o suficiente”. Cavalcanti diz que já no avião, todos na classe econômica, o cabeludo foi tentar lugar na primeira classe. Reconhecido pela aeromoça, partiu ao encontro do comandante. “Dez minutos depois ele me abre a cortina e lá do meio do avião solta um sonoro ‘deixa estes babacas aí e vem para cá!’”.
Lá, sob indicação de um amigo jornalista do escritório da Revista Manchete em Nova Iorque, saiu com o jovem Cavalcanti para a esbórnia. Na época, conta o executivo, Times Square era um lugar muito degradado e eles foram a um clube noturno. Pouco à vontade, Cavalcanti resolveu ir embora sob um “você é um babaca, eu fico por aqui” – e deixou Imperial bebendo sua Coca-Cola com gelo, pois era totalmente careta a álcool. “À 1h30 ele me aparece no hotel todo arranhado após uma briga”, diz. A explicação foi que, na casa, você recebia um carimbo de identificação que distinguia entre os que queriam somente olhar e os que queriam sair com uma menina. “Só que Imperial que não tinha inglês suficiente para explicar ao leão-de-chácara que estava disposto a pagar a mais”, dedurou. Outro causo dessa viagem foi um passeio de navio às Bahamas. Como estava monótona, o showman aparece enrolado com toalha e sai desfilando pagando de sheik árabe, tratando o jovem Cavacanti como seu serviçal e falando uma língua esquisita. Resultado: virou sensação por seu número patético e foi convidado para jantar com o comandante na condição de continuar com a performance. Para fechar com chave de ouro a viagem, na volta Imperial foi preso na alfândega por ter feito um cartão de natal sentado em uma privada com as calças arriadas para o periódico Pasquim. “Prenderam o cara e ainda o acusaram de corrupção de menores, mas acredito que não era”, encerrou.
Foram 15 dias de contato próximo com totalmente careta a birita Imperial.
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